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Entrevista Rudolph Giuliani

A vitória é estar vivo


O prefeito que derrotou o crime em Nova York e disputou
a candidatura republicana à Presidência conta como a luta
contra o câncer mudou sua forma de encarar a vida

Gabriela Carelli

Fabiano Accorsi

"Ao derrotar a doença, fiquei mais forte emocional


e espiritualmente. Hoje sou um apreciador da
existência"

Prefeito de Nova York por dois mandatos, de 1994 a 2002, Rudolph W. Giuliani
tornou-se uma referência quando o assunto é recuperação urbana. Com mão firme,
ele reduziu pela metade as taxas de criminalidade e transformou a cidade em uma
das mais seguras dos Estados Unidos. Em 2000, apesar de ter a eleição
praticamente certa, Giuliani deixou de concorrer ao Senado porque sua vida estava
uma bagunça: tinha se separado da mulher e descoberto o câncer de próstata, a
mesma doença que matou seu pai. No ano seguinte, sua determinação de fazer
Nova York voltar à normalidade depois dos ataques terroristas o transformou num
dos políticos mais populares do país. A tentativa desse neto de imigrantes italianos
de ser o candidato republicano à Presidência nas últimas eleições naufragou nas
primeiras primárias. Giuliani falou a VEJA em São Paulo, onde esteve para participar
do II Fórum de Riscos, patrocinado pelo Bradesco.
Sua política de tolerância zero reduziu drasticamente a criminalidade em
Nova York. É possível usar os mesmos métodos de combate ao crime nas
cidades brasileiras?
Há muito em comum entre Nova York e São Paulo. São cidades de grandes
dimensões, cercadas por bolsões de pobreza, com um histórico de violência bem
similar. Assim como em Nova York, em São Paulo coexistem as duas maiores
pilastras da criminalidade: grandes grupos organizados de tráfico de drogas e
autoridades corrompidas. Em metrópoles dessa amplitude e com esse perfil, a
primeira coisa a ser feita é a medição diária do crime por região. É preciso fazer
isso com acuidade, exatidão e constância, todos os dias, em todas as regiões da
cidade. A medida é simples, mas tem um impacto surpreendente na qualidade e na
eficácia da ação policial. O crime aumenta e diminui com muito mais frequência do
que se imagina. Isso pode acontecer porque há mais ou menos viaturas em uma
área ou porque o método de ação de uma equipe é mais ou menos adequado. Com
essa medição, o policial percebe como o crime muda e entende o motivo dessa
variabilidade, o que permite uma reação imediata e eficaz. Depois de entender a
dinâmica do crime, é preciso pensar com mais humildade e olhar para os detalhes
da violência na cidade. Em Nova York, havia tanto roubo, assassinato e narcotráfico
que nenhum policial queria perder tempo com "crimes pequenos", como as
pichações, os pontos de prostituição, a destruição de propriedades, ou com os
lavadores de para-brisas que limpam o seu carro mesmo contra a sua vontade. Aí
residia o nosso maior erro.

Por que é tão importante combater os


pequenos crimes, como a pichação?
Parto do seguinte princípio: quem não presta "As cidades degradadas
atenção nos detalhes não atinge sua meta. Em precisam resgatar o respeito.
Nova York, ninguém queria prender o ladrão de Não se pode pichar. Também
rua, só o assaltante que levou 1 milhão de dólares não se pode roubar, nem
de um banco ou o chefe do tráfico. O problema é quebrar, nem vender drogas,
que tanto o ladrãozinho quanto o adolescente que nem morar na rua. Sem
picha muros estão diretamente relacionados ao valores morais, toda a
chefão do tráfico. Um leva ao outro. Um só existe sociedade acaba no círculo
por causa do outro. Antes de mais nada, cidades do crime"
degradadas pela violência precisam resgatar a
moral, o respeito. O que é seu é seu, e eu não
posso pichar. Ponto. Também não posso roubar, nem quebrar, nem vender drogas,
nem morar na rua. Sem valores morais, toda a sociedade acaba no círculo do
crime, de uma forma ou de outra. Se o respeito volta, o crime adoece. Assim é
mais fácil combatê-lo. Foi dessa maneira que Nova York deixou de ser a cidade
mais violenta dos Estados Unidos para, em alguns anos, tornar-se a mais segura.

O senhor criou polêmica ao dizer que os moradores de rua não têm o


direito de ficar na rua. Isso não vai contra o direito de ir e vir?
Uma cidade precisa ser organizada e limpa. O oposto promove o crime. Em Nova
York há inúmeros abrigos. Se lá uma pessoa vive na rua, há algo de errado com
ela: ou é alcoólatra, ou drogada, ou tem problemas mentais. Nas ruas, pessoas
frágeis tornam-se mais isoladas, amedrontadas e suscetíveis. Um cidadão pode
fazer o que quiser, desde que não machuque nem agrida outro cidadão. Viver na
rua não só machuca a própria pessoa como agride a toda a sociedade. Não é certo.
Cabe aos governos resgatá-la, tratá-la e abrigá-la.
O senhor conquistou grande popularidade em seus dois mandatos como
prefeito de Nova York e chegou a ser um dos favoritos na disputa pela
candidatura republicana na corrida presidencial para a Casa Branca, no ano
passado. Mas, no fim, não passou das primeiras primárias. Onde o senhor
errou?
Nunca há um só grande erro. John McCain (o candidato republicano) fez grande
campanha e bateu a todos. Ele fez melhor. É preciso dar crédito a ele. Olhando para
trás, acho que não demos a importância necessária às primárias em Iowa. Mas esse
foi apenas um entre muitos erros.

O senhor é considerado um republicano light. Sua postura moderada em


relação a questões sociais pode tê-lo prejudicado?
Eu não gosto de rótulos. São uma forma inconsistente de pensar. Quando se tem
um rótulo, torna-se necessário justificar todos os pensamentos. Sou conservador
em questões econômicas, militares e políticas, mas penso de forma diferente em
relação ao aborto, aos homossexuais e às questões imigratórias. As pessoas têm
escolhas que podem divergir das suas – e é preciso respeitá-las. Não sou a favor do
casamento gay, pois o casamento é uma instituição que pertence a homens e
mulheres, mas defendo os direitos de casais do mesmo sexo que vivem juntos há
muitos anos. Também apoio as mulheres que decidem não ter um filho. Sou contra
fechar as fronteiras americanas, pois sou descendente de imigrantes. E este país foi
construído por eles. É preciso combater a imigração ilegal, que está ligada ao
terrorismo, ao tráfico de drogas e piora a qualidade de vida.

Com a derrota de John McCain para Barack Obama, o Partido Republicano


parece passar por uma crise de identidade. Qual é a lição das urnas?
O partido está em crise, assim como esteve o Democrata na gestão anterior. Desde
a Presidência de Ronald Reagan, houve dois presidentes democratas e dois
republicanos. No entanto, do lado republicano, não surgiu nenhum grande talento
como Reagan. Ele era um conservador, defendia sua ideologia e, sobretudo,
conseguia alcançar o público de forma impressionante. Tivemos excelentes
candidatos com ótimas ideias desde então, mas nenhum chegou perto dele em
carisma. Do lado democrata, houve Bill Clinton e, agora, Obama. O novo presidente
ainda tem chance de mostrar a que veio, não há como avaliá-lo em tão pouco
tempo. Os grandes líderes são sempre uma combinação histórica de grandes
homens e grandes ideias que ocorrem no tempo certo. Jimmy Carter não foi bem-
sucedido. Reagan lhe sucedeu e foi melhor para a sua época. Ele foi o mais
importante presidente da segunda metade do século XX.Tinha o talento e as
condições, mas não se sabe o que teria acontecido se não fosse a hora exata.
Precisamos de talentos.

O Partido Republicano conseguirá reinventar a si mesmo?


Um novo Partido Republicano deve emergir em um ano, para reverter os resultados
negativos no Congresso. Gostaria de ver um Partido Republicano que respeite as
diferenças entre as pessoas. Também é preciso legislar para quem discorda de
você.
Quando o senhor diz que Barack Obama ainda precisa mostrar a que veio,
deve-se entender isso como uma crítica aos primeiros meses de seu
governo?
Tento não criticar o presidente. Claro que temos divergências filosóficas, caso
contrário não teria sido candidato. A primeira é econômica. A principal necessidade
do governo americano é reduzir gastos, não aumentá-los. A dívida pública está se
tornando muito alta, o que pode causar inflação. Isso terá um impacto negativo
enorme nas gerações futuras. É preciso reduzir os gastos da forma como Reagan
fez. De qualquer maneira, torço por Obama. Espero que o presidente seja bem-
sucedido em suas políticas econômicas. Afinal, sou americano, e também serei
prejudicado se elas não derem certo. Enfrentei uma enorme crise fiscal em Nova
York e reduzi as despesas. Cortei gastos em tudo, menos na força policial, que era
minha prioridade. Tudo pode ser sacrificado na hora de um governo fechar as
torneiras, menos a segurança. Claro que a situação atual é atípica. Estamos
enfrentando uma crise mundial e ninguém pode ser arrogante a ponto de se achar
um grande expert em economia. Na verdade, nenhum de nós é.

O senhor concorda com o presidente Obama no que diz respeito à


segurança nacional?
Considero as ações no Paquistão e no Afeganistão
corretas. É preciso enfatizá-las. Há muitos
elementos terroristas emergindo nesses países. "O presidente Obama ainda
Tivemos vitórias em 2001 e 2002, mas agora é tem tempo para mostrar a
preciso fazer pressão em outras partes do mundo. que veio. Os grandes líderes
Só o tempo dirá se as políticas de Obama vão são uma combinação
tornar o mundo melhor – ou piorá-lo. Talvez não histórica de grandes homens
funcionem, porque a Coreia do Norte está mais e grandes ideias que ocorrem
próxima da bomba atômica. Se não funcionarem, no momento certo. Não basta
espero que Obama as mude. Uma das apenas ter talento"
características mais importantes de um presidente
é a maleabilidade. É importante acreditar que se
está certo, mas, se se estiver errado, é preciso coragem para mudar, mesmo que
isso tenha um custo. Não acredito que se pode negociar com terroristas ou com
pessoas que fornecem armas para terroristas. Não adianta ter ilusões sobre isso.
De forma geral, o que tenho a dizer sobre Obama é que a Presidência de um país
se faz por meio da combinação de duas ações: seguir uma ideologia e ser prático
quando algo não funciona. Muitas vezes, um líder precisa fazer coisas que não
soam populares se realmente quer ser um verdadeiro líder.

O senhor enfrentou um câncer. A doença mudou a maneira como encara os


sucessos e fracassos, como perder ou ganhar uma eleição?
Totalmente. Nunca pensei que algo assim fosse me acontecer. Ao derrotar a
doença, fiquei muito mais forte emocional e espiritualmente. Adoeci em maio de
2000, e tenho certeza de que a experiência me fez enxergar a realidade com outros
olhos, inclusive o ataque terrorista de 11 de setembro. Hoje sou um apreciador da
vida. Quando soube que estava com câncer, decidi contar a todos que iria enfrentá-
lo. Começar a batalha e anunciá-la foi uma coisa boa. Mostrou-me que eu estava
prestes a morrer, mas ainda tinha tempo de fazer algo a respeito.
A candidata do governo à sucessão presidencial brasileira, Dilma Rousseff,
está em tratamento contra um câncer. O senhor acha possível conciliar a
doença com as responsabilidades da vida pública?
Disputar um cargo e tratar um câncer resulta em muito gasto de energia, em duas
direções, ao mesmo tempo. Eu não acho que conseguiria. Por isso, deixei a disputa
pelo Senado. Dedicava 80% do meu tempo ao tratamento. Muitas vezes pensei no
que teria acontecido se tivesse embarcado nos dois desafios simultaneamente.
Cada situação é diferente, e cabe a cada pessoa decidir o que fazer. O bom é que
hoje há muitos tratamentos e as chances de sobrevivência são bem maiores.
Muitos candidatos à Presidência dos Estados Unidos tiveram câncer, como John
McCain e John Kerry.

O senhor era prefeito de Nova York quando ocorreram os atentados de 11


de setembro. Como avalia o episódio, oito anos depois?
O 11 de Setembro foi o pior e o melhor momento da minha vida. Poderia falar
horas seguidas sobre os horrores desse dia. Jamais esquecerei tais cenas. Mas
prefiro ver as coisas de forma positiva. O incidente provocou uma comoção sem
precedentes. Nunca na história americana as pessoas se esforçaram tanto para
ajudar umas às outras. Foi um marco em termos de resistência, de reação e de
solidariedade. A vida pode ser vista pelo lado negativo ou positivo. Prefiro a
segunda opção.

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