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resposta e da responsabilidade. Na cabeça do eleitor, a coragem de falar a verdade e assumir o erro é prova de caráter e
sinceridade, que merece respeito e admiração, sentimentos cada vez mais raros hoje em dia.
Num debate, por exemplo, isso se expressa de forma evidente. Por conta disso, tenho uma certeza que jamais
terei como comprovar.
Na campanha presidencial Lula versus Collor, em 1989, nos últimos dias que antecederam à votação do segun-
do turno, todas as pesquisas registravam um grande crescimento de Lula. Algumas, inclusive, já davam a eleição como
tecnicamente empatada. Estávamos no último dia de uma campanha que tinha hipnotizado o país. Por sorteio, cabia a
Lula encerrar o último debate da campanha, transmitido pela Rede Globo. Eram três minutos inteirinhos seus, sem in-
terferência de Collor ou do mediador do debate. Assim garantia o regulamento. Lula falava e pronto - ponto final. Aca-
bava a campanha, pois, nos últimos dois dias, era proibida qualquer propaganda política.
O Brasil, emocionado, ligou-se na telinha. Parecia final de Copa do Mundo. E o que vimos? Um Lula confuso
diante da acusação, feita por Collor, de que ele havia tentado convencer uma antiga namorada a fazer um aborto, evi-
tando o nascimento da sua primeira filha. Na véspera, a própria ex-namorada havia aparecido, no horário eleitoral de
Collor, fazendo a acusação.
Lula acusou o golpe, como não poderia ter deixado de acusar. Ficou confuso, como não poderia ter deixado de
ficar. Até aí, tudo absolutamente humano e normal. O que Lula não poderia jamais ter feito foi desperdiçar aqueles
preciosos minutos para dizer que, em vez de caçador de marajás, Collor era um caçador dc maracujás. O Brasil inteiro
se lembra.
Mas se, em vez disso, tivéssemos visto, naquela noite, um Lula emocionado, falando com a alma e com o cora-
ção, como já o vimos em alguns momentos, a conversa talvez tivesse sido outra. Teríamos um Lula confessando a sua
dor. Quem sabe falando que naquele tempo ele era quase um garoto, em começo de vida, e que a responsabilidade de
criar um filho, sem recursos, numa terra estranha, o apavorou. Queria ter um filho, sim, queria muito, mas num momen-
to em que pudesse dar a esse filho o que não pudera ter em sua infância.
O que lhe faltou foi abrir a sua alma. Abrir o seu coração. Se tivesse feito isso, a história do Brasil, certamente,
teria sido outra. E bem diferente.
Ainda sobre a admiração, apenas mais um segredo. Um segredo que, aliás, talvez explique o sucesso de políti-
cos que, apesar de não terem sido grandes administradores, conseguiram se transformar em verdadeiros campeões de
votos. A admiração é conquistada muito mais com atitudes do que com obras.