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TEMPO COMUM. VIGÉSIMA NONA SEMANA.

SEGUNDA-FEIRA

49. A ESPERANÇA DA VIDA


– Os bens temporais e a esperança sobrenatural.

– O desprendimento do cristão.

– A nossa esperança está no Senhor.

I. ALGUÉM APROXIMOU-SE do Senhor1 e pediu-lhe que resolvesse um


problema de heranças. Pelas palavras de Jesus, parece que essa pessoa
estava mais preocupada com aquele problema material do que atenta à
pregação do Mestre. A questão proposta ao Messias – que lhes falava do
Reino – dá a impressão de ter sido pelo menos inoportuna. Jesus respondeu-
lhe: Ó homem, quem me constituiu juiz ou árbitro entre vós? A seguir,
aproveitou a ocasião para advertir a todos: Estai alerta e guardai-vos de toda a
avareza, porque a vida de cada um não consiste na abundância dos bens, a
sua vida não depende daquilo que possui.

E para que a sua doutrina ficasse bem clara, expôs-lhes uma parábola. As
terras de um homem rico produziram uma grande colheita, a tal ponto que o
celeiro se tornou insuficiente. Então o proprietário achou que os seus dias
maus tinham acabado e que a sua existência estava garantida. Decidiu deitar
abaixo o celeiro e edificar outro maior, que pudesse armazenar a colheita. O
seu horizonte terminava ali; reduzia-se a comer, beber, descansar, já que a
vida se tinha mostrado generosa com ele. Esqueceu-se – como tantos homens!
– de uns dados fundamentais: a insegurança desta vida na terra e a sua
brevidade. Pôs a sua esperança nessas coisas passageiras e não considerou
que todos estamos de passagem, a caminho do único destino que vale a pena:
o Céu.

Deus apresentou-se de improviso na vida desse rico lavrador que parecia ter
tudo assegurado, e disse-lhe: Néscio, esta noite virão demandar a tua alma; e
as coisas que juntaste, para quem serão? Assim é o que entesoura para si e
não é rico para Deus.

A insensatez desse homem consistiu em ter posto o seu fim último e a


garantia da sua segurança em algo tão frágil e passageiro como os bens desta
terra, por abundantes que sejam. A legítima aspiração de possuir o necessário
para a vida própria e para a família não deve ser confundida com a ânsia de ter
mais a todo o custo. O nosso coração tem de estar no Céu, e a vida é um
caminho que temos de percorrer. Se o Senhor é a nossa esperança,
saberemos ser felizes com muitos ou com poucos bens.

“Assim, pois, o ter mais, tanto para as nações como para as pessoas, não é
o fim último. Todo o crescimento tem dois sentidos bem diferentes. Se é
necessário para permitir que o homem seja mais homem, por outro lado
encerra-o numa prisão se se converte em bem supremo, que impede de olhar
mais além. Então os corações se endurecem e os espíritos se fecham; os
homens já não se unem pela amizade, mas pelo interesse, que em breve os
faz opor-se uns aos outros e desunir-se. A busca exclusiva da posse dos bens
converte-se num obstáculo para o crescimento do ser, e opõe-se à sua
verdadeira grandeza. Tanto para as nações como para as pessoas, a avareza
é a forma mais evidente de um subdesenvolvimento moral”2.

O amor desordenado pelos bens materiais cega a esperança em Deus, que


então se vê como algo longínquo e sem interesse. Não cometamos essa
loucura: não há tesouro maior do que ter Cristo.

II. A SAGRADA ESCRITURA admoesta-nos com frequência sobre a


necessidade de termos o coração em Deus: Tende preparado o ânimo, vivei
sobriamente e ponde a vossa esperança na graça que vos trouxe a revelação
de Jesus Cristo3, exortava São Pedro aos primeiros cristãos. E São Paulo
aconselha a Timóteo: Aos ricos deste mundo, manda-lhes [...] que não sejam
altivos nem confiem na incerteza das riquezas, mas no Deus vivo, o qual dá
abundantemente todas as coisas para nosso uso4. O mesmo Apóstolo afirma
que a avareza está na raiz de todos os males, e que foi por sua causa que
muitos se extraviaram da fé e se enredaram em inúmeras aflições5.

A Igreja continua a recordar o mesmo nos nossos dias: “Que todos, portanto,
atendam a isso e orientem rectamente os seus afectos, não seja que o uso das
coisas do mundo e um apego às riquezas contrário ao espírito de pobreza
evangélica os impeçam de buscar a caridade perfeita, segundo admoesta o
Apóstolo: Os que usam deste mundo não se fixem nele, pois a aparência deste
mundo passa (cfr. 1 Cor 7, 31)”6.

A desordem no uso dos bens materiais pode provir da intenção, quando se


desejam as riquezas por si mesmas, como se fossem bens absolutos; dos
meios que se empregam para adquiri-las, buscando-as com ansiedade, com
possíveis danos a terceiros, à saúde, à educação dos filhos, à atenção
requerida pela família...; ou, enfim, da maneira de usá-las, quando se
empregam unicamente em proveito próprio, com tacanhice.

O desprendimento e o recto uso daquilo que se possui, daquilo que é


necessário para o sustento da família e para o exercício da profissão, daquilo
que é lícito possuir para o descanso e para prever o futuro – sem angústias,
com a confiança sempre posta em Deus –, são um meio de preparar a alma
para os bens divinos. “Se quereis agir a toda a hora como senhores de vós
mesmos, aconselho-vos a pôr um empenho muito grande em estar
desprendidos de tudo, sem medo, sem temores nem receios. Depois, ao
atenderdes e ao cumprirdes as vossas obrigações pessoais, familiares...,
empregai os meios terrenos honestos com rectidão, pensando no serviço a
Deus, à Igreja, aos vossos, à vossa tarefa profissional, ao vosso país, à
humanidade inteira. Vede que o importante não é a materialidade de possuir
isto ou carecer daquilo, mas conduzir-se de acordo com a verdade que a nossa
fé cristã nos ensina: os bens criados são apenas meios. Portanto, repeli a
miragem de considerá-los como algo definitivo”7.

Se estamos perto de Cristo, bastará pouca coisa para andarmos pelos


caminhos da alegria dos filhos de Deus. Se não estamos perto d’Ele, nada
poderá preencher o nosso coração e estaremos sempre insatisfeitos.

III. “CERTA VEZ – conta um amigo sacerdote –, há já muitos anos, passava


eu uma curta temporada de exercícios militares no povoado mais alto de
Navarra. Fazíamos esses exercícios aproveitando a pausa dos nossos
estudos. Recordo-me de que, estando naquele povoado, chamado Abaurrea,
chegou ao acampamento um jovem tenente, no seu uniforme flamante.
Apresentou-se ao chefe para que lhe dissesse qual a unidade a que estava
destinado. Veio depois ter connosco e comunicou-nos que o comandante lhe
dissera que devia ir a Jaurrieta e que lhe insinuara como a coisa mais natural
do mundo que seria bom que tomasse um cavalo e fosse nele [...]. O novato
mostrava-se muito inquieto e passou todo o jantar falando do cavalo e pedindo
conselhos práticos. Então um dos presentes disse-lhe: «O importante é montar
com serenidade, com tranquilidade, e que o cavalo não perceba que é a
primeira vez que você monta. Isso é fundamental» [...].

“No dia seguinte pela manhã, muito cedo, estava à sua espera um soldado
com o seu cavalo e com outra montaria para carregar as malas. O tenente
montou, mas, pelos vistos, o cavalo notou imediatamente que era a primeira
vez que o fazia, porque, sem mais aquelas, lançou-se num pequeno galope;
depois parou e começou a pastar num dos lados da estrada..., por mais que o
tenente puxasse das rédeas. Quando achou oportuno, continuou a caminhar
pela estrada e, de vez em quando, parava; depois começava a trotar, enquanto
o cavaleiro olhava para os lados, com cara de susto. Nessa situação, cruzou-se
com ele uma equipe de engenheiros que estava instalando um cabo de alta
tensão. Um deles perguntou-lhe:

– “Para onde é que você vai?

“E o tenente respondeu com grande verdade e com uma filosofia


verdadeiramente realista:

– “Eu? Eu ia para Jaurrieta; o que não sei é para onde vai este cavalo... [...].

“Se nos perguntassem de repente: «Para onde é que você vai?», talvez nós
também tivéssemos que dizer: «Eu? Eu ia para o amor, para a verdade, para a
alegria; mas não sei para onde a vida me está levando»”8.

Como seria bom podermos dizer a quem nos perguntasse para onde vamos:
“Eu vou para Deus, com o meu trabalho, com as dificuldades da vida, com a
doença talvez!...” Este é o objectivo, o lugar para onde devem levar-nos os
bens da terra, a profissão..., tudo! Que pena se convertêssemos em bens
absolutos aquilo que deve ser apenas meio!

Jesus Cristo ensina-nos continuamente que o objecto da esperança cristã


não são os bens terrenos, esses que a ferrugem e a traça consomem e os
ladrões desenterram e roubam9, mas os tesouros da herança incorruptível. O
próprio Cristo é a nossa única esperança10. Não há outra coisa que possa
satisfazer o nosso coração. E junto d’Ele encontraremos todos os bens
prometidos, que não têm fim. Os próprios meios materiais podem ser objecto
da virtude da esperança, na medida em que sirvam para alcançar o fim
humano e o fim sobrenatural do homem, desde que não passem de meios. Não
os convertamos em fins.

A Virgem Maria, Esperança nossa, ajudar-nos-á a pôr o coração nos bens


que perduram, em Cristo!, se recorrermos a Ela com confiança. Sancta Maria,
Spes nostra, ora pro nobis.

(1) Lc 12, 13-21; (2) Paulo VI, Carta Encíclica Populorum progressio, 26.03.67, 19; (3) 1 Pe 1,
13; (4) 1 Tim 6, 17; (5) 1 Tim 6, 10; (6) Concílio Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 42;
(7) Bem-aventurado Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n. 118; (8) A. G. Dorronsoro, Tiempo
para creer, págs. 111-112; (9) Mt 6, 19; (10) 1 Tim 1, 1.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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