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ISBN : 1989 - 6514

Siranda. Revista de Estudios Culturales, Teoría de los Medios e Innovación Tecnológica


Número 3
http://grupo.us.es/grupoinnovacion/
Año 2010

A OBSERVAÇÃO FLUTUANTE E A FOTOETNOGRAFIA DO CONSUMO E DA


PUBLICIDADE ALIMENTAR EM PORTUGAL: UMA EXPERIÊNCIA
A NOTE AND FLOATING PHOTOETHNOGRAPHIC CONSUMPTION AND
ADVERTISING FOOD IN PORTUGAL: AN EXPERIENCE
Eneus Trindade
Universidade de São Paulo
eneustrindade@usp.br

Resumo
Este texto mostra parte dos resultados do trabalho de investigação de nosso estágio
de pós-doutorado, realizado junto ao Laboratório de Antropologia Visual da
Universidade Aberta, intitulado Um olhar etnográfico sobre a publicidade: aspectos
da cultura e do consumo alimentar no Brasil e em Portugal. Aqui buscamos mostrar
parte do nosso processo de observação e registro no terreno português. Este material
compreendeu a coleta de 458 fotografias. Serão ressaltados neste momento aspectos
do percurso de observação flutuante quanto à publicidade e ao consumo alimentar
em ambientes públicos, realizado no Porto, como exemplificação da construção de
uma narrativa de origem fotoetnográfica sobre a temática em debate.

Palvaras-chave: antropologia visual; consumo; publicidade; observação flutuante;


fotoetnografia.

Abstract
This text shows some results from our research, made in Laboratory of Visual
Anthropology, Universidade Aberta of Portugal, with the title The ethinografic look
about advertisign: alimentary culture and consumption aspects in Brazil and
Portugal. Here, we try to show a part of our process of observation and registration in
portuguese territory. This material has 458 pictures. We considere, at this moment,
the aspects of our floating observation about advertising food and consumption of
food in publics situations, during a tour in O Porto, as an example of a narrative
construction based in photethinographics methods, about de subject load in
evidence.

Key words: visual anthropology; consumption; advertising; floating observation;


photethnography.

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A OBSERVAÇÃO FLUTUANTE E A FOTOETNOGRAFIA DO CONSUMO E DA


PUBLICIDADE ALIMENTAR EM PORTUGAL: UMA EXPERIÊNCIA.

Este texto mostra parte dos resultados do trabalho de investigação de nosso estágio
de pós-doutorado, realizado junto ao Laboratório de Antropologia Visual do Centro
de estudos das Migrações e Relações Interculturais da Universidade Aberta, intitulado
Um olhar etnográfico sobre a publicidade: aspectos da cultura e do consumo
alimentar no Brasil e em Portugal, em que buscamos mostrar o nosso processo de
observação e registro no terreno português, majoritariamente realizado nas regiões
de Lisboa e Porto, com alguns registros feitos no Algarve. O material total
compreendeu a coleta de 458 fotografias.
Não iremos apresentar as imagens coletadas, por razões óbvias referentes ao
espaço e tempo para confecção deste texto, mas buscaremos construir uma narrativa
verbal que advém de um registro narrativo visual fotográfico ou fotoetnográfico, fruto
de um processo de observação flutuante.
No que se refere à constituição das narrativas fotoetnográficas temáticas,
devemos esclarecer que elas foram realizadas a partir de três percursos que nos
auxiliam a perceber a variedade de aspectos que o objeto e o terreno revelam sobre
o tema de investigação.
O primeiro percurso realizado em julho, agosto e setembro de 2008, traz
imagens do Porto e de Lisboa e do Algarve, vez por outra, marcado por dúvidas em
como construir uma escala observacional que possibilitasse a construção de
contextos para uma narrativa fotoetnográfica e pela ambigüidade entre os olhares
turístico e antropológico.
O segundo percurso realizado em setembro de 2008, foi realizado entre Vila
Nova de Gaia em direção ao Porto e foi acompanhado pelo Professor Doutor José
Ribeiro, que nos auxiliou na percepção dos pormenores da cultura portuguesa.
E o terceiro percurso, realizado em outubro de 2008, já orientado pelas
dimensões da observação flutuante, aconteceu em Lisboa na sua parte nova entre a
Estação do Oriente, Shopping Vasco da Gama e Parque das Nações.

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Na oportunidade deste texto, apresentamos uma síntese do


segundo percurso, realizado na cidade do Porto, para ilustrar um modo de
operacionalização de um discurso visual, a partir da reflexão em linguagem verbal
sobre o trabalho empreendido.
Outro aspecto a ressaltar, é que esta experiência em campo
português, insere-se dentro dos objetivos maiores de pesquisa, que consistia em
perceber aspectos da interculturalidade da presença brasileira na cultura alimentar
em Portugal, no que tange a publicidade de alimentos e ao consumo destes, ao
mesmo tempo em que procurou identificar aspectos mais particulares de Portugal de
acordo com a temática em estudo.
Desse modo, damos destaque aqui ao que consideramos significativo do
trabalho realizado nos seguintes aspectos:
a) A natureza metodológica desta pesquisa no contexto dos métodos e
técnicas de observação na antropologia visual, a partir de um olhar fotoetnógrafico
que busca apreender aspectos do consumo alimentar e da publicidade de alimentos
no mundo urbano dos ambientes públicos de Portugal.
Esse aspecto é fundamental porque passa pelas questões sobre o que
fotografar? Da identificação dos enquadramentos que possam revelar questões da
ambiência e da mediação das marcas e das publicidades de alimentos, bem como do
tipo de consumo alimentar observado. Envolve também a seleção de percursos no
terreno que permitem a captar nuanças do contexto estudado, a partir de um olhar
flutuante, aberto, que materializa uma observação flutuante, embora paradoxalmente
constituída por uma observação sistemática dentro dos parâmetros de um olhar
etnográfico.
Esta combinação metodológica, aparentemente incoerente, surge nas
recentes discussões do Laboratório de Antropologia Visual da Universidade Aberta
de Portugal, coordenado pelo Doutor José da Silva Ribeiro, local onde esta
investigação tem origem.
Tal perspectiva busca atentar para o fato de que o olhar sistemático do
observador, etnógrafo, deve se flexibilizar em função da percepção sobre o que o
terreno apresenta, em uma atitude semelhante a do flâneur, discutido em Walter
Benjamin, para que se possa compreender o contexto e o objeto da pesquisa em sua
complexidade dinâmica e sensível.

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Portanto, buscamos a complementaridade metodológica, vista aqui na


superação dos paradigmas puristas e dicotômicos, que poderiam considerar a
abordagem inconsistente, mas que por outro lado, busca uma melhor rentabilidade
metodológica para o processo de trabalho que aqui se apresenta, mas próximo ao
modo de manifestações dos fluxos de idéias e imagens que constituem as culturas
das imagens no mundo contemporâneo.
Nesse sentido, torna-se fundamental resgatar a clássica experiência da
observação flutuante realizada por Pétonnet (1982, p.37-47) em seu ensaio sobre a
observação flutuante no Cemitério Père-Lachaise em Paris, que nos apresenta uma
narrativa constituída a partir dos aspectos observados e registrados por suas notas de
observação em campo e entrevistas com os freqüentadores do cemitério, o que
possibilitou perceber vários usos e apropriações de sentidos daquele espaço, no
contexto cultural estudado, para além dos sentidos ligados à morte, revelando outros
sentidos como o turístico e o de lazer que aquele espaço estabelece com seus vários
freqüentadores.
Tal proposta orientou a nossa apreensão sobre os aspectos culturais do nosso
universo de investigação em suas mais autênticas manifestações etnográficas, bem
como daquilo que insere Portugal dentro de um contexto mais amplo da cultura
mundializada. Este trabalho de registro fotográfico e suas dificuldades configuram a
problematização para a formação de contextos no processo de pesquisa.
b) O segundo aspecto refere-se à postura do olhar do investigador, que por
estar no seu primeiro contato com o terreno, enfrentou a problemática da
ambigüidade subjetiva de transitar entre o olhar turístico e o olhar de investigador
antropológico ou etnográfico.
No que se refere à ambigüidade do olhar do investigador entre o olhar turista
e o antropológico, John Urry (1996, p. 17 -18) nos oferece subsídios para entender o
que há de comum e distinto a esses modos de perceber e registrar a realidade, que
estiveram presentes em nossa experiência de campo.
Preocupado com as questões do olhar turista, o autor nos fornece alguns
parâmetros sobre este tipo de olhar, o que conseqüentemente nos auxiliou na
tomada de posição do olhar antropológico, embora reconheçamos que o olhar
turístico ainda permaneceu nosso trabalho, mas sem grandes prejuízos ao trabalho
antropológico, dando-lhe efetivamente o aspecto subjetivo que constituiu de fato a
subjetividade do investigador neste processo.

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Para Urry o turismo está vinculado ao lazer e às formas planejadas de viajar,


com estadias temporárias, para o gozo e apreciação das particularidades do lugar
visitado. Esta organização do lazer no turismo está paralela ao seu oposto, ou seja, as
formas de organização da vida para o trabalho e das obrigações sociais.
Surge aí, a primeira distinção entre o olhar turístico e o antropológico, pois
este último, por mais que tenha prazer na realização da sua atividade está
efetivamente realizando uma ação de trabalho.
Mas assim como o olhar antropológico, o olhar turístico também se
fundamenta em uma coleção de signos, contudo o segundo tem seu olhar voltado
para as paisagens e visões do extra-ordinário, enquanto o primeiro está atento ao
pormenor, às particularidades da cultura, buscando entender os mecanismos e rituais
do cotidiano do terreno em que atua de maneira mais profunda.
Contudo, é fato que o turismo também destinará o seu olhar para alguns
aspectos em comum com o olhar antropológico, na medida em que elementos da
cultura dados no exercício turístico se confrontam com elementos etnográficos da
cultura visitada, embora o turista tenha a tendência a perceber isso como aspectos
da “cor local”, da particularidade do contexto visitado. Já o antropólogo busca na
particularidade um aprofundamento maior para os sentidos da existência da cultura
em estudo.
O nosso olhar, que em alguns momentos se confundiu com o olhar turista, na
busca de paisagens que definissem o contexto, buscou preservar o trabalho
antropológico atento ao pormenor e às suas implicações culturais;
c) O terceiro aspecto diz respeito aos usos e consumos das situações sociais
alimentares que tais imagens revelam para os sentidos da alimentação no contexto
cultural observado. O que há de específico neste universo de investigação
registrado? O que há de comum com o sistema de consumo alimentar em termos
mundiais? Quais os demais aspectos socioculturais que tangenciam o universo da
alimentação e do consumo público de alimentos em Portugal?
Os itens referentes às situações alimentares e ao tipo de narrativa
fotoetnográfica que revela a cultura do terreno sobre o objeto de estudo, referem-se
à manifestação visual e sensível do trabalho proposto em função de seus objetos e
objetivos de investigação.
Definir o tipo de olhar, o que fotografar e os enquadramentos foram uma das
primeiras dificuldades encontradas nos primeiros percursos no trabalho de terreno.

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Mas essa busca por uma contextualização do olhar foi ficando mais clara na medida
em que percebemos as situações sociais alimentares e de seu consumo. Tal
fundamentação provém do trabalho de Jean-Pierre Poulain (2002), a partir do seu
criterioso trabalho sobre a sociologia da alimentação, onde o autor francês apresenta
uma formulação acerca das dimensões sociais da alimentação com vistas à
compreensão dos modelos alimentares nas culturas.
Essas dimensões sociais da alimentação, segundo Poulain (2002, p.228-235)
se subdividem nos espaços privados e públicos onde se come; do sistema alimentar
em que a cultura se insere, considerando aspectos da produção, comercialização até
chegar aos pontos de venda para compra dos alimentos; do espaço de culinária; nos
espaços dos hábitos de consumo alimentar; na temporalidade alimentar e nos
espaços de diferenciação social da alimentação.
Como nosso trabalho se restringiu ao percurso de terreno em âmbito público,
não são registradas imagens dos espaços domésticos (privados) onde se come e nem
tão pouco dos espaços da culinária referente às cozinhas. Entendemos que no nosso
trabalho foi possível coletar imagens dos aspectos do sistema alimentar, sobretudo no
que diz respeito à comercialização e divulgação de alimentos pela publicidade, dos
hábitos de consumo nos espaços públicos alimentares, de sua temporalidade e de
sua manifestação como espaço de diferenciação social no âmbito do consumo
alimentar no ambiente urbano.
d) E o último aspecto, refere-se às narrativas fotoetnográficas que podem ser
construídas para ilustrar todos os aspectos aqui observados, dentro de uma
linguagem visual fotográfica autônoma, que releve uma coerência com os nossos
objetivos de investigação e que ao mesmo tempo pudesse servir como ponto de
partida para uma reflexão em linguagem verbal sobre o que foi observado e do que
as imagens significam.
Nesta perspectiva, tentamos então criar narrativas fotoetnográficas que
pudessem ilustrar e nutrir a discussão sobre os quatro aspectos mencionados
anteriormente. Entendemos que os dois primeiros aspectos referentes aos
enquadramentos ou sobre o que fotografar e a ambigüidade do estatuto do ser do
investigador entre o olhar turístico e antropológico, criam narrativas fotoetnográficas
de natureza metodológica do trabalho de observação.
Ao nos orientarmos pelos preceitos de Achutti (2004) sobre a fotoetnografia,
realizamos os percursos fotoetnográficos cujos objetos ressaltam os aspectos dos

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quatro momentos acima apresentados, dando-nos conjuntos de imagens que


permitiram a criação de narrativas fotoetnográficas específicas ou temáticas, para
apreciação do seu discurso visual, preservando-se assim a autonomia desse discurso
imagético, apenas intercalando entre as fotos algumas orações.
Em função do exposto, apresentamos uma breve reflexão em linguagem
verbal sobre os aspectos apresentados nas imagens e os grupos de imagens que
iremos tratar.
Por fim, cabe salientar que, o recolhimento das imagens foi acompanhado de
um caderno de notas de campo que também nos auxiliou na sistematização da
construção desse olhar e do texto que a partir agora damos seqüência.
O percurso começa em Vila Nova de Gaia, com vista para o Porto. No alto da
imagem turística realizada do Cais de Gaia para o belo Cais da Ribeira no Porto,
percebemos a publicidade do automóvel Ibiza Seat envolvendo o complexo da Sé e
o Palácio Episcopal do Porto em Restauração. Essa imagem demonstra a união de
dois poderes, da religião católica e do capitalismo, ambas ocupando um lugar
destaque na configuração da imagem e na topografia do lugar que se faz
representar.
E na busca pelas primeiras referências à alimentação, outra conexão com a
religiosidade: o café e snack bar São Gonçalo, cuja festa é celebrada no Rio Douro,
no mês de Janeiro. A ementa do café é híbrida e inclui: as sardinhas na brasa,
picanha à brasileira e a francesinha. Registramos aqui a primeira presença brasileira
no universo alimentar público de Portugal, que também é uma preferência nacional
nas terras lusitanas. Também identificamos duas especialidades portuguesas: as
sardinhas na brasa, muito consumidas durante as festas juninas e a francesinha que é
uma especialidade do Porto, uma espécie de sanduíche recheado de carne e
embutidos, coberto com queijo e um molho quente vermelho e picante. Só vendo e
provando para entender.
Ao caminharmos um pouco mais pela rua principal do Cais de Gaia,
percebemos algumas curiosidades sobre os nomes e marcas dos restaurantes locais.
Os nomes e marcas dos restaurantes são alusivos às tradições alimentares
Portuguesas. O leitão assado, prato tradicional de regiões como a Bairrada, figura no
letreiro do Restaurante Tromba Rija e temos também a alusão às antigas tabernas
pelo restaurante homônimo. Ao ampliamos olhar das nossas lentes para o casario
que compõe este espaço, percebemos que os ambientes modernos e antigos

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coabitam o mesmo ambiente. Os signos arquitetônicos mostram a polifonia dos


tempos que impregnam os espaços dos restaurantes transitando em ter o antigo das
fachadas dos imóveis e o moderno no interior dos restaurantes.
No meio disso, uma cena cotidiana: um caminhão abastece o restaurante
Transmontano II com legumes frescos. Este registro mostra como o sistema de
produção e circulação de mercadorias alimentícias se materializa na vida cotiana dos
estabelecimentos comerciais. Além disso, o estabelecimento em questão oferece uma
gama variadas de delícias portuguesas que vão desde os vinhos do Douro aos
queijos alantejanos, passando pela comida transmontana, como sugere o nome do
restaurante, até o famoso bacalhau à lagareiro.
Seguindo-se o percurso, novamente a presença de São Gonçalo em outro
bar. Mais à frente, outro restaurante também mostra a presença da religiosidade no
contexto alimentar, para proteção e prosperidade do estabelecimento.
Se a religiosidade marca presença, como na primeira imagem deste percurso,
a publicidade e as marcas de alimentos também constituem a paisagem e
patrocinam a restauração do patrimônio histórico local. È o que se pode perceber no
mobiliário urbano(totem) com a publicidade do leite da marca Matinal e totem à
beira do Douro com a publicidade do sorvete Olá, a Kibon no Brasil, juntamente com
o informe publicitário sobre a restauração do Convento de Corpus Christi.
Ao chegarmos ao mercado de Gaia, temos mais opções de restaurantes. Um
casal de turistas almoça. as opções são muitas. Os turistas e as pessoas locais
pesquisam as ofertas. Tem comida para todos os gostos e bolsos. As opções de
restaurantes mostram um paladar variado e transnacional. A pizza Hut, por exemplo,
convida, pela sua publicidade, para comer pizza entre amigos, mostrando o valor da
marca que agrega os indivíduos pela alimentação. Já o restaurante indiano Real
Indiana, por exemplo, oferece outros sabores e experiências, além da comida típica
desse país o lugar oferece salas para o fumar em naguilés.
Depois do almoço, constata-se a ambiência dos vinhos pelas publicidades e
pelas Caves do Vinho do Porto e da região do Douro, um convite à degustação, à
visitação das Caves e à compra desta especialidade local. Aqui podemos perceber
uma das principais atrações turísticas de Portugal, os vinhos do Porto e suas famosas
caves. E ao contrário do que se pensa, as caves não estão situadas na cidade do
Porto, mas sim na Vila Nova de Gaia.

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Entre as caves podemos destacar a Sandeman, a Calém, a Ramos Pinto, a


Porto Ferreira, entre outras. Os turistas vão e vêm nos ônibus, mas a parada nas
caves à degustação é quase que obrigatória. Visita-se a Cave, conhece-se o processo
de produção do vinho do Porto e degusta-se o vinho. E para quem deseja, é possível
comprar algumas garrafas. Após as visitas as mesas de degustação ficam cheias de
cálices vazios e pessoas dirigem-se ao show room das caves escolhendo vinhos para
comprar. O visitante tem inúmeras opções de souvenirs de vinho do Porto. A
compra, na sociedade de consumo, entre os rituais turísticos é quase inevitável,
principalmente depois de um passeio tão agradável como são as visitas às caves, a
maioria delas centenárias.
Assim, a cada visita se vai mais um grupo de turistas felizes com suas
experiências de degustação e consumo, cheios de sacolas com as marcas das caves
que visitaram.
No caminho de Gaia para o Porto a Ponte D. Luís. Outra imagem turística
obrigatória para quem vai ao Porto. A ponte em ferro em arco sobre o Douro é uma
bela criação de Gustave Eiffel, o mesmo da torre de Paris. E trata-se de um signo da
urbanização e modernização da cidade do Porto. Na cabeceira da ponte mais
publicidades de vinho do porto. Entre elas, merece destaque o famoso cartaz da
década de 20, O beijo da Ramos Pinto, certamente um marco da história da
publicidade portuguesa, presente inclusive nas ruas de Lisboa. Considera-se que a
figura de Ramos Pinto é de grande relevância para história do marketing em
Portugal, pois este empresário é visto como um homem de grande visão de mercado
no começo do Século XX, no comércio de vinhos com o Brasil e Inglaterra. Percebe-
se também a presença da marca Croft e entre eles registramos a presença
contemporânea da marca Trident de chicletes.
Do outro lado, mais bares e restaurantes do Cais da Ribeira, mas antes de
atravessar, uma pausa para outra imagem turística: a vista do Cais da Ribeira do alto
da Ponde D. Luís. Já no Cais da Ribeira, podemos comer com uma bela vista para o
Douro
O que inclui também uma vista para o Cais de Gaia, mais uma imagem turística. A
arquitetura e marcas históricas da Ribeira são cobertas pelos guarda-sóis dos
restaurantes. Uma simpática poluição visual. Mas que histórias escondem os
restaurantes da Ribeira? Uma visita guiada seria útil neste momento. Mas não houve

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essa possibilidade. Os signos históricos de outras épocas se fundem às mensagens


publicitárias dos restaurantes em faixas comerciais.
Como o almoço já passou, após alguns copos de vinho, um casal toma café.
Percebemos no contínuo do percurso em momentos distintos o ritual da alimentação
tendo seu desfecho. A presença do vinho também é forte no Porto com vários
espaços de show room das vinícolas. Há também quem prefira outras opções de
restaurantes com menos movimento. As ruas por trás da Ribeira escondem recantos
e revelam o charme do Porto.
Logo ali perto, indo ao Museu Casa do Infante D. Henrique, no deparamos
com objetos históricos da alimentação dos Séculos XV a XVIII. O turismo alimentar
também tem suas experiências arqueológicas. Subindo a Rua Mouzinho da Silveira,
um achado quase centenário e uma marca especial. A Adega do olho. Um bar que é
marca tradicional entre os moradores do Porto e o espaço, já bastante alterado por
reformas, demonstra a força da tradição das tascas em Portugal, como acontece no
Bairro Alto e na Alfama em Lisboa. A Adega do Olho é sem dúvida um lugar
interessante para se “tomar uns copos”, como dizem os portugueses.
Mais acima, temos o que os portugueses chamam de talho, o nosso
tradicional açougue, representado pela rede de distribuição de carnes no Porto
conhecida com Talhos Boavista. E é assim que se escreve. Para que não restem
dúvidas quanto à grafia desta marca.
Em frente à Estação de Trem de São bento, um aroma diferente. Um carrinho
de Castanhas Portuguesas. Uma tradição nacional que começa no outono e dura até
o inverno. E no caminho do Largo da Batalha para a Rua Santa Catarina, começam a
surgir os cafés. Alguns até fazendo alusão ao Brasil. Mas na Rua Santa Catarina,
importante centro comercial da cidade do Porto, é onde encontramos o café dos
cafés da cidade. O Majestic, signo da burguesia do Porto do começo do Século XX,
ainda em funcionamento. Trata-se de um espaço requintado, classicamente burguês.
Ao longo da Rua Santa Catarina, percebemos um comércio ambulante,
realizado em sua maioria por estrangeiros, imigrantes, alguns brasileiros, outros do
leste europeu ou marroquinos. Em meio a tudo isso, mais vendedoras de castanhas
portuguesas. Nessa rua encontramos outro espaço burguês, mais contemporâneo,
o Shopping Center Via Catarina e sua peculiar praça de alimentação: um simulacro
da cidade do Porto.

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As marcas dos restaurantes, na praça de alimentação deste shopping center


são conhecidas em todo Portugal e em boa parte do mundo. O paraíso do fast food
(Pizza Hut, Mcdonald´s, Casa de Sandes, Pain and Company, Casa de Sopas,
Sorveteria Olá), entre outras marcas. Alguns apostam no jeito françês (Maison Crêpes)
e outros no misto de comida portuguesa e brasileira. E assim finalizamos o percurso
na cidade do Porto.
Este percurso nos propiciou um contanto com várias realidades
que tangenciam o fenômeno da alimentação no ambiente público, com ênfase,
sobretudo, na restauração. No caso do percurso realizado, muito mais do que a
qualidade da comida em si, a decisão pelas escolhas dos restaurantes entre o Cais de
Gaia e Cais da Ribeira se dá pelo o atrativo turístico do lugar. Portanto, percebemos
que outros fatores tangenciam as questões alimentares que dizem respeito ao
turismo, à arquitetura dos estabelecimentos, à arqueologia, ou seja, à história e às
tradições locais dos regimes alimentares, o que inclui à religiosidade e a percepção
sobre os tipos de oferta alimentar do contexto cultural observado.
A narrativa fotoetnográfica embora pareça homogênea no contínuo do
percurso realizado, mostra uma realidade híbrida na tensão entre o moderno e
tradicional, bem estratificada pelos preços dos estabelecimentos, sendo esta uma
marca característica dos contextos das sociedades de consumo, do qual Portugal é
parte.
O sistema publicitário, presente no mobiliário urbano, nas
formas artesanais de divulgar menus e os estabelecimentos de restauração dão
informações e opções para escolha dos indivíduos de acordo com suas posses
econômicas. O preço, variável entre os estabelecimentos para as refeições é o
aspecto que define a segmentação e faz a diferenciação social. Além disso, percebe-
se que a oferta dos alimentos nas ruas é sempre calórica e favorece, na maioria dos
registros, os sentidos hedônicos da alimentação, não apresentando uma
preocupação com o aspecto nutricional.
Este percurso no terreno ilustra um exercício do olhar flutuante para a
construção de um discurso fotoetnográfico que buscou apresentar o que há de
particular e de universal no contexto do Porto em Portugal. Esses aspectos, com suas
particularidades também são verificados no percurso em Lisboa e no Algarve. Isso
nos permitiu perceber também uma considerável presença brasileira na cultura
alimentar contemporânea deste país, dada pela picanha, pela feijoada à brasileira,

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pela caipirinha pelos restaurantes por peso self-service em todos os shoppings centers
do país e pela presença de algumas marcas nacionais do Brasil como guaraná
Antártica, entre outros exemplos.
Tudo isso nos faz pensar sobre fluxos contínuos interculturais entre esses dois
países lusófonos que se estendeu para além do período colonial, visto que hoje os
brasileiros constituem a principal massa de imigrantes em Portugal. A alimentação foi
o universo explorado ao longo de nossos estudos de pós-doutoramento, que foi
além deste trabalho de campo, também contemplando a comparação entre a
publicidade brasileira e portuguesa de alimentos (Trindade, 2008), o que neste artigo,
em função dos seus objetivos, não foi possível discutir. .
A narrativa visual realizada revela, em suas imagens (ainda que apresentada
aqui na mediação do relato verbal escrito), por sua abrangência, a abertura de
inúmeros caminhos às análises etnológicas e interdisciplinares sobre os aspectos
registrados, que devem ser aprofundados caso a caso, dentro da perspectiva de
construção do saber antropológico, visualmente construído, com base em um
trabalho etnográfico, como foi o caso do exemplo do percurso realizado na cidade
do Porto.

Referências Bibliográficas
ACHUTTI, L. E. R. (2004): Fotoetnografia. Porto Alegre, Ed.UFRGS/Tomo Editorial.

PÉTONNET, C. (1982): “L’observation flottante. L’exemple d’un cimetière parisien” en


la Revista L’Homme. Paris, 22, 4, 1982. pp: 37-47.

POULAIN, J-P. (2002): Sociologie de l´alimentation. Les mangeurs et l´espace social


alimentaire. Paris, Press Universitaire de France.

TRINDADE, E. (2008): Um olhar etnográfico sobre a publicidade: aspectos da cultura


e do consumo alimentar no Brasil e em Portugal. Porto, LABAV/Universidade Aberta.
Relatório de Estágio Docente no Exterior – Pós-doutorado. Supervisão do Professor
Doutor José da Silva Ribeiro.

URRY, J. (1996): O olhar turista. Lazer e viagens na sociedade contemporânea. São


Paulo, SESC/NOBEL. Trad. Carlos Eugênio Marcondes de Moura.

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