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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriarrt)
APRESErsTTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razio da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevño Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
O
Sumario
Póg.

"OS TEMPOS SAO MAUS !" 45

A palavra do Papa
SOBRE O ADULTERIO DO CORAQÁO E A CONCUPISCENCIA 47

Propasta revolucionaria :
"AM1ZADE E SEXUALIDADE" 51

Outro desafio :
"SEXUALIDADE E C0NSAGR*CÁO" 58

No setor da pedagcgia:
O MÉTODO PAULO FREIRÉ EM DEBATE 65

Após seis anos de esludos :


OS BISPOS DA ALEMANHA FALAM SOBRE A MAQONARIA 78

LIVROS EM ESTANTE 3? capa

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

A sucestao de Pedro e o Papado. — O Batismo das crianeas.


«Rico em misericordia» de Joño Paulo II. — A dispensa do celi
bato sacerdotal. — Representantes da Idads da Pedra em extincac.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Para números avulsos dirigir-se á Administragáo.

Assinatura anual (De Janeiro a dezembro) 500,00

PEDIMOS AOS NOSSOS ASSINANTES QUE SEM DEMORA


NOS MANDEM O PAGAMENTO REFERENTE A 1981

Diresáo e Redagáo de Estéváo Bettencourt O.S.B.

NOVA ADMINISTRAgAO
Edlcóes «Lumen Chrlsti» BEDACAO DE PR
Búa Dom Gerardo, 40-5' aiwL Caixa postal 2668
Calxa postal 2666
20000 Bio de Janeiro (RJ) 2«»«° Rl« de Janeiro (RJ)
Tel. : (021) 291-7122
"OS TEMPOS SAO MAUS!"
Quem vive os tempos atuais, c propenso a exclamar que
sao maus. E com certa razáo,... ao menos á primeira vista.
Com efeito, a onda de violencia que se desenoadeou sobre o
mundo e, especialmente, sobre o Rio de Janeiro, é algo que
veio caracterizar de maneira concreta a ingratidáo dos dias
que correm, deixando as populagóes em clima de pavor.

Os pensadores procuram definir as causas desse terro


rismo, a fim de sugerir o remedio adequado. Apontam, entre
outros fatores, a miseria material, que, afligindo individuos
e familias, leva a assaltos,... ou as injustigas vigentes na
sociedade (provocadoras de miseria) ou ainda o baixo nivel
moral dos contemporáneos... Acrescentaríamos, como fator
fundamental em relacáo aos demais, a falta de Deus ou a
apostasia frente a Deus; se os homens nao tém consciéncia
de que há um Pai comum no céu, nao poderáo estimar seus
semelhantes como irmáos; qualquer remedio que se procure
indicar para os horrores da vida social de nossos dias, des
vinculado da volta ao Senhor e aos valores da fé, será insu
ficiente e mesmo fadado >k frustraeáo.

O diagnóstico da situacáo presente tem levado muita


gente ao desánimo; o mal parece cada vez mais agressivo, de
sorte que até mesmo aqueles que se lhe deveriam opor, sao
por ele aliciados e envolvidos. Pergunta Carlos Drummond de
Andrade, depois de apontar a injustiga social como causa de
criminalidades «Que geracáo terá consciéncia e lucidez bas
tantes para arrumar a vida em bases mais justas?» (Jornal do
Brasil, 15/01/81, Cad. B, p. 1).

É precisamente na dolorosa conjuntura atual que a fé


acode com urna palavra de luz e confianza. Na verdade, de
nada serve estar repetindo: «Os tempos sao maus! Antiga-
mente tudo era mais fácil e sorridente!» Seria mesmo neces-
sário banir dos labios dos cristáos tais lamúrias, que só con-
correm para mais deprimir quem as profere e as ouve. A fim
de evidenciar quanto sao vazios tais queixumes, basta lembrar
que em todos as épocas os homens se lamentaram por estar
vivendo tempos ingratos. No sáculo V, por exemplo, S. Agos-
tinho (t 430) ouvia a queixa provocada pela invasáo dos ván
dalos no Norte da África. A populacáo local se abatía sob os
golpes infligidos pelos bárbaros. Foi entáo que o S. Doutor,
em um de seus sermóes, disse as seguintes frases lapidares:

— 45.—
" 'Os tempos sao maus! Os tempos sio ingratos!', eis o que dizem
os homens. Vivamos bem, e os tempos seráo bons. Nos somos os tempos;
quais formos nos, tais seráo os tempos" (sentí. 80. 8).

Com estas palavras, S. Agostinho quería dizer que o cristáo


é maior ou mais forte do que os tempos. Ele é capaz de dar
a qualificacáo aos seus tempos, em vez de simplesmente ave
riguar a ingratidáo dos tempos e se deixar abater. «Nos somos
os tempos!» Há, portante, no cristáo urna forca regeneradora
dos tempos, e essa forca é a graga de Cristo, que faz que o
cristáo seja bom e, sendo bom, suscite tempos bons. A observa-
gáo de S. Agostinho alivia e redime quem a compreende; nao
estamos sob o jugo dos tempos ditos maus, mas podemos que
brar este jugo e fazer que os tempos sejam bons. A mesma idéia
volta em outro sermáo do S. Doutor, igualmente memorável:

"Vede os bons, que haveis de imitar. Sede bons e encontrareis os


bons. Se, porém, fordes maus, julgareis que todos sao maus. E é mentira.
Enganar-vos-eis. Sede bons, e o bem nao vos ficará oculto. O semelhante
ocorre ao semelhante" (serm. ed. Morin 50).

Estes dizeres significam que o cristáo nao precisa de espe


rar a irrupcáo do bem para comecar a ser bom. Ele já traz
dentro de si um principio de bondade que é dom de Deus e que
sem demora convém por em exercicio corajosamente; inicie a
semeadura do bem e verá que outros principios de bondade,
latentes no próximo intimidado, viráo á baila: «O semelhante
ocorre ao semelhante».

Ao recordar esta verdade, nao nos iludimos a respeito da


existencia do mal no mundo. A historia da humanidade é a de
um povo em marcha, em demanda...; ela se assemelha a urna
caminhada no deserto; supóe lacunas e a procura da plenitude,
que só ocorrerá no fim dos tempos. Por conseguinte, o mal ou
o joio estará sempre presente aos cristáos (cf. Mt 13, 28-30).
Como quer que seja, estes créem no valor das pequeñas coisas,
que se tornam grandes pela graca de Cristo; créem que, se cada
um oferecer ao Senhor e aos homens o que tenha de bondade,
este pouco será multiplicado pelo dom de Deus, dentro do res
pectivo ambiente de familia e de trabalho.

Por conseguinte, os tempos atuais, ingratos com sao, vém


a ser para os discípulos de Cristo um despertar de consciéncias,
incitando-os a nao se lamentarem inútilmente como se estives-
sem sob o inexorável imperio do mal, mas, ao contrario, pro-
vocando-os a procurar redimir os tempos (cf. Ef 5,16) mediante
o exercítío da bondade gratuita e generosa da qual Cristo lhes
deu um principio!
E.B.

— 46 —
«PERGUMTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXII — KP 254 — Fevereiro de 1981

A palavra do Papa

sobre o adulterio do coracao e a


concupiscencia
Em sfntese: O S. Padre Joáo Paulo II, aos 22 e 29/10/80, fez pro-
nunciamentos em que se referia ao adulterio do coracSo que um homem
possa cometer com a própria esposa. Ao usar tal expressáo, inspirada por
Mt 5,27s, S. Santidade tinha em vista condenar os atos e os desejos des-
regrados que um marido possa conceber em relacáo á sua muiher. Com
efeito, a vida matrimonial exige castidade conjugal, ou seja, a abstencao
de atos ou atitudes (nao somante exteriores, mas também Intimas) qce
contrarlam ás leis da natureza ou que sejam inspiradas por paixdes cegas
e desordenadas.
Quanto á concupiscencia da carne, á dos olhos e á soberba das ri
quezas, é o Apostólo Sao JoSo quem as menciona na sua Uo 2,16. Cons-
tltuem tres atitudes do ser humano que os filósofos Sígmund Freud, Karl
Marx e Friederich Nietzsche representan» na filosofia moderna: Freud, por
seu pansexualismo; Marx, por seu materialismo dialético e sua teoría do
"homo oeconomicus"; Nietzsche, por sua proclamacSo da morte de Deus.
Joáo Paulo II, ao mencionar a cobica desregrada, nSo faz eco a
qualquer sistema maniqueu ou dualista, mas tSo somente apregoa a rao-
deracao das paixóes por parte da vontade sustentada pela grasa de Deus.

Comentario: Em suas audiencias de 22 e 29 de outubro


pp. o S. Padre Joáo Paulo n referiu-se á castidade conjugal,
admitindo que o marido possa cometer adulterio com sua es
posa mediante olhares desregrados... Esta posicáo do S. Padre
causou estranheza a muitos leitores. Eis por que passamos a
estudar o seu auténtico sentido.

1. O adulterio do coragao
Joáo Paulo n tomou por base de suas aloeucSes nos días
mencionados os dizeres de Jesús em Mt 5,27s :
"Ouvistes que foi dito: 'Nio cometerás adulterio'. Eu, porém, vos
digo: Todo aquele que olha para urna muiher com desejo libidinoso, já co-
meteu adulterio com ela em seu coracüo".

47
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS-» 254/1931

No caso, como se vé, Jesús nao se refere a esposa, mas á


mulher em geral. Quer incutir a pureza e a castidade nao só
no foro externo ou no comportamento visível do cristáo, mas
também no foro interno ou no intimo do coragáo ; ainda que
alguém nao cometa adulterio físico, pode cometer adulterio
interior ou íntimo se se entrega a pensamentos e desejos de
adulterio. O Senhor Jesús, no sermáo da montanha, faz ques-
táo de incutir urna «justica melhor» (Mt 5,20), ou seja, urna
santidade mais profunda do que a dos escribas e fariseus; estes
se preocupavam mais com a conduta «legal», ritualista, exte
rior do que com a fidelidade interior e profunda do homem a
Deus, o que poderia redundar até mesmo em hipocrisia. Assim
nao basta nao cometer adulterio vis'vel, mas é preciso também
isentar-se do desejo consciente de adulterio no íntimo do
coragáo.
Ora entre esposo e esposa as relagóes conjugáis sao algo
de natural. É lícito a um e outro excitar o ímpeto sexual a
fim de realizar o seu relacionamento conjugal; todavía mesmo
na vida matrimonial requer-se castidade, ou seja, o respeito as
leis da natureza; nem todo e qualquer uso do saxo é permitido
entre cónyuges, pois há atitudes exteriores e interiores qus sao
pervertidas ou antinaturais; por conseguinte, um olhar que
dssrespeite a ordem natural ou que esteja associado a paixáo
cega, desregrada, egoísta... nao pode ser lícito; vem a ser, por
extensáo, adulterio... adulterio cometido com a própria esposa
de quem assim olha. É neste sentido que háo de ser entendidas
as palavras de S. Santidade. Como se vé, o Papa tenciona lem-
brar aos fiéis católicos as exigencias de urna vida autentica-
mente inspirada pelo Evangelho. Nisto é certo que nao vai
alguma concepgáo dualista ou maniquéia que julgue a carne
ou o sexo como algo de mau em si; Deus mesmo é o autor
da realidade corpórea do homem, e pede a este que procure
moderar as suas paixóes, de modo que possam servir aos
ideáis mais nobres a que o homem aspira.

2. A tríplice concupiscencia
O S. Padre falou também da tríplice concupiscencia...
Concupiscencia, no caso, vem a ser o desejo desregrado
ou também o instinto cegó e passional que agita o homem e
pode levar a conduta pecaminosa.
O Apostólo Sao Joáo aponta tres tipos de concupiscencia:
"'O que há no mundo — a concupiscencia da carne, a concupiscencia
dos olhos e o orgulho das riquezas — nao vem do Pal, mas do mundo"
(1Jo 2,16).

— 48 —
ADULTERIO DO CORACAO E CONCUPISCENCIA 5

1) A concupiscencia da carne é o instinto sexual que


freqüentemente suplanta os ditames da sá razáo e suscita
comportamento desordenado. Na sua alocu;áo de 4/11/80, o
S. Padre quis associá-la ao pensamento filosófico de Sigmund
Freud (t 1939). Na verdade, Freud é pansexualista, isto é, reduz
todos os impulsos espontáneos do homem ao eros ou á libido
e ao tMnatos (— morte, agressividade); em seus atos, o ser
humano estaría sendo, de modo geral, movido pelo instinto
sexual. Ao dizer isto, Freud, de certo modo, se gloriava de
estar desmitificando o homem ou tirando a este a ilusáo de
ser mais do que instinto cegó. — O pansexualismo de Freud é
condenado pelo pensamento católico, pois é unilateral, detur-
pando a realidade grandiosa do homem, que, sem dúvida, tem
seus instintos espontáneos, mas é capaz de sublimá-los e trans-
feri-los. Note-se também que, além dos instintos sexuais, outros
impulsos, de ordem espiritual e transcendental, podem mover
c ser humano em diversas atitudes de sua vida ou mesmo
podem tornar-se os moventes básicos inspiradores de todas as
opcóes do ser humano.
Mais: para que os instintos do homem se integrem numa
personalidade harmoniosa e bem construida, háo de ser subor
dinados aos ditames da razáo e da fé. Se alguém cede desarra-
zoadamente aos seus impulsos, passa a viver de maneira quase
bestial; isto nao pode deixar de causar serios traumas psíquicos,
além de dramas físicos. A razáo deve orientar toda a vida se
xual; ela leva a descobrir que o sexo só tem sentido se colocado
em contexto de amor comprometido.
2) A concupiscencia dos olhos foi, pelo Santo Padre,
associada ao pensamento de Kart Marx (t 1883), pois este
reduziu o homem as suas aspiragóes económicas; julgava que
estariam solucionados todos os problemas filosóficos, artísticos,
éticos e religiosos se cada homem tivesse certo bem-estar ma
terial. O pensamento de Marx, portanto, vem a ser a sistema-
tizacáo da atitude do homem dependente de bens materiais.
Está claro que tal dependencia é natural e deve ser reconhe-
cida como algo de legítimo, pois o ser humano é corpo ou
materia (além de alma ou espirito); por isto precisa de bens
materiais para subsistir. Acontece, porém, que Karl Marx leva
essa dependencia a ponto de fazer déla o grande fator decisivo
de todos os demais valores do homem. — Ora a doutrina cató
lica afirma que no homem há aspiracóes espirituais, que podem
explicar e motivar, em graus diversos, a renuncia voluntaria á
posse material; a renuncia é apta a libertar o homem, permi-
tindo-lhe viver melhor para os valores transcendentais e para

— 49 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

o servico ao próximo, como se vé na vida de numerosos santos


e heróis católicos e náo-católicos. Está claro que, afirmando
isto, o Catolicismo nao tenciona isentar os fiéis do grave dever
de combater as injustigas e promover reta ordem social.
3) A sobarba da vida (em grego, alazonéia tou biou) signi
fica a atitude de quem habitualmente sé vangloria de capaci
dades e bens que na verdade nao possui. Tal atitude foi ex-
pressa pelo pensamento de Friederich Nietzsche (t 1900). Com
efeito; este proclamou a «morte de Deus» para que possa
aparecer o Supar-homem; a altivez das palavras de Nietzsche
está associada á soberba (vá, ilusoria) de vida de que fala
Sao Joáo. — Sabe-se, alias, que Nietzsche terminou os seus
dias como doente mental; na verdade, quem quer substituir
Deus pelo homem, fere violentamente a inteligencia e as aspira-
góes mais naturais do ser humano, ameacando de desintegra-
gáo ou desequilibrio a personalidade humana.
Em última instancia, verifica-se que os tres pensadores
citados — Freud, Marx e Nietzsche — tém em comum certa
modalidade de ateísmo.

Freud, por exemplo, deixou um livro intitulado «O futuro


de urna ilusáo», em que prognostica o fim da Religiáo mediante
a evolucáo do pensamento. Ora tal prognóstico foi flagrante-
mente contraditado pela historia, pois os homens hoje, talvez
como nunca, estáo á procura do transcendente ou do absoluto;
estáo inquietos por descobrir a resposta mais profunda para
os seus anseios espirituais. — Quanto a Marx, concebeu a reli-
giáo como «opio do povo», quando na verdade grandes líderes
da humanidade em todos os tempos se tém mostrado pessoas
profundamente religiosas; é a crendice ou a contrafagáo da
religiáo que aliena o homem, ao passo que a fé é atitude extre
mamente viril ou nobilitante. — Nietzsche nao foi um ateu no
sentido usual desta palavra, mas tomou atitudes de ateu em
relagáo ao Cristianismo; viu-se premido entre os conceitos de
«eterno retorno» e do «Absoluto» e afirmou a insustentabili-
dade de um e outro, deixando indefinido o seu pensamento
referente a Deus.

Estas poucas observagóes poderáo elucidar o pensamento


do S. Padre Joáo Paulo II ñas alocucóes de 22 e 29 de outubro
de 1980. S. Santidade nao fez entáo senáo pregar o Evangelho;
o fato de se referir diretamente a textos bíblicos e á terminolo
gía típica dos mesmos pode ter causado dificuldades a com-
preensáo de leitores; estas, porém, dissipam-se desde que eluci
dados os vocábulos e conceitos respectivos.

— 50 —
Proposta revolucionaría:

"amizade e sexualidade"

Em síntese: Urna revista de espiritualldade publicou em outubro de


1980 um artigo sobre "Amizade e Sexualidade", que insinúa a legitlmidade
de afetos eróticos e libidinosos (sem chegar ao contato carnal) entre pes-
soas (homens ou mulheres) pertencentes a comunidades religiosas.

A esta tese observa-se que os Impulsos sexuais nao exigem necessa-


rlamente extravasamento erótico ou libidinoso (com ou sem contato carnal).
Em última instancia, a vida sexual humana é regida pelo psíquico, de tal
modo que, se alguém modera os estímulos de ordem psíquica, pode com
mais facilidade desfrutar de paz sexual. Ao contrario, se alguém enfatiza
os aspectos eróticos da sua personalidade, cria para si problemas de ten-
sao desnecessários e ver-se-á levado a atitudes nao intencionadas, mas
lógicamente decorrentes de tal enfoque.
A Vida Religiosa, longe de sufocar o amor, supoe tal valor e o
cultiva, exigindo doacSo total do (a) Rellgioso(a) a Deus e ao próximo.
Esse amor é sexual no sentido de que toda a realidade (física e psíquica)
do ser humano é ou masculina ou feminina; há, pols, um estilo masculino
e outro femlnino de entrega ao Senhor e aos irmáos. Amor, porém, nao
incluí necessariamente genitalidade ou uso da funcBo genital; este pode vir
a ser um aspecto do amor humano, aspecto que na Vida Religiosa nfio
existe precisamente para que possa haver maior identificacSo com Cristo
e com a causa do Evangelho.

Sao estas verdades que levam a serias restricdes ao artigo em foco.

Comentario: A revista «Grande Sinal», em seus números


de outubro e novembro 1980, publicou dois artigos respectiva
mente sobre «Amor e Sexualidade» e «Sexualidade e Oonsa-
gragáo» \ O assunto, delicado como é, tem suscitado surpresa
e debates. Precisamente em vista disto, vamos abordar e co
mentar o conteúdo de cada qual dos referidos trabalhos, dedi
cando o presente artigo ao primeiro dos dois.

1. O conteúdo do artigo
O autor refere a opiniáo de moralistas e pensadores cris-
táos que se mostraram restritivos em rolacjáo á sexualidade

10 autor dos dois artigos é o Pe. J. Marcos Bach S. J. Cf. "Grande


Sinal" a. 34, n9 8, outubro 1980, pp. 577-587 e n* 9, novembro 1980,
pp. 545-659.

— 51 —
8 PKRGUNTC E RESPONDEREMOS» 254/1981

humana. Identificavam a sexualidade com a libido, a concupis


cencia desordenada e, conseqüentemente, o pecado. Nao pode-
riam admitir um relacionamento de amizade que envolvesse
sexualidade. Eis como o Pe. Bach refere a tese que lhe pare
cerá insustentável:

"Um relacionamento de amizade, por exemplo, nSo pode envolver a


sexualidade, se quiser permanecer puro, ácima de qualquer suspelta de
jogo duplo. Auténtico, honesto. Deve concretizar-se em atmosfera suprasse-
xual. Só pode manifestar-se legítimamente através de gestos que nSo envol-
vam a libido nem criem lacos afetivos marcados pela atracüo sexual. Em
outras palavras: deve ser urna amizade 'espiritual'" (p. 579).

Os Religiosos e todos os que vivem celibatariamente, nao


pertencem ao mundo das pessoas que realizam a sexualidade.
«Fazem parte do mundo contranatural ou supranatural (o que
na prática vem a dar no mesmo)» (p. 579).

Exposto o problema, J. M. Bach afirma:

"Ao falar em amizade, ordinariamente pensamos num tipo de reiacño


afetiva com exclusáo da sexualidade. Ora tal especie de relacáo é simples-
mente ¡mpossivel entre seres humanos. Nao há outra safda: ou envolvemos
a nossa sexualidade (totalmente!) em nossas relacCes humanas, ou elas
nflo passam de contrafacüo de amor" (p. 581).

Sim ; «a amizade só se pode realizar envolvendo a sexua


lidades (p. 581).

«A amizade conta, portante,... com os recursos e o apoio


positivo da sexualidade, na suposicáo de que se trate de pes
soas cuja evolucáo sexual tenha atingido um grau razoável de
maturidade» (p. 581).

Em conseqüéncia, «a amizade envolve a partidpacáo inte


gral (e integrada) das energías sexuais sem levar necessaria-
mente á relacáo genital» (p. 582). «A amizade é um avango
dentro do campo da sexualidade, em diregáo ao limite extremo
a que a energia sexual pode conduzir o amor mutuo de duas
pessoas. A amizade (como o amor conjugal) se realiza sob o
signo da audacia, e nao da prudencia» (p. 582). «Enquanto
regras e decretos constituem o esqueleto da Vida Religiosa, é
inútil falar em amizade, porque a amizade nao é compatível
com categorías desta ordem» (p. 583).

Em conclusáo, o autor insinúa que na Vida Religiosa deve


haver amizade que envolva a libido e que eventualmente possa
chegar a exageras, pois, «no terreno do amor, quem nunca
exagerou é porque nunca amou de verdad©!» íp. 584). «Li-
berdade sexual e permissivismo sexual nao sao a mesma

— 52 —
«AMIZADE E SEXUALIDADES

coisa» (p. 585). Poderá haver, portante, amor entre dois ho-
mens ou duas mulheres pertencentes á mesma comunidade
com expressóes libidinosas e eróticas de carinho, sem que
cheguem a relacóes genitais homossexuais.
Concluí o articulista : será preciso, pois, libertar a sexua-
lidade da opressáo que a sociedade Ihe impóe e que a Igreja, do
seu modo, confirma: «Os Religiosos deveriam estar convictos
de que constituem dentro da Igreja a vanguarda no campo
sexual» (p. 587).

2. Refletindo. ..

0 Pe. J. Marcos Bach propóe urna revisáo dos clássicos


conceitos da Moral católica referentes a sexo e aplica as suas
novas nocóes ao setor da Vida Religiosa consagrada a Deus
no celibato. Tais proposicóes nos sugerem tres ponderagóes:

2.1. Sexualidade : sim ou nao?

Está claro que o sexo e a sexualidade como tais nao po-


dem ser maus; integram o ser humano tanto no plano bioló-
gico-fisiológico como no plano psicológico; toda e qualquer
célula do organismo humano traz a marca da masculinidade
ou da feminilidade do respectivo sujeito; a voz (grave no
homem, aguda na mulher), as máos, a maneira de andar...
Sao sexuadas no ser humano. Em conseqüéncia, é preciso que
o rapaz se afirme em tudo como masculino, e a jovem como
feminina; a auténtica educagáo deve levar a tal objetivo.
Disto, porém, nao se segué que o erótico e o libidinoso
sejam moralmente neutros como a sexualidade é moralmente
neutra. O erótico e o libidinoso pertencem ao plano da genita-
lidade. Esta é o sexo voltado para a complementacáo carnal
e para a fecundidade ou a prole. A genitalidade vem a ser um
aspecto ou urna fase especial da sexualidade; é legítima, desde
que haja compromisso. de parte a parte ou casamento estável,
apto a criar um «habitat» e um clima para a respectiva prole.
Em conseqüéncia, quando se fala de amizade, entende-se
o «querer bem» que pode brotar da afinidade entre duas pes-
soas (de sexo idéntico ou diferente),... querer bem que fica
ácima do erótico e se acautela para nao ser sobressaltado e
deteriorado pelos instintos passionais. A recomendacáo de
cautela e vigilancia1 nao é expressáo de maniqusismo ou de

1 Note-se que cautela e vigilancia, no caso, nfio slgnlflcam medo da


sexualidade nem Implicam angellsmo.

— 53 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 254/1981

tabus, mas vem a ser a manifestado da consciéncia que temos


da fragilidade humana; esta é agitada por concupiscencias des-
regradas, resultantes do pecado dos primeiros pais (como ensina
a Escritura Sagrada).

Nao há, portante, antítese entre amor e pudor, como se


poderia depreender do artigo em. foco. O amor é casto e res-
peitoso; é contido e continente, sempre que a consciéncia o
exija. Pode ser verdadeiro amor sem cair em desatino ou
sem ceder as paixóes desregradas; estas nao sao sinais da au-
tenticidade do amor, mas, sim, do caráter ainda instintivo e
irracional do amor que move o ser humano. Notemos que a
plena realizacáo de urna personalidade nao consiste em dar
largas aos instintos, mas, sim, em moderá-los para que se
integrem harmoniosamente no ideal de vida concebido por tal
pessoa.

2.2. Vida Religiosa e Sexualidade

A Vida Religiosa implica a consagragáo, a Deus, de um


ser humano para pertencer e servir totalmente ao Senhor...
Está claro que quem se consagra, é homem ou mulher, com
os seus traeos característicos. Há, pois, um estilo masculino e
outro feminino de consagragáo a Deus.

Visto que os Religiosos nao tencionam fundar familia, nao


háo de fazer a si mesmos concessóes no plano da libido e do
eros. Qualquer brecha neste setor significaría incoeréncia e
daría margem a que o ideal da vida una, indivisa, totalmente
dedicada ao Reino de Deus se visse, cedo ou tarde, solapado.
As paixóes eróticas podem levar á bestialidade; pela veeméncia
de seus impulsos sao aptas a enxovalhar as mais nobres aspi-
racóes da mente humana.

É por isto que a Vida Religiosa oferece aos seus seguidores


urna Regra e o controle vivo da comunidade. Sim; a Vida
regular é urna escola onde o (a) Religioso (a) aprende a servir
ao Senhor e praticar tal servido; a essa escola compete ajudar
cada qual dos seus membros a ser mais humano, mais cristáo
e menos selvagem, oferecendo-lhe normas inspiradas pela ex
periencia de numerosas geragóes de cristáos. Pode-se reconhe-
cer que tais determinacoes foram outrora muito minuciosas;
todavía na sua época prestaram servic.0 e foram suporte para
a santificacáo de muitas pessoas; hoje, em vista da educacáo

— 54 —
«AMIZADE E SEXUALIDADE» 11

e do mundo em que vivemos, certas minucias podem ser ab-ro-


gadas, sem que por isto se perca o caráter orientador e nor
mativo das Regras Religiosas.

A necessidade de dominio ou mesmo de mortificagáo das


paixóes é ensinada pela sabedoria de todos os tempos, inclusive
antes de Cristo. — Aristóteles, por exemplo, que nao é sus-
peito de masoquismo ou maniqueísmo, afirmava: «Para que
o homem se torne realmente virtuoso, é-lhe necessário guar-
da-se das coisas as quais a natureza mais o inclina» (citado
por S. Tomás de Aquino, S. Teol. U/U qu. 166, a. 2, ad 6).
Como se compreende, Aristóteles refere-se as tendencias na-
turais na medida em que possam ser desregradas. Sao Paulo
faz eco a tal linguagem, usando da metáfora do atleta que se
contém para conseguir a coroa da vitória.: «Castigo o meu
corpo e reduzo-o lá servidáo» (ICor 9,27). Assim o cristáo,
especialmente o Religoso, nao pode deixar de praticar a ascese
e a renuncia para atingir o ideal que a divina yocagáo lhe pro-
póe. Ora precisamente esta exigencia de mortificagáo, constante
em toda a Tradicáo crista, é hoje em dia esquecida ou menos-
prezada em nome de urna corrente de pensamento nao crista,
que passamos a abordar.

2.3. A filosofía subyacente

Em última instancia, a forte preocupaeáo do homem con


temporáneo pelo sexo se deve, em grande parte, á filosofía de
Sigmund Freud (t 19391). Este julgava que todas as expressóes
do ser humano sao inspiradas fundamentalmente por dois im
pulsos: o eros ou libido ou concupiscencia, e o thánatos (= mor-
te/agressáo). Até mesmo as aspiragoes artísticas e altruistas
seriam variagóes e modalidades do instinto erótico, básico
entre todos. Freud nao dava valor á religiáo, pois a tinha no
conceito de ilusáo. Todavía os Religiosos que adotem a filosofía
de Freud, háo de procurar entender o próprio fenómeno reli
gioso a partir das premissas pansexualistas do mestre. Con-
seqüentemente a amizade e a vida comunitaria dos Religiosos
só seráo compreendidas se nelas se admitirem expressóes do
eros e da libido.

A esta tese observamos quanto segué :

O instinto sexual é um impulso que se faz sentir no ser


humano e pede extravasamento,... mas nao necessariamente

— 55 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1931

extravasamento genital: os contatos carnais nao sao obrigató-


rios no desdobramento de urna personalidade. A propósito é
preciso que se dissipe o preconceito segundo o qual as exigen
cias carnais, provocadas por glándulas e secregóes endógenas,
sao impreterivelmente imperiosas. Frente a tal tese, note-se
que, se os hormónios desempenham papel importante, mais
importante aínda é a fungáo do psiquismo. A consciéncia desta
verdade Ievou o Dr. Paúl Chauchard, famoso neurofisiologista,
a dizer que «o principal órgáo sexual do homem é o cerebro»;
isto quer dizer que a genitalidade humana é regida por pro-
cessos psíquicos (ora conscientes, ora inconscientes); desde que
alguém corte os estímulos de ordem psíquica, pode com certa
facilidade usufruir de paz sexual (há, sem dúvida, excegóes,
que nao podemos ignorar).

Era conseqüencia, verifica-se que, se alguém enfatiza a


castidade religiosa como sendo um duro sacrificio, cria para si
um problema desnecessário. Com efeito, tal sujeito atribuí
implícitamente grande peso as exigencias da sexualidade; ora
isto há de Ihe tornar a vida casta mais difícil,... desnecessa-
riamente mais difícil. Por extensáo, pode-se dizer que quem
preconiza amizades de ordem libidinosa e erótica no contexto
da Vida Religiosa consagrada, cria para os Religiosos um clima
de tensáo tal que difícilmente escaparSo á prática das fungóes
genitais.

Como dito atrás, a reserva afetiva que os Religiosos tra-


zem dentro de si nao se deve descarregar necessariamente de
maneira libidinosa ou erótica, mas pode harmoniosamente
extravasar-se num servido de dedioagáo ao próximo, no qual
o amor-agape é mobilizado em nobre atitude oblativa, sem
cobica ou concupiscencia.

Vé-se, pois, que o pansexualismo básico admitido por


Freud nao passa de postulado gratuito. Verificam-se no ser
humano impulsos e atitudes que sao sexuados, sim (pois tudo
no ser humano traz a marca da masculinidade ou da feminili-
dade), mas que nada tém a ver cornos instintos eróticos e
libidinosos; assim o amor ao estudo e á ciencia, o cultivo da
música e da arte, a abnegado e a renuncia religiosa..., por
sua Índole mesma, nao podem ser tidos como excrescencias da
genitalidade. É de crer, porém, que, se alguém se deixa condi
cionar pelo pansexualismo, poderá mobilizar os seus impulsos
eróticos mesmo no cultivo dos valores menos afins á genitali
dade. Tal fenómeno inspira estudos e artigos que atualmente

— 56 —
<AMIZADE E SEXUALIDADES 13

vém sendo publicados em contexto pansexualista: apresentam


as atitudes mais elevadas da fé como dependentes dos insti-
tos genitais da pessoa humana. Alias, a respeito do pansexua-
lismo observava o Papa Pió XII:
"NSo está provado, é mesmo inexato, que o método pansexual de certa
escola de psicanálise seja parte integrante tndispensável de toda psicoterapia
seria e digna deste nome; ou que o fato de se ter negligenciado outrora
este método naja causado graves danos psíquicos, erros na doutrina e ñas
respectivas aplicacdes em materia de educacSo, de psicoterapia e de
pastoral... ou aínda que seja urgente preencher esta lacuna e iniciar todos
os que se ocupam com temas pslcanaliticos ñas Idéias diretrizes e na
aplicacáo prática técnica da sexualidade" (Ao I Congresso Internacional de
Hlstopatologia do Sistema Nervoso, 16/09/52).

Tanto o celibato quanto o matrimonio exigem dom total


e definitivo da pessoa ao ser amado. O individuo consagrado a
Deus também cultiva o amor e a amizade em elevado grau,
pois prescinde justamente do uso da genitalidade para poder
dedicar-se mais livre e plenamente ao servigo de Deus e do
próximo; a genitalidade, no caso, seria elemento restritivo ao
amor, pois limitaría o horizonte da dedicacáo de tal pessoa,
que estaría, antes do mais, presa as exigencias da familia.

Com estas reflexóes, tencionamos considerar a Vida Reli


giosa e a afetividade dos Religiosos a partir de premissas di
versas daquelas que o Pe. J. Marcos Bach adota. Tais princi
pios, confirmados pela experiencia de sáculos, sao o penhor do
desenvolvimento sadio da Vida Religiosa. Esta há de ser sem-
pre um sinal no mundo,... sinal que aponta para bens e va
lores diferentes daqueles que os homens, incitados por filosofía
materialista, procuram em nossos dias. Se a Vida Religiosa
nao mantiver suas características de reserva total para o amor-
-ágape, sem mésela de eros, perderá a sua razáo de ser; tornar-
-se-á caricatura e, conseqUentemente, lavrará a sua própria
sentenca de morte.

Bibliografía:

DEMPSEY, P., Freud, pslcanáliae e Catolicismo. Ed. Paulinas, Sfio


Paulo 1965.
MARTELET, G., Santldade da Igreja e Vida Religiosa. Sao Paulo 1968.
PHILIPPE, P., Os fina da Vida Religiosa segundo S. Tomás. Ed. Pau
linas, Caxias do Sul 1968.
RÉGAMEY, P.-R., Renovar-se no Espirito. Ed. Paulinas, SSo Paulo 1976.
RUEDA, B., Apología e desmitizagao da Vida Comunv Ed. Paulinas,
SSo Paulo 1973.
ZANINI, O., Como viver a sexualidade. Pouso Alegre 1980.

— 57 —
Outro desafio:

"sexualidade e consagrado"

Em sfnfese: A revista "Grande Sinal" pubücou outro artigo sobre


Vida Religiosa, em oue é criticada a consagracSo religiosa Esta alienaría
o Rel!alo«o em relacáo ao mundo; o crlstáo deve viver da fé e para a (é e
nio da Reliqiáo (entendida como ritos e prá'lcas de pledade): em conse
cuencia, o autor do artigo preconiza oue os Religiosos salam de seus con
ventos, mudem de roupa e se mergulhem jio mundo. O testemunho dos
Religiosos ao mundo deve ser o do lazer contemplativo e o da sexualidade
entendida como amizade, que nao chega á genitalidade, mas aceita mani-
festacdes libidinosas.

O artiqo nem sempre é claro e lógico. Parece haver incoeréncia entro


a proDosIcáo do autor que exorta os Religiosos a sair do convento para
evangelizar o mundo, e a forma de testemunho "lazer contemplativo" aue
o autor apregoa para os Religiosos. A Vida Religiosa é urna das expressdes
mals antigás e espontáneas da conscléncia que os crlstSos tém. de que
chegou o Reino de Deus; vlvendo num quadro de pobreza, obediencia e
castidade, os Religiosos procuram asslnalar de maneira concreta a primazia
dos valores eternos e definitivos sobre quaisquer outros bens; caso os
Religiosos respondam fiel e auténticamente á sua vocacáo, constlluem urna
faceta da Igreja que Jamáis deverá desaparecer.

Comentario: A mesma revista «Grande Sinal», em seu


n» 9 do ano 34 (novembro 1980), publicou outro artigo do
Pe. J. Marcos Bach S. J., intitulado, este, «Sexualidade e Con-
sagracio» (pp. 645-659). Também este trabalho langa ques-
tóes desafiadoras, que vém provocando perplexidade. Eis por
que lhe dedicaremos as págimas seguintes.

1. A tese do autor
O Pe. J. Marcos Bach parte do conceito de «consagracáo»,
que, segundo ele, nao é inteligível ao homem de hoje. Apregoa,
em lugar de consagracáo inspiradora de «retiro do mundo»,
a secularizagáo da Vida Religiosa, que levaría os Religiosos a
«sair dos conventos, trocar de roupagem, e mergulhar neste
mundo maravilhoso onde o oonhecimento científico se duplica
a cada dez anos na media... Devem sair dos conventos para
ser arautos da Boa-Nova do Evangelho, sem trair em nada o
que forma a esséncia da Vida Religiosa. Isto é, sem a menor
quebra de fidelidade» (p. 649).

— 58 —
«SEXUALIDADE E CONSAGKACAO» 15

Para fundamentar e corroborar esta tese, o autor recorre


a distíngáo entre fé e religiáo. Esta consiste em ritos e sinais
«mágicos», ao passo que a fé é urna atitude íntima. — Ora a
Vida Religiosa deveria deixar de se prender á Religiáo, para
ser mais inspirada e movida pela fé:
"Nüo haverá lugar nem para o sagrado nem para o profano (que so
se sustenta em termos de confuto com o sagrado), e é por isto que haverá
nela tanto espago para novas formas de vida consagrada" (p. 649).

O autor insinúa, de certo modo, o fim mesmo da Vida


Religiosa ou, ao menos, desta designagáo:
"é válido colocar a Vida Religiosa sob o signo da consagracáo? É
aconselhável continuar a defini-la como estado de vida, estado de perfelcáo?
Por que apelidá-la de religiosa? Haverá, para abracá-Ia, necessidade de
urna vocacáo especial? Por que urna classe especializada em perfeicáo
numa Igreja em que todos sao chamados á perfeigáo e á santtdade? Se
existe urna vocacSo especial universal para a santidade, por que urna
vocacáo especial e individual? Nao é o caso de suspeitar da legitimidade
de urna 'vocacSo1 totalmente alheia á comunidade eclesial?" (p. 652).

Quanto ao testemunho que os Religiosos no futuro devem


dar, o Pe. Bach julga que há de ser o do lazer contemplativo,
e nao o do trabalho, pois este, levado ao grau de ativismo,
caracteriza a sociedade contemporánea consumista :

"A substancia da Vida Religiosa é feita de atividades de lazer. O


trabalho ocupa a parcela menor do tempo e está em funcSo do lazer. Pre
cisamente o oposto do que ocorre em nossa sociedade, marcada pela
obsessáo do trabalho. O ativismo, condenado por Pió XII, representa, quem
Gabe, o pior dos males que ameacam a Vida Religiosa. Portanto: em lugar
de situá-la na face sagrada, nao serla mais acertado sltuá-la no terreno
do lazer? ContemplagSo ó lazer. Nao é a contemplacSo a atlvldade espe
cifica do Religioso?" (p. 655).

O testemunho procederá também da maneira como os


Religiosos viveráo a sua sexualidade:

"Seja lá qual for a formulacSo mais correta, o certo é que o teste


munho do Religioso está ligado essencialmente á maneira como vive a sua
sexualidade. Consagrado nao é sinónimo de marginalizacSo sexual. Onde
Isso ocorre, nio temos mais consagracSo, mas alienacSo. O Religioso com-
prova, com o tipo de vida que leva, urna verdade antropológica de capital
Importancia: a de que a realizacáo sexual plena n&o está condicionada ao
contato erótico-genltal. Que há urna faixa de encontró e comunhSo entre
homem e mulher que nio se encontré sujeita á leí bioflslológica. Um /tivel
onde a relacSo sexual é construida a partir do Espirito, com a energía da
Ágape crista" (p. 658).

O artigo, como se vé, é assaz provocador, embora carega,


por vezes, de nexo lógico e de concatenacáo de idéias. Vamos
propor-lhe alguns comentarios.

— 59 —
16 -PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

2. Comentando...

Sao dois os pontos que tencionamos abordar.

2.1. Fé e Religiáo

Diz o autor á p. 648 :

"A grande questSo é saber até que ponto esse tipo de vivencia reli
giosa corre com as exigencias da Fé. O campo da Fé é sabidamente multo
mais ampio e abrangente do que o religioso. Ao mesmo tempo é muito
mais radical e exigente. A Fé engaja, a religiáo é que aliena. Ao menos
se presta muitp mais fácilmente a tal tipo de desvio. A idéia de chamar de
'religioso' os que se consagraran! a Deus nao poderla partir de urna
suposlcáo suspeita? Que valor se pode atribuir a tudo aquilo que constitui
o ¡menso e complexo dominio da Vida Religiosa? Se tomarmos por base
criterios religiosos, é bem possfvel que muito mosteiro budista se encontré
muitos pontos ácima do nivel medio de nossos conventos e casas religiosas.
Se qulsermos empregar criterios pisticos (Fé), entáo será por ai que se
deve avallar a sua condicio de agencia mediadora da Salvacáo" (p. 648).

1. A distingáo entre Fé e Religiáo, no vocabulario de


teólogos recentes, teve inicio com Karl Barth (f 1948).
Este teólogo calvinista entendía Religiáo como o movi-
mento ascensional do homem para Deus, movimento sustentado
pelas forgas do próprio homem e expresso em ritos muitas vezes
mágicos que pretenden! arrancar do céu os beneficios divinos.
Fé, ao contrario, seria a atitude do genuino cristáo, que sabe
nao poder chegar a Deus por si só, mas confia na graca; essa
confianca é chamada Fé. A fé, no caso, extingue os ritos e
as pretensóes da criatura e eleva o homem, como criatura
que nada tem de seu, a aspirar a graca de Deus.

Dietrich Bonhoeffer (t 1944), pastor luterano, retomou a


distincáo de Barth, dando-lhe sentido um pouco diferente.
Religia» seriam as práticas de piedade ou as manifestagóes da
devocáo do homem, que chegaram a suscitar um certo pie-
tismo. A fé seria a adesáo íntima do cristáo a Deus, indepen-
dentemente de práticas visíveis. Bonhoeffer julgava que, num
mundo cada vez mais secularizado ou indiferente a Deus,
seria preciso renunciar ao pietismo e as manifestacóes religio
sas para guardar apenas a fé; o cristáo deveria viver no mundo
ac si Deus non daretur, como se Deus nao existisse, embora
conservasse no coracáo a sua fé íntegra.

Ora tais distincóes aparecem no artigo de Marcos Bach,


que apregoa a secularizacáo da Vida Religiosa; póe em dúvida
a validade da própria designagáo «Vida Religiosa» e propóe

— 60 —
«SEXUALIDADE E CONSAGRACAO> 17

que os Religiosos saiam de seus conventos, troquem de roupa


e mergulhem no mundo. A propósito vejam-se os textos das
páginas 649 e 652, já citados neste artigo (p. 59).

Tais dizeres, ao apregoarem a abolicáo da expressáo «Vida


Religiosa», preconizam a extingáo da realidade da própria Vida
Religiosa. Esta, associada a urna vocacáo e a urna consagragáo
especiáis, nao teria razáo de ser. Todos os cristáos deveriam
viver simplesmente no mundo profano.

2. Estas afirmagóes nos sugerem a seguinte observajáo :

A Vida Religiosa nao professa com exclusividade a voca-


gáo á perfei$áo e á santidade; tal vocacáo é comum a todos
os cristáos, como lembrou o Concilio do Vaticano n em sua
Constituigáo «Lumen Gentium» capítulo 4. Todavía a Vida
Religiosa, com seus votos e sua eonsagracáo a Deus, se justi
fica plenamente pelo fato de que oferece aos cristáos o quadro
sensível, a moldura e os instrumentos próprios para viverem
táo fielmente quanto possivel o sermáo da montanha (Mt 5-7).

Com efeito; no sermáo da montanha, diz Jesús a todos


os seus discípulos: «Sede perfeitos como o Pai celeste é per-
feito» (Mt 5, 47); em vista desta meta, o Senhor propóe no
Evangelho normas de despojamento como

"Caso o teu olho direito te leve a pecar, arranca-o e langa-o para longe
de ti, pois é preferlvel que se perca um dos teus membros do que todo
o teu corpo seja langado na geena. Caso a tua máo direita te leve a pecar,
corta-a e langa-a para longe de ti, pois é preferlvel que se perca um dos
teus membros do que todo o teu corpo vá para a geena" (Mt 5, 29s).

"Se alguém quer vlr após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz
e slga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, perdé-la-á, mas o que
perder a sua vida por causa de mim, a encontrará" (Mt 16, 24s).

Todo cristáo, pelo fato mesmo de ser batizado, é chamado


a viver interiormente a atitude de despojamento que as normas
do Evangelho incutem; mesmo casado e comprometido com
familia e profissáo, deve nutrir em si as disposigóes necessá-
rias para tudo deixar em favor do Reino de Deus, se preciso.
O Evangelho é radical neste particular, pois exige disponibili-
dade absoluta. Os Religiosos recebem a mesma vocagáo que os
leigos no tocante á perfeicáo e á santidade. Eis como a pro
pósito se exprimía S. Joáo Crisóstomo (f 407) :

"é erra grosseiro crer que as exlg&jclas sao diversas para quem vive
no mundo e para o monge... As Escrituras rtfio sugerem essa dlferenca...
Todos devem elevar-se á mesma altura. Fol erro funesto crer que somenle o

— 61 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

monge está obrigado a malor perfeicáo, enquanto aos outros se permitirla


vlver na tibieza... Quando Jesús manda seguir a via estrella, nfio é aos
monges apenas que Ele fala, mas a todos os homens. Também quando pede
que odiemos nossa própria vida neste mundo e enuncia outros preceltos
semelhantes, todos esses preceltos sio para todos os crlstSos. Quando acon
tece que Ele dirija ou destine suas leis a um número restrlto de fiéis, Ele
o diz claramente. O cristáo que vive no mundo, e o monge devem tender
a igual perfeicSo; a queda exp6e um e outro a ferimentos de igual gravl-
dade... Els algumas verdades que o mais audacloso contestador nüo pode
negar" (Adv. opp. vltae monasticae 3,12 PG 47, 372 375).

O que constitui a nota própria da vocacáo dos Religiosos,


é que Daus dá a estes a graca de exprimirem o radicalismo do
Evangelho de maneira mais sensível ou, ainda,... a graca de
abracarem um quadro próprio de pobreza, castidade e obe
diencia, dentro do qual lhes é facultado seguir mais coerente-
mente ainda as normas do Evangelho. Isto nao quer dizer que
os Religiosos sejam mais santos do que os leigos pelo fato de
viverem dentro do seu quadro próprio; o que faz a santidade,
nao é o ambiente no qual alguém vive, mas a fídelidade inte
rior do cristáo a Deus; por isto pode haver leigos mais santos
do que Religiosos. Todavía nao se pode desprezar o quadro da
Vida Religiosa consagrada táo sonriente a Deus, sem familia
nem propriedade particular: tal quadro, se é preenchido pela
prática das virtudes correspondentes, vem a ser um sinal elo-
qüente de que o Reino de Deus já comegou na térra; vem a ser
um referencial para todo o povo de Deus e mesmo para todos
os homens. Eis por que a Vida Religiosa tem suas origens nos
primeiros sáculos da Igreja e deverá subsistir até o fim desta;
é urna expressáo genuina da consciéncia que os cristáos tém,
de que devem seguir o Cristo pobre, casto e obediente tanto
quanto possível, nao só em seu ánimo intimo, mas também em
seu quadro de vida específico.

2.2. O testemunho da Vida Religiosa

Em coeréncia com as suas premissas, o autor do artigo


em pauta afirma : «A esséncia do testemunho religioso nao é
religioso» (p. 654).

Qual será entáo o tipo de testemunho que a Vida Religiosa


secularizada deverá dar ao mundo ?

— O Pe. Bach o sitúa em dois planos: 1) lazer contem


plativo e 2) sexualidade.

— 62 —
«SEXUALIDADE E CONSAGRACAO» _19

2.2.1. Lazer contemplativo

O testemunho dos R«3ligiosos será um testemunho de lazer,


e nao de trabalho, pois o trabalho com seu ativismo caracte
riza e sufoca a sociedade contemporánea.
"Num mundo em que a idolatría do trabalho (= producao!) domina
até certo tipo de espiritualidade crista, nao seria interessante e prova de
inteligencia situar o celibato religioso e com isso a Vida Religiosa toda no
plano do lazer, em lugar de insistir em defini-lo a partir do sagrado? Numa
civilizado aloucada em que lazer é sinónimo de consumo, realizacao é
posse, nao seria mais que urgente pensar a Vida Religiosa como forma
de protesto contra toda esta corrida doida por estradas que nao levam a
lugar nenhum?' (p. 654s).

O lazer próprio dos Religiosos seria preenchido por con-


templagáo :

"ContemplagSo é lazer. Nao é a comtemplacáo a atividade especifica


do Religioso? Por que tantos institutos ativos num mundo em que as pes-
soas se dirigem á India para reencontrar o sentido da contemplacSo? Por
que é preciso a um europeu ou americano ir táo longe, para um país táo
subdesenvolvldo como a India, para descobrir o mundo místico da vida con
templativa? Onde estáo os nossos oasis de silencio e contemplacao ?"
(p. 555).

A respeito observamos que o autor tem razáo ao preco


nizar a existencia de ambientes de oracáo e contemplado na
sociedade contemporánea. Deverá sempre haver formas de Vida
Religiosa dedicadas a oragáo como tarefa palmar (tenham-se
em vista as Carmelitas, as Beneditinas, as Dominicanas, as
Clarissas, os Cartuxos, os Trapistas...). Isto, porém, nao quer
dizer que tais Religiosos vivam em lazer, sem trabalhar com as
máos ou com o intelecto; a Vida Religiosa jamáis poderá dis
pensar o trabalho manual e intelectual, pois este é penhor de
disciplina e ascese para o Religioso; apenas se deve notar que
o trabalho, ñas formas de vida contemplativa, é regrado de
modo a nao tirar o tempo necessário ao desabrochamento da
vida de oragáo.

Além disto, é de observar que nem todos os Religiosos


tém vocagáo contemplativa no sentido carmelita ou trapista;
muitos sao por Deus chamados ao apostolado e á pastoral. Em
conseqüéncia, deverá haver sempre formas de vida dita ativa,
apostólica—o que nao quer dizer:... absorvida pelo trabalho,
motivada pelo consumismo e a cobra... Alias, o Pe. J. Marcos
Bach parece esquecer que á p. 649 ele envia os Religiosos para
fora dos seus conventos, em roupagem profana, a fim de se
mergulharem no mundo e serem arautos da Boa-Nova do
Evangelho; como, pois, á p. 655 propóe o lazer contemplativo

— 63 —
20 <:PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

como testeraunho próprio dos Religiosos ? Nao há incoeréncia


ou contradigáo entre as pp. 649 e 655 do artigo em pauta ?

2.2.2. Sexualidade

A maneira como vive a sexualidade, é a outra forma pela


qual o Religioso dá testemunho de Cristo ao mundo :
"O testemunho da Vida Religiosa é um testemunho sexual, antes de
mals nada. Envolve a faculdade sexual de um extremo ao outro. Supóe
urna compreensáo e um conheclmento da sexualidade mais profundo e
ampio do que o que se requer para o matrimonio" (p. 654).

"O certo é que o testemunho do Religioso está ligado essendalmente


á maneira como vive a sua sexualidade. Consagracáo nao é sinónimo de
marglnallzacio sexual" (p. 658).

Quem lé o contexto destas afirmagóes, verifica que o autor


nao tenciona incutir a genitalidade ou o uso das fungóes se-
xuais, mas, sim, a amizade, levada (como o autor ensina em
artigo anteriormente analisado nestas páginas) até as expres-
sóes eróticas e libidinosas que ela possa suscitar.
Ora tal posicáo é incoerente; significa dar lugar tal aos
instintos do ser humano que fácilmente o (a) Religioso (a) se
verá sobrepujado (a) por seus impulsos e praticará o que jamáis
intencionara praticar. A castidade e a continencia dos instin
tos nao diminuem em absoluto urna personalidade, mas, ao
contrario, tornam-na mais rica de valores espirituais, mais livre
e mais apta a amar e servir a todos os homens indistintamente.
Eis o que nos ocorria dizer a respeito de um artigo que
carece, por vezes, de clareza, mas que em suas linhas gerais
equivale k prodamacáo da extingáo da Vida Religiosa. Na ver-
dade, esta brota espontánea e diretamente da mensagem do
Evangelho; deve ser periódicamente podada das suas exprés-
6óes menos adequadas, mas há de ser preservada e fomentada
através dos sáculos como sinal da presenca do Reino de Deus
em meio as realidades terrestres.

Para consulta:

LE MORAL, Educallon sexuelle et formatlon de la enástete, In Supplé-


ment de la Vte Sptiltuelle n"? 60 (1962) pp. 117-132.

PR 128/1970, pp. 342-355 (fundamentos evangélicos da Vida Reli


giosa).
Suppiémerrt de la Vio Splrltuelle, n? 44-47 (1958).
TILLARD-CONQAR, L'adaptatlon et la rértovatlon de la Vte Rellgleuse.
— CoiecSo "Unam Sanctam" 62. París 1967.

— 64 —
No setor da pedagogía:

o método paulo freiré em debate

Em sfntese: O método Paulo Freiré de alfabetizado é multo mais


do que urna técnica de aprendizagem. Como o próprio autor o reconhece,
é urna forma de despertar a conscléncla da populacSo simples para a dua-
lidade de opressores e oprimidos que caracteriza a sociedade atual, se
gundo P. Freiré e outros pensadores. Mediante palavras geradoras o estu
dioso visa a suscitar na gente oprimida a conclusao de que é necessárla
a luta de classes. Assim a pedagogía se torna pregio político revolucionarlo.
Ademáis P. Freiré tenciona extinguir a diferenca entre mestre e discípulos,
pois "ninguém educa ninguém rtem enslna coisa alguma a alguém". A escola
passa, conseqüentemente, a se chamar "circulo de cultura". Neste a edu-
ca;§o é libertadora, problematizadora, e nao domesticadora, bancária ou
alienante.

Ora tal sistema deve ser reconhecldo como politizante em sentido


esquerdlsta. P. Freiré, exilado do Brasil, tem colaborado com Governos de
tendencia marxista. Além do qué, é de notar que, embora professe nfio
querer ensinar coisa alguma, o mestre, segundo P. Freiré, tem o ibjetivo
predefinido de levar os educandos a posicdes revolucionarias. Os textos
citados no decorrer do artigo llustraráo e desenvolverlo quanto é dito nesta
6(ntese.

Comentario: Paulo Freiré, pensador pernambucano, en-


sinou na Universidade Federal de Pernambuco, onde dirigiu o
Centro de Extensáo Cultural. Mais tarde desempenhou a fun-
Cao de Consultor Especial para Assuntos de Educagáo no
Ministerio de Educagáo e Cultura. Em 1962 fundou um movi-
mento de educacáo popular no Nordeste. A revolucáo de 1964
levou-o a deixar o Brasil; foi entáo contratado pela UNESCO
para servir em Santigo do Chile, onde trabalhou na formu-
lacáo do Plano de Educacáo em Massa durante o Governo
Eduardo Frey e sob Salvador Allende. Tornou-se membro da
cúpula do Conselho Mundial das Igrejas e professor visitante
da Universidade de Harvard (U.S.A.). Foi convocado pelo
novo Governo de Guiné-Bissau, Cabo Verde e Sao Tomé como
assessor em assuntos de educacáo. Atualmente tenciona voltar
ao Brasil, onde exerce glande influencia nao somente através
de suas obras, mas também através de comentarios dessas
obras.

—65 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

Tem-se discutido a respeito do método de alfabetizacáo


concebido por Paulo Freiré; especialmente a sua filosofía tem
sido controvertida. Eis por que proporemos abaixo as grandes
linhas do sistema Paulo Freiré, as quais se seguiráo algumas
ponderagóes.

1. O sistema Paulo Freiré

Examinaremos : 1) a tese fundamental de Paulo Freiré;


2) os técnicas libertadoras dos «Crculos de cultura»; 3) o
papel atribuido por P. Freiré á Igreja.

1.1. A tese fundamental de Paulo Freiré

O método de alfabetizacáo de Paulo Freiré é muito mais


do que urna técnica para ensinar a ler; é, sim, a transmissáo
de urna filosofía de vida, que passamos a expor.

Parte da afirmacáo de que a sociedade contemporánea se


apresenta em permanente conflito de forcas contrarias urnas
as outras; a superado de cada atrito gera novo atrito. Essas
forcas antagónicas sao designadas pelos termos «opressores»
e «oprimidos», sendo, em última instancia, opressores os que
possuem os meios de produgáo, e oprimidos os que nao os
possusm, mas oferecem o trabalho.

A situacáo de conflito em que vive a sociedade, nao será


superada por reformas ou por melhoramento das condicóes de
vida dos trabalhadores; as reformas, em última análise, ate-
nuam as tensóes e diminuem as disposigóes de luta por urna
transformacáo radical.

Ora, segundo Paulo Freiré, a almejada transformacáo ra


dical da sociedade exige um processo de eduoagáo das massas
que as habilite a tomar consciéncia ou a conscientizar-se * da
sua condi"áo de oprimidos e as leve a empreender a sua liber-
tacáo. Tal educacáo chama-se libertadora. A educacáo liber-

1 Paulo Freiré é o primeiro a aplicar as palavras "conscic/íJizar" e


"conscIenlizagSo" ao setor da pedagogía. Com seu conteúdo vernáculo es
pecifico, tais vocábulos foram introduzidos no vocabulario de Idiomas como
o francés e o alemao, tldos como intensos á aceitacáo de neologismos.

— 66 —
MÉTODO PAULO FREIRÉ 23

tadora, portante, visa a despertar as consciéncias para que se


movam em prol de urna sociedade nova, isenta de opressóes.

A educagáo libertadora é, essencialmente, problematiza*


dora: nao deve trazer certezas nem suscitar seguranza, mas,
sim, levantar problemas e agugar as tensóes, a fim de provocar
conflitos transformadores. A educacáo que nao seja problema-
tizadora e conflitiva, vem a ser puro assistencialismo, invasáo
cultural e alienacáo. — Sem educagáo libertadora torna-se inú
til qualquer reforma das estruturas sociais, ainda que violenta
e armada, pois a antiga ideología permanece latente e pode
ressurgir, restaurando as estruturas opressoras na sociedade.

É na base destas premissas que Paulo Freiré apregoa a


alfabetizado; esta é, como dito, mais do que um método de
aprendizagem da leitura, pois está inseparavelmente associada
ao intuito de fazer do alfabetizando um agente revolucionario.

É isto que leva a dizer que Paulo Freiré nao tem apenas
preocupagóes pedagógicas, mas é também movido por inten-
c.5es políticas. Alias, um repórter do Jornal da República de
Recife, aos 31/08/79, interrogou Paulo Freiré, de passagem
pelo Brasil, a respeito de eventual filiagáo a partido político;
ao que respondeu o mestre: «Fago política através da pe-
dagogia».

Escreve também Paulo Freiré :

"A conscientizacio, associada ou nao ao processo de alfabetizacio,...


nao pode ser um blá-blá-blá alienante, mas um esforzó critico de desvela-
mento da realidade, que envolve necessariamente um engajamento político"
(Acao Cultural para a Liberdade, p. 109).

"A educagSo libertadora nSo pode ser a que busca libertar os educan
dos de quadros negros para oferecer-lhes projetores. Pelo contrario, é a
que se propoe, como prática social, a contribuir para a libertacáo das
classes dominadas. Por Isto mesmo ó urna educagáo política, táo política
quanto a que, servindo ás classes dominantes, se proclama contudo neutra"
(ib. p. 110).

Vejamos agora de mais perto em que consistem

1.2. As técnicas dos «círculos de cultura»

O conceito de educagáo libertadora derivado das premis


sas de Paulo Freiré

— 67 —
24 ;.PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

— nao significa transmissáo de hábitos bons ou virtudes,


pelas quais o homem faga reto uso das suas facilidades, orde
nadas segundo a razáo, como propunha Aristóteles (t 322 a.C.)
em sua etica a NioSmaco...
'*át'* ■-
— nem significa ensinar a raciocinar e pensar, para qus
a crianga, o adolescente e o adulto cresgam em ciencia e saber.
r>

Estas diversas acepgóes de educagáo, segundo Paulo Freiré,


constituem o que ele chama «ednca^ao dotmesticadora, ban-
cária ou alienante». Supóem um mestre que tenha conheci-
mentos verídicos e hábitos bons e comunique o seu cabedal ao
educando como sendo valores e padrees válidos para este. Tal
tipo de educagáo, diría o pensador pernambucano, é fruto das
estruturas sociais de dominagáo e opressáo e só serve para
consolidar e perpetuar esta realidade vigente. A educagáo do-
mesticadora mantém a diferenga de classes, supondo que haja
quem tenha saber e quem nao o tenha, quem deva falar para
ensinar e quem deva ouvir para aprender.

Paulo Freiré explica em termos veementes o adjetivo «ban


cária» aposto ao tipo de educagáo que ele nao aceita:

"Em lugar de comunicar-se, o educador faz 'comunicados' e depósitos


que os educandos, meras incidencias, recebem pacientemente, memorizam
e repetem. E¡s ai a concepcáo bancária da educacSo, em que a única mar-
gem de acao que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos,
guarda-Ios e arqulvá-los. Margem para serem coleclonadores ou fichadores
das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arqulvados sao os
homens, nesta... equivocada concepcSo 'bancária1 da educacáo. Arqulva-
dos, porém, porque, fora da busca, fora da praxis os homens nao podem ser.

Na vlsáo 'bancária' da educacao, o 'saber1 é urna doacSo dos que se


Julgam sabios aos que julgam nada saber. DoacSo que se funda Jiuma das
manifestacSes instrumentáis da ideología da opressáo — a absolutlzacio da
Ignorancia, segundo a qual esta se encontra sempre no outro" (Pedagogía
do Oprimido, p. 67).

A educagáo «bancária» ou «domesticadora» desumaniza,


segundo P. Freiré.

Que vem a ser, pois, a educagáo «libertadora» ou «proble-


matizadora», que P. Freiré propóe em lugar da clássica ma-
neira de educar ?

1.2.1. Educador-educando

A educagáo, segundo o pensador pernambucano, apaga a


distíngáo entre educador e educando. Em vez de falar de

— 68 —
MÉTODO PAULO FREIRÉ 25

«educador do educando» e de «educando do educador», falará


de «educador-educando» e «educando-educador».

."O educador já nSo é o que apenas educa, mas o que, enquanto


educa, é educado, em diálogo com o educando, que, ao ser educado, tam
bém educa. Ambos assim se tornam sujeitos do processo em que crescem
juntos e em que os 'argumentos de autoridade' já nao valem...
Já agora nlnguém educa nlnguém, como tampouco nlnguém se educa
a si mesmo; os homens se educam em comunhSo, mediatizados pelo mundo.
Mediatizados pelos objetos cognoscívels, que, na prátlca 'bancária', sio
possuidos pelo educador, que os descreve ou os deposita nos educandos
passivos" (Pedagogía do Oprimido, p. 78s).

1.2.2. Problemas e crítica

Em vez de transmitir certezas ou verdades seguras, a


educacáo segundo P. Freiré

— levanta problemas, apresenta desafios, mostrando o


homem inserido no mundo e necessitado de acabamento ;

— suscita atitudes críticas ou rebeldes em relagáo á rea-


lidade vigente:

"A educacSo problematizadora... é futuridade revolucionaria. Daf que


seja profétlca e, como tal, esperanzosa. Daf que corresponda á condiego
dos homens como serem históricos e á sua historleidade... Dal que se
Identifique com o movlmento permanente em que se achem Inscritos os
homens, como seres que se sabem Inconclusos" (Pedagogía do Oprimido,
p. 84).

1.2.3. Círculo de cultura

Por isto também Paulo Freiré já nao quer usar a palavra


«escola», mas, sim, a expressáo «círculo de cultura».

"ifií liberdade ó um dos principios essenclais para a estruturacSo do


'circulo de cultura', unidade de enslno que substituí a 'escola' autoritaria
por estrutura e tradlcio. Busca-se no circulo de cultura, pega fundamental
no movlmento de educacSo popular, reunir um coordenador a algumas
dezenas de homens do povo no trabalho comum pela conquista da llngua-
gem. O coordenador, quase sempre um jovem, sabe que nao exerce as
funedes de professor e que o diálogo é condicio essencial de sua tarefa
— a de coordenar, jamáis influir ou impor" (fducac&o como prátlca da
llberdade, p. 5).

1.2.4. Diálogo. Conteúdo programático

A educacáo, segundo P. Freiré, recorre permanentemente


ao diálogo. É no diálogo que o educador-educando e o educan-

— 69 —
2G «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

do-educador váo descobrindo os problemas e tentando renovar


a sociedadc.

O diálogo compóe-se de palavras. Ora a palavra, para


Paulo Freiré, tem significado muito especial. Sim; há nela
duas dimensóes: agáo e reflexáo, solidarias entre si; nao há
palavra verdadeira que nao seja praxis; daí dizer-se que a
palavra verdadeira seja transformar o mundo (cf. Pedagogía
do Oprimido, p. 91).

Estas afirmares de Paulo Freiré nao podem deixar de


recordar as de Karl Marx : «Até aqui os filósofos nao fizeram
mais do que interpretar o mundo; trata-se agora de transfor-
má-lo» (Tese sobre Feuerbacüli).

É através do diálogo que se elabora o conhecimento pro


gramático da educagáo; este nao é concebido e formulado pre
viamente pelo mestre, mas é descoberto mediante o intercambio
realizado no grupo. Escreve P. Freiré :

"Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo


programático da educagáo nao é urna doacSo ou urna Imposicio — um
conjunto de Informes a ser depositado nos educandos, mas a devolugSo
organizada, sistematizada, e acrescentada ao povo, daqueles elementos que
este Ihe entregou de forma Inestruturada" (Pedagogía do Opiimido, p. 98).

E P. Freiré, a propósito, cita Mao-Tsé-Tung :

"Vocé sabe que, há muito, venho proclamando: Temos que ensinar


as massas com precisáo o que délas recebemos com confusáo" (ib. p. 98).

1.2.5. Palavras geradoras

Para elaborar com o povo o programa de educagáo, o


educador revolucionario procurará com o povo palavras gera
doras, isto é, palavras mais usuais, relevantes e evocadoras na
linguagem popular; sao palavras carregadas de experiencia
vivida e decisivas, como, por exemplo, favela, tijolo, trabalho,
roupa, feijáo, jarro, latifundio... Estes vocábulos sao úteis
nao apenas á análise das letras e dos fonemas, mas também á
reflexáo sobré a realidade cotidiana em que está imerso o
povo, pois geram aspiracóes, decepgóes e expectativas.

Essas palavras geradoras sao escritas em cartazes ou


apresentadas em diapositivos; os membros dos circuios de cul-

— 70 —
MÉTODO PAULO FREIRÉ 27

tura, reunidos eventualmente em urna casa de familia, dis-


cutem tais yocábulos para decodificar a situacáo existentíal
que eles codificam, e para descobrir as causas e as conseqüén-
cías socio-políticas de tal situacáo.

As palavras geradoras tornam-se, nos cursos mais evoluí-


dos, temas geradores de debates para todos os participantes
do circulo de cultura. Mais importante do que a decomposicáo
analítica das sílabas e letras que constituem a palavra gera-
dora, é a discussáo sobre a situagáo desafiadora que tal palavra
exprime.

1.2.6. Revolufáo

O fruto dessa educagáo dialógica e critica há de ser, se


gundo P. Freiré, urna revolucao cultural, revolugáo que se
oporá á invasao cultural. Com efeito, os opressores tendem a
impor a sua cultura aos oprimidos, praticando assim urna
invasao" cultural, que, alias, os próprios oprimidos tendem in
conscientemente a aceitar; sim, os oprimidos tém, nao raro,
medo da liberdade; por isto tendem a conservar os padrees
culturáis e os mitos que os opressores lhes incutem.

Em conclusáo, verifica-se que o método educacional de


Paulo Freiré está essencialmente vinculado a urna ideologia,
isto é, a urna visáo filosófica que tende a transformar a socie-
dade, induzindo nesta urna auténtica subversáo. É o próprio
Paulo Freiré quem o afirma numa entrevista publicada em
«Veja» (20/06/79); o repórter aventou á hipótese de que a
educacáo de Freiré fosse um método cassexuado», neutro, des
comprometido com qualquer ideologia. Ao que P. Freiré res-
pondeu:

"Quem disse Isso, ou nSo enlendeu nada ou está de tná-fé. Em meu


método, parte-se do conhecimenlo do meló em que se va¡ desenvolver a
experiencia de educacao. Toma-se em consideracSo o universo vocabular
do grupo em questáo, as palavras que sSo utilizadas todos os días e que
exprimem a vida cotidiana daquelas populac5es. Desse universo vocabular
sSo escolladas as palavras geradoras. Essas palavras encerram em si os
temas de dlscussSo que deverao corresponder aos Interesses dos alfabeti
zados e deverao constituir o primelro passo, por meio da discussáo em
grupo, em direcSo a urna tomada de conscléncia Individual e coletiva dos
problemas discutidos. Esse aspecto puramente mecánico poderá ser utili
zado por qualquer pessoa: tirar urna palavra geradora de um universo voca
bular também pode ser feito por alguém que pretenda mistificar a realidade
e a consciéncia dessa realidade. De mlnha parte, o conheclmento de urna
realidade, que vai sendo construido pouco a pouco a partir da experiencia

— 71 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

dos aUabetizandos, está intimamente ligado á consciéncia crescente da capa-


cidade de mudar essa realidade. Conhecer para transformar, é este o
objetivo. O que ficou sendo conhecido como Método de AlfabetizacSo Paulo
Freiré, nao é algo que se possa reduzlr a um aprendizado meramente lin
güístico. Trata-se de aprender a ler a realidade — conhecé-la — para em
seguida poder reescrever essa realidade — transíormá-la".

1.3. Paulo Freiré e a Igreja

Paulo Freiré nao é hostil ao Cristianismo em seus escritos.


Ao contrario, apregoa a participagáo da Igreja Católica no
processo educacional problematizador. Para tanto, distingue
tres tipos de Igreja :

1) a Igreja tradidonalista, que, segundo Freiré, está asso-


dada as carnadas dominantes. O pensador pernambucano des
figura a Igreja no sentido clássico, fazendo eco, de certo modo,
aos dizeres de Karl Marx sobre «a religiao opio do povo».
Cf. Pedagogia do Oprimido, pp. 116s.

2) A Igreja modernizante, adepta do desenvolvimento


económico. Esta, embora parega diferir da anterior, entretém
a dependencia dos oprimidos e nao se empenha pela real liber-
tagáo das massas, isto é, nao colabora com os movimentos de
revolugáo social; defende as reformas estruturais e nao a
transformacáo radical das estruturas; fala em «humanizagáo
do capitalismo», e nao em sua total supressáo. Cf. Pedagogía
do Oprimido, pp. 118-124.

3) A Igreja profetica. Esta «recusa os paliativos assis-


tencialistas, os reformismos amaciadores, e se compromete
com as dasses sociais dominadas para a transformagáo radical
da sociedade» (Pedagogia do Oprimido, p. 124). Rejeita toda
forma estática de pensar; sabe que, para ser, tem de estar
sendo; sabe igualmente que nao há um «eu sou», um «eu seis>,
um «eu me liberto», um «eu me salvo», como nao há um «eu
te dou conhecimento», um «eu te liberto», um «eu te salvo»,
mas pelo contrario um «nos somos», um «nos sabemos», um
«nos nos libertamos», um «nos nos salvamos». Este tipo de
Igreja propugna a chamada «teología da libertagao, profetica,
utópica, esperangosa», optando pela transformagáo revoludo-
nária da sociedade e nao pela conciliagáo dos inconciliáveis.

Para Paulo Freiré, a única atitude auténtica do cristáo é a


profetica, pois quem nao se compromete com os oprimidos se
compromete com os opressores.

— 72 —
MÉTODO PAULO FREIRÉ 29

Perguntamo-nos agora:

2. Quedizer?

Nao podemos silenciar a intengáo fundamentalmente reta


de Paulo Freiré, que se preocupa com as massas e o proleta
riado, visando á promocáo dessa parte das populagóes do Ter-
ceiro Mundo.

Também nao desconhecemos o valor do respeito á liber-


dade que Paulo Freiré propugna, rechazando qualquer tipo
de sufocagáo da personalidade e dos direitos das pessoas mais
humildes.

A defesa de valores humanos toma certas páginas de


Paulo Freiré simpáticas a quem as aborda pela primeira vez.
Todavía urna leitura mais atenta dos seus escritos evidencia,
nos mesmos, tragos incompatíveis com as auténticas concepgóes
cristas.

2.1. Os principios de Freiré

Merecem atengáo especial os seguintes principios de Paulo


Freiré:

1) O pensador pernambucano professa a subordinagáo


do conhecimento e da palavra á transformacáo do mundo ou
á praxis:

"A mera captaefio dos objetos como das coisas é um puro dar-se
conta deles e nao aínda conhecé-los" (Exlensáo ou Co/nunlcacáo, p. 28).

"O homem nSo pode ser compreendldo fora de suas retacees com o
mundo... O homem é um ser da praxis... Nao há possibilídade de dlco-
tomlzar o homem do mundo, pois que n3o existe um sem o outro" (ib.).

Tais frases lembram os principios do marxismo, que limi-


tam as aspiracóes do homem á transformacáo deste mundo e
ignoram o valor do conhecimento como apreensáo da verdade,
qualquer que seja a índole desta. Nao se pode dizer que a
eficacia transformadora do conhecimento seja o criterio da
autenticidade do conhecimento. Nem se pode fazer da reper-
cussáo política e social de determinada proposicáo o criterio
do valor de tal proposigáo.

A realidade ou a extensáo do ser é mais ampia do que o


ámbito do sócio-económico-politico. Por isto há enorme valor

— 73 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

em conhecer também as verdades que nao se prendam direta-


mente ao político; há verdades de ordem especulativa, que nao
alienam necessariamente o homem, mas o podem habilitar a
ser mais sabio transformador deste mundo. A filosofia crista
sempre professou o primado do Logos (do conhecimento como
tal, teórico ou prático) sobre a praxis; esta decorre daquele,
e nao vice-versa.

2) A crítica ou a problematizacáo nao pode ser o pri-


meiro passo da inteligencia. Esta foi feita para a verdade como
tal, ou seja, para reconhecer e afirmar a verdade; foi feita,
antes do mais, para o Sim. O Nao ou a contestagáo só tem
sentido se proferido em fungáo de um Sim anterior. É pre
ciso, pois, antes do mais, que a inteligencia se disponha a
apreend'ar a verdade como tal numa atitude otimista e con
fiante; só depois disto poderá ela com fundamento dizer Nao
á Náo-verdade ou á Náo-autenticidade. A problematizacáo
como principio de «educagáo» pode deformar os hábitos do
educando; é nao raro a expressáo de neurose mórbida, que
leva a atitudes'doentias.

2.2. Educasdo domesticadora x Educacáo libertadora

A antítese ácima, establecida por P. Freiré, é artificial


por tres motivos:

2.2.T. Memorizac.5o x conhecer

Conforme P. Freiré, a educacáo domesticadora se identi


fica com memoriza^áo, ao passo que a libertadora propicia
conhecimento (cf. Pedagogía do Oprimido, p. 7&). Ora tal an
títese é insustentável, porque o ser humano, dotado de inteli
gencia como é, é sempre propenso a raciocinar e mesmo a
criticar as nosóes que receba dos mestres.
Q

Note-se também que será sempre necessário decorar ta-


buada, nomes de capitais, ríos, datas da historia... (infeliz o
cidadáo que nao saiba de cor tais elementos!). P. Freiré o
reconhece, mas julga que, além da memorizagáo, deve haver
na escola ama doutrinagáo filosófica de ordem politizante e
marxista, de modo a atirar classe social contra classe social.
É nesta doutrinagáo que consiste a novidade da educagáo li
bertadora ou problematizadora. E é precisamente esta doutri-

— 74 —
MÉTODO PAULO FREIRÉ 31

nacao que faz do método P. Freiré algo mais do que um


sistema educacional, tornando-o instrumento de política parti
daria ou de infiltracáo esquerdizante ñas massas populares.
Quem aceitou o método Paulo Freiré, aceitará conseqüente-
mente a luta de classes na sociedade e a revolugáo armada de
inspiragáo marxista.

Note-se também que em nossos dias os métodos de apren-


dizagem recorrem as técnicas audiovisuais, <a análise e á indu-
cáo. O aluno é chamado a participar de seminarios e fazer
pesquisas (na medida em que ele o possa e queira). Os respon-
sáveis pela educacáo em alguns lugares costumam também
ouvir os alunos (ou os país dos alunos) a respeito de grandes
decisóes a ser tomadas na escola.

2.2.2. Educac.£o libertadora também é domesticadora

A educacáo libertadora proposta por Paulo Freiré nao


deixará de ser também domesticadora1. Com efeito, diz o
próprio nrsstre que nao há ciencia nem técnica assexuada
ou neutra, mas que tanto a ciencia quanto a técnica estáo
condicionadas histórico-socialmente (cf. Extensao ou Comuni-
casSo ?, p. 34). Isto significa que na educacáo libertadora o
educador nao pode deixar de dirigir e manipular; ele tem um
objetivo pré-definido e se empenha por atingi-lo, pois quer
que a turma chegue a atitudes críticas e acirradas. A escolha
das palavras geradoras, embora se faca por sugestáo do grupo,
nao pode deixar de estar sob a responsabilidade última do
coordenador; o mesmo ss diga em relacáo ao debate sobre tais
palavras, que, em úlima instancia, é conduzido pelo mestre
para que chegue á conclusáo de que tal grupo é explorado e
oprimido a ponto de ter que se insurgir violentamente contra
os seus opressores. Em outras palavras: o sentido da cons-
cientizacáo já está de antemáo definido.

3-2.3. O rcvelamento de educador e educando

Nao há dúvida de que todo mestre há de ser aberto á


aprendizagem de novas e novas verdades, como também á

1 Melhor seria nSo usar tal vocébulo, que é pejorativo e caricatural.


Preferimos dlzer: "educacáo diretiva e orientadora".

— 75 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS:* 254/1981

reformulagáo de seus conceitos; o progresso no saber é-lhe


muitas vezes ocasionado pelo convivio com os próprios alunos.

Isto, porém, nao quer dizer que o professor se deva julgar


táo educando quanto o próprio discípulo. Um tal esvaziamento
do conceito de mestre vem a ser nocivo aos alunos, pois estes
precisam de sentir firmeza e seguranca no seu orientador. A
profissáo da verdade deve ser efetuada com desassombro e
sem subterfugio, mas também com humildade. Pelo fato de
ter descoberto a verdade sobre tal ou tal assunto, o mestre é
devedor em relacáo aos seus alunos, e deve pagar-lhes a
divida, comunicando e demonstrando a verdade; proponha os
pontos certos e indubitáveis como certos, e os pontos aínda
discutíveis como discutíveis. Esta oferta da verdade, longe de
ser desrespeito ao próximo, é precioso servigo prestado ao
mesmo.

Por isto também nao se pode aceitar a frase: «Ninguém


educa ninguém» (Pedagogía do Oprimido, p. 79). Na verdade,
os homens sao dependentes uns dos outros para eduzir (edu-
cere > educar) as virtualidades latentes no seu íntimo. Em
geral, sao os pais, no lar, e os mestres, na escola, que educam
os mais jovens; afirmar isto nao significa «estar a servico de
algum sistema político opressor». O desempenho da autoridade
nao é algo de vergonhoso que se deva banir, mas, ao contrario,
é um servico que nao se pode extinguir e que faz eco as pala-
vras de Cristo: «O Filho do Homem veio nao para ser servido,
mas para servir» (Me 10, 45).

2.3. Igreja e libertase»

P. Freiré distingue entre Igreja tradicional, Igreja moder


nizante e Igreja profética; só aceita esta última porque toma o
partido revolucionario dos oprimidos.

¡Na verdade, existe urna só Igreja, embora possa haver


diversas atitudes de cristáos. A única Igreja de Cristo interes-
sa-se, sem dúvida, pela polis e pela arte de a reger (política),
pois Cristo lhe confiou a tarefa de apregoar o Reino de Deus
neste mundo. Todavía a Igreja nao pode, como tal, exercer
política partidaria ou participar de agáo subversiva marxista.
O S. Padre Joáo Paulo H o lembrou sobejamente durante a
sua estada no Brasil e de novo o disse em carta escrita aos
Bispos do Brasil em dezembro de 1980, carta da qual extraí-
mos os seguintes tópicos :

— 76 —
MÉTODO PAULO FREIRÉ 33

"Através de minha viagem pelo Brasil eu quis reafirmar a conviccfio


prlmelra, profundamente enraizada em meu espirito, de que a Igreja é por
tadora de urna missao essencialmente religiosa, e cumprir essa mlssSo é
seu dever prioritario...

É certo que a missao da Igreja nfio se confina ñas atividades de cuito


e no interior dos templos...

Mas nao é menos certo que a Igreja perdería sua identidade mals
profunda — e, com a sua identidade, a sua eficacia verdadeira em todos
os campos — se sua legitima atengao ás questóes sociais a distraisse
daquela missao essencialmente religiosa que nao é primordialmente a cons-
trucáo de um mundo material perfeito, mas a edificado do Reino que
corneja aquí para manifestar-se plenamente na Parusia... A Igreja come
terla urna traicSo ao homem se, com as melhores Intencoes, Ihe oferecesse
bem-estar social, mas Ihe sonegasse ou Ihe desse escassamenle aquilo a
que mais aspira (por vezes até sem o perceber), aquilo a que tem direlto,
que espera da Igreja e que só ela Ihe pode dar" (extraído do JORNAL DO
BRASIL. 7/01/81, 1<? cad., p. 4).

De resto, a divisáo da sociedade em duas classes — a dos


opressores e a dos oprimidos — é artificial e injusta. Há muitos
cidadáos que, numa perspectiva marxista, seriam colocados
entre os opressores, mas que nada fazem por oprimir; nao é
o foto de nao participar de movimentos subversivos que torna
o cidadáo opressor.

Sao estas algumas ponderacoes que desejamos propor á


margem dos escritos de Paulo Freiré, tentando evidenciar que,
apesar das aparéncias, servem a urna ideología nao crista e,
por isto, nao sao cartilha para o educador católico.

Obras de Paulo Freiré consultadas:

Acao cultural para a Uberdade e outros eccritos. Ed. Paz e Térra,


Rio de Janeiro, 4? ed., 1979.

Educacao como prática da Uberdade. Ed. Paz e Térra, Rio de Janeiro,


3? ed., 1971.

Educaeao e Mudenca. Ed. Paz e Térra, Rio de Janeiro, 2? ed., 1979.

Extensao ou Comunicará©? Ed. Paz e Térra, Rio de Janeiro 1971.

L'Educatlon: domesticallon ou Hbérallon?, In: Perspectlves, vol. II,


Vfí 2, été 1972, pp. 193-202.

Pedagogía do Oprimido. Ed. Paz e Térra, Rio de Janeiro, 7? ed., 1979.

— 77 —
Após seis anos de estudos:

os bispos da alemanha falam sobre


a maconaria

Em sfnlese: O episcopado alemáo dívulgou em junho pp. urna Decla


rado referente á Magonaria na Alemanha. Tal documento, que resulta de
seis anos de estudos e coloquios, mostra-se nítidamente desfavorável &
simultánea (iliacáo de alguém ao Catolicismo e á Magonaria. A principal
razio desta atitude é a verificagáo de que a Maconaria professa relati
vismo ou mesmo indiferentismo frente á verdade e á Religüo; a verdade
seria algo de inatingivel. €m canseqüéncia, o conceito de Deus (= Grande
Arquiteto do Universo), ñas Lojas, é vago e indefinido. Nao há dúvida, a
Maconaria nao impoe aos seus adeptos o indiferentismo filosófico ou reli
gioso; ao contrario, permite que cada qual interprete os símbolos e as
proposigoes da Magonaria segundo as suas conviccóes pessoais (inclusive
convIcgSes católicas). Todavía verifica-se que o clima criado pela Magonaria
em torno dos seus membros fácilmente leva á indiferenga religiosa. Mals:
consta que a Magonaria é um sistema totalizante, que exige dos seus mem
bros fldelidade para a vida e para a morte; ora tal pretensáo á totalldade
ou pretensáo a responder a todas as asplracóes do homem ó a de um sis
tema religioso; por conseguinte, nao se coaduna com o pensamiento cató
lico. Eis por que os bispos da Alemanha rejeltam a filiagáo dos católicos a
Magonaria alema. O fiel católico sabe que a Inteligencia foi feita para a
verdade, como o olho para a luz, e que Deus satisfaz á sede de verdade
no homem, comunlcando-se a este, seja por meio da razio, seja por via da
RevelagSo. Por conseguinte, o fiel católico, mesmo entre as penumbras
desta vida, tem grandes certezas, que ele deve guardar e transmitir ao&
seus semelnantes.

Comentario: A temática «Maconaria e Igreja» já foi


repetidamente abordada em PR; cf. 171/1974, pp. 104-125;
179/1974, pp. 415-426; 188/1975, pp. 372-375. Volta a baila
neste número, visto que aos 28/04/80 os Bispos da Alemanha
assinaram a respsito urna importante Declaragáo. O documento
foi dado ao público em fins de junho e comeco de julho de
1980; em alemáo foi editado com o título «Erklárung der
Deutschen Bischofkonferenz zur Frage der Mitgliedschaft von
Katholiken in der Freimaurerei» (Declaragáo da Conferencia
Episcopal Alema a respeito da agregado de católicos á Maco-

— 78 —
BISPOS ALEMAES E MACONARIA 35

naria) *. Tal Declaracáo foi precedida por seis anos de estudos


e coloquios entre católicos e macons, por iniciativa da Confe
rencia Episcopal Alema e das Grandes Lojas Unidas da Ale-
manha. Para tanto, os Bispos constituirán! um grupo de -tra-
balho presidido por D. Josef Stimpfle, bispo de Augsburg.

Tendo trabalhado de 1974 a 1980, a Comissáo chegou á


nitída conclusáo de que há incompatibilidade entre Magonaria
e fé católica. As razóes desta tese sao expostas no texto mesmo
da Declaracáo, que passamos a transcrever abaixo em versáo
portuguesa, cientes de que o texto original é conciso e, as
vezes, difícil de ser fluentemente traduzido. Á referida Decla
racáo acrescentaremos um documento complementar e alguns
comentarios.

I. A DECLARACÁO

1. PONTO DE PARTIDA

1.1 Os coloquios

Nos anos 1974-1980, por iniciativa da Conferencia Episcopal


Alema e das Grandes Lojas Unidas da Alemanha, ocorreram na Ale-
manha coloquios oficiáis entre a Igreja Católica e a Franco-Maconaria.

1.2. O encargo

A Conferencia Episcopal Alema confiara ao seu grupo de tra-


balho os seguintes encargos : 1) Identificar eventuaís mudancas den
tro da Franco-Maconaria da Alemanha; 2) Examinar a possibili-
dade de simultánea pertenca a Igreja Católica e á Franco-Maconaria;
3) No caso de resposta afirmativa a e:te segundo ponto, preparar
a opiniao pública, mediante escritos adequados, para reconhecer a
nova situacao.

1.3. A situasáo entre os macons

A Franco-Maconaria Alema, em conseqüéntfa da perseguicao


nacional-socialista, foi reduzida o um quarto de suas forcas. Isto

1 Documento publicado no boletlm da arquldiocese de Colonia "Amts-


blatt des Erzblstums Koln". 1/OS/80, pp. 102-111; também em "L'Osservatore
Romano" 2/07/80, p. 5.

— 79 —
3G «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

pode ter provocado mudanzas no sentido de certa abertura em re-


lacao a outros grupos soáais.

Na base de tal situacáo manifestou-se também o interesse da


Franco-Maconaria por um esclarecimento de suas relacoes com as
lgre¡as Cristas.

1.4. O Concillo do Vaticano II e a encíclica «Ecclesiam suom»


No Concilio do Vaticano II a lgre¡a se abriu ao diálogo com
todos os homens «de boa vontade» e ao coloquio com qualquer grupo
que a isto esteja disposto.

Esta intencao, documentada em diversos textos conciliares, foi


posteriormente desenvolvida por Paulo VI na sua encíclica programá
tica Ecdesiam suam, que estabelece mais amplamente os fundamentos
doutrinários do diálogo e indica as linhas de orientacao concreta do
mesmo. Paulo VI apontou especialmente os diversos círculos com os
quais o diálogo se faz necessário : a comecar pela própria comu-
nidade da Igreja até aqueles que nao créem em Deus.

2. UMA IMAGEM DIFERENTE

2.1. A preocupacáo humanitaria

A liberdade humana, devidamente entendida na vida particular,


religiosa « pública, e reivindicada pela Igre¡a de modo especial no
Concilio do Vaticano II, ofereceu base ao coloquio com a Franco-
•Maconaria, na medida em que esta, segundo a sua orientacao hu
manitaria, se considera obrigada a empenhar-se em prol da liber
dade humana. O mesmo se diga análogamente no que respeita o
empenho em prol dos direitos do homem.

2.2. A beneficencia

A Ffanco-Maconaria Alema sustenta instftuicóes de auxilio fra


terno e de beneficencia. Esta compreende iniciativas de socorro a pes-
soas que sofrem. Ora, dado que as disposicoes e as atividades de
caridade pertencem á esséncia da missao da lgre¡a, foram detectados
também aquí alguns pontos de contato entre a Maconaria e a lgre¡a.

2.3. A vaiorizacáo dos símbolos

Em nosso tempo desencantado, muitos procuram nos símbolos e


nos ritos da Franco-Maconaria urna certa satisfácelo para necessidades

— 80 —
BISPOS ALEMÁES E MACONARIA 37

aínda ¡nsaciadas. Na Igreja Católica símbolos e ritos tiveram sempre


o seu lugar próprio. Por isto é de presumir hoja aquí também um
ponto de contato e urna base para mutua compreensao.

2.4. Personalidades de franco-maeons

A ¡ntegridade, a qualificacáo, a orientacao e a opiniao pessoal


de determinados franco-macons, que em ocasioes diversas foram pos-
tos em evidencia tanto dentro como fora de ambientes eclesiásticos,
favoreceram outrossím o surto de disposícóes positivas em relacao as
Lojas Macónicas.

2.5. Lula comum contra o materialismo

Da parte da Franco-Maeonaria, houve repetidas manifestacóes


de disponib'ilidade para travar a luta contra a ideología materialista
e as suas conseqüénclas anti-humanas, em conjunto com as Igrejas
Cristas.

2.6. Novo relacionamento?

Principalmente os pontos indicados nos n° 1-5 deram ocasíáo


a se pensar que a Franco-Maeonaria se tivesse transformado a ponto
de estar ruperada a antiga posieáo da Igreja e ser plenamente lícito
a todo católico pertencer a urna toja Macónica.

2.7. Em relacao á opiniao pública

A opiniao, ora mencionada, de que é plenamente compatível


pertencer á Igreja Católica e á Franco-Maeonaria difundiu-se na
opiniao pública mediante ampias atividades sob forma de convenios,
sessSes abertas das Lojas Macónicas, publicaeáo de livros, artigos de
¡ornáis e revistas.

2.8. A «guiñada copernicana»

A referida opiniao foi favorecida por certo modo, completa


mente falso, de interpretar o Concilio do Vaticano II, modo que se
manifestou através da mencionada ativídade publicitaria. Segundo tal
concepcao, o Concí'io, dando urna «guiñada copernicana», teña re
movido, na Igreja, a ¡déia diretríz de que existe a verdade objetiva,
e haveria substituido esta nocao pela da dignidade humana.

Disto se seguiría certa aproximacao entre a Igreja Católica e a


Franco-Maconaria.

— 81 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

3. A RÉPLICA DA IGREJA

3.1. A maneira de examinar o problema

As iniciativas atrás recordadas nao eram suficientes para se


enfrentar o problema de modo realmente adequado nem para chegar
a resposta fundamentada e sólida.

Em tal contexto nao sao criterios decisivos a integridade, a opi-


niáo e a orientacao de personalidades masónicas Individuáis, pois
tais criterios sao totalmente subjetivos.

Para proceder a exame realmente adequado do problema, era


necessário, antes, estudar a esséncia da Franco-Maconaria, como ela
se encontró ñas grandes Lojas Unidas da Alemanha.

Independentemente de todas as concepcóes subjetivos, a essén


cia objetiva da Maconaria se manifesta nos Rituais oficiáis das Lojas.

Por isto tais documentos foram submetidos a atento e longo


exame (nos anos de 1974-1980). Foram considerados os Rituais dos
tres primeiros graus, que os macons permitiram fossem estudados, em-
bora os coloquios nao se referissem apenas aos Rituais.

3.2. A persistencia da posieáo da Franco-Majonaria

Nao foi alterado o foto de que a Franco-Maconaria questiona


a Igreja de modo fundamental. Isto se torna particularmente claro
se se consideram a compreensáo concreta, a base cultural, o conceito
de presente e a prospectiva de futuro que os macons assumiram de
maneira combativa no documento «Teses para o ano 2000», publi
cado em 1980 após a conclusao dos coloquios. Neste documento é
negado, em principio, o valor da verdade revelada; este indiferentis
mo excluí conseqüentemente, e de maneira cabal, a possibilidade de
urna religiSo revelada. Já a prímeira tese do documento, por certo
a mais importante, afirma : «Nao existem sistemas de natureza filo-
sófico-religiosa (weltanschaulkh-relCgioser Art) que possam reivindi
car obrígatoriedade exclusiva» (Das deutsche Freimaurer Magazin
Hutnanitat, 1980, n« 1, inserido após a p. 20).

3.3. Distensáo da atmosfera: cotaboracáo prática

Com relacSo aos séculos passados, melhoraram e mudaram o


tom, o nivel e o modo de manifestar as diferencas. Se antígamente
havia hostilidade e ultrajes, hoje a discussao se eleva a nivel objetivo.

— 82 —
BISPOS ALEMAES E MACONARIA 39

É preciso também salientar que os coloquios se desenrolaram em


atmosfera cereña de abertura e objetividade. Foi possivel eliminar
muitos preconceitos in sustentó veis.

A Igreja Católica tem consciéncia atualmente de estar obrigada


a colaborar com oiríras comunidades religiosas e com comunidades
que pTofessem uma cosmovisao semelhante á do catolicismo, quando
se trata de atingir fins humanitarios e caritativos. Na medida em que,
para os macons, tais fins sao prioritarios, a Igreja Católica está
disposta a uma acáo comum em prol dos mesmos. Disto, porém, nao
se deveria concluir que a Igreja ten ha motivos para considerar supe
rada a sua alitude de reserva e recusa em relacao á Franco-Maco-
naria.

3.4. O resultado dos coloquios

Se a discussáo do primeiro grau, realizada antes que a Igreja


Evangélica a efetwasse, nao pode eliminar serías dificiridades, a
Igreja Católica, no exame dos tres primeiros graus, viu-se obrigada
a averiguar contrastes fundamentáis e insuperáveis.

A Franco-Maconaria nao alterou a sua esséncia. Pertencer a ela


significa por em queslao os fundamentos da existencia crista. O
exame a profunda do dos Rituais da Franco-Maconaria « do modo de
£er macón, como também o conceito que a Maconaria tem de si
mesma até hoje, tornam evidente que nao é possivel pertencer simul
táneamente a Igreja Católica e á Franco-Maconaria.

A seguir, exporemos alguns dos temas e objetos de discussáo


que levarom a tal conclvcáo. A Comissáo, além destes, debateu ainda
outros pontos nao menos importantes.

4. RAZÓES DA INCOMPATIBILIDADE

4.1. A visáo que os macons tém do mundo

A cosmovisao dos macons nao está definida de modo tal que


os obrigue a aceita-la. Prevalece entre eles a tendencia humanitaria
e ética. Os livros rituais, com seus textos oficiáis, com as suas pala-
vras e acoes simbólicas, oferecem um quadro de símbolos nos quais
cada macom pode inserir as concepcoes pessoais. Nao aparece ai a
existencia de uma comum cosmovisao obrigatória. Ao contrarío, o
relativismo pertence as conviccóes fundamentáis dos macons.

— 83 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 254/1981

O Léxico Internacional dos Macons, reconhecido como fonte do


cumentaría objetiva, afirma a respeito: «A Franco-Maconaria é pro-
vavelmente a única instituigao que conseguiu, através dos tempos,
conservar livres de dogma a sua cosmovisao e o seu comportamento.
Por conseguirle, a Franco-Maconaria pode ser concebida como um
movimento que visa a congregar os homens de orientacSo relativista
para promover o ideal humanitario» (E. LENNHOFF-O. POSNER,
Internotionales Freimaurer Lexikon. Wien 1975, col. 1300).

Subjetivismo de tal género nao pode ser harmonizado com a


fé na Palavra de Deus revelada e auténticamente interpretada pelo
magisterio da Igreja. Além disto, gera disposicao de fundo que poe
em perigo a atitude dos católicos frente as palavras e as acoes da
realidade viva e sacramental da Igreja.

4.2. O conceito de verdade na Franco-Maconaria

Os macons negam a possibilidade de conhecimento objetivo da


verdade. Durante os coloquios foi mencionada, em particular, a
conhecida rentenca de G. E. Lessing : «Se Deus guardasse fechada
na sua direita toda a verdade e na sua esquerda apenas a ansia
sempre viva da verdade, na perspectiva de que eu me havería de
engañar sempre e eternamente, e me dissesse : "Escolhe !', eu me
voltaria humildemente para a sua esquerda e Ihe diría : 'Pai, dá-me!
A verdade pura é para Ti só !'» (G. E. Lessing, Duplik 1977, Gesam-
melte Werke, vol. V, p. 100).

Durante os coloquios esta concepcao foi indicada como carac


terística para a Franco-Maconaria.

A relatividade de toda verdade vem a ser a base da Franco-


-Maconaria. Visto que o macom rejeita qualquer tipo de fé em
dogmas, ele nao admite dogma algum nem mesmo dentro da sua
toja (cf. Dr. Th. Vogel, in KNA, 11/02/1960, p. 6).

Por conseguinte, do macón se exige seja homem livre, que «nao


conhece sujeicao a dogma e paixáo» (E. LENNHOFF-O. POSNER,
ob. ctt., col. 524s).

Desta premissa decorre a recusa liminar de todas as posicoes


dogmáticas, que é expressa no Léxico dos Macons: «Todas as ins-
tituicoes de fundamento dogmático, das quais a mais eminente pode
ser considerada a Igreja Católica, exercem coacao sobre a fé» (E.
LENNHOFF-O. POSNER, ob. cit., col. 374).

— 84 —
BISPOS ALEMAES E MAgONARIA 41

Tal conceito de verdade nao é compatível com o conceito cató


lico de verdade, nem do ponto de vista da teología natural, nem do
ponto de vista da teología da Revelacáo.

4.3. O conceito de ReligtSo na Maconaria

A concepcao de Religiáo, entre os macons, é relativista: todas


as relígíoes sao tentativas paralelas de exprimir a verdade divina,
que, em última analice, é inatingível. Com efeito, á verdade divina é
adequada tao somente a linguagem dos símbolos macons, linguagem
de muitos significados, entregue á capaddade de interpretacao de
cada macom. NSo sem motivo é estritamente proibida no interior das
Lojas qualquer discu:sáo sobre temas religiosos. Nos Antigos Deveres
de 1723, sob o ponto I, afirma-se : «O macom, como macom, está
obrigado a obedecer á leí moral; se ele compreende retómente a
Arte, nao será um insolente negador de Deus nem um libertino desen-
freado. Em tempos idos, os macons eram, em todos os países, obli
gados a pertencer á religiQo prevalente no seu país; hoje, porém,
tem-se por oportuno obrigá-los apenas á religiáo na qual todos os
homens concordam, « deixar a cada qual as suas conviccoes parti
culares» (pie Alten Pflichten von 1723, Hamburg 1972, 10).

O conceíto de religiáo «na qual todos os homens concordam»,


implica urna vísáo relativista da religiáo, que nao pode coincidir com
as conviccoes fundamentáis do Cristianismo.

4.4. O conceito de Deus entre os macons

No centro dos Rituaís encontra-se o conceito de «Grande Arqui-


teto do Universo». Apesar da boa vontade de abertura para abracar
todas as religíóes, rrata-sé de urna nocao de cunho deísta \

Em tal contexto nao há conhedmento objetivo de Deus que se


aproxime do conceito pescoal de Deus professado pelo teísmo. O

>A palavra deísta vem de deísmo, sistema ou atitude dos que, reci
tando toda especie de revelagSo divina, aceltam todavía a existencia de
Deus. Este é concebido como o prímelro Ser ou o primeiro Movente, tal
como a razio humana O pode reconhecer.
Ao deísmo opOe-se o teísmo, que professa a Revelacfio de Deus aos
homens, de modo que nác so a razáo, mas também a próprla Palavra de
Deus Introduz o homem no misterio de Deus e no conhecimento dos sabios
designios do Criador.
O Cristianismo é teísmo, e nao deísmo. (Nota do Tradutor).

— 85 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

«Grande Arquiteto do Universo» é um «Ele» neutro, indefinido e


aberto a toda interprétatelo possível. Cada pensador pode entendé-lo
do seu modo pessoal, tanto o cristao como o mugulmano, o confu-
cionista, o an¡mista ou o seguidor de qualquer oulra relig'iáo. O Ar
quiteto do Universo nao é, pelos macóns, concebido como Deus
pessoal; por isto o reconhecimento do «Arquiteto do Universo» neles
se coaduna com arbitrario sentimento religoso.

Esta representacao de um Arquiteto universal que tem seu trono


a distancia deísta, mina os fundamentos do conceito de Deus profes-
sado pelos católicos assim como a resposta por estes dada a Deus,
que os interpela como Pai e Senhor.

4.5. O conceito masónico de Deus e a Revelase»

O conceito de Deus na Franco-Maconaria nao permite pensar


numa revelacao de Deus, como acontece na fé e na tradicao de
todos os cristaos. Ao contrario, posto o conceito de «Grande Arqui
teto do Universo», o relacionamento com Deus é concebido em ter
mos predeístas1.

Análogamente, quem explícitamente deriva o Cristianismo da


religiáo originaria astral dos babilonios e dos sumeros, poe-se em
plena contradicáo com a fé na Revelacao (cf. Ritual II, 47).

4.6. A idéia de tolerancia entre os macons

Do conceito masónico de verdade deriva-se também a idéia de


tolerancia específica da Franco-Maconaria. Por tolerancia o católico
entende a compreensáo devida aos outros homens. Ao contrario, entre
os macons reina a tolerancia no plano das idéias, por mais opostas
que estas possam ser «ntre si.

Referimo-nos ainda a Lennhoff-Posner: «Do relativismo pode-se


derivar a posicao dos macons sobre os problemas do homem e da
humanidade.. . O relativismo fundamenta a tolerancia com argu
mentos racionáis. A Macoaaria é um dos movimentos que surgiram
no fim da Idade Media como reacao contra o absoluto do ensína-
mentó da Igreja e o absolutismo político, como reacao contra o fana
tismo de todo tipo...» (col. 1300) *.

'O deísmo comecou a existir como sistema no secuto XVIII entre os


enciclopedistas e nacionalistas.
'A Maconaria, na verdade, é a contlnuac&o das Corporacfies de Ps-
drelros da Idade Media. Estes, em seu tempo, gozavam de grande estima
da parte dos reís e da Igreja, por causa das belas obras góticas que
produzlam; varios privilegios Ihes eram concedidos.
(continua na p. 87)

— 86 —
HISPOS ALEMAES E MACONARIA 43

A idéia de tolerancia assim concebida abala a atitude de fide-


lídade dos católicos á sua fé e á autoridade do magisterio da lgre¡a.

4.7. As acdes rítuais dos maeons

Os tres Rituais dos graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre


foram discutidos no decurso de ampios coloquios e explicacoes. Essas
acóes rituais apresentam, por suas palavras e seus símbolos, índole
semelhante á dos sacramentos. Suscitam a ¡mpressáo de que, em tais
circunstancias, mediante acóes simbólicas, se realiza objetivamente
a'go que transforma o homem. O conteúdo desses Rituais implica
urna iniáacao simbólica do homem que, por todas as suas caracte
rísticas, e:tá em evidente paralelo com a transformacáo sacramental
oferecida na lgre¡a Católica.

4.8. O aperfeicoemento do homem

Segundo se depreende dos Rituais, o objetivo final da Franco-


•Maconaria é melhorar o homem oo máximo, no plano ético e es
piritual. No rito do grau de Mestre afirma-se : «Quais as virtudes
que deve possuir um auténtico Mestre? Pureza de coracao, veracidade
de palavras, prudencia ao agir, intrepidez nos males inevitáveis e
zelo infatigável, se for o caso, para praticar o bem» (Ritual III óó).

A este propósito tem-se a impressáo inevitável de que o aper-


feicpamento ético é ab:olut¡zado e de tal modo distanciado da
graca que nao fica espaco algum para a justificando do homem
segundo o conecito cristáo.

Que significado aínda pode ter a salvacáo comunicada saaa-


mentalmente pelo Batismo, pela Penitencia e a Eucaristía, se, com

No século XVI os ped reíros perderam a sua importancia, pols o estilo


gótico deixou de ser táo usual e acabou por ceder ao barroco e ao rococó.
Em conseqüéncia, as corporagSes ou Lojas de pedrelros foram declinando
ou perdendo seu interesse na sociedade dos séculos XVI e XVII. No co
meto do século XVIII, essas Lojas resolveram admitir em seu quadro filó
sofos e pensadores, que nada tinham a ver com a proíissSo de ped reíros,
mas que guardaram os sfmbolos e nomes das respectivas corporagSes,
dando á Magonarla um caráter filosófico. Esses pensadores, em grande
parte, eram a expressSo da sua época, ou seja, de urna filosofía deísta e
relativista em materia religiosa. 6 Isto que explica o pensamento predomi
nante na Maconarla alema com relacáo á rellgiáo.
O prlmelro codificador da Maconarla filosófica fot o pastor presbite
riano James Anderson, de Londres, que em 1723 promulgou os Estatutos
da InstltuicSo. Essa Magna Carta, retocada em 1738, professava "a rellgISo
na qual todos os homens concordam entre si"; admitía, slm, a existencia
de Deus, mas sem descer a explicitac.d'es ou sem mencionar Jesús Cristo
e o Evangelho; assim ficariam excluidos das Lojas Masónicas apenas os
ateus e os libertinos. (N. d. T.).

— 87 —
44 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS;» 254/1981

os tres graus fundamentáis, ¡á sao concedidas a ¡luminacao e a supe-


racao da morte de que falam os Rituais?

4.9. A espirítualidade dos macons

A Franco-Maconaria apresenta-se aos seus membros com urna


pTetensáo de totalidade, que exige fide'idade para a vida e para
a morte. Ainda que se suponha que a vía percorrída através dos
tres graus tem era mira principalmente a formacao da consciéncia
e do caráfer, fica aberta a quertño: a missao que a Igreja reivindica
como pTÓpria, pode permitir que urna insrituicáo estranha á Igreja
assuma a si a tarefa de conferir tal tipo de formacao?

Esta afirmacáo de totalidade torna particularmente evidente a


incompatibilidade da Franco-Maconaria com a Igreja Católica.

4.10. Diversas correntes dentro da Franco-Maconaria


Além da maioria das tojas, de tendencia fundamenta'mente hu
manitaria e de «crenca em Deus», há dentro da Franco-Maconaria
posieoes extremadas, como, de um lado, a Fraternidade atéia do
Grande Oriente de Franca, que tem algumas Lojas na Alemanha e,
de outro lado, a Fraternidade alema Grosse Landesloge. Esta última
se chama também Christücher Fre'maurerorden (Ordem crista dos
Franco-Macons; cf. LENNHOFF-POSNER, ob. eit. col. 1157).

Todavía esta «Franco-Maconaria crista» nao se coloca fora dos


principios macons fundamentáis. Tal expressao designa apenas mais
ampia possibitidade de conciliar Maconaria e crenca crista subjetiva.
Contudo é precito negar que essa conciliacSo se realize de modo
teo'ogicamente satísfatório, pois os fatos fundamentáis da revelacáo
de Deus feito homem e da sua comunháo com os homens sao enten
didos apenas como urna porsível variante da visño maconica do
mundo e sao professados apenas por urna pequeña parcela dos
macons.

4.11. Maconaría e Igreja Católica

Por muito importante que se¡a a distlncao entre Franco-Maco


naria bem disposta, neutra ou hortil para com a Igreja, neste con
texto a distincáo vem a ser ilusoria, pois leva a pensar que, no caso
dos católicos, se deva excluir apenas a partícipacao na Maconaria
hostil á lgre¡a. Todavia a perquisa estendeu-se precisamente a Franco-
•Maconaria que é bem disposta em relacao á Igreja Católica e,
mesmo neste caso, foi forcoso averiguar insuperáveis dificuldades
de condliacáo.

— 88 —
BISPOS ALEMAES K MACONAUIA 45

4.12. Macons e Igreja Evangélica

Em 1973 realizaram-se coloquios entre Macons e Evangélicos.


Os participantes evangélicos do coloquio na sua Declaracao conclu
siva de 13 de outubro de 1973 houveram por bem «entregar a livre
avaHacáo de cada crente» a possibílidade ou nao de aderir simul
táneamente ao Evangelho e á Maconaria.

Contudo deve-se notar especialmente o que no n° 5 de tal


Declaracao é afirmado: «Nao foí posrível aos participantes eclesiás
ticos dos coloquios formar urna idéia definitiva sobre o Ritual, sobre
o significado deste e o tipo de experiencia que o mesmo provoca. A
propósito os evangélicos levantaram o problema seguinte : a expe
riencia do Ritual e o trabalho do macom nao rao aptos a empali
decer o significado que, para o cristáo evangélico, tem a justificacao
mediante a graca ?» (Information nr. 58 der Evangslischen Zentral-
stelle fur WeUanschauungsfragen 58/74, 19).

5. DECLARACAO CONCLUSIVA

Ainda que a Franco-Maconaria, em conseqüéncia da persequicao


sofrida no decurso da época nacional-socialista, tenha passado por
transformacáo no sentido de maior abertura a outros grupos sociais,
nao obstante, na sua mentalidade, ñas suas conviccoes fundamentáis
e no seu «trabalho no templo» ficou exatamente igual a si mesma.

Os contrastes indicados tocam os fundamentos da existencia


crirtá. As aprofundadas pesquisas dos Rituais e do mundo espiritual
masónico evidenciam que é impossível a pertenca simultánea á Igreja
Católica e á Franco-Maconaria.

Würzburg, 28 de abril de 1980

II. REITERA£ÁO

As Lojas Maconicas da Alemanha responderam a Decla


rado da Conferencia Episcopal, contestando a posicáo assu-
mida por estal. O texto de tal resposta suscitou, de parte dos
Bispos alemáes, um esclarecimento cujo teor vai abaixo trans
crito em tradugáo portuguesa:

1 Nao nos foi posslvel encontrar o texto-réplica da Maconarla; nem


sequer fol posstvel averiguar se fol oferecido ao grande público ou nio.
(N. d. T.).

— 89 —
40 ^PERGUNTE C RESPONDEREiMOS;. 254/1931

A Secretaria da Conferencia Episcopal Alema faz as seguintes


observacoes a propósito da Declaracao emitida pelas Grandes tojas
Unidas da Alemanha em relacao á Declaracao da Conferencia Epis
copal Alema publicada pela imprensa :

1. A Declaracao de Lichtenau * nao obteve autorizacao ecle


siástica, nem de alguma Conferencia Episcopal nem de alguma auto-
rídade romana. Também o Cardeal Konig, ao qual foi entregue o
documento, nao se mostrou disposto a subscrevé-lo.

2. A referencia á Declaracao da Igreja Evangélica con cernen le


á Franco-Maconaria c incompleta na medida em que omite os se
guintes dizeres da mesma Declaracao Evangélica : «Nao foi possí-
vel aos participantes eclesiásticos do coloquio formar urna idéia
definitiva sobre o Ritual, sobre o significado deste e o tipo de expe
riencia que o mesmo provoca. A propósito os evangélicos levantaram
o problema seguinte: a experiencia do Ritual e o trabalho do
macom nao sao aptos a empalidecer o significado que, para o
cristao evangélico, tem a ¡ustificacao mediante a graca?» (Informa-
tion nr. 58 der Evangelischen Zentralstelle für Weltanschauungsfragen
58/74, 19). A Igreja Evangélica pode examinar apenas o primeiro
grau, nao com a mesma amplidao com que o pesquisou a Igreja
Católica e, ainda, á luz de pressupostos diversos dos que esta adotou.

3. A verificacao de que a pertenca á Franco-Maconaria póe


em questáo os fundamentos da existencia crista nao é pretensao
arrogante, mas deriva da apresentacao conscienciosa dos fundamen
tos da autocompreensao da Franco-Maconaria.

III. COMENTARIOS

Proporemos quatro objetos de observacáo. e urna con-


clusáo.

10 documento de Lichtenau pode ser assim Identificado:


Após o Concilio do Vaticano II, em vista do clima de diálogo entSo
Instaurado, realizaram-se coloquios entre membros da Maconaria e mem-
bros do Secretariado da Igreja Católica destinado a contatos com os Náo-
-Crentes. Em 1972 tais conversacSes concluiram-se com a emlssáo da "De
claracao de Lichtenau" (Llchtenauer Erktsrung): esta afirmava que as Bulas
papáis condenatorias da Maconaria tlnham apenas significado momentáneo,
condicionado por circuntáncias históricas já ultrapassadas, e que a conde-
nacfio da Maconaria por parte do Direlto Canónico já n§o se justificava em
nossos días.
O Cardeal Franz Konlg, de Vlena, que era entSo o Presidente do Se
cretariado para os NSo-Crentes recusou-se a asslnar tal DeclaracSo.

— 90 —
BISPOS ALEMAES E MACONARIA 47

1. O fundo de cena

Como já exposto em PR 179/1974, p. 416, o canon 2.335


do Código de Direito Canónico assim reza:
"Aqueles que dao seu nome a selta macdnica e a sociedades seme-
Ihantes que conspirem contra a Igreja e as legítimas autoridades clvis...
incorrem sem mais na excomunháo slmplesmente reservada á Santa Sé".

Como se compreende, este canon atinge a Magonaria e


os seus membros na medida em que esta é sociedade secreta
que, ao menos em seu passado, conspirou ferrenhamente con
tra a Igreja.

Eis, porém, que nos últimos decenios se verificou grande


diversificagáo dentro da própria Magonaria; as Lojas dos paí
ses nórdicos da Europa respeitam ou mesmo veneram os prin
cipios doutrinários cristáos que os primeiros macons na Ingla
terra respeitavam (por isto sao chamadas «Regulares»), ao
passo que as Lojas dos países latinos tomam atitudes hostis á
Igreja (daí serem chamadas «Irregulares»), Mesmo dentro de
cada país pode haver certo leque de posicóes da Magonaria
frente a Religiáo. Em conseqüéncia, a S. Congregagáo para a
Doutrina da Fé, após ter examinado atentamente a situagáo,
houve por bem, aos 19/07/74, escrever urna carta ao presi
dente da Conferencia Episcopal de cada país, declarando o
seguinte:

Continua válido o can. 2.335; todavia há de ser interpre


tado em sentido estrito. Conseqüentemente só caem sob exco
munháo os fiéis católicos que se inscrevam em Lojas que cons
pirem realmente contra a Igreja Católica. A autoridade para
identificar a Magonaria em cada país e as respectivas ativida-
des tocaria obviamente á Conferencia Episcopal de tal regiáo.

2. A situagáo na Alemanha

Tendo em vista a necessidade de averiguar a realidade da


Maconaria na Alemanha a fim de orientar os respectivos fiéis,
a Conferencia Episcopal Alema julgou oportuno proceder aos
referidos coloquios, dos quais resultou a declaragáo atrás
transcrita.

Como se percebe, este documento é categóricamente des-


favorável á simultánea filiagáo de um católico á Igreja e á
Magonaria. Para tanto, aponta dificuldades decisivas de índole
doutrinária; nao há, pois, preconceito nem má vontade, mas,
48 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

sim, razóes objetivas averiguadas com serenidade durante anos


de estudos; o próprio documento reconhece haver atitude de
diálogo da parte da Magonaria.

De resto, a Declaracáo do Episcopado Alemáo tem em


vista táo somente a Maconaria e os fiéis católicos na Alema-
nha. Nao há dúvida, pode também ter aplicagáo fora da Ale-
manha, onde quer que se encontrem condigóes idénticas ou
análogas as daquele país. Assim, por exemplo, o Grande Oriente
da Franca e correntes a este filiadas apresentam estrita ana-
logia com a Magonaria alema. Sabe-se, porém, que a Grande
Loja Nacional Francesa respeita abertamente a doutrina
católica. Ñas Filipinas o Grande Oriente submeteu suas Cons-
tituigóes e seus Rituais á hierarquia católica para que elimi-
nasse todo trago oposto aos principios do Catolicismo. Nos
países escandinavos a Magonaria exige dos seus membros a
profissáo de fé cristal; os bispos católicos nao impóem o
abandono da Maconaria aos magons que se queiram tornar
católicos.

3. As razóes da recusa

Sao cinco os principáis pontos indicados.

3.1. Relativismo

0 ponto primeiro e fundamental que na Magonaria se opóe


á concepcáo crista, é o relativismo da mesma perante a ver
dade. A Magonaria nega a possibilidade de se obter um conhe-
cimento objetivo e auténtico da verdade. Ora este relativismo,
que redunda em subjetivismo, é incompatível com a premissa
crista de que Deus se revelou aos homens, comunicando-lhes
a Palavra da verdade; é também incompatível com a tese, ge-
ralmente adotada pelo Cristianismo, de que é possível construir
um discurso racional ou filosófico que atinja a verdade como
tal, embora através de raciocinios sujeitos a erros.

3.2. O conceito de Deus e de ReligfSo

Os magons da Alemanha professam urna concepcáo de


Deus deísta, ou seja, construida táo somente com o instrumen
tal da razáo. Nesta perspectiva, Deus vem a ser «o Grande
Arquiteto do Universo», um ser vago, indefinido (ou também

1 Isto se explica pelo fato de que outrora em tais patees o rei era
simultáneamente chefe da Magonaria e responsável pela Igreja Luterana.

— 92 —
EISPOS ALEMAES E MACÓN ARIA 49

um símbolo), que cada homem pode interpretar a seu modo.


Ao conceito de «Grande Arquiteto do Universo» faltam as
características do Deus da Biblia, que é um Deus pessoal, pro
vidente, amigo e pai de todos os homens.

Quanto & no^áo de religiáo, é também insuficiente. A Ma


conaria Alema reconhece táo somente a atitude religiosa que
todos os homens possam professar por sua religiosidade con-
génita; cada sistema religioso seria apenas urna tentativa de
exprimir a verdade divina, que, em última análise, ficaria ina-
tingível.

Dir-se-á: um católico poderá completar as nocóes de Deus


e de Religiáo reconheddas pela Magonaria acrescentando-lhes
o conteúdo próprio da fé crista; a Magonaria nao impóe obri-
gatoriamente aos seus membros a abjuracáo da respectiva fé.
— Os Bispos alemáes certamente ponderaram esta possibilida-
de, mas tiveram motivos para julgar que, na prática, esta com-
plementa^áo crista nao ocorre entre os magons: em vez de dar
interpretacáo crista as proposigóes da Maznaría, os cristáos
a esta filiados se deixam arrastar pelo relativismo e indife
rentismo ai reinante; sao, portante, prejudicados. É a expe
riencia que leva os Bispos a falar, no caso.

É certo que a Maconaria nao impóe oficialmente o ateísmo


ou o indiferentismo religioso. Mas a sua pretensáo de ser «um
sistema total e totalizante», que exige dos adeptos fidelidade
para a vida e para a morte, cria em torno dos fiéis católicos
um clima tal que, na prática, acaba por alheá-Ios totalmente
as exigencias da fé católica. Mesmo as correntes de pensa-
mento mais abertas dentro da Maconaria alema sao marcadas
radicalmente por urna nota de indiferentismo religioso, que é
contagiante. As concep^óes relativistas e indiferentistas da Ma
gonaria acabam substítuindo, qual nova «Religiáo» ou nova
«Cosmovisáo», as proposigóes cristas referentes a Deus, ao
mundo e ao homem.

3.3. Tolerancia

O fiel católico aprende, na Igreja Católica, a ser tolerante


no sentido de paciente e compreensivo para com todos os
homens. Todavía o católico nao conhece tolerancia em rela-
cáo as idéias, como se todas fossem equivalentes entre si ou
como se nao houvesse verdade e erro. Um engenheiro poderá
ser paciente e compreensivo para com um colega que lhe diga

— 93 —
50 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

que 2 + 2 = 3,9 ; mas jamáis poderá colaborar com tal colega


na construgáo de tim edificio ou de urna ponte. Jamáis, em
nome da fraternidade, um engenheiro poderá dizer que tanto
faz calcular na base de 2 + 2 = 4 como calcular a partir da
premissa 2 + 2 = 3,9. Ora o cristáo eré que existem as cate
gorías do oerto e do errado nao só ñas chamadas «ciencias
exatas», mas também nos planos da filosofía e da fé. Por isto
o cristáo nao se pode comportar do mesmo modo diante de
qualquer proposigáo filosófica ou religiosa; é o próprio amor
ao próximo que o leva a dizer Sün á verdade e Nao ao erro.
A. Magonaria, neste ponto também, destoa do Cristianismo.

3.4. Os Rituais

Quem examina os Rituais das Lojas tem a impressáo de


que as agóes simbólicas praticadas pelos macons através dos
seus varios graus de iniciagáo, assumem índole quase sacra
mental ; seriam eficientes pelo fato mesmo de serem pratica-
dos ; assegurariam o aperfeigoamento ético e espiritual do
homem, independentemente de qualquer outra fonte de valores
(ou, em linguagem crista, independentemente da graga de
Deus). De novo a Magonaria, sem o proclamar explicitamente,
vem a ser, para o magom, o substitutivo da genuína fé crista
professada pelo fiel católico antes de entrar para a Loja.

3.5. Ambigüidade da Mojonaría

O exame dos documentos da Magonaria alema pode deixar


o leitor perplexo diante das varias facetas que a mesma assume.
Pode-se perguntar:

a) Será a Magonaria urna especie de seita crista, na me


dida em que ela se refere freqüentemente ao Cristianismo (bem
ou mal entendido) como sendo a religiáo comum a maioria dos
crentes da Alemanha ?

b) Ou será a Magonaria urna especie de anti-Igreja, que


tem o seu Ritual e os seus sacramentos semelhantes aos da
Igreja Católica, de modo a tomar o lugar do Catolicismo entre
os seus membros ?

c) Ou aínda será a Magonaria um substitutivo da Reli-


giSo para aqueles que nao admitem a Revelagáo crista ou nao
se julgam presos a esta ?
BISPOS ALEMAES E MACONARIA 51

d) Ou — mais — será a Magonaria urna especie de


Ordem secreta, de base pluralista, destinada a fins humanita
rios, deixando a cada um de seus membros a liberdade de
professar o que lhe apraza ?

Nao há resposta clara para tais perguntas. Ora precisa


mente esta indefinigáo da Magonaria torna o diálogo com a
mesma assaz difícil e fundamenta a atitude reservada da Igreja
frente as Lojas da Alemanha.

4. Deixando o plano da doutrina. ..

A Declaragáo dos Bispos da Alemanha é de todo incisiva


ao afirmar a incompatibilidade de pertenga a Igreja Católica
e a Magonaria. Todavía reconhece que no plano da acáo huma
nitaria há pontos comuns, como sao: a defesa da liberdade
e dos direitos do homem, as obras de beneficencia e socorro
aos que sofrem, a posicáo assumida frente ao materialismo e
as suas conseqüéncias anti-humanas... Os Bispos alemáes ex-
primem-se neste particular de maneira clara, embora caute
losa. Cf. p. 82 deste facículo.

5. Conclusáo

Como dito, as ponderagóes dos Bispos da Alemanha podem


aplicar-se ou nao k Magonaria de outros países, visto que as
Lojas sao diversificadas entre si. Como quer que seja, a De
claragáo constituí urna alerta para o procedimento dos cató
licos que julguem estar superadas as diferencas entre Catoli
cismo e Magonaria.

Vé-se que o grande obstáculo a tal aproximagáo é o rela


tivismo filosófico-religioso adotado pela Magonaria. A situagáo
do homem que nao tem a certeza de conhecer a verdade — ao
menos no tocante aos pontos cardeais da existencia — é a
mais trágica possível; equivale a condigáo de quem nao tem
bússola em alto mar. Disto sejam testemunhas Jacques e Raissa
Maritain, que, como estudantes, se encontraram em París no
inicio deste sáculo para cursar filosofía na Sorbonne; Raissa
era russa, educada no judaismo, muito distante de urna visáo
crista do mundo; Jacques, francés, descendía de familia pro
testante liberal e estava imbuido de principios do cientificismo

— 95 —
52 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 254/1981

materialista. A ambos a vida parecía absurda e insuportável,


pois se sentiam distantes da verdade. É o que confessa Jacques:

"Se temos que renunciar a encontrar um sentido para a patavra ver


dade, para a distincáo entre o bem e o mal, entre a justica e a injustica, já
nao nos será possivel viver de maneira humana..."

Jacques e Ralssa conceberam a vaga esperanca de desco


brir a verdade:

"Decidimos dar crédito á existencia como se fosse urna experiencia


a ser feüa... Se essa experiencia nao lograsse resultado, ficaria a trágica
solucáo do suicidio".

«Ou descobrir a verdade e o sentido da vida ou apelar para


o suicidio», eis o que tinham em mente os dois estudiosos, que
finalmente encontraram o Evangelho. A tal ponto é importante
saber por que e para que vive o homem! Ora a Maconaria,
ou professando ou insinuando indiferentismo e ceticismo, des-
trói a fundamentagáo necessária a urna vida plena e feliz. Ao
fiel católico foi dada a imensa alegría de professar as grandes
certezas que a sá razáo e a Revelagáo Divina lhe comunicam.

Aspirar a conhecer a verdade nesta vida mesma nao im


plica arrogancia da parte do homem. A inteligencia humana
foi feita para a verdade, como o olho para a luz e o ouvido
para o som; é natural, pois, que, cedo ou tarde, ela chegus a
perceber a verdade. Com isto nao queremos afirmar que o
homem conhega a verdade em plenitude enquanto caminha
nesta térra; mas tencionamos dizer que o homem conhece au
ténticos vislumbres da verdade, que se tornarh mais e mais
claros com o decorrer dos estudos bem conduzidos. Especial
mente as verdades da fé póem o cristáo, desde já, no antegozo
do encontró face-a-face com Deus, que é a Verdade subsistente.
Quando a Igreja transmite a Verdade em nome de Cristo, ela
nao violenta a inteligencia do homem, mas, em atitude de ser-
vico, se faz simplesmente arauto da Boa-Nova, Boa-Nova que
é a resposta de Deus as aspiracóes mais fundamentáis do
homem. Essa resposta, o cristáo a aceita com humildade e
profunda satisfagáo !

A propósito:

Freimaurerel: entschledenes Neln dar Blschsle, In: Herder-Korrespon-


denz, 34. Jahrgang, Heft 6, Junl 1980, pp. 274-275.
CAPRILE, G., Olchtarazione della Conferenza Episcopale Tedesca circa
l'appartenenza di cattollcl alia Massonerla, In: La Ciwllitá Caitolica 3126,
20/09/1980, pp. 487-502.
Estéváo Bettencourt O.S.B.

— 96 —
livros em estante
A televisáo "pifou"!, por Taciana Freitas Coutinho. — Ed. Loyola,
Sao Paulo 1980, 135 x 210 mm, 476 pp.

Nao raro vemo-nos diante da dolorosa situagao de um casal em


crise... E perguntamo-nos como o poderiamos ajudar a reencontrar o seu
caminho. Ora Taciana Freitas Coutinho viu-se, certa vez, diante de tal sitúa-
gao. Resolveu entáo escrever uma carta aos cdnjuges infelizes. E essa carta
transformou-se em livro, ... livro cheio de desenhos ilustrativos e de
páginas didaticamente diagramadas pela própria autora, a fim de tomar
fácil e agradável a leitura da obra. Taciana Coutinho compara o casal
desajustado a um televisor "pifado"; a ¡Tiagem, á primeira vista, pode pare
cer inadequada, mas Taciana sabe desenvolvé-la com profundo senso psi
cológico e espirito auténticamente crisláo. Louvamos especialmente o que
escreve sobre amor, divorcio, separacao conjugal (pp. 364-379), sobre
sexualidade e afelividade (pp. 380-393). Muito significativa também é a ¡n-
trodugao da autora ao seu livro (pp. 15-17): trata-se de um testemunho
pessoal, que demonstra como a escritora tem experiencia do que diz. Sen-
te-se. através das interessantes páginas do livro, a presenca indireta de
Joáo Mohana, sacerdote e médico, autor de numerosas obras sobre a vida
conjugal, a quem a autora homenageia especialmente á p. 7. O público
precisa de ler livros como este. Eis por que nos congratulamos com a Sra.
Taciana Coutinho pelo seu trabalho de coragem e de raro valor.

Os Papas e o Rosario, pelo Pe. Valerio Alberton S. J. — Ed. Loyola,


Sao Paulo 1980, 140 x 210 mm, 77 pp.

Este livro aborda o tema "Rosario" dentro de temas mais ampios como
sao "Vida de Oracáo" e "Devogáo a Maria". Após o Concilio do Vaticano II,
certos mal-entendidos se difundirán*! a respeito de um e outro, como se
nao fossem importantes a oragao particular e o culto a Maria SS. Ultima-
mente, porém, a consciéncia católica tem-se reafirmado .na procura de pro
funda vida de oracáo pessoal e de sadia devogáo a Maria SS. É neste con
texto que se coloca a recitagao do Rosario, forma popular e fácil de oragao,
que ha de ser renovada segundo os ditames de uma esplrltualidade teoló
gicamente bem nutrida.

O Pe. Alberton mostra a evolucáo da espiritualidade recente e o lugar


que o Rosario pode ocupar dentro da mesma. Colecionou também, por
assim dizer, todos os documentos pontificios atinentes ao Rosario, a lim
de evidenciar o valor que os Papas tem atribuido a esta devocáo desde
Leao XIII até Joáo Paulo II. O livro é útil á revitalizagao da piedade po
pular e, em especial, á da devogao mariana representada pela recltagáo
do Rosario. O autor está de parabéns.

Na colegio "Deus fala aos homens", as Edigóes Paulinas publícaram


em 1980 tres fascículos de 60/70 páginas cada qual, a saber: "Come-
cando a ler a Biblia (Génesis 1-11)", "E Abraáo partiu... (Génesis 12-50)",
"Rumo á Térra Prometida (Éxodo, Levítico, Números, Deuteronómio, Josué)",
todos sob a responsabilidade de Pn. Dogonet e equipe, tendo a Ir. Isabel
Fontes Leal Ferreira traduzido os mesmos do francés para o portugués.
A colegio continuará de modo a percorrer a historia do (Antigo Testamento
em doze opúsculos, é interessante para a catequese; apesar de extrema
mente concisa, oferece conclusdes úteis a quem queira transmitir a men-
sagem do Antigo Testamento numa perspectiva fidedigna.

E. B.
AOS NOSSOS LEITORES
NOVA ADMINISTRAgÁO

COMUNICAMOS QUE, EM JANEIRO 1981, A ADMINIS-


TRACÁO DA REVISTA "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
PASSOU DA LIVRARIA MISSIONÁRIA EDITORA (ED. PAULI
NAS) PARA AS EDigóES "LUMEN CHRISTI" (CAIXA POS
TAL 2666, 20000 RIO DE JANEIRO, RJ). DORAVANTE, POR-
TANTO, TODA A CORRESPONDENCIA RELATIVA A ENCO-
MENDAS, PAGAMENTOS, MUDANQAS DE ENDERECOS...

DEVERÁ SER ENVIADA AS ED. "LUMEN-CHRISTI". A REDA-


QÁO DE PR APROVEITA O ENSEJO PARA AGRADECER, DE
PÚBLICO, AS ED. PAULINAS A FIDALGUIA E A DEDICAQAO
COM QUE TRATARAM A OBRA DE PR.

EM 1981 A REVISTA, A PARTIR DE MARQO, SERÁ


BIMESTRAL (FASCÍCULOS DE 64 PP.). ESPERAMOS QUE
EM 1982 RETOME O SEU RITMO MENSAL. ESTA PERSPEC
TIVA DEPENDE, EM PARTE, DO AUMENTO DO NÚMERO
DE ASSINANTES DE PR. PELO QUE DIRIGIMOS CALOROSO
APELO AOS NOSSOS AMIGOS NO SENTIDO DE QUE PRO-
CUREM DIVULGAR A REVISTA, OBTENDO-LHE NOVOS
ASSINANTES. SERÁ IMPORTANTE TAMBÉM QUE SALDEM,
QUANTO ANTES, OS SEUS COMPROMISSOS COM PR, EVI
TANDO ATRASAR OS PAGAMENTOS.

CONTAMOS COM A SEMPRE GENEROSA COLABORA-


CÁO DOS NOSSOS LEITORES A FIM DE LEVARMOS ADIAN-
TE A OBRA DE PR, QUE NADA MAIS PRETENDE SER DO
QUE UM SERVICO A S. IGREJA E A CULTURA.

A REDACÁO DE PR

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