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Provocações
eleitoreiras
EugênioBucci

Em clima de comício, o presi- campanha. Segundo, que fosse palanques como serviçais das
dente da República vem sol- possível um presidente da Re- elites, as mesmas elites que o
tando o verbo. Mais que isso: pública se afastar, sendo que perseguem porque ele era me-
ele vem “iscando” o verbo pode não ter o vice-presidente talúrgico. É assim que ele pede
contra os desafetos – os que para exercer o mandato. Não votos em Dilma: votos contra
se recusam a aplaudi-lo e a teria cabimento, não teria lógi- os jornais, que só gostam de
obedecer-lhe. Lula repele ca, seria uma irresponsabilida- “desgraça”; votos a favor das
com aspereza qualquer ques- de com o mandato que foi me inaugurações de obras.
tionamento. Quando escuta o dado pelo povo brasileiro.” A provocação mais recente
que não quer, fala o que bem A declaração mais confessio- veio a público há dois dias. Des-
quer, do jeito e no volume nal veio em seguida: “Achar sa vez, as vítimas foram os de-
que bem entende. Não que es- que eu me afastando posso aju- fensores dos direitos humanos
teja destemperado, de modo dar mais um candidato do que em Cuba. Na terça-feira, de-
algum. Sempre, em se tratan- estando da Presidência seria di- pois de receber de dissidentes
do dele, há malícia por trás minuir o mandato. Se fosse as- cubanos um pedido para que
da emoção. Na atual tempora- sim, quem não tivesse manda- ajudasse na libertação de 20
da, seu propósito é mostrar to teria mais força política do presos políticos, Lula concedeu
que manda, que nada o cons- que eu que tenho.” uma entrevista à agência de no-
trange, que nenhuma força Ou seja, mandato a gente tícias Associated Press. Uma
nacional tem estatura para usa para eleger sucessor. Mais vez mais, defendeu Havana.
modular seu tom de voz. explícito, impossível. O chefe de Uma vez mais, usou os irmãos
Lula calcula. Se anda meio Estado garantiu: usará a força Castro para pirraçar os defen-
desbocado, não é por descon- do mandato que lhe foi confiado sores dos direitos humanos na
trole, mas por premeditação: para fins eleitorais. É o seu mo- ilha e, de bandeja, para afagar
para ostentar soberania to- do de mandar um recado a os militantes da esquerda totali-
tal, para provar que fala e quem pretenda fiscalizar a sua tária, que serão úteis na campa-
acontece, para deixar claro conduta: não se vai submeter nha presidencial. Nada é de gra-
que controla, mas não é con- ao crivo dos que alertam contra ça. Nada é espontâneo.
trolado. É assim que promete o uso eleitoral da máquina públi- “Temos de respeitar a deter-
eleger Dilma Rousseff. No ca. É como se esses alertas não minação da Justiça e do gover-
exercício do cargo, é o cabo interessassem ao povo e servis- no cubano, de prender as pes-
eleitoral mais loquaz do Bra- sem apenas para atrasar obras soas em função da lei de Cuba,
sil – e ai de quem reclamar. e inibir autoridades. assim como quero que respei-
A estratégia, por sinal, já O presidente não deixa por
foi expressamente declara- menos. Onde ecoam as críticas
da. Há menos de uma sema- que recebe? Na imprensa? Não Lula age assim para
na, em entrevista a emisso- seja por isso: ele trata de fusti-
ras de rádio de Juazeiro (BA) gá-la sempre que pode. Nesta dividir o País
e Petrolina (PE), quando ne- segunda-feira, aconteceu de no- e tirar vantagem
gou peremptoriamente a in- vo. Durante uma inauguração da polarização
formação de que pretenderia da Rocinha, no Rio de Janeiro,
licenciar-se do cargo para se Lula bateu: “A imprensa brasi-
dedicar aos palanques em leira, por hábito ou por desvio, tem o Brasil”, declarou ele.
tempo integral, o presidente não gosta de falar em obras “Gostaria que não houvesse
da República foi mais que di- inauguradas. Ou seja, coisa boa (presos políticos), mas não posso
reto: “Seria descabido você não interessa, o que interessa é questionar as razões pelas
imaginar que um presidente desgraça.” quais Cuba os deteve, como
da República fosse pedir li- Não se trata apenas de uma tampouco quero que Cuba
cença do cargo mais impor- generalização corriqueira, mas questione as razões pelas quais
tante do Brasil para fazer de uma generalização totalizan- há pessoas presas no Brasil.”
te e perigosa: a impren- Detalhe perverso: o presi-
sa (ela toda) gosta de dente do Brasil é puro zelo
desgraça. Na véspera, a quando se trata de não opinar
publicação de uma notí- sobre questões internas de
ARES cia sobre a presença de
sua candidata nas festivi-
Cuba, mas não tem a menor ce-
rimônia em censurar os encar-
LOREDANO dades do lançamento de cerados, indefesos, que fazem
um hospital no Rio, cons- greve de fome. “Greve de fome
truído sem verbas fede- não pode ser utilizada como um
rais, irritara o Planalto. pretexto de direitos humanos
Em seu discurso inflama- para libertar pessoas.” Além de
do, o presidente deu o passar um pito em todos eles,
troco. Reclamou daque- comparou-os a criminosos co-
la parte da sociedade muns: “Imagine se todos os ban-
que “não aceita que um didos que estão presos em São
metalúrgico seja presi- Paulo entrassem em greve de
dente da República e fome e pedissem libertação.”
que tenha feito mais do Por que escarnecer dos pre-
que eles”. Que parte da sos cubanos? Por que atacar a
sociedade seria essa? Lu- imprensa de forma tão agressi-
la não responde clara- va? Por que alardear o uso do
mente, mas suas falas cargo público para fins eleito-
não deixam dúvida: essa rais? Elementar: Lula age as-
parte seria aquela forma- sim para brandir o cetro em
da pelo PSDB de Fernan- praça pública. Para mostrar
do Henrique Cardoso e que tem poder. Para intimidar
pelos donos dos meios os descontentes. Para acirrar
de comunicação, sem os ânimos. Para dividir o País e
uma exceção sequer. A tirar vantagem da polarização.
esses, a todos esses, “coi- E principalmente para, no exer-
sa boa não interessa”. cício do mandato, eleger Dil-
Com essa retórica, Lu- ma. Nem que seja no berro. ●
la vem pregando a anti-
patia contra jornais e jor- Eugênio Bucci, jornalista,
nalistas, retratados nos é professor da ECA-USP

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