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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO


FACULDADE DE PUBLICIDADE E PROPAGANA

Esta é a palavra mágica: admiração


Duda Mendonça
MENDONÇA, Duda. Casos e coisas. São Paulo : Globo, 2001. p 57-62

Costumo dizer que o item "conteúdo" se divide em três sub-itens: o argumento, a


capacidade de convencimento e a busca da admiração. Afinal, qual é o meu objetivo numa
campanha política? O voto, obviamente. E como é que eu consigo isso? Com argumentos e com
capacidade de convencimento, é claro.
Não me canso de dizer que, antes de avançar sobre outro rebanho, trato de não deixar o
meu se dispersar. É uma regra básica: não posso perder nenhum voto, aqui. Pelo contrário, tenho
que fortalecer o meu eleitor. Com argumentos. Numa campanha, mais importante do que “vender” Duda Mendonça
um candidato, é “vender” argumentos para aqueles que desejam votar nele. No meu modo de
entender as coisas, a propaganda de televisão, as entrevistas, os comícios, devem ser usados, prioritariamente, para
divulgar os argumentos. Eles são a base da nossa campanha.
Imagine a seguinte cena. O eleitor está num bar, tomando a sua cervejinha de final de expediente, antes de vol-
tar para casa. De repente, um amigo começa a falar mal do seu candidato. Ora, se ele não tiver segurança, se não estiver
convicto da sua escolha naquela hora, pode perder a empolgação, dando espaço à dúvida. Aí o seu voto balança. Adian-
te, pode até trocar de candidato. Isso acontece com muita freqüência.
O objetivo da propaganda política, numa hora dessas, é dar ao eleitor condições para desqualificar, de imedia-
to, aquelas críticas e aqueles comentários desfavoráveis.
Logo, o que tenho que fazer é municiar os meus eleitores. Dar argumentos para que ele, onde quer que esteja,
sinta-se pronto para sustentar o seu voto e defender publicamente o seu candidato. Ou que, mesmo que não queira reba-
ter a crítica, não tenha abalada a sua confiança interna. Isso é fundamental, porque eleição não se decide em escritório
de campanha, em mesa redonda de analistas políticos, nem em estúdio de TV. Decide-se na rua. Ao ar livre. Em espa-
ços públicos de convívio, de trocas de idéias, de experiências e de informações. No trabalho, na escola, no bar, na aca-
demia de ginástica, no ônibus, na sala de espera do consultório, na praia, no futebol.
Assim, minha primeira meta é transformar cada eleitor meu num cabo eleitoral. Ele tem que estar afiado e afi-
nado. Ter resposta e propostas prontas, na ponta da língua. Tem que saber dizer, com segurança e clareza, sem titubear
um só instante, por que o seu candidato é o bom. Tem que saber responder à indiferença, à rejeição, à intriga, à crítica,
ao medo. Tem que ter argumentos para tudo, tem que estar vacinado contra tudo. Ao fortalecer esse eleitor “cativo”, não
só vou consolidando o eleitorado que vota no meu candidato, como começo, aos poucos, a sensibilizar os indecisos, os
eleitores “conquistáveis” que, ouvindo essas conversas aqui c ali, vão absorvendo gradualmente os nossos argumentos.
Ainda não estou falando diretamente para estes, mas a verdade é que o trabalho da conquista já começou.
O argumento faz parte, portanto, de uma estratégia dc persuasão. Seu objetivo, em publicidade, é o convenci-
mento. Porque uma coisa é a propaganda informativa - por exemplo, o Banco Central avisa que amanhã os bancos não
vão abrir - e outra coisa é a propaganda de convencimento. Este é o caso da propaganda política. Ela é feita, sobretudo,
para convencer. E é por isso que tem que ser construída sobre um argumento. Mas sobre um argumento claro, lógico,
livre do peso do exagero. O candidato não é nenhum messias. Ele é um ser humano. E é como ser humano que precisa
se aproximar do eleitor e ganhar a sua confiança. Só assim poderá conquistar a sua admiração.
Esta é a palavra mágica: admiração. Se o candidato consegue conquistar a admiração da população, ele está
muito próximo do sucesso.
Porque, quando você admira uma pessoa, duas coisas costumam acontecer. A primeira é que você confia muito
mais nela. Como conseqüência, acredita mais em suas propostas, em seus projetos. A segunda, você sempre está muito
mais propenso a não acreditar em acusações feitas contra o seu herói, a esquecer ou a perdoar os seus eventuais defei-
tos. Nesse sentido, a admiração é um sentimento elevado. Superior. Querem ver? Ayrton Senna, por exemplo. Você o
admirava, não é verdade? Lógico que sim. Todos nós tínhamos admiração por ele. É claro que não o conhecíamos mui-
to bem, mas as suas atitudes, a sua forma sincera de falar, conquistaram todos nós. Se alguém nos dissesse que ele era
mau filho, mau irmão ou mau namorado, acreditaríamos nisso? Lógico que não. Quem falasse essas coisas seria imedia-
tamente carimbado, por nós, de invejoso ou despeitado.
Outra coisa: com o passar do tempo, percebi que uma resposta honesta, sincera, ainda que para assumir ou jus-
tificar um erro, numa situação embaraçosa, pode deslocar imediatamente o eixo da discussão. Um técnico de futebol
que, após o jogo, culpa os jogadores pela derrota, tentando salvar a sua pele, é um sujeito que a torcida coloca sob sus-
peita. Mas se ele é capaz de chamar para si a responsabilidade, passa a merecer, imediatamente, um crédito de confian-
ça. Sua atitude é admirada. Não é diferente o que acontece em política. Ao contrário do que muita gente pensa, o candi-
dato que assume o erro, justificando o que fez, pode se sair melhor, no julgamento popular, do que aquele que foge da

Opinião Pública e Propaganda


Prof. Artur Araujo
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resposta e da responsabilidade. Na cabeça do eleitor, a coragem de falar a verdade e assumir o erro é prova de caráter e
sinceridade, que merece respeito e admiração, sentimentos cada vez mais raros hoje em dia.
Num debate, por exemplo, isso se expressa de forma evidente. Por conta disso, tenho uma certeza que jamais
terei como comprovar.
Na campanha presidencial Lula versus Collor, em 1989, nos últimos dias que antecederam à votação do segun-
do turno, todas as pesquisas registravam um grande crescimento de Lula. Algumas, inclusive, já davam a eleição como
tecnicamente empatada. Estávamos no último dia de uma campanha que tinha hipnotizado o país. Por sorteio, cabia a
Lula encerrar o último debate da campanha, transmitido pela Rede Globo. Eram três minutos inteirinhos seus, sem in-
terferência de Collor ou do mediador do debate. Assim garantia o regulamento. Lula falava e pronto - ponto final. Aca-
bava a campanha, pois, nos últimos dois dias, era proibida qualquer propaganda política.
O Brasil, emocionado, ligou-se na telinha. Parecia final de Copa do Mundo. E o que vimos? Um Lula confuso
diante da acusação, feita por Collor, de que ele havia tentado convencer uma antiga namorada a fazer um aborto, evi-
tando o nascimento da sua primeira filha. Na véspera, a própria ex-namorada havia aparecido, no horário eleitoral de
Collor, fazendo a acusação.
Lula acusou o golpe, como não poderia ter deixado de acusar. Ficou confuso, como não poderia ter deixado de
ficar. Até aí, tudo absolutamente humano e normal. O que Lula não poderia jamais ter feito foi desperdiçar aqueles
preciosos minutos para dizer que, em vez de caçador de marajás, Collor era um caçador dc maracujás. O Brasil inteiro
se lembra.
Mas se, em vez disso, tivéssemos visto, naquela noite, um Lula emocionado, falando com a alma e com o cora-
ção, como já o vimos em alguns momentos, a conversa talvez tivesse sido outra. Teríamos um Lula confessando a sua
dor. Quem sabe falando que naquele tempo ele era quase um garoto, em começo de vida, e que a responsabilidade de
criar um filho, sem recursos, numa terra estranha, o apavorou. Queria ter um filho, sim, queria muito, mas num momen-
to em que pudesse dar a esse filho o que não pudera ter em sua infância.
O que lhe faltou foi abrir a sua alma. Abrir o seu coração. Se tivesse feito isso, a história do Brasil, certamente,
teria sido outra. E bem diferente.
Ainda sobre a admiração, apenas mais um segredo. Um segredo que, aliás, talvez explique o sucesso de políti-
cos que, apesar de não terem sido grandes administradores, conseguiram se transformar em verdadeiros campeões de
votos. A admiração é conquistada muito mais com atitudes do que com obras.

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