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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaca


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
ERGUNTE
e

Responderemos

JULHO 1957
ÍNDICE

I. QUESTÓES FILOSÓFICO-RELIGIOSAS

1) "Que é a alma ?" s

2) "Se Deus consentiu na produgdp de um vívente nao-humano


em laboratorio, porque nao consentiría na produgdo de, um
embrido humano em semelhantes condigóes?" i,
S) "Qual o momento em que a alma penetra no embrido?" .... 5
i) "Donde vem que a idéia do destino esteja tao arraigada entre
os contemporáneos?" 7

5) "0 inferno? Quase ninguém mais acredita néle!" lo


0) "0 espiritismo, sim! Acredito porque vejo!" J2
7) "Se é proibido evocar os espíritus, porque os santos tém
visóes ?" ^¿

II. QUESTOES BÍBLICAS

8) "Queira explicar o texto do Evangelho de Sao Mateus: 'E, se


me queréis dar crédito, ele (Jodo Batista) é Elias que há de
vir' (Mt 11,14) e dizer algo sobre a reencarnacdo!" 15
9) "Se nao fóra o pecado original, dar-se-ia da mesma forma a"
reprodugdo do género humano?" 21
10) "Apon a queda do homem, houve relagoes entre os filhos ime-
diatos de Adáo e Eva?" 22
11). "Se os primeiros homens se ¿ivessem conservado na graga,
ficaríamos privados de M¿ria Santíssima?" ....> 33
12) "Como interpretar a passagem em que Jesús diz falar em
parábolas para que alguns 'ouvindo nao compreendam'?" ... 23
18) "Quem eram os irmdos de Jesús?" 25

COM APBOVACÜO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
N« 3 — ¡ulho de \957

I. QUESTOES FILOSÓFICO-RELIGIOSAS

COLEGIO PAULO DE FRONTÍN (Rio de Janeiro):

1) «Que é a auna?»

De modo geral, denomina-se alma o principio vital 'que


anima ou faz viver a materia orgánica. Embora nao se saiba
definir exatamente em que consiste a vida, costuma-se dizer
que e auto-mogáo ou «mogáo de si mesmo». Distinguem-se
tres graus de vida :

a vida meramente vegetativa, cujas funches sao nutri


mento, crescimento e multiplicagáo da especie ;

a vida sensitiva, que, além das funcóes anteriores, pos-


sui a faculdade de conhecer, mediante os sentidos (órgáos do
corpo), objetos concretos, dotados de tamanho, cor, sabor
sonondade, etc.; so atinge objetos dimensional ;

a vida intelectiva, que tem, a mais, a fungáo de elaborar


nogoes abstraías, depuradas das dimensóes e outras notas
concretas, contingentes, com.que os seres aparecem na natu-
reza; a inteligencia, por exemplo, elaborando os dados rece-
bidos pelos sentidos, chega á conclusáo de que o «homem» nao
e somente Pedro, Paulo, Joáo..., mas todo vívente (branco
ou negro, alto ou baixo, masculino ou feminino) capaz de
raciocinar ou racional. Um dos sinais mais característicos da
presenca do intelecto ou da vida intelectiva num determinado
sujeito e a faculdade de falar, a qual supóe sempre um poder
superior aos sentidos, coordenador das impressóes recebidas
por estes («se o chimpanzé tem a possibilidade de falar, mas
na realidade nao fala, entenda-se que a fungáo de falar, em
sua esséncia, nao é fungáo orgánica, mas fungáo intelectual e
espiritual», G. Gusdorf, La Parole. París 1953,4). Outra ca
racterística do ser intelectivo é o riso, que supóe a admiragáo
ou seja, o conhecimento abstrativo e lento que se faz por
meio do raciocinio.

Na base desta tríplice distingáo, fala-se de alma (prin


cipio vital) vegetativa, alma sensitiva e alma intelectiva.

— 3 —
Cada individuo possui urna alma só, que satisfaz a todas as
fungóes de sua vida.

A alma intelectiva é própria do homem. Difere da vegeta


tiva e da sensitiva pelo fato de que, como ácima dissemos, es
tas nao tém fungóes que transcendam os limites da materia;
sao materiais; por isto sao produzidas pela potencialidade
mesma da materia e reabsorvidas por esta, quando céssam as
disposigóes do corpo necessárias para que exergam suas fun
góes. A alma intelectiva, ao contrario, possui ativida'de supe
rior á do corpo ; é capaz de conhecer o que nao cai direta-
mente sob os sentidos (embora se sirva do conhecimento sen
sitivo como de base das suas elucubragóes); conhece, por exem-
plo, a causa invisível de um efeito visível, as relagóes entre os
meios e determinado fim, aquilo que é essencial e perene em
individuos diversificados por notas contingentes, etc. Por isto
a alma humana nao é material, mas «espiritual» (o modo de
ser e o modo de agir de um individuo sao estritamente corre
lativos entre si); o que mais precisamente significa: ela nao
tem extensáo, nem tamanho, nem cor, nem sabor, nem figura,
sem que por isto deixe de ser muito real (Deus também nao
tem figura nem cor). Daqui se segué, como melhor se dirá
abaixo (n' 2), que a alma humana tem origem independente
da materia e pode subsistir fora ou independentemente desta.

Dada a transcendencia da alma humana em relacáo á da


planta e á do animal irracional, costuma-se reservar o nome
alma para o que concerne ao homem, chamando-se simples-
mente principio vital (vegetativo ou sensitivo) o elemento que
vivifica as plantas e os irracionais.

2) «Se Deus consentiu na producáo de um vivente náo-


-humano em laboratorio, porque nao consentiría na producáo
de um embríao humano em semelhantes condicocs ?»
\
_ A hipótese de se produzir um vivente sensitivo em labo
ratorio de modo nenhum está comprovada ; parece mesmo
achar-se longe distó. As experiencias mais.ayangádas em tal
setor tém consistido .em recompor um vínís (ser vivo?) pre
viamente dividido, ppr hidrólise, em duas partes (experiencia
de Berkeley, 1955).

Admitamos, porém, generosamente que se chegue uní


dia a dar origem artificial á vida vegetativa e sensitiva. Neste
caso os cientistas apenas cooperariam com as leis da natureza
deis estipuladas pelo próprio Criador), a fim de que da ma
teria eclodisse a vida nela latente.

Ao criar a massa primordial, o Senhor Deus lhe teria


comunicado o-poder de evoluir, segundo determinadas normas,
até o grau da vida sensitiva. Os homens, em laboratorio, fa-
zendo reagir substancias químicas entre si, provocariam entáo
o desencadeamento dessas leis e o desabrochar da vida. Visto
que o principio das funcóes vegetativas e sensitivas nao trans-
cende a materia (cf. n' 1), pode estar incluido nela; desta
prorromperia em circunstancias favoráveis, e a ela voltaria
quando pela morte cessasse as suas fungSes.

O mesmo, porém, nao se dá com o principio intelectivo.


A alma humana, como se sabe, possui faculdades que ultra-
passam a potencialidade da materia ; por isto também tem
existencia independente desta (nao morre quando o corpo se
dissolve), como tem origem independente da materia; é ti
rada do nada e infundida diretamente pelo Criador; entre a
materia e o espirito há um hiato intransponível as fórgas
criadas (o que é inferior nao gera por si o que lhe é superior).
Por isto os homens nunca poderáo, por síntese química, pro-
duzir urna alma humana (esta nao tem componentes quími
cos) ; na mais fantasista das hipóteses, poderiam produzir
um composto orgánico igual ao corpo humano, inanimado
porém; ésse composto só comegaria a viver, caso Deus se
dignasse criar especialmente urna alma e infundí-la a tal pro-
duto químico. Estas conjeturas, porém, já parecem levar-nos
muito longe da realidade !...

DANIELA (Rio de Janeiro) :

3) «Qual o momento em que a alma penetra no em-


bríáo ?»

Os sabios da antigüidade admitiam certo intervalo entre


a fecundagáo do óvulo pelo esperma e o aparecimento da
alma racional no embriáo humano: Hipócrates (séc. 4» a. C),
o famoso médico grego, por exemplo, julgava haver um lapso
de trinta dias. Os cristáos medievais, seguindo as nogóes de
fisiología de Aristóteles (1322 a.C), opinavam que o feto
masculino sómente quarenta dias após a fecundagáo recebia
alma racional, enquanto para o feto feminino admitam o in-

— 5 —
tervalo de oitenta dias. Assim julgavam, porque lhes parecía
nao haver ñas primeiras semanas após a concepgáo a organi-
zagáo de células necessárias para constituir um corpo humano,
sede de alma racional; acreditavam, sim, que durante certo
tempo o feto só possuia organizagáo e atividades de vida
vegetativa (nutrimento e crescimento), e por isto lhe atri-
buiam principio vital meramente vegetativo ; a seguir,- julga
vam distinguir no embriáo organizagáo e movimentos espon
táneos característicos da vida sensitiva, que éles conseqüen-
temente atribuiam a novo principio vital, a alma sensitiva,
recém-originada em substituicao á anterior; sómente após
estas fases reconheciam no feto a organizagáo típica do corpo
humano, no qual pode viver urna alma intelectiva ; esta entáo
seria infundióla.

Hoje em dia, porém, fisiólogos e filósofos em geral admi-


tem que desde a concepgáo há no embriáo humano a prga-
nizagáo própria de um vívente humano ; em conseqüéncia,
afirmam que desde a fecundagáo o novo ser é dotado de alma
racional. Está claro que as faculdades intelectivas só se po-
dem manifestar depois que os órgáos da vida sensitiva atin-
gem certo desenvolvimento, pois a alma intelectiva, embora
nao seja material, depende da materia ou das faculdades sen
sitivas para colher as primeiras noticias, que a inteligencia
elabora, délas abstraindo as nogóes universais, as definigóes.

A alma intelectiva, tendo fungóes que transcendem as


faculdades corpóreas, nao provém da potencialidade cía' mate
ria («o menos perfeito nao pode por si produzir o mais per-'
feito»), mas é criada diretamente por Deus e infundida ao
embriáo no momento da fecundagáo, fecundagáo que se pode
dar algumas horas ou, as vézes, alguns dias após a cópula
conjugal. \

É o que explica a intransigencia da Moral crista perante


o aborto direto. Éste é sempre tido como infanticidio, mesmo
quando praticado nos primeiros tempos da'gestagáo; nao há
fundamento para se distinguir entre feto animado e feto ina
nimado (por alma racional). Mesmo na Idade Media, quando
se adotava a fisiología de Aristóteles, os autores cristáos con-
denavam o aborto, em qualquer época fósse produzido; ti-
nham-no na conta de destruigáo da vida iniciada de um
homem.

_ 6 —
4) «Donde vem que a idéia do destino esteja tao arrai
gada entre os contemporáneos ?»

Certos pensadores gregos pré-cristáos, herdando um patri


monio de idéias orientáis, admitiam que urna fórga superior,
a Heimarméne (Fato ou Destino), mantivesse o homem ca
tivo sob sua influencia, de tal modo que vá ficava a liberdade
de arbitrio.

Após o aparecimento do Cristianismo, essa tese se con


serva na ideología religiosa de um ou outro povo nao cristáo
(principalmente entre os mugulmanos, que lhe dáo matiz
propno). A doutrina de Cristo, porém, a rejeita perernptória-
mente, ensinando que Deus fez o homem á sua imagem e se-
melhanca, dotado da liberdade de agir ou nao agir de agir
deste ou daquele modo. O Criador, que outorgou ao homem
tao grande dignidade, jamáis lha retira ; nao o coage. Con-
ceber o contrario significaría desfigurar a nocáo auténtica
de Deus, Ser Bom e Sabio.

Contudo hoje em dia a reviviscencia de crengas orientáis,


sob a forma de seitas ocultistas, que se dizem herdeiras da
arcana sabedoria da «Atlántida», do Egito, da India, tem
despertado a atengáo para o Fato ou o Destino ; éste (apre-
sentado com modalidades diversas) é um dos elementos estru-
turais da doutrina de tais escolas. A promessa de que ensina-
ráo aos seus «iniciados» cálculos matemáticos, tabelas e outros
recursos de aparéncia científica aptos para dominar o destino
quebrar os «círculos de ferro» que envolvem o homem, atrai
nao poucos dos nossos contemporáneos ; julgando que háo de
vencer os obstáculos e encontrar finalmente a felicidade na
vida, passam a acreditar no Destino.. . Note-se, porém, que
esta ideologia supóe os erros do monismo ou do panteísmo a
saber: urna única Fórga Suprema, Cósmica, passa pelo
homem e pela natureza que o cerca, identíficando-se com tudo
que existe. É esta concepgáo que faz crer que quem conhece
a engrenagem dos elementos animados e inanimados, possui
o segrédo para utilizar o curso da natureza e dirigir os acon-
tecimentos da historia segundo seus interésses. — Sobre o
panteísmo, veja-se «Pergunte e Responderemos» 7/1957 qu. 1.

Um outro fator ainda deve ser levado em conta para ex-


p?!car a voga do Destin° en* nossos dias. — Descobertas da
ciencia moderna evidenciam cada vez mais que o homem as

— 7 —
vézes é tolhido em sua liberdade por fatores patológicos, e
age sem grande consciéncia de si nem senhoria sobre os seus
atos. Observe-se, porém, que estas conclusóes dos fisiólogos
por si nao implicam a tese filosófica do fatalismo ou do des
tino—tese segundo a qual Deus desde todo o sempre teria
tragado a cada homem urna via que ele deve seguir sem res-
ponsabilidade própria, dispensado de rezar, dispensado de se
esforgar por executar sempre o que seja de melhor alvitre.

Vejamos, pois, como se devem entender os dados da cien


cia moderna que interessam o nosso problema.

A liberdade de arbitrio tem sua raiz na natureza espiri


tual da alma humana. Esta é capaz de conhecer o bem, e o
bem sem restrigáo, nao limitado pelas deficiencias da corpo-
reidade. Conseqüentemente a vontade humana possui o desejo
inato de apreender o Bem que nunca se acaba. Aqui na térra,
porém, só ocorrem ao homem bens corpóreos, restritos, oú
bens incorpóreos propostos á semelhanga das coisas finitas
sensiveis (o próprio Deus é contemplado através das criaturas
e dos exiguos conceitos da nossa inteligencia). Por conse-
guinte, nao há objeto neste mundo capaz de atrair irresisti-
velmente a vontade do homem ; éste só adere a um objeto
na medida em que queira considerar os seus aspectos bons,
convenientes; desde, porém, que volte sua atengáo para os
aspectos deficientes, o mesmo objeto deixará de o atrair e
de merecer sua adesáo. Qualquer bem que o homem cobice
nesta vida, cedo ou tarde Ihe aparece insuficiente — o que
faz que o mesmo sujeito seja levado a procurar outro oBjeto
em que se possa saciar (sómente na fé, a qual é movida por "'
um ato da vontade livre, resistindo á volubilidade natural, é
que o cristáo neste mundo se pode fixar inabalávelmente
em Deus).

Todavía o espirito do homem, raiz da liberdade de arbi


trio, só age em íntima dependencia do corpo ; o exercício das
faculdades espirituais vem a ser condicionado pelo funcio-
namento, ora mais, ora menos perfeito, da fantasía, da memo
ria sensitiva, do senso comum e das faculdades corpóreas em
geral. Dentre estas tém importancia extraordinaria certas
regióes do cerebro (sobretudo o diencéfalo ou hipotálamoj,
assim como as glándulas endocrinas (em particular, a hipófise
e a tiroide) ; a secrecáo dos hormónios, regulando o metabo
lismo do corpo, influí indireta e poderosamente na atívidade

— 8 —
da inteligencia e da vontade. No individuo cujo cerebro se
ressinta de lesáo, ou cujas glándulas funcionem em deficien
cia ou excesso, ésses defeitos desvirtuam ou sufocam "a acáo
do espirito; manifestam-se taras, propensóes a hábitos anó
malos, que nao podem ser controlados pela vontade.

Numerosas observacóes feitas sobre criangas e adultos


mostram que um sujeito normal se pode tornar um criminoso
e ímoral por lesáo do cerebro. Os médicos registram casos de
enancas agressivas, violentas, verdadeiros criminosos em po
tencia, bem como de criancas inclinadas á perversáo sexual
Pois bem ; o estudo radiográfico do seu cránió manifesta nao"
raro meningopatias e hidrocefalias sofridas durante o pe
riodo de gestacáo em conseqüéncia de doengas ou fatores
emotivos, intoxicacóes, desnutrido, etc., que afetaram a
gestante. Seja citado também o famoso «gángster» Dillin-
ger, morto há alguns anos em Chicago ; examinando o seu
cerebro, o Dr. Kennedy, da Universidade de Durahm averi-
güou que havia sofrido de encefalite durante a epidemia eme
flagelou os Estados Unidos entre 1919 e 1926 — Hoje
em dia os médicos tentam a cura de certos casos de imorali-
dade e criminalidade, atuando sobre a regiáo diencéfalo-ta-
lamica e sobre os seus ligamentos com os lobos préfrontais e
o cerebelo, principalmente mediante os tratamentos Roentgen
e a dielectrólise calcica. Os resultados já obtidos permitem
previsóes otimistas: assim nos EE.UU. urna jovem moral-
mente degenerada, que por seus numerosos delitos vivera
quatorze anos em prisóes e casas de corregáo, foi operada
de lobotomia frontal pelo Dr. Orage Nielson; conseguiu
regenerar-se e viver moralmente irrepreensível. O Dr Puech
cirurgiáo de París, por intervencáo semelhante,' obtevé
a mudanca de um inveterado deliqüente em trabalhador
honesto e dócil.

Tais experiencias médicas levam-nos a concluir que a


auto-consciencia e a auto-determinagáo admitem graus varia-
veis de acordó com o estado fisiológico de cada individuo •
certas molestias diminuem ou impedem a liberdade de acáo
constituindo atenuantes ou excusantes para o delito Isto'
porém, náoquer dizer que a natureza humana nao possua'
por sua essencia mesma, a raiz e a faculdade do livre arbi
trio. — E-nos difícil sondar o grau de responsabilidade de
cada delituoso; sómente Deus julga as consciéncias, levando
em conta precisa as capacidades de cada um, a nin¿uém im-
pondo medida ou criterio injusto.

Como quer que seja, todo individuo, na medida em eme


goza de consciéncia e liberdade, é obrigado a lutar contraes
tendencias desregradas de sua naturezl. Procure precaver S
contra os assaltos destas, disciplinando as paíSes*TSK de
rqurpor'Tirvre311^ **" ** delÜ™ da vonTad?

5) «O inferno ? Quase lunguém mais acredita néle!,,


?or que muitos em nossos tempos nao acreditam

SSSSiíSS
^5=S?3S
-Nao admira que muitos julguem tais

Na verdade, o inferno nao é mais do que a


edeHh? T aquí
e deliberada at°-qUena °térra;
h°memé realÍZa de m^^
o individuo quem SS
se coloca-
no inferno (este vem a ser-primariamente um estado le alm?
vao sena preocupar-se com a sua topografía) -nao é ¿Tus
S^^
^ou ^ Um deCret°t° arbitr^1o
bit^1 £ra
£ Tl^l
o que passamos a ver.

Admitamos que um homem nesta vida conceba odio a


Deus (ou ao Bem que
q ele julgue
julgue ser
ser o
o Fim
Fim último,
último, Deus°
D e
Zl? ,eT
Zvl?a eT mater? grave'
grave empenhando toda
td a sua
nahdadee (pleno conhecimento de causa e li
liberdade de
!
Tc
T lLT& °natUra
°atUra * C0l0Ca num estad0 de habit«al aveSo
a
ao Senhor. Caso morra nessas condigóes, sem retratar nem
M dTtoTar5?" m °' ° ÓdÍ° a° Sum° Bem' que * Ih™
A morte confirmará definitivamente nessa alma o odio
de Deus, pois a separará do corpo, que é o instrumento me-

— J.0 —
diante o qual ela, segundo a sua natureza, concebe ou muda
suas disposigóes. Depois da morte, tal criatura de modo ne-
ríhum poderá desejar permanecer na presenga de Deus; antes,
espontáneamente pedirá afastar-se d'Éle. Nao será necessário
que, para isto, .o Juiz supremo pronuncie alguma sentenga; o
Senhor apenas reconhecerá, da sua parte, a opgáo tomada
pela criatura ; Ele a fez livre e respeitará esta dignidade, em
hipótese nenhuma forgando ou mutilando o seu alvitre.

Eis, porém, que desejar afastar-se de Deus e permanecer


de fato afastada, vem a ser, para a alma humana, o mais
cruciante dos tormentos. Com efeito, toda criatura é essen-
cialmente dependente do Criador, do qual reflete urna ima-
gem ou semelhanga; por conseguinte, ela tende por sua pró-
pria esséncia a se conformar ao seu Exemplar (é a natureza
quem o pede, antecedentemente a qualquer opgáo da vontade
livre); caso o homem siga esta propensáo, ele obtém a sua
perfeigáo e felicidade. Dado, porém, que se recuse, a fim de
servir a si mesmo, nao pode deixar de experimentar os pro
testos espontáneos e veementíssimos da natureza violentada.
A existencia humana torna-se entáo dilacerada : o pecador
senté, até ñas mais recónditas profundezas do seu ser, o brado
para Deus ; ésse brado, porém, ele o sufocou e sufoca, para
aderir a um fim inadequado, fim q'ue, em absoluto, ele nao
quer largar apesar do terrível tormento que a sua atitude lhe
causa. — Na vida presente, a dor que o odio ao Sumo Bem
acarreta, pode ser temperada pela conversáo a bens aparentes,
mas precarios..., pela auto-ilusáo ; na vida futura, porém,
nao haverá possibilidade de engaño !

É nisto que consiste primariamente o inferno. Vé-se que


se trata de urna peña infligida pela ordem mesma das coisas,
nao de urna punigáo especialmente' escomida., entre muitás
óutras por um Deus que se-quisesse «vingar» da criatura. Em
última análise, dir-se-á que no inferno só há individuos que
néle querem permanecer. — A éste tormento espiritual se
acrescenta no inferno urna pena física, geralmente designada
pelo nome de fogo ; certamente nao se trata de fogo material,
como o da térra, mas de um sofrimento que as demais cria
turas acarretam para o reprobo, e acarretam muito natural
mente. Sim; quem se incompatibiliza com o Criador nao pode
deixar de se incompatibilizar com as criaturas, mesmo com
as que igualmente se afastaram de Deus (o pecador é essen-

— 11 —
cialmente egocéntrico), de sorte que os outros seres criados
postos na presenga do reprobo vém a constituir para éste urna
auténtica tortura (nao se poderia, porém, precisar em qué
consiste tal tormento).

Por último, entende-se que o inferno nao tenha fim ; há


de ser táo duradouro quanto a alma humana, a qual por sua
natureza é imortal; Deus nao lhe retira a existencia que lhe
deu e que, em si- considerada, é grande perfeigáo. Embora in
feliz, o reprobo nao destoa no conjunto da criagáo, pois por
sua dor mesma ele proclama que Deus é a Suma Perfeigáo,
da qual ele se alheiou (é preciso, nos lembremos bem de que
Deus, e nao o homem, é o centro do mundo).

Nao se pense em nova «chance» ou reencarnagáo neste


mundo. Esta, de certo modo, suporia que Deus nao leva a
serio as decisóes que o homem toma, empenhando toda a
sua personalidade ; o Senhor nao trata o homem como crianga
que nao merece respeito. De resto, a reencarnagáo é explíci
tamente, excluida por textos da Sagrada Escritura como ós
que se acham citados sob o n» 8 déste fascículo.

Eis a auténtica nogáo do inferno, que as vézes é enco-


berta por descrigóes demasiado infantas e fantasistas.
Veja a propósito E. Bettencourt, A vida que comega com a morte
(ed. AGIR) Cap. VI.

6) «O espiritismo, sim! Acredito porque vejo !>>-«.C.

Os que assim falam, costumam exprimir-se também nos


seguintes termos : «Cremos em fatos, nao em dogmas !»

E que entendem por fatos ?


Fenómenos (aparigóes, vozes, mensagens, ruidos) que im-
pressionam imediatamente os sentidos (principalmente a visáo
e a audigáo), parecendo comprovar a existencia do sobrena
tural. É a ésses fenómenos que opñem dogmas, os quais sao
fórmulas dirigidas á inteligencia humana, propondo-lhe miste
rios concernentes á esséncia de Deus (Saritíssima Trindade)
e a disposigáo de seus dons (Encarnagáo, Redengao por Cristo,
Eucaristía, etc.); os dogmas nao caem diretamente sob' a
apreensáo dos sentidos, por isto parecem nebulosos, pouco
fidedignos. Em conseqüéncia, preconiza-se a religiáo dos fatos,
nao dos dogmas.

— 12 —
Aos que adotam essa posiyáo, será preciso lembrar dois
pontos de importancia capital:

- a) Perguntemo-nos o que é Religiao. Dir-se-á obvia


mente que é o sistema de relagóes que levam e ligam o homem
a Deus. Pois bem, nesse binomio — Deus e o homem —nao
ha duvida de que Deus é, por definigáo, o Maior o Ser
Supremo. —Por conseguinte, será lógico que a via pela qual
o homem se encaminha para Deus (a Religiao) seja ditada
revelada, por Deus (Deus se pode projetar sobre o homem
impondo-lhe a Keügiáo; o homem, porém, nao se pode proie-
tar sobre Deus, concebendo a «sua» religiao segundo o seu bom
senso). Eis, todavía, que o Altíssimo, revelando ao homem o
que este é e qual o seu destino, nao pode deixar de comunicar
verdades e designios que a infinita Sabedoria Divina concebe
com muita clareza, mas que a limitada inteligencia humana
nao consegue compreender exaustivamente; trata-se de miste
rios divinos. Transcendentes como sao, ésses misterios ou
dogmas exigem fé, pois nunca poderáo ser provados como um
teorema matemático. Contudo, antes de os aceitar, o homem
tera (e tem) o direito de se certificar de que nao contradizem
a razáo e estáo suficientemente credenciados para merecer
assentimento.

Em última análise, urna religiao sem dogmas deixaria de


ser Religiao; tornar-se-ia sistema de sabedoria meramente
humana que nao nos elevaría ácima de nos, até Deus. A reli
giao que realmente atinja a Deus tem de apresentar aspecto
dogmático; é mesmo a existencia de dogmas (devidamente
credenciados) que de certo modp garante a autenticidade da
Religiao.

Quem rejeita os dogmas, professa um certo positivismo


que desvirtúa a Religiao. Em tal caso, é o homem que cria o
seu Deus (conforme as suas dimensóes humanas) para fugir
ao verdadeiro Deus e nao se deixar plasmar por Ele Nao é
de admirar que o espiritismo se baseie nesse positivismo. Alian
Kardec escreveu seu código em meados do século passado • a
mentalidade da época, se nao era de todo atéia, concebía tal
distancia entre Deus e os homens que julgavam nao dever
preocupar-se muito com Deus; toda a religiao de Alian Kardec
se desenrola preponderantemente num intercambio com os
espiritas, que se manifestam aos sentidos do homem ; é o
homem quem se salva, nao é Deus quem salva o homem no
espiritismo. '

— 13 —
b) Note-se, porém, que a religiáo dos dogmas de modo
nennum excluí os fetos. O catolicismo pode apontar em sua
historia recente (para nao mencionarmos épocas anteriores)
numerosos fenómenos extraordinarios, fatos milagrosos (curas
apangóes, comunicagóes preternaturais...) rigorosamente
comprovados; basta recordar Lourdes e Fátima. É Deus
quem suscita tais prodigios a fim de dar estímulo á fé, incul
cando assim a autentícidade dos dogmas. Os católicos, por-
tanto, admitem também fatos milagrosos ; contudo afirmam
que essas intervengóes sobrenaturais nao podem ser desenca-
deadas por fórmulas, ritos, processos mediúnicos, mas sao
dons gratuitos que Deus dispensa soberanamente, quando o
julga oportuno.

«Poi que me viste, ó Tomé, acreditas; bem-aventurados,


porem, os que acreditarem sem ter visto» (Jo 20,29).

7) «Se é proibido evocar os espirites, porque os santos


tem visóes ?»

Bem diferentes dos fenómenos espiritas sao as visees que


os santos tém.

Estas sao totalmente gratuitas, nao resultando de ritos


previamente executados para as provocar. Nao há dúvida,
tais visóes podem ser a resposta do Senhor a preces de almas
justas desejosas de obter um sinal sobrenatural. CGrTíudo,
assim como o Senhor Deus pode atender a essas oragoes (caso •
isso concorra para o bem dos fiéis), pode também nao as
deferir; nunca será lícito ao cristáo crer que dispóe de meio
seguro para se comunicar com as almas dos defuntos; todo
o nosso intercambio com éles se realiza mediante insondável
e soberana permissáo dé Deus. Mesmo quando urna pessoá
devota julga estar sendo agraciada por visóes, os mestres
da vida espiritual aconselham-lhe toda a cautela na interpre-
tagáo de tais fenómenos, pois Satanaz nao raro se dissimula
em «anjo de luz» (cf. 2 Cor 11,14). As auténticas aparigóes
de santos ou almas neste mundo (mesmo nao provocadas) nao
sao táo freqüentes qlianto propalam as noticias !

Como se vé, éste ponto de vista nao se identifica com a


posigáo dos espiritas, que afirmam poder entrar em contato
com tal alma, por ocasiáo de tais ritos... Procedem como

— 14 —
se aínda tivessem jurisdigáo ou poder sobre aqueles que nao
sao mais da nossa convivencia e cuja sorte só Deus conhece.

Para o católico, ainda é importante o testemunho da Sa


grada Escritura. O mesmo Deus que, segundo seus inscrutáveis
designios, permite as vézes a aparigáo de santos ou defuntos
proibiu terminantemente a evocagáo dos mortos :

«Se alguém se dirigir aos que evocam os espíritos e aos adivinhos


para se entregar as suas práticas, voltarei minha face contra éssé
nomem e o afastarei do meu povo» (Lev 20,6).
^^ iíomem °u ^da mulher que evocar os espiritos ou se der
éllf?Leve2027)n """"^ laPidá-lo-á°: se« S™S™ «caira
Nao obstante estas proibicoes, sabe-se que o rei Saúl
atribulado numa campanha bélica, foi ter com a pitonisa
(ou adivinha) de Endor, pedindo-lhe que o pusesse em comu-
nicagao com a alma de Samuel, seu guia de outrora (cf 1
Sam 28,7-14). O cronista bíblico acentúa bem que ésse feito
foi ilícito: «Saúl... se tornara culpado diante do Senhor
porque interrogara e consultara os que evocam os mortos»
(1 Cron 10,13). Nao obstante, Deus se dignou permitir que o
espirito de Samuel evocado respondesse: permitiu-o, nao por
causa dos ritos da pitonisa, que eram totalmente ineptos para
tanto, mas tomando como mera ocasiáo a visita do rei á
adivinha. O motivo por que entáo o Senhor atendeu a Saúl
foi, como se depreende das palavras de Samuel, o desejo de
admoestar o rei á penitencia, ao menos no fim de sua vida) a
exortagáo dirigida a Saúl em circunstancias táo extraordina
rias, seria particularmente eficaz. Disto, porém, nao se segué
que Deus se dirija aos homens por via táo estranha todas
as vézes que estes o desejem, para satisfazer ao capricho das
criaturas.

LIVIA (Rio de Janeiro) :

8) «Queira explicar o texto do Evangelho de Sao Ma-


teusf 'E, se me queréis dar crédito, ele (Joao Batista) é Elias
que há de vir' (Mt 11,14) e dizer algo sobre a reencarnacao».

1. Abordemos primeiramente o texto citado. Como refere


a Sagrada Escritura em 4 Rs 2,11, o profeta Elias, do Antigo
Testamento, nao morreu, mas foi arrebatado vivo aos céus.

— 15 —
Em conseqüéncia, os judeus julgavam que havia de voltar á
térra nos tempos do Messias, a fim de preparar os homens a
receber o Salvador ; o profeta Malaquias parecía corroborar
essa esperanca, anunciando em nome de Deus : «Eis que vos
envío Elias, o profeta, antes que venha o dia do Senhor, gran
de e terrível. Reconduzirá os coragóes dos pais aos filhos e os
coragóes dos filhos aos pais» (4,5).

Ora é a esta expectativa que Jesús alude no texto de


S. Mateus ácima transcrito. Diz que o Precursor encarregado
de preparar as vias do Messias já está presente (nos tempos
de Cristo), pois é Joáo Batista mesmo ; éste, de fato, podia
ser tido como novo Elias, pois possuia a tempera forte e des
temida, as qualidades características de Elias. Note-se, porém,
que tinha apenas os predicados para desempenhar missáo se-
melhante á de Elias, nao era Elias em pessoa, como Joáo
mesmo declarou formalmente quando o interrogaram a ésse
respeito : «Nao sou Elias» (cf. Jo 1,21).

Era porque Joáo reproduzia as qualidades e a tarefa de


Elias que Jesús, depois da morte do Batista, podia afirmar
categóricamente : «Eu vó-lo digo : Elias já veio e nao o reco-
nheceram, mas o trataram segundo seus caprichos. O Filho
do homem terá por sua vez que sofrer por parte déles»
(Mt 17,12).

Como se vé, seria forcada qualquer interpretagáo que


quisesse deduzir dos textos evangélicos a reencarnagáo de
Elias na figura de Joáo Batista. De resto, Elias nao se podia
reencarnar porque nao morreu, nao se «desencarnou». — A
Escritura apenas afirma que apareceu no mundo imetJííttb.
mente antes da vinda do Messias alguém que, na sua época,
preencheu um papel corajoso, semelhante ao que Elias exerceu
no Antigo Testamento (é neste sentido que se deve entender
a profecía de Malaquias ; nao se creia que Elias certamente
voltará no fim do mundo).

Quanto ao fato de que os judeus, em seus comentarios


bíblicos, julgavam que Elias como tal havia de voltar (nao
própriamente reencarnar-se), nao nos fornece base para con
cluir que professavam a doutrina da reencarnagáo (esta é
coisa bem diferente daquela crenga).

2. Nao teria melhor éxito o recurso a outros textos da '


Escritura, como sao as palavras de Jesús a Nicodemos em
Jo 3,3: «Em verdade, em verdade te digo: se alguém nao

— 16 —
nascer do alto (traducáo menos autorizada : de novo), nao
poderá ver o Reino de Deus». O contexto mostra bem que
Jesús fala de um renascimento a partir da agua e do Espirito,
nao a partir da carne ou do seio materno (hipótese esta que
já Nicodemos tinha por absurda ; cf. Jo 3,4) ; Jesús fala de
vida nova no Espirito Santo, nao de vida natural, fisiológica:
«O que nasceu da carne, é carne; o que nasceu do Espirito, é
espirito» (Jo 3,6 ; leia-se por inteiro o trecho Jo 3,4-7). Posi
tivamente, Jesús tem em vista o batisrno que torna o homem
«filho de Deus» e por isto, desde cedo na tradigáo crista, foi
chamado «sacramento da regeneracáo».

Costuma-se citar também o episodio de Jo 9,1-3 : «Ao


passar, viu (Jesús) um homem cegó de nascenga. Os discípulos
lhe perguntaram entáo : 'Mestre, quem pecou, ele ou seus
pais, para que nascesse cegó ?' Jesús respondeu : 'Nem ele
pecou nem seus pais, mas (isto se dá) para que as obras de
Deus se manifestem néle' ».

Nao será éste um testemunho da crenga judaica na re-


encarnagáo ?

Vejamos a mentalidade que inspira a cena descrita.

Os judeus julgavam que toda doenca ou enfermidade era


castigo devido a um pecado (haja vista, por exemplo, a argu-
mentagáo dos amigos de Jó no livro do mesmo nome). Por
isto, ao se defrontarem com alguém que era cegó desde o
nascimento, os Apostólos se viam embaragados para explicar
o caso. Teria o cegó mesmo pecado, e — note-se bem — pecado
antes de nascer ? A hipótese lhes devia parecer absurda, pois
a tradicáo judaica, longe de professar a reencarnagáo, bem
sabia que as criancas nascem sem ter cometido previamente
nem bem nem mal, como refere Sao Paulo em Rom 9,11. Entáo
teriain seus pais pecado, induzindo sobre ele o castigo ? Mas
também esta suposigáo encontrava obstáculo por parte do
principio da responsabilidade individual estabelecido por Deus
em Ez 18, 2-4; Jer 31,29s; Dt 24,16. Feitas estas conjeturas,
os Apostólos espontáneamente as propuseram ao Mestre, num
bom senso quase infantil, sem se dar ao trabalho de procurar
terceira solugáo para o caso; o dilema era certamente simpló-
rio demais, explicável, porém, em vista da lógica rudimentar
daqueles pescadores pouco afeitos ao raciocinio erudito, e des
tituidos, naquela hora, da intengáo de filosofar. Jesús respon
deu sem' abordar o aspecto especulativo da questáo, eluci
dando diretamente o caso concreto que lhe apresentavam:

— 17 —
nem urna hipótese nem outra, como era evidente, mas um
designio superior de Deus...

A Biblia Sagrada é diretamente contraria á reencarna-


Qáo, quando, por exemplo, afirma: «Foi estabelecido, para os
homens, morrer urna só vez j depois do que, há o julgamento»
(Hebr 9,27) ;... quando refere as palavras de Jesús ao bom
ladráo : «Hoje mesmo estarás comigo no paraíso» (Le 23,43).
Os textos muito enfáticos em que Cristo e os Apostólos anun-
ciam a ressurreigáo dos mortos e o inferno, sao outros tantos
testemunhos que se opóem á reencarnagáo ; tenham-se em
vista Mt 5,22 ; 13,50 ; 22,23-33 ; Me 3,29 ; 9,43-48 ; Jo 5,28-29 ;
6,54 ; 1 Cor 15,13-19.
3. Há, porém, quem nao reconhega a autoridade da
Biblia e tente afirmar a tese da reencarnagáo apelando, por
exemplo, para os seguintes argumentos :
a) a desigualdade das sortes humanas : alguns indivi
duos tém prendas naturais (inteligencia, fórga de vontade,
saúde...) mais ricas, outros menos ; uns parecem levar vida
feliz, outros nao, etc. Perguntam entáo : nao seria isso conse-
qüéncia de urna existencia anterior á atual, na qual os homens
tenham grangeado os méritos ou deméritos que lhes acarre-
taram o currículo de vida presente ?

Em resposta, far-se-á observar :


a1) Deus, criando liberalmente como criou, nao tinha
obrigagáo de fazer todas as criaturas humanas iguais. As
criaturas nao racionáis que cercam o homem, longe de apre-
sentar monotonía ou uniformidade, falam-nos dé mapsyilhosa
variedade de perfeigóes espalhadas em escala muito matizada^
nao há sequer duas fólhas ou duas flores absolutamente iguais
urna á outra. Assim também Deus quis fazer os homens, cada
qual dotado de sua individualidade própria, faceta única da
infinita Perfeicáo Divina ;

b') o Criador, além de constituir os homens em sua


individualidade singular, dotou-os de livre arbitrio, faculdade
mediante a qual cada um abraga consciente e voluntariamente
o seu Fim Supremo. Havendo dado esta prerrogativa para a
maior gloria do homem (que assim ultrapassa a condigáo de
máquina), o Criador nao a deforma nem mutila. Acontece,
porém, que, usando de tal prerrogativa, os individuos podem
seguir vias erradas. Ora isto lhes acarreta detrimento de ordem
nao sómente moral, mas também fisica, pois o pecado nao
apenas ofende a Deus, mas fere a própria natureza humana,
desregrando-a e provocando reagáo, sangáo da parte desta. —

— 18 —
Pois bem; pa que o primeiro homem, Adáo, pecou na quali-
dade de Pai do género humano, entende-se que todo filho de
Adao, herdando a sua natureza, herde também a miseria física
e a desordem moral.

Sao estes dois fatores que explicam que, sem ter vivido
anteriormente na carne, todo homem nasca nesta térra com
suas características próprias (possuindo qualidades e também
deficiencias que seus vizinhos nao tém na mesma proporcáo-
toda criatura, pelo fato mésmo de ser criatura é falível é
deficiente),... nasca também sujeito ao sofrimento e a dor.
É certo, porém, que no juízo final Deus levará em conta
as possibihdades e o grau de responsabilidade de cada um
longe de aplicar a todos o mesmo criterio. Além disto ó
Sennor da a todos os homens, absolutamente a todos, os meios
necessarios para que cada qual, dentro da sua capaddade,
volte ao Criador e consiga a felicidade eterna. O testemunho
mais eloquente dessa benevolencia divina é a figura de Cristo
crucificado em favor de todo o género humano ; essa imagem
atesta quanto o Salvador leva a serio a sorte eterna dos
homens. O sofrimento e a morte entraram no mundo em con- ■
sequencia do pecado, ou seja, do abuso que o homem fez da
sua liberdade. Sobre éste fundo, porém, o Criador se eviden
cia justo e, mais ainda, misericordioso. Para reivindicar estes
atributos de -Deus, nao é preciso abandonar a doutrina crista
da ressurreigáo da carne para seguir a tese da reencarnagáo •
muito ao contrario... De resto, note-se que o sofrimento nao
e enigma nem espantalho para o cristáo, depois que a segunda
Pessoa da Ssma. Trindade se fez homem e o abragou ; vem a
ser instrumento de purificagáo e redengáo para o discípulo
que abrace generosamente a sua cruz com Cristo.

b) a crenga no inferno, dizem, é contraria ao conceito


de um Deus bom e perfeito.

— O inferno só pode parecer absurdo a quem nao tenha


nogao exata do que .ele é. Os esclarecimentos respectivos se
encqntram sob on«5 déste fascículo.

Contra a doutrina da reencarnagáo podem-se outrossim


mover argumentos de ordem filosófica, derivados estritamente
da sá razáo :

a) nao temos prova positiva de tal fenómeno. Carece


mos, em absoluto, de qualquer reminiscencia de vida ante
riormente passada na térra. Ora, para quem ignora o motivo

— 19 —
pelo qual é punido (porque se reencarnou), vá é a sangáo (a
reencarnagáo); a pena só se torna eficaz ou medicinal para
quem saiba porque lhe é infligida.

Nao se diga que certas pessoas em estado de transe con-


tam acóntecimentos «verificados em reencarnagóes anteriores».
Hoje está sobejamente comprovado que tais narrativas cor-
respondem a impressóes e noticias colhidas por tais pessoas
nesta vida mesma ; a volta aos tempos passados e a ante-
cipagáo do futuro se explicam perfectamente por erupgáo e
combinagáo de nogóes coñudas no subconsciente e adquiridas
em idade anterior. Habitualmente fica-nos na consciéncia
apenas urna oitava parte dos conhecimentos que possuímos;
por um choque ou traumatismo psíquico qualquer, quanta novi-
dade nao podemos manifestar aos que só nos conhecem em
nosso estado de lucidez normal!... Veja-se a propósito o
famoso livro publicado depois do recente caso «Bridey Mur-
phy»: A Scientific Report on «The Search for Bridey Murphy»,
edited by Milton V. Kline — The Julián Press, Inc. New York,
N. Y. 1956.

b) a teoría da reencarnagáo pressupóe e afirma urna


atitude religiosa falsa, ou melhor, urna atitude que simples-
mente nao é religiosa. Com efeito, ela atribuí ao homem o
poder de se remir, de se tomar perfeito por seus esforgos, fa-
zendo práticamente abstragáo do auxilio divino. Pouco ou
nada entra em linha de conta de um reencarnacionista a%
auténtica nogáo de Deus, que é a de um Pai bondosq^Oí-pro-
vidente, o qual deu existencia aos homens, quis compafülhar.
e consagrar o sofrimento e a morte do homem, e sem o qual
a criatura nada absolutamente pode. Nao admira, pois, que
a reencarnagáo tenha sido outrora, e ainda hoje sejá, profes-
sada dentro de urna ideología panteísta ou monista ; sim, as
crencas hindus, que inspiram muitos reencarnacionistas, can\
celam a distingáo entre o Divino e o humano, entre o Infinito
e o finito, ensinando que a Divindade (a qual nesses sistemas
é concebida como substancia impessoal, neutra, «a Mente Cós
mica») «se realiza» no homem, vai «tomando'consciéncia de
si» no homem, á medida que éste evolui ou se aperfeigoa. Esta
tese parece explicar que a criatura pbssa por si chegar á uniao
com a Divindade ; todavía constituí insustentável aberragáo
nao sómente religiosa, mas também filosófica, pois coloca o
finito e o Infinito na mesma linha, no mesmo plano : Deus,
que por definigáo é o Ilimitado, o qual tudo explica e por
nada é explicado, nao pode vir a identificar-se com o finito e

— 20 —
contingente, nem mesmo transitoriamente ; há um hiato in-
transponível entre o homem e Deus, hiato tal que o homem
só se aproxima de Deus, caso o Todo-Poderoso se digne to
mar a iniciativa de chamar e amparar continuamente a sua
criatura.

Na base destas consideragóes, pode-se afirmar que a dou-


trina da reencarnagáo apresenta, sim, algo de sedutor, dado
o misticismo e a sede de pureza que a inspira ; trata-se, porém,
de um misticismo viciado em raíz por flagrante incoeréncia
lógica e por urna ponta de soberba do homem, que deseja
emancipar-se de um Deus Transcendente e Pessoal.

Veja-se a respeito a brochura: Fr. Boaventura Kloppenburg,


Por que nao admito a Reencarnacáo. Editora Vozes. Caixa Postal 23.
Petrópolis. R. J.

II. QUESTÓES BÍBLICAS

INQUIETA (Rio de Janeiro) :

9) «Se nao fóra o pecado original, dar-se-ia da mesma


forma a reprodugáo do género humano?»

Antes do mais, é preciso frisar bem que pouca ou ne-


nhuma probabilidade tem a tese segundo a qual a falta de
Adáo e Eva foi pecado sexual. Esta sentenga carece de funda
mento no texto bíblico (cf. Gen 2-3). Os principáis argumentos
induzidos para defendé-la seriam :

a) a expressáo «do conhecimento do bem e do mal», que


designa o fruto proibido (cf. Gen 2,17). Visto que «conhecer
sua esposa» em Gen 4,1.17.25 significa «ter relagóes conju
gáis», julgam alguns que o conhecimento vedado em Gen 2-3
tem-o mesmo sentido.

Como se vé, a hipótese é gratuita ; porque se teria o


autor sagrado expresso táo ve)adamente se as relagóes matri
moniáis de fato ocasionaram a catástrofe do género humano?
De resto, o consorcio conjugal foi particularmente abengoado
por Deus logo após a criagáo do primeiro casal (cf. Gen 1,28).
Além disto, observe-se que a proibigáo de ter relacóes matri
moniáis seria totalmente incompreensível a Adáo quando o
Senhor lhe impós o preceito paradisíaco, pois entáo ainda nao
fóra criada a primeira mulher (cf. Gen 2,17.21-22) ;

b) antes da queda, Adáo e Eva estavam ñus e nao se


envergonhavam (cf. Gen 2,25); depois do pecado, porém, re7
cobriram-se (cf. 3,7).

O «revestir-se» dos primeiros pais, após a transgressáo,


significa certamente que com o pecado se despertoú a con
cupiscencia desregrada ; nao se pode esquecer, porém, que
éste despertar se seguiu a culpa, nao a precedeu. O fato de
se seguir a transgressáo explica-se simplesmente pela rutura
da harmonía que o pecado (qualquer que tenha sido a sua
materia) acarretou entre Deus e o homem e, dentro do pró-
prio homem, entre as diversas tendencias de sua natureza; o
corpo humano, tendo perdido o esplendor da graca que o
recobria no estado de inocencia, é agora desregrado, excitante,
e pode ser objeto de um olhar desregrado; daí a necessidade
de o revestir artificialmente.

Nao se sabe, pois, com precisáo qual o objeto da trans


gressáo de Adáo e Eva. É certo, porém, que pecaram por
orgulho, orgulho que os levou a desobedecer a um preceito x
do Senhor Deus (o fruto «do conhecimento do bem e do mal»
pode ser interpretado em sentido meramente simbólico).

É preciso agora acrescentar que a falta cometida-* pejo


primeiro casal nao alterou a fisiología nem a natureza' dos .
seres vivos ; os carnívoros, por exemplo, nao se tornaram tais
por causa do pecado de Adáo. Por conseguinte, a reprodueáo
da especie humana no estado de inocencia se tena dado se
gundo as leis fisiológicas ainda hoje vigentes ; apenas haveria
sido isenta da concupiscencia que atualmente a costuma ante-x
ceder e acompanhar; os apetites e movimentos da sensibili-
dade estariam perfeitamente subordinados a razáo, de sorte
que o ato conjugal só se exerceria ñas circunstancias devidas,
sob o pleno dominio do espirito.

10) «Após a queda do homem, houve relagoes entre os


filhos ¡mediatos de Adáo e Eva ?»

Nao há dúvida. Adáo e Eva geraram numerosos filhos e


filhas, nao apenas Caím, Abel e Sete (cf. Gen 5,4), os quais

— 22 —
tíveram de prover entre si á multiplicacáo do género humano.
Deus permitiu tais cópulas entre irmáos, únicamente em vista
das circunstancias extraordinarias em que se achaya a pri-
meira geracáo ; a excegáo, porém, já nao seria lícita poste
riormente, desde que houvesse meios de garantir a propa-
gagáo da especie de maneira mais conforme as leis da natureza.

11) «Se os primeiros homens se üvessem conservado na


graca, f¡cariamos privados de Maria Santíssima ?»

A questáo tem por objeto um désses arcanos designios do


Altíssimo que por nos mesmos nao podemos perscrutar e
sobre o qual a Revelagáo Divina nao se pronunciou. Certa-
mente, sem o pecado nao teríamos tido a Redengáo nem Maria
Santíssima qual Máe do Redentor. Há, porém, teólogos que
julgam que, mesmo se nao fóra a culpa original, o Fllho de
Deus se teria feito homem,.. .• nao para remir, mas para
consumar a Revelagáo do Pai aos homens ; Jesús teria apare
cido entre nos como Reí e Doutor por excelencia ; teria desem-
penhado fungáo muito nobre, embora um tanto diversa da
que, de fato,' lhe coube na atual ordem de coisas. Elucubra-
gSés mais demoradas a éste respeito seriam vas.

S. M. C. (Rio de Janeiro) :

12) «Como interpretar a passagem em que Jesús diz falar


em parábolas para que alguns ouvindo nao compreendam ?»

O texto a que alude a pergunta, se encontra em Mt


13,10-15 ; Me 4,10-12 e Le 8,9-10 (paralelos).

Segundo Sao Marcos e Sao Lucas, Jesús falava em pará


bolas para obcecar o coracáo dos ouvintes, ou seja, para que
nao compreendessem. Sao Mateus ao contrario, omitindo a'
conjunc.áo final e substituindo-a por urna causal, refere que
Jesús falava em parábolas porque o povo estava mal dis
posto, nutria preconceitos que o impediriam de compreender
outro tipo de catequese.

Na verdade, Marcos e Lucas nao dizem outra coisa que


Mateus. É o que se percebe, se se leva em conta o idioma em
que Jesús pregou : em Sao Marcos (4,10-12) e Sao Lucas
(8,9-10) o Senhor se serve de um auténtico semitismo; o texto
de Sao Mateus já interpreta ésse semitismo, tornando-o aces-

— 23 —
sivel á compreensáo de leitores náo-judeus (conhecem-se outros
casos em que o texto de Mateus esclarece as expressóes difíceis
de Marcos ; comparem-se, por exemplo, Me 6,5-6 e Mt 13,58 ;
Me 8,12 e Mt 16,4; Me 10,8 e Mt 19,16-17). De resto, a pas-
sagem de Isaías (6,9-10), redigida em estilo estritamente se
mita e citada por Jesús, terá concorrido para dar á afirmacáo
do Senhor em Mt e Me o seu cunho desconcertante. /

Qual será, pois, o sentido do trecho evangélico ? •

Cristo mesmo declarou que veio procurar e salvar o que


perecerá (cf. Le 19,10). De acordó com éste propósito, falava
ao povo rude em parábolas, método de ensino simples e vivaz,
para lhe chamar a atengáo, despertar o seu interésse ; acomo-
dava-se assim ao estado de ánimo dos ouvintes ; com efeito,
os judeus, imbuidos de falsas expectativas, nao teriam enten
dido o plano de Deus se éste Ihes tivesse sido revelado ¡media
tamente em toda a sua realidade grandiosa e misteriosa: o
paradoxo da cruz, de um Messias padecente era bem alheio
as concepcóes farisaicas que norteavam a maioria dos israe
litas. Por conseguinte, as imagens das parábolas ilustrayam
a doutrina do Salvador de maneira atraente ; eram escolhidas
para ajudar o entendimento, manifestar a verdade, nao para
ocultá-la ; Jesús nao terá procedido diversamente do que Ele
ensinava em Mt 5,15 : nao veio acender urna lámpada para
colocá-la debaixo do alqueire, mas a fim de que a luz, a ver
dade, postas em evidencia, iluminassem e alegrassem a todos
os que quisessem entrar na casa, no círculo dos seus discípulos
dóceis. **-'"•

Note-se a propósito a observagáo de Me 4,33 : «Mediante


muitas parábolas désse género Ele Ihes anunciava a palavra
na medida em que eram capazes de entender».

Ás vézes, a verdade de ordem superior contida ñas pará


bolas era por si evidente, mesmo aos ouvintes mais infensos ;
tal foi o caso dos fariseus que compreenderam muito bem as
imagens dos vinhateiros homicidas, da pedra angular rejei-
tada pelos construtores, sem que o Senhor tivesse que as elu
cidar (cf. Me 12,12). Em geral, porém, as parábolas apenas
esbogavam urna doutrina mais elevada. Éste ensinamento ini
cial devia excitar os ouvintes. a pedir ulteriores explicagóes.
Contudo o povo permanecía indiferente ; pouco desejoso de
aprender n verdnde, nño interrogara o Mestre. Ao contrario,
os discípulos de Jesús, animados por boa vontade, pediam a

— 24 —
interpretagáo auténtica das parábolas (cf. Mt 13,36; Me 4,10);
o Senhor entáo lhes explicava (Me 4,34), pois estavam aber-
tos para receber a doutrina.

Em conseqüéncia, para os coragóes mal dispostos, o re


medio (parábolas) se tornava veneno ; o Senhor, diante da
multidáo, geralmente nao elucidava todo o sentido das figu
ras, pois é consoante á sabedoria divina nao salvar o homens
sem que o qüeiram e sem que para isto cooperem livremente.
Portante, acidentalmente, quase «contra as intengóes do Sal
vador», as parábolas permaneciam esteréis, e o ensinamento
concebido como meio de salvagáo se fazia ocasiáo de ruina.

É neste sentido que se pode dizer (na base do texto de


Sao Marcos e Sao Lucas) que o Senhor endurecía e obcecava
o povo : oferecia-lhe, sim, um remedio, que, nao sendo devi-
damente aceito, redundava em perdigáo. Esta ruina, porém,
se devia ao mau acolhimento dispensado pela criatura, nao a
agáo direta do Criador. — Sabemos, alias, que os judeus nao
distinguiam explícitamente entre agáo direta e ocasionamento,
mera permissáo, causalidade indireta de Deus; atribuiam
todos os efeitos igualmente á intervengáo do Criador. É o que
explica as expressóes fortes de Is 6,9-10, que Jesús cita e que
contribuem para dar um caráter aparentemente desapiedado
aos textos evangélicos. Cf. E. Bettencourt, Para entender o
Antigo Testamento 155-156.

Em última análise, porém, nao se poderá negar que a


pregagáo em parábolas é um aspecto da misteriosa dispensa-
gáo da graga divina, a qual quer salvar todos os homens sem
violentar a nenhum.

M. A. F. (Duque de Caxias) :

13) «Quem eram os irmáos de Jesús ?»

Os «irmáos de Jesús» na Sagrada Escritura sao um grupo


de varóes — Tiago, José (ou Joset), Judas e Simáo — que
aparecem vinculados a Cristo por intimo parentesco (cf. Mt
13,55 ; Me 6,3). Além disto, acompanham freqüentemente a
Máe do Senhor, como narram Mt 12,46; Me 3,31; 7,19; Jo 2,12.
Qual será ésse parentesco ?
O termo «irmáo» (ah em hebraico, adelphós na tradu-
gáo grega dos LXX) designava na linguagem dos hebreus nao

— 25 —
sómente os filhos do mesmo leito conjugal, mas também um
familiar ou um consanguíneo próximo. Lote, por exemplo,
sobrinho de Abraáo, é chamado «irmáo» déste em Gen 13,8;
14,16. Algo de análogo se dá com Jaco, sobrinho de Labá (cf.
Gen 29,12.15). Em Lev 10,4 Moisés manda a Misael e Elisafá
fagam sair da frente do santuario seus «irmáos» que, no caso,
eram própriamente seus primos. Os primos sao designados
como «irmáos» também em 1 Crón 23,21-22, onde se le:

«Os íilhos de Merari foram Moholi e Musí. Os íilhos de Moholi


foram Eleázaro e Cis. Eleázaro morreu sem ter filhos, mas apenas
filhas; os filhos de Cis, seus irmáos, as tomaram por mulheres».

Ora no Santo Evangelho os «irmáos de Jesús» nao signi-


ficam em absoluto os filhos da mesma genitora, María Santís-
sima. Com efeito, entre as mulheres que assistiram á crucifí-
xáo de Cristo, Mt 27,56 menciona Maria, máe de Tiago e
José. Essa María, conforme Jo 19,25, nao é esposa de Sao
José, mas de Cleofas e, segundo a interpretagáo mais obvia,
a irmá de Maria, máe de Jesús :

«Estavam junto á Cruz de Jesús sua máe, a irmá de sua máe,


Maria (esposa) de Cleofas, e Maria de Mágdala».

Pois bem ; os nomes Cleofas e Alfeu designam a mesma


pessoa : Klopas parece ser a forma grega do apelativo ara-
maico Ghalphai, ao passo que Alphaios ou Alfeu é a trans-
cricáo direta désse vocábulo aramaico. Como refere Hegesipo
(séc. 29), o mais antigo historiador da Igreja, Cleofas ou
Alfeu era irmáo de Sao José. ■"•"> -

Cleofas, portante, e Maria de Cleofas eram os genitores


de Tiago e de José ; tinham um terceiro filho, Judas, o qual
no inicio da sua epistola se apresenta como irmáo de Tiago
(éste Tiago só pode ser o filho de Cleofas, nao de Zebedeu,
pois nao era irmáo de Joáo Evangelista ; confira-se Mt 13,55,
onde Tiago, Judas e José, nao Joáo, sao chamados irmáos).

Quanto a Simáo, o quarto dos irmáos de Jesús, Hegesipo


o apresenta também como filho de Cleofas. Por conseguinte,
os quatro irmáos do Senhor seriam primos de Jesús por des-
cendere.m de urna irmá de Maria Santíssima, também cha
mada María, irmá casada com Cleofas, irmáo de Sao José.
Há quem nao aceite que duas irmás, vivendo contemporánea
mente, tenham tido o mesmo nome «Maria». A dificuldade,

— 26 —
porém, perde muito do seu peso se se levam em conta os
costumes dos antigos : entre outros, pode-se citar o caso de
Otávia, irmá do Imperador Augusto, a qual tinha quatro filhas
vivas ao mesmo tempo : duas délas chamavam-se «Marcella»
sem cognome,.e as duas outras «Antonia». O nome «Maria»
era, de resto, muito freqüente na Galiléia. — Outros objetam
que Maria nao podia ter irmá, devia ser filha única, única
herdeira; isto explicaría que haja sido obligada a tomar
esposo, e a escolhé-lo dentro da sua parentela, a fim de que-
á heranga contínuasse em poder da mesma linhagem. Quem,
na base déstes argumentos, nao queira admitir que Maria,
esposa de Cleofas, tenha sido irmá de Maria, esposa de José,
poderá muito bem interpretar o texto de Jo 19,25, ácima
transcrito, como se quatro, e nao tres, mulheres tivessem es
tado ao pé da cruz ; distinguir-se-iam entáo Maria máe de
Jesús, a irmá anónima desta, a seguir, Maria esposa de Cleofas,
e Maria de Mágdala. Neste caso, os filhos de Cleofas ainda
seriam ditos com razáo «primos» de Jesús, pois Cleofas era
irmáo de Sao José, pai putativo ou legal de Jesús.

Eis, pois, como esquemáticamente se representaría o pa


rentesco vigente entre Jesús e «seus irmáos» :

HELI (Le 2,23)

María Cleofas ou Alfeu Sao José María


i Ssma.

Tiago o Menor José ou Judas Slm&o (2« blspo


(1« blspo de Joset Tadeu de Jerusalém) JESÚS CRISTO
Jerusalém)

Neste esquema fica aberta apenas a questáo: María, es


posa de Cleofas, era irmá de Maria, máe de Jesús ?

Em apóio de quanto foi dito ácima, observe-se mais o


seguinte :

Maria Santíssima nunca é chamada ñas Escrituras «máe


dos irmáos de Jesús», mas apenas «máe de Jesús» (cf. Jo 2,1);
em Me 6,3 Jesús é precisamente dito «o filho de Maria» (com
artigo!), em oposicáo aos seus «irmáos», os quais, segundo
a lógica, nao podiam ser igualmente filhos de Maria : «Nao

— 27 —
é éste o carpinteiro, o filho de Maria, irmáo de Tiago, José,
Judas e Simáo ?»

É preciso outrossim considerar que, se Maria tivesse tido


algum filho além de Jesús, o Senhor na cruz nao a teria con
fiado a Joáo, filho de Zebedeu ; os filhos própriamente ditos
seriam os primeiros indicados como arrimo materno. A fór
mula mesma com que Jesús se refere a Joáo, dá a entender
que éste seria para María o representante e, de certo modo,
substituto do seu único Filho : «Mulher, eis o filho teu» (Jo
19,27); o artigo teria sido omitido se Maria tivesse outro filho.

Quanto ao fato de que Maria é freqüentemente mencio


nada com os «irmáos de Jesús» nos Santos Evangelhos (cf.
Mt 12,46; Me 3,31; Le 8,19; Jo 2,12; At 1,14), explica-se bem
pelas íntimas relagóes que uniam as familias de Cleofas e
Sao José : provávelmente éste Santo Patriarca morreu antes
do inicio da vida pública de Jesús ; parece entáo que Maria
Santíssima se retirou com seu Divino Filho para a casa de
seu cunhado, de sorte que as duas familias se fundiram como
que numa só. Outros pensam que foi Cleofas quem primeiro.
morreu ; em conseqüéncia, José teria recebido em sua casa
a viúva e seus filhos, primos de Jesús.

Em debates sobre o nosso tema, é por vézes citado o texto


de Sao Paulo, 1 Cor 9,5: «Nao temos o direito... como os
outros apostólos, os irmáos do Senhor e Cefas?». Esta passa-
gem nao implica que os irmáos do Senhor devam ser excluí-
dos do grupo dos Apostólos ; em tal caso, Cefas tambértHiáo
poderia ser considerado Apostólo. Sao Paulo faz a tríplice
enunciagáo ácima apenas para realgar o grau de dignidade pro-
gressiva dos que compunham o grupo dos Apostólos.

A titulo de ilustragáo, váo aqui referidas duas sentengas


que de pouca ou nenhuma probabilidade gozam no assunto:
os «irmáos de Jesús» seriam filhos de Sao José nascidos de
um primeiro matrimonio do Patriarca ou seriam filhos adotivos
do mesmo. Nao há necessidade de estudo demorado dessas
teses, hoje nao mais em voga.

Conclui-se, pois, que a famosa expressáo bíblica, devida-


mente analisada, nao cria dificuldade á prerrogativa da per
petua virgindade de Maria, Máe de Jesús e Máe dos homens.

D. Estéváo Bettencourt, O.S.B.

— 28 —
Pergunte e Responderemos
Caro amigo, nao lia quem nüo se ponha a pensar e nao
conceba sem demora importantes problemas) («Aflnnl que fuco
nesto mundo? Qual o sentido da vida presente? Que se lhe
seguirá?»). Nao sufoque nem dcsprcze essas questóes. Scm luz
sobre tais a-ssiintos ningué.m se pode sentir plenamente tmn-
qüiiii e feliz.

Para o ajuilar na procura das solucoes que Ihe interessam,


V. S. tem it sua disposlcslo urna Caixa Postal e um fascículo
mensal do 40 pAginas publicado sob os cuidados de D. KstevAo
Bettcncourt O. S. B. Fndera propor questóes filosóficas, moráis
e religiosas ao seguinte enderece:

«PKKGUNTE E RESPONDEREMOS»

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Rio de Janeiro

A resposta será enviada gratuitamente a V. S. em fascí


culo impresso. Queira, poifl, indicar endereco e pseudónimo.
A coledlo dos fascículos aPcrgunte c Responderemos» pode-
-se obter também oor asslnatura (.a serie se iniciou em marco
do 1957). Preco da assinatura anual: Cr$ 100,00. Número avulso:
CrS 10,00. Pedidos ao Instituto Pío X, Búa Real Grandeza 108,
Botaíogo — Rio de Janeiro (tcl.: 20-1822).
S.K.: — Tildo que se refero íi REOACAO de ve ser enviado a
D. Kstevilo Bettcncourt O. S. B. <ou «Pei-gainte e ltespunderc-
mos»), Caixa postal 2060, Rio de Janeiro. O que diz respelto
a ADMINISTIIACAO »eja dirigido a Dlretoria do Instituto Pío
X, Rúa Real Grandeza 108, Botafogo, Ido de Janeiro.

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«Cantarei com o espirito,

cantarei também

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