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Teologia

Dogmática Ortodoxa.
Protopresbítero Michael Pomazansky (1888—1988)

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior.

Conteúdo:

Introdução.

A. As Fontes da Doutrina Cristã.

A preocupação da Igreja com a pureza do ensinamento Cristão. Dogmas. As


fontes dos dogmas. Sagrada Escritura Tradição Sagrada. A Consciência
Católica da Igreja. Dogmas e Canons. Os Trabalhos dos Santos Padres. As
verdades da fé nos Ofícios Divinos.

B. Exposições do Ensinamento Cristão.

Os livros simbólicos. Sistemas dogmáticos.

C. Teologia Dogmática.

Dogmáticas e fé. Teologia, Ciência e Filosofia.

Parte I. Deus em Si Próprio.

1. Nosso conhecimento de Deus.

O dogma da fé. Crença ou fé como um atributo da alma. O poder da fé. A


fonte da fé.

A natureza de nosso conhecimento de Deus

A essência de Deus. Os atributos de Deus. Sagrada Escritura concernente


aos atributos de Deus. Deus é Espírito. Eterno. Boníssimo. Onisciente.
Justíssimo. Todo Poderoso (Onipotente) Onipresente. Imutável. Auto-
suficiente e todo bem-aventurado. A unidade de Deus.
2. O dogma da Santíssima Trindade.

Introdução. Indicações da Trindade no Velho Testamento. O ensinamento da


Santíssima Trindade no Novo Testamento. O dogma da Santíssima Trindade
na Igreja Antiga Os atributos pessoais das Pessoas Divinas. O nome da
Segunda Pessoa — O Verbo. Sobre a Processão do Espírito Santo. A
igualdade da Divindade das Pessoas da Santíssima Trindade. A Unicidade
da Essência; a Igualdade da Divindade; e a Igualdade de Honra de Deus, o
Filho, com Deus o Pai. A Igualdade de honra e a Divindade do Espírito
Santo. Transição para a Segunda Parte da Teologia Dogmática.

Parte II. Deus Manifestado no Mundo.

Deus e a Criação.

Introdução. O modo de criação do mundo. O motivo para a criação. A


perfeição da criação.

O Mundo Angélico.

Anjos na Sagrada Escritura. A criação dos Anjos. A natureza dos Anjos. O


grau de perfeição angélica. O número e os graus dos Anjos. O ministério dos
Anjos.

Homem — A Coroa da Criação.

A alma como uma substância independente. A origem das almas. A


imortalidade da alma. Alma e espírito. A imagem de Deus no homem. O
propósito do homem.

Da criação à majestade do Criador.

3. A Providência de Deus.

A providência de Deus sobre o mundo. A Providência de Deus sobre o


homem antes da queda.

5. A Respeito da Malignidade e do Pecado. Malignidade e pecado no mundo. A


queda do mundo Angélico: os espíritos Malignos Queda do homem no pecado.

Porque a queda do homem no pecado foi possível? A história da queda no


pecado. O que foi o pecado ao comer o fruto. As conseqüências morais da
queda. As conseqüências físicas da queda. Infortúnios e morte como castigo
pedagógico de Deus. A perda do Reino de Deus. A misericórdia de Deus
para com o homem decaído.
6. Deus e a Salvação do Homem.

A economia de nossa salvação.

A preparação para receber o Salvador. A encarnação do Filho de Deus.

O Senhor Jesus Cristo: Deus verdadeiro. A natureza humana do Senhor


Jesus Cristo. Os erros a respeito das duas naturezas de Jesus Cristo. As duas
naturezas em Jesus Cristo. A natureza humana sem pecado de Jesus Cristo.
A adoração una de Cristo. Sobre o culto latino do "Coração de Jesus."

Dogmas à respeito da Santíssima Virgem Maria.

A. A Perene Virgindade da Theokotos. B. A Santíssima Virgem Maria é


Theotokos. O Dogma Católico Romano da Imaculada Conceição. O culto do
"Imaculado Coração" da Santíssima Virgem.

O dogma da Redenção.

O Cordeiro de Deus.

A economia geral da salvação.

A. A condição do mundo antes da vinda do Salvador. B. A salvação do


mundo em Cristo. O renascimento pessoal e a nova vida em Cristo. A
palavra "redenção" no uso dos Apóstolos. Uma nota sobre o ensinamento
Católico Romano.

O triplo ministério do Senhor.

A. Cristo o Sumo Sacerdote. B. Cristo o Evangelizador (Seu ministério


profético). C. Cristo o Rei do mundo (Seu ministério real). A deificação da
humanidade em Cristo.

A Ressurreição de Cristo. Os frutos salvíficos da Ressurreição de Cristo.

A. A vitória sobre o inferno e a morte. B. O Reino de Cristo e a Igreja


triunfante. C. O estabelecimento da Igreja.

7. A Igreja de Cristo.

O conceito da Igreja de Cristo na terra. O início e o propósito da Igreja. A


Cabeça da Igreja. A ligação íntima entre a Igreja na terra e a Igreja no céu.

Atributos da Igreja.
Sua unidade. Sua santidade. Sua catolicidade. A Igreja Apostólica.

A hierarquia da Igreja.

Apóstolos. Bispos. Presbíteros (padres). Diáconos. Os três degraus da


hierarquia. Os Concílios da Igreja. A ininterruptibilidade do episcopado. O
aspecto pastoral da Igreja.

8. Os Santos Mistérios ou Sacramentos. A vida da Igreja no Espírito Santo.

A nova vida. A graça Divina. A providência de Deus e a graça.

Os Mistérios ou Sacramentos.

Batismo.

O estabelecimento do Mistério do Batismo. O significado do Mistério. Os


meios de realização do Mistério. A indispensabilidade do Batismo. Batismo:
a porta para a recepção de outros dons.

Crima.

Os meios originais de execução desse Mistério. Crisma e santificação.

A Eucaristia.

As palavras do Salvador sobre esse Mistério. O estabelecimento do Mistério


e sua execução nos tempos apostólicos. A mudança do pão e vinho no
Mistério da Eucaristia. A maneira pela qual Jesus Cristo permanece nos
Santos Dons. A Eucaristia e a Cruz. O significado da Eucaristia como um
sacrifício. Conclusões de um caráter litúrgico. A necessidade da Comunhão.

Arrependimento.

A Instituição do mistério. Epitimia (Penitência). A visão Católica Romana.

Sacerdócio.

Cheirotonia (na Igreja Antiga). "Eleição" e "Ordenação" na Igreja Antiga. A


Essência e as Palavras da Efetuação do Mistério. O celibato dos Bispos.

Matrimônio.

O Propósito da Família Cristã. O Significado do Mistério. O Momento


Central do Mistério. Matrimônio como Instituição Divina. A
Indissolubilidade do Matrimônio.
Santa Unção.

A Essência do Mistério. A Divina Instituição do Mistério. Unção Entre os


Protestantes e Católicos Romanos.

9. Oração Como Expressão da Vida na Igreja.

A Ligação Espiritual dos Membros da Igreja. Orações Para os Mortos.


Comunhão com os Santos. O lado exterior da Oração. A veneração dos
ícones. A veneração das santas relíquias.

O Caminho do Cristão.

A cruz de Cristo: O caminho e poder da Igreja.

10. Escatologia Cristã.

O futuro do mundo e do genero humano. O destino do homem após a morte.


Sobre as Questões dos "Pedágios." Aqui nos aproximamos do assunto dos
pedágios.

Os sinais da Segunda Vinda do Senhor.

A segunda vinda do Filho do Homem.

A ressurreição dos mortos.

O erro do quiliasmo. O final do mundo. O julgamento final. O Reino da


Glória.

Apêndices.

Novas correntes no pensamento filosófico-teológico Russo.

A questão do desenvolvimento dogmático. Filosofia e Teologia. Sobre o


sistema religioso-filosófico de Vladimir S. Soloviev. O ensinamento da
Sabedoria de Deus na Sagrada Escritura.

A glorificação dos Santos.

Introdução. Testemunhos do Início da Igreja. Mártires e Ascetas. Prática


Russa. Necessidade de Alta Autoridade. Conclusão.
Introdução.
As fontes da doutrina Cristã. A preocupação da Igreja com a pureza do ensinamento
Cristão. Dogmas. As fontes dos Dogmas. Sagrada Escritura. Tradição sagrada. A
consciência católica da Igreja. Dogmas e canons. Os trabalhos dos Santos Padres. As
verdades da fé nos ofícios Divinos.

Exposições dos ensinamentos Cristãos. Os livros simbólicos. Sistemas dogmáticos. C.


Teologia dogmática. Dogmáticas e fé. Teologia, Ciência e Filosofia.

A. As Fontes da Doutrina Cristã.


A preocupação da Igreja com a pureza do ensinamento Cristão.

Desde os primeiros dias de sua existência, a Santa Igreja de Cristo tem se preocupado sem
cessar que seus filhos, seus membros, permaneçam firmes na pureza da fé.

"Não tenho maior gozo do que este: o de ouvir que os meus filhos andam na verdade"
escreve o santo Apóstolo João, o Teólogo (3 Jo 4). "...escrevi abreviadamente, exortando e
testificando que esta é a verdadeira graça de Deus, na qual estais firmes" (1 Ped 5:12) diz o
santo Apóstolo Pedro concluindo sua epístola católica. ("Católica" significado "universal,"
é o nome aplicado para as Epístolas do Novo Testamento (as de Tiago, Pedro, Judas e João)
que foram endereçadas, não para indivíduos ou Igrejas locais (como são todas as Epístolas
de São Paulo), mas para toda a Igreja ou para fiéis em geral).

O Santo Apóstolo Paulo relata a respeito de si próprio que, tendo pregado por quatorze
anos, ele foi para Jerusalém, por revelação, com Barnabé e Tito, e lá ele ofereceu —
especialmente para os cidadãos mais renomados — o evangelho que ele pregava, "para ele
que de maneira alguma não corresse ou não tivesse corrido em vão." "Conduz-nos pelos
Teus caminhos, a fim de que caminhemos em Tua Verdade," — é a primeira petição nas
orações dos padres (orações que são lidas em silêncio pelo padre em frente às Portas Reais
enquanto o Salmo 104 é cantado) durante o Primeiro Ofício do ciclo diário, Vésperas.

O verdadeiro caminho da fé que foi sempre cuidadosamente preservado na história da


Igreja, é de há muito tempo chamado de direto, reto, em grego, orthos — isso é,
"ortodoxia." No Saltério — do qual como nós sabemos da história nos divinos Ofícios
Cristãos, a Igreja foi inseparável desde o primeiro momento de sua existência — nós
achamos frases como as seguintes — "e tenho andado na Tua verdade" (Salm 26:3); "Saia a
minha sentença diante do Teu rosto" (Salm 17:2); "aos retos convém o louvor" (Salm 33:1);
e existem outras. O Apóstolo Paulo instrui Timóteo a apresentar-se perante Deus "como
obreiro que não tem do que se envergonhar, dividindo justamente a palavra da verdade (isto
é, cortando justamente com um cinzel, do grego orthotomounta; 2 Tim 2:15). Na literatura
Cristã dos primeiros tempos há uma constante menção a se manter a "regra da fé," a "regra
da verdade." O próprio termo "ortodoxia" foi largamente usado mesmo na época anterior
aos Concílios Ecumênicos, a seguir na terminologia dos próprios Concílios Ecumênicos, e
nos Padres da Igreja tanto no Oriente quanto do Ocidente.

Lado a lado com o caminho direto, ou reto da fé sempre existiram aqueles que pensaram
diferentemente (heterodoxountes, ou "heterodoxos" na expressão de Santo Inácio, o
Teóforo), uma palavra usada para maiores ou menores erros entre os Cristãos, é às vezes
mesmo para sistemas completamente incorretos que tentaram explorar no meio dos Cristãos
Ortodoxos. Como resultado da procura pela verdade, ocorreu divisões entre os Cristãos.

Tornando-nos familiarizados com a história da Igreja, e da mesma forma observando o


mundo contemporâneo, vemos que os erros que guerrearam contra a Verdade Ortodoxa
apareceram e aparecem a) sob a influência de outras religiões, b) sob a influência da
filosofia, e c)através das fraquezas e inclinações da natureza humana decaída, que procura
os direitos e justificativas dessas fraquezas e inclinações.

Os erros criam raízes e se tornam obstinados mais freqüentemente por conta do orgulho
daqueles que os defendem, por causa do orgulho intelectual.

Dogmas.

Assim para guardar o reto caminho da fé, a Igreja teve que forjar formas restritas para a
expressão das verdades da fé: ela teve que construir as fortalezas da verdade para o repúdio
de influências estranhas à Igreja. As definições da verdade, declaradas pela Igreja têm sido
chamadas, desde os dias dos Apóstolos, dogmas. Nos Atos dos Apóstolos nós lemos sobre
os Apóstolos Paulo e Timóteo que "quando iam passando pelas cidades, lhes entregavam,
para serem observados, os decretos (Dogmas) que haviam sido estabelecidos pelos
apóstolos e anciãos em Jerusalém" (At. 16:4; aqui a referência é para os decretos do
Concílio Apostólico que é descrito no capítulo quinze dos Atos dos Apóstolos). Entre os
antigos gregos e romanos a palavra dogmat era usada para se referir a a) conceitos
filosóficos, e b) diretivas que deveriam ser precisamente atendidas. No entendimento
Cristão, "Dogmas" são o oposto de "opiniões," que são concepções pessoais inconstantes.

As fontes dos dogmas.

Em que são baseados os dogmas? É claro que os dogmas não são baseados nas concepções
racionais de indivíduos separados, ainda que esses sejam Padres e Professores da Igreja,
mas sim nos ensinamento das Sagradas Escrituras e na Sagrada Tradição Apostólica. A
verdades da fé que estão contidas nas Sagradas Escrituras e na Sagrada Tradição Apostólica
dão a totalidade do ensinamento que foi chamada pelos antigos Padres da Igreja de "fé
católica," de "ensinamento católico" da Igreja. (Em tais frases a palavra "católica" significa
"universal," referindo-se à Igreja de todos os tempos, povo e lugares, "onde não há grego
nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre, mas Cristo é tudo
em todos" (Col 3:11). Uma célebre definição de "católica" na Igreja dos primeiros tempos
foi dada por São Vicente de Lerins, o Padre monástico da Gália no século quinto, que em
seu Communitorium disse: "Todo cuidado deve ser tomado para mantermos firmes aquilo
que foi creditado em todos os lugares, sempre e por todos. Isso é verdadeiramente e
propriamente "católico" como indicação pela força e etimologia da palavra em si que
compreende tudo que é verdadeiramente universal" (capítulo 2, Fathers of the Church
edition, p. 270). O nome de "católica" foi mantido desde os primeiros tempos na Igreja
"católica romana," mas os ensinamentos da Igreja do início foram preservados na Igreja
Ortodoxa, que mesmo até os dias de hoje pode ser e ainda é chamada de "católica" em
muitos lugares desse livro, Padre Michael estará contrastando os ensinamentos do
Catolicismo Romano com aqueles da verdadeira Igreja católica ou Ortodoxa). As verdades
da Escritura e Tradição, harmoniosamente fundidas em um único todo, definem a
"consciência católica" da Igreja, uma consciência que é guiada pelo Espírito Santo.

Sagrada Escritura

Por "Sagrada Escritura" entende-se os livros escritos pelos santos Profetas e Apóstolos sob
a ação do Espírito Santo; assim eles são chamados de "divinamente inspirados." Eles são
divididos em livros do Velho Testamento e livros do Novo Testamento.

A Igreja reconhece 38 livros do Velho Testamento segundo o exemplo da Igreja do Velho


Testamento (Apesar da Igreja no estrito senso ter sido estabelecida somente com a vinda de
Cristo (ver Mt. 16:18), existiu num certo sentido uma "Igreja" também no Velho
Testamento, composta por todos aqueles que olhavam com esperança para a vinda do
Messias. Depois da morte de Cristo na Cruz, quando ele desceu ao inferno e ". ..pregou aos
espíritos em prisão" (1 Pe 3:19), Ele levou para cima os justos do Velho Testamento com
Ele para o Paraíso, e nesse dia a Igreja Ortodoxa celebra os dias de festa dos Santos Pais do
Velho Testamento, dos Patriarcas e dos profetas igual celebra os dias de festa dos santos no
Novo Testamento), muitos nesses livros são reunidos para formar um só, fazendo o número
cair para vinte e dois livros, de acordo com o número de letras do alfabeto hebreu. (Os 22
livros "canônicos" do Velho Testamento são: 1. Gênesis, 2. Êxodo, 3. Levítico, 4.
Números, 5. Deuteronômio, 6. Josué, 7. Juizes e Ruth, considerado como um só, 8.
Primeiro e Segundos Reis (chamados de primeiro e segundo Samuel na versão de King
James),9. Terceiro e Quarto Reis (Primeiro e Segundo Reis na versão de King James) 10.
Primeiro e Segundo Paralipômenos (Primeira e segunda Crônicas na versão de King
James), 11. Primeiro Esdras e Neemias, 12. Ester, 13. Jô, 14. Salmos, 15.Provérbios, 16.
Eclesiastes, 17. Cantares de Salomão, 18.Isaias, 19. Jeremias, 20. Ezequiel, 21. Daniel, 22.
Os Doze Profetas (Oséias, Joel, Amos, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias,
Ageu, Zacarias, Malaquias). Esta é a lista dada por São João Damasceno na Exact
Exposition of the Christian faith, p 375). Esses livros, que entraram em algum tempo no
cânon hebreu, são chamados de "canônicos" (A palavra "canônico" aqui tem um significado
específico com referencia aos livros das Escrituras e assim deve ser distinguido do uso mais
usual da palavra na Igreja Ortodoxa, onde ela não se refere ao "cânon" da Escritura, mas
sim aos "canons" ou leis proclamadas nos Concílios da Igreja. Nesse sentido, "canônico"
significa somente "incluído no canon hebreu" e "não canônico" significa somente "não
incluído no cânon hebreu" (mas ainda aceito pela Igreja como Escritura). No mundo
Protestante os livros "não canônicos" do velho Testamento são normalmente chamados de
"Apócrifos," freqüentemente com uma conotação pejorativa, ainda que eles tenham sido
incluídos nas primeiras impressões da versão de King James, e uma lei de 1615 na
Inglaterra até mesmo proibiu que as Escrituras fossem impressas sem esses livros. Na Igreja
Católica Romana desde o século XVI os livros não-canônicos tem sido chamados de
"Deuterocanônico" — isto é — pertencendo a um "segundo" ou tardio cânon da Escritura.
Na maioria das traduções da Bíblia que incluem os livros "não-canônicos," eles são
colocados juntos dos livros canônicos; mas em impressões antigas em países ortodoxos não
há distinção entre livros canônicos e não canônicos, veja-se por exemplo a Bíblia
Eslavônica impressa em São Petesburgo em 1904, e aprovada pelo Santo Sínodo). A eles
são juntados um grupo de livros "não-canônicos" — isto é, aqueles que não foram incluídos
no cânon hebreu porque eles foram escritos após o fechamento do cânon dos Livros
Sagrados do Velho Testamento. (Os livros "não-canônicos" do Velho Testamento aceitos
pela Igreja Ortodoxa são aqueles do "septuaginto" — a tradução grega do Velho
Testamento feita pelos "setenta" eruditos que, de acordo com a tradição foram enviados de
Jerusalém para o Egito atendendo a pedido do rei egípcio Ptolomeu II no terceiro século
B.C. para traduzir o Velho Testamento grego. Os originais hebreus da maioria dos livros, e
a maioria dos livros foram compostos somente nos últimos séculos antes de Cristo. Os
livros "não-canônicos" do Velho Testamento: Tobias, Judith, Sabedoria de Salomão,
Eclesiástico ou a Sabedoria de Josué o filho de Sirach, Baruch, três livros dos Macabeus, a
Epístola de Jeremias, Salmo 151, e as adições aos Livros de Ester, de duas Crônicas (a
Oração de Manasses), e de Daniel (a Canção dos Três Meninos, Suzana e Bel e o Dragão)
A Igreja aceita esses livros mais tardios como úteis e instrutivos e antigamente indicava-os
para leitura instrutiva não só nos lares mas também nas Igrejas, por isso é que eles foram
chamados de "Eclesiásticos." A Igreja inclui esses livros num só volume junto com os
livros canônicos. Como uma fonte de ensinamento na fé, a Igreja os coloca em posição
secundária e olha-os como um apêndice aos livros canônicos. Alguns deles estão tão perto
em mérito dos livros devidamente inspirados que, por exemplo no 85º cânon apostólico (os
Canons Apostólicos, dos Santos Apóstolos são uma coleção de 85 canons Eclesiásticos ou
leis vindas dos Apóstolos e seus sucessores e aos quais foi dada a provação oficial pela
Igreja no Concílio de Quinsexto, em Trullo em 692, e no primeiro cânon do Sétimo
Concílio (787). Alguns desses canons foram citados e aprovados em Concílios Ecumênicos
a começar pelo Primeiro Concílio em 325, mas a coleção completa de todos os canons
juntos provavelmente não foi completada antes do 4º século. O nome apostólico não
necessariamente significa que todos os canons ou a coleção deles foram feitas pelos
próprios Apóstolos, mas somente que eles estão de acordo com a tradição legada pelos
Apóstolos (assim como nem todos os "Salmos de Davi" foram na verdade escrito pelo
profeta Davi). Para o texto dos 85 cânon, ver Eerdemans Seven Ecumenical Councils, p.
594-600. O cânon Apostólico nº 85 lista os livros canônicos do Velho e Novo Testamento).
Os três livros de Macabeus e o livro de Josué o filho de Sirach são listados juntos com os
livros canônicos, e, a respeito de todos eles juntos, é dito que são "veneráveis e santos." No
entanto, isso só significa que eles eram respeitados na Igreja antiga; mas uma distinção
entre os livros canônicos e os não-canônicos do Antigo Testamento foi sempre mantida na
Igreja.

A Igreja reconhece 27 livros canônicos do Novo Testamento. (Esses livros são: os 4


Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João; os Atos dos Apóstolos; as Sete Epístolas
Católicas (uma de Tiago, duas de Pedro, três de João e uma de Judas); catorze Epístolas do
Apóstolo Paulo (Romanos, Primeira e Segunda aos Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses,
Colossensses, Primeira e Segunda Tessalônica, Primeira e Segunda Timóteo, Tito, Filemon,
Hebreus); e o Apocalipse (Revelação) de São João Teólogo e Evangelista). Como os livros
sagrados do Novo Testamento foram escritos em vários anos da era apostólica e foram
enviados pelos Apóstolos para vários pontos da Europa e Ásia, e alguns deles não tiveram
uma designação refinada para nenhum lugar específico, o ajuntamento deles em uma única
coleção ou código não poderia ser um assunto fácil; foi necessário manter uma vigilância
estrita entre os livros de origem apostólica pois poderia haver entre eles alguns dos assim
chamados livros "apócrifos," que em sua maior parte foram compostos em ciclos heréticos.
Por isso, os padres e professores da Igreja, durante os primeiros séculos do Cristianismo
mantiveram uma precaução especial em distinguir esses livros ainda que eles portassem o
nome dos Apóstolos. Os padres da Igreja freqüentemente introduziram certos livros em
suas listas com reservas, com incertezas e dúvidas, ou ainda por essa razão deram uma lista
incompleta dos Livros Sagrados. Isso foi inevitável e serve como memorial para essa
precaução excepcional nesse assunto santo. Eles não confiaram em si próprios mas
esperaram pela voz universal da Igreja. O Concílio de Cartago que foi local, em 318, em
seu cânon 33, enumera todos os livros do Novo Testamento sem exceção.

Santo Atanásio, o Grande nomeia todos os livros do Novo Testamento sem a mínima
dúvida ou distinção, e em uma das suas obras ele concluiu sua lista com as seguintes
palavras:" Prestem atenção no número dos livros canônicos do Novo Testamento. Eles são,
como foram, o começo, as ancoras e pilares da nossa fé, porque eles foram escritos pelos
próprios Apóstolos de Cristo, o Salvador que estiveram com Ele e por Ele foram instruídos
(da Synopsis de Santo Atanásio). Da mesma forma São Cirilo de Jerusalém também
enumera os livros do Novo Testamento sem o mais leve reparo ou qualquer tipo de
distinção entre eles na Igreja. A mesma lista completa encontrada entre os escritores
eclesiásticos ocidentais, por exemplo Santo Agostinho. Assim, o cânon completo dos livros
do Novo Testamento da Sagrada Escritura foi confirmado pela voz católica da Igreja toda.
Essa Sagrada Escritura, na expressão de São João Damasceno, é o "Paraíso Divino" (Exact
Exposition of the Ortodox Faith, Livro 4, Cap 17, Eng. Tr. p. 374).

Tradição Sagrada.

No significado original preciso da palavra, Tradição Sagrada é a tradição que vem da antiga
Igreja dos tempos Apostólicos. Do segundo ao quarto século isso foi chamado de "A
Tradição Apostólica."

Deve-se ter em mente que a Igreja primitiva guardava cuidadosamente a vida interior da
Igreja daqueles que estavam fora delas; seus Santos Mistérios eram secretos, mantidos fora
dos conhecimentos dos não-cristãos. Quando esses Santos Mistérios eram realizados —
Batismo ou a Eucaristia — aqueles que não eram da Igreja não estavam presentes; a ordem
dos ofícios não era escrita mas só transmitida oralmente; e no que era preservada em
segredo estava contido o lado essencial da fé. São Cirilo de Jerusalém (4º século) nos
apresenta isso de maneira especialmente clara. A respeito de instruções Cristãs para aqueles
que ainda não tinham expressado a decisão final de se tornarem Cristãos, o hierarca precede
ensinamentos com as seguintes palavras: "Quando o ensinamento catequético é
pronunciado, se um catecúmeno te perguntar, ‘O que o instrutor disse?’ tu não deves repetir
nada para aqueles que estão sem (Igreja). Pois nós estamos te dando um mistério e
esperança da era futura. Mantenha o Mistério Daquele que é o doador de recompensa, que
ninguém diga a ti ‘Qual é o mal se nós descobrimos também?’ Pessoas doentes também
pedem por vinho, mas se lhes for dado na hora errada ele produz desordem na mente, e
existem duas conseqüências malignas; o doente morre e o médico é difamado" (Prologue to
the Catechetical Lectures, cap. 12).

Em uma de suas homilias seguintes São Cirilo de novo observa: "Incluímos o ensinamento
completo da fé em poucas linhas, E eu desejaria que vocês lembrassem dele palavra por
palavra e deveriam repeti-lo entre vocês com todo fervor, sem escreve-lo em papel, mas
anotando-o por memória no coração. E vocês deveriam precaver-se pelo menos durante o
tempo de vossa ocupação com esses estudos para que nenhum dos catecúmenos venha a
ouvir aquilo que foi passado para vocês" (Fifth Catechetical Lecture, ch. 12). Nas palavras
introdutórias que ele escreveu para aqueles que iriam ser "iluminados" — isto é, aqueles
que já estavam para o batismo — e também para aqueles prestes que eram batizados, ele dá
o seguinte aviso: "Esta instrução para aqueles que estão sendo iluminados é oferecida para
ser lida por aqueles que estão vindo para o Batismo, e também pelos fiéis que já receberam
o batismo; mas de modo nenhum não a dêem nem para catecúmenos nem para qualquer
outro que ainda não se tornara Cristão, senão terão que responder ao Senhor. E se vocês
fizerem cópia dessa leitura catequética, então, como diante do Senhor, copie isso também"
(isso é, o aviso).(fim do Prologue para Catechetical Lectures). (Essas três citações são
encontradas nas Catechetical Lectures, Eerdmans ed. pes. 4, 32, 5. Esse rigor com respeito
a revelação dos Mistérios Cristãos (Sacramentos) para estranhos a Igreja não é mais
preservada em tal nível na Igreja Ortodoxa. A exclamação "Retirai-vos catecúmenos!"
antes da Liturgia dos fiéis ainda é proclamada, é verdade, mas dificilmente em qualquer
lugar do mundo ortodoxo os catecúmenos ou não ortodoxos são instruídos a deixar a Igreja
nesse instante. (Em algumas Igrejas eles são somente solicitados a ficar no fim da Igreja, no
nartex, mais ainda porém observar o ofício). O ponto fulcral dessa ação perdeu-se no nosso
tempo, quando todos os "segredos" dos Mistérios Cristão estão prontamente disponíveis
para quem consegue ler, e o texto de São Cirilo Catechetical Lectures foi publicado em
muitas línguas e edições. No entanto, a grande reverência que a Igreja antiga mostrava
pelos Mistérios Cristãos, preservando-os cuidadosamente do olhar daqueles que eram
meramente curiosos, ou daqueles que, sendo de fora da Igreja e, descompromissados com o
Cristianismo, poderiam interpretar mal ou desconfiar deles — é ainda mantida pelos
Cristãos Ortodoxos de hoje em dia, que ainda são sérios acerca de sua fé, mesmo hoje em
dia não devemos "dá pérolas aos porcos" — falar muito dos Mistérios da Fé Ortodoxa para
aqueles que são só curiosos sobre eles mas que não procuram juntar-se a Igreja).

Nas palavras que se seguem São Basílio, o Grande dá-nos um claro entendimento da
Sagrada Tradição Apostólica: "Dos dogmas e sermões preservados na Igreja, alguns nós
temos por instrução escrita, e alguns nós recebemos da Tradição Apostólica, passados em
segredo. Tanto um quanto outro tem a mesma autoridade para a piedade e ninguém ainda
que seja o menos informado nos decretos da Igreja contradirá isso. Pois se nós ousarmos
subverter os costumes não escritos como se eles não tivessem grande importância, nós
estaremos assim fazendo imperceptivelmente mal aos Evangelhos em seus pontos mais
importantes. E ainda mais, nós seremos deixados como o nome vazio na pregação
Apostólica sem conteúdo. Por exemplo, prestemos atenção especialmente na primeira e
mais comum das coisas que aqueles que esperam no nome de Nosso Senhor Jesus Cristo
devem se assinalar com o Sinal da Cruz. Quem ensinou isso nas Escrituras? Que Escrituras
instrui-nos a rezar voltados para o leste? Qual dos santos nos deixou em forma escrita, as
palavras da invocação durante a transformação do pão da Eucaristia e a benção do Cálice?
Pois não estando satisfeitos com as palavras que são mencionadas nas Epístolas e
Evangelhos, mas antes e depois delas nos pronunciamos que também tem uma grande
autoridade para o Mistério, tendo-as recebido por ensinamento não escrito. Por qual
Escritura, da mesma forma, abençoamos a água do Batismo e o óleo da unção? Não é isso a
silenciosa e secreta tradição? E o que mais? Que palavra escrita nos ensinou essa unção
com óleo? (Isso é, a unção daqueles que estão sendo batizados; a unção do Sacramento da
Unção, de outro lado, é claramente indicado nas Escrituras (Tess 5:14)) Aonde é
encontrada a tripla imersão e todo o resto que tem a ver com o Batismo, a renúncia a
Satanás e seus anjos? De que Escrituras são tomadas? Não é desse ensinamento não
publicado e não falado que nossos padres preservaram em silêncio inacessível a curiosidade
e escrutínio, porque eles foram inteiramente instruídos a preservar em silêncio a santidade
dos Mistérios? Que propriedade teria proclamar por escrito um ensinamento referente
aquilo que não é permitido para os não batizados sequer contemplar?" (On The Holy
Espirit, cap. 27).

Dessas palavras de São Basílio, o Grande devemos concluir: primeiro, que a sagrada
tradição do ensinamento da fé é aquela que pode ser rasteada até o período mais antigo da
Igreja, e segundo, que tenha sido cuidadosamente preservada e unanimente reconhecida
entre os padres e professores durante a época dos grandes padres e o início dos Concílios
Ecumênicos.

Apesar de São Basílio ter dado uma série de exemplos da "tradição oral," ele próprio nesse
mesmo texto deu passos na direção de "gravar" essas palavras orais. Durante a era de
liberdade e no triunfo da Igreja no quarto século, quase toda tradição em geral recebeu uma
forma escrita e está agora preservada na literatura da Igreja, e que resulta num suplemento
da Sagrada Escritura.

Nós encontramos essa antiga sagrada Tradição

• no mais antigo texto da Igreja, os canons dos Santos Apóstolos; (Ver páginas

anteriores nota sobre Canons dos Santos Apóstolos);

• nos símbolos da fé (Credo) das antigas Igrejas locais;


• nos antigos Atos dos mártires Cristãos. Os Atos dos mártires não entravam em uso
pelos fiéis até que eles tivessem sido examinados e aprovados pelos bispos locais; e
eram lidos em reuniões públicas de Cristãos sob a supervisão dos líderes das Igrejas.
Neles nós vemos a confissão da Santíssima Trindade, a Divindade do Senhor Jesus
Cristo, exemplos de invocação de santos, a crença na vida consciente daqueles que
haviam repousado em Cristo, e muito mais;
• nos registros antigos da história da Igreja especialmente no livro de Eusébio
Pamphilo, Bispo de Cesareia (Tradução inglesa: Eusebius: The History of Church from Christ
to Constantine, tradução por G. A. William, Peguin Books, Baltimore, 1965) onde estão reunidas
muitas tradições antigas de rito e dogma — em particular, ali é dado o cânon dos
livros sagrados do Antigo e Novo Testamento;
• nos trabalhos dos antigos padres e professores da Igreja;
• e finalmente, no verdadeiro espírito da vida da Igreja, na preservação da fidelidade a
todas as suas fundações que vem dos Santos Apóstolos.

A Tradição Apostólica que tem sido preservada e guardada pela Igreja pelo simples fato
que ela tem sido mantida pela Igreja, torna-se a própria Tradição da Igreja, "pertence" a ela,
e testifica sobre ela, e, em paralelo à Sagrada Escritura é chamada pela Igreja, "Sagrada
Tradição."

O testemunho da Sagrada Tradição é indispensável para nossa certeza que todos os livros
da Sagrada Escritura nos foram entregues vindos dos tempos Apostólicos e são de origem
apostólica. A Sagrada Tradição é necessária para o correto entendimento de passagens
separadas das Sagradas Escrituras, e para refutar interpretações heréticas, e, em geral, para
evitar interpretações superficiais, unilaterais, e às vezes até mesmo prejudiciais e falsas.

Finalmente, a Sagrada Tradição é também necessária porque algumas verdades da fé são


expressas numa forma completa e definitiva nas Escrituras, enquanto outras não estão
claras e precisas e por isso precisam confirmação pela Tradição Apostólica Romana.

O Apóstolo comanda: "Então, irmãos, estais firmes e retende as tradições que vos foram
ensinadas, seja por palavra, seja por epístola nossa."

Além de tudo isso, a Sagrada Escritura é valiosa porque dela nos vemos como a ordem
completa da organização da Igreja, os canons, os Ofícios Divinos e ritos são enraizados no
modo de vida da Igreja dos tempos antigos. Assim, a preservação da "Tradição" expressa a
sucessão da verdadeira essência da Igreja.

A Consciência Católica da Igreja.

A Igreja Ortodoxa de Cristo é o Corpo de Cristo, um organismo espiritual cuja cabeça é o


Cristo. Ela tem um único espírito, uma única fé comum, uma única e comum consciência
católica, guiada pelo Espírito Santo; e seus raciocínios são baseados nas concretas e
definidas fundações da Sagrada Escritura e da Sagrada Tradição Apostólica. Essa
consciência é expressada nos Concílios Ecumênicos da Igreja. Desde uma profunda
antigüidade Cristã, concílios locais de Igrejas separadas reuniam-se duas vezes por ano, de
acordo com o 37º cânon dos Santos Apóstolos. Da mesma forma, freqüentemente na
história da Igreja existiram concílios de bispos regionais representando uma área mais
ampla do que a de Igrejas individuais e, finalmente concílios de bispos de toda a Igreja
Ortodoxa tanto do Oriente quanto do Ocidente. Tais Concílios Ecumênicos a Igreja
reconhece em número de sete. Os Concílios Ecumênicos também formularam numerosas
leis e regras governando a vida pública e privada da Igreja Cristã, que são os chamados
canons da Igreja, e que requeriam sua observância universal e uniforme. Finalmente, os
Concílios Ecumênicos confirmaram decretos dogmáticos de numerosos concílios locais e
também regras dogmáticas compostas por certos padres da Igreja — por exemplo a
confissão de fé de São Gregório, o Taumaturgo, Bispo de Neo-Cesareia (Para o texto das
"Epístolas Canônicas" de São Gregório, ver Seven Ecumenical Councils, p. 602,
Eedermans), o cânon de São Basílio, o Grande (O texto dos canons de São Basílio é
encontrado no mesmo livro de Eedermans nas p. 604-611), e assim por diante.

Quando na história da Igreja, aconteceu que concílios de bispos permitiram pontos de vistas
heréticos serem expressos em seus decretos, a consciência católica da Igreja foi perturbada
e não foi pacificada até que a autêntica verdade Cristã fosse restaurada e confirmada por
meio de outro concílio (concílios verdadeiros — aqueles que a verdade Ortodoxa — são
aceitos pela consciência católica da Igreja; concílios falsos — aqueles que ensinam heresia
ou rejeitam algum aspecto da Tradição da Igreja — são rejeitados pela mesma consciência
católica. A Igreja Ortodoxa é a Igreja não de concílios como tais, mas dos verdadeiros
concílios, inspirados no Espírito Santo, e que se conformam com a consciência católica da
Igreja). Deve-se lembrar que os concílios da Igreja fizeram seus decretos dogmáticos: a)
depois de um cuidadoso, perfeito e completo exame de todas as passagens da Sagrada
Escritura que tocassem em um determinado assunto, b) então verificando que a Igreja
Ecumênica tivesse entendido as citadas passagens da Sagrada Escritura de modo preciso.
Desse modo os decretos dos concílios concernentes à fé expressam a harmonia da Sagrada
Escritura e a Tradição católica da Igreja. Por essa razão esses decretos tornaram-se, por sua
vez em uma autentica, inviolável, autorizada, Ecumênica e Sagrada Tradição da Igreja,
baseada em fatos da Sagrada Escritura e na Tradição Apostólica.

Certamente, muitas verdades da fé são tão imediatamente claras na Sagrada Escritura que
não foram sujeitas a interpretações heréticas; por isso a respeito delas não há decretos
específicos dos concílios. Outras verdades no entanto foram confirmadas por concílios.

Entre todos os decretos dogmáticos dos concílios, os próprios Concílios Ecumênicos


reconhecem como primário e fundamental o Símbolo da Fé de Nicéia-Constantinopla (O
"Credo" ("creio em um só Deus...) que é cantado em toda Divina Liturgia da Igreja
Ortodoxa e lido em diversos outros lugares nos Divinos Ofícios diários) e eles proibiram
qualquer modificação que fosse, nele, por adição ou subtração (decreto do Terceiro
Concílio Ecumênico, repetido pelo Quarto, Quinto, Sexto e Sétimo Concílios).

Os decretos relativos à fé que foram feitos por inúmeros concílios locais e também certas
exposições de Fé pelos Santos Padres da Igreja, são reconhecidos como guias para toda a
Igreja e são enumerados no segundo cânon do Sexto Concílio Ecumênico (em Trullo; O
"Quinsext" Concílio em Trullo (642) foi de fato reunido onze anos depois do Sexto
Concílio Ecumênico, mas seus decretos são aceitos na Igreja Ortodoxa como a continuação
dos Canons do Sexto Concílio Ecumênico. O texto desses canons pode ser lido no Seven
Ecumenical Council, p. 361, e os canons dos concílios locais e exposições dos Santos
Padres que foram aprovados nesse "cânon" estão impressos no mesmo volume p. 409-519,
584-645).

Dogmas e Canons.

Na terminologia eclesiástica dogmas são as verdades do ensinamento Cristão, as verdades


da fé, e canons são as prescrições: relacionadas com a Igreja, governo da Igreja, obrigações
da hierarquia e do clero da Igreja e de todo o Cristão, que fluem do embasamento moral do
ensinamento evangélico e Apostólico. Cânon é uma palavra grega que significa literalmente
"uma vara reta, uma medida de direção precisa."

Os Trabalhos dos Santos Padres.

Para orientação em questões de fé, para o correto entendimento da Sagrada Escritura, e de


maneira a distinguir a autêntica tradição da Igreja dos falsos ensinamentos, nós apelamos
para os trabalhos dos Santos Padres da Igreja, reconhecendo que a concordância unânime
de todos os padres e professores da Igreja ao ensinar a fé é um indubitável sinal de verdade.
Os Santos Padres permaneceram na fé, não temendo nem ameaças, nem verdades da Fé: 1)
dão precisão à expressão das verdades do ensinamento Cristão e criam a unidade da
linguagem dogmática; 2) acrescentam testemunhos dessas verdades com a Sagrada
Escritura e a Sagrada Tradição e também trazem argumentos baseados na razão. Em
teologia, atenção é dada também para certas opiniões particulares (em grego:
theologoumenaI) dos Santos Padres ou professores da Igreja em questões que não foram
precisamente definitivas e aceitas por toda a Igreja. No entanto, essas opiniões não devem
ser confundidas com dogmas no sentido preciso da palavra. Existem algumas opiniões
particulares de certos padres e professores que não são reconhecidas como estando de
acordo com a fé católica geral na Igreja, e não são aceitas como guias da fé. (Com exemplo
de tais "opiniões particulares," pode-se tomar a opinião errada de São Gregório de Nissa
que o inferno não é eterno e que todos — inclusive os demônios — serão salvos no fim.
Essa opinião foi rejeitada decisivamente no Quinto Concílio Ecumênico por contradizer a
"consciência católica da Igreja," mas o próprio São Gregório é ainda aceito como santo e
Santo Padre na Igreja Ortodoxa e seus outros ensinamentos não são questionados. Sobre a
atitude Ortodoxa para com tais "opiniões particulares" erradas dos padres, e
especificadamente, a respeito dos ensinamentos de Padres como São Photius, o Grande e
São Marcos de Éfeso, ver o artigo "The Plave of Blessed Augustine na Igreja Ortodoxa" em
The Orthodox Word, 1978, nºs. 79 e 80, é impresso também como um livrete separado, São
Herman do Alasca Brotherhood, 1983).

As verdades da fé nos Ofícios Divinos.

A consciência Católica da Igreja, quando ela se preocupa com o ensinamento da fé, também
é expressa nos Divinos Ofícios Ortodoxos que nos foram passados pela Igreja Ecumênica.
Entrando-se profundamente no conteúdo dos livros dos Divinos Ofícios nós nos tornamos
mais firmes no ensinamento dogmáticos da Igreja Ortodoxa. (Deve-se notar que os
compositores e compiladores dos Ofícios Divinos foram freqüentemente grandes teólogos.
Por exemplo, o Octoechos ou livro dos ofícios diários nos Oito Tons, é essencialmente obra
de São João de Damasceno, o Santo Padre do 8º século que reuniu a teologia Ortodoxa da
grande era patrística).

B. Exposições do Ensinamento Cristão.


Os livros simbólicos.
As interpretações do Símbolo da Fé, ou os "Guias Simbólicos" (do grego symballo,
significando "unir"; symbolom um sinal unitivo ou condicional) da Fé Ortodoxa, no
significado comum desse termo, são aquelas exposições de fé Cristã que são dadas no Livro
de Canons dos Santos Apóstolos, nos Santos Concílios Locais e Ecumênicos, e nos Santos
Padres. A teologia da Igreja Russa também faz uso, como livros simbólicos, daquelas duas
exposições de fé que em tempos mais recentes foram evocadas pela necessidade de
apresentar o ensinamento Cristão Ortodoxo contra ensinamentos de confissões não-
ortodoxas no segundo milênio. Esses livros são: A Confissão da Fé Ortodoxa compilada
pelo Patriarca de Jerusalém, Dositeus, que foi lida e aprovada no Concílio de Jerusalém em
1672 e, cinqüenta anos depois, em resposta a uma inquirição recebida da Igreja Anglicana,
foi enviada para essa Igreja em nome do todos os Patriarcas Orientais e por isso ficou mais
conhecida pelo nome de "A Encíclica dos Patriarcas Orientais Sobre a Fé Ortodoxa."
Também incluída nessa categoria está a Orthodox Confession de Peter Mogica, metropolita
de Kiev, que foi examinada e corrigida em dois concílios locais, o de Kiev em 1640 e o de
Jassy em 1643, e então aprovada por quatro Patriarcas Ecumênicos e pelos Patriarcas russos
Joaquim e Adrian. O Catecismo Cristão Ortodoxo do Metropolitan Philaret de Moscou
goza de importância similar na Igreja Russa, particularmente a parte que contem a
exposição do símbolo da fé. Esse catecismo foi "examinado e aprovados pelo Santo Sínodo
e publicado para instrução nas escolas e para o uso de todos os Cristãos Ortodoxos."

Sistemas dogmáticos.

À tentativa de se ter uma exposição compreensiva de todo ensinamento cristão nós


chamamos de "sistema de teologia dogmática." Um sistema dogmático completo, muito
valioso para a teologia Ortodoxa, foi compilado no século oitavo por São João Damasceno
sob o título de Exact Exposition of the Orthodox Faith. Nesse trabalho, pode-se dizer, São
Damasceno reuniu todo o pensamento teológico dos Padres do Oriente e professores da
Igreja até o século oitavo.

Entre os teólogos russos os trabalhos mais completos de teologia dogmática foram escritos
no século dezenove pelo Metropolita Macário de Moscou (Orthodox Dogmatic Theology,
dois volumes), por Philaret, Arcebispo de Chernigov (Orthodox Dogmatic Theology, em
duas partes), pelo Bispo Silvestre, reitor da Academia Teológica de Kiev (Essay in
Orthodox Dogmatic Theology, with a Historical Exposition of the Dogmas, cinco
volumes), pelo Arcipreste N. Malinovsky (Orthodox Dogmatic Theology, quatro volumes e
A Sketch of Orthodox Dogmatic Theology, em duas partes), e pelo Arcipreste p. Svietlov
(The Chistian Teaching of Faith, na Apologetic Exposition). (Esses "sistemas" russos de
teologia do século dezenove estiveram fora de moda entre os teólogos acadêmicos
Ortodoxos nos anos recentes, e alguns os criticaram por supostas "influências orientais" que
eles mostrariam. Essa crítica, enquanto de uma certa maneira parte justificada, em sua
maior parte é unilateral e injusta, e conduziu alguns a uma confiança cega nos teólogos
ortodoxos de hoje como não contaminados pela "influência ocidental." A verdade do
assunto é que a divisão da teologia em "categorias," sua "sistematização" (que o próprio
livro presente segue) é um dispositivo bem moderno emprestado do Ocidente, mas como
somente uma organização externa do sujeito-assunto da teologia. Padre Michael, ele
próprio, defendeu em outro texto esse sistema de teologia pela sua utilidade no ensino da
teologia nas escolas contra acusações de "escolaticismo" que são totalmente injustas. Em
intenção, esses sistemas são só uma tentativa no século dezenove de fazer o que São João
Damasceno fez no século oitavo, e ninguém pode negar que o conteúdo básico desses
trabalhos é Ortodoxo).

C. Teologia Dogmática.

O trabalho dogmático da Igreja sempre foi dirigido para a confirmação na consciência


dos fiéis das verdades da Fé, que foi confessada pela Igreja desde o começo. Esse trabalho
consiste em indicar que modo de pensamento tem aquele que segue a Tradição Ecumênica.
O trabalho de instrução da Igreja tem sido, batalhar contra as heresias: achar uma forma
precisa de expressão das verdades da fé como recebidas da antigüidade e confirmar a
correção do ensinamento da Igreja, fundamentando-o na Sagrada Escritura e na Sagrada
Tradição. No ensinamento da fé, é o pensamento dos Santos Apóstolos que foi e permanece
sendo o padrão da totalidade e da completude da visão Cristã do mundo. Um Cristão do
século vinte não pode desenvolver mais completamente ou ir mais fundo nas verdades da fé
do que os Apóstolos. Por isso, qualquer tentativa que é feita — seja por indivíduos ou em
nome da própria teologia dogmática — em revelar novas verdades Cristãs, ou novos
aspectos dos dogmas que nos foram passados, ou um novo entendimento sobre eles, é
completamente fora de propósito. O objetivo da teologia dogmática como um ramo do
aprendizado é apresentar, com embasamento firme e provado, o ensinamento Cristão
Ortodoxo que nos foi passado.

Certas obras completas de teologia dogmática apresentam o pensamento dos Padres da


Igreja em uma seqüência histórica. Assim, por exemplo, o acima mencionado Essay in the
Orthodox Dogmatic Theology pelo Bispo Silvestre é arrumado desse modo. Deve-se
compreender que tal método de exposição em teologia Ortodoxa não tem o propósito de
investigar o "desenvolvimento gradual do ensinamento Cristão"; seu objetivo é inerente: é
mostrar que a apresentação completa, em seqüência histórica das idéias dos Santos Padres
da Igreja em todas as épocas ensinaram o mesmo acerca das verdades da fé. Mas, porque
alguns deles viram o assunto de um lado, e outra do outro lado, e alguns deles trouxeram
argumentos de um tipo, e outros de outro tipo, por isso a seqüência histórica dos
ensinamentos dos Padres dá uma vista completa dos dogmas da fé e a completude das
provas de suas verdades.

Isso não significa que a exposição teológica dos dogmas deva tomar uma forma inalterável.
Cada época coloca seu modo de ver, modo de compreender, questões, heresias e protestos
contra a verdade Cristã, ou ainda repete coisas antigas que haviam sido esquecidas. A
teologia naturalmente leva em consideração as questões de cada época, e coloca as
verdades dogmáticas de acordo com isso. Nesse sentido, pode-se falar acerca do
desenvolvimento da teologia dogmática como um ramo do aprendizado. Mas não há espaço
suficiente para se falar sobre o desenvolvimento Cristão da própria fé.
Dogmáticas e fé.

Teologia dogmática é para o Cristão que crê. Nem mesmo ela não inspira fé. Mas
pressupõe que a fé já exista no coração. "Cri, por isso falei" diz um homem justo no Velho
Testamento (Salm 116:10). E o Senhor Jesus revelou os mistérios do Reino de Deus a Seus
discípulos depois que eles acreditaram Nele: "Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as
palavras da vida eterna, E nós temos crido e conhecido que Tu és o Cristo, o Filho de Deus
(Jo 6: 68-69). Fé, e mais precisamente fé no Filho de Deus que veio ao mundo, é a pedra
fundamental da teologia." "Estes porém foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo,
o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em Seus Nome" (Jo. 20:31), escreve o
Apóstolo João no fim do seu Evangelho e ele repete o mesmo pensamento muitas vezes em
suas Epístolas: e essas palavras dele expressa a idéia principal de todo os escritos dos
Santos Apóstolos: Eu creio. Todo Cristão teologicamente deve começar com essa
confissão. Sob essa condição teologizar não é um exercício intelectual abstrato, nem uma
dialética intelectual, mas uma morda dos pensamentos nas verdades divinas, um
direcionamento da mente e coração para Deus, e um reconhecimento do amor de Deus.
Para um descrente teologizar é algo sem efeito, pois Cristo, para descrentes é "uma pedra
de tropeço e rocha de escândalo" (1 Pe 28; ver Mt 21:44).

Teologia, Ciência e Filosofia.

A diferença entre teologia e ciências naturais, que estão baseadas em observação e


experiências é tornada clara pelo fato que a teologia dogmática é baseada em viva e santa
fé. Aqui o ponto de início é fé, e lá, experiência. No entanto, as maneiras e métodos de
estudo são um só e o mesmo em ambas as esferas; o estudo dos fatos, e dedução deles
tirada. Só que, nas ciências naturais as deduções são derivadas de fatos coletados através da
observação da natureza, o estudo da vida dos povos, e criatividade humana; enquanto em
teologia as deduções do estudo da Sagrada Escritura e da Sagrada Tradição. As ciência
naturais são empíricas e técnicas, enquanto nosso estudo é teológico.

Isso esclarece também a diferença entre teologia e filosofia. Filosofia é erigida sobre bases
puramente racionais e sobre ciências experimentais, na extensão que essas últimas seja
capazes de serem usadas para elevadas questões da vida; enquanto teologia é baseada na
Revelação Divina. Elas não devem ser confundidas; teologia não é filosofia mesmo quando
mergulha nosso pensamento em profundos ou elevados assuntos da fé Cristã que são
difíceis de entender.

A teologia não nega nem as ciências experimentais nem a filosofia. São Gregório, o
Teólogo considerou que o mérito de São Basílio, o Grande foi dominar a dialética à
perfeição com a cuja ajuda ele derrotou as construções filosóficas dos inimigos do
Cristianismo. Em geral, São Gregório não simpatizava com aqueles que mostravam falta de
respeito por aprendizado exterior aos assuntos de Igreja, no entanto, em suas renomadas
homilias sobre a Santíssima Trindade, ele assim se coloca: "Assim, tão brevemente quanto
possível, eu vos apresentei nosso amor pela sabedoria, que é dogmática e não dialética, na
maneira dos pescadores e não de Aristóteles, espiritual e não engenhosamente tramada, de
acordo com as regras da Igreja e não do mercado" (Homilia 22).
O curso de teologia dogmática é dividido em duas partes básicas: no ensinamento 1) Sobre
Deus em Si próprio e 2) sobre Suas manifestações de si mesmo como Criador, Providência,
Salvador do mundo e Aperfeiçoador do destino do mundo.

Parte I.
Deus em Si Próprio.
O dogma da fé. Crença ou fé como atributo da alma. O poder da fé. A fonte da fé. A
natureza de nosso conhecimento de Deus. A essência de Deus. Os atributos de Deus.
Sagrada Escritura concernente aos atributos de Deus. Deus é Espírito. Eterno. Todo
Bondade. Onisciente. Todo Justo. Poderoso (Onipotente). Onipresente. Imutável. Auto-
Suficiente e Todo Bendito. A unidade de Deus

1. Nosso conhecimento de Deus.


O dogma da fé.

A primeira palavra do Símbolo da Fé Cristã é "creio." Toda a nossa confissão Cristã é


baseada na fé. Deus é o primeiro objeto da crença Cristã. Assim, nosso reconhecimento
Cristão da existência de Deus é fundada não em bases racionais, nem em provas tomadas na
razão ou recebido de experiências de nossos sentidos exteriores, mas em uma interna e alta
convicção que tem uma fundação moral.

No entendimento Cristão, acreditar em Deus significa não só aceitar Deus com a mente,
mas também empenhar-se na direção Dele com o coração.

Nós cremos naquilo que é inacessível à experiência exterior, à investigação cientifica, e não
pode ser recebido pelos órgãos de sentido. São Gregório, o Teólogo distingue entre crença
religiosa — "eu creio em alguém, em alguma coisa" — e uma simples crença pessoal —
"Eu acredito em alguém, em alguma coisa." Ele escreve: "Não é a mesma coisa crer e
acreditar." Nós cremos na Divindade, mas simplesmente acreditamos em qualquer coisa
ordinária ("On the Holy Spirit," parte III, pg 88 na edição russa de suas Complete Works; p.
319 no texto inglês do Eerdmans).

Crença ou fé como um atributo da alma.

A fé Cristã é uma revelação mística da alma humana. Ela é maior, mais poderosa, mais
próxima da realidade que o pensamento. É mais complexa que sentidos separados. Ela
contem em si mesma os sentimentos de amor, medo, veneração, reverência e humildade.
Também não pode ser chamada de manifestação da vontade, pois apesar de mover
montanhas, o Cristão renuncia à sua própria vontade quando ele crê, e dá-se inteiramente à
vontade de Deus: "Seja feita a Sua vontade em mim, um pecador." O caminho da fé está no
coração; é inseparável do amor puro, sacrificial, "operando por caridade" (Gal. 5:6)

Logicamente, o Cristianismo é ligado também ao conhecimento da mente, e dá uma visão


do mundo, mas se permanecer só uma visão do mundo, seu poder de mover se desvanece.
Sem fé não existiria o vínculo vivo entre o céu e a terra. A crença Cristã é algo muito maior
que as "hipóteses persuasivas" que é o tipo de crença usualmente encontrado na vida.

O poder da fé.

A Igreja de Cristo é fundada sobre a fé como sobre uma rocha que não treme sob ela. Por fé
os santos conquistaram reinos, realizaram obras justas, fecharam as bocas de leões,
extinguiram o poder do fogo, escaparam do fio da espada, foram reforçados na enfermidade
(Heb 11:38). Sendo inspirados pela fé, Cristãos foram torturados e morreram em júbilo. A
fé é uma rocha, mas uma rocha que impalpável, livre de peso, que nos dirige para cima e
não para baixo .

"Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios d’água viva correrão do seu ventre," disse o
Senhor (Jo. 7:38); e a pregação dos Apóstolos, uma pregação no poder da palavra, no poder
do Espírito, no poder dos sinais e milagres, foi um testemunho da verdade nas palavras do
Senhor. Esse é o mistério da fé Cristã viva.

A fonte da fé.

"... Se tiverdes fé e não duvidardes... se a este monte disserdes: Ergue-te e precipita-o no


mar, assim será feito" (Mt. 21:21). A história da Igreja de Cristo é cheia de milagres dos
santos em todas as épocas. No entanto, milagres não são realizados por fé em geral, mas
pela fé Cristã. Fé é uma realidade não pelo poder da imaginação e não por auto-hipnose,
mas pelo fato que ela nos liga com a fonte de toda vida e poder — com Deus. Na expressão
do hieromartir Irineu, Bispo de Lion, a fé é um vaso que pode ser preenchido com água;
mas é necessário que se esteja perto a água e que se ponha o vaso nela : esta água é a graça
de Deus. "Fé é a chave para a casa de tesouros de Deus," escreve São João de Kronstadt
(My Life in Christ, Vol. I, p. 242, edição russa).

A fé é reforçada e sua verdade é confirmada pelos benefícios de seus frutos espirituais que
são conhecidos pela experiência. Por isso o Apóstolo nos instrui, dizendo: "Examinai-vos a
vós mesmos, se permaneceis na fé, provai-vos a vós mesmo. Ou não sabeis quanto a vós
mesmos, que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados" (2 Cor 13:5).

Ainda assim é difícil dar uma definição que é a de fé. Quando o Apóstolo diz "Ora, a fé é o
firme fundamento das coisas que se esperam, é a prova das coisas que se não vêem " (Heb
11:1), sem tocar aqui na natureza da fé, ele indica somente no que o olhar da fé está
dirigido para o que é esperado, para o invisível; e assim ele indica precisamente que a fé é a
penetração da alma no futuro ("a substância das coisas esperadas") ou no invisível ("a
evidencia das coisas não vistas). Isso testemunha o caráter místico da fé Cristã.
A natureza de nosso conhecimento de Deus

Deus em Sua essência é incompreensível. Deus habita "...na luz inacessível; a quem
nenhum dos homens viu nem pode ver;..." instrui o Apóstolo Paulo (1 Tim 6:16).

Em suas leituras catequéticas São Cirilo de Jerusalém nos instrui: "Nós não explicamos o
que Deus é, mas candidamente confessamos que nós não temos um conhecimento exato a
respeito Dele. Pois com respeito a Deus, confessar a nossa ignorância é o melhor
conhecimento" (6ª Catechetical Lecture, Eedrmans p. 33).

Eis aí porque não existe valor dogmático a ser encontrado nos vários tipos da vasta e
abrangente lista de concepções e buscas racionais sobre o assunto da vida interior de Deus,
e da mesma forma nos conceitos fabricados por analogia com a vida da alma humana. A
respeito dos "companheiros — inquiridores" de seu tempo, São Gregório de Nissa, o Irmão
de São Basílio, o Grande escreve: "Homens, tenho deixado de "... deleitar-se no Senhor..."
(Salm 37,4) e de rejubilar-se na paz da Igreja, entram em refinadas buscas a respeito de
alguns tipos de essências e medem magnitudes, medindo Filho em comparação com o Pai,
concedendo uma maior medida ao Pai. Quem dirá a eles, que aquilo que não é sujeito a
números não pode ser medido; o que é invisível não pode ser avaliado; que o que é sem
carne não pode ser comparado não pode ser entendido como maior ou menor, porque nós
sabemos que alguma coisa é "maior," comparando-o com outras coisas, mas com alguma
coisa que não tem fim, a idéia de "maior" é impensável. "Grande é o Nosso Senhor, e de
grande poder; o Seu entendimento é infinito" (Sl 147:5). O que isso significa? Numere
como foi dito e tu compreenderas o mistério.

O mesmo hierarca escreve adiante: "Se alguém está fazendo uma viagem no meio do dia,
quando o sol com seus raios quentes queima a cabeça, e por seu valor seca toda coisa
líquida do corpo, e sob seus pés está a terra dura que torna difícil o caminhar e é ressecada;
e então tal viajante encontra uma fonte com jatos saindo esplendidos, transparentes,
agradáveis e refrescantes e mais ainda abundantes, ele se sentará na água e começara a
raciocinar sobre sua natureza, procurando de onde ela vem, como, do que, e todas as outras
coisas como tais, que oradores preguiçosos estão acostumados a julgar; por exemplo: é uma
certa mistura que existe nas profundezas da terra que vem à superfície sob certa pressão e
torna-se água, ou são canais indo através de longos lugares desérticos e que descarregam
água assim que ela acha uma abertura para si? O viajante ao invés não dirá adeus a todas
deliberações racionais, inclinará sua cabeça para o jato e pressionará seus lábios contra ele,
aplacará sua sede, refrescará sua língua, satisfará seu desejo, e dará agradecimentos Àquele
que deu esta água? Assim, imitai vós também esse sedento" (São Gregório de Nissa,
"Homily ih His Ordination," de suas obras em russo, vol IV).

No entanto, até certo ponto nós temos conhecimento de Deus, conhecimento até o ponto
que ele mesmo revelou, para os homens. Deve-se distinguir entre a compreensão de Deus, o
que em essência é impossível, e o conhecimento Dele, ainda que incompleto, como diz o
Apóstolo Paulo, "Porque agora vemos por espelho em enigma ...e agora conheço em parte"
(I Cor 13:12). O grau desse conhecimento depende da habilidade do próprio homem em
conhecer (Essa distinção entre aquilo que se pode chamar de "absoluta" incognoscibilidade
de Deus e a "relativa" cognoscibilidade Dele é apresentada por São João Damasceno no
Livro I, capítulo I da Exatc Exposition oh the Orthodox Faith).

De onde nós derivamos o conhecimento de Deus?

a) É revelado ao homem do conhecimento da natureza, o conhecimento de si próprio, é o


conhecimento de toda criação de Deus em geral. "Porque as Suas coisas invisíveis, desde a
criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a Sua divindade, se entendem e
claramente se vêem pelas coisas que estão criadas ..." (Rom 1:20); isso é, o que é invisível
Nele, Seu eterno poder e Sua divindade, é tornado visível pela criação do mundo através da
observação das coisas criadas. Por isso, estão sem desculpa aqueles homens que tendo
conhecido Deus, não O glorificam como Deus e não dão graças, mas se desvanecem em
seus discursos (Rom 1:21). "O mundo é o reino do pensamento divino" (São João de
Kronstadt).

b) Deus manifestou-se ainda mais em revelações sobrenaturais e através da encarnação do


Filho de Deus, o Deus "havendo falado antigamente muitas vezes e de muitas maneiras,
que aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho" (Heb 1:1).
"Deus nunca foi visto por alguém. O Filho unigênito, que esta no seio do Pai, Este o fez
conhecer" (Jo 1:18).

Assim, o próprio Salvador ensina a respeito do conhecimento de Deus. Tendo dito "Todas
as coisas Me foram entregues por meu Pai: e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e
ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho O quiser revelar" (Mt
11:27). O Apóstolo João escreve em sua Epístola: "E sabemos que já o Filho de Deus é
vindo, e nos deu entendimento... para que conheçamos o Deus verdadeiro ..." (1 Jo 5:20).

A Revelação Divina nos é dada em toda Sagrada Escritura e na Sagrada Tradição. E a


preservação, instrução e interpretação verdadeira dessa revelação divina é obrigação e
preocupação da Santa Igreja de Cristo.

Mas mesmo dentro dos limites que nos são dados à luz da Divina revelação, devemos
seguir a guia naqueles que purificam suas mentes por uma vida Cristã elevada e fizeram
suas mentes capazes de contemplar verdades exaltadas, isto é a respeito disso, São
Gregório, O Teólogo nos instrui: "Se desejas ser um teólogo e digno do divino, mantenha
as leis; por meio das leis divinas vá para um objetivo elevado; pois atividade é a ascensão
para a visão" ("atividade" aqui é um termo técnico freqüentemente encontrado nos textos
ascéticos Ortodoxos; ele se refere aos meios (mantendo os mandamentos, disciplina
ascética, etc) que conduz alguém ao fim da vida espiritual ("visão ou " contemplação" de
Deus).

É isso, empenha-se e atinge a perfeição moral, pois só esse caminho dá a possibilidade de


ascender às alturas de onde as verdades divinas são contempladas (homilia de São
Gregório, o Teólogo).
O próprio Salvador proferiu: "Bem aventurados os puros de coração, porque eles verão a
Deus" (mt 5:8).

A impotência de nossa mente para compreender Deus é expressa na Igreja, nos Ofícios
Divinos: "Por não termos palavras para expressar o significado de Tua incompreensível
Tri-radiante divindade, como nossos corações nós Te glorificamos, ó Senhor" (do cânon do
Ofício de Meia-noite do Domingo, tom 7, cânon 4).

Na antigüidade certos heréticos introduziram a idéia de que Deus é totalmente


incompreensível, inacessível ao entendimento. Eles construíram suas afirmações sobre a
idéia de que Deus é uma Essência simples, que não tem conteúdo interior ou qualidades.
Por isso foi suficiente, dar Nomes a Deus — por exemplo Theos (Deus — "Aquele que
vê"), ou Jeová ("aquele que é"), ou indicar Sua característica singular, Sua "não-origem,"
de maneira a dizer tudo que pode ser dito a respeito de Deus. (alguns dos gnósticos
raciocinavam dessa maneira, por exemplo, Valentino no século segundo, e os Anomoenses
no século quarto, pensaram nessa maneira). Os Santos Padres responderam a essa heresia
com um protesto fervoroso, vendo nisso uma destruição da essência da religião.
Respondendo aos heréticos, eles esclareceram e provaram, tanto pelas Escrituras quanto
pela razão: 1) que a simplicidade da essência de Deus é unida com a completude de Seus
atributos, a completude do conteúdo da vida divina, e 2) e que os próprios Nomes de deus
na Divina Escritura — Jeová, Eloim, Adonai e outros — expressam não a verdadeira
essência de deus, mas primeiramente mostra as relações de Deus com o mundo e com o
homem.

Outros heréticos na antigüidade, por exemplo os Marcionitas, afirmaram que Deus é


completamente desconhecido e inacessível à nossa compreensão. Por essa razão, os Padres
da Igreja mostraram que existem graus do nosso conhecimento de Deus, o que é possível,
útil e necessário para nós. São Cirilo de Jerusalém, em suas Leituras Catequéticas, ensina:
"Se alguém diz que a essência de Deus é incompreensível, então porque nós falamos a
respeito Dele? No entanto, é verdade que por que eu não posso tomar o rio inteiro eu não
tomarei água dele com moderação para meu benefício? É verdade que porque meus olhos
não podem enxergar tudo que o sol ilumina, eu sou então incapaz de contemplar aquilo que
é possível e necessário para mim? E se vou a um grande pomar, e não consigo comer todas
as frutas dali, tu queres que eu vá embora do pomar completamente faminto?" (Catechetical
Lectures, VI, 5).

É bem conhecido como o abençoado Agostinho, quando andando em uma praia pensando
acerca de Deus, viu um menino sentado a beira d’água tirando água do mar com uma
concha e colocando-a num buraco na areia. Essa cena inspirou-o a pensar na desproporção
entre nossa mente rasa e a grandeza de Deus. É tão impossível ter-se uma concepção de
Deus em toda Sua grandeza, quanto esvaziar-se o mar com uma concha.

A essência de Deus.

"Se tu desejas falar ou ouvir a respeito de Deus," teologiza São Basílio, o Grande, "renuncia
a teu próprio corpo, renuncia a teus sentidos corporais, abandona a terra, faz com que o ar
esteja abaixo de ti; passa sobre as estações do ano, seu arranho ordenado, os adornos da
terra, coloca-te acima do éter, atravessa as estrelas, seu esplendor, grandeza, e os benefícios
que elas provem para o mundo todo, sua boa ordem, brilho, arranjo, movimento e o vínculo
ou distância entre elas. Tendo passado através de tudo isso em tua mente, vá para o céu e
postando-se acima dele, só com teu pensamento, observa as belezas que lá estão, os chefes
arcanjos, a glória dos Domínios, a presidência dos Tronos, os Poderes, Principados,
Autoridades. Tendo passado por tudo isso e deixado para trás toda criação em teus
pensamentos, elevando tua mente acima dos limites dela, apresenta tua mente a essência de
Deus, imóvel, imutável, inalterável, desapaixonada, simples, complexa, indivisível, luz
inaproximável, poder inexplicável, magnitude infinita, glória resplandecente, infindável
bondade, beleza incomensurável que golpeia poderosamente a alma ferida, mas que não
pode ser validamente descrita em palavras."

Tal exaltação de espírito é demandada de alguém que quer falar com Deus! No entanto,
ainda que nessa condição os pensamentos humanos são capazes somente de permanecer nos
atributos da divindade e não na verdadeira essência da divindade.

Há na Sagrada Escritura palavras concernentes a Deus que "tocam" ou "chegam perto" da


idéia de Deus em Sua verdadeira essência. São expressões que são compostas de tal modo
que, na sua forma, elas respondem não só a questão "que tipo" — isto é, quais são os
atributos de Deus mas elas parecem também responder a questão "quem" — isto é, "quem é
Deus?"

Tais expressões são:

"Eu sou Aquele que é" (em hebreu, Jeová; Ex 3:14)

"Eu sou o Alfa e o Omega, o principio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de
vir, o Todo-Poderoso" (Ap 1:8)

"Mas o Senhor Deus é a Verdade" (Jer 10:10)

"Deus é espírito" — As palavras do Senhor para a mulher samaritana (Jo 4:23)

"Ora o Senhor é Espírito" (2 Cor 3:17)

"Deus é luz, e não há Nele trevas nenhuma" (1 Jo 1:5)

"Deus é amor" (1 Jo 4:8,16)

"Nosso Deus é um fogo consumidor" (Heb 12:29)

No entanto, tais expressões também não podem ser entendidas como indicações da
verdadeira essência do Deus único e com relação ao nome "aquele que é" os Padres da
Igreja disseram que ele "de alguma forma" (a expressão é de São Gregório, o Teólogo) ou,
"como parece" (São João Damasceno) é um nome da essência. Apesar de mais raramente,
esse mesmo significado foi dado aos nomes "bem" e "Deus," na língua grega — Theos,
significando "ele que vê." Distinto que todas as coisas "existentes" e criadas, os Padres da
Igreja aplicaram para a existência de Deus o termo "Ele que é acima de todos os seres,"
como no kontakion, "a virgem agora dá a luz a Ele que é acima de todos os seres." A
expressão do Velho Testamento "Jeová," "aquele que é," que foi revelada por Deus ao
Profeta Moisés, tem justo tal significado profundo. (Isso quer dizer: quando dizemos que
Deus é "aquele que é," nós dizemos que Ele "é" num sentido superlativo e não da maneira
que toda sua criação" é "; isto é o mesmo que afirmar que Ele é o único" que está acima de
todos os seres" (Kondakion da Natividade de Cristo)).

Assim, pode-se falar somente nos atributos de Deus, mas não da verdadeira essência de
Deus. Os Padres se expressam só indiretamente a respeito da natureza da divindade,
dizendo que a essência de Deus é "uma, simples, não complexa." No entanto, essa
simplicidade não é algo sem distinguir características ou contendo; ela contem em si
própria a totalidade das qualidades da existência; "Deus é um mar de ser, incomensurável e
ilimitado" (São Gregório, o Teólogo); "Deus é a completude de todas as qualidades e
perfeições em sua mais alta e infinita forma" (São Basílio, o Grande); "Deus é simples e
não complexo; Ele é inteiramente sentimento, inteiramente espírito, inteiramente
pensamento, inteiramente mente, inteiramente fonte de todas as coisas boas" (Santo Irineu
de Lyon).

Os atributos de Deus.

Falando dos atributos de Deus, os Santos Padres indicam que sua multiplicidade
considerando a simplicidade da essência, é o resultado de nossa própria inabilidade de
encontrar um místico e único modo de ver a divindade. Em Deus, um atributo é um aspecto
de outro. Deus é justo; isso implica que Ele é também bendito é bom é Espírito. A múltipla
simplicidade em Deus é como a luz do sol, que se revela em várias cores que são recebidas
pelos corpos na terra, por exemplo as plantas.

Na enumeração dos atributos de Deus nos Santos Padres e nos textos dos Divinos Ofícios,
há uma preponderância de expressões que estão gramaticalmente na forma negativa. No
entanto deve-se observar que, esta forma negativa indica uma "negação de limites." Assim,
a forma negativa é na verdade uma afirmação de atributos que são sem limite. Por exemplo,
não criado indica a inexistência do limite na criação. Encontramos um modelo de tais
expressões na Exact Exposition of the Ortodox Faith por São João Damasceno: "Deus é não
originado, interminável, eterno, constante, não criado, imutável, inalterável, simples, não
complicado, incorpóreo, invisível, intangível, indescritível, ilimitado, inacessível à mente,
incontestável, incompreensível, bom, justo, o Criador de todas as criaturas, o Poderoso
Pantocrator, o que olha todos de cima, cuja Providência está sobre todas as coisas, que tem
domínio sobre tudo, o juiz."

Nossos pensamentos acerca de Deus em geral falam: 1) acerca de Sua distinção do mundo
criado (por exemplo, Deus é não originado, enquanto que o mundo tem uma origem; Ele é
sem fim, enquanto o mundo tem um fim; Ele é eterno, enquanto o mudo existe no tempo;
ou 2) acerca das atividades de Deus no mundo e a relação do Criador para suas criações
(Criador, Providência, Misericordioso, Juiz Justo).
Indicando os atributos de Deus, nem por isso damos uma "definição do conceito de Deus,"
tal definição é essencialmente impossível, porque toda definição é uma indicação de
"finitude" (Em russo Padre Michael está indicando aqui a derivação da palavra
opredeleniye ("definição") de predel ("limite")). No entanto, em Deus não há limites, e
portanto não pode haver uma definição do conceito da divindade: "Pois um conceito é em si
uma forma de limitação" (São Gregório, o Teólogo, homilia 28, de sua Segunda Oração
Teológica).

Nossa razão demanda o reconhecimento em Deus de uma serie completa de atributos


essenciais. A razão nos diz que Deus tem uma existência racional, livre e pessoal. Se no
mundo imperfeito nós vemos seres racionais, livres e pessoais, não podemos deixar de
reconhecer uma existência livre, racional e pessoal no próprio Deus, que é a Fonte, Causa e
Criador de toda a vida.

A razão nos diz que Deus é o Ser mais perfeito. Toda falta e imperfeição são incompatíveis
com o conceito de "Deus."

A razão nos diz que Deus é um Ser auto-suficiente, porque nada pode ser a causa ou
condição da existência de Deus.

Sagrada Escritura concernente aos atributos de Deus.

Os atributos de Deus, tomados diretamente do Verbo de Deus, são apresentados no Longo


Cristão Catechism of the Orthodox Church do Metropolita Philaret (Tradução inglesa
(reimpressa de 1901) no The Catechism of the Orthodox Church, Eastern Orthodox Books,
Willits, Califórnia, 1971, p. 19). Ali se lê: "Pergunta: Que idéia da essência e dos atributos
essenciais de Deus devem ser derivadas da revelação Divina? Resposta: Que Deus é
Espírito, eterno, boníssimo, onisciente, justo, poderoso, onipresente, imutável, auto-
suficiente." Paremos para pensar acerca desses atributos apresentados no catecismo.

Deus é Espírito.

"Deus é Espírito" (Jo 4:24; as palavras do Salvador na conversa com a mulher Samaritana).
"O Senhor é Espírito, e onde está o Espírito do Senhor, ai há liberdade" (2 Cor 3:17). Deus
é alheio a todo tipo de natureza corpórea ou materialidade. Ao mesmo tempo em que a
espiritualidade que pertence aos seres espirituais criados e a alma do homem, que manifesta
em si somente uma "imagem" da natureza espiritual de Deus. Deus é um Espírito que é o
mais elevado, mais puro, mais perfeito. É verdade que na Sagrada Escritura nós
encontramos muito, vários lugares onde alguma coisa corpórea é simbolicamente atribuída
a Deus, no entanto, concernente à natureza espiritual de Deus, a Escritura começa falando
com as primeiras palavras do livro da Gênesis, e ao Profeta Moisés, Deus se revela como
Aquele que é, como a pura, espiritual e mais elevada existência. Assim, por símbolos
corpóreos a Escritura nos ensina a compreender os atributos espirituais e as ações de Deus.

Tomemos aqui as palavras de São Gregório, o Teólogo. Ele diz: "De acordo com as
Escrituras Deus dorme, Ele desperta, torna-se irritado, Ele ativa, Ele tem os Querubins
como seu trono mas quando Ele teve uma enfermidade? Além disso, alguma vez ouviste
que Deus é um corpo? Alguma coisa é apresentada aqui, que não existe na realidade de
acordo com o nosso próprio entendimento, nós demos nomes para as características de
Deus, que são derivadas de nós próprios. Quando Deus, por razões que só Ele conhece,
abandona seus cuidados, como estava tendo, e não se preocupa mais conosco, isso significa
que Ele está "dormindo" — porque nosso dormir é uma falta similar de atividade e cuidado.
Quando, ao contrário, Ele subitamente começa a fazer o bem, isso significa que Ele
"acordou." Ele castiga e por isso, nós imaginamos que Ele está "raivoso" pois castigo entre
nós é com raiva. Ele age às vezes aqui, ás vezes Ele repousa e como se Ele morasse em
santos poderes nós chamamos isso de "sentar-se" e Ele "senta-se em um trono," que é uma
coisa característica nossa. Também, pois a divindade não repousa em lugar algum, nem
entre os santos. Um movimento veloz nós chamamos "Vôo." Se há uma contemplação, nós
falamos uma "face"; se há um dar e receber, nós falamos de uma "mão." De outra forma, e
uma maneira tomada das coisas corpóreas " (homilia 31, Fifht Teological Oration "On the
Holy Spirit," ch 22; Eerdmann’s Nicene Fathers, Series Two, vol VII, pg 324-325).

Ligado com os relatos das ações de Deus, no segundo e terceiro capítulos do Livro da
Gênesis, São João Chrisóstomo nos instrui: "Não passemos sem atenção, amados, pelo que
é sito pela Divina Escritura, e não olhemos só para as palavras, mas pensemos que simples
palavras são usadas por conta de nossa enfermidade, e que tudo é feito do jeito mais
adequado para a nossa salvação. Depois de tudo, diga-me, se quisermos aceitar as palavras
num sentido literal e não entendermos o que é comunicado de modo adequado a Deus, tudo
isso então não se tornaria muito estranho? Olhemos no começo da leitura presente. Ela diz:
"E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia:... e estavam
com medo" (Gên 3:8). O que tu dizes: Deus anda? Tu atribuis pés a Ele? Não deveríamos
entender isso num sentido mais elevado? Não, Deus não anda — nem pense nisso! Como,
de fato, poderia Ele que está em tudo e enche tudo, cujo trono é o céu e a terra o escabelo
de seus pés — como poderia Ele andar no Paraíso? Que pessoa racional diria isso! No
entanto o que significa: "Eles ouviram a voz de deus andando no Paraíso na viração do
dia?" "Ele quis criar neles um tal sentimento (de proximidade de deus) que deveria fazer
com que eles ficassem preocupados com o que de fato havia acontecido. Eles sentiram isso
e tentaram se esconder de Deus que estava se aproximando deles. O pecado havia ocorrido,
e transgressão e vergonha caíram sobre eles. O juiz não hipócrita que é a consciência, tendo
sido acordada, clamou com alta voz, recriminando-os, e exibindo diante de seus olhos o
peso da transgressão. O Mestre criou o homem no começo e nele colocou um acusador que
nunca se cala e que não pode ser seduzido ou enganado."

A respeito da imagem da criação da mulher, São João Crisóstomo ensina, "É dito,: ‘e
tomou uma de suas costela’ (Gên 2:21). Não entendam essas palavras de maneira humana,
mas entenda que a crua expressão usada é adaptada à fraqueza humana. Pois, se a Escritura
não tivesse usado essas palavras, como poderíamos entender tais mistérios inexprimíveis?
Não olhemos só para as palavras mas recebamos tudo de maneira ajustada, ao que se refira
a Deus. Essa expressão "tomou" e todas as expressões similares são usadas em função de
nossa fraqueza." De maneira similar São João Crisostomo se expressa com respeito as
palavras: "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes"
(Gên 2:7; Works of St. John Chrisostom, Vol IV, parte um). (Não se deve pensar que o
Padre Michael está afirmando aqui que São João Crisostomo era em geral opositor a
"interpretações literais" da Escritura; quando o sentido literal era necessário, São João
Crisostomo era bastante literal na sua interpretação. Seu ponto e o do Padre Michael era
que toda interpretação da Escritura deve ser "ajustada a Deus" e isto as vezes requer uma
interpretação literal, às vezes uma interpretação metafórica. No mesmo Comentário do livro
da Gênesis, por exemplo, São João Crisostomo escreve: "Quando vós ouvis que "Deus
colocou o Paraíso no Éden no leste, acrediteis precisamente que o próprio Paraíso foi criado
no exato lugar que a Escritura assegurou que foi" (Homilies on Gênesis, XIII, 3). Ele
também, proibiu uma interpretação alegórica de "rios" e "águas" do Paraíso, insistindo que
"os rios são rios na realidade e as águas são precisamente águas" (XIII, 4). Assim, quando
São João Crisostomo afirma que a palavra "tomou" na Gênesis deve ser entendida numa
maneira ajustada a Deus (isto é, não deve ser entendida literalmente, porque Deus não tem
"mãos"). Ele não nega que Eva foi realmente criada de uma das costelas de Adão, ainda que
precisamente como isso foi jeito, permaneça um mistério para nós (Homilies on Gênesis,
XV, 2-3).)

São João Damasceno devota um capítulo a esse tema em sua Exact Exposition of the
Orthodox Faith. Esse capitulo é chamado "Sobre as coisas que se afirma de Deus como se
Ele tivesse um corpo," e ali ele escreve: "Como encontramos na Divina Escritura muitas
coisas que são ditas de Deus como se Ele tivesse um corpo, nós devemos saber que é
impossível para nós que somos homens que estamos vestidos com essa crua carne, pensar
ou falar sobre as imponentes e imateriais ações de divindade, a não ser que usemos
similaridade, imagens e símbolos que correspondam a nossa natureza." Além disso, as
expressões a respeito dos olhos, ouvidos, mãos e similares de Deus, ele conclui: "Para dizer
de modo simples, tudo que é afirmado de Deus como se Ele tivesse um corpo contem um
certo significado escondido" (Exact Exposition oh the Orthodox Faith, part one, Ch11; The
Father of the Church Traslation, p 191-193).

Hoje em dia tornamo-nos bastante acostumados com a idéia de que Deus é puro Espírito.
No entanto, a filosofia do panteísmo (que significa "Deus é tudo"), que está bem espalhado
no nosso tempo, procura contradizer essa verdade. Por isso, ainda hoje no Rito da
Ortodoxia cantado no Domingo da Ortodoxia o, primeiro domingo da Grande Quaresma,
nós ouvimos "para aqueles que dizem que Deus não é Espírito mas carne — Anathema! (o
Rito da Ortodoxia é celebrado depois da Liturgia no primeiro Domingo da Grande
Quaresma em Igrejas Catedrais aonde um bispo presida. Nelas, anátemas são proclamados
contra heréticos dos tempos antigos e modernos que tentaram destruir as bases dogmáticas
da Ortodoxia. Em muitas jurisdições Ortodoxas nas missas hoje, no entanto, sob a
influência de idéias "ecumênicas," esse ofício tem sido abolido e substituído por uma
celebração "Pan-ortodoxa," ou por uma celebração "ecumênica").

Eterno.

A existência de Deus é fora do tempo, pois tempo é somente uma forma de seres limitados,
seres mutáveis. Para Deus não há nem passado, nem futuro; só há o presente. "Desde a
antigüidade fundaste a terra: e os céus são obra das Tuas mãos. Eles perecerão, mas Tu
permanecerás: todos como um vestido envelhecerão: como roupa os mudaras e ficarão
mudados. Mas Tu és o mesmo, e os Teus anos nunca terão fim" (Salm 102:25-27).
Alguns Santos Padres indicam uma diferença entre o conceito de "eternidade" e
"imortalidade." "Eternity" é uma existência viva sempre e esse conceito de "eternidade" é
aplicado usualmente para a uma natureza não originada, em que tudo é sempre uno e o
mesmo. O conceito de imortalidade de outro lado pode ser atribuído para alguém que foi
trazido para a vida como ser e não morre, como por exemplo um anjo ou uma alma. Eterno
em seu significado preciso pertence a Divina Essência por isso é que o termo é aplicado
usualmente só para "Adorável e Reinante Trindade" (Santo Isidro de Pelusium). Sob esse
aspecto ainda mais expressiva é a expressão "O Deus pré-eterno" (como no Kontakion na
Natividade de Cristo).

Boníssimo.

"Misericordioso e piedoso é o Senhor; longânime e grande em benignidade" (Salm 103;8).


"Deus é amor" (1 Jo 4:16). Bondade de Deus estende-se não a uma região limitada do
mundo, o que é característico no amor entre seres limitados, mas ao mundo todo e a todos
os seres que nele existem. Ele é amoroso em relação à vida e às necessidades de cada
criatura, não importa quão pequena e, que possa parecer insignificante para nós, São
Gregório, o Teólogo escreve: "se alguém nos perguntasse o que é que nós reverenciamos, e
o que nós veneramos, nós temos uma rápida resposta: "o amor" (homilia 23).

Deus dá a suas criaturas tantas coisas boas quanto cada uma pode receber de acordo com
sua natureza e condição e tanto quanto corresponda com a harmonia geral do universo, mas
é para o homem que Deus revela uma bondade particular." Deus é como uma mãe-passáro
que viu o seu filhote cair do ninho, e voa para baixo para traze-lo de volta, e então vê o
filhote em perigo de ser devorado por uma serpente, então ela grita ansiosamente e voa ao
redor desse e dos outros filhotes, não sendo capaz de ficar indiferente a perder um só deles
(Clemente de Alexandria "Exhortations to the Pagans," cap 10). "Deus nos ama mais do
que um pai ou uma mãe ou um amigo, ou que qualquer outro que possa amar, e ainda mais
do que nós podemos amar a nós mesmo, porque Ele está preocupado mais com a nossa
salvação do que com Sua própria glória. Um testemunho disso é que Ele enviou para o
mundo para sofrer e morrer (na carne humana) Seu Filho Único Gerado, somente para nos
revelar o caminho da salvação e da vida eterna" (São João Crisostomo, comentário sobre o
Salmo 114). Se o homem freqüentemente não entende o poder completo da bondade de
Deus, isso ocorre porque o homem concentra seus pensamentos e desejos demasiadamente
no seu bem-estar terreno. No entanto, a Providência de Deus une dar-nos coisas terrenas e
temporais junto com o chamado para adquirir para si, para sua alma, coisas boas eternas.

Onisciente.

"...Todas as coisas estão unas e patentes aos olhos de Deus" (Heb 4:13). "Os Teus olhos
viram o meu corpo ainda informe..." (Salm 139:16). O conhecimento de Deus é visão e
imediato entendimento de tudo, tanto no que existe e do que é possível, o presente, o
passado e o futuro. Pré conhecimento do futuro é, estrito senso, visão espiritual, porque
para Deus o futuro é como o presente. O pré conhecimento de Deus não viola o livre
arbítrio das criaturas, como a liberdade de nosso vizinho não é violada pelo fato de vermos
o que ele faz. O pré conhecimento de Deus com respeito ao mal no mundo e os atos dos
seres livres é como se ele fosse coroado pelos pré conhecimento da salvação do mundo,
quando "Deus será tudo em todos" (1 Co 15:28).

Outro aspecto da onisciência de Deus é manifestado na sabedoria de Deus: "Grande é o


Nosso Senhor, e de grande poder; o seu entendimento é infinito" (Salm 147:5). Os Santos
Padres e professores da Igreja, seguindo a palavra de Deus, sempre indicaram com grande
reverencia a grandeza da sabedoria de Deus na ordenação do mundo visível, dedicando a
esse assunto obras completas, como por exemplo as Homilias sobre os seis dias
(Hexaemeron), que é, a história da criação do mundo escrita por padres, tais como São
Basílio, o Grande, São João Crisostomo, São Gregório de Nissa. "uma folha de grama ou
um grão de poeira é suficiente para ocupar sua vossa mente inteira, contemplando a arte
com que foram feitos" (Basílio, o Grande). Ainda mais, refletiram os padres sobre a
sabedoria de Deus na economia de nossa salvação na encarnação do Filho de Deus. A
Sagrada Escritura do Velho Testamento concentra sua atenção primariamente sobre a
sabedoria de Deus no arranho ordenado do mundo: "Todas as cousas Fizeste com
sabedoria" (Salm. 104:24). No Novo Testamento, de outro lado, a atenção está concentrada
na economia da salvação, em conexão com a qual o Apóstolo Paulo clama: "Ó
profundidade das riquezas, tanto da sabedoria quanto da ciência de Deus" (Ro 11:33). Pois
é pela sabedoria de Deus que toda existência do mundo é dirigida para um único propósito
— a perfeição e transfiguração para a glória de Deus.

Justíssimo.

Justiça é entendida na palavra de Deus e no seu uso geral como tendo dois significados: a)
santidade e, b) justiça.

Santidade consiste não só na ausência da malignidade ou pecado: santidade é a presença de


valores espirituais mais elevados, juntos com a pureza em relação ao pecado. Santidade é
como a luz, e santidade de Deus é como a mais pura das luzes. Deus é "um só santo" por
natureza. Ele é a fonte da santidade para anjos e homens. Os homens podem atingir a
santidade somente em Deus " não por natureza, mas por participação, por luta e oração"
(São Cirilo de Jerusalém). A Escritura testifica que os anjos rodeiam o trono de Deus sem
cessar declaram a santidade de Deus clamando um para os outros: "Santo, santo, santo é o
Senhor dos exércitos: toda a terra está cheia de sua glória" (Is 6:3). Como mostrado na
Escritura, a luz da santidade enche tudo que vem de deus ou serve a Deus: "Seu santo
Nome" (Salm. 33:21; 103:1; 105:3); "Sua santa palavra" (Salm. 104:42); "A lei é santa"
(Ro 7:12); "...trono da sua santidade" (Salm. 47:8); "escabelo de seus pés, porque ele é
santo" (Salm. 99:5); "Justo é o Senhor em todos os Seus caminhos, e santo em todas as
Suas obras" (Salm. 145:17); "...o Senhor nosso Deus é santo" (Salm. 99:9).

A justiça de Deus é outro aspecto a ser considerado: "Ele julgará os povos com retidão"
(Salm. 9:8); "...recompensará cada segundo suas obras; porque para com Deus, não há
acepção de pessoas" (Ro 2:6 e 11).

Como podemos harmonizar o amor divino com a justiça de Deus, que julga estritamente
por pecados e pune os culpados? Sobre esta questão muitos Padres falaram. Eles
assemelham a raiva de Deus à raiva de um pai que, com o objetivo de trazer um filho
desobediente a seu senso, recorre aos meios paternos de punição ao mesmo tempo se
afligindo, simultaneamente ficando triste com a atitude sem sentido de seu filho e
simpatizando com ele pela dor que lhe está infligindo. Eis ai porque a justiça de Deus é
sempre misericordiosa, e sua misericórdia é justiça, de acordo com as palavras: "A
misericórdia e a verdade se encontraram: a justiça e a paz se beijaram" (Salm. 85:10).

A santidade e a justiça de Deus estão intimamente ligadas, uma a outra. Deus chama cada
um para a vida eterna Nele, no Seu reino e isso significa em Sua santidade. No entanto, no
Reino de Deus nada impuro pode entrar. O Senhor nos limpa por seus castigos, assim como
por seus atos providenciais, que previnem e corrigem pelo seu amor para com sua criação;
pois nós devemos passar pelo julgamento de justiça, um julgamento que para nós é terrível:
como poderemos entrar no reino da santidade e luz, e como nos sentiremos lá, estando
impuros, escuros e não tendo em nós nenhuma semente de santidade, não tendo em nós
nenhum tipo de valor espiritual ou moral?

Todo Poderoso (Onipotente)

"Porque falou, e tudo se fez; mandou, e logo tudo apareceu" — assim o salmista expressou
o poderio de Deus (Salm. 33:9). Deus é o Criador do mundo. É Ele que cuida do mundo em
Sua providência. Ele é o Pantocrator. Ele é Aquele "Que só Ele faz maravilhas" (Salm
72:18). No entanto, se Deus tolera a maldade e pessoas maldosas no mundo, isso não é
porque Ele não pode aniquilar a maldade, mas porque Ele nos deu liberdade aos seres
espirituais e dirige-os para que eles possam livremente, com seu livre arbítrio, rejeitar a
maldade e voltar-se para o bem.

Com respeito a questões casuísticas a respeito de deus "não pode" fazer, deve se responder
que a onipotência de Deus é entendida que é agradável ao Seu pensamento, à Sua bondade.

Onipresente.

"Para onde me irei do Teu Espírito, ou para onde fugirei de Tua face? Se subir ao céu, Tu ai
estás, se fizer no sol a minha cama, eis que Tu ali estás também. Se eu tomar as asas da
aurora, e habitar nas extremidades do mar. Até ali a Tua mão me guiará e a Tua destra me
susterá" (Salm 139:7-10)

Deus não é sujeito a nenhuma limitação do espaço, mas Ele preenche tudo. Preenchendo
tudo Deus, como um simples ser, está presente em todo lugar, não como se Ele estivesse
com alguma parte Sua, mas como todo o Seu ser; e Ele não é confundido com aquilo onde
está presente. "A divindade penetra tudo sem se misturar com nada, mas nada pode penetra-
lo" (São João Damasceno). "Esse Deus está presente em tudo que conhecemos, mas como
nós não entendemos, porque nós só podemos compreender uma presença sensorial, e não é
dado a nós compreender inteiramente a natureza de Deus" (São João Chrisostomo).

Imutável.
No "Pai das luzes, não há mudança. Nem sombra de variação" (Tg 1:17). Deus é perfeição,
e toda mudança é um sinal de imperfeição e portanto é impensável no mais perfeito ser, em
Deus concernente a Deus pode-se dizer que nenhum processo está acontecendo Nele, que
seja de crescimento, mudança de aparência, evolução, processo ou qualquer coisa parecida.

No entanto, imutabilidade em Deus não é algum tipo de imobilidade; não é um ser fechado
dentro de Si mesmo, Mesmo enquanto sendo imutável, Seu ser é vida, preenchido com
poder e atividade. Deus em Si mesmo é vida, e vida é o Seu ser.

A imutabilidade de Deus, não é violada pela geração do Filho e pela processão do Espírito,
pois para o Deus o Pai, pertence à paternidade, e para seu Filho, à filiação, e para o Espírito
Santo, à processão que é "eterna, interminável e incessante" (São João Damasceno). As
palavras, cheias de mistério, "A geração do Filho" e a "processão do Espírito," não
expressam nenhum tipo de mudança na vida divina ou nenhum tipo de processo; para
nossas mentes limitadas, "geração" e "processão" são simplesmente colocadas em oposição
à idéia de "criação" e falam da única Essência das pessoas ou de Deus. A criação é alguma
coisa externa em relação Àquele que cria enquanto que a "filiação" de Deus é uma unidade
interna, a unidade da natureza do Pai e do Filho; tal é também a "processão" da Essência de
Deus, a processão do Espírito do Pai que a causa.

A Encarnação e o tornar-se homem, do Verbo, do Filho de Deus, não viola a imutabilidade


de Deus. Só criaturas em suas limitações perdem o que elas tem, ou adquirem o que elas
não tem; mas a divindade do Filho de Deus permanece depois da Encarnação sendo a
mesma que era antes da Encarnação. Ela recebeu em sua Hipóstase, na unidade da Divina
Hipóstase, natureza humana da Virgem Maria mas ela não formou disso nada novo,
natureza misturada, mas preservou sua Natureza Divina sem mudança.

A imutabilidade de Deus não é contraditada, da mesma forma, pela criação do mundo. O


mundo é uma existência, que e externa em relação à natureza de Deus. Por isso Ele não
muda nem a essência nem os atributos de Deus, pois a origem do mundo é só uma
manifestação do poder e pensamento de Deus. O poder e pensamento de Deus são eternos e
são eternamente ativos, mas nossa mente de criatura não consegue entender o conceito
dessa atividade na eternidade de Deus. O mundo não é co-eterno com Deus; ele é criado.
No entanto, a criação do mundo é a realização do pensamento eterno de Deus (Bem
Aventurado Agostinho). O mundo é como Deus em sua essência e assim ele tem que ser
mutável e não é sem um começo; mas esses atributos do mundo não contradizem o fato que
seu Criador é imutável e sem começo (São João Damasceno).

Auto-suficiente e todo bem-aventurado.

Essas duas expressões são próximas em significado.

Auto-suficiente não deve ser entendido no sentido de "satisfeito consigo próprio." Mais
apropriadamente significa a completude da possessão, bem-aventurança completa, a
completude de todas as coisas boas, Assim, nas orações antes da comunhão lemos:
"Senhor, não sou digno que entre em minha morada..." (Segunda Oração). De novo "Não
sou digno de contemplar e ver as alturas do céu..." (Oração de São Simeão, o Tradutor).
"Suficiente" significa aqui "Espiritualmente adequado," "espiritualmente rico." Em Deus
está a suficiência de todas as coisas boas. "Ó, profundidade das riquezas tanto da sabedoria
quanto da ciência de Deus!" Exclama o Apóstolo Paulo, "porque Dele e por Ele, e para Ele
são todas as coisas" (Ro 11:33 3 36). Deus não tem necessidade de coisa alguma "pois é ele
mesmo quem dá a todos a vida, e a respiração, e todas as coisas" (At 17:25). Assim Deus é
Ele mesmo a fonte de toda vida e de toda coisa boa; dele todas as criaturas derivam sua
suficiência.

Todo Bendito. O Apóstolo Paulo chama duas vezes Deus em suas Epístolas de "Bem
Aventurado" conforme o Evangelho da glória de Deus bem aventurado... (1 Tim 1:11). "A
qual mostrará a seu tempo o bem-aventurado, e único poderoso Senhor, Rei dos reis e
Senhor dos senhores" (1 Tim 6:15). A palavra "todo bem-aventurado" deve ser entendida
não no sentido que Deus, tendo tudo dentro Dele, seja indiferente aos sofrimentos do
mundo criado por Ele; mas sim no sentido de que Dele e Nele, suas criaturas derivam suas
bem-aventuranças. Deus não "sofre" mas Ele é "misericordioso." Cristo "sofreu como
mortal" (Cânon da Páscoa) não em Sua Divindade, mas em Sua Humanidade. Deus é a
fonte de bem-aventurança. Nele está a completude de alegria, doçura, e júbilo para aqueles
que o amam como é dito no Salmo "...na Tua presença há abundância de alegrias: à Tua
mão direita há delicias perpetuamente" (Salm 15:11).

A Bem—aventurança de Deus tem seu reflexo na incessante louvação, glorificação e


agradecimento, que enche o universo, e quem vem dos altos poderes — os Querubins e
Serafins que rodeiam o Trono de Deus, flamejando-o com fragrante amor por Deus. Essas
louvações são oferecidas por todo mundo angélico e por todas as criaturas do mundo de
Deus: " O sol canta Tuas louvações; a lua Te glorifica; as estrelas suplicam diante de Ti: a
luz Te obedece; as profundezas estão temerosas na Tua presença; as fontes são Tuas
servas" (Oração da Grande Benção de Água, Jan.5, Festal Menaion, p. 356).

A unidade de Deus.

"Por conseguinte, nós acreditamos em um Deus: um princípio, sem começo, incriado, não
gerado, indestrutível e imortal, eterno, ilimitado, incircunscritível, irrestrito, infinito em
poder, simples não composto, incorporal, imutável, desapaixonado, constante, invisível,
fonte de bondade e justiça, luz intelectual e inacessível: poder que não está sujeito a
qualquer medida, mas que é medido somente por sua própria vontade, pois Ele pode fazer
todas as coisas que O agradem; uma essência, um domínio, um reino, conhecido em três
hipóstases perfeitas, e conhecido e adorado com uma adoração" (São João Damasceno.
Exact Exposotion oh the Orthodox Faith, 1:8; tradução inglesa, p 177).

A verdade da unicidade de Deus é agora tão evidente para a consciência humana que ela
não necessita de provas da palavra de Deus ou simplesmente da razão. Foi um pouco
diferente no inicio da Igreja Cristã, quando essa idéia teve que ser colocada contra a idéia
do dualismo — o reconhecimento de dois deuses, o do bem e o do mal — e contra o
politeísmo dos pagãos, que era popular naquele tempo.
Creio em um só Deus. Essas são as primeiras palavras do símbolo da fé (o Credo). Deus
possui toda completude de ser prefeito, A idéia de completude, perfeição, infinito,
onipotência de Deus não nos permite pensar Nele como sendo outro que o Um, isto é,
singular e tendo uma essência em Si mesmo. Essa exigência da nossa consciência é
expressada por um dos antigos escritores nas palavras : "Se Deus não é um, então não
existe Deus" (Tertuliano). Em outras palavras, uma divindade limitada por outro ser perde
sua divina dignidade.

A Sagrada Escritura do Novo Testamento toda, é cheia de ensinamentos sobre o Deus


único. "Pai nosso que está no céu," oramos na palavra da Oração do Senhor (Mt 6:9). "Não
há outro Deus, senão um só" é como o Apóstolo Paulo expressa essa verdade fundamental
da fé (1 Cor 8:4).

A Sagrada Escritura do Velho Testamento é inteiramente penetrada com o monoteísmo. A


historia do Velho Testamento é a historia da batalha pela fé em um verdadeiro Deus contra
o politeísmo pagão. O desejo de alguns historiadores da religião de encontrar traços de um
suposto "politeísmo original" no povo hebreu em certas expressões, por exemplo, o numero
plural de no nome de Deus — "Elohim" — ou achar uma fé em um "Deus nacional" em
frases como "O Deus dos deuses," "o Deus de Abrahão, Isaac e Jacó" — não corresponde
ao significado autentico dessas expressões.

1. Elohim. Para um judeu simples essa é uma forma de reverência e respeito (um exemplo
disso pode ser visto na língua russa e outras línguas européias * onde a segunda pessoa no
plural, "vós" em oposição a "tu," é usada para demonstrar respeito). Para o escritor
divinamente inspirado, o Profeta Moisés, o número plural da palavra contem sem dúvida,
em acréscimo, o profundo significado mínimo de uma antevisão das Três Pessoas de Deus.
Ninguém pode duvidar que Moisés fosse um puro monoteísta, conhecendo o espírito na
linguagem hebréia. Ele não usaria um nome que contradissesse sua fé no Deus único.

2. O Deus dos Deuses é uma expressão que coloca fé no verdadeiro Deus contra adoração
de ídolos; aqueles que adoravam os ídolos os chamavam de "Deus" mas para os judeus,
esses eram falsos deuses. Essa expressão é usada livremente no Novo Testamento pelo
Apóstolo Paulo; depois de dizer "Não há outro Deus, senão um só," ele acrescenta:" Porque
ainda que haja também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como há
muitos deuses e muitos senhores). Todavia para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e
para quem nós vivemos; e que há um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas,
e nós por Ele" (1 Cor 8:4-6)

3. O Deus de Abrahão, Isaac e Jacó é uma expressão que se refere só ao povo judeu
escolhido como o "herdeiro das promessas" feitas a Abrahão, Isaac e Jacó."

A verdade Cristã da unicidade de Deus é aprofundada pela verdade da unidade


trihipóstatica.
2. O dogma da Santíssima Trindade.
Introdução. Indicações da Trindade no Velho Testamento. O ensinamento da Santíssima
Trindade no Novo Testamento. O dogma da Trindade na Igreja Antiga. Os tributos das
Pessoas Divinas. O nome da Segunda Pessoa — o Verbo. Sobre a processão do Espírito
Santo. A igualdade da Divindade das Pessoas da Santíssima. Transição para a Segunda
Parte da Teologia Dogmática.

_______________________________________________________________

Introdução.

Deus é uno em Essência e triplo em Pessoas. Uma série completa, de grandes dogmas da
Igreja que estão baseados imediatamente sobre ele, começando primeiro com o dogma de
nossa Redenção. Por causa de sua especial importância, a doutrina da Santíssima Trindade
constitui o conteúdo de todos os Símbolos da Fé que foram usados e que são usados agora
na Igreja Ortodoxa, assim como de todas as confissões privadas de fé escritas em várias
ocasiões pelos Padres da Igreja.

Porque o dogma da Santíssima Trindade é o mais importante dos dogmas Cristãos, ele é o
mais difícil de ser compreendido pela mente humana limitada. Por essa razão é que
nenhuma batalha na história da Igreja Antiga foi tão intensa quanto a que existiu sobre esse
dogma e as verdades que são imediatamente ligadas a ele.

O dogma da Santíssima Trindade inclui em si duas verdades fundamentais:

A. Deus é uno em Essência, mas triplo em pessoa. Em outras palavras, Deus é Tri-único, é
Tri-Hipostático, é Trindade Una em Essência.

B. As hipóstases tem atributos pessoais ou hipostático: Deus é não gerado, o Filho é gerado
pelo Pai; o Espírito Santo procede do Pai.

Nós adoramos a Santíssima Trindade com única e inseparável adoração. Na Igreja, Santos
padres e Ofícios Divinos, a Trindade é freqüentemente chamada de Unidade na Trindade,
Unidade Tri-Hipostática. Em sua maioria, as orações dirigidas a uma pessoa da Trindade
terminam com a glorificação ou doxologia de todas as Três Pessoas (por exemplo em uma
oração para o Senhor Jesus Cristo: "Pois glorificado és Tu, junto com Teu Pai não
originado, e o Espírito Santo, agora e sempre .... Amém.").

A Igreja, dirigindo uma oração à Santíssima Trindade, invoca-a no singular e não no plural.
Por exemplo "por Ti" (e não Vós) louvam todos os poderes celestes, e para Ti (não Vós)
nós damos glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, agora e sempre e pelos séculos dos
séculos. Amém."
Reconhecendo a natureza mística desse dogma, a Igreja de Cristo nele vê uma grande
revelação que exalta a fé Cristã incomparavelmente acima de qualquer confissão de simples
monoteísmo, tais como podem ser encontradas em religiões não Cristãs.. O dogma das Três
Pessoas indica a completude da mística vida interior em Deus, pois Deus é amor e o amor
de Deus não pode ser meramente estendido para o mundo criado por Ele; na Santíssima
Trindade esse amor é dirigido também para o interior da vida divina. O dogma das Três
Pessoas nos indica ainda mais claramente a proximidade de Deus com o mundo: Deus
acima de nós, Deus conosco, Deus em nós e em toda criação.

Acima de nós está Deus o Pai, a eternamente e fluente Fonte, como é expressado na oração
da Igreja, a Fundação de todos os seres, o Pai misericordioso que nos ama e cuida de nós,
Sua criação pois nós somos Seus filhos por graça.

Conosco está Deus o Filho, gerado pelo Pai, que pelo Seu divino amor se manifestou para
os homens como Homem para que pudéssemos saber e ver com nossos próprios olhos que
Deus está conosco muito intimamente, partilhando a carne e o sangue conosco (Heb 2:14)
do modo mais perfeito.

Em nós e em toda criação — por Seu poder e graça — está o Espírito Santo, que enche
tudo, é o Doador da vida, Confortador, tesouro e Fonte de coisas boas. Tendo uma
existência eterna e pré-eterna, as Três Pessoas Divinas foram manifestadas ao mundo com a
chegada e Encarnação do Filho de Deus, "sendo um Poder, uma Essência, uma Divindade"
(Estiqueria de Pentencostes, Glória ao Pai dos salmos no Lucernário)

Porque Deus em sua verdadeira Essência é totalmente consciência e pensamento, cada uma
das três manifestações eternas de si mesmo pelo Deus uno tem auto consciência, e por isso
cada um é uma Pessoa. Além disso, essas Pessoas não são simplesmente, estão contidas na
própria unidade da Essência de Deus. Assim, quando na Doutrina Cristã nós falamos da
Tri-Unidade de Deus, nós falamos da mística vinda interior escondida nas profundezas da
Divindade, revelam ao mundo em tempo, no Novo Testamento pela descida do Filho de
Deus, do Pai, ao mundo e pela atividade, do miraculoso, vivificante, e poder salvador do
Confortador, o Espírito Santo.

Indicações da Trindade no Velho Testamento.

A verdade da Tri-Unidade de Deus só é expressada de maneira velada no Velho


Testamento, só meio revelada. Os testemunhos do Velho Testamento da Trindade são
revelados e explicados na luz da Fé Cristã, como o Apóstolo Paulo escreveu a respeito dos
judeus: "E até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles. Mas
quando se converterem ao Senhor, então o véu se retirará... será tirado em Cristo" (2 Co
3:15-16).

As principais passagens no Velho Testamento que testemunham a Trindade de Deus são as


seguintes:

Gênesis 1:1 e os seguintes versículos: o nome de Deus ("Elohim") no texto hebraico tem a
forma gramatical de número plural.
Gênesis 1:26: "E disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança." O número plural indica aqui que Deus não é uma só pessoa.

Gênesis 3:22: "Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem (Adão) é como um de nós,
sabendo o bem e o mal" (essas são as palavras de deus antes do banimento de nossos
ancestrais do Paraíso).

Gênesis 11:6-7: Antes da confusão de línguas no prédio da torre de Babilônia, o Senhor


disse: "Eis, desçamos e confundamos ali a sua língua."

Gênesis 18: 1-3: A respeito de Abrahão: "Depois apareceu-lhe o Senhor nos carvalhos de
Manre ... e (Abrahão) levantou os olhos, e olhou e eis que três varões estavam em pé junto
a ele ... e inclinou-se à terra e disse: Meu Senhor, se agora tenho achado graça nos teus
olhos, rogo-te que não passes de Teu servo." O bendito Agostinho diz nessa passagem:
"Vós vedes que Abrahão encontra Três mas prostrasse só para Um ... Tendo contemplado
Três, ele compreendeu o mistério da Trindade, e tendo se prostrado para Um, ele confessa
Um Deus em Três Pessoas.

Além dessas passagens, os Padres da Igreja vêem uma referencia indireta à Trindade nas
seguintes:

Números 6:24-26: A benção sacerdotal indicada pôr Deus através de Moisés está em forma
tripla: "O Senhor te abençoe... o Senhor faça resplandecer o Seu rosto sobre ti... o Senhor
sobre ti levante o Seu rosto...."

Iscais 6:13: A doxologia dos Serafins que estavam acima do Trono de Deus é em forma
tripla: "Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos"

Salmo 33:6: "Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exercito deles pelo
Espírito em Tua boca."

Finalmente, pode-se indicar aquelas passagens no Velho Testamento onde o Filho de Deus
e o Espírito Santo são referidos separadamente. Pôr exemplo a respeito do Filho:

Salmo 2:7: "...Tu és meu Filho, eu hoje te gerei."

Salmo 110: 1 e 3: "Disse o senhor ao meu Senhor... como vindo do seio da aurora, será o
orvalho da Tua mocidade."

A respeito do Espírito Santo:

Salmo 143:10: "...guie-me o Teu bom Espírito pôr terra plana."

Isaias 48:16: "...e agora o Senhor Jeová me enviou o seu Espírito."


O ensinamento da Santíssima Trindade no Novo Testamento.

A Trindade das Pessoas em deus foi revelada no Novo Testamento na vinda do Filho de
Deus e na descida do Espírito Santo. O envio para a terra pelo Pai do Deus Filho e do
Espírito Santo constitui o conteúdo de todos os escritos do Novo Testamento. Logicamente,
esta manifestação para o mundo de Deus Tri-único não é dada aqui em formula dogmática,
mas como relatos das manifestações e feitos das pessoas da Santíssima Trindade.

A manifestação de Deus na Trindade foi completada no Batismo do Senhor Jesus Cristo,


razão pela qual esse Batismo é chamado de "Teofania" ou "manifestação de Deus." O Filho
de Deus, tendo se tornado homem, aceitou o batismo por água; o Pai testemunhou-o; e o
Espírito Santo confirmou a verdade falada pela voz de Deus, pela sua vez na manifestação
de uma pomba, como é expresso no tropário dessa festa: "Senhor, em teu batismo no Jordão
foi revelada a adoração devida à trindade pois a voz de Deus Pai deu testemunho em Ti,
chamando-Te Filho Bem- Amado; e o Espírito, sob a forma de uma pomba confirmou esse
testemunho inabalável. Ó, Cristo nosso Deus, que apareceste entre os homens e iluminaste
o mundo, glória a Ti!"

No Novo Testamento existem expressões a respeito de Deus Tri-único; nelas, a maioria de


modo condensado mas ao mesmo tempo de forma precisa expressam a verdade da
Trindade:

Mateus 28:19: "Portanto ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo"; desse trecho, Santo Ambrósio de Milão comenta: "O Senhor
disse, "em nome" e não "Nos nomes," porque Deus é um. Não há muitos nomes; por isso
não há dois ou três deuses."

2 Cor 13:13: "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito
Santo, seja com vós todos. Amém."

Jo 15:26: "Mas quando vier o Consolador, que eu da parte do pai vos hei de enviar, aquele
Espírito de verdade que procede do Pai, ele testificará de mim."

1 Jo 5:7: "Porque três são os que testificam no céu: o Pai, o Verbo, e o Espírito Santo; e
esses três são um" (Esse versículo não existe nos antigos manuscritos gregos que foram
preservados e está presente só nos manuscritos ocidentais latinos).

Além disso, Santo Atanásio, o Grande, interpreta como referencia À Trindade o seguinte
texto da Epístola aos Efésios (4:6): "Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos (Deus
Pai) e em todos (Deus o Espírito Santo)." Na verdade, toda a Epístola do Apóstolo Paulo
aos Efésios — especialmente os três primeiros capítulos dogmáticos — é uma revelação da
verdade da "economia trinitária" da nossa salvação.

O dogma da Santíssima Trindade na Igreja Antiga


A Igreja de Cristo em toda a sua completude confessou a verdade da Santíssima Trindade
desde o seu início. Por exemplo, Santo Irineu de Lyon, um discípulo de São Policarpo de
Esmirna, que foi instruído pelo Apóstolo João, o Teólogo, fala claramente da
universalidade da fé na Santíssima Trindade: "Apesar da Igreja estar dispersa pelo mundo
habitado inteiro, aos confins da terra, ela recebeu fé em um Deus o Pai Todo Poderoso... e
em um Senhor Jesus Cristo o Filho de Deus, que foi encarnado para nossa salvação e no
Espírito Santo que proclamou a economia de nossa salvação através dos Profetas... tendo
recebido essa pregação e essa fé, a Igreja apesar de estar espalhada pelo mundo inteiro,
como já dissemos, preserva cuidadosamente essa fé como se estivesse morando em uma só
casa. Ela acredita nisso (em todo o lugar) identicamente, como se tivesse uma só alma e um
só coração, e prega isso com uma só voz, ensinando e transmitindo como se fosse uma só
boca. Apesar de existirem muitos dialetos no mundo, o poder da Tradição é o mesmo.
Nenhum dos líderes das Igrejas contradirá isso, nem ninguém, seja poderoso em palavras
ou não instruído, enfraquece a Tradição."

Defendendo a verdade católica da Santíssima Trindade contra os heréticos, os Santos


Padres não só citaram como prova o testemunho da Sagrada Escritura mas eles também
confiaram no testemunho dos primeiros cristãos. Eles indicaram : 1) o exemplo dos
mártires e confessores que não tiveram medo de declarar sua fé no Pai, no Filho e no
Espírito Santo; e eles citaram 2) os escritos dos Padres Apostólicos, e em geral, os
escritores cristãos antigos, e 3) as expressões que são usadas nos Ofícios Divinos. Assim
São Basílio, o Grande cita a Pequena Doxologia. "Glória ao Pai, ao Filho no Espírito
Santo"; e outra: "A Ele (Cristo) com o Pai e o Espírito Santo seja dada honra e glória pelos
séculos dos séculos." E São Basílio diz que essa doxologia era usada nas Igrejas desde o
tempo em que o Evangelho foi anunciado. Ele também aponta para a Oração de
Agradecimento no acender das luzes, ou o Hino de Véspera, chamando-o de hino "antigo"
legado "pelos padres" e, ele cita as palavras "Nós cantamos o Pai, o Filho e o Espírito Santo
de Deus," de modo que a mostrar a fé dos antigos Cristãos no louvor igual do Espírito santo
com o Pai e com o Filho.

Existem igualmente muitos testemunhos dos antigos padres e professores da Igreja a


respeito do fato que a Igreja desde os primeiros dias de sua existência fez os batismos em
nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo., como três Pessoas Divinas, e acusou os
heréticos que tentaram batizar ou em nome somente do Pai, considerando o Filho e o
Espírito santo serem poderes inferiores ou em nome do Pai e do Filho, e mesmo do Filho
sozinho, minimizando assim o Espírito Santo (ver os testemunhos de Justin, o Mártir,
Tertuliano, Irineu, Cipriano, Atanásio, Hilário, Basílio, o Grande e outros).

A Igreja, no entanto, experimentou grandes perturbações e passou por uma grande batalha
na defesa do dogma da Santíssima Trindade. A batalha foi travada principalmente em dois
pontos: primeiro na afirmação da verdade da unicidade de louvor do Espírito Santo com
Deus Pai e Deus Filho.

No período antigo, o objetivo dogmático da Igreja foi achar palavras precisas para esse
dogma que pudessem melhor proteger o dogma da Santíssima Trindade contra as
reinterpretações dos heréticos. Desejando trazer o mistério da Santíssima Trindade um
pouco mais perto dos nossos conceitos terrenos, trazer o que está alem da compreensão um
pouco mais perto daquilo que é compreensível, os Padres na Igreja usaram comparações na
natureza. Entre elas estão: a) o sol, seus raios e a luz; b) a raiz, o tronco e a fruta de uma
arvore; c) a nascente d’água, a fonte e o rio que dela sai; d) três velas que queimam
simultaneamente e que dão uma luz única e inseparável; e) o fogo, a luz e o calor que vem
dele; f) mente, vontade, memória; g) consciência, conhecimento e desejo; e assim por
diante. Mas eis que diz São Gregório, o Teólogo a respeito dessas tentativas de
comparação: "Eu examinei cuidadosamente essa questão em minha mente, e a olhei sobre
todos os pontos de vista, de modo a encontrar alguma semelhança com o mistério, mas fui
incapaz de encontrar qualquer coisa na terra que pudesse ser comparada à natureza da
divindade. Pois mesmo que eu percebesse alguma pequena parecença, esta me escapava em
sua maior parte, e me derrubava junto com meu exemplo. Eu pintei para mim uma
nascente, uma fonte e um rio, como outros haviam feito antes, para ver se a primeira
poderia ser análoga ao Pai, a segunda ao Filho e o terceiro ao Espírito Santo. Pois para as
Três Pessoas não há distinção no tempo, nem Elas são tiradas de suas conexões com a cada
uma das outras, apesar Delas parecerem estar partidas em três personalidade, No entanto,
eu estava em primeiro lugar temeroso de ter que apresentar um fluxo da divindade, incapaz
de permanecer imóvel; e segundo lugar, que por essa figura fosse introduzida uma unidade
numérica. Pois a nascente, a fonte e o rio são numericamente um, apesar de formas
diferentes."

"Novamente, eu penso no sol, no raio e na luz. No entanto, aqui também houve um temor
que no mínimo as pessoas viessem a ter idéia de composição na incomposta natureza, tal
como se existe no sol e as coisas que estão no sol. E alem disso nós estaríamos dando
Essência ao Pai e negando personalidade aos Outros fazendo-os somente poderes de Deus,
existindo Nele e não pessoalmente. Pois nem o raio nem a luz é outro sol, mas eles são só
emanações do sol, e qualidades de sua essência. E assim, finalmente, seguindo com a
ilustração nós estaríamos atribuindo a Deus tanto ser quanto não ser, o que é ainda mais
monstruoso... Em uma palavra, não há nada que apresente um ponto firme nessas
ilustrações do qual eu possa considerar o Objeto que eu estou tentando representar para
mim, a menos que se possa indulgentemente aceitar um ponto na imagem enquanto
rejeitando o resto. Finalmente, parece melhor para mim que eu deixe que se vá a imagem e
também a sombra, por serem enganosas e muito distantes da verdade, e inclinando-me para
a concepção mais reverente, e apoiando-me em algumas palavras, usando a orientação do
Espírito Santo, mantendo até o fim como minha genuína camarada e companheira
iluminação que eu recebi Dele, e passando por esse mundo a persuadir outros com o melhor
do meu poder a adorar o Pai, Filho e o Espírito Santo, a Divindade e Poder Uno" (São
Gregório, o Teólogo, Homilia 31, "On the Holy Spirit" seções 31-33; tradução inglesa em
Nicene and Post-Nicene Fathers, second series, Vol. VII, p. 328; Eederman).

Os atributos pessoais das Pessoas Divinas.

Os atributos pessoais, ou hipostáticos da Santíssima Trindade são designados assim: O Pai


é não-gerado; o Filho é gerado pré-eternamente; o Espírito Santo procede do Pai.

"Apesar de termos sido ensinados que existe uma distinção entre geração e progressão, no
que consiste essa distinção, e o que é a geração do Filho e a processão do Espírito Santo do
Pai — isso nós não sabemos" (São João Damasceno).
Nenhum tipo de cálculo lógico a respeito do que geração e processão significam é capaz de
revelar o mistério interior da vida divina. Concepções arbitrarias podem até mesmo
conduzir a distorções do ensinamento Cristão. As expressões que o Filho é "gerado pelo
Pai" e que o Espírito "procede do Pai" são simples e precisas transmissões das palavras da
Sagrada Escritura. Do Filho é dito que ele é "O unigênito do Pai (único gerado)" (Jo 1:14,
3:16 e outros lugares); da mesma forma "O Senhor me disse: Tu és meu Filho, hoje eu te
gerei" (Salm 2:7; as palavras desse Salmo são também citadas na Epistola aos Hebreus, 1:5;
5:5). O dogma da processão do Espírito Santo repousa sobre a direta e precisa expressão do
Salvador: "Mas quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele
Espírito de verdade que procede do Pai, ele testificará de mim" (Jo 15:26). Na base das
expressões citadas acima, as do Filho são usualmente ditas no verbo passado, isto é que Ele
é "gerado" e as do Espírito Santo no presente, isto é que Ele "procede." No entanto, essas
validações de forma gramatical não indicam qualquer relação com o tempo de maneira
alguma. Ambas "geração" e "processão" são "desde toda eternidade," "fora do tempo."

O dogma da geração do Filho pelo Pai e a processão do Espírito Santo do Pai mostram as
místicas relações interiores das pessoas em Deus e a vida de Deus Nele mesmo. Deve-se
claramente distinguir essas relações que são pré-eternas de toda eternidade, e fora do
tempo, nas manifestações da Santíssima Trindade no mundo criado, das atividades e
manifestações da providencia de Deus no mundo como elas foram expressas em tais
eventos como a criação do mundo, a vinda do Filho de Deus para a terra, Sua Encarnação, e
o envio do Espírito Santo. Essas manifestações e atividades providenciais foram realizadas
no tempo. No tempo histórico o Filho de deus nasceu da Virgem Maria pela descida sobre
Ela do Espírito Santo: "Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá
com a sua sombra, pelo que também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado de Filho
de Deus" (Lc 1:35). No tempo histórico, o Espírito Santo desceu sobre Jesus Cristo no
tempo do Seu batismo por João. No tempo histórico o Espírito Santo foi enviado para cá
pelo Filho, vindo do Pai, aparecendo na forma de línguas de fogo. O Filho veio para a terra
através do Espírito Santo. O Espírito é enviado para cá pelo Filho de acordo com a
promessa "o Consolador... que da parte do Pai, vos hei de enviar" (Jo 15:26).

A respeito da pré-eterna "geração" do Filho de deus e da "Processão" do Espírito, pode-se


perguntar: "Quando foram essas, geração e processão?" São Gregório, o teólogo responde:
"Elas foram antes delas mesmo. Vós ouvistes sobre a geração; não fiquem curiosos para
conhecer de que forma essa geração foi. Vós ouvistes que o Espírito Santo procede do Pai;
Não fiquem curiosos para saber como Ele procede."

Apesar do significado das palavras "geração" e "Processão" estarem além de nós, isso não
diminui a importância dessas concepções do ensinamento Cristão a respeito de Deus. Elas
indicam a totalidade de divindade da Segunda e Terceira Pessoa. A existência do Filho e do
Espírito é colocada em oposição a qualquer tipo de criatura, a qualquer coisa que foi criada
e foi chamada pela vontade de Deus só pode ser divina e eterna; por isso a palavra de Deus
diz do Filho que veio para a terra: "O Filho unigênito, que está no seio do Pai" (Jo 1:18); a
respeito do Espírito Santo: "Que eu vos hei de enviar ... que procede do Pai..." (Jo 15:26;
aqui o presente gramático significa eternidade).
Aquele que é gerado é sempre da mesma essência que o que gera. Mas o que é criado e
feito é de outra e inferior essência, e é externo em relação ao Criador.

O nome da Segunda Pessoa — O Verbo.

Freqüentemente nos Santos padres e nos textos dos Ofícios Divinos o Filho de Deus é
chamado de Verbo (ou Palavra) ou Logus. Isso tem sua base no primeiro capitulo do
Evangelho de João, Teólogo.

O conceito ou nome "Verbo" nós encontramos em seu significado exaltado muitas vezes
nos livros do Velho Testamento. Eis algumas expressões dos Salmos: "Para sempre, ó
Senhor, Tua Palavra permanece no céu" (Salm 119:09); "Enviou a sua Palavra e os sarou"
(Salm 107:20) — um versículo que se refere ao Êxodo dos Hebreus do Egito; "Pela palavra
do Senhor, foram feitos os céus" (Salm 33:6). O autor da Sabedoria de Salomão escreve:
"Tua poderosíssima Palavra saltou do céu, do trono real, para o meio da terra que estava
condenada, um severo guerreiro carregando a afiada espada do autentico comando e parou
e encheu todas as coisas com morte, e tocou o céu enquanto estava na terra" (Sabedoria
18:15-16).

Com o auxilio deste Divino nome, os Santos Padres tentaram explicar um pouco do
mistério do relacionamento do Filho com o Pai. São Dionísio de Alexandria (um discípulo
de Origines) explica a relação do seguinte modo: "Nosso pensamento profere dele mesmo a
palavra segundo o que o Profeta disse: "O meu coração ferve com palavras boas" (Salm
45:1). Pensamento e palavra são separados, e cada um ocupa seu lugar especial e separado:
enquanto o pensamento permanece e move-se no coração, a palavra fica na língua e nos
lábios. No entanto, eles são inseparáveis, nem por um momento um deles é privado do
outro. O pensamento não existe sem a palavra, uma palavra escondida dentro, e palavra é o
pensamento que veio para fora. Pensamento é transformado em palavras, e palavra
transmite o pensamento para os ouvintes. Desse modo, o pensamento com o auxilio da
palavra, é instilado nas almas dos ouvintes, entrando nelas junto com a palavra. O
pensamento, vindo de si próprio, é como se fosse o pai da palavra; e a palavra é como se
fosse o filho do pensamento. Antes do pensamento, a palavra era impossível, e a palavra
não vem de nenhum lugar fora, mas sim do próprio pensamento. Assim também, o Pai, o
maior e abrangente pensamento, tem um Filho, o verbo seu primeiro interprete e Heraldo"
(citado em De sentent Dionis, nº 15 de Santo Atanásio).

Essa mesma semelhança, a relação da palavra e pensamento, é muito usada por São João de
Kronstadt em suas reflexões sobre a Santíssima Trindade, em suas reflexões, em Minha
Vida em Cristo.

Na citação acima de São Dionísio de Alexandria, o Salmo mencionado mostra que as idéias
dos Padres da Igreja estavam baseadas no uso do termo "palavra" (Verbo), na Sagrada
Escritura não só no Novo Testamento mas no Velho Testamento também. Assim não há
razão para afirmar que o termo "Logos" ou "palavra (Verbo)" foi tomado emprestado pelo
Cristianismo da filosofia, como certos interpretes ocidentais afirmam.
Com certeza, os Padres da igreja, assim como o Apóstolo João, o Teólogo, não estavam
desinformados do conceito de "logos" como era interpretado na filosofia grega e também
no filosofo judeu, Philo de Alexandria (o conceito logos como um ser intermediário entre
Deus e o mundo, ou como um divino poder impessoal); mas eles constataram esse
entendimento do logos com o entendimento Cristão do Verbo — o Filho Unigênito de
Deus, um em Essência com o Pai, e igual em Divindade ao Pai e ao Espírito Santo.

Sobre a Processão do Espírito Santo.

O antigo ensinamento Ortodoxo dos atributos do Pai, do Filho e do Espírito santo foi
distorcido na Igreja latina pela criação do ensinamento da processão, fora do tempo e por
toda a eternidade do Espírito Santo, do Pai e do Filho — o Filioque. A idéia que o Espírito
Santo procede do Pai e do Filho originou-se em certas expressões do Bem-Aventurado
Agostinho. Tornou-se obrigatório no Ocidente no século nono, e quando missionários
latinos chegaram na Bulgária em meados do século nono, o Filioque estava sem seu
símbolo da fé.

Tornando-se as diferenças entre o Papado e a Ortodoxia Oriental mais agudas, o dogma


latino tornou-se crescentemente reforçando no Ocidente; finalmente ele foi reconhecido no
Ocidente como dogma universal obrigatório! O Protestantismo herdou esse ensinamento da
Igreja Romana.

O dogma latino do Filioque é um desvio substancial e importante da verdade Ortodoxa.


Esse dogma foi sujeito a um exame detalhado e acusado, especialmente pelos Patriarcas
Photius (século nove) e Michael Cerularius (século onze), e também por São Marcos de
Éfeso, que tomou parte no Concílio de Florença (1439). Adam Zernikav (século dezoito),
que se converteu do Catolicismo para a Ortodoxia, cita cerca de mil testemunhos dos
escritos dos Santos Padres da Igreja em favor do ensinamento Ortodoxo sobre o Espírito
Santo em seu trabalho, Concerning the Procession of the Holy Spirit.

Em tempos recentes, a Igreja Romana, com objetivos "missionários" tem dissimulado a


importância da diferença entre ensinamento Ortodoxo e o ensinamento Romano sobre o
Espírito Santo. Com isso em mente, os Papas mantiveram o antigo texto Ortodoxo do
símbolo da fé, sem as palavras "e do Filho" para as Uniatas do "Rito Oriental." No entanto,
isso não pode ser olhado como um tipo de meia rejeição por Roma de seu próprio dogma.
No máximo, é só uma dissimulação para a visão romana que o Oriente Ortodoxo voltou a
estar em desenvolvimento dogmático, e que é preciso ser condescendente com essa volta, e
que o dogma expresso no Ocidente numa forma desenvolvida (Explicita, de acordo com a
teoria Romana do "desenvolvimento de dogmas") está oculto no dogma Ortodoxo numa
forma ainda não desenvolvida (implícita). No entanto, em trabalhos dogmáticos latinos,
destinados a uso interno, encontrado um tratamento bem definido do dogma Ortodoxo na
processão do Espírito Santo como uma "heresia." No trabalho dogmático latino do doutor
em teologia, A. Sanda, nós lemos: "Oponentes (do atual ensinamento Romano) são os
gregos cismáticos, que ensinam que o Espírito procede só do Pai. Já no ano de 808, monges
gregos protestaram contra a introdução pelos latinos da palavra Filioque no Credo... quem
foi o originador dessa heresia, não se sabe é desconhecido" (Sinopsis Theologiae
Dogmaticae Specialis, por Dr. A. Sanda ., vol I, pg 100; Herder Edition, 1916)
Porém o dogma latino não concorda nem com as Sagradas Escrituras nem com a Sagrada
Tradição universal da Igreja ; e ele não concorda sequer com as mais antigas tradições da
Igreja local de Roma.

Em sua defesa, os teólogos romanos, citam uma série de passagens na Sagrada Escritura
onde o Espírito Santo é chamado de "de Cristo," onde é dito que Ele é dado pelo Filho de
Deus; daí eles concluem que ele procede também do Filho. As passagens mais importantes
citadas pelos teólogos romanos são: as palavras do Salvador para seus discípulos a respeito
do Espírito Santo, o Consolador: "Ele há de receber do que é meu, e vos anunciará..." (Jo
16:15); as palavras do Apóstolo Paulo, "Deus enviou aos nossos corações o Espírito de Seu
Filho..." (Gal 4:6); as palavras do mesmo Apóstolo: "Mas se alguém não tem o Espírito de
Cristo, esse tal não é Dele" (Ro 8:9); e no Evangelho de João, "assoprou sobre eles e disse-
lhes: Recebei o Espírito Santo" (Jo 20:22)

Da mesma forma, os teólogos romanos acham nos trabalhos dos Santos Padres da Igreja
passagens onde freqüentemente é mencionado o envio do Espírito Santo "através do Filho"
e às vezes até uma "processão através do Filho."

No entanto nenhum arrazoado de qualquer tipo pode obscurecer as perfeitamente precisas


palavras do Salvador: "O Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar, ... e
imediatamente depois, ...que procede do Pai" (Jo 15:26).. Os Santos Padres da Igreja não
poderiam possivelmente colocar as palavras "através do Filho" se elas não estivessem
contidas na Sagrada Escritura.

No caso presente, os teólogos católicos romanos estão ou confundindo dois dogmas — isto
é, o dogma da existência pessoal das hipóstases e o dogma da unicidade da essência que
está imediatamente ligado com ele, ainda que seja um dogma separado — ou então eles
estão confundindo as relações internas das hipóstases da Santíssima Trindade com as ações
e manifestações providenciais do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que são dirigidas ao
mundo e à raça humana. Que o Espírito Santo é Um em Essência com o Pai e o Filho, e que
portanto Ele é o Espírito do Pai e do Filho, é uma verdade inquestionável do Cristianismo,
pois Deus é uma Trindade Una em Essência e Indivisível.

Essa idéia é claramente expressada pelo Bem Aventurado Teodoreto: "A respeito do
Espírito Santo, é dito não que Ele tenha existência do Filho ou através do Filho, mas sim
que Ele procede do Pai e tem a mesma natureza que o Filho, é de fato o Espírito do Filho
sendo Um em Essência com Ele" (B. A. Theodoret, "On the Third Ecumenical Council").

Nos Divinos Ofícios também, com freqüência ouvimos essas palavras endereçadas ao
Senhor Jesus Cristo: "Pelo Teu Espírito Santo, iluminai-nos, instrui-nos e preserva-nos." A
expressão "o Espírito do Pai e do Filho," é igualmente em si própria inteiramente Ortodoxa.
Mas essas expressões referem-se aos dogmas da Unicidade da Essência, e é absolutamente
essencial distinguir este de outro dogma, o dogma da geração e processão, no qual, como os
Santos Padres expressam, é mostrada a causa da existência do Filho e do Espírito Santo.
Assim, quando certos Padres da Igreja usam a expressão "através do Filho" eles estão,
precisamente por meio dessa expressão preservando o dogma da processão do Pai e a
inviolabilidade da formula dogmática, "procede do Pai." Os padres falam em relação ao
Filho "através" para defender a expressão "do Pai," onde só se refere só ao Pai.

A isso dever-se-ia juntar a expressão "através do Filho," que é encontrada em certos Padres
da Igreja, na maioria dos casos referem-se definitivamente às manifestações do Espírito
Santo no mundo, isto é, às ações providenciais da Santíssima Trindade, e não à vida de
Deus em Si próprio. Quando a Igreja Oriental notou uma distorção do dogma do Espírito
Santo no Ocidente e começou a recriminar os teólogos ocidentais por suas inovações, São
Máximo, o Confessor (no século sete), desejando defender os ocidentais, justificou-os
precisamente dizendo que pelas palavras "do Filho" eles pretendiam indicar que o Espírito
Santo é dado para as criaturas através do Filho, que Ele é enviado — mas não que o
Espírito Santo tem Sua existência do Filho. São Máximo, o Confessor manteve estritamente
o ensinamento da Igreja Oriental a respeito da processão do Espírito Santo do Pai e
escreveu um tratado especial sobre esse dogma.

O envio providencial do Espírito pelo Filho de Deus é referido nas palavras, "que Eu da
parte do pai vos hei de enviar." Também nós rezamos: "Senhor, Tu que, à terceira hora,
fizeste nascer o Espírito Santo sobre teus Apóstolos, pela Tua misericórdia não O afastaste
de nós, mas renova-nos a nós que humildemente te apresentamos as nossas súplicas"
(Tropário da Terceira Hora da Grande Quaresma também dito pelo padre antes da
Consagração da sagrada Liturgia). Confundindo os textos da Sagrada Escritura que falam
de "processão" com outros que falam do "envio" do Espírito Santo, os teólogos romanos
transferiram o conceito das relações providenciais para a própria existência da divindade,
para as relações lá entre as pessoas da Santíssima Trindade.

À parte do lado dogmático, ao introduzir um novo dogma a Igreja Romana violou o


Decreto do Terceiro e dos subseqüentes Concílios Ecumênicos (4º ao 7º), que proibiram a
introdução de qualquer tipo de mudança no Símbolo da Fé de Nicéia, depois que deu o
Segundo Concílio Ecumênico deu sua forma final. Assim a Igreja Romana cometeu uma
séria violação canônica.

Mas quando os teólogos romanos tentam dizer que a completa diferença entre o
Catolicismo Romano e a Ortodoxia no ensinamento do Espírito Santo é que eles ensinam a
processão "também do Filho" enquanto nós ensinamos a processão "através do Filho," e
que nessa afirmação existe escondido lá no fundo um mal entendido (ainda que às vezes
alguns escritores de nossa Igreja seguem os Católicos e permitem-se repetir essa idéia),
deve-se antepor que a expressão "através do Filho" em hipótese alguma constitui-se num
dogma da Igreja Ortodoxa, mas é só um modo explanatório de certos Padres em seu
ensinamento da Santíssima Trindade, e que portanto o verdadeiro significado do
ensinamento da Igreja Ortodoxa é em essência completamente diferente do ensinamento do
Catolicismo Romano.

A igualdade da Divindade das Pessoas da Santíssima Trindade.

As Três Pessoas da Santíssima Trindade tem a mesma Essência; cada uma das hipóstases
tem a totalidade da divindade intacta e incomensurável; as Três hipóstases são iguais em
honra e adoração.
A respeito da completude da divindade da Primeira Pessoa da Santíssima Trindade, não
houveram heresias na historia da Igreja de Cristo que a tivessem negado ou diminuído. No
entanto, nós encontramos afastamentos do ensinamento Cristão autentico a respeito de
Deus Pai. Assim, na antigüidade sob a influencia dos Gnósticos, e mais recentemente, sob a
influencia da assim chamada filosofia do idealismo na primeira metade do século 19
(principalmente Schelling), surgiu um ensinamento que considera Deus como o Absoluto,
Deus desligado de tudo que seja limitado e finito (a própria palavra "absoluto" significa
"desligado") e em decorrência não tendo contato com o mundo, requerendo um
intermediário. Assim, o conceito do Absoluto foi ligado com o nome de Deus Pai e o
conceito de intermediário com o nome do Filho de Deus. Essa conceituação está em total
desarmonia com o entendimento Cristão e com o ensinamento da palavra de deus. A
palavra de Deus nos ensina que Deus está perto do mundo, que Deus é amor, e que deus —
Deus o Pai — amou tanto o mundo que deu o Seu Filho Unigênito para que todos que
acreditem Nele tenham a vida eterna. Para Deus Pai, inseparavelmente do Filho e do
Espírito, pertence a criação do mundo e da providencia incessante sobre o mundo. Se na
palavra de deus o Filho é chamado de intermediário, isto é, algum principio de ligação entre
Deus o Pai, que estaria infinitamente remoto do mundo, e do finito mundo das criaturas.

Na historia da Igreja, o principal trabalho dogmático dos Santos Padres, foi dirigido à
afirmação da verdade da Unicidade da Essência, da completude da Divindade, e da
igualdade de honra das Segundas e Terceiras Hipóstases da Santíssima Trindade.

A Unicidade da Essência; a Igualdade da Divindade; e a Igualdade de Honra


de Deus, o Filho, com Deus o Pai.

Nos primeiros tempos Cristãos, até que a fé da Igreja na Unicidade da Essência e na


Igualdade das Pessoas da Santíssima Trindade tivesse sido precisamente formulada em
terminologia estritamente definida, aconteceu que mesmo aqueles escritores da Igreja que
eram cuidados em estar de acordo com a consciência universal da Igreja, e que não tinham
nenhuma intenção de viola-la com nenhuma visão pessoal, ás vezes, junto com pensamento
claramente Ortodoxos, usaram expressões relativas à Divindades das Pessoas da Santíssima
Trindade que não foram inteiramente precisas e que não afirmaram claramente a igualdade
das Pessoas.

Isso pode ser explicado, na sua maior parte, pelo fato que para o mesmo termo alguns
pastores da Igreja colocavam um significado e outros, outro significado. O conceito
"essência" foi expresso na língua grega pela palavra ousia, e essa palavra foi em geral
entendida por todo mundo da mesma forma. No entanto, uma falta de clareza foi
introduzida pelo uso de uma terceira palavra, "hipóstase." Alguns entenderam por esse
termo as "Pessoas" da Santíssima Trindade, e outros a "Essência." Essa circunstância
impediu mutuo entendimento. Finalmente, seguindo o exemplo autorizador de São Basílio,
o Grande, tornou-se aceito entender-se pela palavra Hipóstase os atributos Pessoais na
Divindade Triúnica.

No entanto, alem desses casos, existiram heréticos no período Cristão antigo que
conscientemente negaram ou diminuíram a Divindade do Filho de Deus. Heresias nesse
tipo foram numerosas e de tempos em tempos causaram fortes perturbações na Igreja. Eis
alguns exemplos desses heréticos:

1. Na Época Apostólica — os Ebionistas (do nome do herético Ebion). Os Santos Padres

testemunham que o Santo Evangelista João Teólogo escreveu seu Evangelho contra eles.

2 . No terceiro século, Paulo de Samosata foi acusado por dois Concílios de Antioquia no
mesmo século.

3. O mais perigoso de todos os heréticos foi Ario, o presbítero de Alexandria, no quarto


século. Ario ensinou que o Verbo, ou o Filho de Deus, recebeu o começo de sua existência
no tempo, apesar de ter sido antes de qualquer outra coisa; que Ele foi criado por Deus,
apesar de subseqüentemente Deus ter criado tudo através Dele; que Ele é chamado de Filho
de Deus só porque Ele é o mais perfeito de todos os espíritos criados, e tem uma natureza
que, sendo diferente da do Pai, não é divina.

Esse ensinamento herético de Ario perturbou o mundo Cristão todo, porque ele puxou atrás
de si muita gente. Em 325 o Primeiro Concílio Ecumênico foi chamado contra esse
ensinamento, e nesse Concilio 318 dos hierarcas chefes da Igreja unanimemente
expressaram o antigo ensinamento da Ortodoxia e condenaram o falso ensinamento de
Ario. O Concílio triunfante pronunciou Anátema contra aqueles que existiu num tempo em
que o Filho de Deus não existiu, contra aqueles que afirmaram que Ele foi criado, ou que
Ele era diferente essência que a do Deus Pai. O Concílio compôs um Símbolo da Fé, que
foi confirmado e completado mais tarde no Segundo Concilio Ecumênico. A unidade e
igualdade de honra do Filho de Deus com o Deus Pai foi expressa por esse Concílio no
Símbolo da Fé com as palavras : "de Uma Essência com o Pai."

Depois do Concilio, a heresia ariana dividiu-se em três ramos e continuou a existir por
algumas décadas. Ela foi sujeita a outras refutações em seus detalhes em vários concílios
locais e nas obras dos grandes Padres da Igreja do século 4º e parte do século 5º (Santos,
Atanásio, o Grande; Basílio, o Grande; Gregório, o Teólogo; João Crisostomo, Gregório de
Nissa; Epifânio; Ambrósio de Milão; Cirilo de Alexandria; e outros). No entanto, o espírito
nessa heresia mesmo mais tarde encontrou lugar para si em vários ensinamentos falsos
tanto na idade média quanto nos tempos modernos.

Ao responder às opiniões dos heréticos Arianos, os Padres da Igreja não encontraram uma
só passagem na Sagrada Escritura que tivesse sido citada pelos heréticos em justificativa de
sua Idea de desigualdade do Filho com o Pai. A respeito de expressões na Sagrada Escritura
que parecem falar da desigualdade do Filho com o Pai, deve-se ter em mente o seguinte: a)
que o Senhor Jesus Cristo não é só Deus, mas também tornou-se homem, e tais expressões
podem se referir à Sua humanidade; b) que em adição, Ele, como nosso Redentor, durante
os dias de Sua vida terrena estava em voluntária diminuição "...humilhou-se a si mesmo,
sendo obediente até na morte" (Filip 2:7-8). Mantendo essas palavras do Apóstolo, os
Padres da Igreja expressam essa condição pelas palavras ekkenosis, kenosis que significam
esvaziamento, diminuição, rebaixamento "antevendo teu divino auto-esvaziamento na cruz,
Hababuque clamou maravilhando-se " (Cânon das Matinas do Grande Sábado). Mesmo
quando o Senhor fala de Sua própria Divindade, Ele, tendo sido enviado pelo Pai e tendo
vindo para preencher na terra a vontade do Pai, colocando-se em obediência ao pai, sendo
Um em Essência e igual em honra com Ele como Filho, nos dá um exemplo de obediência.

Esse é o significado preciso, por exemplo, das palavras do Salvador no Evangelho de João :
" Porque o Pai é maior que eu" (Jo 14:28). Deve-se notar que essas palavras são ditas a
Seus discípulos em sua conversa de despedida depois das palavras que expressem a
completude de Sua divindade e a Unidade do Filho com o Pai: "Se alguém me ama,
guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para Ele, e faremos nele morada"
(Jo 14:23). Nessas palavras o salvador junta o Pai e Ele próprio na única palavra "nós," e
para igualmente em nome de Seu Pai e em Seu próprio nome; mas, como Ele foi mandado
pelo Pai para o mundo (Jo 14: 24), Ele se coloca em uma relação de submissão ao Pai (Jo
14:28).

Um exame detalhado de passagens similares na Sagrada Escritura (por exemplo, Marcos


13:32; Mat 26:39; Mt 27:43; João 20-17) é encontrado em Santo Atanásio, o Grande (em
seus sermões contra os Arianos), em São Basílio, o Grande (em seu quarto livro contra
Eunomius), em São Gregório, o Teólogo, e em outros que escreveram contra os Arianos.

No entanto, se existem tais expressões pouco claras na Sagrada Escritura sobre Jesus
Cristo, existem muitas, pode-se até dizer inumeráveis passagens que testemunham a
Divindade do Senhor Jesus Cristo. Primeiro, o Evangelho como um todo O testifica.
Quanto às passagens separadas, indicaremos só algumas das mais importantes. Algumas
dessas passagens dizem que o Filho de Deus é Deus verdadeiro; outras afirmam que Ele é
igual ao Pai; outras ainda dizem que Ele é Um em Essência com o Pai.

É essencial ter em mente que chamar o Senhor Jesus Cristo de Deus — theos — é em si
falar da plenitude da Divindade Nele. Falando do Filho, o Apóstolo Paulo diz que "Nele
habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Col 2:9).

As passagens seguintes mostram que o Filho de Deus é Deus verdadeiro:

a. Ele é diretamente chamado de Deus na Sagrada Escritura:

"No principio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o verbo era Deus. Ele estava no
principio com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se
fez" (Jo 1:13)

"Grande é o mistério da piedade; Deus se manifestou em carne" (Tim. 3:16)

"E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu entendimento para conhecermos o
que é verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é em Seu Filho Jesus Cristo. Este é o
verdadeiro Deus e a vida eterna" (1 Jo 5:20)

"...e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente.
Amem" (Ro 9:5).
"Meu Senhor e meu Deus" — a exclamação do Apóstolo Tomé (Jo 20:28)

"Olhai pois por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constitui bispos,
para apascentar a Igreja de Deus, que ele resgatou com o seu próprio sangue" (At. 20:28)

"vivamos.. sóbria, e justa, e piamente. Aguardando a bem aventurada esperança e o


aparecimento da glória do grande Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo" (Tit 2: 12-13) — Que
o título de "grande Deus pertence aqui a Jesus Cristo é tornado claro para nós pela
construção da sentença em grego (um artigo comum para as palavras "Deus e Senhor."
Assim como pelo contexto desse capitulo.

b. Ele é chamado de "Unigênito"

"E o verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do
Unigênito do Pai" (Jo 1:14 e 18).

"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho Unigênito, para que todo
aquele que Nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3:16)

c. Ele é igual em honra ao Pai:

"Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também" (Jo 5:17)

"Porque tudo quanto Ele faz, o Filho o faz igualmente" (Jo 5: 19)

"Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos, e os vivifica, assim também o Filho ter a vida
em Si mesmo" (Jo 5:21)

"Para que todos honrem o Filho, como honram o Pai" (Jo 5: 23)

d. Ele é Um em Essência com o Pai:

"Eu e o pai somos Um" (Jo 10:30) — em grego, em esmen, um em essência.

"Eu estou no Pai, e o Pai em Mim" (Jo 14:11; 10:38)

"E todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas" (Jo 17:10)

e. A palavra de Deus da mesma forma fala da eternidade do Filho de Deus:

"Eu sou o Alfa e o Omega, o principio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de
vir" (Ap 1:8)

"E agora glorifica-me Tu, ó Pai, junto de Ti mesmo, com aquela Glória que tinha contigo
antes que o mundo existisse" (Jo 17:5)
f. Sobre sua Onipresença:

"Ora ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no
céu" (Jo 3:13)

"Porque onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, ai estou Eu no meio deles"
(Mt 18:20)

g. O Filho de Deus como o Criador do mundo:

"Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez" (Jo 1:3).

"Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis;
sejam Tronos; sejam Dominações; sejam Principados; sejam Potestades; todas as coisas
foram criadas por Ele e para Ele; e Ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas
subsistem por Ele" (Col 1:16-17).

A palavra de Deus fala similarmente dos outros atributos Divinos do Senhor Jesus Cristo.

Como Sagrada Tradição, ela contem testemunhos inteiramente claros da fé universal dos
Cristãos dos primeiros séculos da verdadeira Divindade do Senhor Jesus Cristo. Nós vemos
a universalidade dessa fé:

Nos Símbolos da Fé que foram usados antes do Concilio de Nicéia em toda Igreja local.

Os Símbolos da Fé que foram compostos em Concílios ou em nome de concílios pelos


Pastores da Igreja antes do 4º século.

Os escritos dos Padres Apostólicos e professores da Igreja durante os primeiros séculos.

O testemunho de homens que não pertenciam ao Cristianismo e relataram que os Cristãos


adoravam "Cristo como Deus" (por exemplo, a carta de Plínio, o Jovem ao Imperador
Trajano; o testemunho do escritor Celsius, que era um inimigo dos Cristãos; e outros)

A Igualdade de honra e a Divindade do Espírito Santo.

Na historia da antiga Igreja, sempre que os heréticos tentaram diminuir a Divina dignidade
do Filho de Deus, isso era acompanhado por uma diminuição da dignidade do Espírito
Santo.

No segundo século, o herético Valentinus ensinou falsamente que o Espírito Santo não era
distinto em Sua natureza dos anjos. Os Arianos ensinaram a mesma coisa. Porém, o chefe
dos heréticos que distorceu o ensinamento Apostólico a respeito do Espírito Santo foi
Macedônio, que ocupou a cátedra de Constantinopla como Arcebispo no 4º século e
encontrou seguidores entre prévios Arianos e semi-arianos. Ele chamava o Espírito Santo
de uma criação do Filho, e um servo do Pai e do Filho. Acusadores dessa heresia foram
Padres da Igreja como São Basílio, o Grande; Gregório, o Teólogo; Atanásio, o Grande;
Gregório de Nissa; Ambrósio, Anfilocius; Diódoro de Tarso; e outros, que escreveram
trabalhos contra os heréticos. O falso ensinamento de Macedônio foi refutado
primeiramente numa série de concílios locais e finalmente no, Segundo Concilio
Ecumênico, de Constantinopla, em 381. Preservando a Ortodoxia, o Segundo Concilio
Ecumênico completou o símbolo da fé de Nicéia com estas palavras: "E no Espírito Santo,
Senhor e fonte de vida, que procede do Pai, e com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração
e a mesma glória. Foi Ele que falou pelos Profetas," assim como os artigos do Credo que
seguem a esse no Símbolo da Fé de Nicéia —Constantinopla.

Dentre os numerosos testemunhos da Sagrada Escritura a respeito do Espírito Santo, é


especialmente importante ter-se em mente as passagens que a) confirmam o ensinamento da
Igreja de que o Espírito Santo não é um poder divino impessoal, mas sim uma Pessoa da
Santíssima Trindade, e b) que afirmam a Sua Unicidade em Essência e igual dignidade
divina com a Primeira e com a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade.

a) Um testemunho do primeiro tipo — Que o Espírito Santo é uma Pessoa — nós temos nas
palavras do Senhor em Sua conversa de despedida com Seus discípulos, na qual Ele chama
o Espírito Santo de "Consolador" "que eu da parte do Pai vos hei de enviar aquele Espírito
de verdade, que procede do Pai, ele testificará de mim" (Jo 15:26). "E quando Ele vier,
convencerá o mundo do pecado, e da justiça e do juízo; do pecado porque não crêem em
mim; da justiça, porque vou para meu Pai, e não me vereis mais; e do juízo porque já o
príncipe desse mundo está julgado" (Jo 16:18-11)

b) O Apóstolo Pedro fala do Espírito como Deus nas palavras dirigidas a Ananias, que
havia escondido o preço de sua propriedade: "porque encheu Satanás o teu coração para
que mentisses ao Espírito Santo ... Não mentiste aos homens, mas a Deus" (At 5:3-4)

A respeito da igualdade de honra e Unicidade da Essência do Espírito Santo como Pai e o


Filho existe o testemunho de passagens como "Batizando-os em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo" (Mt 28-19).

"A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai, e a comunhão do Espírito
Santo seja com vós todos" (2 Co 13:13). Aqui todas as três Pessoas da Santíssima Trindade
são mencionados como iguais. E nas seguintes palavras o próprio Salvador expressa a
dignidade Divina do Espírito Santo: "E se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do
homem, ser-lhe-á perdoado, mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será
perdoado nem neste século nem no futuro" (Mt 12:32).

Transição para a Segunda Parte da Teologia Dogmática.

Quando a mente do homem é dirigida para a compreensão da vida de Deus em Si próprio,


Seu pensamento se perde em sua impotência e só pode se dar conta da incomensurável e
inatingível grandeza de Deus, e a interminável e insondável diferença entre a criatura e
Deus — uma diferença tão grande que é impossível compara-la.
Mas quando a mesma mente do homem volta-se para o conhecimento de Deus no mundo,
para atividades de Deus no mundo, ela vê em todas as coisas e em todos os lugares o poder,
a mente, a bondade e a misericórdia de Deus: " ... as suas coisas invisíveis, desde a criação
do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem e claramente se
vêem pelas coisas que estão criadas" (Ro 1:20)

Mais além, voltando-se para sua própria alma, olhando fundo dentro de si mesmo,
concentrando-se em oração, estando na Igreja de Cristo, no grau de seu próprio crescimento
espiritual — um homem torna-se capaz de entender o que é inexplicável em palavras: a
proximidade de Deus à sua criação, e especialmente sua proximidade ao homem.

Ainda mais adiante, diante dos olhos espirituais de um crente cristão lá está um abismo: o
ilimitado e brilhante, insuperável a tudo amor de Deus por cada um de nós, como revelado
pelo envio para o mundo, e a morte na cruz do Filho de Deus para nossa salvação.

O objetivo final da Teologia Dogmática em sua segunda parte é o reconhecimento da


sabedoria e bondade de Deus, a proximidade de Deus, o amor de Deus; e de nosso lado, o
reconhecimento do que é necessário para o homem para receber salvação e chegar perto de
Deus.

Parte II
Deus Manifestado no Mundo.
Deus e a Criação.
Introdução. O modo de criação do mundo. O motivo para a criação. A perfeição da
Criação. O Mundo Angélico. Anjos da Sagrada Escritura. A criação dos Anjos. O
ministério dos Anjos. Homem — A coroa da criação. A alma como uma substância
independente. A origem das almas. A imortalidade da alma. Alma e espírito. A imagem de
Deus no homem. O propósito do Homem.

Introdução.

No princípio criou Deus os céus e a terra (Ge 1:1). O relato divinamente inspirado da
criação do mundo por Moisés, mostrado na primeira pagina da Bíblia, mostra-se em
exaltada grandeza, bem independente das antigas lendas mitológicas sobre a origem do
mundo, bem como várias hipóteses, constantemente substituindo uma as outras, a respeito
do começo e desenvolvimento da ordem do mundo. Ela é apresentada como o auxilio da
mais elementar linguagem; com um vocabulário consistente e somente algumas centenas de
palavras e inteiramente destituído das idéias abstratas tão necessárias para a expressão de
verdades religiosas. Mas apesar de sua elementar natureza ela tem um significado eterno.

O propósito direto do visionário de Deus Moisés foi — por meio de um relato da criação —
instilar em seu povo, e através dele em toda humanidade, as verdades fundamentais de
Deus, do mundo e do homem.

A. De Deus. A principal verdade expressa na Gênesis é a de Deus como a Única Essência


Espiritual independente do mundo. As primeiras palavras do livro da Gênesis, "No
principio criou Deus," nos conta que Deus é o único extra-temporal, eterno, auto-existente
ser, a fonte de todo ser, e o Espírito acima desse mundo, Porque Ele existia também antes
da criação do mundo, seu ser e fora do espaço, não limitado nem pelo céu, porque o céu foi
criado junto com a terra. Deus é Um, Deus é Pessoal, Essência Intelectual.

Depois de apresentar em ordem os estágios da criação do mundo, o escritor da Gênesis


conclui seu relato com as palavras, "E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito
bom..." (Ge 1:31)

B. Do Mundo. Do magnífico esquema dado por Moisés para a origem do mundo, segue-se
uma série de conclusões diretas a respeito do mundo, nomeadamente:

(1) Como o mundo levantou-se

(a) O mundo não existe eternamente, mas apareceu no tempo.

(b) Ele não se formou, mas é dependente da vontade de Deus.

(c) Ele não apareceu em um único instante, mas foi criado em seqüência do mais

simples para o mais complexo.

(d) não foi criado por necessidade, mas pelo livre desejo de Deus.

(e) Ele foi criado pelo Verbo de Deus, com a participação do Vivificante Espírito.

(2) O que a natureza do mundo é:

(a) O mundo em sua essência é distinto de Deus. Ele não é

(1) Parte de Essência de Deus.

(2) Nem uma emanação Dele,

(3) Nem seu corpo


(b) Ele não foi criado de nenhum material existente eternamente mas foi trazido a ser vindo
do completo não-ser

(c) Tudo que está na terra foi criado dos elementos da terra, foi "trazido" pela água e pela
terra ao comando de Deus, exceto a alma do homem, que carrega em si mesma a imagem e
a semelhança de Deus.

(3). Quais são as conseqüências da criação

(a) Deus permanece em Sua natureza distinta do mundo, e o mundo de Deus.

(b) Deus não sofreu nenhuma perda e não adquiriu nenhum ganho para si pela

criação do mundo.

(c) No mundo não há nada incriado, à parte o próprio Deus.

(d) Tudo foi criado muito bom — o que significa que a malignidade não apareceu

junto com a criação do mundo

C. Do homem. O homem é a mais alta criação de Deus na terra. Reconhecendo respeito no


seu Criador, O glorificando, dando graças a Ele, e lutando para ser merecedor de Sua
misericórdia!

Mas essas coisas — glória, graças, oração — são possíveis somente sobre as bases que
foram dadas no relato de Moisés sobre a criação do mundo. Sem o conhecimento de um
Deus Pessoal, nós não poderíamos nos voltar para Ele: nós seriamos órfãos, não
conhecendo nem pai nem mãe.

Se fosse para nós reconhecermos que o mundo é co-eterno com Deus, de alguma forma
independente de Deus, de algum modo igual a Deus, ou ainda nascido de uma emanação de
Deus, então isso seria o mesmo que dizer que o mundo é igual a Deus em dignidade, e que
o homem, como a mais desenvolvida manifestação da natureza do mundo, deveria ser
capaz de se considerar como uma divindade que não teria obrigação diante de um princípio
mais elevado. Tal conceito conduziria às mesmas conseqüências negativas e penosas, para a
queda moral dos homens, como o faz o simples ateísmo.

Mas o mundo tem um inicio. O mundo foi criado no tempo. Existe um mais Elevado,
Eterno, Sapientíssimo, Poderoso e Bom poder acima de nós, por Quem o espírito de um
homem crente alegremente luta e para quem ele se inclina, clamando com amor: "Ó
Senhor, quão harmoniosos são as tuas obras! Feitas todas com sabedoria, a terra está repleta
das Tuas riquezas... A glória do Senhor seja para sempre" (Salm 104:24 e 31).

O modo de criação do mundo.


O mundo foi criado do nada. Na verdade, melhor dizer que ele foi trazido para o ser vindo
do não-ser, como os Padres normalmente se expressam, porque se dizemos "do," nós
estamos evidentemente já pensando em algo material. Mas "nada" não é material. No
entanto, é condicionalmente aceitável e inteiramente permissível usar essa expressão por
sua simplicidade e brevidade.

Essa criação é um trazer para o ser, vindo do completo não-ser e é mostrada em muitas
passagens nas palavras de Deus: por exemplo "Deus as fez (as coisas) de coisas que não
existem (2 Macabeus 7:28); "aquilo que se vê não foi feito do que é aparente (Heb 11:3); "e
(Deus) chama as coisas que não são como se já fossem" (Ro 4:17).

O próprio tempo recebeu seu começo na criação do mundo; até então existia somente
eternidade. A Sagrada Escritura diz também: "por Ele (Seu Filho) foram feitos os séculos."

A respeito dos dias da criação, o Bem Aventurado Agostinho, em seu trabalho, A Cidade de
Deus, disse: "Que tipo de dias foram eles, é extremamente difícil dizer ou talvez impossível
para nós conceber, e quanto mais explicar!" (livro 11, cap. 6, Modern Library Editora, New
York,1950, pg 350).

"Nós vemos, de fato, que nossos dias comuns só tem anoitecer pelo se pôr-do-sol e só tem
amanhecer pelo levantar do sol. Mas nos três primeiros dias da criação não existiu sol, já
que é relatado que ele foi feito no quarto dia. E primeiro de tudo, a luz foi feita pela palavra
de Deus, e Deus, nós lemos, separou a luz das trevas, e chamou a luz de dia, e as trevas de
noite; mas que tipo de luz era, e por qual movimento periódico era feito o anoitecer e o
amanhecer está além do alcance dos nossos sensos; nem podemos entender como era, e no
entanto devemos acreditar sem hesitação nisso" (City of God, livro 11, cap 7, pg 351).

Deus criou o mundo por Seu pensamento, por Sua vontade, por Sua palavra, ou comando.
"..., pois mandou e logo foram criados" (Sc 148,5). Pela "palavra" de Deus, os padres da
Igreja notam que devemos entender aqui nenhum tipo de som articulado ou palavra como
nossas. Não, essa palavra criadora significa somente o comando ou a expressão da toda
poderosa vontade de Deus, que trouxer o universo para a existência do nada.

São Damasceno escreve: "Agora, o bom e transcendental bom Deus não estava satisfeito
em contemplar a Si mesmo, mas por uma superabundância de bondade viu ser bom que
deveriam existir algumas coisas para se beneficiarem e participarem em Sua bondade, então
ele trouxe todas as coisas do nada para o ser e as criou, tanto visíveis quanto invisíveis, e
também o homem que é feito de ambas. Por pensar Ele criou, e com o Verbo preenchendo e
o espírito aperfeiçoando, o pensamento tornou-se ação" (Exact Exposition, Livro 2, cap.2,
Fathers of The Church, tr. Pág 205).

Assim, apesar do mundo ter sido criado no tempo, Deus tinha o pensamento de Sua criação
por toda a eternidade (Agostinho, Against Heresies). No entanto, nós evitamos a expressão
"Ele criou o mundo de seu pensamento" para não dar ocasião a que se pense que ele criou o
mundo de Sua Essência. Se a palavra de Deus não nos dá o direito de falar do "ser pré-
eterno" do mundo inteiro, assim também, na mesma base deve-se reconhecer como
inaceitável a idéia da "existência pré-eterna da humanidade," uma idéia que tem tentado
penetrar na nossa teologia através das correntes filosóficas-teológicas contemporâneas.

A Santa Igreja, sendo guiada pelas indicações da Sagrada Escritura, confessa a participação
de todas as pessoas da Santíssima Trindade na criação. No símbolo da fé nós lemos: "Creio
em um só Deus, Pai Todo Poderoso, Criador do céu e da terra, e de todas as coisas visíveis
e invisíveis; creio em um só Senhor Jesus Cristo, Filho Único de Deus...por Quem todas as
coisas foram feitas ... creio no Espírito Santo, Senhor e Fonte de Vida." Santo Irineu de
Lyon escreve: "O Filho e o Espírito Santo são, como se fossem as mãos do Pai" (Against
Heresies, Livro 5, cap. 6). A mesma idéia é encontrada em São João de Kronstadt (My Life
in Christ).

O motivo para a criação.

A respeito do motivo para a criação na mente de Deus, a Confissão Ortodoxa e o Longo


Catecismo Ortodoxo expressam-se assim: O mundo foi criado por Deus "para que outros
seres glorificando-O, possam ser participantes em Sua bondade." A idéia de misericórdia e
bondade de Deus, como expressar na criação do mundo, é encontrada em muitos salmos
como nos Salmos 103 e 104 ("Bendize, ó minha alma, ao Senhor") que chamam à
glorificação do Senhor, e dão graças à própria existência e por todas as providências de
Deus. O mesmo pensamento é expresso pelos Padres na Igreja. O Bem Aventurado
Teodoreto escreve: "O Senhor não tem necessidade de ninguém que O louve; mas só por
Sua bondade Ele concedeu existência aos Anjos, Arcanjos, e para toda a criação." Além
disso, "Deus não tem necessidade de nada; mas Ele, sendo um abismo de bondade dignou-
se dar existência a coisas que não existiam." São João Damasceno diz (como vimos logo
atrás): "O bom e transcendentemente bom Deus não estava satisfeito em contemplar a Si
mesmo, mas por uma superabundância de bondade viu ser bom que deveriam existir
algumas coisas para se beneficiarem e participarem em Sua bondade."

A perfeição da criação.

A palavra de Deus e os Padres da Igreja ensinam que tudo que foi criado por Deus foi bom,
e eles indicam a boa ordem do mundo como criado pelo Bom. A criação irracional, não
tendo em si nenhuma liberdade moral, é moralmente nem boa nem má. A criação racional e
livre torna-se maligna quando ela se inclina para longe de Deus; isso é seguindo sua atração
pecaminosa e não porque ela foi criada assim. "E viu Deus que era bom" (Gên 1;4, 10, 12,
18, 21, 25). "E eis que era muito bom" (Gên 1:31).

Deus criou o mundo perfeito. No entanto, o Apocalipse não diz que o mundo presente era
perfeito em tal extensão que não teria necessidade de, ou seria incapaz de, um
aperfeiçoamento, fosse nos dias de sua criação ou nas suas condições mais tardias e
presentes. O mundo terreno em seus mais altos representantes — o gênero humano — eram
predestinados para uma forma de vida nova e mais elevada. A Revelação Divina nos ensina
que a presente condição do mundo será substituída em algum momento por uma melhor e
mais perfeita, quando existirá "novos céus e nova terra" (2 Pe 3:13), e a própria criação
"será libertada da servidão da corrupção" (Ro 8:21).
A Questão: como a vida de Deus procedia antes da criação humana do mundo, o Bem
Aventurado Agostinho responde, "minha melhor resposta é: eu não sei." São Gregório, o
Teólogo reflete: "Ele contempla a amada radiancia de Sua própria bondade... visto que não
se pode atribuir a Deus inatividade ou imperfeição, então o que ocupava o pensamento
divino antes que o Todo Poderoso reinando na ausência do tempo, criasse o universo e o
adornasse com formas? Ele contemplava a amada radiosa divindade conhecida só pela
divindade e para quem Deus A revelasse. A Mente criadora do mundo igualmente
contemplativa, em suas grandes concepções, as formas do mundo divisadas por Ele, que,
mesmo que fossem trazidas subseqüentemente, para Deus já estavam presentes. Com Deus,
tudo está diante de Seus olhos: o que será, o que foi, e o que não é" (São Gregório, o
Teólogo, Homilia 4, On the World).

Para a questão, como era expressa, a onipotência de Deus, antes que existissem o mundo,
São Metódio de Patara diz: "Deus Onipotente está fora de qualquer dependência das coisas
criadas por Ele."

O Mundo Angélico.

O primeiro e mais alto lugar na inteira escada dos seres criados é ocupado pelos espíritos
puros e imateriais. Eles são seres não só comparativamente mais elevados e mais perfeitos,
mas eles também tem uma influência muito importante na vida dos homens, apesar de
serem invisíveis para nós.

O que foi revelado para nós a respeito deles? Como e quando eles vieram para a condição
de ser? Que natureza lhes foi dada? São todos de igual estatura? Qual é o seu propósito e a
forma de sua existência?

Anjos na Sagrada Escritura.

O nome "anjo" significa "mensageiro." Essa palavra caracteriza bem o seu serviço para a
raça humana. O gênero humano conheceu sobre sua existência desde os primeiros dias do
Paraíso. Nós vemos um reflexo desse fato também em outras religiões antigas, não só no
Judaísmo.

Depois que o gênero humano caiu no pecado e foi banido do Paraíso, um Querubim com
uma espada flamejante foi posto para guardar a entrada do Paraíso (Gên 3:24). Abrahão,
quando enviando seu servo para Naor, encorajou-o com a convicção de que o Senhor
enviaria seu anjo com ele e orientaria seu caminho (Gên 24:7). Jacó viu Anjos, tanto
durante o sono (na visão da escada mística, no caminho para a Mesopotâmia; Ge 28:12)
quanto acordado (no caminho de volta para o lar para Esaú, quando ele viu um "exército"
dos Anjos de Deus; Gên 32:1 e 2). Nos salmos, os anjos são falados freqüentemente:
"Louvai-o, todos os seus anjos" (Salm 148:2)."...Aos seus anjos dará ordem a teu respeito,
para te guardarem em todos os teus caminhos" (Salm 91:11). Similarmente, nós lemos
acerca dos anjos no livro de Jó e nos Profetas, o Profeta Isaias viu Serafins rodeando o
trono de Deus (cap 6). O Profeta Ezequiel viu Querubins na visão da Casa de Deus (Cap.
10).

O Novo Testamento contem muita informação e muitas menções de anjos. Um anjo


informou Zacarias da concepção do Precursor. Um anjo informou a Santíssima Virgem
Maria do nascimento do Salvador e apareceu a José enquanto este dormia. Uma multidão
numerosa de anjos cantou a glória da Natividade de Cristo. Um anjo anunciou a boa nova
do nascimento do Salvador aos pastores. Um anjo preveniu os Magos para não retornarem a
Herodes. Anjos serviram Jesus Cristo depois de Suas tentações no deserto. Um anjo
apareceu para dar força a Ele no jardim de Getsemani. Anjos informaram as mulheres
Miróforas sobre a Sua Ressurreição. Os Apóstolos foram informados por eles sobre a Sua
segunda vinda, na hora de Sua Ascensão ao céu.. Anjos libertaram Pedro e outros
Apóstolos (At 5:19), e Pedro sozinho (At 12:7-15). Um anjo apareceu para Cornélio e deu
instrução a ele para chamar o Apóstolo Pedro e instrui-lo na palavra de Deus (At 10:3-7).
Um anjo informou o Apóstolo Paulo que ele tinha que se apresentar diante do César (At
27:23-24). Uma visão de anjo é a base das revelações dadas a São João Teólogo no
Apocalipse.

A criação dos Anjos.

No Símbolo da Fé nós lemos, "Creio em um só Deus, . Criador do céu e da terra, e de todas


as coisas visíveis e invisíveis." O invisível, mundo angélico foi criado por Deus, e criado
antes que o mundo visível. "Quando as estrelas foram feitas, todos meus anjos me louvaram
com alta voz, disse o Senhor a Jó" (Jó 38:7, Septuaginta). O Apóstolo Paulo escreve:
"Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis,
sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades..." (Col 1:16). Os
Padres da Igreja entendem que a palavra "céu" no começo do livro da Gênesis ("No começo
criou Deus os céus e a terra"), não como sendo o céu físico, que foi formando depois, mas o
céu invisível, o lugar de morada dos poderes do alto. Eles expressaram a idéia de que Deus
criou os anjos muito antes de ter criado o mundo visível. (Santos Ambrósio, Jerônimo,
Gregório o Grande, Anastácio do Sinai) e que na criação do mundo visível os anjos já
estavam diante da face do Criador e O serviam. São Gregório o Teólogo reflete sobre isso:
"Desde que, para a bondade de Deus não era suficiente estar ocupada só com a própria
contemplação, mas era necessário que o bem se estendesse mais e mais, para que o número
daqueles que viessem a receber graça fosse tão grande quanto possível (porque essa é a
característica da mais elevada bondade) — então, Deus divisou primeiro de tudo os poderes
angélicos celestiais; e o pensamento tornou-se ação, que foi executada pelo Verbo, e
aperfeiçoada pelo Espírito... e assim que as primeiras criaturas estavam agradando a Ele,
Ele divisou outro mundo, material e visível, a composição ordenada do céu e da terra, e
daquilo que está entre eles." São João Damasceno segue também o pensamento de São
Gregório Teólogo (Exact Exposition, Livro 2, cap 3).

A natureza dos Anjos.

Por sua natureza, anjos são espíritos ativos que tem inteligência, vontade e conhecimento.
Eles servem a Deus, preenchem Sua vontade providencial, e O glorificam. Eles são
espíritos imateriais e, porque eles pertencem ao mundo invisível, eles não podem ser vistos
por nossos olhos corporais. Anjos, instrui São João Damasceno, "não aparecem exatamente
como eles são mas sim como Deus quer que eles apareçam. Eles aparecem nas mais
diferentes formas como pode ser visto por aqueles que os contemplam" (Exact Exposition,
livro 2, cap. 3, trad. Inglesa,pag 206). No relato do livro de Tobias, o anjo que o acompanha
e ao seu filho conta a ele de si próprio: "Todos esses dias eu simplesmente apareci para
vocês e não comi ou bebi, mas vocês estavam vendo uma visão" (Tobias 12:19). Agora,
como São João Damasceno expressa, "comparado conosco, o anjo é dito ser incorpóreo e
imaterial, apesar de em comparação com Deus, que só Ele é incomparável, tudo prova ser
grosseiro e material — pois só a divindade é verdadeiramente imaterial e incorpórea " (Ibid,
pg 205).

O grau de perfeição angélica.

Os anjos são espíritos perfeitos. Eles ultrapassam o homem pelo seu poder espiritual. No
entanto, eles também, como seres criados, carregam em si o selo da limitação. Sendo
imateriais, eles são menos dependentes que os homens de espaço e lugar, e por assim dizer,
passam através de vastos espaços com extrema rapidez, aparecendo aonde quer que seja
necessário que eles ajam. No entanto, não se pode dizer que eles sejam inteiramente
independentes de espaço e lugar, nem que eles estejam presentes em todo lugar. A Sagrada
Escritura às vezes mostra anjos descendo do céu para a terra, ás vezes subindo da terra para
o céu, e assim deve-se supor que eles estejam tanto no céu quanto na terra ao mesmo
tempo. (Os Santos Padres ensinam isso bastante explicitamente. Assim, São Basílio
escreve: "Nós cremos que cada um (dos poderes celestes) tem um lugar definido. Pois o
anjo que estava frente a Cornélio não estava ao mesmo tempo com Felipe (At 10:3; 8:26); e
o anjo que falou Zacarias não estava ao mesmo tempo ocupando seu próprio lugar no céu"
(On the Holly Spirit, cap 23, edição russa de Soikin, São Petesburgo, 1911, vol 1, pág.
622). Da mesma forma São João Damasceno ensina: "Os anjos são circunscritos, pois
quando eles estão no céu eles não estão na terra, e quando eles são mandados para a terra
por Deus, eles não permanecem no céu" (Exact Exposition, Livro 2, cap. 3, tradução
inglesa, pág. 206)).

Imortalidade é um atributo dos anjos, e é claramente testificada pelas Escrituras, que


ensinam que eles não podem morrer (Lc 20:36). No entanto, sua imortalidade não é uma
imortalidade divina; isso é algo auto-existente e incondicional. Ao contrário ela depende,
assim como a imortalidade da alma humana, inteiramente da vontade e misericórdia de
Deus.

Como espíritos imateriais, os anjos são capazes de autodesenvolvimento interno até o mais
alto grau. Suas mentes são mais elevadas que a mente humana. De acordo com a
explanação do Apóstolo Pedro, em sua força e poder eles ultrapassam todos os governos e
todas as autoridades terrenas (2 Pe 2:11). A natureza de um anjo é mais elevada que a
natureza de um homem, como o Salmista diz quando, para exaltar o ser humano, ele mostra
que o homem é pouco inferior aos anjos (Salm 8:5). Porém, os exaltados atributos dos anjos
têm seus limites. A Escritura indica que eles não conhecem as profundezas da Essência de
Deus, que é conhecida somente pelo Espírito de Deus: "Assim ninguém sabe as coisas de
Deus, senão o Espírito de Deus" (1 Cor 2:11). Eles não conhecem o futuro, o qual também
é conhecido somente por Deus: "Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos que
estão no céu" (Mc 13:22). Da mesma forma eles não entendem completamente o mistério
da Redenção, apesar de quererem nele penetrar: "para as quais coisas os anjos desejam bem
atentar" (1 Pe 1:12). Eles nem mesmo conhecem todos os pensamentos humanos (3 Reis
8:39). Finalmente, eles não podem por si próprios, sem a vontade de Deus, fazer milagres:
"Bendito seja o Senhor Deus, o Deus de Israel, que só Ele faz maravilhas" (Salm 72:18).

O número e os graus dos Anjos.

A Sagrada Escritura apresenta o mundo angélico como extraordinariamente grande.


Quando o Profeta Daniel viu o Ancião dos Dias em uma visão, foi revelado para seu
espanto que "milhares de milhares O serviam e milhões de milhões estavam diante Dele"
(Daniel 7:10). "Uma multidão dos anjos celestiais, louvou a vinda para a terra do Filho de
Deus" (Lc 2:13).

"Calculem," diz São Cirilo de Jerusalém, "quantas são as nações romanas; calculem quantas
tribos bárbaras vivem agora, e quantos morreram nos últimos cem anos; calculem quantas
nações foram enterradas durante os últimos mil anos; calculem todos de Adão até hoje. Na
verdade é uma grande multidão; mas ainda é pouco, porque os anjos são muito mais. Eles
são as noventa e nove ovelhas, mas o ser humano é a uma" (Mt 18:12). Pois de acordo com
a extensão do espaço universal, nós devemos calcular o número de seus habitantes. A terra
inteira não é senão um ponto no meio do céu, e mesmo assim contem tão grande multidão;
que multidão deve conter o céu que envolve a terra? E o céu dos céus não devem conter
números inimagináveis? E está escrito, milhares e milhares O serviam e milhões de milhões
estavam diante Dele; não que a multidão fosse só desse tamanho, mas o Profeta não
conseguiu expressar mais do que isso" (São Cirilo de Jerusalém, Catechetica Lectures,
15:24, tradução Eerdmans, pg 111-112).

Com tal multidão de anjos é natural supor-se que no mundo dos anjos assim como no
mundo material, existam vários degraus de perfeição, e portanto vários estágios, ou graus
hierárquicos, dos poderes celestes. Assim, a palavra de Deus chama alguns deles de "anjos"
e outros de "arcanjos" (1 Tess 4:16; Judas 1:9).

A Igreja Ortodoxa, guiada pela visão de antigos escritores da Igreja e dos Santos Padres, e
em particular pelo trabalho, A Hierarquia Celeste, que leva o nome de São Dinis, o
Aeropagita, divide o mundo angélico em novos coros ou categorias, e esses nove em três
hierarquias, com três categorias em cada. Na primeira hierarquia estão aqueles que estão
mais perto de Deus: os Tronos, os Querubins e os Serafins. Na segunda, hierarquia média,
estão os Poder, Potestade e Domínio. Na terceira, mais próximas de nós, estão os Anjos,
Arcanjos e Principados. (The Orthodox Confession).

Nós encontramos essa enumeração dos noves coros de anjos nas Constituições Apostólicas
(As "Constituições Apostólicas" são uma coleção de textos do 4º e 5º séculos sobre a
doutrina, louvação e disciplina Cristã que dão muita informação sobre a vida da Igreja nos
primeiros tempos — apesar de não necessariamente no tempo dos Apóstolos. Tendo algum
respeito por ser um texto Cristão antigo, mais devido a algumas adições feitas a ele em
diferentes épocas, não tem autoridade da Igreja que é gozada por outros textos dos
primeiros tempos. Ele tem que ser distinguido dos "Canons Apostólicos" que foram aceitos
pelo Quinisexto Concílio (692) como autorizado para a Igreja, e ressalte-se que esse mesmo
Concílio rejeitou as Constituições Apostólicas como um todo por conta de "material
adúltero" que foi acrescentado a elas (Canon 2, EerdmansSeven Ecumenical Concils, p.
361), em Santo Inácio, o Teóforo, Gregório Teólogo e Crisostomo; mais tarde em São
Gregório Dialoguista, João Damasceno e outros. Aqui estão as palavras de São Gregório
Dialoguista sobre esse assunto: "Nós aceitamos nove categorias de anjos, porque por
testemunho da palavra de Deus nós conhecemos sobre Anjos, Arcanjos, Potestades,
Autoridades, Principados, Dominações, Tronos, Querubins e Serafins. Assim, a respeito da
existência de Anjos e Arcanjos, quase todas as páginas da Sagrada Escritura testemunham;
dos Querubins e Serafins como são bem conhecidos, os livros proféticos falam
freqüentemente; o Apóstolo Paulo enumera outras quatro categorias em sua Epístola aos
Efésios, dizendo que Deus (o Pai) colocou seu Filho "acima de todo o principado, e poder,
e potestade, e domínio" (Ef 1:21). E em sua Epístola aos Colossenses ele escreve: "Nele
foram criadas todas as coisas que há no céu e na terra visíveis e invisíveis, sejam Tronos,
Dominações, sejam Principados, sejam Potestades" (Col 1:16). E assim, quando juntamos
Tronos para esses quatro do qual fala aos Efésios, isto é, Principado, Poder, Potestade e
Domínio nós temos cinco categorias separadas, e quando juntamos a elas os Anjos,
Arcanjos, Querubins e Serafins, está claro que existem nove categorias de anjos.

Na verdade, voltando aos livros da Sagrada Escritura, nós encontramos os nomes das nove
categorias mencionadas acima; mais do que nove não são mencionadas. Assim, nós lemos o
nome "Querubim" no livro da Gênesis (3:24), nos Salmos 80 e 99 e em Ezequiel (cap 1 e
10). "Serafim" nós encontramos em Isaias (cap. 6); "Poderes" nós encontramos na Epístola
aos Efésios (cap. 1) e em Romanos (cap. 8); "Trono," "Principado," Domínios," Potestades"
em Colossenses (cap. 1), e Efésios (cap 1 e 3)); "Arcanjos" em 1 Tess (cap 4) e Judas (vers.
9); e "anjos" em 1 Pe (cap 3), Romanos (cap 8) e outros livros. Sobre essa base o número
de categorias dos anjos é usualmente limitado no ensinamento da Igreja a nove.

Certos Padres da Igreja expressam sua pia opinião privada que a divisão dos anjos em nove
categorias inclui somente aqueles nomes e graus que foram revelados na palavra de Deus,
mas não incluem muitos outros nomes e graus que não foram revelados a nós nesta vida
presente mas que serão conhecidos somente na vida futura. Essa idéia é desenvolvida por
São Crisostomo, Bem Aventurado Teodoreto e Bem Aventurado Teofilacto. "Existem," diz
Crisostomo, "na verdade existem outros poderes cujos nomes nós não conhecemos ...
Anjos, Arcanjos, Tronos, Domínios, Principados, Potestades não são os únicos habitantes
dos céus; existem também inumeráveis outros tipos, e inimaginavelmente muitas classes
que palavras não são capazes de descrever. E como é evidente que existem poderes além
daqueles mencionados acima e poderes cujos nomes nós não conhecemos? O Apóstolo
Paulo tendo falado de uns, menciona os outros quando ele testemunha de Cristo "...pondo-o
à Sua direita nos céus, acima de todo o Principado, e Poder e Potestade e Domínio, e de
todo nome que se nomeia, não só nesse século mas também no vindouro" (Ef 1:20-21).
Vêem que existem certos nomes que só serão conhecidos então, mas que são desconhecidos
agora? Assim, ele também diz: "... de todo o nome que se nomeia, não só nesse século mas
também no vindouro" Essa opinião é tomada pela Igreja, como opinião privada.
Em geral, os antigos pastores consideravam a doutrina da hierarquia celeste, mística.
"Quantas categorias de seres celestes existem" reflete São Dinis na Hierarquia Celeste, "de
que tipo elas são, e de que modo os mistérios de sua sacra ordem são executados, só, é
conhecido precisamente por Deus, que é a Causa da hierarquia deles. Da mesma forma, eles
mesmos conhecem seus próprios poderes, luz e ordem além desse mundo. Mas nós
podemos falar disso somente até o grau que Deus revelou para nós através dos próprios
poderes celestes, como os únicos que conhecem a si próprios" (Hierarquia Celeste, cap. 6).
Similarmente, o Bem Aventurado Agostinho reflete, "que há Tronos, Domínios,
Principados e Potestades nas mansões celestes, eu creio sem hesitação e eles são distintos,
uns dos outros, disso não tenho dúvidas; mas de que tipo são eles, e em que precisamente
eles são distinguidos entre si, eu não sei."

Na Sagrada Escritura, para alguns dos anjos mais elevados são dados nomes próprios.
Existem dois de tais nomes nos livros canônicos: Michael (que significa "quem é igual a
Deus"? Daniel 10:13, 12:1; Judas 1:9; Apocalipse 12:7-8) e Gabriel ("Homem de Deus";
Daniel 8:16, 9:21; Lucas 1:19,26). Três anjos são mencionados por nome nos livros não
canônicos: Rafael ("Ajuda de Deus," Tobias 3:17,12:12-15); Uriel ("Fogo de Deus"; III
Esdras 4:1, 5-20) e Salatiel ("Oração para Deus" III Esdras 5:16). À parte esses a pia
tradição atribui nomes para dois outros anjos: Jegudiel ("Louvação de Deus") e Barachier
("Benção de Deus"); esses nomes não são encontrados nas Escrituras. Além disso, no
segundo livro de Esdras há menção ainda a um outro: Jeremiel ("a Altura de Deus" 2
Esdras 4:36); mas julgando o contexto dessa passagem, esse nome é o mesmo de Uriel.

Assim, nomes foram dados para sete dos anjos maiores, correspondendo às palavras do
Apóstolo João, o Teólogo no Apocalipse: "Graça e paz seja convosco de parte Daquele que
é, e que era, e que há de vir, e da dos sete espíritos que estão diante do Seu trono" (Apocal.
1:4).

O ministério dos Anjos.

Qual finalmente é o propósito dos seres do mundo espiritual? É evidente que eles foram
originados por Deus para serem o mais perfeito reflexo de Sua grandeza e glória, com
inseparável participação em Sua beatitude. Tem sido dito a respeito dos céus visíveis que
"os céus declaram a glória de Deus," então muito mais é o objetivo dos céus espirituais. É
por isso que São Gregório, o Teólogo chama-os "reflexos da luz perfeita," ou luzes
secundárias.

Os anjos das classificações que estão próximos da raça humana são apresentados na
Sagrada Escritura como arautos da vontade de Deus, guias dos homens, e servos de sua
salvação. O Apóstolo Paulo escreve: "Não são porventura todos eles espíritos
ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?" (Heb
1:14).

Não só os anjos cantam hinos à glória de Deus, mas também O servem nos trabalhos de Sua
providência para o mundo material e sensível. Desse serviço os Santos Padres falam
freqüentemente: "Alguns deles ficam em frente o grande Deus; outros por sua cooperação,
sustentam o mundo inteiro" (São Gregório, o Teólogo, "Mystical Hymns," Homilia 6). Os
anjos "são indicados para a governança dos elementos e dos céus, do mundo e de tudo que
está nele" (Atenágoras). "Deles, diferentes indivíduos abraçam diferentes partes do mundo,
ou são indicados para diferentes distritos do universo, pois Ele sabe quem ordenou e
distribuiu tudo; combinando todas as coisas em uma, somente com o consentimento do
Criador de todas as coisas" (São Gregório, o Teólogo, Homilia 28, tradução Eerdmans, pg
300).

Em alguns escritores da Igreja é encontrada a opinião de que anjos especiais são colocados
sobre aspectos separados do reino da natureza — o inorgânico, o orgânico, e o animal
(Origenes, Bem Aventurado Agostinho). Essa opinião tem sua fonte no Apocalipse, onde é
feita menção a anjos, que de acordo com a vontade de Deus, estão encarregados de certos
elementos da terra. O Visionário dos mistérios, São João, escreve no 16º capítulo, versículo
5, do Apocalipse, "E ouvi o anjo das águas que dizia:." Em Apocalipse 7:1 ele diz"...vi
quatro anjos que estavam sobre os quatro cantos da terra, retendo os quatro ventos da terra,
para que nenhum vento soprasse sobre a terra, nem sobre o mar, nem contra árvore alguma"
e em Apocalipse 14:18 "E saiu do altar outro anjo, que tinha poder sobre o fogo e clamou."
Na visão do Profeta Daniel existem anjos a quem Deus confiou o cuidado com a sorte dos
povos e reinos que existem sobre a terra (Mt 18:10).

A Igreja Ortodoxa acredita que todo homem tem seu próprio anjo da guarda, se ele não o
afastou de si próprio por uma vida ímpia. O Senhor Jesus Cristo disse: "Vede, não
desprezeis alguns desses pequeninos, porque Eu vos digo que os seus anjos nos véus
sempre vêem a face de meu Pai que está nos céus" (Mt. 18:10).

Homem — A Coroa da Criação.

Na escada da criação terrena, o homem é colocado no degrau mais alto, e em relação a


todos os seres terrestres ele ocupa a posição reinante. Sendo terreno, de acordo com seus
dons ele se aproxima dos seres celestes, pois ele é "pouco menor que os anjos" (Salm 8:5).
E o Profeta Moisés descreve a origem do homem desse modo: "Depois que todas as
criaturas da terra foram criadas, e Deus disse, Façamos o homem à Nossa imagem,
conforme nossa semelhança, e que ele tenha domínio sobre os peixes do mar sobre as aves
dos céus... e sobre toda a terra ... E criou Deus o homem à Sua imagem; à imagem de Deus
o criou" (Gên 1:26-27).

1. O conselho de Deus, que não é indicado na criação das outras criaturas da terra, fala por
si próprio claramente do fato que o homem era para ser uma criação especial, distinta das
outras, a mais alta, a mais perfeita na terra, tendo também um propósito mais elevado no
mundo.

2. O conceito do alto propósito do homem e seu especial significado é enfatizado ainda


mais pelo fato que o conselho de Deus ordenou que o homem fosse criado "à imagem e
semelhança de Deus" e que de fato ele foi criado á imagem de Deus. Toda imagem
necessariamente pressupõe uma similaridade com seu arquétipo; consequentemente, a
presença da imagem de Deus no homem testemunha sobre a reflexão dos atributos de Deus
na natureza espiritual do homem.

3. Finalmente, certos detalhes da criação do homem que são dados no segundo capítulo da
Gênesis enfatizam mais uma vez a proeminência especial da natureza humana. Para ser
preciso é dito ali: "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus
narizes o fôlego da vida. E o homem foi feito alma vivente" (Gên 2:7). Duas ações, ou dois
aspectos das ações, são distinguidos aqui, e elas devem ser entendidas como simultâneas: a
formação do corpo, e a doação de vida para ele. São João Damasceno nota: "O corpo e a
alma foram formados ao mesmo tempo, não um antes e o outro depois, como os delírios de
Orígenes consideravam" (Exact Exposition, livro 2, cap. 12 "On man"). De acordo com a
descrição do livro da Gênesis, Deus criou o corpo do homem de já existentes elementos
terrestres, e Ele o criou de um modo muito especial: não por seu comando ou palavra
somente, como foi feito na criação de outras criaturas, mas por sua ação direta. Isso mostra
que o homem, mesmo em sua organização corporal, é um ser que ultrapassa todas as outras
criaturas desde o começo de sua existência. Além disso, é dito que Deus soprou em sua face
o sopro da vida e que o homem tornou-se alma vivente. Como alguém que recebeu o sopro
da vida, nessa expressão figurativa, da boca do próprio Deus, o homem é então uma união
viva e orgânica do terreno com o celeste, do material com o espiritual.

4. Daí recorre a visão exaltada do corpo humano como é mostrada geralmente na Sagrada
Escritura. O corpo deve servir como companheiro, órgão e mesmo companheiro
trabalhador da alma. Depende da alma rebaixar-se tanto que se transforme numa escrava do
corpo, ou, sendo guiada por um espírito iluminado, tornar o corpo seu obediente executor e
companheiro trabalhador. Dependendo da alma, o corpo pode ser um vaso de impureza
pecaminosa e loucura ou transformar-se num templo de Deus, participando com a alma na
glorificação de Deus. Isso é ensinado na Sagrada Escritura (Rom 13:14; Gal 3:3; 1 Cor
9:27; Gal 5:24; Jo 7-9; 1 Cor 3:16-17; 1 Cor 6:20). Mesmo com a morte do corpo, a ligação
da alma com o corpo não é cortada para sempre. Virá o tempo quando os corpos dos
homens se levantarão numa forma renovada e serão unidos de novo com suas almas, agora
para sempre, para tomar parte em eterna benção ou tormento, correspondendo às boas ou
más obras realizadas pelos homens com a participação do corpo no curso da vida terrena (2
Cor 5:10).

Uma visão ainda mais exaltada é instilada em nós pela palavra de Deus com respeito à
natureza da alma. Na criação da alma Deus não tomou nada da terra, mas concedeu-a ao
homem somente pelo Seu próprio sopro criativo. Isso mostra claramente que, na concepção
da palavra de Deus, a alma humana é uma essência completamente separada do corpo e de
todo material e compostos de elementos, tendo uma natureza não terrena, mas acima do
mundo, celeste. A elevada proeminência da alma do homem, comparada com tudo que é
terreno foi expressa pelo Senhor Jesus Cristo nas palavras: "Pois que aproveita ao homem
ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua
alma?" (Mt 16:26). O Senhor instrui seus discípulos : "E não temais o que matam o corpo, e
não podem matar a alma" (Mt 10:28).
A respeito da exaltada dignidade da alma, São Gregório, o Teólogo se expressa assim: "A
alma é o sopro de Deus, e sendo celeste, ela suporta ser misturada com aquilo que é do pó.
É uma luz fechada numa caverna, mas ainda é divina e inextinguível... O Verbo falou, e
tendo tomado uma parte da terra recém-criada, com Suas mãos imortais firmou minha
imagem e concedeu a ela a Sua vida; porque Ele mandou para ela o espírito, que é um raio
da invisível divindade" (Homilia 7, "On the Soul")

Apesar disso, não se pode tornar tais exaltadas expressões figurativas dos Santos Padres em
base para ensinar que a alma é "divina" no sentido completo da palavra, e que
conseqüentemente, ela teve uma existência eterna própria antes de sua encarnação num
homem terreno em Adão! (essa visão é encontrada nas correntes teológicas-filosóficas
contemporâneas que seguem V. S. Socoviev). O posicionamento correto de que a alma é de
origem celeste não significa que ela é divina em essência. "Ele soprou o fôlego da vida"
(Gên 2:7) é uma expressão antropomórfica, e não há base para se entende-la como
significando que Ele deu alguma coisa de Sua substância divina. Lembremo-nos que o
respirar do homem não é um "expirar" elementos da própria natureza humana, nem mesmo
de sua essência física. Da mesma forma da expressão Bíblica não se pode tirar a conclusão
de que a alma procede da Essência de Deus nem que é um elemento da Divindade.
Crisostomo escreve: "Certos insensatos, sendo levados por suas próprias concepções, sem
pensar em nada de um modo que se ajuste à maneira de Deus, e sem prestar qualquer
atenção à adaptação das expressões (das Escrituras), ousam dizer que a alma procedeu da
Essência de Deus. Ó frenesi! Ó loucura! Quantos caminhos de perdição o demônio abriu
para aqueles que querem servi-lo! Para se entender isso, contemplem os caminhos opostos
pelos quais vão essas pessoas: algumas, centram na frase, "Ele soprou," dizem que as almas
procedem da Essência de Deus; outros, ao contrário, afirmam que as almas são convertidas
na Essência das mais baixas criaturas irracionais. O que pode ser pior do que tal loucura?"
(comentário sobre o livro da Gênesis).

Que São Gregório, o Teólogo falou da divindade da alma não no estrito senso da palavra é
evidente em outra Homilia sua: "A natureza de Deus e a natureza do homem não são
idênticas; ou para falar mais genericamente, a natureza do divino e a natureza do terreno
não são idênticas. Na natureza divina, tanto a existência em si quanto tudo nela que tem
existência são imutáveis e imortais; pois naquilo que é constante; tudo é constante. Mas o
que é verdade na nossa natureza? Ela flui, é corrupta, e sofre mudança após mudança"
(Homilia 19 "On Julian).

Nós já falamos no capítulo sobre os Atributos de Deus (sobre Deus como espírito) das
questões sobre como se deve entender expressões antropomórficas acerca de Deus. Citemos
aqui só o argumento do Bem Aventurado Teodoreto: "Quando ouvimos no relato de Moisés
que Deus tomou pó da terra e formou o homem, e quando nós procuramos o significado
dessa frase, nós nela descobrimos uma especial boa disposição de Deus para com a raça
humana. O grande Profeta nota, em sua descrição da criação, que Deus criou todas as outras
criaturas por Sua palavra, enquanto o homem foi criado por suas próprias mãos. Mas assim
como nós entendemos pela "palavra" não um comando, mas só a vontade, assim também na
formação do corpo, (nós deveríamos entender) não a ação das mãos, mas a grande atenção
para com esse trabalho. Pois do mesmo modo que agora, por Sua vontade, o fruto é gerado
num ventre materno, e a natureza segue as leis que Ele lhe deu desde o início — assim
também então, por Sua vontade foi formado o corpo humano da terra e pó virou carne." Em
outra passagem o Bem Aventurado Teodoreto expressa de modo geral: "Nós não dizemos
que a divindade tem mãos ... mas nós afirmamos que cada uma nessas expressões indica um
muito maior cuidado da parte de Deus para com o homem, do que para as outras criaturas"
(citado em Dogmatic Theology do Metropolitan Macarius, vol I, p. 430-431).

A alma como uma substância independente.

Os antigos Padres e professores da Igreja, seguindo estritamente a Sagrada Escritura no


ensinamento sobre a independência da alma e seu valor nela própria, explicaram e
revelaram a distinção da alma e do corpo para refutar a opinião materialista que a alma é só
uma expressão da harmonia dos membros do corpo, ou é o resultado da atividade física do
corpo, e que ela não tem sua própria substância ou natureza particular. Apelando para a
simples observação, os Padres da Igreja mostram:

a) que é característico da alma governar as lutas do corpo, e característica do corpo aceitar a


essa governança. (Atenagoras e outros).

b) que o corpo é, como foi, uma ferramenta ou instrumento de um artista, enquanto a alma é
a artista (Sts Irineu, Gregório de Nissa, Cirilo de Jerusalém e outros).

c) que a alma não é incondicionalmente sujeita aos impulsos do corpo; ela é mesmo capaz
de entrar em guerra com os esforços do corpo como com alguma coisa estranha e hostil a
ela, e é capaz de ganhar uma vitória sobre o corpo, mostrando assim que ela não é a mesma
coisa que ele mas é uma essência invisível, é de natureza diferente, superando toda natureza
corpórea (Orígenes).

d) que ela é intangível e intocável, e não é nem sangue, nem ar, nem fogo mas um princípio
auto-movente (Lactantius).

e) que a alma é um poder que põe todos os membros do organismo em completa harmonia
e total unidade (Sts Atanásio o Grande, e Basílio o Grande).

f) que a alma possui razão, auto-consciência, e livre arbítrio. (Orígenes e outros).

g) que o homem, enquanto está em seu corpo na terra, mentalmente pensa naquilo que é
celeste e o contempla; sendo mortal em seu corpo, ele raciocina sobre imortalidade e
freqüentemente, sem amor pela virtude, ele traz para si mesmo sofrimento e morte; tendo
um corpo que é temporal, com sua mente ele contempla o eterno e luta por ele, desprezando
aquilo que está sob seus pés. O corpo nunca imaginaria tais coisas (Santo Atanásio, o
Grande).

h) que falando na verdadeira natureza da alma, os Padres e professores da Igreja apontam


para a simplicidade e imaterialidade da alma, como opostas à complexidade e crueza
material do corpo; eles indicam a sua invisibilidade e completa ausência de forma, e em
geral para o fato de que ela não está sujeita a nenhuma medição (espaço, peso, etc) a que o
corpo está sujeito (Orígenes e outros).

Com relação ao fato que as condições do corpo são refletidas nas atividades da alma, e que
essas condições podem enfraquecer ou até corromper a alma — por exemplo durante
doenças, idade avançada, ou bebedeira — os Padres da Igreja freqüentemente comparam o
corpo a um instrumento usado em pilotagem. Os diferentes graus das manifestações da
alma no corpo testemunham só a instabilidade do instrumento — o corpo. Essas condições
do corpo que são desfavoráveis para a manifestação da alma podem ser comparadas a uma
súbita tempestade no mar que impede o piloto de manifestar sua arte mas não prova que ele
está ausente. Um outro exemplo, pode-se pegar uma harpa desafinada, da qual nem o
melhor musicista pode tirar sons harmônicos (Lactantius). Assim também, cavalos fracos
não dão oportunidade para um cavaleiro demonstrar suas habilidades (Bem Aventurado
Teodoreto).

Certos Padres antigos (Stos. Ambrósio, Papa Gregório o Grande, João Damasceno),
enquanto reconhecendo a espiritualidade da alma como distinta da do corpo, ao mesmo
tempo atribuem uma certa materialidade ou corporalidade comparativa, à alma. Por esse
suposto atributo da alma eles tem em mente distinguir a espiritualidade da alma humana,
assim como dos anjos, da mais puríssima espiritualidade de Deus, em comparação com a
qual tudo parece ser material e cru.

A origem das almas.

Como a alma de cada homem se origina não é completamente revelada na palavra de Deus;
é "um mistério conhecido só por Deus" (São Cirilo de Alexandria), e a Igreja não nos dá
um ensinamento estritamente definido sobre esse assunto. Ela decididamente rejeita a visão
de Orígenes, que foi herdada da filosofia de Platão, a respeito da pré-existência das almas e
segundo tal teoria as almas vêm para a terra de um mundo mais elevado. Esse ensinamento
de Orígenes e os Origenistas foram condenado pelo Quinto Concílio Ecumênico.

No entanto, esse decreto conciliar não estabelece se a alma é criada das almas dos pais de
um homem e só nesse sentido geral constitui uma nova criação de Deus, ou se cada alma é
criada imediatamente e separada por Deus, sendo juntada em um momento definido ao
corpo que está sendo ou já foi formado. Na visão de certos Padres da Igreja (Clemente de
Alexandria, João Crisostomo, Efrém o Sírio, Teodoreto), cada alma é criada separadamente
por Deus, e algumas vezes se referem à união delas com o corpo como ocorrendo no
quadragésimo dia da formação deste (a teologia católico-romana é decididamente inclinada
à visão de que cada alma é criada separadamente; essa visão tem sido apresentada
dogmaticamente em várias bulas papais, e o Papa Alexandre VII ligou com essa visão da
Imaculada Concepção da Santíssima Virgem Maria).

Na visão de outros professores e Padres da Igreja (Tertuliano, Gregório o Teólogo,


Gregório de Nissa, Macarius o Grande, Anastácio o Presbítero), alma e corpo recebem seu
início simultaneamente e amadurecem juntos; a alma procede das almas dos pais assim
como o corpo procede dos corpos dos pais. Dessa forma a "criação" é entendida aqui num
sentido amplo como a participação do poder criativo de Deus que está presente e é
essencial em todo lugar, para todo tipo de vida. A base dessa visão é o fato que na pessoa
do nosso antepassado Adão, Deus criou a raça humana: "E de um só fez toda a geração dos
homens" (At 17:28). Disso segue que em Adão a alma e o corpo de cada homem foram
dados potencialmente. Mas o decreto de Deus é trazido à realidade de modo tal que Deus
segura toda as coisas em Sua mão: "... pois Ele mesmo é quem dá a todos a vida, e a
respiração, e todas as coisas" (At 17:25). Deus, tendo criado, "continua a criar."

São Gregório, o Teólogo diz: "Assim como o corpo, que foi originalmente formado em nós
do pó, tornou-se subseqüentemente a corrente dos corpos humanos e não foi cortado da raiz
primeiro-formada, em um homem incluindo outros — assim também a alma tendo sido
soprada por Deus, desde aquele tempo vem junto na composição formada pelo homem,
nascido há pouco, e o da semente original (São Gregório evidentemente se refere aqui a
semente espiritual) sendo atribuída a muitos e sempre preservando uma forma constante em
membros mortais... Assim como o sopro em uma flauta musical produz sons dependendo
da largura da flauta, assim a alma, aparecendo sem força em um corpo enfermo, torna-se
manifesta conforme o corpo ganha forças e reveza então toda sua inteligência" (Homilia 7,
"On the Soul"). São Gregório de Nissa tinha a mesma visão.

Em seu diário, São João de Kronstadt tem essa observação: "O que são as almas humanas?
Elas são uma e a mesma alma, um e o mesmo sopro de Deus, que Deus soprou em Adão,
que de Adão até agora está disseminado em toda raça humana. Por isso todos os homens
são o mesmo como só um homem, ou como uma árvore da humanidade. Disso decorre o
mais natural mandamento baseado na unidade de nossa natureza: "Amarás o Senhor teu
Deus (Teu protótipo, Teu Pai) de todo coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas
forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo (pois quem é mais próximo a mim
do que um homem que é como eu e do mesmo sangue que eu?) como a ti mesmo" (Lc
10:27). Há uma necessidade natural de cumprir esse mandamento (My Life in Christ).

A imortalidade da alma.

A fé na imortalidade da alma é inseparável da religião em geral, e ainda mais, compreende


um dos objetos fundamentais da Fé Cristã.

Essa idéia também não é estranha ao Velho Testamento. Ela é expressa nas palavras do
livro Eclesiastes: "E o pó volte à terra, como era e o espírito volte a Deus, que O deu"
(Ecles 12:7). O relato completo nos segundos e terceiros capítulos da Gênesis — das
palavras de alerta de Deus: "Mas da árvore da ciência do conhecimento do bem e do mal,
dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás" (Gên 2:17) —
e a resposta para a questão da aparência de morte no mundo, e assim mesmo é em si uma
expressão da idéia de imortalidade. A idéia de que o homem foi pré ordenado à
imortalidade, que imortalidade é possível, é contida nas palavras de Eva: "Do fruto da
árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para
que não morrais" (Gên 3:3). O mesmo pensamento é expresso pelo Salmista nas palavras
do Senhor: "Eu disse: Vós sois deuses, e vós outros sois todos filhos do Altíssimo. Todavia,
como homens morrereis e caireis como qualquer dos príncipes" (Salm 81:67).
Deve-se enfatizar o fato de que a idéia de imortalidade está presente sem nenhuma dúvida
no Velho Testamento, porque existe uma opinião de que os Judeus não tinham fé na
imortalidade da alma! Nos relatos de Moisés existem indicações de Fé na imortalidade da
alma. A respeito de Enoch, Moisés remarca que "não se viu mais; porquanto Deus para si o
tomou" — isto é, ele foi para Deus sem passar pela morte (Gên 5:24). Das expressões
bíblicas referentes às mortes de Abrahão (Gên 25:8), Aarão e Moisés (Dt 32:50), "e se
recolheu a seus povos," é ilógico entender-se que isso significa que eles foram postos no
mesmo túmulo ou lugar, ou ainda na mesma terra onde estava seu povo, porque cada um
desses justos do Velho Testamento morreu não na terra dos seus ancestrais mas em novos
territórios de seus reassentamentos (Abrahão) ou de suas viagens (Aarão e Moisés). O
Patriarca Jacó, tendo recebido notícias que o seu filho tinha sido feito em pedaços por
bestas feras, diz: "... com choro hei de descer ao meu filho até a sepultura..." (Gên 37:35
Septuaginta). "Sepultura" aqui significa claramente não o túmulo mas o lugar onde as almas
moram. Essa condição da alma após a morte foi expressa no Velho Testamento como uma
descida ao mundo inferior; isto é, uma condição triste onde até a oração do senhor não é
ouvida. Isso é expresso em numerosas passagens no livro de Jó e nos Salmos.

Mas já no Velho Testamento, especialmente quando a chegada do Salvador se aproxima, e


ouvindo a esperança de que as almas dos homens justos venham a escapar dessa condição
triste. Por exemplo, na Sabedoria de Salomão nós encontramos: "As almas dos justos estão
na mão de Deus, e nenhum tormento neles tocará...Os justos vivem para sempre, e sua
recompensa é com o Senhor" (3:2 ; 5:15). A esperança da futura libertação do Hades, das
almas dos justos é expressa nas palavras do Salmista: "... a minha carne repousará segura.
Pois não deixarás minha alma no inferno, nem permitirás que Teu santo veja corrupção"
(Salm 16:9 e 10; ver também Salm 49:15).

O Senhor Jesus Cristo com freqüência aponta para a imortalidade da alma como a base de
uma vida piedosa, e Ele acusa os Saduceus, que negavam a imortalidade. Em Sua conversa
de despedida com Seus discípulos o Senhor conta a eles que Ele estava indo preparar um
local para eles para que eles pudessem estar onde Ele próprio estaria (Jo 14:2-3). E para o
bom ladrão Ele disse: "Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc 23:43).

No Novo Testamento, falando-se genericamente, a verdade da imortalidade da alma é o


objeto de uma completa revelação, constituindo-se numa das partes fundamentais da Fé
Cristã. Essa verdade inspira um Cristão, enchendo sua alma com a jubilosa esperança de
vida eterna no Reino do Filho de Deus. São Paulo escreve: "...para mim o morrer é ganho ...
tendo o desejo de partir, e estar com Cristo..." (Filip 1:21 e 23). Porque sabemos que, se a
nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não
feita por mãos, eterna, nos céus. E por isso também gememos, desejando ser revestidos da
nossa habitação, que é do céu" (2 Cor 5:1-2).

Nem é necessário dizer que os Santos Padres e professores da igreja pregaram unânimes a
imortalidade da alma somente com a seguinte distinção: alguns reconheciam ser a alma
imortal por natureza, enquanto outros — a maioria — diziam ser a alma imortal por graça
de Deus. "Deus quer que a alma viva" (São Justino, o Mártir); "a alma é imortal pela graça
de Deus que a fez imortal" (São Cirilo de Jerusalém e outros). Os Santos Padres enfatizam
assim a diferença entre a imortalidade do homem e a imortalidade de Deus, que é imortal
pela Essência de sua natureza sendo por isso "Aquele que tem Ele só a imortalidade" de
acordo com as Escrituras (1 Tim 6:16).

A observação mostra que a fé na imortalidade da alma sempre foi intrinsecamente ligada na


fé em Deus, em tal extensão que o grau da primeira é determinado pelo grau da última.
Mais viva, a fé em Deus, mais firme e sem dúvidas é a fé na imortalidade da alma. E, ao
contrário mais fraca e sem em vida a fé em Deus, maiores são as ondas de dúvidas que se
levantam contra a verdade da imortalidade da alma. Alguém que perdeu ou abafou
completamente a fé em Deus usualmente cessa de acreditar na imortalidade da alma ou na
vida futura. Isso é facilmente compreendido. Um homem recebe o poder da fé da própria
fonte de vida, e se ele conta sua ligação com essa fonte, ele perde esse fluxo de poder vivo,
Ai nenhuma prova racional ou persuasão será capaz de enfiar o poder da fé nele.

Pode-se também concluir o oposto. Nas confissões e visões do mundo — ainda que sejam
Cristãs — onde o poder da fé na existência ativa da alma além do túmulo ficou ofuscada,
onde não há orações em lembrança dos mortos, a própria fé Cristã está em condição de
declínio. Alguém que acredita em Deus e reconhece o amor de Deus não pode se permitir o
pensamento que o seu Pai celestial queria cortar completamente sua vida e priva-lo da
ligação com Ele, como uma criança que ama sua mãe e é amada por ela, por sua vez, não
acredita que a mãe não queira que ela, a criança, tenha vida.

Pode-se certamente dizer que na Igreja Ortodoxa Oriental a aceitação da imortalidade da


alma ocupa um lugar central no sistema de ensinamento e na vida da igreja. O espírito do
Typicon da Igreja, o livro que contem os Ofícios Divinos e as orações separadas suporta
inteiramente e anima nos fiéis essa consciência, essa crença na vida além-túmulo para as
almas de nossos próximos que morreram, assim como na nossa imortalidade pessoal. Essa
crença espalha um raio de luz no trabalho na vida inteira de um Cristão Ortodoxo.

Alma e espírito.

O princípio espiritual no homem que é oposto ao corpo é designado na Sagrada Escritura


por dois termos que são quase iguais em significados: "espírito" e "alma." O uso da palavra
"espírito" em lugar de "alma," ou ambos os termos usados com exatamente o mesmo
significado é encontrado especialmente no Apóstolo Paulo. Isso é tornado evidente, por
exemplo, colocando-se lado a lado os dois textos seguintes: "glorificai pois a Deus no vosso
corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus" (1 Cor 6:20); e "...purifiquemo-nos
de toda imundície da carne e do espírito" (2 Cor 7:1).

Além dessas, existem duas passagens nos escritos desse Apóstolo onde alma e espírito são
mencionados lado a lado, e isso cria a oportunidade de se perguntar: Não estaria o Apóstolo
indicando que, além da alma, existe também um "espírito" que é uma parte essencial da
natureza humana? Da mesma forma, nos escritos de certos Santos Padres particularmente
nos escritos ascéticos, é feita uma distinção entre alma e espírito. A primeira passagem no
Apóstolo Paulo é na Epístola aos Hebreus: "Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e
mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até a divisão da alma e do
espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do
coração" (Heb 4:12). Outra passagem do mesmo Apóstolo está na Epístola aos
Tessalonissensses: "e todo o vosso espírito, e alma e corpo, sejam plenamente conservados
irrepreensíveis para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Tess 5:23). Não é difícil, no
entanto, ver que na primeira passagem o espírito é para ser entendido não como uma
substancia que é separada e independente da alma, mas só como um lado mais interno e
escondido da alma. Aqui a relação da alma e do espírito é feita paralela à relação entre os
membros do corpo e cérebro, e assim como o cérebro é a parte interna da natureza corporal,
ou é um conteúdo quando comparado com seu conteúdo, assim também o espírito é
evidentemente considerado pelo Apóstolo como a parte escondida da alma do homem.

Na segunda passagem por "espírito" é evidentemente significada aquela especial alta


harmonia da parte escondida da alma que é formada pela graça do Espírito Santo em um
Cristão: o "espírito" no qual o Apóstolo fala em outro lugar: "Não extingais o Espírito" (1
Tess 5:19); e "...fervorosos no espírito" (Rom 12:11). Assim, o Apóstolo não está pensando
aqui em todos os homens em geral, mas só nos Cristãos. Nesse sentido o Apóstolo contrasta
o homem "espiritual" com o homem "natural" ou carnal (1 Cor 2:14-15). O homem
espiritual possui uma alma, mas sendo renascido, ele cultiva em si as sementes da graça; ele
cresce e gera frutos no espírito. No entanto, por falta de cuidados com sua vida espiritual
ele pode descer ao nível do homem natural ou carnal: "Sois vós tão insensatos que, tendo
começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne?" (Gal 3:3). Por isso, não há terreno para
supor que o pensamento do Apóstolo Paulo não esteja de acordo com o ensinamento que a
natureza do homem consiste em duas partes.

Essa mesma do espírito como a mais alta e dada por graça forma de vida da alma humana é
evidentemente o que é significado pelos Padres e professores da Igreja nos primeiros
séculos que distinguiram no homem um espírito assim como uma alma. Essa distinção é
encontrada em São Justino, o Mártir, Tatiano, Irineu, Tertuliano, Clemente de Alexandria,
Gregório de Nissa, Efrém o Sírio, e da mesma forma em escritores e ascetas posteriores.
Porém, uma maioria significativa dos Padres e professores da Igreja reconhecem
diretamente que natureza do homem tem duas partes: corpo e alma (Santos Cirilo de
Jerusalém, Basílio o Grande, Gregório o Teólogo, João Crisostomo, Bem Aventurado
Agostinho, João Damasceno). Bem Aventurado Teodoreto escreve: "De acordo com o
ensinamento de Apolinário (o Herético) existem três partes no homem: o corpo, a alma
animal, e a alma racional, que ele chama de mente. Mas a Escritura aceita só uma alma, não
duas, e isso é claramente indicado pela história da criação do primeiro homem. Deus, tendo
formado o corpo do pó e soprado uma alma nele, mostrou que há duas naturezas no
homem, e não três."

A imagem de Deus no homem.

O escritor sagrado do relato da criação do homem diz: "E disse Deus: Façamos o homem à
nossa imagem, conforme a vossa semelhança ... E criou Deus o homem à sua imagem; à
imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou" (Gên 1:26-27).

No que consiste a imagem de Deus em nós? O ensinamento da Igreja nos conta somente
que no geral o homem foi criado "à imagem," mas precisamente que parte de nossa
natureza manifesta nessa imagem não é indicada. Os Padres e professores da igreja
responderam essa questão de várias maneiras: alguns vêem a imagem na razão, outros no
livre arbítrio, ainda outros na imortalidade. Se juntarmos essas idéias, obtemos uma
concepção completa do que a imagem de Deus no homem é, de acordo com o ensinamento
dos Santos Padres.

Antes de tudo, a imagem de Deus deve ser vista só na alma, não no corpo. De acordo com
Sua natureza, Deus é o mais puro Espírito, não vestido com qualquer tipo de corpo e não
participante de qualquer tipo de materialidade. Assim a imagem de Deus só pode se referir
à alma imaterial — muitos Padres da Igreja consideraram necessário dar esse alerta.

O homem carrega a imagem de Deus nas mais elevadas qualidades da alma, especialmente
na imortalidade dela, no seu livre arbítrio, sua razão e em sua capacidade de um amor puro
sem pensamento de ganho.

a. O Deus deu imortalidade à alma do homem, ainda que alma seja imortal não por
natureza, mas somente pela bondade de Deus.

b. Deus é completamente livre em Suas ações, e Ele deu aos homens livre arbítrio e a
habilidade de agir livremente dentro de certos limites.

c. Deus é sapientíssimo, e Ele deu ao homem a razão que é capaz de não ser limitada às
coisas terrenas, necessidades animais e ao lado visível das coisas, mas também ser capaz de
penetrar nas profundezas das coisas, e reconhecer e explicar seu significado interior. A
razão do homem é capaz de subir ao nível daquilo que é invisível e de se esforçar em
pensamento para a verdadeira Fonte de tudo que existe — Deus. A razão do homem torna
sua vontade consciente e autenticamente livre, por que ela pode escolher aquilo que
corresponde a mais alta dignidade do homem ao invés daquilo para o quando sua natureza
inferior o inclina.

d. Deus criou o homem em Sua bondade e Ele nunca deixou nem nunca o deixará sem Seu
amor. O homem, recebendo sua alma do sopro de Deus, esforça-se para a direção do seu
primeiro Princípio, Deus, como para a direção de algo similar a ele, procurando e sentindo
sede pela união com Ele. Isso é especificadamente mostrado na postura reta e em pé do seu
corpo, e seu olhar, que se volta para o céu. Assim, esse esforço para e o amor por Deus
expressa a imagem de Deus no homem.

Em resumo, pode-se dizer que todas as qualidades e capacidades boas e nobres da alma são
uma expressão da imagem de Deus no homem.

Existe uma distinção entre a "imagem" e a "semelhança" de Deus? A maioria dos Santos
Padres e professores da Igreja respondem que existe. Eles vêem a imagem de Deus na
natureza da alma, e a semelhança no aperfeiçoamento moral do homem em virtude e
santidade, na aquisição dos dons do Espírito Santo. Conseqüentemente, os recebemos a
imagem de Deus de Deus junto com a existência, mas a semelhança nós devemos adquirir
nós mesmos, tendo recebido a possibilidade de fazer isso, de Deus.
Tornar-se "semelhante" depende de nossa vontade; e adquirida conforme nossa própria
atividade. Por isso, a respeito do "conselho de Deus" é dito: "Façamos o homem à Nossa
imagem, conforme a Nossa semelhança" (Gên 1:26). Mas a respeito do ato da criação em si
é dito: "Por "conselho" de Deus, nos foi dado o potencial de ser "à Sua semelhança.""

O propósito do homem.

Tendo elevado o homem acima do mundo terreno, tendo dado a ele razão e liberdade, tendo
o adornado com sua própria imagem, o Criador assim indica ao homem o seu
especialmente alto propósito. Deus e o mundo espiritual estão diante do olhar espiritual do
homem; diante do seu olhar corporal está o mundo material.

a. O primeiro propósito do homem é a glória de Deus. O homem é chamado a permanecer


fiel a sua ligação com Deus, a esforçar-se para a direção dele, a reconhece-lo como seu
Criador, a glorifica-lo, a rejubilar-se em união com Ele, a viver Nele. "Ele os enchei de
conhecimento e compreensão," diz o mais sábio filho de Sirac com respeito aos dons que
Deus deu para o homem. "Ele pôs Seu olho em seus corações para mostrar a eles a
majestade de Suas obras" (Sirach 17:6-10). Pois se a toda a criação é chamada, de acordo
com suas habilidades, a glorificar o Criador (como é colocado por exemplo no Salmo 148),
então logicamente o homem, como a coroa da criação, é o mais capacitado a ser consciente,
racional, constante e o mais perfeito instrumento de Deus na terra.

b. Para esse propósito, o homem deveria ser digno de seu Protótipo. Em outras palavras, ele
é chamado a se aperfeiçoar, a aguardar sua semelhança com Deus, a restaura-la e reforça-la.
Ele é chamado a desenvolver e aperfeiçoar seus problemas morais por meio de boas obras.
Isso requer que o homem tome conta de sua própria bondade, e sua verdadeira bondade está
na benção de Deus. Por essa razão deve-se dizer que a benção de Deus é o objetivo da
existência de Deus.

c. O Olhar físico imediato do homem é dirigido para o mundo. O homem foi colocado
como a coroa da criação terrena e o rei da natureza, como é mostrado no primeiro capítulo
do livro da Gênesis. De que maneira isso deveria ser manifestado? O Metropolita Macário
fala isso em sua Orthodox Dogmatic Theology: "Como a imagem de Deus, o filho e
herdeiro na casa do Pai Celestial, o homem foi colocado como uma espécie de
intermediário entre o Criador e a criação terrena: em particular ele foi predeterminado a ser
um profeta para essa criação proclamando a vontade de Deus no mundo em palavras e
obras; é para ser o sacerdote chefe, de maneira a oferecer um sacrifício em louvor e
agradecimento a Deus em nome de todos os nascidos na terra, trazendo assim para a terra
as bênçãos dos céus; ele é a cabeça e o rei de modo que concentrando os objetivos de todas
as criaturas visíveis existentes em si, ele possa através de si unir todas as coisas com Deus,
e assim manter a cadeia toda das criaturas terrenas em uma harmoniosa ligação e ordem."

Assim foi criado o primeiro homem, capaz de atingir seu propósito e fazer isso livremente,
voluntariamente, em júbilo, de acordo com a atração de sua alma, e não por compulsão. A
idéia da posição soberana do homem na terra faz o Salmista louvar o Criador, extasiado:
"Ó, Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o Teu Nome em toda a terra, pois puseste a
Tua glória sobre os céus... Quando vejo os Teus céus, obras dos Teus dedos, a lua e as
estrelas que preparaste: Que é o homem mortal para que te lembres dele? E o filho do
homem, para que O visites? Contudo, pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e
de honra O coroaste. Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das Tuas mãos... Ó
Senhor, Senhor nosso, quão admirável é o Teu nome sobre toda a terra!" (Salm 8:15).

Da criação à majestade do Criador.

O Apóstolo instrui, "As suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo... claramente se
vêem... tanto o Seu divino poder quanto a Sua divindade" (Ro 1:20). Isto é, as coisas
invisíveis de Deus são vistas pela contemplação da criação. Em todas as épocas da
humanidade, as melhores mentes, refletindo profundamente sobre o mundo pararam
atônitas diante da majestade, harmonia e racionalidade da ordem do mundo, e foram
elevadas disso para pensamentos reverentes sobre a bondade, majestade e sabedoria do
Criador. São Basílio, o Grande, em suas homilias sobre os seis dias (Hexaemeron), examina
as primeiras palavras do livro da Gênesis. "No princípio Deus criou os céus e a terra" —
então chama seus ouvintes: "Glorifiquemos o soberbo artista que criou o mundo com
sapiência e habilmente; e da beleza daquilo que é visível, compreendamos aquele que
ultrapassa tudo em beleza; da majestade desses corpos sensíveis e limitados tiremos a
conclusão em relação a Ele que é sem fim que ultrapassa toda majestade, e na
multiplicidade de Seus poderes ultrapassa todo entendimento." E então, indo para a
segunda homilia, como se estivesse em pausa e sem esperança de penetrar mais
profundamente nas profundezas da criação, ele profere essas palavras: "Se a entrada do
sagrado é assim, e a entrada do templo é tão louvável e majestosa... então o que dizer do
Santo dos santos? E quem é digno de entrar no lugar sagrado? Quem dirigirá seu olhar para
o que está escondido?"

4. A Providência de Deus.
A providência de Deus sobre o mundo.

"Meu Pai trabalha ate agora, e eu trabalho também" (Jo 5:17). Nessas palavras do Senhor
Jesus Cristo está contida a verdade do constante cuidado e da constante providência para
com o mundo. Apesar de Deus ter descansado no sétimo dia de todos os seus trabalhos
(Gên 2:2-3), Ele não abandonou o mundo. Deus "é quem a todos dá a vida, e a respiração, e
todas as coisas ... Nele vivemos, nos movemos e existimos" (At 17:25 e 28). O poder de
Deus mantém o mundo em existência e participa de todas as atividades da vontade viva de
Deus; por elas mesmas essas "leis" seriam impotentes e não efetivas.

A Providência de Deus abarca tudo no mundo. Deus provê não só para o grande e imenso,
mas também para o menos e aparentemente insignificante; não só sobre o céu e a terra
anjos e homens, mas também sobre as menores criaturas; pássaros, grama, flores, árvores.
A Sagrada Escritura toda é preenchida com a infatigável e providencial atividade de Deus.
Pela boa vontade de Deus o Universo se mantém e todo o imenso espaço do mundo Deus
enche os céus e a terra (Jer 23:24); "Escondes o teu rosto, e ficam perturbados" (Salm
104:29).

Pela Providência de Deus o mundo vegetal vive na terra: "Ele é que cobre o céu de nuvens,
que prepara a chuva para a terra e que faz produzir erva sobre os montes: que dá aos
animais o seu sustento" (Salm 147:8-9). Nem Ele deixa sem cuidados os lírios do campo,
adornando-os e a outras flores com uma beleza que nos deixa atônitos (Mt 6:29).

A Providência de Deus estende-se para todo reino animal: "os olhos de todos esperam em
ti, e tu lhes dás o seu mantimento a seu tempo, Abres a tua mão, e satisfaz os desejos de
todos os viventes" (Salm 14:15-16). Deus cuida até mesmo do menor passarinho: "... nem
um deles cairá em terra sem a vontade de nosso Pai" (Mt 10:29).

Porém é o homem que é esse objeto principal da Providência de Deus na terra. Deus
conhece os pensamentos de cada homem (Salm 138:2), seus sentimentos (Salm 7:9) e até
os seus gemidos (Salm 37:9). Ele provê o que "é necessário mesmo antes que lhe percam"
(Mt 6:32) e inclina seus ouvidos à súplica daqueles que pedem (Salm 85:1), atendendo o
que é pedido somente se a requisição vem de uma fé sincera e viva (Mt 6:33). Deus dirige
os passos do homem que não sabe seu próprio caminho (Prov 20:24). Ele torna pobre e
enriquece, Ele derruba e levanta, Ele causa feridas e Ele mesmo as cura (Jó 5:18). Amando
os justos. Ele poupa os pecadores também: "Não repreenderá perpetuamente, vem para
sempre conservará a Sua ira" (Salm 103:9). Ele é tolerante, de modo que por meio de Sua
benignidade ele conduz os pecadores ao arrependimento (Ro 2:4). Essa abarcadora e
incessante atividade de Deus no mundo é expressa no Símbolo da Fé quando nós
chamamos Deus de "Todo-Poderoso."

Como para as aparentes injustiças da vida, quando nós vemos homens virtuosos sofrerem
enquanto os ímpios são prósperos, Crisóstomo nos exorta com as seguintes palavras: "Se o
Reino dos Céus está aberto para nós e uma recompensa nos é mostrada na vida futura,
então não vale a pena investigar porque os justos sofrem mágoas aqui enquanto os malignos
vivem em conforto. Se uma recompensa está esperando lá por todos de acordo com seus
justos méritos, porque deveríamos sermos perturbados pelos eventos presentes, se eles são
afortunados ou desafortunados? Por esses infortúnios Deus exercita aqueles que são
submissos a Ele como resolutos guerreiros; e os mais fracos, negligentes, e aqueles
incapazes de suportar qualquer dificuldade, Ele exorta mais à frente no tempo a realizar
boas obras" ("To Stagirius the Ascetic," homilia I, 8, em sua Collected Works em russo,
vol. I, Pt 1, p. 194). De fato nós mesmos com freqüência vemos que as melhores
experiências instrutivas e elevadoras são os infortúnios a que o homem é submetido.

Essencialmente, a Providência de Deus sobre o mundo é uma atividade incessante e


inseparável, ainda que decido a nossas mentes limitadas recebamos essa atividade de Deus
no mundo variável e mutável sob diferentes formas e aparências. A atividade da
Providência de Deus não é, pode-se dizer, uma interferência no curso da vida dada ao
mundo em sua criação; não é uma série de intrusões privadas da vontade de Deus na vida
do mundo. A vida do mundo está constantemente na mão direita de Deus; "O mundo não se
manteria por um instante se Deus removesse Sua Providência dele" (Bem Aventurado
Agostinho). "O Todo—Poderoso e Santíssimo Verbo do Pai, estando no meio de todas as
coisas e manifestando Seus poderes por toda a parte, iluminando todas as coisas visíveis e
invisíveis, abarca e contem tudo em si, de modo que nada é sem a participação em Seus
poderes; mas tudo em tudo, toda criatura separadamente e toda criatura junta, Ele dá vida e
preserva" (Santo Atanásio, o Grande, "Against Pagans," cap. 42).

A esse respeito deve-se notar ainda outro aspecto que faz o homem parar reverentemente
atônito. É o fato que, enquanto o Criador contem tudo em Sua mão direita, desde o primeiro
dia da criação, Ele deu a todos os seres orgânicos, até mesmo para o reino vegetal, uma
liberdade de crescimento e desenvolvimento, o uso de seus próprios poderes e do ambiente
circundante, a cada um em sua própria medida e de acordo com sua natureza e organização.
Uma liberdade ainda maior o Criador deu ao homem sua criação racional e moralmente
responsável — a criação mais elevada na terra. Com essa variedade de esforços — natural,
instintivo, e no mundo racional também moralmente livre — a Providência de Deus vem
junto de maneira que todos eles são mantidos em si e dirigidos de acordo com o plano
providencial. Todas as imperfeições, sofrimentos e doenças que procedem dessa colisão de
esforços separados do mundo, são corrigidas e curadas pela benignidade de Deus. Essa
benignidade acalma as hostilidades e dirige a vida do mundo todo para o objetivo bom que
foi para ele estabelecido lá me cima. Além disso, para as criaturas racionais de Deus, essa
benignidade abre caminho para a incessante glorificação de Deus.

Não importa quanto a humanidade viole seu propósito no mundo, não importa quanto ela
caia, não importa quanto a massa humana, conduzida por seus lideres malignos, esteja
inclinada a renunciar aos comandos de Deus, como vemos no tempo presente, a história do
mundo ainda assim culminará no objetivo estabelecido para ela pela Providência de Deus: o
triunfo da justiça de Deus em seguida ao qual haverá o Reino de Glória, quando "Deus será
tudo em todos" (1 Cor 15:28).

Contemplando a majestade, sabedoria e benignidade de Deus no mundo, o Apóstolo Paulo


clama: "Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! ...
Porque quem compreendeu o intento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro ? Ou quem
lhe deu primeiro a Ele, para que lhe seja recompensado? Porque Dele e por Ele e para Ele,
são todas as coisas, glória pois a Ele eternamente. Amém" (Rom 11:33-36).

A Providência de Deus sobre o homem antes da queda.

Tendo sido criado o homem, o Criador não deixou os primeiros criados sem Sua
Providência. A graça de Deus habitou constantemente em nossos primeiros ancestrais e, na
expressão dos Santos Padres, serviu como uma espécie de roupa para eles. Eles tinham um
perfeito sentimento de proximidade de Deus, o próprio Deus era seu primeiro Instrutor e
Professor e concedeu revelações imediatas a eles. Aparecendo para eles, Ele conversou com
eles e revelou Sua vontade para eles.

Os capítulos dois e três do livro da Gênesis pinta para nós a vida desse primeiro povo. Deus
colocou Adão e Eva no Paraíso, o Jardim do Éden, o "Paraíso de Delícias," onde crescia
toda árvore que era agradável à vista e boa para comida, lhes comandando que o
mantivessem. O Jardim do Éden era um lugar tão esplendido que as primeiras pessoas
devem ter sido involuntariamente elevadas para um sentimento de júbilo e suas mentes
dirigidas para o mais perfeito artista do mundo. O próprio trabalho deve ter facilitado o
desenvolvimento tanto do poder físico quanto do poder espiritual.

Como o escritor da Gênesis nos informa, Deus trouxe todas as características vivas para o
homem para que este lhes desse nome, É claro que de um lado isso deu ao homem a
oportunidade de tomar conhecimento da saúde e variedade do reino animal, e do outro lado,
facilitar o desenvolvimento de suas capacidades mentais dando-lhe um mais completo
conhecimento próprio por comparação com o mundo que pairava diante dos seus olhos, e
uma consciência de sua real superioridade sobre toda as outras criaturas da terra.

Compreensivelmente, a condição original das primeiras pessoas era de uma infantilidade e


simplicidade espiritual, juntadas à pureza moral. Mas essa condição continha a
oportunidade de um desenvolvimento rápido e harmonioso e crescimento de todos os
poderes do homem, dirigido para uma semelhança com Deus e a mais íntima união com
Ele!

A mente do homem era pura, brilhante e sadia. Mas ao mesmo tempo era uma mente
limitada e não testada pela experiência da vida, como foi revelado na hora da queda no
pecado. A mente do homem ainda tinha que ser desenvolvida e aperfeiçoada.

Moralmente, o primeiro homem era puro e inocente. As palavras: "E ambos estavam nus, o
homem e sua mulher; e não se envergonhavam" (Gen 2:25). Interpretadas por São João
Damasceno como "o pináculo da despaixão." No entanto, pode-se compreender essa pureza
nas primeiras pessoas como sendo que desde o inicio eles já possuíam todas as virtudes e
não estavam necessitados de aperfeiçoamento. Não, Adão e Eva, apesar de terem vindo das
mãos do Criador puros e inocentes, ainda tinham que ser confirmados no bem, como
expressa Santo Irineu, "tendo recebido existência, tinha que crescer e amadurecer tornando-
se então forte, e, atingindo a maturidade plena seria glorificado e, sendo glorificado, ser-
lhe-ia concedido ver Deus."

O homem veio das mãos do Criador sem faltas também no corpo. Seu corpo, tão notável
em sua organização, sem duvida não recebeu nenhum erro ou defeito interno ou externo do
Criador. Ele possuía faculdades que elas eram frescas e não corrompidas. Ele não tinha em
si a menor desordem e estava apto a estar livre de doenças e sofrimentos. Na verdade,
doenças e sofrimentos são apresentados no livro da Gênesis como conseqüências da queda
de nossos primeiros ancestrais e como castigo para o pecado. Adicionalmente, o livro da
Gênesis dá uma indicação mística da Árvore da Vida cujo fruto estava acessível aos
primeiros ancestrais antes da queda no pecado, fruto esse que os preservaria na morte física.
A morte não era uma necessidade para o homem: "Deus criou o homem nem
completamente mortal nem completamente imortal, mas capaz de ser ou um ou outro"
(Teófilo de Antioquia; ver em Bispo Sylvester, Na Essay in Orthodox Dogmatic Tehology,
vol 3, p. 379).

Mas não importa quão perfeito eram os poderes do homem, pois sendo uma criatura
limitada ele requeria mesmo assim um constante reforço na fonte de toda vida, de Deus,
assim como fazem todos os seres criados. Meios apropriados para o reforço do homem no
caminho do bem eram necessários. Assim um meio elementar foi o comando para não
comer do fruto da arvore do conhecimento do bem e do mal. Esse foi um comando de
obediência. Obediência livre é o caminho para o avanço moral. Onde existe obediência
voluntária existe (a) o corte do caminho para a auto-estima, (b) respeito e confiança para
aqueles que estão acima de nós, e (c) continência. A obediência age beneficamente sobre a
mente, humilhando o orgulho; sobre os sentimentos limitando o amor-próprio; e sobre a
vontade, dirigindo a liberdade do homem para o bem. A graça de Deus coopera e reforça
alguém nesse caminho. Esse era o caminho que estava diante das primeiras pessoas, nossos
primeiros ancestrais.

"Deus fez o homem sem pecado e dotou-o de livre arbítrio. Por sem pecado eu não quero
dizer incapaz de pecar, pois só a divindade é incapaz de pecar, mas tendo a tendência tendo
o poder de perseverar e progredir no bem com ajuda da graça divina, assim como tendo o
poder de afastar-se na virtude e cair no vício" (São João Damasceno, Exact Exposition, II,
12, tradução inglesa, p. 235).

Em geral, é difícil, se não impossível para o homem contemporâneo imaginar a verdadeira


condição do homem no Paraíso, uma condição que punha junto pureza moral, claridade da
mente, a perfeição da primeira natureza criada, proximidade de Deus, com uma
infantilidade espiritual geral.. Mas de qualquer maneira deve ser notado que as tradições de
todos os povos falam precisamente de tal condição, que os poetas chamam de "idade de
ouro" da humanidade (a tradição dos chineses, índios, persas, gregos e outros). As grandes
mentes da antigüidade pagã expressaram a certeza que os antigos eram mais puros que os
homens que vieram depois (Sócrates); que as mais antigas tradições religiosas e suas
concepções eram mais perfeitas que as concepções posteriores, porque os primeiros homens
estavam mais perto de Deus e o conheciam como seu Criador e Pai (Platão e Cícero).

5. A Respeito da Malignidade e do Pecado.


Malignidade e pecado no mundo, A queda do mundo angélico; Maus espíritos. A queda do
homem no pecado. Porque a queda do homem no pecado foi possível? A história da queda
no pecado. O que foi o pecado ao comer o fruto? As conseqüências físicas da queda.
Infortúnios e morte como castigo de Deus. A perda do Reino de Deus. Misericórdia de
Deus para com os homens caídos.

Malignidade e pecado no mundo.

Malignidade e Infortúnio. "Mal," em nosso uso ordinário de palavras, é o nome de dois


tipos de manifestação. Freqüentemente entendemos por essa palavra qualquer coisa em
geral que evoca infortúnio e causa sofrimento, Mas num sentido mais direto e preciso, o
Mal é o nome para manifestações negativas da ordem moral que procede da direção
maligna da vontade e da violação das leis de Deus.

É claro que infortúnios no mundo físico — por exemplo, terremotos, tempestades,


enchentes, avalanches e assim por diante — são em si nem bons nem maus. No sistema
geral do mundo eles são o que as sombras são para as cores brilhantes na arte dos pintores,
o que sons grosseiros são para sons suaves em musica, etc. Esse é o modo pelo qual Santos
Padres como o Bem Aventurado Agostinho e São Gregório tratam essas manifestações.
Não se pode negar que tais manifestações dos elementos são freqüentemente a causa de
infortúnios e sofrimentos para criaturas sensíveis e para o homem; mas só se pode inclinar
em reverencia diante da sapiente ordem do mundo, onde o interminável, variado e
mutuamente esforço de parte dos cegos poderes elementares e as criaturas orgânicas,
produzem colisões entre uns e as outras a todo momento, mas estão em mutuo acordo e são
postos em harmonia, tornando-se fonte de constante desenvolvimento e renovação do
mundo.

Sofrimento e Pecado. Até um certo ponto, o lado desagradável, sombrio da vida humana
faz com que nós valorizamos e sintamos mais os lados jubilosos da vida. Mas a palavra de
Deus nos conta que sofrimentos físicos difíceis, angustias e aflições não podem ser
reconhecidas como manifestações que estão completamente de acordo com a lei e por isso,
são normais; ao contrario elas são um desvio normal. Os sofrimentos da raça humana
começaram com o aparecimento da moral maligna e são as conseqüências do pecado, que
entraram na nossa vida naquele tempo. Disto as primeiras paginas da Escritura
testemunham "Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor terás seus
filhos" (palavras dirigidas a Eva depois da queda no pecado); "Maldita é a terra por causa
de ti; com dor comerás dela todos os dias de tua vida" (palavras ditas a Adão; Gên 3:16-
17). Sofrimentos são dados ao homem como meio de castigo, iluminação e corrupção. De
acordo com São Basílio, o Grande, sofrimentos e a própria morte "cortam o crescimento do
pecado." Numerosos exemplos da consciência da ligação entre sofrimento e pecado nos são
dados pelas palavras de Deus: "Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus
estatutos" (Salm 118:71). A observação cuidadosa mostra que as causas de doenças e
sofrimentos, na grande maioria dos casos, são os próprios homens, que criaram condições
artificiais e subnormais para sua existência, introduzindo uma cruel batalha mutua enquanto
caçando seu próprio e egoísta bem-estar físico; e às vezes essas coisas são o resultado de
uma certa atitude demoníaca — orgulho, vingança, malícia.

Como a palavra de Deus nos instrui, as conseqüências da moral maligna se espalham nas
pessoas para o mundo animal e para toda criação: "Pois sabemos que toda criação geme e
está juntamente com dores de parto até agora," escreve o Apóstolo Paulo, e ainda explica:
"Porque a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a
sujeitar, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da
corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus" (Ro 8:22, 20-21).

A Essência da Moral Malígna. Os Santos Padres indicam que o mal não é algum tipo de
essência que tem qualquer existência independente real, como os elementos e poderes do
mundo que foram criados por Deus. O mal é só um desvio dos seres vivos da condição
original na qual Deus os colocou, para uma condição que é oposta a ela. Por isso não é
Deus que é a causa da moral maligna; ao contrário, ela procede com a vontade de Deus. A
essência do mal consiste na violação da vontade de Deus, dos comandos de Deus, e da lei
moral que está escrita na consciência humana. Essa violação é chamada pecado.

A Origem do Mal. Mas de onde então surgiu a moral maligna? Deus criou o mundo puro,
perfeito, livre do mal. O mal entrou no mundo como uma conseqüência da queda, que
ocorreu, de acordo com a palavra de deus, originalmente no mundo dos espíritos sem carne,
e então na raça humana, e que foi refletido em toda natureza viva.

A queda do mundo Angélico: os espíritos Malignos

De acordo com o testemunho da palavra de Deus, a origem do pecado vem do diabo:


"Quem comete pecado é do diabo — porque o diabo peca desde o princípio" (1 Jo 3:9). A
palavra "diabo" significa "caluniador"! Trazendo junto a evidencia da Sagrada Escritura,
nós vemos que o diabo é um dos espíritos racionais ou anjos que se desviaram para o
caminho do mal. Possuindo, como todas as criaturas racionais a liberdade que lhe foi dada
para tornar-se perfeito no bem, ele "não se firmou na verdade" e caiu para longe de Deus. O
Salvador disse dele: "ele foi homicida desde o principio, e não se firmou na verdade,
porque não há verdade nele; quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é
mentiroso, e pai da mentira" (Jo 8:44). Ele carregou outros anjos com ele na queda. Nas
epistolas do Apóstolo Judas e do Apóstolo Pedro, nós lemos sobre os anjos. "E os anjos que
não guardavam o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação" (Jud 1:6, comparar
com 2 Ped 2:4).

Qual foi a causa da queda no mundo angélico? Da mesma Revelação Divina nós podemos
concluir que a razão foi orgulho: "o começo do pecado é o orgulho" diz o filho de Sirach
(Si 10-13). O Apóstolo Paulo, prevenindo o Apóstolo Timóteo contra o fazer bispos entre
aqueles convertidos recentemente, acrescenta, "... para que, ensoberbecendo-se, não caia na
condenação do diabo" (1 Tim 3:6).

Os espíritos malignos são mencionados só em algumas passagens na revelação do Velho


Testamento. Nós lemos da "serpente," a tentação da primeira pessoa no terceiro capítulo do
Livro da Gênesis. As atividades de "satan" na vida do justo Jó são relatadas no primeiro
capítulo do livro de Jó. No Primeiro Reis é dito a respeito de Saul que um espírito maligno
o perturbou depois que o Espírito do Senhor, partiu dele (1 Re 15:14 = 1 Salm. em KJ). No
primeiro Paralipômenos (Crônicas), capítulo 21, nós lemos que quando veio um
pensamento a Davi para fazer um censo do povo, foi porque "Satanás se levantou contra
Israel, e incitou Davi a numerar Israel." No livro do Profeta Zacarias é dito, a respeito do
sumo sacerdote Joshua, que Joshua resistiu "ao diabo" ("satan" em KJ; Zacha 3:1). No livro
da Sabedoria de Salomão é dito que "pela inveja do diabo a morte entrou no mundo" (Sab
2:24). Da mesma forma em Deuteronômio 32:17 é dito: "Eles sacrificaram aos diabos, não
a Deus"; e no Salmo 105:36 "E sacrificaram... aos demônios."
Uma incomparável e mais completa representação da atividade de satan e seus anjos está
contida na Revelação do Novo Testamento. Por ele sabemos que satan e os espíritos
malignos estão constantemente atraindo mais pessoas para o mal. Satã ousou tentar o
próprio Senhor Jesus Cristo no deserto. Os espíritos malignos investem contra a alma e
mesmo contra o corpo dos homens; disso há o testemunho de vários eventos nos
Evangelhos e nos ensinamentos do Salvador. A respeito da habitação dos espíritos
malignos nos homens. Nós conhecemos os numerosos casos de cura pelo Salvador de
possuídos pelos demônios. Espíritos malignos olham para os descuidos do homem para
atrai-lo para o mal. "E, quando o espírito imundo tem saído do homem, anda por lugares
áridos, buscando repouso, e não o encontra. Então diz: Voltarei para a minha casa de onde
sai. E, voltando, acha-a desocupada, varrida e adornada. Então vai e leva consigo outros
sete espíritos piores do que ele, e, entrando habitam ali, e são os últimos atos desse homem
piores do que os primeiros" (Mt 12:43-45). A respeito da cura da mulher curvada, o
Salvador disse para o príncipe da sinagoga, "E não convinha soltar desta prisão, no dia de
sábado, esta filha de Abrahão, a qual há dezoito anos Satanás tinha presa?" (Lc 13-16).

A Sagrada Escritura chama os espíritos malignos "espíritos imundos," "espíritos do mal,


"diabos," "demônios," "anjos do diabo," e "anjos de satã." Seu chefe, o diabo, também é
chamado de "tentador," "satan," "Belzebu," "Belial," "o príncipe dos demônios," é outros
nomes como "Lúcifer" (a estrela da manhã).

Tomando a forma de serpente, do diabo foi o tentador e a causa da queda no pecado das
primeiras pessoas, como é relatado no terceiro capitulo do livro da Gênesis. No Apocalipse
ele é chamado de "o grande dragão, a velha serpente" (Apoc 12:9).

O diabo e seus anjos são privados de permanecer nas celestes moradias de luz. "Eu via
Satanás, como raio, cair do céu (disse aos discípulos)" (Lc 10:18). Sendo jogados para
baixo do mundo acima, o diabo e seus servos agem no mundo abaixo do céu, entre os
homens da terra, e eles tomaram em sua possessão, como se fosse deles, o inferno e o
mundo do inferior. Os Apóstolo chamam a eles de "principados, potestades, príncipes das
trevas desse século" (Ef 6:12).

Queda do homem no pecado.


Porque a queda do homem no pecado foi possível?

O Criador concedeu ao homem três grandes dons na sua criação: liberdade, razão e amor.
Esses dons são indispensáveis para o crescimento espiritual e a benção do homem. Mas
onde há liberdade há a possibilidade de hesitação na escolha; assim a tentação é possível. A
tentação pela razão é o orgulho crescer na mente; é ao invés de reconhecer a sabedoria e
benignidade de Deus, procurar o conhecimento do bem e do mal fora de Deus; desejar ser
um "Deus." A tentação pelo sentimento do amor é que ao invés do amor por Deus e seu
próximo, ter amor, por si próprio e por tudo que satisfaça os desejos baixos e dê alegria
temporária. Essa possibilidade de tentação e queda esteve diante do ser humano, e o
primeiro homem não permaneceu firme contra ela.

Chamemos a atenção aqui: sobre a reflexão de São João de Kronstadt sobre o assunto. Ele
escreve: "Porque Deus permitiu a queda do homem, sua amada criatura e a coroa de todas
as criaturas terrestres? Para essa questão deve-se responder assim: se não fosse permitido
ao homem cair, ele não poderia então ser criado à imagem e semelhança de Deus; não
poderia ser-lhe concedido livre arbítrio, que é um aspecto inseparável da imagem de Deus,
mas ele deveria estar sujeito à lei da necessidade, como as criações sem alma — o céu, o
sol, estrelas, o círculo da terra e todos os elementos, ou como os animais irracionais. Mas
então não teria havido rei sobre as criaturas da terra, nem cantor de hino racional da
benignidade de Deus, nem sabedoria, nem poder criativo, nem Providência. Pois o homem
não teria meios de mostrar sua fidelidade e devoção ao criador, seu amor auto-sacrificante.
Então não haveria bravura na batalha, nem méritos ou coroas incorruptíveis pela vitória;
não teria benção eterna que é a recompensa pela fidelidade e devoção a Deus, nem repouso
eterno depois dos trabalhos e lutas da nossa peregrinação na terra."

A história da queda no pecado.

O escritor da Gênesis não nos conta se nossos primeiros ancestrais viveram por um longo
período na abençoada vida do Paraíso. Falando de sua queda, ele indica que eles não
tiveram tentação por si próprios, mas que foram a ela conduzidos pelo tentador.

"Ora a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que o Senhor Deus tinha
feito, E esta disse à mulher: é assim que Deus disse: não comereis de toda árvore do
jardim? E disse a mulher à serpente: do fruto das árvores do jardim comeremos, mas do
fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: não comereis dele, nem nele
tocareis, para que não morrais. Então a serpente disse à mulher: certamente não morrereis.
Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis
como Deus, sabendo o bem e o mal. E vendo a mulher que aquela árvore era boa para se
comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto,
e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela" (Ge 3:1-6).

A Igreja Cristã entendeu sempre a serpente, o tentador, ser o diabo, que tomou a forma de
serpente que tem melhor correspondência com o seu caráter furtivo, astuto e venenoso. As
palavras claras de Nosso Senhor, acerca do diabo confirmam essa interpretação: "Ele foi
homicida desde o princípio" (Jo 8:44). No Apocalipse de João, o Teólogo, ele é chamado
de "o grande dragão, a velha serpente" (Apo 12:9). Na Sabedoria de Salomão: "pela inveja
do diabo, a morte entrou no mundo" (Sab 2:24).

O que foi o pecado ao comer o fruto.

A transgressão de nossos primeiros ancestrais foi essa: tendo sido tentados pela serpente,
eles violaram o comando direto de Deus para não comer da árvore proibida. O atendimento
nesse comando teria mostrado obediência a Deus e confiança em Suas palavras, assim
como humildade, e continência — uma soma de virtudes simples e naturais. O comer o
fruto proibido trouxe após ele mesmo a soma completa de lamentáveis conseqüências
morais e físicas.

As conseqüências morais da queda.

O comer o fruto foi só o começo do desvio moral, o primeiro empurrão; mas ele tão
venenoso e ruinoso que já ficou impossível retornar à previa santidade e justiça. Ao
contrário, foi revelada uma tendência a andar mais adiante no caminho da apostasia de
Deus. Isso é visto no fato de que eles imediatamente notaram sua nudez e, ouvindo a voz de
Deus no Paraíso, eles esconderam Dele, e justificaram-se só aumentando sua culpa. Na
resposta de Adão a Deus, vemos desde o começo o desejo de fugir da vista de Deus e uma
tentativa de esconder sua culpa, a inverdade em suas palavras de que ele tinha se escondido
de Deus só porque estava nu, e então a tentativa de uma autojustificativa e o desejo de
transferir sua culpa para outro, sua mulher. O Bem Aventurado Agostinho diz, "aqui temos
o orgulho, porque o homem desejou estar mais sob sua própria autoridade do que sob a de
Deus; e um escárnio do que é santo, ele não acreditou em Deus; é assassinato, porque ele
sujeitou-se à morte; é adultério espiritual, porque a imaculada alma humana foi corrompida
pela persuasão da serpente; e porque eles fizeram uso da árvore proibida; é amor pela
aquisição, porque ele desejou mais do que era necessário para satisfazer-se."

Assim, com a primeira transgressão do comando, o princípio do pecado imediatamente


entrou no homem- "a lei do pecado" (monos tis amartios). Ele golpeou a verdadeira
natureza do homem e rapidamente começou a se enraizar nela e se desenvolver. Desse
princípio pecaminoso que entrou na natureza do homem, o Apóstolo Paulo escreveu: "Pois
eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer
está em mim, mas não consigo realizar o bem. ... Porque, segundo o homem interior, tenho
prazer na lei de Deus. Mas vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do
meu entendimento, e me prende na lei do pecado que está nos meus membros" (Ro 7:18,
22-23). As inclinações pecaminosas no homem tomaram a posição reinante, o homem
tornou-se "o servo do pecado" (Ro 6:7). Mente e sentimentos tornaram-se escurecidas nele,
e por isso sua liberdade moral freqüentemente não o inclina para o bem, mas para o mal.
Luxúria e orgulho apareceram na base dos impulsos do homem para as atividades da vida.
Disso nós lemos em 1 Jo 2:15-16, "Não ameis o mundo, nem o que no mundo há... . Porque
tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos, e a soberba
da vida, não é do Pai, mas do mundo." A concupiscência da carne é o enfraquecimento da
autoridade do espírito sobre o corpo, a sujeição dele aos baixos desejos carnais; a
concupiscência dos olhos significa o apego aos falsos ídolos, ganância e fome pelo mundo,
inveja; e orgulho é auto-estima, egoísmo, auto-exaltação, desprezo pelos outros que são
mais fracos, amor-próprio e vanglória.

As observações psicológicas contemporâneas também conduzem os investigadores à


conclusão que concupiscência e orgulho (a sede por ser melhor que os outros) são as
principais alavancas das lutas do homem decaído contemporâneo, mesmo quando estão
profundamente escondidos na alma e não são completamente conscientes.

As conseqüências físicas da queda.


As conseqüências físicas da queda são doenças, trabalho duro, e morte. Esses foram o
resultado natural da queda moral, o afastamento da comunhão com Deus, a partida do
homem de Deus. O homem tornou-se sujeito aos elementos corruptos do mundo, no qual
dissolução e morte estão ativos. A nutrição da fonte da vida e da renovação constante de
todos os poderes tornou-se fraca no homem. Nosso Senhor Jesus Cristo indica a
dependência entre doença e pecado quando ele cura o paralítico, dizendo-lhe: "Eis que já
estás são; não pequeis mais, para que não te suceda alguma coisa pior" (Jo 5:14).

Com o pecado, a morte entrou na raça humana. O homem foi criado imortal em sua alma e
ele poderia ter permanecido imortal também no corpo se ele não tivesse se afastado de
Deus. A Sabedoria de Salomão diz: "Deus não fez a morte" (Sab 1:13). O corpo do homem,
como bem expressou o Bem Aventurado Agostinho, não possui a "impossibilidade de
morrer" mas possui "a possibilidade de não morrer" que agora está perdida. O escritor da
Gênesis nos informa que essa "possibilidade de não morrer" era mantida no Paraíso pelo
comer do fruto da Árvore da Vida, da qual nossos primeiros ancestrais foram privados
depois que foram banidos do Paraíso. "Pelo que, como por um homem entrou o pecado no
mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso
que todos pecaram" (Ro 5:12). O Apóstolo chama a morte de "salário"; isto é, o pagamento
da recompensa pelo pecado: "Porque o salário do pecado é a morte" (Ro 6:23).

Infortúnios e morte como castigo pedagógico de Deus.

Infortúnios físicos não são só uma conseqüência do pecado; ao mesmo tempo eles são
castigos pedagógicos de Deus, como foi revelado pelas palavras de Deus para nossos
primeiros pais quando eles foram banidos do Paraíso. É claro que esses castigos são dados
como meios de prevenir o homem de uma próxima e final queda.

A respeito dos trabalhos e doenças dos homens decaídos, São Cirilo de Alexandria diz que
o homem, "tendo recebido um exaustivo jejum e tristezas, foi dado a doenças, sofrimentos,
a outras coisas amargas da vida como a um tipo de freio. Porque ele não se restringiu
sensivelmente àquela vida que era livre de trabalhos e tristezas, ele foi dado a infortúnios de
modo que pelos sofrimentos ele possa curar em si mesmo a doença que veio sobre ele no
meio das bênçãos ("On the Incarnation of the Lord").

Da morte, esse mesmo Santo Padre diz, "Pela morte o Doador da Lei para o espalhamento
do pecado, e no seu castigo purificador revela Seu amor pela humanidade, tanto que, ao dar
o comando e juntar a morte à transgressão dele, Ele também fez com que o criminoso que
cria sob esse castigo, tenha nele um meio de salvação. Pois a morte dissolve essa nossa
natureza animal e assim, de um lado para a atividade do mal, e do outro lado livra o homem
de doenças, liberta-os dos trabalhos, põe um fim a suas tristezas e cuidados, e, para seus
sofrimentos corporais com tal amor pela humanidade, o Juiz preparou o castigo
pedagógico" (mesma Homilia).

A perda do Reino de Deus.

No entanto, a conseqüência final e mais importante do pecado não foi a doença e a morte
física, mas a perda do Paraíso. Essa perda do Paraíso é a mesma coisa que a perda do Reino
de Deus. Em Adão toda humanidade foi privada da futura benção que estava diante dela, a
benção que Adão e Eva experimentaram particularmente no Paraíso. Em lugar da projetada
vida eterna, a humanidade contempla a morte, e após ela o inferno, trevas, e rejeição por
Deus. Por isso, os livros sagrados do Velho Testamento estão cheios de pensamentos
pesados a respeito da existência alem do túmulo: "Porque na morte não há lembrança de Ti;
no sepulcro quem te levará?" (Salm 6:5). Não há uma negação da imortalidade, mas uma
reflexão sobre as desesperadoras trevas além do túmulo. Tal consciência e tristeza eram
aliviadas somente pela esperança de futura libertação pela vinda do Salvador: "Porque eu
sei que meu Redentor vive e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consumida
a minha pele, ainda em minha carne, verei a Deus" (Jó 19:25 -26). "Portanto está alegre
meu coração e se regozija a minha glória: também a minha carne repousará segura. Pois
não deixarás a minha alma no inferno, nem permitirás que o Teu Santo veja corrupção"
(Salm 16: 9-10).

A misericórdia de Deus para com o homem decaído.

Depois da queda do homem no pecado, Deus não rejeitou o homem pecador. Ele não tomou
dele nem Sua imagem, que o distinguia do reino animal; nem seu livre-arbítrio; nem sua
razão pela qual o homem era capaz de entender os princípios espirituais; nem suas outra
capacidades. Deus agiu para com ele como um médico e educador: Ele cobriu sua nudez
com roupas, moderou sua auto-estima e orgulho, seus desejos carnais e paixões, por meio
de medidas curativas — trabalhos e doenças — dando a isso um significado educacional.
Nós mesmos podemos ver o efeito educacional no trabalho, e o efeito limpador da doença
na alma. Deus sujeitou o homem à morte física não para conduzi-lo para a morte espiritual
final mas para que o princípio pecaminoso nele não se desenvolve-se ao extremo, para que
ele não pudesse se tornar como satan.

No entanto, esse freio natural de sofrimento e morte não elimina a verdadeira fonte do mal.
Ele só restringe o desenvolvimento do mal. Quase deveria ser necessário para a
humanidade ter um poder e auxílio sobrenaturais que conseguiriam desenvolver uma
reversão interna no homem e dar a ele a possibilidade de mudar de uma gradual diminuição
da vitória sob o pecado para uma gradual ascensão para Deus. A Providência de Deus
previu a futura queda da vontade livre do homem que não tinha se tornado forte. Prevendo
a queda, Ele preparou um levantar. A queda de Adão no pecado não foi uma perdição
absoluta para a humanidade. O poder que daria o renascimento, de acordo com a
determinação pré-eterna de Deus, seria a descida à terra do Filho de Deus.

Por pecado original, entenda-se o pecado de Adão, que foi transmitido para seus
descendentes e pesa sobre eles. A doutrina do pecado original tem grande significado na
visão do mundo Cristão, porque sobre ele repousa uma série de outros dogmas.

A palavra de Deus nos ensina que por Adão "todos pecaram": "...por um homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens
por isso que todos pecaram" (Ro 5:12). "Quem do imundo tirará o puro? Ninguém, se ele
tiver vivido ainda que um só dia na terra" (Jó 14:4-5, septuaginta). "Eis que em iniqüidade
fui formado, e em pecado me concebeu a minha mãe" (Salm 51:6); "a semente da
corrupção está em mim" (Orações Vespertinas).
A fé comum da antiga Igreja Cristã na existência do pecado original pode ser vista no
antigo costume de batizar crianças. O Concílio Local de Cartago, em 252, composto de 66
bispos sob a presidência de São Cipriano, decretou o seguinte contra heréticos: "não proibir
(o batismo) de uma criança, ainda que recém-nascida, pois ela não pecou em nada a parte
dela proceder da carne de Adão. Ela recebeu o contágio da antiga morte pelo seu
nascimento, e ela é então mais fácil de receber a remissão dos pecados porque não são os
seus, mas os pecados de outros que são remidos" (a mesma coisa é estabelecida no Cânon
110 do "Código Africano," aprovado por 217 bispos em Cartago, em 419 e ratificado pelo
Concílio de Trullo em 692 e pelo Sétimo Concílio (787). O Canôn 110 termina: "por conta
dessa regra de fé mesmo crianças, que não tenham cometido pecados por elas próprias, são
batizadas pela remissão dos pecados, de maneira que o que há nelas pelo resultado de
geração seja limpo através da regeneração," The Seven Ecumenical Councils, Eerdmans, p.
497).

Este é o modo pelo qual a "Encíclica dos Patriarcas Orientais" define o resultado da queda
no pecado: "caído pela transgressão, o homem tornou-se como as criaturas irracionais. Isso
é, ele tornou-se escurecido e foi privado de perfeição e de paixão. Mas ele não foi privado
da natureza e do poder que ele recebeu do boníssimo Deus. Pois se ele fosse privado assim,
ele teria se tornado irracional, e não mais um homem. Mas ele preservou aquela natureza,
de modo a, de acordo com a natureza, poder escolher e fazer o bem e fugir e afastar-se do
mal" (Encíclica dos Patriarcas Orientais, parágrafo, 14).

Na história da antiga Igreja Cristã, Pelágio e seus seguidores negaram a herança do pecado
(a heresia do Pelagianismo). Pelágio afirmava que todo homem só repete o pecado de
Adão, executando de novo sua própria queda pessoal. No pecado, e seguindo o exemplo de
Adão por causa de sua própria fraca vontade. No entanto, sua natureza permanece a mesma
de quando foi criado, inocente e pura, a mesma do primeiro-criado Adão. Além disso,
doença e morte são características de sua natureza desde sua criação, e não são as
conseqüências do pecado original.

O Abençoado Agostinho colocou-se contra Pelágio com grande poder de prova. Ele citou
(a) testemunhos da Divina Revelação a respeito do pecado original, (b) o ensinamento dos
antigos pastores da Igreja, (c) o antigo costume de batizar crianças e (d) os sofrimentos e
infortúnios dos homens, inclusive crianças, que são as conseqüências da universal e
herdada pecaminosidade do homem . No entanto, Agostinho, não escapou do extremo
oposto, lançando idéia de que no homem decaído qualquer liberdade independente para
fazer o bem tinha sido completamente aniquilada, a menos que a graça viesse em seu
auxilio.

Dessa disputa no ocidente foram formadas subseqüentemente duas tendências, uma das
quais foi seguida pelo Catolicismo Romano, e a outra pelo Protestantismo . Teólogos
Católicos-Romanos consideram que a conseqüência da queda foi a remoção dos homens de
um dom sobrenatural da graça de Deus, após o que o homem ficou em condição "natural,"
sua natureza não foi prejudicada mas só levada para a desordem porque a carne, o lado
corporal, veio a dominar o lado espiritual. O pecado original, sob esse ponto de vista,
consiste no fato que a culpa de Adão e Eva perante a Deus passou para todos os homens.
A outra tendência no ocidente vê no pecado original a completa perversão da natureza
humana e sua corrupção a nível muito fundo, até suas próprias bases (a visão aceita por
Lutero e Calvino). Mas as novas seitas do Protestantismo, reagindo por sua vez contra os
extremos de Lutero, foram tão longe que chegaram à completa negação do herdado pecado
original.

Entre os pastores da Igreja Oriental não há dúvida sobre o ensinamento seja do pecado
ancestral herdado em geral, ou sobre as conseqüências desse pecado para a natureza
humana em particular.

A teologia Ortodoxa não aceita os pontos extremos de ensinamento do Bem Aventurado


Agostinho; mas igualmente não aceita o ponto de vista Católico-Romano (posterior) que
tem um caráter muito legalista e formal. A base do ensinamento Católico-Romano está em
a) um entendimento do pecado de Adão como uma ofensa infinitamente grande contra
Deus; b) depois dessa ofensa segui-se a ira de Deus; c) a ira de Deus manifestou-se pela
remoção dos dons sobrenaturais da graça de Deus; e d) a remoção da graça trouxe após si a
submissão do princípio espiritual ao princípio carnal, e uma queda mais profunda no
pecado e na morte. Disso vem a visão particular da redenção executada pelo Filho de Deus;
para restaurar a ordem que havia sido violada, seria necessário antes de tudo dar satisfação
da ofensa feita a Deus, e com isso remover a culpa da humanidade e a punição que pesava
sobre ela.

As conseqüências do pecado ancestral são aceitas pela teologia Ortodoxa diferentemente.

Após a sua primeira queda, o próprio homem afastou-se em alma de Deus e tornou-se não-
receptivo à graça de Deus que estava aberta para ele. Ele cessou de prestar atenção à voz
divina a ele endereçada, e isso o conduziu ao posterior aprofundamento do pecado.

No entanto, Deus nunca privou a humanidade de Sua misericórdia, auxílio, graça,


especialmente Seu povo escolhido; e desse povo vieram grandes homens justos como
Moisés, Elias, Eliseu, e os profetas posteriores. O Apóstolo Paulo, no capítulo onze da
Epístola aos Hebreus, lista uma ampla lista dos justos do Velho Testamento, dizendo que
eles são: "dos quais o mundo não era digno" (Heb 11:38). Todos eles eram aperfeiçoados
não sem um dom do alto, não sem a graça de Deus. O Livro dos Atos cita as palavras do
primeiro mártir, Estevão, onde ele diz a respeito de Davi que ele "achou graça diante de
Deus, e pediu que pudesse achar tabernáculo para Deus de Jacó" (At 7:6); isto é, para
construir um Templo para ele. O maior dos profetas, São João, o Precursor, esteve "cheio
do Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe" (Lc 1:15). Mais os justos do Velho
Testamento não poderiam escapar do grupo geral dos homens caídos após a morte,
permanecendo nas trevas do inferno, até a fundação da Igreja Celeste; isto é, até a
Ressurreição e Ascensão de Cristo. O Senhor Jesus Cristo destruiu os portões do inferno e
abriu o caminho para o Reino do Céu.

Não se deve ver a essência do pecado — incluindo o pecado original — só na dominância


da carne sobre o espírito como a teologia Católico-Romana ensina. Muitas inclinações
pecaminosas, algumas muito sérias, têm a ver com qualidades de ordem espiritual, tais
como orgulho, que, de acordo com as palavras do Apóstolo, é a fonte, junto com a
concupiscência do estado geral do pecado do mundo (1 Jo 2:15-16). O pecado está também
presente em espíritos malignos que não têm nenhuma carne. Na Sagrada Escritura a palavra
"carne" significa uma condição de não ter renascido, uma condição oposta a ser renascido
em Cristo "O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito" (Jo
3:6). É claro, que isso não é para negar uma série completa de paixões e inclinações
pecaminosas originadas na natureza corpórea, que a Sagrada Escritura também mostra (Ro.
capítulo 7).

Assim, o pecado original é compreendido pela teologia Ortodoxa como uma inclinação
pecaminosa que entrou na humanidade e tornou-se uma doença espiritual.

___________

Nota: Talvez nenhuma doutrina da Igreja Ortodoxa tenha causado discussões e desentendimento tão
acalorados em nossos dias como a doutrina do pecado original ou ancestral. Os desenvolvimentos usualmente
ocorrem ou pelo desejo de definir a doutrina muito precisamente, ou pela reação exagerada a essa excessiva
precisão. As expressões dos primeiros padres em geral (excetuando Bem Aventurado Agostinho no ocidente)
não entram no "como" dessa matéria mais simplesmente colocada: "Quando Adão transgrediu, seu pecado
atingiu todos os homens" (Santo Atanásio, o Grande, Four Discourses Against thr Arians, 1 51, Eerdmans
tradução inglesa, p. 336).

Alguns Cristãos Ortodoxos erradamente defenderam a noção Agostiniana da "culpa original" — isto é, que
todos os homens herdaram a culpa do pecado de Adão — e outros, indo para o extremo oposto, negaram
completamente a herança do estado pecaminoso de Adão. Padre Michael corretamente aponta em sua
equilibrada apresentação que de Adão nós herdamos de fato nossa tendência ao pecado, junto com a morte e
corrupção que são agora parte da nossa natureza, mas nós não herdamos a culpa do pecado pessoal de Adão.

O termo "pecado original" vem do tratado do Bem-Aventurado Agostinho De Peccato Originale, e algumas
pessoas imaginam que meramente usar esse termo implica na aceitação dos exageros Agostinianos nessa
doutrina. Isso, lógico, não é um caso obrigatório.

Em grego (e russo) existem dois termos usados para expressar esse conceito, usualmente traduzidos por
"pecado original" e "pecado ancestral." Um professor Ortodoxo da Igreja Grega Velho Calendarista descreve
os termos assim:

"Existem dois termos usados em grego para "pecado original." O primeiro, progoniki amartia é usado
freqüentemente pelos padres (São Simão o Novo Teólogo, São Máximo o Confessor). Sempre vi esse termo
traduzido por "pecado original," apesar dos teólogos gregos serem cautelosos quando usam o termo para
distingui-lo do termo que é usado para traduzir o Bem Aventurado Agostinho.. A segunda expressão que se vê
é to propatorikon amartima, que é literalmente "pecado ancestral." John Karmiria, o Teólogo grego sugere em
seus volumes dogmáticos que o último termo, usado nas últimas confissões, não sugere algo tão forte quanto
o "pecado original" Agostiniano, mas certamente sugere que "todo mundo é concebido no pecado ."

Existem algumas reações extremadas contra e a favor do pecado original. Como teólogos gregos recentes tem
apontado, o pecado original na Ortodoxia é tão ligado a noção de divinização (theosis) e à parte não maculada
do homem (e assim à Cristologia) que a colocação Agostiniana exagerada (da natureza decaída do homem)
causa algum desconforto. Na expressão "pecado original" o ocidente freqüentemente inclui culpa original, que
assim obscurece o potencial divino no homem e torna o termo incomodo, Não há por certo, nenhuma noção
de culpa original na Ortodoxia. A noção ocidental compromete o objetivo espiritual do homem, sua theosis e
fala dele homem de maneira muito baixa. No entanto, rejeitar o conceito por conta desse desentendimento,
pode tender a elevar demasiadamente o homem — coisa perigosa em que tempo tão arrogantes quantos os
nossos . A visão Ortodoxa equilibrada é que o homem recebeu a morte e a corrupção através de Adão (pecado
original); apesar de não participar da culpa de Adão. Muitos Ortodoxos, no entanto, aceitaram uma tradução
impossível de Romanos 5:12 que não diz que todos nós pecamos em Adão mas que, como Adão, todos
pecamos e encontramos a morte" (Arquimandrita Chrisostomos, Mosteiro São Gregório Palamas, Hayesville,
Ohio)

A versão do King James traduz corretamente Ro 5:12 como: "assim passou a morte a todos os homens, por
isso que todos pecaram." A tradução latina do último trecho, "em quem todos pecaram" exagera a doutrina e
implica em dizer que todos os homens são culpados do pecado de Adão.¹

6. Deus e a Salvação do Homem.


A economia de nossa salvação. A preparação para receber o Salvador.

A encarnação do Filho de Deus. O Senhor Jesus Cristo: verdadeiro Deus. A natureza


humana no Senhor Jesus Cristo. Os erros concernentes das duas naturezas de Jesus Cristo.
As duas naturezas em Jesus Cristo. A não pecabilidade da natureza humana de Jesus Cristo.
A unidade da hipóstase de Cristo. A adoração una de Cristo. Sobre o culto latino do
"Coração de Jesus."

Dogmas relativos à Santíssima Virgem Maria. A. A Virgindade perene da Theotokos. B.


A Santíssima Virgem Maria é Theotokos. O dogma Católico-Romano da Imaculada
Conceição. O culto do "Imaculado Coração" da Virgem Maria.

O dogma da Redenção. O Cordeiro de Deus. A economia geral da Salvação. A. A


condição do mundo antes da vinda do Salvador. B. A salvação do mundo em Cristo. O
renascimento pessoal e a vida nova em Cristo. A palavra "redenção" no uso dos apóstolos.
Uma nota sobre o ensinamento Católico —Romano.

O triplo ministério do Senhor. A Cristo o Sumo Sacerdote. B. Cristo o Evangelizador


(Seu ministério profético). C. Cristo e o Rei do Mundo (seu ministério real). A deificação
da humanidade em Cristo.

A Ressurreição de Cristo. Os frutos salvíficos da Ressurreição de Cristo. A. A vitória


sobre o inferno e sobre a morte. B. O Reino de Cristo e a Igreja triunfante. C. O
estabelecimento da Igreja.

A economia de nossa salvação.

"Bendito o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, o que nos abençoou com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo. Como também nos elegeu Nele antes
da fundação do mundo, para que fossemos santos e irrepreensíveis diante dele em caridade.
E predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito
de sua vontade, para louvor e glória da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no
Amado, em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as
riquezas da sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado, em quem temos a
redenção pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça, que
Ele fez abundar para conosco em toda a sabedoria e prudência, descobrindo-nos o mistério
da sua vontade segundo o seu beneplácito que propusera em si mesmo, de tornar a
congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que
estão nos céus como as que estão na terra (Ef 1:3-10).

"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3:16).

"Mas Deus, que riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou,
estando ainda nós mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo" (Ef.
2:4-5).

"Nisto está a caridade, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou
a nós, e enviou seu Filho para propiciação dos nossos pecados... Nós o amamos a Ele
porque Ele nos amou primeiro" (1 Jo 4:10-19).

Deus, pré-conhecendo a queda dos homens, pré-ordenou a salvação dos homens, mesmo
"antes da fundação do mundo" (Ef 1:4). A palavra de Deus chama o Salvador o Cordeiro de
Deus "ainda antes da fundação do mundo" (1 Pe 1:20).

A preparação para receber o Salvador.


"Mas vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob
a lei, para reunir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos"
(Gál 4:45).

No que consiste essa "plenitude dos tempos" que foi ordenada, para o trabalho da
redenção? Nos versículos que precedem as citadas palavras do Apóstolo Paulo na Epístola
aos Gálatas, o Apóstolo fala do tempo antes da vinda do Salvador como sendo "quando
éramos meninos" (Gál 4:3). Assim, ele chama o período do Velho Testamento de
"infância," o tempo do desenvolvimento, a condução das crianças sob a lei de Moisés,
enquanto que a vinda do Salvador é o fim da "infância."

Nós podemos entender o significado desse período preparatório se nós formos guiados pela
parábola do Filho Pródigo. O pai entristecido pela partida de sua casa de seu amado filho.
No entanto, sem violar a dignidade e a liberdade de seu filho, ele esperou até que o filho,
tendo experimentado o amargor do mar e tendo lembrado da bondade da vida na casa do
pai, ele próprio ficou saudoso da casa do pai e abriu sua alma para o amor do pai. Assim foi
com a raça humana também. "Minha alma tem sede de ti, como terra sedenta" (Salm
143:6), poderia ter sido dito pela melhor parte da humanidade; ela tornou-se uma "terra
sedenta," tendo experimentado até os restos, o amargor do afastamento de Deus.
O Senhor não abandonou os homens, não os mandou completamente embora, mas do
momento da queda no pecado conduziu-os para a futura salvação.

1. Tendo cortado a criminalidade da humanidade original pelo Dilúvio, o Senhor primeiro


escolheu dos descendentes de Noé, que foram salvos do Dilúvio, uma raça para a
preservação da piedade e da fé, e também da fé na vinda do Salvador. Essa foi a raça de
Abrahão, Isaac e Jacó, e então todo o povo hebreu. Em seu cuidado com seu poço
escolhido, Deus os conduziu para fora da escravidão, previniu-os, castigou-os
pedagogicamente, e de novo teve misericórdia, conduzindo-os para fora do cativeiro
babilônico, e finalmente, do meio deles preparou a escolhida, que veio a ser a Mãe do Filho
de Deus.

A escolha do povo hebreu foi confirmada pelo Senhor Jesus Cristo quando Ele disse: "...a
salvação vem dos judeus" (Jo 4-22). Os escritos dos Apóstolos testificam abundantemente a
mesma coisa: o discurso do primeiro mártir Estevão e o Apóstolo Pedro no livros dos Atos,
as Epístolas do Apóstolo Paulo aos Romanos e aos Gálatas, e outros lugares na Sagrada
Escritura.

2. Além disso, a preparação para recepção do Salvador, consistia em a) as promessas


confortadoras de Deus e b) as profecias dos profetas a respeito de Sua vinda.

a) As promessas de Deus começaram no Paraíso. As palavras do Senhor para a serpente


concernentes "a semente da mulher" possuem um significado místico: "E porei inimizade
entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe
ferirás o calcanhar" (Gên 3:15). A promessa feita aqui a respeito da semente da mulher
tornou-se ainda mais clara para os escolhidos de fé com o crescimento das profecias acerca
do Salvador que Ele próprio suportaria sofrimentos da violência do diabo (Salm 21;11), e o
derrubaria: "e foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e
Satanás que enganava todo mundo. Ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram
lançados com ele" (Apoc 12-9).

Além disso existia a promessa para Abrahão: "E em tua semente serão benditas toda as
nações da terra" (Gên 22:18) — Uma promessa repetida para Isaac e Jacó (Gên 26:4);
28:14). Seu autêntico significado foi também gradualmente revelado aos judeus, durante o
período de seu cativeiro e outros infortúnios, como sendo a promessa do Salvador do
mundo.

b) Profecias: a benção de Judá o Patriarca Jacó, abençoando um de seus filhos logo antes de
sua morte, proferiu uma profecia ainda mais definida sobre o Salvador: "O cetro não se
arredará de Judá, nem o legislador dentre seus pés, até que venha Siló, e a ele se
congregarão os povos" (Em hebreu Siló significa Reconciliador). Em outras palavras, a
autoridade da tribo de Judá não cessará até que o Reconciliador, a esperança das nações,
venha, e conseqüentemente, a terminação da autoridade da tribo de Judá será um claro sinal
da vinda do Salvador. Os antigos professores viam no Reconciliador o esperado Messias, a
quem eles aplicaram o nome Siló.
Outra profecia consiste nas palavras de Moisés para seu povo: "O Senhor teu Deus
despertará um profeta do meio de ti, de teus irmãos como eu; a ele ouvireis" (Deut. 18:15).
Depois de Moisés existiram muitos grandes profetas entre os hebreus mas a nenhum deles
as palavras de Moisés se referiam: "E nunca mais se levantou em Israel profeta algum igual
a Moisés" (Deut 34:10). O próprio Senhor Jesus Cristo referiu-se às palavras de Moisés
sobre Si "Porque, se vós crêsseis em Moisés, creríeis em mim; porque de mim escreveu
ele" (Jo 5:46).

Vieram então numerosas profecias na forma de prefiguração nos Salmos, dos quais o mais
expressivo é o Salmo 22 que os antigos rabinos reconheciam como um hino ao Messias. Ele
inclui uma descrição dos severos e atormentadores sofrimentos que o Salvador suportou na
Cruz: "Deus, Deus meu, porque me desamparaste?.Todos os que vêem zombam de mim,
estendem os beiços e meneiam a cabeça dizendo: confio no Senhor, que o livre...Como
água me derramei, e todos os meus ossos se desconjuntaram... Repartem entre si os meus
vestidos, e lançam sorte sobre a minha túnica...." Próximo do fim do Salmo estão estas
palavras que concernem ao triunfo da Igreja: "O meu louvor virá de ti na grande
Congregação (Igreja): pagarei os meus votos ... Os mansos comerão e se fartarão... o vosso
coração viverá eternamente."

Numerosos outros Salmos contem tais profecias e prefigurações. Alguns deles proclamam
os sofrimentos do Salvador (Salms 40, 69, 109, 41, 16, 8), enquanto outros proclamam sua
glória (Salms 2, 110, 45, 68, 118, 97, 95).

Finalmente, perto do fim do período do Velho Testamento, numerosas profecias


apareceram nos livros dos assim chamados maiores e menores profetas, e esses ainda mais
claramente revelaram a eminente vinda do Filho de Deus. Eles falaram do precursor do
Senhor, do tempo, lugar e condições do nascimento do Salvador de Sua imagem espiritual-
corporal (sua docilidade, humildade e outras características), dos eventos que precederiam a
traição do Senhor, de Seus sofrimentos e Ressurreição, na descida no Espírito Santo, do
caráter do Novo Testamento, e de outros aspectos da vinda do Senhor.

Entre essas profecias um lugar especial pertence ao capítulo cinqüenta e três do profeta
Isaias, que dá uma imagem do sofrimento do Salvador na Cruz. Eis como Isaias prefigura
os sofrimentos redentores do Messias, Cristo:

"Quem deu crédito a nossa pregação? E a quem se manifestou o braço do Senhor? Porque
foi subindo como renovo perante Ele, e como raiz de uma terra seca, não tinha parecer nem
formosura; e olhando nós para Ele, nenhuma beleza víamos, para que o desejássemos. Era
desprezado, e o mais indigno entre os homens, homem de dores, e experimentado nos
trabalhos: e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não
fizemos dele caso algum. Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as
nossas dores levou sobre si e nós o reputamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas
ele foi ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades: o castigo que
nos trás a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras formos sarados. Todos nós andamos
desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez criar
sobre Ele a iniqüidade de nós todos. Ele foi oprimido, mas não abriu a sua boca: como um
cordeiro foi conduzido ao matadouro, e, como a ovelha muda perante os tosquiadores, ele
não abriu a sua boca. Da opressão e do juízo foi tirado; e quem contará o tempo de sua
vida? Porquanto foi cortado da terra dos viventes: pela transgressão do meu povo ele foi
atingido... e foi contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos, e
pelos transgressores intercede" (Isaias 53:1-8, 12).

No profeta Daniel nós lemos a revelação dada a ele pelo Arcanjo Gabriel a respeito das
setentas semanas — o período de tempo da restauração de Jerusalém antes de Cristo, até
Sua morte e a cessação do Velho Testamento, isso é, a cessação dos sacrifícios no Templo
de Jerusalém (Daniel 9:24-27).

Essas promessas e profecias, antes de tudo, deram suporte ao povo escolhido,


especialmente durante os períodos difíceis de suas vidas; elas deram suporte para sua
firmeza, fé e esperança. Segundo, elas preparam o povo de modo que eles fossem capazes
de reconhecer por essas profecias que o tempo da promessa estava perto, e que eles viessem
a reconhecer o Salvador na forma dada a Ele pelos profetas.

Graças a essas profecias, quando o tempo da vinda do Salvador aproximava-se, a


expectativa sobre Ele esteve intensa e vigilante entre os pios judeus. Vemos isso nos
Evangelhos. Isso é revelado na expectativa de Simeão, o Receptor de Deus, para quem foi
declarado que ele não veria a morte até que ele tivesse contemplado Cristo, o Senhor (Lc
2:26). Também é revelado na resposta da mulher samaritana ao Salvador: "Eu sei que o
Messias vem; quando ele vier nos anunciará tudo" (Jo 4:25). É revelado nas perguntas dos
Judeus que vieram para João Batista : "És Tu o Cristo?" (Jo 1:20-25); nas palavras
endereçadas por André, o primeiro chamado Apóstolo, depois de seus encontros com
Cristo, a seu irmão Simão: "Achamos o Messias" (Jo 4:41), e igualmente nas palavras
similares de Filipe para Nathanael no relato do evangelista sobre seu chamado ao
apostolado (Jo 1:44-45). Outro testemunho foi a atitude do povo no tempo da entrada do
Senhor em Jerusalém.

3. Ao que foi dito acima deve ser acrescentado o fato que não foram só os judeus que
estavam sendo preparados para a recepção do Salvador, mas também o mundo inteiro,
apesar de ser um grau menor.

Mesmo no mundo pagão estavam preservados — ainda que numa forma distorcida —
tradições relativas à origem e a originalmente abençoada condição da humanidade (a Era de
Ouro), concernentes à queda de nossos primeiros ancestrais no Paraíso, a respeito do
Dilúvio como conseqüência da corrupção do homem e mais importante de tudo, — a
tradição vinda de um Redentor da raça humana e a expectativa de Sua vinda, como pode ser
visto nas palavras de Platão, Plutarco, Virgílio, Ovídio, Strabo e igualmente na história das
religiões do mundo antigo (por exemplo as predições das sibilas (As sibilas eram videntes
pagãs cujos oráculos e predições eram altamente consideradas na Roma pagã. Esses
oráculos se referiam em sua maioria ao destino dos povos, reinos e dirigentes, e alguns
deles tocaram na vinda de Cristo) das quais nós lemos em Cícero e Virgílio).

Os pagãos tiveram contato com o povo escolhido por meio de mútuas visitas, viagens
marítimas, guerras, cativeiro de judeus (especialmente os cativeiros assírio e babilônico), e
comércios, e graças a dispersão dos judeus nas várias nações das três partes do mundo
antigo até o fim do período do Velho Testamento. Sob essas condições, a luz da fé num
Deus único e a esperança em um Redentor, pôde ser espalhada para outros povos também.

Mais de dois séculos antes da natividade de Cristo, uma tradução dos livros sagrados foi
feita para o grego, e muitos estudiosos pagãos, escritores e povo educado em geral fez uso
dela; há vários testemunhos disso, particularmente entre os antigos escritores Cristãos.

Sabemos da Sagrada Escritura que afora o povo escolhido existiram também outros povos
que preservaram a fé no Deus único e estavam no caminho de aceitar a piedade. Nós
aprendemos isso no relato de Melquisedec no livro da Gênesis (Ge 14:18). Na história de
Jó, no relato do sogro de Moisés, Jetro de Midian (Ex 18), no relato de Balaam, que
profetizou a respeito do Messias: "Vê-lo-ei mas não agora; contemplá-lo-ei mas não de
perto" (Nu 24:17), e no arrependimento dos Ninivitas após a pregação de Jonas. O estar
pronto de muitas das melhores pessoas do mundo pagão para a recepção das boas novas do
Salvador também é atestado pelo fato que pela pregação dos Apóstolos, da Igreja de Cristo
foi rapidamente implantada em todo povo do mundo pagão, e que às vezes o próprio Cristo
encontrou em pagãos uma fé que Ele não encontrou nos próprios judeus.

"Mas, vindo à plenitude dos tempos" (Gal 4:4), ou, em outras palavras:

• Quando a raça humana, seguindo após Adão, experimentou completamente,


espiritualmente falando, da árvore do conhecimento do bem e do mal, e chegou a
conhecer em experiência a doçura de fazer o bem e o amargor de fazer o mal;
• Quando a maioria da humanidade atingiu um grau externo de impiedade e
corrupção;
• Quando a melhor, ainda que menor parte da humanidade estivesse com uma
especialmente grande sede, esperando e desejando ver o prometido Redentor,
Reconciliador, Salvador, Messias;
• Quando, finalmente pela vontade de Deus, as condições políticas já estavam prontas
porque o todo da parte civilizada tinha sido unida sob autoridade de Roma — algo
que favoreceu fortemente o espalhamento da fé e da Igreja de Cristo.,
• Então o prometido e esperado Filho de Deus veio para a terra.

A encarnação do Filho de Deus.


"No princípio era o verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e
sem Ele nada do que foi feito se fez... E o verbo se fez carne e habitou entre
nós" (Jo 1:1-3,14).

Assim o Evangelista João anuncia as boas novas e teologiza as primeiras linhas de seu
Evangelho. A Igreja Ortodoxa coloca esse relato acima de todas as leituras do Evangelho,
oferecendo-o a nós da Divina Liturgia do dia da Santa Páscoa, e começando o ciclo anual
de leituras do Evangelho com esse relato.

"Grande é o mistério da piedade: Deus se manifestou em carne" (1 Tim 3:16). O


inexprimível, o incognoscível, invisível, inatingível Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade, tornou-se homem na forma de Deus-Homem, o Senhor Jesus Cristo, e habitou
entre os homens da terra.

A pregação do Deus-Homem do encarnado Filho de Deus constitui o conteúdo das palavras


do Salvador, o conteúdo da totalidade da mensagem das boas novas anunciadas pelos
Apóstolos, a essência dos quatros Evangelhos e de todos os escritos Apostólicos, a base do
Cristianismo, e a base do ensinamento da Igreja.

O Senhor Jesus Cristo: Deus verdadeiro.

As boas novas do Evangelho são as boas novas do encarnado Filho de Deus que tornou-se
homem, tendo nascido do céu para a terra.

Fé em Jesus Cristo — que Ele é o Filho de Deus — é a base firme ou rocha da Igreja,
segundo as próprias palavras do Senhor: "Sobre essa pedra edificarei a minha Igreja" (Mt
16:18).

Com essas boas novas o Apóstolo Marcos começa seu relato: "Princípio do Evangelho de
Jesus Cristo, Filho de Deus" (Mc 1:1).

Com essa mesma verdade de fé o Evangelista João conclui o texto principal de seu
Evangelho: "estes porém foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus, e para que, crendo tenhais vida sem seu nome" (Jo 20:31); isto é a pregação da
divindade, Jesus Cristo é o objetivo do Evangelho todo.

"...o Santo, que de Ti há de nascer, será chamado Filho de Deus" (Lc 1:35) — o Arcanjo
Gabriel dirigindo-se à Virgem Maria.

No batismo do Salvador essas palavras foram ouvidas "Este é meu Filho amado..." a
mesma coisa foi repetida na transfiguração do Senhor (Mt 3:17, 17:5).

Simão confessou: "Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo" (Mt 16:16), e essa confissão serviu
para a promessa que a Igreja de Cristo seria construída sob a pedra dessa confissão.

O próprio Senhor Jesus Cristo testificou que Ele é o Filho de Deus Pai: "Todas as coisas me
foram entregues por meu Pai: e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece
o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11:27). Aqui Cristo fala
de si próprio como o único Filho do único Deus Pai.

De maneira que as palavras, "O Filho de Deus" não venham a ser entendidas num sentido
metafórico ou condicional, a Sagrada Família junta a elas a expressão, "unigênito" — isto é
o Único gerado do Pai; "E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós e vimos a sua glória,
como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade" (Jo 1:14, 1:18).

"Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo
aquele que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna" (Jo 3:16).

Da mesma forma a Sagrada Escritura usa a palavra "verdadeiro," chamando Cristo o


Verdadeiro Filho do Verdadeiro Deus: "E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos
deu entendimento para conhecermos o que é verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos,
isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna" (1 Jo 5:25).

Similarmente, as palavras "próprio Filho" : "Ele que nem mesmo a seu próprio Filho (em
grego, idion) poupou, antes o entregou por todos nós, como não nos dará também com ele
em toda as coisas?" (Ro 8:32).

O Filho Unigênito de Deus é o Deus verdadeiro mesmo enquanto em carne humana: "Dos
quais (Isto é, os israelitas) são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre
todos, Deus bendito eternamente: Amem" (Ro 9:5).

Assim, a divindade completa permanece na forma humana de Cristo: "Porque Nele habita
corporalmente toda a plenitude da divindade" (Col 2:9).

O primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia foi convocado para a confirmação dessa verdade
na clara consciência de todos os Cristãos, como a base da Fé Cristã, e para esse propósito
ele compôs o Símbolo da Fé (o Credo) da Igreja Ecumênica.

A natureza humana do Senhor Jesus Cristo.

Sendo Deus perfeito, Cristo o Salvador é ao mesmo tempo também homem perfeito

Como homem, Cristo nasceu quando para Maria, Sua mãe; "se cumpriram os dias em que
ela havia de dar a luz" (Lc 2:6). Ele gradualmente "crescia e se fortalecia em espírito" (Lc
2:40). Como Filho de Maria, Ele: "era sujeito a ela e a seu esposo" (Lc 2 :51). Como
homem, Ele foi batizado por João no Jordão: Ele foi pelas cidades e vilas com a pregação
da salvação; nenhuma vez antes de Sua Ressurreição Ele encontrou necessidade de provar
Sua humanidade a ninguém. Ele experimentou fome e sede, a necessidade de descanso e de
sono, e Ele sofreu dolorosos sentimentos e sofrimentos físicos.

Vivendo a vida física natural de um homem, o Senhor também viveu a vida da alma como
homem. Ele fortificou Seus poderes espirituais com o jejum e oração. Ele expressou
sentimentos humanos: alegria, raiva, tristeza; Ele os expressou exteriormente: "Ele turbou-
se em espírito" (Jo 13:21), mostrou insatisfação, derramou lágrimas por exemplo, na morte
de Lázaro. Os Evangelistas revelam-nos uma forte batalha no Jardim de Getsemani na noite
antes de ser preso pela guarda: "minha alma está cheia de tristeza até a morte" (Mt 26:38).
— Assim o Senhor descreve o estado de sua alma a Seus discípulos.
A racional e consciente vontade humana de Jesus Cristo, sem falha colocou todos os
esforços humanos em submissão à vontade divina. Uma surpreendente e evidente imagem
disso é dada na Paixão do Senhor, que começou no Jardim de Getsemani: "Meu Pai, se é
possível passe de mim esse cálice; toda via, não seja como eu quero, mas como tu queres"
(Mt 26:39). "Não se faça a minha vontade, mas a tua" (Lc 22:42).

A respeito da verdade da natureza humana completa do Salvador, os Santos Padres da


Igreja falam assim: "Se a natureza que Ele recebeu não tivesse uma mente humana, então
quem teria entrado em batalha com o diabo teria sido o próprio Deus; e então teria sido
Deus quem teria tido a vitória. Mas se Deus tivesse sido o vitorioso, então eu que de todo
não participei dessa vitória, não receberia nenhum, não receberia nenhum benefício me
gabando de um troféu de alguém outro" (São Cirilo de Alexandria). "Se o homem vindo
fosse uma visão então a salvação seria um sonho" (São Cirilo de Jerusalém). Outros Santos
Padres se expressam similarmente.

Os erros a respeito das duas naturezas de Jesus Cristo.

A Igreja sempre guardou estritamente o ensinamento correto das duas naturezas do Senhor
Jesus Cristo, vendo nisso uma condição indispensável da fé, sem a qual a salvação é
impossível.

Os erros a respeito desse ensinamento têm sido vários, mas eles podem ser reduzidos a dois
grupos: num, nós vemos a negação ou diminuição da Divindade de Jesus Cristo, em outro
nós vemos a negação ou diminuição de Sua Humanidade.

A. Como já foi mencionado no capítulo da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o


espírito da descrença dos judeus na Divindade de Cristo, a negação da sua Divindade,
refletiu-se na era Apostólica na heresia de Ebion, de quem esses heréticos receberam o
nome de Ebionistas. Um ensinamento similar foi espalhado no século terceiro por Paulo de
Samosata, que foi denunciado por dois Concílios de Antioquia. Ligeiramente diferente foi o
falso ensinamento de Arius e das várias correntes Arianas no século quarto. Eles ensinaram
que Cristo não era um simples homem, mas o Filho de Deus, criado e não gerado, e o mais
perfeito de todos os espíritos criados. A heresia de Arius foi condenada no Primeiro
Concílio Ecumênico em 325, e o Arianismo foi refutado em detalhe pelos mais renomados
Padres da Igreja durante o curso dos quarto e quinto séculos.

No século quinto levantou-se a heresia de Teodoro de Mopsuestia, que foi apoiada por
Nestório, Arcebispo de Constantinopla. Eles reconheciam ser o Senhor Jesus Cristo o único
"portador" do principio divino, e assim eles atribuíam a Santíssima Virgem Maria o título
de Christotokos (Paridora de Cristo), mas não de Theotokos (Paridora de Deus). De acordo
com Nestório, Jesus Cristo unia em si duas naturezas e duas pessoas diferentes, divina e
humana, que tocavam uma na outra mas eram separadas; e após seu nascimento, Ele era
homem, mas não Deus. São Cirilo de Alexandria apresentou-se como o principal acusador
de Nestório. O Nestorianismo foi acusado e condenado pelo Terceiro Concílio Ecumênico
(431).
B. O outro grupo errou ao negar ou diminuir a humanidade de Jesus Cristo. Os primeiros
heréticos nesse tipo foram os Docetidas, que entendiam serem a carne e a matéria um
princípio maligno ao qual Deus não podia se juntar. Por isso eles consideravam que a carne
de Cristo era tão somente pretensa ou "parecida" (grego dokeo, "parecer").

No tempo dos Concílios Ecumênicos. Apolinário, Bispo de Laodicéia, ensinava


erroneamente a respeito da humanidade do Salvador. Apesar de reconhecer a realidade da
Encarnação do Filho de Deus em Jesus Cristo, ele afirmava que Sua humanidade era
incompleta. Afirmando a composição tripartite da natureza humana, ele ensinava que Cristo
tinha uma alma e um corpo humanos, mas que Seu espírito (ou "mente") não era humano
mas divino e que esse espírito fazia parte da Divina natureza do Salvador, que O abandonou
na hora de Seus sofrimentos na Cruz.

Refutando essas opiniões, os Santos Padres explicaram que é o livre espírito humano que
contem a essência básica do homem, É isso que possuindo liberdade, estava sujeito à queda
e sendo derrotado, estava necessitado de salvação. Assim, o Salvador para restaurar o
homem decaído, ele próprio possuiu não só a parte mais baixa mas também a parte mais
alta da alma humana.

No século quinto houve outra heresia que diminuiu a humanidade de Cristo: a dos
Monofisitas: ela surgiu entre os monges de Alexandria e foi o oposto a uma reação contra o
Nestorianismo, que havia diminuído a natureza divina do Salvador. Os Monofisitas
consideravam que em Jesus Cristo, o princípio da carne tinha sido engolido pelo princípio
do espírito, o humano pelo divino, e por isso eles reconheciam em Cristo uma só natureza.
O Monofisismo também chamado de heresia de Eutiques, foi rejeitado pelo Quarto
Concílio Ecumênico, o de Calcedônia (451).

Uma resultante da heresia rejeitada dos Monofisitas foi o ensinamento dos Monotelistas (do
grego thelima, "desejo" ou "vontade"), que apresentava a idéia de que em Cristo exista uma
só vontade. Partindo do receio de reconhecer uma vontade humana em Cristo, o que
permitiria a idéia de duas pessoas Nele, os Monotelistas reconheciam só a vontade divina
em Cristo. Mas como os padres da Igreja explicaram, esse ensinamento abolia todo o
trabalho, para a salvação da humanidade, feito por Cristo, já que esse trabalho teria
consistido na livre sujeição da vontade humana para a vontade divina: "Não se faça a minha
vontade, mas a tua," o Senhor orou. Esse erro foi rejeitado pelo Sexto Concílio Ecumênico
(681).

Esses dois tipos de erros, que morreram na história da Igreja antiga, continuam a achar
refúgio para si parcialmente de forma escondida mas em parte abertamente no
Protestantismo dos últimos séculos. O protestantismo, então, em larga extensão recusa-se a
reconhecer os decretos dogmáticos dos Concílios Ecumênicos.

As duas naturezas em Jesus Cristo.

Em três Concílios Ecumênicos — o Terceiro (de Éfeso, contra Nestório), o Quarto (da
Calcedônia, contra Eutiques), e o Sexto (o terceiro de Constantinopla, contra os
Monotelistas) — a Igreja revelou o dogma da hipóstase do Senhor Jesus Cristo em duas
naturezas, divina e humana, e com duas vontades, a vontade Divina e a vontade humana,
que estava inteiramente em sujeição à primeira.

O Terceiro Concílio Ecumênico, o de Éfeso em 431, aprovou a exposição de Fé de São


Cirilo de Alexandria, a respeito no fato que "a Divindade e Humanidade compuseram uma
única Hipóstase do Senhor Jesus Cristo, por meio de uma indizível e inexplicável união
dessas duas distintas naturezas em uma."

O Quarto Concílio Ecumênico, o de Calcedônia em 451, pondo fim ao Monofisismo,


formulou precisamente a maneira da união das duas naturezas na única pessoa do Senhor
Jesus Cristo, reconhecendo ser a essência dessa união mística e inexplicável. A definição
do Concílio de Calcedônia, é lido assim:

"Seguindo os Santos Padres nós ensinamos em uma voz que o Filho e Nosso Senhor Jesus
Cristo é para ser confessado com uma e a mesma Pessoa, que Ele é perfeito em divindade e
perfeito em humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, com razoável alma e corpo
(humanos), um em Essência com o Pai no tocante à Sua Divindade, e um em essência
conosco no tocante à sua humanidade; feito em todas as coisas como nós, exceção feita só
ao pecado, gerado de Seus Pais antes do mundo segundo Sua Divindade, mas nos últimos
dias por nós homens e para nossa salvação nascido da Virgem Maria a Theotokos, de
acordo com Sua humanidade. Esse um e o mesmo Jesus Cristo, o Filho Unigênito, deve ser
confessado ser em duas naturezas, sem confusão, imutavelmente, indivisivelmente,
inseparavelmente, ... não separado e dividido em duas pessoas, mas um e o mesmo Filho e
unigênito Deus o Verbo, Nosso Senhor Jesus Cristo, como os profetas dos tempos antigos
falaram a respeito Dele, e como o Senhor Jesus Cristo nos ensinou, e como o Credo dos
Padres nos entregou" (Eerddmans, Seven Ecumenical Councils, p. 264-285).

A maneira dessa união das naturezas é expressa na definição de Calcedônia nas palavras:
"sem confusão e imutavelmente." As pessoas divina e humana em Cristo não se misturam e
não são convertidas uma na outra.

"Indivisivelmente, inseparavelmente." As duas naturezas estão unidas para sempre, não


formando duas pessoas que estão só moralmente unidas, como Nestório pensou. Elas são
inseparáveis desde o momento da concepção (isto é, o homem não foi formado primeiro, e
então Deus foi unido a ele; mas Deus o Verbo, descendo no ventre da Virgem Maria
formou uma carne humana viva para si próprio). Essas naturezas também eram inseparáveis
na hora dos sofrimentos do Salvador na cruz, no momento da morte, na Ressurreição e
depois da Ascensão, e pelos séculos dos séculos. Em sua carne deificada o Senhor Jesus
Cristo virá também na Sua Segunda Vinda.

Finalmente, o Sexto Concílio Ecumênico, no ano 681 (o terceiro em Constantinopla),


decretou que devem ser confessadas duas naturezas em Cristo e duas operações: "Duas
vontades naturais não contrária uma à outra... Mas Sua vontade humana seguirá sem que
seja resistindo e relutante mas ao invés sujeita à Sua Divina e onipotente vontade" (Da
"Definition of Faith do Sexto Concílio Ecumênico," Eerdermans, Seven Ecumenical
Councils, p 345).
A natureza humana — ou, na terminologia dos Santos Padres, a "carne do Senhor" — unida
com a divindade, foi enriquecida pelos poderes divinos sem perder nada dos seus atributos
próprios,e tornou-se participante da dignidade divina mas não da natureza divina. A carne,
sendo deificada, não foi destruída, "mas continuou em seu próprio estado e natureza," como
o Sexto Concílio Ecumênico expressou (obra citada acima).

Correspondendo a isso, a vontade humana em Cristo não foi mudada para a vontade divina
e não foi destruída mas permaneceu completa e operativa. O Senhor sujeitou-a
completamente à vontade divina, que Nele é uma com a vontade do Pai: "Eu desci do céu,
não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (Jo 6:38).

Em sua Exact Exposition of the Ortodox Faith, São João Damasceno fala-nos da união das
duas naturezas na pessoa do Senhor Jesus Cristo: "Assim como nós confessamos que a
encarnação foi feita sem transformação ou mudança, assim também nós mantemos que a
deificação da carne foi feita. Pois o Verbo nem ultrapassou os limites de Sua própria
Divindade nem as divinas prerrogativas a ela pertencentes porque Ele foi feito carne, e
quando a carne foi feita Divina ela certamente não mudou sua própria natureza ou suas
propriedades naturais. Mesmo depois da união das naturezas, permaneceram não
misturadas e suas propriedades intactas. Mais ainda, por razão de sua não misturada união
com o Verbo, isto é, sua união hipostática, a carne do Senhor foi enriquecida com
operações divinas mas de modo algum sofreu qualquer enfraquecimento de suas
propriedades naturais. Porque não é por suas próprias operações que a carne faz obras
divinas, mas pelo Verbo unido a ela e através dela o Verbo mostra suas próprias operações.
Assim, o aço que foi aquecido queima, não porque naturalmente adquiriu poder de queimar,
mas porque ele adquiriu esse poder de sua união com o fogo" (Extract Exposition, 3, 17;
tradução inglesa, p. 316-317).

A respeito da maneira da união das duas naturezas em Cristo, deve-se sem dúvida ter em
mente que os Concílios e os Padres da Igreja tinham somente um objetivo: defender a fé
dos erros dos heréticos. Eles não tentaram revelar inteiramente a verdadeira essência dessa
união, isto é, a mística transformação da natureza humana em Cristo, a respeito da qual nós
confessamos que em Sua carne humana, Cristo senta à direita de Deus Pai, que em carne
Ele virá em glória para julgar o mundo, e o Seu reino não terá fim, e que fiéis recebem
comunhão de Seus vivificantes Carne e Sangue em todo tempo através do mundo todo.

A natureza humana sem pecado de Jesus Cristo.

O Quinto Concílio Ecumênico condenou o falso ensinamento de Teodoro de Mopsuestia,


que estabelecia que o Senhor Jesus não foi privado das tentações internas e da batalha com
as paixões. Se o Verbo de Deus diz que o Filho de Deus: "em semelhança da carne do
pecado" (Ro 8:3), está então expressando a idéia que nessa carne era a verdadeira carne
humana, mas não a carne humana pecaminosa; ao invés, era completamente pura de todo
pecado e corrupção, tanto do pecado ancestral quanto do pecado voluntário. Em sua vida
terrena o Senhor estava livre de qualquer desejo pecaminoso, de toda tentação interior; pois
nele a natureza humana não existe separadamente, mas é unida hipostaticamente à
divindade.
A unidade da hipóstase de Cristo

Com a unidade em Cristo o Deus — homem de duas naturezas, permanece Nele em uma
pessoa, uma personalidade, uma hipóstase. É importante saber isso porque em geral
unidade da personalidade na confissão de fé do Concílio de Calcedônia lemos: "Não
separamos ou dividimos em duas pessoas, mas um e o mesmo Filho, e Unigênito Deus, o
Verbo ...." A hipóstase divina é inseparável em uma única hipóstase do Verbo. Essa
verdade é expressa no primeiro capítulo do Evangelho de São João: "No princípio era o
Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus;" e adiante: "e o verbo se fez carne
e habitou entre nós" (Jo 1:1,14). Nessa parte, em algumas passagens da Sagrada Escritura
atributos humanos são indicados como pertencentes a Cristo como Deus, e atributos divinos
são indicados como pertencendo ao mesmo Cristo como homem. Assim, por exemplo, em
(1 Co 2:8) é dito: "porque se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória."
Aqui o Senhor da Glória — Deus — é chamado de crucificado, pois o "Rei da Glória" é
Deus, como lemos no (Salm 24:10: "Quem é este Rei da Glória? O Senhor dos Exércitos,
ele é o Rei da Glória" A verdade unânime das hipóstases de Cristo como hipóstase divina é
explicada por São João Damasceno na Exact Exposition of the Orthodox faith (Livro 3, cap
7 e 8).

A adoração una de Cristo.

Ao Senhor Jesus Cristo como a uma pessoa, ao Deus-homem é adequado dar-se uma única
e inseparável adoração, tanto de acordo com a divindade quanto de acordo com a
humanidade, precisamente porque ambas as naturezas são inseparavelmente unidas Nele. O
decreto dos Padres no Quinto Concílio Ecumênico (o Nono Cânon Contra os Heréticos)
diz: Se alguém usar a expressão, Cristo deve ser adorado em Suas duas naturezas, elas, no
sentido de introduzir então duas adorações, uma em relação especial com Deus o Verbo e a
outra como pertencente ao homem... e não venera, por uma adoração, Deus o Verbo feito
homem, junto com sua carne, como a Santa Igreja ensinou desde o início, que Ele seja
anátema" Eedermans, Seven Ecumenical Councils, p 314).

Sobre o culto latino do "Coração de Jesus."

Em ligação com esse decreto do Concílio pode ser visto quão fora de harmonia uma prática
da Igreja é o culto do "Sagrado Coração de Jesus" que foi introduzido na Igreja Católica
Romana. Apesar do acima citado decreto do Quinto Concílio Ecumênico tocar apenas na
adoração separada da divindade e humanidade do Salvador, ele ainda que indiretamente nos
informa que em geral a veneração e adoração de Cristo deve ser dirigida a Ele como um
todo e não a partes do Seu Ser; ela deve ser uma. Mesmo que por "coração" nós
pudéssemos entender o próprio amor do Salvador, nunca nem no Velho Testamento ou no
Novo existiu o costume de adorar separadamente o amor de Cristo, ou Sua sabedoria, seu
poder criativo ou providencial, ou Sua Santidade. Mais ainda pode-se dizer isso a respeito
às partes de Sua natureza corporal. Há algo de não natural na separação do coração da
natureza corpórea no geral do Senhor para o propósito de oração, contrição e adoração
diante Dele. Mesmo nas relações normais da vida, não importa quanto um ser humano
possa ser ligado a outro — por exemplo, uma mãe a uma criança — ele nunca vai se referir
a tal pessoa como um todo.

Dogmas a respeito da Santíssima Virgem Maria.

Dois dogmas à respeito da Mãe de Deus estão ligados, de maneira próxima, com o dogma
de Deus o Verbo torna-se homem. Eles são: a) Sua perene virgindade, e B0 Seu nome de
Theotokos. Eles procedem imediatamente do dogma da unidade da hipóstase do Senhor do
momento de Sua Encarnação — a divina hipóstase.

A. A Perene Virgindade da Theotokos.

O nascimento do Senhor Jesus Cristo de uma Virgem é testificado direta e deliberadamente


por dois Evangelistas, Mateus e Lucas. Esse dogma foi incluído no Símbolo da Fé do
Primeiro Concílio Ecumênico, onde se lê: "Que por nós, homens, e para nossa salvação
desceu dos céus. E encarnou pelo Espírito Santo no seio de Maria Virgem e Se fez
homem." A Perene Virgindade da Mãe de Deus é testificada por suas próprias palavras,
levadas ao Evangelho onde ela expressa a consciência da incomensurável majestade e
elevação de Sua escolha: "Minha alma engrandece o Senhor... pois eis que desde agora
todas as gerações me chamarão bem-aventurada ... Porque me fez grandes coisas o
Poderoso: e santo é o Seu nome" (Lc 1:46-49).

A Santíssima Virgem Maria preservou em sua memória e em seu coração tanto o anúncio
do Arcanjo Gabriel e as inspiradas palavras da Justa Isabel quando foi visitada por Maria:
"E donde me provem isto a mim, que venha visitar-me a Mãe do meu Senhor" (Lc 1:43);
tanto a profecia do justo Simeão no encontro da criança Jesus no Templo, e a profecia da
justa Ana no mesmo dia (Lc 2:25-38). Em conexão com o relato dos pastores de Belém a
respeito das palavras dos anjos para eles, e do canto dos anjos, o Evangelista acrescenta:
"Mas Maria guardava todas estas coisas, conferindo-as em seu coração" (Lc 2:19). O
mesmo Evangelista, tendo contado a conversa da Divina Mãe com o Jesus de doze anos
depois da visita deles na festa de Páscoa, termina seu relato com as palavras: "E sua mãe
guardava no seu coração todas essas coisas" (Lc 2:51). Os Evangelistas mencionarem os
"irmãos e irmãs de Jesus," eles são refutados pelos seguintes fatos dos Evangelhos:

a) Nos Evangelhos são citados quatro "irmãos" (Tiago, José, Simão e Judas), e existem
também mencionadas as "irmãs" de Jesus — não menos que três, como é evidente nas
palavras "E não estão entre nós todas as suas irmãs" (Mt. 13:56).

b) De outro lado, no relato da viagem a Jerusalém do menino de doze anos Jesus, onde há
menção a "parentes e conhecidos" (Lc 2:44) no meio de quem estavam procurando Jesus, e
é também mencionado que Maria e José todo ano viajavam da longínqua Galileia até
Jerusalém, não há razão para pensar que lá estavam presentes outras crianças mais jovens
com Maria; e foi assim que os primeiros doze anos da vida terrena do Senhor passaram.
c) Quando, cerca de vinte anos depois da viagem acima mencionada, Maria estava ao lado
da cruz do Senhor, ela estava sozinha, e ela foi confiada por seu Divino Filho para seu
discípulo João; e "desde àquela hora o discípulo a recebeu em sua casa" (Jo 19:27).
Evidentemente, como também acreditamos os antigos cristãos, os Evangelistas falavam de
"meios" irmãos e irmãs ou de primos. (A tradição Ortodoxa geralmente aceita é que os
"irmãos" e "irmãs" do Senhor são as crianças de José de um casamento prévio, ver
Arcebispo João Maximovitch, The Orthodox Veneration of the mother of God, St. Herman
Brotherhood, Platina, Califórnia, 1978, pg 24).

B. A Santíssima Virgem Maria é Theotokos.

O dogma do Filho de Deus tornar-se homem é intimamente ligado a denominação da


Santíssima Virgem Maria como Theotokos (Parideira de Deus). Por esse nome a Igreja
confirma sua fé que Deus o Verbo tornou-se homem verdadeiramente e não meramente em
aparência; a fé que, na pessoa do Senhor Jesus Cristo, Deus juntou-se ao homem desde o
primeiro instante de Sua concepção no ventre da Virgem Maria, e que ele sendo
perfeitamente homem, é também perfeitamente Deus.

Ao mesmo tempo o nome de Theotokos é o mais elevado nome que exalta ou glorifica a
Virgem Maria.

O nome "Theotokos" tem uma base direta na Sagrada Escritura. O Apóstolo Paulo escreve:
a) "Mas vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu filho, nascido de mulher" (Gál 4:4).
Aqui está expressa a verdade que uma mulher deu á luz o Filho de Deus, b) "Deus se
manifestou em carne" (1 Tim 3:16); a carne foi preparada para Deus o Verbo pela
Santíssima Virgem Maria.

No encontro da Virgem Maria, após a Anunciação, com a justa Isabel, "Isabel foi cheia do
Espírito Santo, e exclamou com grande voz, e disse: Bendita tu entre as mulheres e bendito
o fruto de teu ventre. E donde me provem isso a mim, que venha visitar-me a mãe do meu
Senhor? Bem Aventurada a que creu, pois hão de cumprir-se as coisas que da parte do
Senhor lhe foram ditas" (Lc 1:41:44). Assim Isabel, estando cheia com o Espírito Santo,
chama Maria, a Mãe do Senhor, o Deus do Céu; é precisamente o Deus do Céu que ela está
chamando de "Senhor," como está claro pelas suas palavras seguintes: "a que creu... as
coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas" — o Senhor Deus.

A respeito do nascimento de Deus de uma virgem o Velho Testamento fala: O Profeta


Ezequiel escreve de sua visão: "E disse-me o Senhor: Esta porta estará fechada, não se
abrirá; ninguém entrará por ela, porque o Senhor Deus de Israel entrou por ela: por isso
estará fechada" (Ez 44:2).

O Profeta Isaias profetiza: "Eis que vossa viagem conceberá, e Dara a luz um filho, e será o
seu nome Emanuel (Deus está conosco)...Porque um menino nos nasceu, um filho se nos
deu; e o principado estará sobre seus ombros. E o seu nome será: maravilhoso, Conselheiro,
Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz" (Isaias 7:14 e 9:6).
Nos primeiro séculos da Igreja de Cristo a verdade de Deus o Verbo ter-se tornado homem
e seu nascimento da Virgem Maria era a fé católica. Por isso, os Padres Apostólicos
expressavam-se assim: "Nosso Senhor Jesus estava no ventre de Maria"; "Deus tomou
carne da Virgem Maria" (Santo Inácio o Portador de Deus, Santo Irineu). Exatamente as
mesmas expressões foram usadas por São Dionísio e Santo Alexandre de Alexandria (3º e
4º séculos). Os padres do quarto século, Santo Atanásio, Efrém da Síria, Cirilo de
Jerusalém e Gregório de Nissa, chamaram a Santíssima Virgem de Theotokos.

No quinto século, por conta da heresia de Nestório, a Igreja triunfante confessou ser a
Santíssima Virgem Maria a Mãe de Deus no Terceiro Concílio Ecumênico, aceitando e
confirmando as seguintes palavras de São Cirilo de Alexandria: "Se alguém não confessar
que o Emanuel é verdadeiro Deus, e que daí a Santíssima Virgem é Theotokos, porquanto
na carne ela carregou o Verbo de Deus que se fez carne: que esse alguém seja anátema"
(Eerdmans Seven Ecumenical Councils, p. 206).

O Bem Aventurado Teodoreto também que previamente esteve em bons termos com
Nestório, quando mais tarde condenou a teimosia na heresia deste escreveu: "O primeiro
estágio nesse novo ensinamento de Nestório era de opinião que a Santíssima Virgem, de
quem Deus o Verbo tomou carne e nasceu na carne, não deveria ser reconhecida como
Theodokos mas somente como Cristotokos; considerando-se que no entanto, os antigos e
mais antigos proclamadores da verdadeira Fé, de acordo com a tradição apostólica
ensinaram que a Mãe do Senhor deveria ser chamada e confessada ser a Theodokos."

O Dogma Católico Romano da Imaculada Conceição.

O dogma da Imaculada Conceição foi proclamado por uma Bula do Papa Pio IX em 1854.
A definição desse dogma diz que a Santíssima Virgem Maria no momento de sua
concepção estava limpa de pecado ancestral. Em essênio é uma dedução direta do
ensinamento romano sobre o pecado original. De acordo com o ensinamento romano, o
peso do pecado de nosso primeiro ancestral consiste na remoção da humanidade de um dom
sobrenatural de graça. Mas aí surge uma questão teológica: se a humanidade foi privada do
dom da graça, então como se pode entender as palavras do Arcanjo Gabriel endereçadas a
Maria; "Rejubila, tu que és cheia de graça, o Senhor está contigo. Bendita és tu entre as
mulheres... Tu que achaste graça com Deus"? Só se poderia concluir que a Santíssima
Virgem Maria teria sido removida da lei geral de "privação da graça" e da culpa do pecado
de Adão. E desde que sua vida foi santa desde o nascimento, consequentemente ela
recebeu, na forma de exceção um dom sobrenatural, uma graça de santidade, mesmo antes
do nascimento, isto é, na sua concepção. Tal dedução foi feita pelos teólogos latinos. Eles
chamaram essa remoção de um "privilégio" da Mãe de Deus. Deve-se notar que a aceitação
desse dogma foi no ocidente por um longo período de disputa teológica, que durou do
século doze, quando esse ensinamento apareceu, até o século dezessete, quando ele foi
espalhado pelos jesuítas no mundo católico-romano (para mais informações sobre a
Imaculada conceição, ver Arcebispo João, The Orthodoz Veneration or the Mother of God,
p 35-47).

Em 1950, o assim chamado Ano do Jubileu, o Papa romano Pio XII triunfante proclamou
um segundo dogma, o Dogma da Assunção da Mãe de Deus com seu corpo para o céu.
Dogmaticamente esse ensinamento foi deduzido na teologia romana do Dogma romano da
Imaculada Conceição e é um desenvolvimento lógico decorrente do ensinamento romano
do pecado original. Se a Mãe de Deus morresse, então, na visão dos teólogos romanos, ela
teria aceitado a morte voluntariamente, como para emular seu Filho: mas a morte não teria
domínio sobre ela.

A declaração de ambos dogmas corresponde à teoria romana de "desenvolvimento de


dogmas." A Igreja Ortodoxa não aceita o sistema latinos de argumentos a respeito do
pecado original. Particularmente, a Igreja Ortodoxa, confessando a pessoal e perfeita
imaculabilidade e a perfeita santidade da Mãe de Deus, a quem o Senhor Jesus Cristo por
Seu nascimento através dela fez que ela fosse mais venerável que os Querubins e
incomparavelmente mais gloriosa que os Serafins — não viu e não vê nenhuma base para o
estabelecimento do dogma da Imaculada Conceição no sentido da interpretação Católica
Romana, apesar de venerar a concepção da Mãe de Deus, assim como venera também a
concepção do Santo Profeta e Precursor João.

De um lado, vemos que Deus não privou a humanidade, mesmo depois da queda, de Sua
graça doadora de dons, como por exemplo as palavras do Salmo 51 indicam: "Não retires
de mim o teu Espírito Santo... sustém-me com um Espírito Voluntário..." ou nas palavras
do Salmo 71: "Por ti tenho sido sustentado desde o ventre; das entranhas da minha mãe tu
me tiraste."

De outro lado, de acordo com o ensinamento na Sagrada Escritura, em Adão toda a


humanidade provou o fruto proibido. Só Deus-homem Cristo começa consigo a nova
humanidade, libertada por Ele do pecado de Adão. Por isso, Ele é chamado de "o
primogênito de muitos irmãos" (Ro 8:29), isto é: o primeiro da nova raça humana; Ele é o
"novo Adão." A Santíssima Virgem Maria nasceu sujeita ao pecado de Adão junto com
toda a humanidade, e com ela partilhou da necessidade de redenção (Epístola aos Patriarcas
Orientais, parágrafo 6). A pura e imaculada vida da Virgem Maria até a Anunciação pelo
Arcanjo, sua liberdade de pecados pessoais, foi o fruto da união de seu trabalho espiritual
sobre si própria e a abundância de graça que foi derramada sobre ela. "Tu achaste graça
diante de Deus," o Arcanjo disse a ela ao saúda-la: "tu achaste," isto é, obtiveste, adquiriste,
mereceste, a Santíssima Virgem Maria foi preparada pela melhor parte da humanidade
como um vaso digno para a descida de Deus o Verbo para a terra. A vinda do Espírito
Santo ("Descerá sobre ti o Espírito Santo") santificou totalmente o ventre da Virgem Maria
para a recepção de Deus o verbo.

Deve-se saber que o princípio de um "privilégio" preliminar é alguma coisa que não tem
harmonia com os conceitos cristãos, pois "para com Deus, não há acepção de pessoas" (Ro
2:11).

Para a tradição a respeito da assunção do corpo da Mãe de Deus: a crença na assunção de


seu corpo depois de seu sepultamento existe na Igreja Ortodoxa. Ela é expressa no
conteúdo do Ofício para a Festa da Dormição da Mãe de Deus, e também na Confissão do
Concílio de Jerusalém dos Patriarcas Ortodoxos em 1672. São João Damasceno em sua
segunda homilia sobre a Dormição relata que uma vez a Imperatriz Pulquéria (5º século),
que tinha construído uma Igreja em Constantinopla, pediu ao Patriarca de Jerusalém
Juvenalius, um dos participantes do Concílio de Calcedônia, relíquias da Santíssima
Virgem Maria, para colocar na Igreja, Juvenalius respondeu que, de acordo com a antiga
tradição, o corpo da Mãe de Deus tinha sido levado para o céu, e ele juntou a essa resposta
o bem conhecido relato de como os Apóstolos tinham sido reunidos de modo milagroso
para o sepultamento da Mãe de Deus, como depois da chegada do Apóstolo Tomás seu
túmulo havia sido aberto e seu corpo não estava lá, e como foi revelado aos Apóstolos que
seu corpo havia subido ao céu . Testemunhos escritos da Igreja sobre esse assunto datam
em geral de um período relativamente tardio (não antes do século IV), e a Igreja Ortodoxa,
com todo o respeito por esses escritos, não atribui a eles o significado de uma fonte
dogmática. A Igreja, aceitando a tradição da Ascensão do corpo da Mãe de Deus, não
encarou e não encara essa pia tradição como uma das verdades fundamentais ou dogmas da
Fé Cristã.

O culto do "Imaculado Coração" da Santíssima Virgem.

De modo similar à veneração do "Sagrado Coração" de Jesus, foi estabelecido pela Igreja
Romana do "Imaculado Coração da Santíssima Virgem," que recebeu uma disseminação
universal. Em essência pode-se dizer dele a mesma coisa que foi dita sobre a veneração do
coração de Jesus.

O dogma da Redenção.
O Cordeiro de Deus.

O dogma da salvação em Cristo é o dogma central do Cristianismo, o coração de nossa fé


Cristã. O Senhor Jesus Cristo é o Redentor e Salvador da raça humana. Toda a historia da
humanidade precedente à Encarnação do Filho de Deus, na clara imagem dada tanto no
Velho quanto no Novo Testamento, é uma preparação para a vinda do Salvador. Toda
história seguinte da humanidade, depois da Ressurreição e Ascensão do Senhor, e a
atualização da salvação que foi cumprida: a recepção e assimilação dela pelos fiéis. A
culminação do grande trabalho de salvação é ligado com o fim do mundo. A cruz e a
ressurreição de Cristo está no verdadeiro centro da história humana.

Nem descrições, nem enumerações podem descrever em majestade, fôlego, poder e


significado o ministério terreno de Cristo; não há medida possível para a riqueza do amor
de Cristo, manifestado em sua misericórdia pelos caídos e pelos pecadores, pelos milagres,
pelas curas e finalmente, sua inocente morte sacrificial, com orações pelos Seus
crucificadores. Cristo tomou sobre si os pecados do mundo inteiro; Ele recebeu em Si
próprio a culpa de todos os homens. Ele é o cordeiro sacrificado pelo mundo. Somos nós
capazes de abarcar em nossos pensamentos e expressar de maneira usual, e com as
concepções e palavras do dia a dia toda economia da nossa salvação? Nós não temos
palavras para os mistérios celestes.

Nós fiéis, falando das coisas que pertencem a Deus, tocamos num mistério inefável, a
Crucificação, que a mente não pode compreender, e a Ressurreição que está além de
descrição: pois hoje a morte e o inferno são despojados, enquanto a humanidade é vestida
com incorrupção (Sedalion depois do segundo katisma, Matinas de Domingo, Tom 3).

No entanto, como vemos nos escritos dos Apóstolos, a verdade da Salvação, a verdade
desse mistério, era para os Apóstolos inteiramente clara e sem nenhuma dúvida e
abarcadora. Sobre ela eles baseavam todas as suas instruções, por meio dela eles
explicavam eventos na vida da humanidade, eles a colocavam como base da vida da Igreja
e o futuro do mundo todo. Eles constantemente proclamavam a boa nova da Salvação nas
mais variadas expressões, sem explicações detalhadas, e como uma verdade auto-evidente
eles escreviam: "Cristo nos salvou," " Vós fostes redimidos da maldição da lei," "Cristo nos
justificou," "Vós fostes comprados a um preço alto"; Cristo "cobriu nossos pecados"; Ele é
o "propiciador por nossos pecados"; por Ele nós fomos "reconciliados com Deus"; Ele é "o
único Sumo Sacerdote"; "Ele virou a sentença escrita contra nós e pregou-a na Cruz." "Ele
assumiu a nossa maldição"; nós temos paz com Deus "pela morte de Seu Filho," nós fomos
"santificados pelo Seu sangue," nós fomos "ressurretos junto com Cristo." Em tais
expressões, escolhidas ao acaso, os Apóstolos continham uma verdade que em sua
verdadeira essência ultrapassa a compreensão humana, mas que era clara para os Apóstolos
em seu significado e em sua conseqüência de um modo simples e acessível essa verdade
penetrou dos lábios dos Apóstolos no coração dos fiéis, e para que esses todos pudessem
conhecer o que é: "a dispensação do mistério, que desde os séculos esteve oculto em Deus,
que tudo criou por Jesus Cristo" (Ef 3:9). Vamos, então, examinar o ensinamento dos
Apóstolos.

Na pregação dos Apóstolos, especialmente digno de atenção é o fato que eles nos ensinam a
distinguir entre a verdade da salvação da humanidade como um todo, que já foi realizada, e
outra verdade — a necessidade de uma recepção pessoal e assimilação do dom de salvação
da parte de cada fiel, e o fato que essa salvação depende de cada um por si próprio. "Porque
pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, e dom de Deus," escreve o
Apóstolo Paulo (Ef 2:8); mas ele também ensina, "operai a vossa salvação com temor e
tremor" (Filip 2:12).

A salvação do homem consiste na aquisição da vida eterna em Deus, no Reino do Céu.


"Mas nenhum fornicador, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino
de Cristo e de Deus" (Ef. 5:5; Ap 21:27). Deus é Luz, e não há trevas Nele, e aqueles que
entram no Reino de Deus, devem eles próprios serem filhos da Luz. Por isso, a entrada
nesse reino necessariamente requer pureza de alma, uma vestimenta de "santificação, sem a
qual ninguém verá o Senhor" (Heb 12:14).

O Filho de Deus veio ao mundo de modo a a) abrir o caminho para o gênero humano em
sua totalidade para a salvação pessoal de cada um de nós; o que significa b) dirigir os
corações do homem para a busca e para a sede pelo Reino de Deus, e "dar auxílio, dar
poder nesse caminho da salvação para a aquisição da pureza e santidade espiritual pessoal."
O item a) foi cumprido inteiramente por Cristo. O item b) depende de nós próprios, apesar
de ser realizado pela atividade da graça de Cristo no Espírito Santo.
A economia geral da salvação.
A. A condição do mundo antes da vinda do Salvador.

Nos livros proféticos do Velho Testamento, e em particular nos Salmos de Davi, o povo
escolhido, Hebreu, como representativo de todo gênero humano, é apresentado como a
"plantação de Deus," como a vinha de Deus (ver Isaias 5:7, 61:3). A imagem de um jardim,
tendo o mesmo significado é dado também no Evangelho. Uma vinha ou jardim deve
produzir frutos. Preservando e guardando sua plantação, o Senhor espera frutos dela. Mas o
que deveria ser feito com um pomar quando ele não dá frutos, e ainda mais, se está
infestado com doença? Deveria ele ser olhado e cuidado se ele não justifica seu propósito?

"E também agora e está posto o machado à raiz das árvores: toda árvore, por que não
produz bom fruto, é cortada e lançada no fogo" (Mt 3:10). Assim São João, o precursor
preveniu e acusou o povo antes da vinda do Senhor.

O Senhor fala a mesma coisa, e conta a Seus discípulos a parábola da figueira:

"Um certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e foi procurar nela fruto, não o
achando. E disse ao vinhateiro: Eis que há três anos venho procurar fruto nessa figueira e
não acho; corta-a, porque ocupa ainda a terra inutilmente? E respondendo ele, disse-lhe:
Senhor, deixa-a este ano, até que eu a escave e a esterque; e, se der fruto, ficará, e se não,
depois a mandará cortar" (Lc 3: 6-9).

Assim como essa figueira, a raça humana era sem fruto. Uma vez já tinha sido exterminada
pelo dilúvio. Agora havia sido condenada — ela havia condenado a si própria — à perda da
vida eterna, à perda geral do Reino de Deus porque ela tinha perdido todo valor por não ter
cumprido seu propósito e estar se afogando no mal.

"Não tem o oleiro poder sobre o barro? ... E que direis se Deus, querendo
mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportar com muita paciência
os vasos da ira, preparados para a perdição; para que também desse a
conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória
já dantes preparou?" (Rom 9: 21- 23).

A humanidade, nas pessoas de seus melhores representantes, reconhecem o débito em


aberto, o pesado débito de numerosas gerações precedentes e da sua própria época. Era um
débito impossível de ser pago. Esse sentimento de culpa na sua forma mais pura foi
apresentado pelo povo judeu. O gênero humano tentou eliminar seus pecados por meio de
sacrifício, que expressavam o dar a Deus a melhor parte do que estava na posse do homem,
na posse de sua família, como um presente para Deus. Mas esses sacrifícios não eram
capazes de regenerar moralmente os homens.

Citemos aqui as palavras do justo Santo Padre João de Kronstadt, em seu sermão na festa
da Exaltação da Cruz do Senhor: "Entremos no significado do mistério da Cruz. O mundo,
isto é, a raça humana, teria sido dado para a morte eterna, tormentos eternos, de acordo com
a imutável, estrita justiça de Deus, se o Filho de Deus não tivesse se tornado dada à Sua
bondade ilimitada um voluntário Intermediário e Redentor da humanidade, que era
criminosa, suja e corrupta pelo pecado. Porque pela ilusão da serpente, o assassino de
homens, ela foi jogada num aterrador abismo sem lei e de perdição. Entretanto para que o
homem fosse capaz dessa reconciliação e redenção do alto, foi necessário que o Filho de
Deus descesse ao mundo, para tomar sobre si corpo e alma humanos, e tornar-se Deus-
homem de modo que em sua própria pessoa, em Sua natureza humana, Ele fosse capaz de
cumprir toda a justiça de Deus que tinha sido descaradamente violada por todas as formas
de injustiça humana; para que ele pudesse cumprir a lei completa de Deus, até a última
virgula, e Se tornasse o maior de todos os homens justos pelo total das injustiças do gênero
humano, e ensinasse a humanidade justiça com arrependimento por todas as suas injustiças
e mostrasse frutos do arrependimento. Isso ele cumpriu, não sendo culpado de um único
pecado, e foi o único homem perfeito, em hipostática união com a divindade" (Sermon on
the Feast of the Exaltation: "The Meaning of the Mistery of the Cross").

B. A salvação do mundo em Cristo.

Como foi cumprida a justificação geral da existência humana, e no que ela consiste? Ela foi
cumprida pela Encarnação de Cristo, juntos com todos os demais eventos da vida de Nosso
Senhor Jesus Cristo. A luz da Santidade mostrou-se na terra na pessoa da Imaculada,
Puríssima Virgem Maria, a Mãe de Deus, todo o gênero humano foi santificado. Pelos
passos do Salvador: por Seu Batismo no Jordão, por sua vida na terra, a natureza da terra
foi santificada! O ensinamento do Evangelho e os feitos da misericórdia de Jesus Cristo
levou amor e fé aos corações dos Seus discípulos, em tal extensão que eles "deixaram tudo"
e seguiram-No. E, acima de tudo isso, em Sua voluntária morte na Cruz, há uma
manifestação "que ultrapassa o entendimento," da altura e abrangência do amor em Cristo,
a cujo respeito o Apóstolo raciocina assim:

"... O amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo
que nos foi dado. Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu
tempo pelos ímpios. Porque apenas alguém morrerá por um justo; pois
poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer. Mas Deus prova o seu amor
para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores"
(Ro 5:5-8).

E o Apóstolo conclui seus pensamentos com isso: "Pois se nós sendo inimigos, fomos
reconciliados com Deus pela morte de Seu Filho" (Ro 5:10); "assim também por um só ato
de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida" (Ro 5:18). Por isso
é que o Apóstolo Paulo em seus escritos divinamente inspirados tão freqüentemente coloca
juntas, como se as identificando, usando-as mesmo intercambialmente, as palavras "nós
somos salvos pelo amor de Cristo," já que em todas essas expressões está mostrando o
ativo, misericordioso, amor pelo homem, auto-sacrificial, amor de Deus.

1. Essa economia geral da salvação do mundo é apresentada na Sagrada Escritura do Novo


Testamento em várias palavras similares em significado, como por exemplo: justificação,
reconciliação, redenção, propiciação, perdão, libertação.
Aqui estão alguns textos relacionados à economia geral:

"Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo" (Jo 1:24).

"E Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também de
todo o mundo" (Jo 1:24).

"E Ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele
que por eles morreu e ressuscitou" (2 Co 5:15).

"Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem; o


qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos" (1 Tim 2:5-6).

"Pois esperamos no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos
fieis" (1 Tim 4:10).

2. Em adição ao amplo significado da salvação do mundo aqui indicada, a morte de Cristo e


sua subseqüente descida aos infernos (1 Pe 3:19-20, 4-6; Ef 4:8-10) significa também num
estrito senso a libertação do "hades" das almas dos passados primeiros ancestrais, profetas,
e justos do mundo pré-cristão; e assim eles expressam o especial significado da Cruz do
Senhor para o mundo do Velho Testamento, um significado que veio na morte de Cristo
cumprida sobre Ele: "para a remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro
testamento" (Heb 9:15). De acordo com isso, nossos hinos Ortodoxos para domingo
também cantam a mística verdade da vitória sobre o "hades" e a libertação das almas dele:
"hoje Adão dança de alegria e Eva rejubila, e com eles os profetas e patriarcas
incessantemente cantam o divino triunfo em Teu poder" (Kondakion de domingo, Tom 3).

3. Libertação do hades testemunha também o levantamento das maldições. Que foram


colocadas no Velho Testamento: a) as maldições do terceiro capitulo do livro da Gênesis
que foram juntados à privação da vida no paraíso de Adão e Eva e seus descendentes; b) as
maldições colocadas por Moisés, no livro do Deuteronômio (cap 28), para o teimoso não
cumprimento das leias dadas através dele.

O renascimento pessoal e a nova vida em Cristo.

A transição da idéia da economia geral de Deus para o chamado para a salvação pessoal dos
homens está claramente expressa nas seguintes palavras do Apóstolo Paulo: "Deus estava
em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em
nós a palavra de reconciliação... Rogamo-vos pois da parte de Cristo que vos reconcilieis
com Deus" (2 Co 5:19-20).

A salvação pessoal do homem é expressa na Sagrada Escritura usualmente com a mesma


terminologia com as mesmas palavras, como são as da Salvação do mundo no sentido
amplo das palavras "justificação," "renovação," "reconciliação," como nós vemos no texto
que citamos acima. Só que as palavras aqui são aplicadas num sentido mais estreito. Aqui
os Apóstolos já têm em mente os homens que vieram a acreditar em Cristo e que receberam
o Santo Batismo. As frases comuns para expressar ambos os tipos de salvação podem ser
vistas nos seguintes exemplos:

"Cristo segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração (Batismo) e da
renovação do Espírito Santo... que sendo justificados pela Sua graça sejamos feitos
herdeiros segundo a esperança da vida eterna" (Tito 3: 5-7).

"E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o dia da salvação"
(isto quer dizer, o dia do Batismo e do recebimento do selo do Espírito Santo; Ef 4:30).

Mas o lugar principal entre todas essas expressões com relação aos Cristãos é o da
concepção da "Ressurreição em Cristo." O mistério no batismo é uma ressurreição pessoal
em Cristo: "Nele também ressuscitastes" (Colossenses 2:12).

O Apóstolo Pedro escreve na Primeira Epístola Católica: "...agora vos salva, batismo... pela
Ressurreição de Jesus Cristo" (1 Pe 3:21). A verdadeira pregação dos Apóstolos é, em sua
essência, a pregação da Ressurreição de Cristo.

O Batismo por água é chamado pelas Escrituras Apostólicas como um novo nascimento,
adoção, santificação: "... mas haveis sido santificado, mas haveis sido justificados em nome
do Senhor Jesus" (1 Co 6:11). "Porque todos quanto fostes batizados em Cristo já vos
revestistes de Cristo" (Gal 3:27).

Disso fica claro que no mistério da Redenção a Cruz e a Ressurreição do Senhor são
inseparáveis. Na consciência da Igreja essa verdade é expressa de modo completo nos hinos
Pascais, que confessam o poder da Ressurreição de Cristo, não só para a salvação pessoal
dos cristãos, mas também no final, completa justificação do mundo: "Páscoa da
incorruptibilidade, salvação do mundo" (Exapostilário da Páscoa). Pela Cruz foi cumprida a
limpeza dos pecados do mundo, a reconciliação com Deus; pela Ressurreição vida nova foi
trazida ao mundo.

A palavra "redenção" no uso dos Apóstolos.

A totalidade das conseqüências da Cruz e da Ressurreição são usualmente expressas pelos


Apóstolos, e portanto em terminologia teológica também, pelo conceito único de
"redenção," que literalmente significa um "resgate," uma oferta de pagamento. Esse
conceito é suficientemente vívido para que fosse acessível ao entendimento do povo mesmo
do mais baixo nível da sociedade. Mas essa característica vívida em si inspirou tentativas
de se perguntar por outras questões não relacionadas à essência da salvação, ainda mais que
esse termo tem somente um significado simbólico e alegórico. Por isso, São Gregório, o
Teólogo elimina essas demais questões e estabelece a essência da presente expressão na
seguinte reflexão:

"A quem foi oferecido aquele sangue que foi derramado por nós, e porque
ele foi derramado? Eu quero dizer o precioso e famoso Sangue de nosso
Deus e Sumo Sacerdote e Sacrifício. Nós estamos detidos na escravidão pelo
maligno, vendidos pelo pecado, e recebíamos prazeres em troca de maldade.
Agora, já que um resgate pertence só a quem mantêm alguém em
escravidão, eu pergunto por quem foi oferecido isso e porque causa? Se pelo
maligno, livrai-me Deus do ultraje! O ladrão receberia resgate, não somente
de Deus, mas um resgate que consiste no próprio Deus, e recebe tão ilustre
pagamento por sua tirania, um pagamento por aqueles que teria sido bom
para o ladrão deixar abandonados todos juntos. Mas primeiro eu pergunto,
como? Pois não foi por Deus que nós fomos oprimidos; e segundo, baseado
em que princípio o Sangue de Seu Filho Unigênito agradou o Pai, que não
quis receber sequer Isaac, quando ele estava sendo oferecido por seu pai,
mas mudou o sacrifício, pondo um cordeiro no lugar da vítima humana? Não
é evidente que o Pai aceita o Filho, mas nem pediu por Ele nem demandou-
O; mas por causa da Encarnação, e porque a humanidade deve ser
santificada pela humanidade de Deus, que Ele deveria libertar-se a Si
próprio, superando o tirano, e nos conduzir a Ele próprio pela mediação de
Seu Filho, que também arranjou isso dessa forma para honrar ao Pai, a quem
Ele manifesta obedecer em todas as coisas?" (São Gregório, o Teólogo,
Second Oration on Pasha, tradução inglesa em Eerdman’n Nicenene and
Post-Nicene Fathers, Second Séries, vol 7, pg 431).

Nessa reflexão teológica de São Gregório Teólogo, a idéia que aparece na Primeira Epístola
Católica do Apóstolo tem dada a sua completa expressão: "sabendo que fostes resgatados
da vossa vã maneira de viver que por tradição recebeste ele de vossos pais, não com coisas
corruptíveis como ouro e prata, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro
imaculado e contaminado, o qual na verdade em outro tempo foi conhecido, ainda antes da
fundação do mundo" (1 Pe 1:18-20).

Para a definição teológica do conceito de "redenção" um exame teológico das palavras


gregas que correspondem a esse conceito tem grande importância.

No texto grego das Escrituras do Novo Testamento esse conceito é expresso por duas
palavras, e cada uma delas tem uma importante sombra do significado. A primeira delas
lytro-o, significa "comprar," "resgate." Naqueles tempos o mundo conhecia três formas de
resgatar pessoas sendo (de acordo com dicionários gregos), 1) resgatar de cativeiro, 2)
resgatar da prisão, por exemplo por débito, 3) resgatar de escravidão. No significado cristão
os Apóstolos usam esse termo para expressar o momento da realização de nossa salvação
que é juntada à Cruz de Cristo, isto é, a libertação dos justos das amarras do hades. Essas
são as mesmas três formas de "resgate": resgate do cativeiro do pecado, resgate do hades,
resgate da escravidão ao demônio.

O segundo verbo, agorazo, significa "comprar pra si próprio," "comprar no mercado"


(agora significa "mercado"). A imagem utilizada nesse termo refere se só a fiéis, a cristãos.
Aqui ele tem um significado especialmente rico. Esse verbo é encontrado três vezes nos
escritos dos Apóstolos, quais sejam:
"Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós,
proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom
preço" (1 Co 6:19-20).

"Fostes comprados por bom preço; não vos façais servos dos homens" (1 Co 7:23).

O hino no céu ao Cordeiro: "porque foste morto e com teu sangue compraste para Deus
homens de toda a tribo, e língua, e povo e nação" (Ap 5:9).

Em todos os três trechos esse verbo significa que Cristo nos adquiriu para si próprio de
modo que agora nós devemos pertencer a Ele inteiramente, como escravos comprados
pertencem a seus mestres. Fica por nossa conta refletir sobre a profundidade dessa imagem,
que foi colocada em palavras pelos próprios Apóstolos.

De um lado a palavra "escravos" de Cristo significa um completo, e incondicional, dar-se


em obediência a Aquele Deus que redimiu todos nós. Assim, precisamente, os Apóstolos se
sentiam. É suficientemente ler os primeiro versículos de numerosas Epístolas dos
Apóstolos. Nas primeiras palavras eles se chamam de escravos (ou servos) de Cristo:
"Simão Pedro, servo e Apóstolo de Jesus Cristo" (2 Pedro); "Judas, servo de Jesus Cristo, e
irmão de Tiago" (Judas); "Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para Apóstolo"
(Romanos); "Paulo e Timóteo, servos de Jesus Cristo" (Filipenses). Tal auto-consciência
deveria estar presente, segundo o ensinamento dos Apóstolos, em todos os fiéis. A Santa
Igreja precisamente da mesma forma em todos os tempos chamou e chama os membros da
Igreja na linguagem dos Divinos Ofícios, "escravos (servos) de Deus."

Mas há outro lado. O Salvador endereça aos discípulos em Sua conversa de despedida:
"Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que vos mando" (Jo 15:14); e no mesmo lugar Ele
os chama de "Filhinhos" (Jo 13:33); "Como o Pai me amou, também eu vos amei a vós"
(Ro 8:16-17). E o Santo Apóstolo João, ele que se apóia sobre o peito de Cristo, clama com
inspiração: "Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que
havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar seremos semelhantes a ele;
pois assim como é o veremos" (1 Jo 3:2).

Ele que santifica e eles que são santificados são todos do Um (Deus): por isso chama
aqueles que foram santificados de Seus irmãos. Mais importante, Ele é o "príncipe de nossa
salvação" (Heb 2:10); Ele é o Sumo Sacerdote do Novo Testamento. "Pelo que convinha
que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote
naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. Porque naquilo que ele mesmo,
sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados" (Heb 2:17-18). Para Ele nós
pedimos perdão de nossos pecados; pois o Pai Celeste não julga ninguém, mas entregou o
julgamento inteiramente ao Filho, e que todos devem adorar o Filho como adoram o Pai. O
Filho mesmo proclamou antes de Sua ascensão: "É-me dado todo o poder no céu e na terra"
(Mt 28:18). É por isso que quase todas as nossas orações — seja por nós próprios, por
nossos pais e irmãos, pelos vivos e pelos mortos — nós oferecemos ao Filho de Deus. Nós
estamos na casa de Deus; nós somos a casa de Cristo. Portanto para nós é fácil, alegre e
salvífico ter comunhão com todos os membros celestes dessa casa: com a Santíssima
Trindade, com os Apóstolos, os Profetas, os Mártires, os Hierarcas, e os Santos Monásticos
— uma única Igreja no céu e na terra! É para isso que nós fomos comprados por Cristo.

Tão grandes são as conseqüências do Sacrifício de Cristo que foi oferecido na Cruz e
assinando pela Ressurreição de Cristo! Esse é o significado do novo canto diante do
Cordeiro no Seu trono, que foi dado no Apocalipse ao Apóstolo São João, o Teólogo: "...tu
foste morto e nos compraste para Deus com Teu sangue" (Ap 5:9). Nós fomos comprados
para Deus.

Portanto, não permitamos que a triste condição espiritual do mundo que nós observamos
nos confunda. Nós sabemos que a triste condição das crianças da Igreja, os escravos de
Cristo, está se cumprindo. E a salvação do mundo, no amplo, escatológico significado da
palavra, já foi realizada. Mas como o Apóstolo Paulo nos instrui: "Porque em esperança
fomos salvos. Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o
esperava? Mas se esperamos com paciência o esperamos" (Ro 8: 24-25). As forças
espirituais no mundo podem estar escondidas mas não estão extintas. O corpo celeste-
terrestre da Igreja de Cristo cresce e puxa o mundo para próximo do dia místico da
triunfante e gloriosa manifestação aberta do Filho do Homem, o Filho de Deus, quando
após o grande e justo Juízo Geral, a renovação e transfiguração do mundo será revelada, e
Ele que senta no trono virá: "Eis que eu faço novas todas as coisas" (Ap 21:5). E existirá
um novo céu e uma nova terra. Amém.

Uma nota sobre o ensinamento Católico Romano.

A interpretação da verdade da Redenção ficou muito complicada quanto à direção que foi
dada pela Teologia ocidental da Idade Média. As expressões figurativas dos Apóstolos
foram aceitas na teologia católico romana medieval no seu sentido literal e extremamente
estreito, e o trabalho da redenção foi interpretado como uma "satisfação" — mais
precisamente, uma satisfação por ofensas feitas a Deus, e ainda mais precisamente
"satisfação de Deus (Deus na Santíssima Trindade) pela ofensa causada a Ele pelo pecado
de Adão." É fácil ver que a base de tal visão é o especial ensinamento latino sobre o pecado
original: aquele homem na transgressão de Adão "ofendeu infinitamente" Deus e evocou a
ira de Deus; assim, foi requerido que fosse oferecida a Deus uma satisfação completa de
modo que a culpa fosse removida e Deus pudesse ser apaziguado; isso foi feito pelo
Salvador quando Ele aceitou a morte na Cruz: o Salvador ofereceu uma satisfação
infinitamente completa.

Essa interpretação unilateral da Redenção tornou-se reinante na teologia latina e


permaneceu até o tempo presente. Ela evocou no Protestantismo a reação oposta, que
conduziu as ultimas seitas à mais completa negação do dogma da Redenção e a aceitação
de não mais que um significado moral ou instrutivo para a vida de Cristo e Sua morte na
Cruz.

O termo "satisfação" tem sido usado na teologia Ortodoxa russa, mas numa forma mudada:
"a satisfação de justiça de Deus." A expressão "satisfazer a justiça de Deus," deve-se
reconhecer, não é inteiramente estranha ao Novo Testamento, como pode ser visto nas
palavras do próprio Salvador: "...porque assim nos convém cumprir toda justiça" (Mt 3:15).
Uma expressão que é próxima em significado ao presente termo mas que é mais completa,
e autenticamente bíblica, e dá uma base para o entendimento Ortodoxo do trabalho na
Redenção, é a palavra "propiciação" que é lida na Primeira Epistola de João: "Nisto está o
amor, não que nós tenhamos amado a Deus, mas que Ele nos amou por nós, e enviou Seu
Filho para propiciação dos nossos pecados" (1 Jo 4:10); "propiciação" é uma tradução
direta da palavra grega ilasmos. O mesmo uso da palavra é encontrado em 1 Jo 2:2.

O triplo ministério do Senhor.

Os sistemas de teologia dogmática, seguindo o antigo costume, para ganhar uma mais
completa iluminação do trabalho de salvação realizado pelo Senhor Jesus Cristo, vêem
mais freqüentemente esse trabalho sob três aspectos nomeadamente: a) o ministério de
Sumo Sacerdote; b) seu ministério profético; e c) seu ministério real. Esses três aspectos
são chamados o triplo ministério do Senhor.

O aspecto comum dos três ministérios, o Profético, o Sumo Sacerdotal, e o Real, é que no
Velho Testamento o chamado para esses três ministérios era acompanhado por unção com
óleo, e aqueles que meritoriamente passavam por esses ministérios eram reforçados pelo
poder do Espírito Santo.

O próprio nome "Cristo" significa "ungido" (o nome "Jesus" significa "Salvador"). O


Senhor refere-se a Si mesmo com as palavras do Profeta Isaías quando Ele as lê na
Sinagoga de Nazaré: "O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para
evangelizar os pobres, enviou-me a curar os quebrantados do coração, a apregoar a
liberdade aos cativos, e dar vista aos cegos; a por em liberdade aos oprimidos; a aceitar o
ano aceitável do Senhor" (Lc 4:18-19).

A. Cristo o Sumo Sacerdote.

O Senhor Jesus Cristo não é só o Cordeiro de Deus que é oferecido em sacrifício pela vida
do mundo; Ele é ao mesmo tempo Aquele que oferece o Executor do sacrifício, o Sumo
Sacerdote. Cristo é "Tu que ofereces e é oferecido, és Tu que recebes e distribui" (oração
secreta no Hino dos Querubins na Liturgia). Ele próprio é oferecido como sacrifício, e Ele
próprio também oferece o sacrifício. Ele tanto recebe como distribui o sacrifício para
aqueles que vêm.

O Senhor expressou seu ministério Sumo Sacerdotal na terra, no mais alto grau na oração a
Seu Pai que é chamada de "a oração do Sumo Sacerdote," que foi pronunciada depois da
conversa de despedida com Seus discípulos na noite em que Ele foi preso pelos soldados e
da mesma forma na oração em solidão no jardim de Gethsemane: "E por eles me santifico a
mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade. Eu não rogo somente
por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim" (Jo 17:19-
20).
O Apóstolo Paulo interpreta o ministério Sumo Sacerdotal de Cristo em sua Epístola aos
Hebreus (capítulos cinco ao dez). Ele justapõe o ministério sumo sacerdotal de Cristo com
os ministérios dos Sumos Sacerdotes do Velho Testamento e mostra que o sacerdócio de
Cristo os ultrapassa incomparavelmente.

Existiram muitos sumos sacerdotes de acordo com a ordem de Aarão, já que a morte não
permitia que houvesse só um. Mas esse Um, de acordo com a ordem de Melquisedec,
permanecendo eternamente, tem um sacerdócio que não passa (Heb 7:23-24).

Aqueles sumos sacerdotes eram cobertos com enfermidade; mas esse sumo sacerdote é
perfeito para sempre (Heb 7:28).

Aqueles eram sacerdotes do tabernáculos terrestres feitos por mãos; mas esse Um é o
Executor sagrado do tabernáculo eterno não feito por mãos (Heb 9:24).

Aqueles sumos sacerdotes entraram no local sagrado como sangue de bodes e bezerros;
mas esse Um com seu próprio sangue entrou uma vez no local sagrado e obteve uma
redenção eterna (Heb 9:12).

Eles foram sacerdotes do Velho Testamento; enquanto esse Um é o sacerdote do Novo


Testamento (Heb 8:6).

B. Cristo o Evangelizador (Seu ministério profético).

O evangelístico, ou instrutivo, ou profético ministério do Senhor Jesus Cristo foi


expressado no fato que Ele proclamou aos homens, em toda totalidade e clareza acessível a
eles, a vontade do Pai celestial, para a salvação do mundo; e concedeu a Eles a nova, e mais
perfeita lei de fé e piedade que serve ao propósito de salvação de toda raça humana. Esse
ministério foi executado pelo próprio Senhor e através de Seus discípulos, que de acordo
com Seus mandamentos, proclamaram as boas novas para todos os povos e entregaram-nas
à Igreja em todos os tempos.

O Senhor proclamou as boas novas de 1) o ensinamento de fé, e 2) o ensinamento de vida e


piedade.

O ensinamento evangélico de fé é o ensinamento:

a) a respeito de Deus, nosso Boníssimo Deus, a Quem nós somos ensinados a apelar com o
grito de um filho: "Pai Nosso." A respeito dessa revelação aos homens desse novo e mais
perfeito entendimento de Deus, o Salvador fala na oração antes de Seus sofrimentos:
"Manifestei o teu nome aos homens... e eu lhes fiz conhecer o teu nome" (Jo 17:6 e 26).

b) a respeito da vinda do Verbo ao mundo — a vida do Unigênito Filho de Deus — para a


salvação dos homens e para a reunião deles com Deus.

c) a respeito do Espírito Santo, nosso Confortador e Santificador;


d) a respeito da natureza e propósito do homem; a respeito do pecado, arrependimentos, os
meios de salvação, santificação e renascimento;

e) a respeito do Reino de Deus e da Igreja do Novo Testamento; a respeito do Julgamento


Geral e o destino final do mundo e do homem.

O ensinamento evangélico e vida e piedade é o elevado comando de amor a Deus e ao


próximo, que é apresentado muito mais completamente que no Velho Testamento, e que
inspira para a completa devoção a Deus por seus filhos. Muitos desses mandamentos dessa
perfeitíssima lei moral estão concentrados no Sermão da Montanha. Por exemplo, lá estão
os mandamentos de perdoar as ofensas e amar os inimigos, de autonegação e humildade, de
verdadeira castidade, não só corporal mas também espiritual, de serviço mútuo de acordo
com o exaltado exemplo do próprio Salvador, e de outras coisas que são demandadas
moralmente de um Cristão.

Enquanto o Velho Testamento em suas leis inspira a cumprir os mandamentos


principalmente para uma prosperidade terrena e temporal, o Novo Testamento inspira para
as coisas mais elevadas, eternas, espirituais.

A lei do Velho Testamento, no entanto, não foi ab-rogada pelo Salvador, ela só foi elevada;
foi-lhe dada uma interpretação mais perfeita; foi colocada sobre melhores bases. Com a
vinda do Novo Testamento, só foi a lei ritual Judaica que foi ab-rogada.

A respeito da relação dos Cristãos com o Velho Testamento, o Bem Aventurado Teodoreto
raciocina assim: "Assim como mães de recém-nascidos dão nutrição por meio do peito, e
depois comida leve, e finalmente, quando eles se tornam crianças ou jovens, dão a eles
comida sólida, assim também o Deus de todas as coisas de tempos em tempos deu aos
homens ensinamentos mais perfeitos. Mas, apesar de tudo isso, nós reverenciamos o Velho
Testamento como o peito da mãe, só não tomamos leite dele; os perfeitos não têm
necessidade de leite de uma mãe, apesar de deverem reverenciá-la por que foi dela que eles
receberam o desenvolvimento. Assim nós também, apesar de não mais observar a
circuncisão, o sábado, as ofertas de sacrifício, os borrifamentos — não o mínimo, nós
tiramos do Velho Testamento um benefício diferente: por ele, de modo prefeito, nos
introduz em piedade, em fé de Deus, em amor pelo próximo, em continência, em justiça,
em coragem e acima de tudo pela imitação dos exemplos dos antigos Santos" (Abençoado
Teodoreto, "Brief Exposition of the Divine Dogmas").

A lei dos Evangelhos foi dada para todos os tempos, até o final dos tempos, e não está
sujeita a ser ab-rogada ou modificada.

A lei dos Evangelhos é dada para todos os homens, e não para um só povo, como foi a lei
do Velho Testamento.

Por essas razões, a fé e ensinamentos dos Evangelhos é chamada pelos Padres da Igreja de
"Católica," sito é, englobando todos os homens em todos os tempos.
C. Cristo o Rei do mundo (Seu ministério real).

O Filho de Deus, o Criador e Mestre do céu e da terra, o Rei Eterno de acordo com a
Divindade, é Réu também de acordo com Seu Deus-Humano, do Seu ministério na terra,
até Sua morte na Cruz, e em Sua condição glorificada após a Ressurreição.

O Profeta O profetizou como um Rei, como lemos no Profeta Isaias: "Porque um menino
nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome
será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da eternidade, Príncipe da Paz ... do
incremento deste principado e da paz, não haverá fim, sobre o trono de Davi, e no Seu
Reino" (Isaias 9:6-7).

O ministério Real do Senhor antes de Sua Ressurreição foi expresso: a) em Seus milagres,
em Sua autoridade sobre a natureza; b) em Sua autoridade sobre os poderes do inferno, a
respeito da qual há testemunhos de Seus inúmeros exorcismos de demônios a palavra do
Senhor: "E disse-lhes: Eu via Satanás, como raio, cair do céu" (Lc 10:18); c) em Sua
autoridade sobre a morte, manifestada na Ressurreição do filho da viúva de Naim, a irmã de
Jairo, e Lázaro dos quatros dias.

O próprio Senhor Jesus Cristo fala de Si como um Rei antes de Sua Ressurreição quando
Ele estava sendo julgado por Pilatos: "O meu Reino é deste mundo" (Jo 18:36). Ele disse a
eles: "É-me dado todo o poder no céu e na terra" (Mt 28:18).

Depois de Sua Ascensão o Deus-Homem Cristo é Cabeça do céu, da terra e do submundo.


Ao inferno e Sua vitória sobre eles, sua destruição das amarras dele; adiante, em Sua
Ressurreição e vitória sobre a morte; e finalmente, na Ascensão de Jesus Cristo e a abertura
do Reino do Céu para todos aqueles que acreditam Nele.

A deificação da humanidade em Cristo.

A natureza humana do Senhor Jesus Cristo, através de sua união com a Divindade,
participou nas qualidades divinas e foi enriquecida por elas, em outras palavras, ela foi
"deificada." E não só a natureza humana do Senhor, foi deificada: através Dele e Nele
nossa humanidade também é deificada, pois "também ele participou das mesmas coisas"
isto é, de nossa carne e sangue (Heb 2,14), uniu a Si próprio do modo mais intimo com a
raça humana, e conseqüentemente uniu-a à divindade. Como o Senhor Jesus Cristo recebeu
carne da sempre Virgem Maria, os livros da Igreja, muito freqüentemente chamam-na de
fonte da nossa deificação: "através dela nós fomos deificados." Nós somos deificados
igualmente através da recepção do corpo e sangue de Cristo. No entanto, deve-se
compreender os limites do significado desse termo, porque na literatura filosófico-religiosa
de tempos recentes, começando com Vladimir Soloviev, existe uma tendência para um
incorreto alargamento do significado do dogma de calcedônia! O termo ‘deificação’ não
significa a mesma coisa que o termo "Deus-Humano," e alguém que é "deificado" não é
posto no caminho do Deus-Humano pessoal. Se a Igreja de Cristo é chamada de organismo
divino-humano, isto é porque a cabeça da Igreja é Cristo Deus, e o corpo da Igreja é
humanidade renascida em Cristo. Nela própria a humanidade em geral, e da mesma forma o
homem individualmente, permanecem com aquela natureza na qual e para a qual ela foi
criada; pois, na pessoa de Cristo também, o corpo e alma humanos não passaram para a
natureza divina, mas foram só unidos com ela, unidos "sem confusão ou mudança."
"Porque nunca existiu, existe, ou existirá outro Cristo consistindo em Divindade e
humanidade, que permanece em humanidade, o mesmo sendo perfeito Deus e perfeito
Homem" como ensina São João Damasceno (Exact Exposition of the Orthodox Faith, Livro
3, capit. 3).

A Ressurreição de Cristo.
Os frutos salvíficos da Ressurreição de Cristo.

A Ressurreição de Cristo é a base e a coroação de nossa Fé Cristã Ortodoxa. A


Ressurreição de Cristo é a primeira, mais importante, grande verdade com a proclamação
da qual os Apóstolos começam sua pregação do Evangelho após a descida do Espírito
Santo. Assim como pela morte de Cristo na Cruz nossa redenção foi realizada, pela Sua
Ressurreição a vida eterna nos foi dada. Portanto, a Ressurreição de Cristo é objeto do
constante triunfo da Igreja Cristã. "Hoje toda criação exulta de alegria, pois Cristo
ressuscitou!" (Canon da Páscoa, Ode 9). Os frutos salvíficos da Ressurreição de Cristo são:

a) a vitória sobre o inferno e a morte;

b) a benção dos Santos no céu e o começo da existência da Igreja Celestial;

c) o envio do Espírito Santo e a criação da Igreja de Cristo na terra.

A. A vitória sobre o inferno e a morte.

A existência humana depois da perda do paraíso tem duas formas: a) a terrena, vida
corporal; e b) a vida após a morte.

A vida terrena termina com a morte do corpo. A alma preserva sua existência depois da
morte corporal, mas sua condição depois da morte, de acordo com a palavra de Deus e o
ensinamento dos Padres da Igreja, é diversa. Até a vinda para a terra do Filho de Deus, e até
a Sua Ressurreição dos mortos, as almas dos mortos estavam em uma condição de rejeição,
estando afastadas de Deus, nas trevas, no inferno, no submundo (o "Sheol" hebreu). Estar
no inferno era como a morte espiritual, como é expresso nas palavras do Salmo do Velho
Testamento: "Porque na morte não há lembranças de ti: no sepulcro quem te louvará?"
(Salm 6:5). No inferno estavam aprisionadas também as almas dos justos do Velho
Testamento. Esses justos viveram na terra com fé na vida do Salvador, como o Apóstolo
Paulo explica no capítulo onze de sua Epístola aos Hebreus, e após a morte eles
consumiam-se na expectativa da sua redenção e libertação. Assim continuou até a
Ressurreição de Cristo, até a vinda do Novo Testamento: "E todos estes, tendo tido
testemunho pela fé, não alcançaram a promessa, Provendo Deus alguma coisa melhor a
nosso respeito, para que eles sem nós não fossem aperfeiçoados" (Heb 11:39-40). Nossa
libertação foi também a libertação deles.

Cristo, depois de Sua morte na Cruz, desceu em Sua alma e em Sua Divindade para o
inferno, ao mesmo tempo que Seu corpo permanecia no sepulcro. Ele pregou salvação para
os cativos do inferno e trouxe para cima de lá todos os justos do inferno, nós lemos na
Epístola de São Pedro: "Porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo
pelos injustos, para levar-nos a Deus, mortificado, na verdade na carne, mas vivificado pelo
Espírito no qual foi também e pregou aos espíritos em prisão" (1 Pe 3:18-19). E no mesmo
lugar nós lemos adiante: "Porque por isto foi pregado o Evangelho também aos mortos para
que na verdade fossem julgados segundo os homens na carne, mas vivessem segundo Deus
em espírito" (1 Pe 4:6). São Paulo fala a mesma coisa: citando o verso do Salmo, "Subindo-
lhe ao alto, levou cativo o cativeiro, e deu dons aos homens," o Apóstolo continua: "ora,
isto — ele subiu — que é, senão que também antes tinha descido às partes mais baixas da
terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para
cumprir todas as coisas" (Ef 4:8-10).

Para usar as palavras de São João Crisóstomo: " o inferno foi tornado cativo pelo Senhor
que desceu nele. Ele foi deixado abandonado, foi posto à morte, foi derrubado, foi atado"
(Homilia da Páscoa).

Com a destruição dos ferrolhos do inferno, isto é, da impossibilidade de escapar do inferno,


o poder da morte, também foi aniquilado. Primeiro de tudo, a morte para os justos tornou-se
só uma transição do mundo abaixo para o mundo acima, para uma vida melhor, a vida na
luz do Reino de Deus; segundo, a própria morte corporal tornou-se só um fenômeno
temporário, pois pela Ressurreição de Cristo o caminho para a Ressurreição geral foi aberto
para nós.

"Mas agora Cristo ressuscitou dos mortos, e foi feito as primícias dos que dormem" (1 Co
15:20). A Ressurreição de Cristo é a caução de nossa ressurreição: "Porque, assim como
todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo; mas cada um por
sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda" (1 Co 15:22-23).
Depois disso, a morte será completamente aniquilada. "Ora, o último inimigo que há de ser
aniquilado é a morte" (1 Co 15:26).

O tropário da Santa Páscoa proclama para nós com especial alegria a vitória sobre o inferno
e a morte: "Cristo ressuscitou dos mortos, e pela morte Ele venceu a morte, aos que
estavam no túmulo Cristo deu a vida." "Cristo subiu acima de todos os céus, para cumprir
todas as coisas" (Ef 4:10).

B. O Reino de Cristo e a Igreja triunfante.

Antes de Sua partida para o Pai, o Senhor Jesus Cristo disse aos Apóstolos: "Na casa de
meu Pai há muitas moradas, se não fosse assim eu no-lo teria dito: vou preparar-vos lugar.
E, se eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para Mim mesmo, para que
onde Eu estiver estejais vós também" (Jo 14:2-3). O Salvador orou para o Pai: "Pai, aqueles
que me deste quero que, onde Eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a
minha glória que Me deste" (Jo 17:24). E os Apóstolos expressam o desejo de partir e estar
com Cristo (Filip 1:23), sabendo que eles têm "uma casa não feita por mãos, eterna, nos
céus" (2 Co 5:1).

Uma descrição da vida dos Santos no céu é dada no Apocalipse. São João o Teólogo viu em
volta do trono de Deus nos céus "vinte e quatro tronos" e neles anciãos vestidos de vestido
brancos, com coroas de ouro sobre suas cabeças (Ap 4:4). Ele viu debaixo do altar celeste
"as almas dos que foram mortos por amor da palavra de Deus e por amor do testemunho
que deram" (Ap 6:9); e ainda de novo ele viu "uma multidão ... de todas as nações, e tribos,
e povos, e línguas" que estavam diante do Trono e diante do Cordeiro e clamavam com
grande voz: "Salvação ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro" (Ap 7:9-
10).

As mansões luminosas da Morada Celeste a Sagrada Escritura chama de "a cidade do Deus
vivo," "Monte Sião," "Jerusalém celeste," a Igreja do primeiro nascido escrito no céu."

Assim o grande Reino de Cristo foi aberto no céu. Nele entraram as almas de todas as
pessoas justas e pias do Velho Testamento, aqueles a quem o Apóstolo disse: "E todos
estes, tendo tido testemunho pela fé, não alcançaram a promessa" (até a vinda para a terra
do Filho de Deus e a salvação geral), que eles sem nós não poderiam ser feitos, perfeitos,
isto é, alcançar o júbilo e a benção da Igreja Celeste de Cristo (Heb 11:39-40). Neste Reino
no Novo Testamento entraram os primeiros que acreditaram em Cristo, os Apóstolos,
primeiros mártires, confessores; e assim até o fim do mundo a Morada Celeste será
preenchida — a Jerusalém no alto, o Celeiro de Deus — até que virá o seu perfeito
completamento.

São Simeão, o Novo Teólogo ensina o seguinte: "Era adequado que lá nascessem todos
aqueles pré-conhecidos por Deus, e que o mundo que está acima desse mundo, a Igreja do
primeiro-nascido, a Jerusalém celeste, fosse preenchida; e então o Corpo de Cristo
completo será prefeito, recebendo Nele todos aqueles pré-ordenados por Deus para serem
conformes a imagem de Seu Filho — esses são os filhos da luz e do dia. Esses são todos
aqueles pré-ordenados e pré-escritos, e incluídos no numero dos salvos, e aqueles que são
para serem juntados e unidos ao Corpo de Cristo; e então não existirá mais a falta Nele de
um único membro. Assim é em verdade, como o Apóstolo Paulo revela quando ele diz:
"Até que todos cheguemos a unidade da fé ... a varão perfeito, à medida da estatura
completa de Cristo" (Ef 4:13). Quando eles forem juntados e vierem a formar com
completo Corpo de Cristo, então também o mundo superior, a Jerusalém celeste, que é a
Igreja do primeiro nascido, estará preenchida, e o corpo da rainha de Deus, a Igreja, que é o
Corpo de Cristo Deus, será revelada como inteiramente preenchida e perfeita" (homilia 45).

De acordo com o ensinamento da Sagrada Escritura, a benção das almas dos justos no céu
consiste de a) o repouso ou descanso dos trabalhos; b) não participação em tristezas e
sofrimentos (Ap 14:13; 7:16); c) estar juntos com e conseqüentemente estando na mais
intima comunhão com os antepassados e outros santos; d) comunhão mútua entre eles
próprios e com milhares de anjos; e) estar diante do Trono do Cordeiro, glorificando-O e
servindo-O; f) comunhão e reinar junto com Cristo; g) a jubilosa contemplação face a face
de Deus Todo-Poderoso.

C. O estabelecimento da Igreja.

O Senhor Jesus Cristo, em Sua conversa com Seus discípulos antes de Seus sofrimentos,
prometeu a Eles enviar o Espírito Santo, o Consolador, que permaneceria com eles para
sempre — o Espírito da Verdade que os instruiria e os lembraria de tudo que Ele próprio
tivesse falado para eles, e os informaria sobre o futuro. Aparecendo depois da Ressurreição
a Seus discípulos, o Senhor concedeu a eles o poder dado por graças do Espírito Santo com
as palavras: "Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoares os pecados lhes são
perdoados: e aqueles a quem os retiverdes lhes são retidos" (Jo 20:22-23). E dez dias depois
de Sua Ascensão, o Senhor, de acordo com Sua promessa, enviou o Espírito Santo sobre os
discípulos no dia de Pentecostes na forma de língua de fogo.

A descida no mundo do Espírito Santo foi expressa, antes de tudo, nos extraordinários dons
dos Apóstolos na forma de sinais, profecias curativas, o dom da língua; e segundo lugar, em
todos os poderes dados por graça que conduziram os fieis de Cristo à perfeição espiritual e
à Salvação.

No Espírito Santo, no Seu Divino poder, é dado a nós "tudo o que diz respeito à vida e
piedade" (2 Pe 1:3). "Esses dons dados por graça estão na Santa Igreja que o Senhor fundou
na terra." Eles compreendem os meios de nossa santificação e salvação.

Um exame desses meios de salvação é o objeto de uma nova seção de Teologia Dogmática
— aquela relativa à Igreja de Cristo.

7. A Igreja de Cristo.
O conceito da Igreja de Cristo na terra. O início e o propósito da Igreja. A Cabeça da Igreja.
A ligação íntima entre a Igreja na terra e a Igreja no céu. Atributos da Igreja. Sua unidade.
Sua santidade. Sua catolicidade. A Igreja Apostólica. A hierarquia da Igreja. Apóstolos.
Bispos. Presbíteros (padres). Diáconos. Os três degraus da hierarquia. Os concílios da
Igreja. A ininterrupção do episcopado. O aspecto pastoral da Igreja.

O conceito da Igreja de Cristo na terra.

No significado literal da palavra, a Igreja é a "assembléia," em grego ekklesia, de ekkaleo,


significando "juntar." Com esse significado ela foi usada no Velho Testamento também (o
hebreu kahal).
No Novo Testamento, esse nome tem um incomparavelmente mais profundo e mais místico
significado que é difícil de abarcar em uma curta formula verbal. O caráter da Igreja de
Cristo é melhor explicado pelas imagens bíblicas às quais a Igreja é assemelhada.

O Novo Testamento é a nova planta de Deus, o jardim de Deus, a vinha de Deus. O Senhor
Jesus Cristo por Sua vida terrena, Sua morte na Cruz e Sua Ressurreição, introduziu na
humanidade novos poderes dados por graça, uma nova vida que é capaz de grande
frutificação. Esses poderes nós temos na Santa Igreja que é Seu Corpo. A Sagrada Escritura
é rica em expressivas imagens da Igreja. Aqui estão as principais delas:

a) A imagem da vinha e seus ramos: "Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o lavrador.
Toda a vara em mim que não dá fruto, a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê
mais fruto... Estai em mim, e eu em vós: como a vara de si mesma não pode dar fruto, se
não estiver na videira, assim também vós se não estiverdes em mim. Eu sou a videira, vós
as varas; quem está em mim e eu nele, esse dá muito fruto, porque sem mim nada podeis
fazer. Se alguém não estiver em mim, será lançado fora como a vara, e secará; e os colhem
e lançam no fogo, e ardem ... Nisto é meu Pai glorificado, que deis muito fruto e assim
sereis meus discípulos" (Jo 15:1-8).

b) A imagem do pastor e do rebanho: "Na verdade, na verdade, vos digo que aquele que
não entra pela porta do curral das ovelhas, mas sobre por outra parte, é ladrão e salteador.
Aquele porém que entra pela porta é o pastor das ovelhas ... em verdade vos digo que eu
sou a porta das ovelhas ... Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará e
sairá e achará pastagens ... Eu sou o bom Pastor: o bom Pastor dá a sua vida pelas
ovelhas ... Eu sou o Bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas, sou conhecido
... e dou minha vida pelas ovelhas. Ainda tenho outras ovelhas que não são desse aprisco;
também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um
Pastor" (Jo 10: 1-6).

c) Imagens da cabeça e do corpo: "O Pai sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas
as coisas o constituiu como a cabeça da Igreja, que é seu corpo, a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos" (Ef 1:22-23, e outros lugares).

d) A imagem de um prédio em construção: "Assim que já não sois estrangeiros, nem


forasteiros, mas concidadãos dos Santos, e da família de Deus; edificados sobre o
fundamento dos Apóstolos e dos Profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra de
esquina; no qual todo edifício bem ajustado, cresce para o templo santo no Senhor. No qual
também vós juntamente sois edificadores para morada de Deus em Espírito" (Ef 2:19-22).

e) A imagem de uma casa de família: "...para que saibas como convém andar na casa de
Deus, que é a Igreja do Deus Vivo, a coluna e a firmeza da verdade" (1 Tm 3:15). "...
Cristo, como Filho sobre Sua própria casa; a qual somos nós" (Heb 3:6).

A mesma coisa igualmente se referem outras imagens do Evangelho: a rede de pescar, o


campo que foi semeado, o vinhedo de Deus. Nos Padres da Igreja encontra-se com
freqüência uma comparação da Igreja no mundo com um barco no mar.
O Apóstolo Paulo, comparando a vida da Igreja de Cristo com um casamento, ou com o
relacionamento entre marido e mulher, conclui seus pensamentos com essas palavras:
"Grande é esse mistério: digo-o porém, a respeito de Cristo e da Igreja" (Ef 5:32). A vida
da Igreja em sua essência é mística; o curso de sua vida não pode ser incluído inteiramente
em nenhuma "historia." A Igreja é completamente distinta de qualquer tipo que seja de
sociedade organizada na terra.

O início e o propósito da Igreja.

A Igreja de Cristo recebeu sua existência com a vida para a terra do Filho de Deus, "quando
a plenitude do tempo veio" (Gal 4:4), e com seu trazer a salvação para o mundo.

O início de sua existência em sua forma e significados completos, com a plenitude dos dons
do Espírito Santo, foi no dia de Pentecostes, depois da ascensão do Senhor. Nesse dia,
depois da descida do Espírito Santo, sobre os Apóstolos, em Jerusalém foram batizados
cerca de três mil homens. E adiante, o Senhor adicionou cada dia aqueles a serem salvos, à
Igreja. Desse momento em diante, o território da cidade de Jerusalém, a seguir a Palestina,
e então todo Império Romano, e até mesmo terras além de suas fronteiras, começaram a ser
cobertas com comunidades cristãs ou Igrejas. O nome "Igreja" que pertence a toda
comunidade cristã, mesmo a uma única casa ou família, indica a unidade dessa parte com o
todo, com o corpo da Igreja de Cristo completa.

Sendo "o corpo de Cristo," a Igreja "vai crescendo em aumento de Deus" (Col 2:19).
Comparando a Igreja com um prédio que não está completo, e continua: "...todo edifício
bem ajustado, cresce para o templo santo no Senhor" (Ef 2:21). Esse crescimento não é só
no sentido do visível, aumento quantitativo da Igreja na terra; em grau ainda maior, este é
um crescimento espiritual, a perfeição dos santos, o preenchimento do mundo celeste-
terrestre pela santidade. Através da Igreja é realizada "a dispensação da plenitude dos
tempos" pré-ordenada pelo Pai, para que "torne a congregar em Cristo todas as coisas, ...
tanto as que estão nos céus como as que estão na terra" (Ef 1:10).

No sentido de seu crescimento terrestre, a Igreja desenvolve nas esferas dos ofícios divinos
e dos canons; é tornada mais rica pela literatura patrística; ela cresce nas formas externas
que são necessárias para as condições terrestres de existência.

A Igreja é nosso lar espiritual. Como no seu próprio lar — e ainda mais que isso — os
pensamentos e ações de um Cristão estão intimamente ligados com a Igreja. Nela ele deve,
enquanto viver na terra, trabalhar sua salvação, e fazer uso dos meios de santificação dados
pela graça para ele. Ela prepara suas crianças pra a morada celeste.

Como, pela graça de Deus, o renascimento e o crescimento espiritual ocorre em um


homem, em que seqüência isso normalmente ocorre, que obstáculos devem ser
ultrapassados por ele no caminho da salvação, como ele deve combinar os trabalhos
indispensáveis com a ajuda dada por graça de Deus — ramos especiais da teologia e do
aprendizado espiritual são devotados a todos esses assuntos. Eles são chamados de
Teologia Moral e Teologia Ascética.
A teologia Dogmática limita o assunto da Igreja a um exame das condições dadas por graça
na Igreja para a obtenção do objetivo da salvação em Cristo.

A Cabeça da Igreja.

O Salvador dando autoridade aos Apóstolos antes da Sua Ascensão, contou a eles muito
claramente que Ele próprio não cessaria de ser o invisível Pastor e Piloto da Igreja. "e eis
que eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos" (Todos os dias
constantes e inseparavelmente; Mt 28:20). O Salvador ensinou que Ele, como o Bom
Pastor, tinha que trazer para dentro também aquelas ovelhas que não eram desse aprisco de
modo que tivesse que haver um só rebanho e um só pastor (Jo 10:16). "É-me dado todo
poder no céu e na terra. Portanto ide, ensinai todas as nações..." (Mt 28:18-19). Em todas
essas palavras está contida a idéia de que o sumo Pastor da Igreja é o próprio Cristo. Nós
temos que estar cientes disso para não esquecer a intima ligação e união interior da Igreja
na terra com a Igreja celeste.

O Senhor Jesus Cristo é também o Fundador da Igreja: "... edificarei minha Igreja, e as
portas do inferno não prevalecerão sobre ela" (Mt 16:18).

Cristo é também o Fundamento da Igreja, sua pedra de esquina: "Porque ninguém pode por
outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo" (1 Co 3:11).

Ele também é a Cabeça . Deus o Pai "sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as
coisas o constitui como Cabeça da Igreja, que é o Seu corpo, a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos" (Ef 1:22-23). "...a cabeça é Cristo, Do qual todo o corpo bem
ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte,
faz aumento do corpo, para sua edificação em amor" (Ef 4:15-16). Como todos os membros
de nosso corpo constituem um completo e vivo organismo que depende de sua cabeça,
assim também a Igreja é um organismo espiritual no qual não há lugar onde os poderes de
Cristo não ajam. Ela é, a Igreja, "plena de Cristo" (Bispo Teófano, o Recluso).

Cristo é o Bom Pastor, de Seu rebanho, a Igreja. Nós temos "o grande Pastor das ovelhas"
de acordo com o Apóstolo Paulo (Heb 13:20). O Senhor Jesus Cristo é o Sumo Pastor.
"servindo de exemplo ao rebanho," o Apóstolo Pedro pede aqueles que foram colocados
como Pastores na Igreja, como co-pastor deles (em grego syn-presbiteros), "e quando
aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa de glória" (1 Pe 5:1-4).

Cristo é o invisível Sumo Bispo da Igreja. O Hieromártir Inácio, portador de Deus, um


Padre Apostólico, chama o Senhor de "Bispo Invisível" (grego: episkopos aoratos).

Cristo é o eterno Sumo Sacerdote de Sua igreja, como o Apóstolo Paulo explica em sua
Epístola aos Hebreus. Os Sumos Sacerdotes do Velho Testamento "eram em grande
número, porque pela morte foram impedidos de permanecer. Mas estes, porque permaneceu
eternamente, tem um sacerdócio perpétuo. Portanto, pode também salvar perfeitamente os
que por Ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles" (Heb 7:23-25).
Ele é, de acordo com o Apocalipse de São João, o Teólogo: "...o que é verdadeiro, o que
tem a chave de Davi; o que abre, e ninguém fecha; e fecha e ninguém abre" (Ap 3:7).

A verdade é que o próprio Cristo é a Cabeça da Igreja, tem sempre corrido de maneira viva,
e continua a correr através da autoconsciência da Igreja. Em nossas preces diárias também
lemos, "Ó Jesus, Bom Pastor das Tuas ovelhas..." (Oração de S. Antióquio nas Orações
Antes de Dormir do Livro Ortodoxo de Orações).

Crisóstomo ensina em suas homilias sobre a Epístola aos Efésios o seguinte: "Em Cristo, na
carne, Deus colocou uma única cabeça para todo mundo, para anjos e homens; isto é, Ele
deu um único princípio para os anjos e para os homens.: para um, Cristo de acordo com a
carne; e para outro, Deus o Verbo. Assim como se alguém dissesse a respeito de uma casa,
que uma parte dela estava estragada e a outra parte estava forte, e dever-se-ia restaurar a
casa, isto é, torna-la mais forte, colocando uma nova fundação sob ela; assim também aqui,
Ele trouxe todos sob uma única cabeça. Só então a união é possível; só então existirá aquela
perfeita ligação, quando tudo, tendo uma certa ligação indispensável com o que está acima,
será trazido sob uma única cabeça" (Works of St. Crysostom in Russian, V 11, p- 14).

A Igreja Ortodoxa de Cristo recusa-se a reconhecer ainda outra cabeça da Igreja na forma
de um "Vigário de Cristo na terra," um título dado na Igreja Católico Romana ao Bispo de
Roma. Tal título não corresponde nem a palavra de Deus nem à universal consciência e
tradição da Igreja; ele corta a Igreja na terra da imediata união com a Igreja-celeste. Um
vigário é indicado na ausência do representante; mas Cristo está invisivelmente presente em
sua Igreja sempre.

A rejeição pela antiga Igreja na visão do Bispo de Roma como o Cabeça da Igreja e Vigário
de Cristo na terra é expressa nos escritos daqueles que foram ativos nos Concílios
Ecumênicos.

O Segundo Concílio Ecumênico de Bispos, depois de completadas as atividades escreveu


uma epístola ao Papa Damasus e a outros Bispos da Igreja Romana, que termina assim:
"Quando desse modo o ensinamento da fé está em acordo, e o amor Cristão está
estabelecido em nós, nós cessaremos de falar as palavras que foram condenadas pelos
Apóstolos: "Eu sou de Paulo, eu sou de Apolo, eu sou de Cefas." E quando nós todos nos
manifestarmos como de Cristo, já que Cristo não é dividido em nós, então pela misericórdia
de Deus nós preservaremos o corpo de Cristo não dividido, e estaremos corajosamente
diante do Trono do Senhor."

A personalidade de liderança no Terceiro Concílio Ecumênico, São Cirilo de Alexandria,


em sua "Epístola sobre Símbolos Sagrados," que está incluída nos Atos desse Concílio,
escreve: "Os mais santos Padres, ... que então se reuniram em Nicéia, compuseram o
venerável Símbolo Ecumênico (Credo). Com eles Cristo, Ele próprio presidiu, pois Ele
disse: "Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí, estou eu no meio
deles" (Mt 18:20). Pois como pode existir qualquer dúvida que Cristo presidiu esse Santo e
Ecumênico Concílio? Porque lá, uma certa base e uma firme e uma insuperável fundação
foi lançada, e mesmo estendida para todo universo, isto é, esta santa e irrevogável
confissão. Se é assim, então Cristo que é a Fundação, pode estar ausente se de acordo com
as palavras do sapientíssimo Paulo: "Porque ninguém pode por outro fundamento, além do
que já está posto, o qual é Jesus Cristo" (1 Co 3:11).

O Bem Aventurado Teodoreto, em uma homilia que também foi colocada nos Atos do
Terceiro Concílio Ecumênico, endereçada aos heréticos, os seguidores de Nestório, diz:
"Cristo é uma pedra de tropeço e escândalo para os descrentes, mas não põe os fiéis em
vergonha; uma preciosa pedra e uma fundação, de acordo com as palavras de Isaías quando
ele disse que Cristo é a pedra que os construtores rejeitaram e que tornou-se a pedra de
esquina. Cristo é a fundação da Igreja. Cristo é a pedra que foi tirada não com mãos, e foi
mudada para uma grande montanha e cobriu o universo, de acordo com a profecia de
Daniel; é para Ele, com Ele, e pelo Seu poder que nós batalhamos, e por Quem nós somos
removidos para longe das cidades reinantes, mas não somos excluídos do Reino do Céu;
pois nós temos uma cidade no alto, Jerusalém, "da qual o artífice e construtor é Deus" (Heb
11:10), como diz o Apóstolo Paulo.

A respeito da pedra sobre a qual o Senhor prometeu ao Apóstolo Pedro fundar sua Igreja,
São Juvenal, Patriarca de Jerusalém, em sua Epístola ao clero da Palestina depois do Quarto
Concílio da Calcedônia escreve: "quando o chefe e primeiro dos Apóstolos Pedro disse:
"Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo," o Senhor respondeu: "Bem aventurado és tu Simão
Barjonas, porque tu não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai que está nos céus. Pois eu
também te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do
inferno não prevalecerão contra ela" (Mt 16:16-18). Nessa confissão a Igreja de Deus é
feita firme, e essa fé, dada a nós pelos santos Apóstolos; a Igreja tem mantido e manterá até
o fim do mundo."

A ligação íntima entre a Igreja na terra e a Igreja no céu.

O Apóstolo instrui aqueles que vieram a acreditar em Cristo e foram juntados à Igreja como
segue: "Mas chegastes ao monte de Sião, e a cidade do Deus vivo, Jerusalém celestial, e aos
muitos milhares de anjos, à universal assembléia, e à Igreja dos primogênitos, que estão
escritos nos céus, e à Deus, o juiz de todos e aos espíritos dos justos aperfeiçoados, e à
Jesus o Mediador duma Nova Aliança..." (Heb 12:22-24). Nós não estamos separados de
nossos irmãos mortos na fé por um inultrapassável abismo de morte: eles estão perto de nós
em Deus, "porque para Ele vivem todos" (Lc 20:39).

A Igreja canta essa relação no Kondakion na festa da Ascensão do Senhor: "Tendo


cumprido o plano providencial a nosso respeito e tendo unido a criatura terrestre aos
habitantes dos céus, Tu foste elevado em glória, ó Cristo nosso Deus, não Te afastando,
mas permanecendo com aqueles que Te amam e a quem Tu mesmo disseste: Eu estou
convosco e ninguém pode algo contra vós."

Por certo, existe uma distinção entre a Igreja de Cristo na terra e a Igreja dos santos nos
céus; os membros da Igreja terrena ainda não são membros da Igreja celeste.

Relacionado com isso a "Epístola dos Patriarcas Orientais" (século XVII), em resposta ao
ensinamento dos Calvinistas a respeito da uma e invisível Igreja, formula assim o
ensinamento Ortodoxo sobre a Igreja : "Nós cremos, como fomos instruídos a crer, naquela
que é chamada, e que de fato é, a Igreja santa, Católica Apostólica, que engloba todos
aqueles, que quem quer que sejam e estejam onde estiverem, acreditam em Cristo, e que
estando agora em sua peregrinação terrena, ainda não vieram morar na pátria celeste. Mas
nós não confundimos nem minimamente a Igreja em peregrinação com a Igreja que
alcançou a pátria celeste, só porque, como alguns heréticos pensam, uma e a outra, ambas
existem, e ambas são como se fossem dois rebanhos do único Sumo Sacerdote, Deus, e são
santificadas pelo único Espírito Santo. Tal confusão deles é fora de lugar e impossível,
visto que uma está batalhando e ainda está a caminho enquanto a outra já está celebrando a
sua vitória e atingiu a terra do Pai e recebeu a recompensa, algo que se seguirá também para
a Igreja Ecumênica toda."

E na realidade, o mundo terrestre e o celeste são duas formas separadas de existência: lá no


céu essa existência é sem corpo, aqui na terra é vida com corpo e morte física; lá, aqueles
que atingiram, aqui, aqueles que procuram atingir; aqui, fé, lá, vendo o Senhor face a face;
aqui esperança lá plenitude.

No entanto, não se pode representar a existência dessas duas religiões, a celeste e a


terrestre, como completamente separadas. Se nós não atingimos tão alto como os santos no
céu; os santos sim atingem tão alto como nós. Como alguém que se tendo estudado toda
uma ciência tem comando também sobre suas partes elementares, assim como um general
que entrou em uma nação tem comando também sobre suas fronteiras; assim também
aqueles que alcançaram o céu em seu comando aquilo que eles passaram através de, e eles
não cessam de ser participantes na vida da Igreja, militante na terra.

Os santos Apóstolos, partindo desse mundo, dispensaram o corpo terrestre, mas não
dispensaram o copo da Igreja. Não só eles foram, mas eles também permanecem sendo as
bases da Igreja. A Igreja é construída "sobre o fundamento dos Apóstolos e dos profetas, de
que Jesus Cristo é a principal pedra de esquina" (Ef 2:20) estando no céu, eles continuam a
estar em comunhão com os fieis aqui na terra.

Tal entendimento esteve presente no pensamento patrístico antigo, tanto no oriente quanto
no ocidente. Aqui estão as palavras de Crisóstomo:

"De novo, o memorial dos mártires, e de novo um dia festivo e de solenidade espiritual.
Eles sofreram, e nós rejubilamos; eles lutaram, e nós saltamos de alegria; sua coroa é a
glória de todos, ou melhor, a glória de toda a Igreja. Como pode ser isso? Você diria. Os
mártires são nossas partes e membros. Mas, "De maneira que se um membro padece, todos
os membros padecem com ele, e se um membro é honrado, todos os membros se regozijam
com ele" (1 Co 12:26). A cabeça é coroada e o resto do corpo se rejubila, e recebe o
vitorioso nos jogos Olímpicos, e todo o povo se rejubila, e recebe o vitorioso com grande
glória. Se nos jogos Olímpicos, e todo povo rejubila, e recebe o vitorioso com grande
glória. Se nos jogos Olímpicos aqueles que não participam em nada dos esforços recebem
tal satisfação, muito mais pode assim ser com respeito às batalhas da piedade. Nós somos
os pés, e os mártires são as cabeças: "mas a cabeça não pode dizer aos pés: não tenho
necessidade de vós" (1 Co 12:21). Os membros são glorificados mas a preeminência de
glória não os separa da ligação com as outras partes; porque então eles estão especialmente
gloriosos quando não estão separados da ligação com outras partes." "Se o Mestre deles não
se envergonham de ser nossos membros; pois neles está expresso o amor, e amor
usualmente junta e liga coisas que estão separadas apesar da sua diferença em dignidade"
(São João Crisóstomo, "Elogy for the Holy Martir Romanus").

"Porque as almas dos mortos pios," diz o Bem Aventurado Agostinho, "não partem da
Igreja, que é o Reino de Cristo. Isto é porque, no altar do Senhor, o memorial delas é
realizado pelo oferecimento do Corpo de Cristo... porque isso deveria ser feito senão
porque os fiéis mesmo depois da morte permanecem membros da Igreja?"

O para sempre memorável Pastor russo João de Kronstadt, em seu "Thoughs Concerning
The Church" escreve: "reconheçam que todos os santos são nossos irmãos mais velhos na
Casa Una do Pai Celestial; eles partiram da terra para o céu e eles estão sempre conosco em
Deus, e eles constantemente nos ensinam e nos guiam para a vida eterna por meios dos
Ofícios da Igreja, dos mistérios, dos ritos, instruções e decretos da Igreja, que eles
compuseram — por exemplo, aqueles relativos a jejuns e festas — eles vivem junto
conosco, eles cantam, eles falam, eles instruem, e nos ajudam em várias tentações e
tristezas. E chamem a eles como se eles estivessem vivendo com vocês sob o mesmo teto;
glorifiquem a eles, agradeçam a eles, conversem com eles como com pessoas vivas; e vocês
acreditarão na Igreja" (São João de Kronstadt, "What Does it Means to Believe in the
Church? Thoughts About the Church and the Orthodox Divines Services").

A Igreja em suas orações para os Apóstolos e Hierarcas chama-os de pilares, sobre os quais
ainda hoje a Igreja está estabelecida. "Tu és um pilar da Igreja"; "Vós sois pilares da
igreja"; "tu és um bom pastor e fervoroso professor, ó hierarca," "Vós sois os olhos da
Igreja de Cristo"; "Vós sois as estrelas da Igreja" (de vários Ofícios da Igreja). Em
harmonia com a consciência da Igreja, os santos, indo para o céu, compõem o firmamento
da Igreja como estrelas magníficas, e eles brilham sobre os fiéis, ó divinos Mestres,
guerreiros de Cristo" (do Ofício Comum do Mártires). "Como brilhantes e luminosas
estrelas vós mentalmente se mostram no firmamento da Igreja, e assim iluminam toda
criação (do Ofício para os Hieromártires).

Existe uma base para tais apelos aos santos nas próprias palavras de Deus. No Apocalipse
de São João o Teólogo nós lemos: "A quem vencer, eu o farei coluna no templo de meu
Deus ..." (Ap 3:12). Assim os santos são colunas da Igreja não só no passado, mas também
em todos os tempos.

Nessa ligação da Igreja com os santos, e da mesma forma na liderança da Igreja pelo
próprio Senhor, pode ser visto um dos lados místicos da Igreja. "Por tua Cruz, ó Cristo,
existe um só rebanho de anjos e homens; e na assembléia céu e terra rejubilam, clamando,
Senhor, glória a Ti" (Octoecos, Tom 1, Apóstica de matinas de Quarta-feira).

O novo artigo do Símbolo da Fé indica os quatros atributos básicos da Igreja: "creio na


Igreja, Una, Santa, Católica e Apostólica." Esses atributos são chamados essenciais, isso é,
sem os quais a Igreja não é a Igreja.
Atributos da Igreja.
Sua unidade.

No texto grego a palavra "em Una," é expressa como um numeral (em mian). Assim o
Símbolo da Fé confessa que a Igreja é uma: a) é uma como vista de dentro de si própria,
não dividida; b) é uma como vista de fora, não tendo nenhuma outra a seu lado. Sua
unidade consiste não em por junto que é diferente por natureza, mas numa concordância
interna e unanimidade. "Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados
em uma só esperança da vossa vocação. Um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só
Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos e por todos em todos" (Ef 4:4-6).

Descrevendo a Igreja em parábolas, o Salvador fala de um só rebanho, um só aprisco, uma


videira, e uma pedra de fundação da Igreja. Ele deu um só ensinamento, um único batismo,
e uma única comunhão. A unidade dos fiéis em Cristo contem o sujeito de Sua Oração de
Sumo Sacerdote antes de Seus sofrimentos na Cruz; o Senhor orou: "Para que todos sejam
um..." (Jo 17: 21).

A Igreja na terra tem um lado visível e um lado invisível. O lado invisível é: que sua
Cabeça é Cristo; que ela é animada pelo Espírito Santo; que ela é realizada a mística da
vida interior em santidade dos mais perfeitos de seus membros. No entanto, a Igreja, pela
natureza de seus membros, é visível; desde que ela é composta de homens em seus corpos;
ela tem uma hierarquia visível; ela executa orações e ações sagradas visivelmente; ela
confessa abertamente, por meio de palavras, a fé de Cristo.

A Igreja não perde sua unidade porque lado a lado com ela existem sociedades cristãs que
não pertencem a ela. Essas sociedades não estão na Igreja, elas estão fora dela.

A unidade da Igreja não é violada por conta de divisões temporárias de natureza não
dogmática. Diferença entre as Igrejas aparecem freqüentemente vindas de informações
insuficientes ou incorretas. Também, às vezes, uma quebra temporária de comunhão é
causada por erros pessoais de hierarcas individuais que estão na cabeça de uma ou outra
Igreja local; ou é causada pela violação por eles de canons da Igreja, ou pela violação da
submissão de um grupo eclesiástico territorial a outro de acordo com antigas tradições
estabelecidas. Além disso, ávida mostra a possibilidade de perturbações dentro de uma
Igreja local até a manifestação exterior e trunfo dos defensores da autentica verdade
ortodoxa. Finalmente, a ligação entre Igrejas pode às vezes ser violada por longos períodos
por condições políticas, como freqüentemente tem acontecido na história (Dois exemplos
da recente história da Igreja podem servir para ilustrar o caráter dessas divisões
temporárias. No começo do século XIX, quando a Grécia proclamou a sua independência
do Sultanato Turco, as partes da Igreja grega na própria Grécia e a Igreja grega na Turquia
tornaram-se divididas exteriormente. Quando o Patriarcado de Constantinopla, que ainda
estava sob autoridade turca, foi forçado a excomungar os "rebeldes" na Grécia, os
Ortodoxos na Grécia recusaram-se aceitar esse ato por ter sido feito sob coerção política,
mas eles não deixaram de olhar o Patriarca como um membro da Igreja Ortodoxa que eles,
nem tiveram dúvidas sobre se os atos sacramentais não políticos eram doadores de graça.
Essa divisão conduziu à formação hoje de duas Igrejas locais separadas (em completa
comunhão uma com a outra): a da Grécia e a de Constantinopla.

Nó século XX, na Igreja Ortodoxa russa, foi formada em 1927 pelo Metropolita Sérgio
(patriarcado de Moscou) uma administração da Igreja baseada na submissão aos ditames
dos governantes ateístas. Partes da Igreja na Rússia (a Igreja da Catacumba ou Verdadeira
Igreja Ortodoxa) e fora da Rússia (a Igreja Russa fora da Rússia) recusam-se até hoje a ter
comunhão com essa administração por sua dominação política pelos comunistas; mas os
Bispos da Igreja fora da Rússia (a respeito da Igreja da Catacumba é mais difícil fazer-se
uma afirmação geral) não negam a graça dos Mistérios do Patriarcado de Moscou e ainda
se sentem um com o clero e fies do Patriarcado que tentam não colaborar com os objetivos
comunistas. Quando o comunismo cair na Rússia, esses corpos da Igreja poderão mais uma
vez ter comunhão ou até mesmo se juntarem, deixando para um futuro Concílio livre todo
julgamento relativo ao período "Sergianista") Em tais casos, a divisão toca somente em
relações exteriores, mas não toca ou viola a unidade espiritual interior.

A verdade da Igreja Una é definida pela Ortodoxia de seus membros, e não pela sua
quantidade em um ou outro momento; São Gregório, o Teólogo escreveu a respeito à Igreja
Ortodoxa de Constantinopla antes do Segundo Concílio Ecumênico o seguinte:

"Esse campo foi uma vez pequeno e pobre ... Não foi nem mesmo um campo. Talvez ele
não fosse digno de celeiros, armazéns e foices. Nele não havia montes de feno nem
ajuntamento de nada, mas talvez só erva pequena e não amadurecida que cresce no telhado
com a qual "o segador não enche a sua mão," e que não chamam para si a benção daqueles
que passam (Salm 129:6 — 8). Tal era o nosso campo, a nossa colheita! No entanto ela é
grande, gorda e abundante diante daquele que vê o que está escondido... ainda, não é
conhecida entre o povo, não está reunida num lugar, mas é juntada pouco a pouco "como as
frutas de verão, como os rabiscos da vindima; não há cachos de uva para comer" (Miquéias
7:1). Assim era nossa pobreza e tristeza" (Sermão de despedida de São Gregório, o Teólogo
aos padres do Segundo Concílio Ecumênico).

"E aonde estão aqueles," diz São Gregório em outra homilia, "que nos recriminam por
nossa pobreza e estão orgulhosos de sua riqueza? Eles consideram um grande número de
pessoas ser um sinal da Igreja e desprezam o pequeno rebanho. Eles medem a divindade (o
santo tem em mente aqui os arianos, que ensinavam que o Filho de Deus era menos que o
Pai) pesando pessoas. Eles dão um grande valor a grãos de areias (isso é, as massas) e
desvalorizam os luminares. Eles guardam em seus tesouros pedras comuns, e desdenham
perolas" (São Gregório, o Teólogo, Homilia 3, contra os Arianos). Nas orações da Igreja
estão contidas petições pela cessação de possíveis desentendimentos entre as Igrejas: "Faz
com que acabem os cismas nas Igrejas...apressa-te a por termo às revoltas das heresias pelo
poder do Teu Espírito Santo" (Oração Eucarística na Liturgia de São Basílio, o Grande).
"Nós Te glorificamos ... Tu Uno na Trindade, e imploramos pelo perdão de pecados, paz no
mundo, e concórdia na Igreja... concebe paz e unidade à tua Igreja, é tu que amas a
humanidade " (Cânon das Noturnas de Domingo, To 8, cântico 9).

Sua santidade.
O Senhor Jesus Cristo cumpriu o trabalho de Seu ministério e morte na terra na Cruz;
Cristo "amou a Igreja ... para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem
ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível" (Ef 5:25-27). A Igreja é santa
através de sua Cabeça, o Senhor Jesus Cristo. É santa, também, através da presença nela do
Espírito Santo e Seus dons dados por graça, comunicados nos Mistérios e outros ritos
sagrados da Igreja. Ela é santa também através de sua ligação com a Igreja celeste.

O verdadeiro corpo da Igreja é santo: "E, se as primícias são santas, também a massa o é; se
a raiz é santa, também os ramos o são" (Ro 11:16). Na verdadeira Igreja sempre houve e
sempre há pessoas da mais elevada pureza espiritual e com dons especiais de graça —
mártires, virgens, ascetas, santos monges e monjas, hierarcas, justos, benditos. A Igreja tem
um não contado coro de pessoas partidas de todos os tempos. Ela tem manifestações dos
extraordinários dons do Espírito Santo, tanto visíveis quanto escondidos dos olhos do
mundo.

A Igreja é santa pelo seu chamado, ou seu propósito. Ela é santa também por seus frutos:
"...tendes o vosso fruto para santificação, e por fim a vida eterna" (Ro 6:22), como o
Apóstolo Paulo nos instrui.

A Igreja é santa também através de seu puro e infalível ensinamento da fé: a Igreja do Deus
vivo e, de acordo com a palavra de Deus, "a coluna e firmeza da verdade" (1 Tim 3:15). Os
Patriarcas das Igrejas Orientais, considerando a infabilidade da Igreja em seu ensinamento,
se expressam assim: "dizendo que o ensinamento da Igreja é infalível, nós não afirmamos
nada mais que isso, que é imutável, que é o mesmo que foi dado a ela no inicio como o
ensinamento de Deus" (Encíclica dos Patriarcas Orientais, 1848, parágrafo 12).

A santidade da Igreja não é obscurecida pela intrusão do mundo na Igreja, ou pela


pecabilidade dos homens, Tudo que é pecaminoso ou mundano que se introduz na esfera da
Igreja permanece estranho a ela e é destinado a ser peneirado para fora e destruído, como
erva daninha na época de plantio. A opinião que a Igreja consiste só de pessoas justas e
santas sem pecado não coincide com o ensinamento direto de Cristo e seus Apóstolos. O
Salvador compara a Sua Igreja com um campo onde o trigo cresce juntamente com o joio, e
outra vez, com uma rede que tira dá água dons e maus peixes. Na Igreja há bons e maus
servos (Mt 18:23-35), virgens sábias e loucas (Mt 25:1-13). "Nós acreditamos," estabelece
a Encíclica dos Patriarcas Orientais, "que os membros da Igreja Católica são todos os fieis,
e somente os fieis, isto é, aqueles que sem duvida confessam a fé pura no Salvador Cristo (a
fé que nós recebemos do próprio Cristo, dos Apóstolos e dos santos Concílios
Ecumênicos), ainda que alguns fiéis possam se submeter a vários pecados. A Igreja os
julga, chama-os ao arrependimento, e os conduz aos caminhos dos mandamentos salvíficos.
É por isso apesar do fato que eles são sujeitos aos pecados, eles permanecem e são
reconhecidos como membros da Igreja Católica enquanto não se tornarem apóstatas e
enquanto mantiverem a fé Católica-Ortodoxa."

Mas há uma fronteira, que se os pecadores ultrapassarem, eles, como membros mortos, são
cortados do corpo da Igreja, seja por um ato visível da autoridade da Igreja ou por ato
invisível do julgamento de Deus. Assim, aqueles que não pertencem à Igreja que são
ateístas ou apóstatas da fé Cristã, aqueles que são pecadores caracterizados por uma
teimosia consciente e falta de arrependimento por seus pecados, como é dito no Catecismo
(artigo nono). Também entre aqueles que não pertencem a Igreja há heréticos que
corromperam nossos dogmas fundamentais da fé; cismáticos que por vontade própria se
separaram da Igreja (o Cânon 33 do Concílio de Laodicéia proíbe a oração com
cismáticos). São Basílio, o Grande explica: "os antigos distinguiam entre heresia, cisma e
assembléias arbitrárias. Eles chamavam heréticos aqueles que tinham se cortado
completamente para fora e tinham se tornado estranhos na fé em si; chamavam-se
cismáticos aqueles que haviam se separado por iniciativa própria por opiniões a respeito de
certos assuntos eclesiásticos e em questões que permitiam tratamento e cura; eles
chamavam de assembléias ordinárias aquelas reuniões compostas de padres ou bispos
desobedientes e povo não instruído."

A tradição da Igreja é irreconciliável com falsos ensinamentos e heresias. Por isso a Igreja
guarda estritamente a pureza da verdade e ela mesma exclui os heréticos de seu meio.

Sua catolicidade.

No texto grego do Símbolo da Fé de Nicéia-Constantinopla (o Credo), a Igreja é chamada


de "católica" (na tradução eslavônica, sobornaya). Qual é o significado dessa palavra
grega?

A palavra catholikos em grego antigo, na literatura pré-Cristã é encontrada muito


raramente. No entanto, a Igreja Cristã desde a antigüidade escolheu essa palavra para
significar um dos principais atributos da Igreja, nomeadamente, para expressar seu caráter
universal. Ainda que ela tivesse a disposição palavras como cosmos (o mundo), ou
oikoumene (a terra habitada), evidentemente essas palavras eram insuficientes para
expressar um certo conceito novo que está presente só na consciência Cristã. Nos antigos
Símbolos de fé, aonde a palavra "Igreja" aparece, é sem falha com a definição "católica."
Assim, no Símbolo da Fé de Jerusalém nós lemos: "e em uma, santa, católica Igreja." No
símbolo de Roma: "Na santa, católica Igreja, a comunhão dos santos"; etc. Na literatura
cristã antiga, esse termo é encontrado muitas vezes em São Inácio, o Portador de Deus, um
padre apostólico, por exemplo quando ele diz : "Onde Jesus Cristo está, lá está a Igreja
Católica." Esse termo é encontrado constantemente nos Atos de todos os Concílios
Ecumênicos. Na tradução direta da palavra, ela significa o mais alto grau de abrangência,
totalidade, plenitude (sendo derivada de cath ola, significando "inteiramente o todo").

Lado a lado com esse termo, também era usada com o significado de "universal," a palavra
oikoumenicos. Esses dois termos não eram misturados. Os Concílios Ecumênicos
receberam o título de oikomenicos synodos de oikoumenicos significando toda terra
habitada — na verdade, a terra que pertencia à civilização greco-romana.

A Igreja é católica. Isso corresponde às palavras apostólicas, "... a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos" (Ef 1:23). Esse conceito indica que toda a raça humana é chamada
para a salvação e portanto rodos os homens são comprometidos a serem membros da Igreja
de Cristo, apesar de nem todos pertencerem a ela de fato.
O grande Catecismo Ortodoxo, respondendo a pergunta, "porque a Igreja é chamada
católica, ou seja, universal?" responde : "porque ela não é limitada a qualquer lugar, nem
tempo, nem povo, mas contém fieis verdadeiros de todos os lugares, tempos e povos"
(Eastern Orthodox Books Ed, p 50).

A Igreja não é limitada por lugar. Ela abrange em si todas as pessoas que acreditam na
maneira Ortodoxa, morem aonde quer que seja na terra. De outro lado é essencial ter-se em
mente que a Igreja era católica mesmo quando ela era composta de um numero limitado de
comunidades, e também quando no dia de Pentecostes, seus limites não se estendiam além
do salão superior de Sião e Jerusalém.

A Igreja não é limitada pelo tempo: ela foi pré-ordenada a trazer pessoas para a fé "até o
final do mundo...." "...e eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos"
(Mt 28:20). O Espírito, o Consolador, "Ficará convosco para sempre" (Jo 14:16). O
Mistério da Eucaristia será cumprido até que o Senhor venha outra vez para a terra (1 Co
11:26).

A Igreja não é limitada por nenhuma condição de ordem civil, nem por uma língua ou povo
definido.

A Igreja Apostólica.

A Igreja é chamada "Apostólica" porque os Apóstolos fizeram o inicio histórico dela. Eles
espalharam Cristianismo até os confins da terra e quase todos eles selaram sua pregação
com uma morte por martírio. As sementes do Cristianismo foram semeadas no mundo pelas
palavras deles e regadas com seu sangue. A chama inextinguível da fé no mundo eles
acenderam pelo poder se sua fé pessoal.

Os Apóstolos preservaram e transmitiram para a Igreja o ensinamento da fé e da vida Cristã


na forma que eles haviam recebido de seu Mestre e Senhor. Dando em si próprios o
exemplo de cumprimento dos comandos do Evangelho eles entregaram aos fieis o
ensinamento de Cristo pela palavra da boca baseada na Sagrada Escritura para que ele fosse
preservado, confessado e vivido.

Os Apóstolos estabeleceram na Igreja a graça da sucessão episcopal, e através dela a


sucessão de graça para todo o ministério da hierarquia da Igreja. Eles colocaram o inicio da
realização dos santos Mistérios do Corpo e Sangue de Cristo, no Batismo e Ordenação.

Os Apóstolos estabeleceram o inicio da estrutura canônica da vida da Igreja, estando


preocupados que tudo deveria ser feito decentemente e em ordem; um exemplo disso é
dado no capitulo catorze da Primeira Epistola aos Coríntios, que contém instruções para a
as assembléias onde os Ofícios da Igreja são celebrados.

Tudo que dissemos refere-se ao aspecto histórico. Mas além disso existe outro aspecto, o
interior que dá a Igreja uma qualidade apostólica. Os Apóstolos não estiveram
historicamente na Igreja de Cristo; eles permaneceram nela e estão nela agora. Eles
estiveram na Igreja terrestre, e estão agora na Igreja celeste, continuando a estar em
comunhão com os fiéis na terra. Sendo o núcleo histórico da Igreja, continuam a ser,
estando espiritualmente vivos, apesar de invisíveis, o núcleo da Igreja, agora e sempre, na
constante existência dela. O Apóstolo João, o Teólogo escreve: "...e nós anunciamos, para
que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho
Jesus Cristo" (1 Jo 1:3). Essas palavras tem para nós a mesma força que elas tiveram para
os contemporâneos dos Apóstolos; elas contêm uma exortação para nós estarmos em
comunhão com a ordem dos Apóstolos, pois a proximidade dos Apóstolos com a
Santíssima Trindade é maior que a nossa.

Assim, tanto por razões de caráter histórico quanto por razões de caráter interior, os
Apóstolos constituem a base, fundação da Igreja. Por essa razão é dito na Igreja: ela é
"Edificada sobre o fundamento dos Apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a
principal pedra de esquina" (Ef 2:20). A nomeação da Igreja como "Apostólica" indica que
ela é estabelecida não sobre só um Apóstolo (como a Igreja Romana mais tarde veio a
pensar), mas sobre todos os doze; de outra forma ela teria que ter o nome de Pedro, ou
João, ou de algum outro. A Igreja como ela estava adiante do tempo nos preveniu contra
pensar de acordo com um principio "carnal" (1 Co 3:4): "Eu sou de Paulo, e outro, eu sou
de Apolo." No Apocalipse, a respeito da cidade que descia do céu é dito: "E o muro da
cidade tinha doze fundamentos, e neles os nomes dos doze Apóstolos do Cordeiro" (Ap
21:14).

Os atributos da Igreja indicados no Símbolo da Fé: "una, santa, católica, apostólica,"


referindo-se à Igreja militante. No entanto, eles recebem seu significado completo com a
consciência da unicidade dessa Igreja com a Igreja celeste do único Corpo de Cristo: a
Igreja é una, com uma unidade que é tanto celeste, quanto terrestre; e é santa com uma
santidade celeste-terrestre; e é católica apostólica pela sua ligação inquebrantável com os
Apóstolos e todos os santos.

O ensinamento Ortodoxo da Igreja, que é nele próprio muito claro e repousa sobre a
Sagrada Escritura e a Sagrada Tradição, tem que ser contrastado com outro conceito que
está largamente espalhado no mundo protestante contemporâneo e que tem penetrado até
em círculos Ortodoxos. De acordo com esse diferente conceito, todas as várias
organizações Cristãs existentes, as assim chamadas "confissões" e "seitas" ainda que
estejam separadas uma das outras, ainda assim compõe uma única "Igreja Invisível," desde
que cada uma delas confessa Cristo como Filho de Deus e aceita Seu Evangelho.

A disseminação de tal visão é ajudada pelo fato que lado a lado com a Igreja Ortodoxa
existe fora dela um número de Cristãos que excedem em muitas vezes o número de
membros da Igreja Ortodoxa . Com freqüência nós podemos observar nesse mundo Cristão
fora da Igreja um fervor religioso e uma fé, uma vida moral digna, uma convicção — na
direção do fanatismo — um comportamento correto, uma organização e uma ampla
atividade caritativa. Qual é a relação de todos eles com a Igreja de Cristo?

Com certeza, não existe razão para olharmos essas confissões e seitas como no mesmo
nível que as religiões não-Cristãs. Não se pode negar que a leitura da palavra de Deus tem
uma influência benéfica em qualquer um que nela procurar instrução e reforço da fé, e que
reflexão devota sobre Deus o Criador e sobre o Provedor e Salvador, tem um poder
elevador também entre os Protestantes. Nós não podemos dizer que as orações deles são
totalmente infrutíferas se elas vem de um coração puro, pois "em qualquer nação aquele
que teme o Senhor, é agradável a Ele" (At 10:35 paráfrase). O Onipresente e Bom Provedor
Deus está sobre eles, e eles não estão privados da misericórdia de Deus. Eles ajudam a
restringir a aproximação moral, vícios e crimes; e eles se opõem ao espalhamento do
ateísmo.

Mas tudo isso não nos dá base para considera-los como pertencendo à Igreja. Já o fato que
uma parte desse amplo mundo Cristão fora da Igreja, particularmente o Protestantismo
todo, nega a ligação com a Igreja Celeste, isto é, a veneração em oração da Mãe de Deus e
dos santos, e da mesma forma orações feitas pelos mortos, indica que eles destruíram a
ligação com o Uno Corpo de Cristo que une em si o celeste e o terrestre. Além disso, é um
fato que essas confissões não-Ortodoxas "romperam" de uma ou outra forma, direta ou
indiretamente, com a Igreja Ortodoxa, com a Igreja em sua forma histórica; eles mesmos
cortaram a ligação, eles "partiram" dela. Nem nós nem eles temos o direito de fechar os
olhos para esse fato. O ensinamento dos Não-Ortodoxos contêm heresias que foram
decididamente rejeitadas e condenadas pela Igreja em seus Concílios Ecumênicos. Nesses
numerosos ramos do Cristianismo não há unidade, nem interior, nem exterior — seja com a
Igreja Ortodoxa ou entre eles mesmos. A unificação supra-confessional (o "movimento
ecumenista") que está se observando agora não entra nas profundezas da vida dessas
confissões mas tem um caráter exterior. O termo "invisível" pode se referir somente à
Igreja celeste. A Igreja na terra, ainda que tenha seu lado invisível, como um barco que tem
uma parte escondida na água e é invisível aos olhos, ainda permanece visível, porque ela
consiste de pessoas e tem formas visíveis de organização e de atividades sagradas.

Por conseguinte é muito natural afirmar que essas organizações religiosas são sociedades
que estão "perto," ou "proximidade," "encostada," ou talvez até mesmo "contígua" a Igreja,
mas às vezes "contra" ela; mas elas estão todas "fora" da Una Igreja de Cristo. Algumas
vezes cortaram-se da Igreja, outras foram para longe. Algumas ao ir embora, ao mesmo
tempo mantiveram ligações de sangue com a Igreja. Outras perderam todo parentesco, e
nelas o verdadeiro espírito e as bases do Cristianismo foram distorcidas. Nenhuma delas
encontra-se sob a atividade da graça que está presente na Igreja, e especialmente a graça
que é dada nos mistérios da Igreja. Elas não são nutridas por aquela mesa mística que
conduz ao longo dos passos da perfeição moral.

A tendência na sociedade cultural contemporânea de colocar todas as confissões no mesmo


nível não é limitada ao Cristianismo; nesse mesmo nível igual para todos são colocadas
também as religiões não-Cristãs, baseado no fato que todas "conduzem a Deus," e além
tomadas todas juntas, elas superam largamente o mundo Cristão em numero de membros.

Todas essas visões "unitilizadoras" e "equalizadoras" indicam um esquecimento do


princípio de que podem existir muitos ensinamentos e opiniões, mas existe uma só verdade.
E a união Cristã autentica — unidade na Igreja — só pode ser baseada na unidade de mente
e não em diferenças de mente. A Igreja é "a coluna e firmeza da verdade" (1 Tim 3:15).
A hierarquia da Igreja.

Todos os membros da Igreja de Cristo forma um único rebanho de Deus. Todos são iguais
perante o julgamento de Deus. Porém, assim como as partes do corpo tem diferentes
funções, na vida do organismo, e assim como numa casa cada parte tem um uso próprio,
assim também na Igreja existem vários cargos. O cargo mais elevado na Igreja como uma
organização é gerado pela hierarquia, que é distinta dos membros comuns.

A hierarquia foi estabelecida pelo Senhor Jesus Cristo. Ele "... deu uns para Apóstolos, e
outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores. Querendo
o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo.
Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão
perfeito, à medida da estatura completa de Cristo" (Ef 4:11-13).

Ninguém na Igreja pode tomar sobre si próprio o ministério hierárquico, mas só aquele que
é chamado e legalmente colocado através do Ministério da Ordenação. "E ninguém toma
para si esta honra, senão o que é chamado por Deus, como Aarão" (Heb 5:4). Não importa
quão elevada seja a vida moral que um homem leve, ele não pode preencher o ministério
hierárquico sem uma consagração especial. Não é possível, portanto, traçar um paralelo
entre o grau moral de um homem e o grau de seu nível na hierarquia. Aqui uma perfeita
correspondência é desejável mas nem sempre é obtida.

Apóstolos.

O Senhor Jesus Cristo durante Seu ministério terrestre escolheu dentre Seus seguidores
doze discípulos — os Apóstolos (aqueles "enviados para longe") — dando-lhes dons
espirituais especiais e uma autoridade especial. Aparecendo a eles depois de Sua
Ressurreição, Ele disse a eles: "... assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós.
E havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. Aqueles a
quem perdoardes os pecados, os pecados lhe serão perdoados: e aqueles a quem os
retiverdes lhes serão retidos" (Jo 20:21-23). Essas palavras significam que é essencial ser
enviado do alto de modo a preencher o ministério Apostólico, assim como o ministério
pastoral que se segue depois. O escopo desses ministérios é expresso nas palavras finais do
Senhor para Seus discípulos antes de Sua Ascensão: "Portanto ide, ensinai todas as nações
batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a guardar todas as
coisas que eu vos tenho mandado e eis que eu estou com vocês todos os dias, até a
consumação dos séculos. Amém" (Mt 28:19-20). Nessas palavras finais o Salvador indica o
triplo ministério dos Apóstolos em sua missão: 1) ensinar, 2) executar funções sagradas
(batizar), e 3) governar ("ensinando-os a guardar toda as coisas"). E nas palavras "eu estou
convosco, até a consumação dos séculos" Ele abençoa o trabalho pastoral dos sucessores
por todos os tempos até o final dos séculos, até que a existência da Igreja terrestre tenha
chegado ao fim. As palavras do Senhor citadas anteriormente "Recebei o Espírito Santo"
(Jo 20:21), testemunham que essa autoridade de pastoreio é inseparavelmente unida com
dons especiais na graça do Espírito Santo. Os três ministérios hierárquicos estão unidos
num único conceito de pastores, de acordo com a expressão do Senhor: "Apascenta as
minhas ovelhas... apascenta as minhas ovelhas" (Jo 21:16-17), e dos Apóstolos:
"Apascentai o rebanho de Deus" (1 Pe 5:2).

Os Apóstolos estiveram sempre citando a idéia da instituição Divina da hierarquia. Foi por
um rito especial que o Apóstolo Matias foi juntado à ordem dos doze no lugar de Judas que
havia caído fora (At 1). Esse rito foi a escolha de pessoas dignas, seguida por orações e por
lançamentos de sortes. Os Apóstolos escolheram sucessores para si próprios através da
ordenação. Esses sucessores foram os bispos.

Bispos.

O Apóstolo Paulo escreve a Timóteo, "não desprezes o dom que há em ti, o qual te foi dado
por profecia, com a imposição das mãos do presbitério" (1 Tim 4:14). E em outro lugar o
Apóstolo escreve para ele: "Por cujo motivo te lembro que despertes o dom de Deus que
existe em ti pela imposição das minhas mãos" (2 Tim 1:6). A Timóteo e Tito, Bispos de
Éfeso e Creta, é dado o poder de fazer padres: "Por esta causa te deixei em Creta, para que
pusesses em boa ordem as coisas que ainda restam, e de cidade em cidade estabelecesses
presbíteros, como já te mandei" (Tit 1:5). Da mesma forma foi dado a eles do direito de dar
méritos aos presbíteros: "Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de
duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina. Porque diz a
Escritura: Não ligarás a boca ao boi que debulha. E: digno é o obreiro de seu salário" (1
Tim 5:17-18). Da mesma forma eles têm o direito de examinar acusações contra os
presbíteros : "Não aceites acusação contra o presbítero, senão com duas ou três
testemunhas" (1 Tim 5:19).

Assim os Apóstolos — aqueles que precisamente eram chamados para o mais alto
ministério na Igreja pelo próprio Senhor — colocaram Bispos como seus sucessores
imediatos, e continuadores, e presbíteros como seus próprios auxiliares e como auxiliadores
dos Bispos, como as "mãos" dos Bispos, deixando a questão de ordenação dos presbíteros
com os Bispos.

Presbíteros (padres).

Presbíteros (literalmente "anciões") foram nos tempos apostólicos e em todo tempo


subseqüente — e são hoje em dia — o segundo grau da hierarquia. Os apóstolos Paulo e
Barnabé, como relata o livro dos Atos, passando por Listra, Antioquia e Icônio, ordenaram
presbíteros em cada Igreja (At 14:23). Para a solução da questão acerca da circuncisão, foi
enviada uma embaixada a Jerusalém, para os Apóstolos e os presbíteros em Jerusalém (At
15:2). No Concílio dos Apóstolos, os presbíteros ocuparam um lugar junto com os
Apóstolos (At 15:6).

Depois, o Apóstolo Tiago instrui: "Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da
Igreja e orem sobre ele, ungindo-o com azeite em nome do Senhor" (Tg 5:14). Da instrução
do Apóstolo Tiago nós vemos que 1) presbíteros executavam ritos sagrados da Igreja, e 2)
na Igreja do início podia haver vários presbíteros em cada comunidade, enquanto só um
Bispo era indicado para uma cidade e a região em torno dela.
No capítulo vinte e um do livro dos Atos, é relatado que quando o Apóstolo Paulo voltou a
Jerusalém depois da terceira viagem Apostólica e visitou Tiago, todos os presbíteros
vieram, significando que eles fizeram uma reunião especial da Igreja. Eles repetiram aos
ouvidos de Paulo o decreto do Concílio Apostólico a respeito da não-circuncisão dos
pagãos; mas eles pediram a Paulo que executasse o rito de sua própria purificação, para
evitar a recriminação de que ele tinha renunciado ao nome de Judeu.

Nos escritos Apostólicos os dois nomes de "Bispo" e "presbítero" não estão sempre
distinguidos. Assim, de acordo com o livro dos Atos o Apóstolo Paulo chamou em Mileto,
os "presbíteros da Igreja" de Éfeso (At 20:17) e instruindo-os ele disse : "Olhai pois por
vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constitui Bispos, para apascentar a
Igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue" (At 20:28). No entanto, dessas
expressões e de outras similares não se pode concluir que na época dos Apóstolos os dois
graus — Bispo e presbítero — estavam juntados em um. Isso só mostra que no primeiro
século a terminologia da Igreja não estava tão padronizada como tornou-se depois, e a
palavra "Bispo" era usada em dois sentidos: às vezes no significado especial de grau mais
elevado da hierarquia, e às vezes no significado usual e geral de "inspetor" ou "supervisor,
de acordo com o uso grego daquele tempo. Na nossa terminologia diária na Rússia também,
por exemplo, a palavra "inspecionar" está longe de significar que alguém tem
necessariamente o grau de inspetor (Um "inspetor" é o oficial encarregado de supervisionar
a boa ordem geral em seminários Ortodoxos).

Diáconos.

O terceiro grau hierárquico na Igreja é o dos diáconos. Diácono, sete em número foram
escolhidos pela comunidade de Jerusalém e ordenados pelos Apóstolos, como lemos no
sexto capítulo do livro dos Atos. Sua primeira função era ajudar os Apóstolos numa
atividade prática secundária: eles eram encarregados de "servir as mesas" — dar comida, e
estar preocupados com as viúvas. Esses sete homens foram mais tarde chamados de
diáconos, apesar de no sexto capítulo do livro de Atos, esse nome não ser ainda usado.

De epístolas pastorais fica aparente que os diáconos eram apontados pelos Bispos (1 Tim
3:8-13). De acordo com o livro dos Atos, para o ministério de diácono eram escolhidas as
pessoas "enchidas com o Espírito Santo e sabedoria." Eles tomavam parte na pregação,
como fé, Santo Estevão, que selou sua pregação de Cristo com seu martírio de sangue; e
como São Felipe que realizou o batismo do eunuco (At 8:5 e 38). Na Epístola aos
Felipenses, o Apóstolo Paulo manda saudações aos "Bispos e diáconos" (1:1), como
portadores da graça do ministério hierárquico, auxiliares dos Bispos.

São Justino o Mártir escreve: "Os chamados diáconos entre nós dão a cada um dos que
estão presentes comunhão do pão sobre o qual foi realizado o agradecimento (Eucaristia) e
do vinho e da água, e eles levam o pão, vinho e água para aqueles que estão ausentes." Isso
significa que eles distribuíam e levavam para fiéis não só comida, mas também os dos
Eucarísticos. O seu ministério, portanto, era limitado na Igreja antiga, como é agora, aos
Divinos ofícios e ao dar a graça.
No Concílio de Neo-Cesaréia em 314, foi necessário que o numero de diáconos numa
comunidade, mesmo numa cidade grande, não devia exceder sete, citando a passagem do
livro dos Atos. Na literatura da Igreja antiga, às vezes Bispos e diáconos são citados sem
menção de presbíteros, aparentemente em vista do fato que os próprios Bispos eram os
representantes das comunidades nas cidades, enquanto aos presbíteros era dado o ministério
das comunidades fora das cidades.

Os três degraus da hierarquia.

Então a hierarquia da Igreja é composta de três degraus. Nenhum dos três graus pode ser
tomado somente pelo desejo pessoal de alguém; eles são dados pela Igreja, e a indicação
para eles é executada pela benção de Deus através da ordenação de um Bispo.

Todo os três graus de sacerdócio são indispensáveis para a Igreja. Mesmo que uma pequena
comunidade tenha como representantes da hierarquia somente um ou dois dos graus (um
padre, um padre e um diácono, dois padres, etc), ainda, na Igreja como um todo, e mesmo
na Igreja local, é essencial que exista a totalidade da hierarquia. O Padre Apostólico, Santo
Inácio, expressa em suas epístolas o testemunho da preocupação da Igreja antiga com isso.
Ele escreve: "É essencial, como de fato vós estais agindo, não se fazer nada sem o Bispo.
Da mesma forma, obedecei os presbíteros como Apóstolos de Jesus Cristo — nossa
esperança, em quem Deus conceda que vivamos. E todos deveriam cooperar de todas as
maneiras com os diáconos que servem os ministros dos Mistérios de Jesus Cristo, pois eles
não são ministros de comida e bebida, mas servos da Igreja de Deus." "Todos vós deveríeis
reverenciar os diáconos, como um mandamento de Jesus Cristo, o Filho do Deus Pai, e os
presbíteros como a assembléia de Deus, como o coro dos Apóstolos. Sem eles não há
Igreja" (Inácio, o Portador de Deus, Epistle to the Trallians, par. 2; To The Smyrneans, par.
8). Na expressão de Tertuliano, "sem Bispos não há Igreja" (Tertuliano, "Against Marcian,"
part 4, chap 5).

Entre os Bispos há alguns que são líderes por sua posição, mas não por sua dignidade
hierárquica, dada por graça. Assim era também entre os Apóstolos. Apesar de entre os
Apóstolos existirem aqueles que eram especialmente venerados e renomados, reverenciados
como colunas (Ga 2:2,9), ainda assim todos eram essencialmente iguais, no seu grau
apostólico. "Porque penso que em nada fui inferior aos mais excelentes apóstolos" (2 Co
11:5, 12:11), o Apóstolo Paulo declara duas vezes, adicionando: "ainda que nada sou." As
relações mútuas nos Apóstolos foram construídas sobre bases de igualdade hierárquica.
Tocando em sua viagem para Jerusalém para encontrar os mais renomados Apóstolos,
Tiago, Pedro e João, o Apóstolo Paulo explica que ele foi "por revelação," testando a si
próprio pela consciência católica dos Apóstolos, mas não pela visão pessoal de nenhum
entre os mais renomados. "E quanto àqueles que pareciam ser alguma coisa (quais tenham
sido noutro tempo, não se me dá; Deus não aceita a aparência do homem)" (Ga 2:6). E
como para pessoas separadas, o Apóstolo Paulo escreve: "E chegando Pedro à Antioquia,
lhe resisti na cara, porque era repreensível" (por sua atitude para com os Cristãos não
circuncisados; Gal 2:11). As mesmas relações mútuas de acordo com o princípio da
igualdade hierárquica dada por graça permanecem para sempre na Igreja entre os
sucessores dos Apóstolos — os Bispos.
Os Concílios da Igreja.

Quando entre os Apóstolos surgiu a necessidade de apelar para uma voz autoritária mais
alta ou para um julgamento — isso foi com relação aos importantes mal entendidos que
surgiram em Antioquia com respeito à aplicação do ritual da lei de Moisés — os Apóstolos
reuniram-se em um Concílio em Jerusalém (At 15), e os decretos desse Concílio foram
reconhecidos como obrigatórios para a Igreja toda (At 16:4). Por esta atitude os Apóstolos
deram um exemplo de resolução conciliar das mais importantes questões da Igreja para
todos os tempos.

Assim o mais elevado órgão de autoridade na Igreja, e a mais alta autoridade em geral é um
Concílio de Bispos; para uma Igreja local é um Concílio de seus Bispos locais, e para a
Igreja Ecumênica, um Concílio de Bispos de toda a Igreja.

A ininterruptibilidade do episcopado.

A sucessão dos Apóstolos e a ininterruptibilidade do episcopado constituem um dos lados


essenciais da Igreja. E ao contrário: a ausência da sucessão episcopal em uma ou outra
denominação Cristã deriva-se de um atributo da verdadeira Igreja, mesmo que nelas esteja
presente um ensinamento dogmático não distorcido. Tal entendimento esteve presente na
Igreja desde seu início. Da história da Igreja de Eusébio de Cesaréia nós sabemos que todas
as Igrejas Cristãs locais antigas preservaram listas de seus Bispos em sua sucessão não
interrompida.

Santo Irineu de Lyon escreve: "Nós podemos enumerar aqueles que foram apontados como
Bispos das Igrejas pelos Apóstolos, e seus sucessores até o nosso tempo." E, de fato, ele
enumera em ordem a sucessão dos Bispos da Igreja Romana quase até o fim do segundo
século" (Against Heresies, pt 3, ch3).

A mesma visão da importância da sucessão é expressa por Tertuliano. Ele escreveu a


respeito dos heréticos de seu tempo: "que eles mostrem o começo de suas Igrejas, e revelem
a série de seus Bispos que devem continuar em sucessão de modo que seu primeiro Bispo
tenha tido como sua causa ou predecessor um dos Apóstolos ou um dos Padres Apostólicos
que esteve muito tempo com os Apóstolos. Pois as Igrejas Apostólicas guardam as listas de
(de Bispos) precisamente dessa forma. A Igreja de Smirna, por exemplo, apresenta
Policarpo, que foi apontado por João; a Igreja de Roma aponta Clemente, que foi ordenado
por Pedro; e da mesma forma as outras Igrejas também apontam para aqueles homens como
rebentos da semente Apostólica" (Tertuliano, "Concerning the Prescriptions" contra os
heréticos).

O aspecto pastoral da Igreja.

"Que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e dispenseiros dos ministérios
de Deus ... Todavia, a mim pouco se me dá ser julgado por nós, ou por algum juízo
humano...; pois quem me julga é o Senhor" (1 Co 4:1-4).
"Aos presbíteros que estão entre vós admoesto eu, que sou também presbítero com eles, e
testemunha das aflições de Cristo, e participante da glória que se há de revelar. Apascenta o
rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele, não por força, mas tendo domínio
sobre a herança de Deus, mas servido de exemplo ao rebanho" (1 Pe 5:1-3).

"Lembrai-vos os vossos pastores, que vos falaram a palavra de Deus, a fé dos quais imitais,
atentando para sua maneira de viver" (Heb 13:7).

"Obedecei a vossos pastores, e sujeita-vos a eles; porque velam por vossas almas, como
aqueles que hão de dar contas delas; para que o façam com alegria e não gemendo, porque
isso não vos seria útil" (Heb 13:17).

8. Os Santos Mistérios ou Sacramentos.


A vida na Igreja no Espírito Santo. A nova vida. A graça Divina. A providência de Deus e a
graça. Os Mistérios ou Sacramentos. Batismo. O significado do Mistério. Os meios de
realização do Mistério. A indispensabilidade do Batismo. Batismo: a porta para a recepção
de outros dons. Crisma. Os meios originais de execução desse Mistério. Crisma e
Santificação. A Eucaristia. As palavras do Salvador sobre esses Mistérios. O
estabelecimento do Mistério e sua execução nos tempos apostólicos. A mudança do pão e
do vinho no Mistério da Eucaristia. A maneira em que Jesus Cristo permanece nos Santos
Dons. A Eucaristia e a Cruz. O significado da Eucaristia como um sacrifício. Conclusões de
um caráter litúrgico. A necessidade da Comunhão. Arrependimento. A instituição do
Mistério. Penitência. A visão Católico Romana. Sacerdócio. A essência e as palavras da
efetuação do Mistério. O celibato dos Bispos. Casamento. O significado do Mistério. O
momento central do Mistério. Matrimônio como instituição divina. A indissolubilidade do
matrimônio. Santa Unção. A essência do Mistério. A divina instituição do Mistério. Unção
entre os Protestantes e os Católicos Romanos.

A vida da Igreja no Espírito Santo.


A nova vida.

A Igreja é cercada pelo mundo pecador e não-iluminado; no entanto, ela própria é uma
nova criação e ela cria uma nova vida. E todo membro dela é chamado a receber e criar em
si mesmo essa nova vida. Essa nova vida deveria ser precedida de um rompimento por parte
do futuro membro da Igreja com a vida "do mundo." Porém, quando se fala do romper com
"o mundo," isso não significa ir embora totalmente da vida na terra, do meio do resto da
humanidade, que freqüentemente é descrente e corrupta; pois então, escreve o Apóstolo
Paulo, "vos seria necessário sair do mundo" (1 Co 5:10). No entanto, para entrar na Igreja
deve-se claramente e diretamente renunciar ao diabo; pois não se pode servir a dois
senhores. Deve-se limpar do fermento velho para ser uma nova massa (1 Co 5:7).

Portanto, da mais profunda antigüidade Cristã o momento da entrada na Igreja tem sido
precedido por uma especial "renúncia ao diabo," após o que se segue o Batismo com a
limpeza da mácula do pecado. A respeito disso lê-se em detalhe nas Leituras Catequéticas
de São Cirilo de Jerusalém. Nessas homilias aos catecúmenos nós vemos que as "orações
de exorcismo," significando o banimento do demônio, que estão presentes no Ofício
Ortodoxo do Batismo, e a "renuncia de satan" pela pessoa vinda para o batismo, estão
muito próximas em conteúdo ao rito da Igreja antiga. Após isso é aberta a entrada no Reino
da graça, o nascimento para uma nova vida "pela água e pelo Espírito," a respeito da qual o
Salvador ensinou em conversa com Nicodemos (Jo 3:5-6).

Como ocorre o crescimento nessa vida subseqüentemente, nós sabemos isso também das
palavras do Salvador: "O Reino de Deus é assim como se um homem lançasse semente à
terra, e dormisse, e se levantasse de noite e de dia, e a semente brotasse e crescesse, não
sabendo ele como, porque a terra por si mesma frutifica, primeiro a erva, depois a espiga,
por último o grão cheio na espiga" (Mc 4:26-28). Assim toda essa nova vida — se só é
recebida interiormente, se se deseja sinceramente permanecer nela, se de nossa parte são
aplicados esforços para preserva-la — age em nós com o poder místico do Espírito Santo,
apesar desse processo invisível quase não ser sentido por nós.

A vida toda da Igreja é penetrada pelas ações místicas do Espírito Santo. "A causa de toda
preservação está no Espírito Santo. Se Ele julga adequado soprar em um homem, Ele eleva
esse homem acima de todas as coisas da terra, faz ele crescer, e assenta-o no alto"
(Antífona de matinas de Domingo, tom 6); por isso, toda oração da Igreja, seja pública ou
privada, começa com a oração do Espírito Santo: "Rei dos Céus, Consolador, Espírito de
Verdade, Tu que estás presente em tudo e enches tudo, Tesouro de bens e Doador da vida,
vem e habita em nós....." Assim como chuva e orvalho, caindo na terra vivifica e nutre e faz
crescer todo tipo de coisa crescente, assim os poderes do Espírito Santo agem na Igreja.

Nas Epístolas Apostólicas, as ações do Espírito santo são chamadas "excelência do poder"
(literalmente, "poder superabundante" 2 Co 4:7), "divino poder" (2 Pe 1:3), ou "pelo
Espírito Santo." Mas mais freqüentemente que todas elas, são significadas pela palavra
"graça." Aqueles que entraram na Igreja entraram no Reino da graça, e eles são convidados
a "chegar com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e
achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno" (Heb 4:16).

A graça Divina.

A palavra "graça" é usada na Sagrada Escritura com vários significados. Às vezes ela
significa em geral a misericórdia de Deus: "Deus é o Deus de toda a graça" (1 Pe 3:10).
Nesse, seu mais amplo significado, graça é a boa vontade de Deus para com os homens de
vida digna em todas as eras da humanidade, e particularmente para com os justos do Velho
Testamento como Abel, Enoch, Noé, Abrahão, o Profeta Moisés, e os últimos profetas.

No significado mais preciso, o conceito de graça refere-se ao Novo Testamento. Aqui no


Novo Testamento nós distinguimos dois significados fundamentais desse conceito.
Primeiro, pela graça de Deus, a graça de Cristo, é para ser entendida a economia completa
de nossa salvação, realizada pela vinda do Filho de Deus para a terra, por Sua vida terrena,
por Sua morte na Cruz, Sua Ressurreição, e sua Ascensão ao céu: "Porque pela graça sois
salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus. Não vem das obras para que
ninguém se glorie" (Ef 2:8-9). Em segundo lugar, graça é o nome aplicado aos dons do
Espírito Santo que foram e estão sendo mandados para a Igreja de Cristo para a santificação
de seus membros, para seu crescimento espiritual, e para a obtenção por eles do reino do
Céu.

Nesse novo significado da palavra do Novo Testamento, a graça é um poder mandando do


alto, o poder de Deus que está na Igreja de Cristo, que dá nascimento, dá vida, aperfeiçoa e
conduz os fiéis carentes e virtuosos à apropriação da salvação que foi trazido pelo Senhor
Jesus Cristo.

Os Apóstolos, por isso, em seus escritos freqüentemente usam a palavra grega charis,
"graça," como idêntica em significado com a palavra dynamis, "poder." O termo "graça" no
sentido de "poder" dado do alto para a vida santa é encontrado em vários lugares das
Epistolas Apostólicas (2 Pe 1:3, Rom 5:2, Ro 16-20, 1 Pe 5:12, 2 Pe 3:18), 2 Tim 2:1, 1 Co
16:23, 2 Co 13:14, Gal 16:18, Ex 6:24 e em outros lugares). O Apóstolo Pedro escreve: "O
Senhor disse-me: a minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza" (2
Co 12:9). A distinção entre esses dois significados da palavra "graça," e os entendimentos
predominantes na Sagrada Escritura do Novo Testamento como sendo um Divino poder,
são importantes de serem mantidos na mente, porque no Protestantismo foi estabelecido
sobre a graça, só o significado geral do grande trabalho para a nossa redenção do pecado
pelo feito do Salvador na Cruz, após o qual — como os Protestantes pensam — um homem
que veio acreditar e recebeu a remissão dos pecados já está entre os salvos. No entanto, os
Apóstolos nos ensinam que um Cristão, tendo a justificação como um dom de acordo com a
graça geral da redenção, nessa vida como um indivíduo está só "sendo salvo" (1 Co 1:18),
(a tradução para o versículo da versão King James é imprecisa, "para nós que somos
salvos," no texto grego temos o particípio presente: "que estamos sendo salvos") e
precisamos do apoio dados por graça : "...temos entrada pela fé e a esta graça, na qual
estamos firmes" (Ro 5:2); "Porque em esperança somos salvos" (Ro 8:24).

Como, então, age a graça de Deus?

O nascimento espiritual e o posterior crescimento espiritual de um homem ocorrem através


da mútua ação de dois princípios. Um desses é a graça do Espírito Santo; o outro, a abertura
do coração do homem para a recepção dessa graça, uma sede por ela, o desejo de recebe-la,
como a terra seca, sedenta recebe a chuva — em outras palavras, esforço pessoal para a
recepção, preservação, e atividade na alma dos dons Divinos.
A respeito da cooperação desses dois princípios, o Apóstolo Pedro diz: "Visto como o seu
divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade... e vós também, pondo nisto
mesmo toda diligência, acrescentar à vossa fé a virtude, e a virtude a ciência. E a ciência
temperança, e à temperança paciência, e à paciência piedade, e a piedade amor fraternal, e
ao amor fraternal caridade. Porque, se em vós houver e abundarem estas cosias, não vos
deixarão ociosos e nem estéreis no conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pois
aquele em que não há estas coisas é cego, nada vendo ao longe, havendo-se esquecido da
purificação dos seus antigos pecados" (Filip 2:12-13). Isso é, vós deveis cooperar, mas
lembra-vos que tudo vos é dado pela graça de Deus. "Se Deus não nos construir a casa de
virtudes, nós trabalhamos em vão" (hino de Matinas, tom 3).

De acordo com esse sagrado ensinamento, o Concílio de Cartago no terceiro século


decretou: "Aquele que disser que a graça de Deus, pela qual um só homem é justificado
através de Jesus Cristo Nosso Senhor, serve só para a remissão dos pecados passados, e não
para a assistência contra cometer pecados no futuro, seja anátema. Pois a graça de Cristo
nos dá não só o conhecimento de nossa obrigação, mas também nos inspira com o desejo de
que sejamos capazes de cumprir com o que sabemos" (Canons 125 e também 126 e 127;
para texto em inglês ver de Eerdman Seven Ecumenical Councils, p 497 — Canons 11 e
112 do "Código Africano").

A experiência dos ascetas Ortodoxos inspira-os a chamar Cristãos com toda força para o
humilde reconhecimento de suas próprias enfermidades, para que a graça salvadora de
Deus possa agir. Muito expressiva nesse caso é a colocação de São Simeão o Novo Teólogo
(século X):

"Se o pensamento vem a vós, instilado pelo demônio, que vossa salvação e realizada pelo
pode de vosso Deus, mas por vossa própria sabedoria e poder e se vossa alma concorda
com tal pensamento, a graça se afasta de vossa alma. A luta contra tal poderosa e difícil
batalha que surge na alma deve ser levada até o último suspiro. A alma deve, junto com o
abençoado Apóstolo Paulo, clamar com alta voz, aos ouvidos dos anjos e homens : "Não
eu, mas a graça de Deus que está em mim." Os Apóstolos, profetas, mártires e hierarcas,
santos monásticos e justos — todos confessaram essa graça do Espírito Santo, e por essa
confissão e com a ajuda dela elas lutaram uma boa luta e terminaram seu percurso"
(Homilias de São Simeão o Novo Teólogo, homilia 4)

Aquele que leva o nome de Cristão, nós lemos no mesmo Santo Padre, "se ele não leva em
seu coração a convicção que a graça de Deus, dada por fé, é a misericórdia de Deus... se ele
não trabalha com o objetivo de receber a graça de Deus, primeiro de tudo através do
Batismo, ou se ele o teve e partiu por razão dos seus pecados, façamos com que ele retorne
através do arrependimento, confissão, e uma vida autodiminuída; e se, dando esmolas,
jejuando, realizando vigílias, orações e o resto, ele pensa que está realizando gloriosas
virtudes e bons atos valiosos em si — então ele trabalha e se exaure em vão" (homilia 2).

O que é então o significado da luta ascética? É uma arma contra "a concupiscência da
carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida" (1 Jo 2:15-16). É a limpeza do
campo da vida das pedras, das ervas daninhas crescidas, e de locais pantanosos, em
preparação para uma semeadura sagrada que será irrigada do alto pela graça de Deus.
A providência de Deus e a graça.

Do que foi mostrado, segue-se que existe uma diferença entre os conceitos de Providência
de Deus e graça. Providência é o que chamamos de poder de Deus no mundo que suporta a
existência do mundo, sua vida, incluindo a existência e vida do gênero humano e de cada
homem; enquanto graça é o poder do Espírito Santo que penetra o interior do homem,
conduzindo-o à sua perfeição espiritual e salvação.

Os Mistérios ou Sacramentos.

A vida interior da Igreja é mística (ou sacramental). (A palavra "mistérios" (grego


mysteria) é o termo usado no oriente Ortodoxo; "sacramentos" (do latim sacramenta), o
termo usado no ocidente latino. Desde que o último termo foi usado no ocidente antes do
cisma da Igreja Romana não há nada errado com seu uso pelos Cristãos Ortodoxos do
ocidente, especialmente porque poucas pessoas no ocidente estão familiarizadas com a
palavra "mistérios"; mas as pessoas Ortodoxas freqüentemente preferem usar o termo
grego. A forma adjetiva "mística," usada no oriente, tem por certo uma conotação bem
diferente e mais interior, que o adjetivo ocidental "sacramental," que se refere mais
especificadamente aos ritos exteriores dos Mistérios). Ela não coincide de todo com a
história da Igreja, que mostra-nos só os fatos exteriores da existência da Igreja, e
especialmente a sua entrada em conflito com a vida do mundo e com as paixões do mundo.
A vida interior da Igreja é a cooperação mística de Cristo como a Cabeça, com a Igreja
como seu Corpo, no Espírito Santo, por meio de todas as ligações reforçadoras mútuas:
"Grande é este mistério: digo-o porém, a respeito de Cristo e da igreja" instrui o Apóstolo
(Ef 5:32).

Por isso quando os Apóstolos chamavam-se "dispenseiros dos Mistérios de Deus,"


dizendo : "que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e dispenseiros dos
mistérios de Deus" (1 Co 4:1, em grego oikonomos mysterion Theou), eles tinham em
mente várias formas de seu ministério e do cargo de dispenseiro: a) pregação, b) o Batismo
daqueles que tinham chegado a acreditar. c) a trazida do Espírito Santo através da
ordenação, d) o reforço da união dos fiéis com Cristo pelo Mistério da Eucaristia, e) o
aprofundamento dos corações dos fiéis nos Mistérios do Reino de Deus, e o
aprofundamento dos mais perfeitos dentre eles na "sabedoria de Deus oculta em mistério"
(1 Co 2:7).

Assim a atividade dos Apóstolos estava cheia de elementos místicos (mysterion). Entre eles
o lugar central e culminante estava ocupado pelos ritos sagrados. Daí ser inteiramente
natural que na vida da Igreja a série de momentos especiais e mais importantes do
ministério de doação de graça, para a série de ritos sagrados, gradualmente adquirisse
preeminência o nome de "Mistérios": Santo Inácio o Teóforo, um discípulo imediato dos
Apóstolos, escreve a respeito de diáconos que eles da mesma forma são "servos dos
mistérios de Jesus Cristo" (Epístola aos Trallians, par. 2). Essas palavras de Santo Inácio
derrotam a assertiva dos historiadores protestantes que na Igreja antiga o conceito de
"mistérios" ou "sacramentos" supostamente nunca foi aplicado para os ritos sagrados da
Igreja.

Os ritos sagrados chamados Mistérios são, como eram, picos numa longa cadeia de
montanhas composta dos ritos e orações remanescentes dos ofícios Divinos.

Nos Mistérios, orações são juntadas com bênçãos de uma ou outra foram, e com atos
especiais. As palavras de bênçãos acompanhadas por atos sagrados exteriores são, como
foram, vasos espirituais pelos quais a graça do Espírito Santo é vazada e dada aos membros
da Igreja que são fiéis sinceros.

Assim, "um mistério (sacramento) é um ato sagrado que sob um aspecto visível comunica à
alma de um fiel a invisível graça de Deus."

O nome de "mistério" tornou-se estabelecido na Igreja como se referindo a sete ritos:


Batismo, Crisma, Comunhão (a Eucaristia), Arrependimento, Sacerdócio, Matrimônio e
Unção. (No Oriente Ortodoxo pode-se dizer, sete é olhado como o número "absoluto" de
Mistérios como tende a ser encarado no Oriente Latino. Mais comumente, é verdade, só
sete Mistérios são mencionados mas certos outros ritos sagrados, tal como censura
monástica, podem ser considerados, informalmente como "Mistérios"). O Longer Christian
Catechism assim define a essência de cada Mistério:

"No Batismo o homem nasce misticamente para a vida espiritual. No Crisma ele recebe
graça que dá crescimento e reforça. Na Comunhão ele é nutrido espiritualmente. No
Arrependimento ele é curado de doenças espirituais (pecado). No Sacerdócio ele recebe as
graças espiritualmente reservadas para se regenerar e nutrir outros, por meio de
ensinamento, oração e Mistérios. No Matrimônio ele recebe graça que santifica o
casamento e o nascimento e criação de crianças, na Unção ele é curado das doenças do
corpo por meio da cura de doenças espirituais."

Para a vida da Igreja como um todo, tanto como Corpo de Cristo e como "O pátio do
rebanho de Cristo," o seguinte é extremamente importante e está no lugar principal: a) o
Mistério do Corpo e do Sangue de Cristo, ou a Eucaristia; b) o Mistério da Santificação das
pessoas escolhidas para o serviço na Igreja nos graus da hierarquia ou ordenação, que dá a
indispensável estrutura da Igreja; e junto com esses, c) o Mistério do Batismo, que faz
crescer os números da Igreja. Mas outros Mistérios também, que são indicados para a
doação de graça para fiéis individuais, são indispensáveis para plenitude da vida e santidade
da Igreja.

Deve-se distinguir a "eficácia" do Mistério (isto é, que nele há um autêntico poder doador
de graça) da "efetividade" do Mistério (isto é, a extensão em que é concedido o poder
doador de graça para alguém que recebe o Mistério). Os Mistérios são "meios que agem
infalivelmente por graça sobre aqueles que vêem a eles" como é dito na Epístola dos
Patriarcas Orientais. No entanto, o proveito da recepção deles pelos fiéis — seu poder
renovador e salvador — depende do homem se aproximar do Mistério dignamente. Uma
recepção indigna de um Mistério pode trazer não justificação, mas condenação. A graça
não interfere com a liberdade do homem; não age sobre ele irresistivelmente. Com
freqüência, fazendo uso dos Mistérios da fé, pessoas não recebem deles aquilo que eles
poderiam dar; pois seus corações não estão abertos para receber graça, ou então elas não
preservam os dons de Deus que receberam. É por isso que acontece que pessoas batizadas
não só não preenchem os votos dados por elas ou por seus padrinhos de batismo, e não só
são privadas da graça de Deus já dada a elas, mas com freqüência, para sua própria
perdição espiritual, elas tornam-se inimigas de Deus, negadores, descrentes, "apóstatas."

Por esses fatos da vida a dignidade dos Mistérios não é de modo algum diminuída. A
grande obtenção da santidade, justiça, as fileiras de mártires pela fé, confessores ascetas, e
taumaturgos (os que realizam milagres), que ainda na terra tornam-se "anjos terrestres e
homens celestes" — obtenção não ouvida fora do verdadeiro Cristianismo — são ações da
graça invisível de Deus, recebida no batismo e crisma, mantida aquecida através do
arrependimento e comunhão dos Santos Mistérios, e preservada na consciência humilde e
trêmula que em todo Cristão "Cristo é o Uno que luta e conquista, e Ele é o Uno que chama
Deus e ora e dá graças e é reverente, e busca com súplica e humildade. Tudo isso Cristo
faz, rejubilando e estando contente quando Ele vê que em cada Cristão existe e permanece a
convicção que Cristo é quem faz tudo isso" (São Simeão, o Novo Teólogo, Homilia 4).

Batismo.
O estabelecimento do Mistério do Batismo.

Em primeiro lugar na série de Mistérios da Santa Igreja está o Batismo. Ele serve como
porta levando para o Reino da graça, ou a Igreja, e concede acesso à participação em outros
Mistérios. Menos antes do estabelecimento do Mistério do Batismo, o Senhor Jesus Cristo
em Sua conversa com Nicodemos indica a absoluta necessidade dele, para a salvação: "Na
verdade na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o Reino de
Deus." Quando Nicodemos expressa a sua perplexidade: "Como pode um homem nascer
sendo velho?" O Salvador responde que o novo nascimento seria realizado pela água e pelo
Espírito: "Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da agua e do Espírito,
não pode entrar no Reino de Deus. O que é nascido de carne é carne e o que é nascido do
Espírito é o espírito" (Jo 3:3-6).

O estabelecimento desse Mistério, doador de graça ocorreu depois da Ressurreição de


Cristo. Tendo aparecido para Seus discípulos, o Senhor disse a eles que Ele tinha recebido
do Seu Pai toda autoridade no Céu e na terra, e continuou: "Portanto ide ensinai todas as
nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar
todas as coisas que Eu vos tenho mandado; e eis que estou convosco até a consumação dos
séculos" (Mt 28:19-20). E a isso acrescentou: "Quem crer e for batizado será salvo; mas
quem não crer será condenado" (Mc 16:16). No dia da descida do Espírito Santo sobre os
Apóstolos, quando depois do discurso do Apóstolo Pedro seus ouvintes perguntaram o que
deveriam fazer, o Apóstolo Pedro disse a eles: "Arrependei-vos, e cada um de vós seja
batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito
Santo" (At 2:38). No mesmo livro dos Atos estão registradas várias passagens de Batismo
realizados pelos Apóstolos. Assim, o Apóstolo Pedro batizou Cornélio (cap. 10), o
Apóstolo Paulo batizou Lídia e aqueles da sua casa (cap. 16), bem como o guarda da prisão
com todos da sua casa.

O significado do Mistério.

O aspecto místico doados de graça do Batismo é indicado nas passagens acima citadas nas
Sagradas Escrituras; Batismo é um "novo nascimento" e é realizado para a salvação dos
homens (Mc 16:16). Além disso, colocando a importância da doação de graça do Batismo,
os Apóstolos em suas Epístolas indicam que nele nós somos "santificados," "limpos,"
justificados"; que no Batismo nós "morremos para o pecado" para andar em uma vida
renovada; nós somos "sepultados com Cristo," e ressuscitamos com Ele. "...Cristo amou a
Igreja, e a Si mesmo Se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da
água, pela palavra" (isto é, o Batismo com a proclamação das palavras instituídas para
acompanha-lo; Ef 5:25-26). "Haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis
sido justificados em nome do Senhor Jesus e pelo Espírito do nosso Deus" (1 Co 6:11).
"...fomos sepultados com Ele pelo batismo da morte, para que, como Cristo ressuscitou dos
mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida" (Ro 6:4). O
Batismo é chamado de "lavagem de regeneração" (Tit 3:5). Para o lado subjetivo — o
estado da alma da pessoa sendo batizada — é indicado pelo Apóstolo Pedro, que chama o
Batismo de promessa de uma boa consciência para com Deus (1 Pe 3:21). Através do
Batismo ao mesmo tempo somos juntados à Igreja.

Os meios de realização do Mistério.

A comparação do Batismo com uma lavagem por água, com o túmulo, e outras coisas que
tais, indica que esse Mistério deve ser realizado por imersão. A palavra grega baptizo
significa "imergir." A respeito do Batismo do eunuco por Felipe nós lemos no livro dos
Atos: "...e desceram ambos à água, tanto Felipe quanto o eunuco, e o batizou. E quando
saíram da água, o Espírito do Senhor arrebatava Felipe" (At 8:38-39). Como uma exceção,
a Igreja aceita o martírio Cristão dos não batizados como "Batismo de sangue." Batismo
por aspersão, a Igreja reconhece mas não aprova, por ser não canônico.

A imersão na água é feita três vezes com o pronunciamento das palavras: "O servo de Deus
(nome) é batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo," de acordo com o
comando dado pelo próprio Cristo (Mt 28:19). Assim era realizado na antiga Igreja. A
Epístola do Apóstolo Barnabé já menciona isso e Tertuliano indica diretamente que "a
maneira do batismo é prescrita," indicando as palavras do Salvador concernentes ao
Batismo; Tertuliano também testifica a tripla imersão e também indica uma particularidade:
que aquele que está sendo batizado é solicitado a renunciar a satan e a seus anjos e então
confessar a fé.

Em certas passagens da Sagrada Escritura é mencionado um batismo em nome do Senhor


Jesus (At 2:38; 3:16; 10:48). De acordo com a interpretação dos antigos Padres, a expressão
"em nome do Senhor Jesus" significa "de acordo com o comando e a tradição de Cristo," ou
como testemunho da fé de alguém em Cristo. Por essa expressão não é negado o fato do
batismo "em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo," como pareceu para certos
historiadores do Cristianismo que são da escola racionalista. É inteiramente natural que o
escritor do livro dos Atos, o Apóstolos Lucas, e o Apóstolo Paulo também (Rom 6:3; Gal
3:27; 1 Co 1:13), quando falando do batismo "em Cristo" tinham em mente distinguir esse
batismo do batismo de João ou qualquer coisa similar, do "Batismo para o Cristianismo."
Assim até agora é cantado no batismo: "Vós todos que fostes batizados em Cristo, vos
revestistes de Cristo" (Gal 3:27).

A indispensabilidade do Batismo.

Desde que no Batismo o homem recebe, no lugar da antiga existência que ele tinha, uma
nova existência e nova vida, e torna-se um filho de Deus, um membro do Corpo de Cristo
ou na Igreja, um herdeiro da vida eterna, é então evidente que o Batismo é indispensável
para todos, inclusive as crianças, de modo que crescendo no corpo e no espírito elas possam
crescer em Cristo. Nas Escrituras Apostólicas muitas vezes há menção do Batismo de
famílias inteiras (a casa de Lídia, a casa do guarda da prisão, a casa de Estéfanas — 1 Co
1:16),e em nenhum lugar é mencionado que crianças eram excluídas. Os Padres da Igreja
em suas instruções aos fiéis insistem no Batismo das crianças. São Gregório, o Teólogo,
dirigindo-se a mães cristãs, diz: "Tens uma criança? Não dê tempo para que o mal aumente.
Que ela seja santificada na infância, e desde jovem dedicada ao Espírito. Tens medo do selo
por causa da fraqueza da natureza, como alguém de coração fraco e fé pequena? Mas Ana
mesmo antes de dar a luz Samuel prometido para Deus, ela rapidamente depois do parto
dedicou-o e levantou-o para a veste sagrada, sem temer a fraqueza humana, mas
acreditando em Deus."

No entanto, é indispensável nessa questão que as pessoas que ofereçam as crianças para o
batismo reconheçam toda sua responsabilidade pela criação da criança batizada na fé e
virtude cristã. Nós lemos uma instrução a respeito disso, por exemplo, na obra On The
Ecclesiastical Hierarchy, conhecida sob o nome de São Dinis, o Aeropagita, que sempre foi
muito respeitada na Igreja: "Foi agradável a nossos divinos instrutores permitir que crianças
fossem batizadas também, sob a sagrada condição que os pais naturais da criança deveriam
confia-la a alguém entre os fiéis que a instruiria bem nos assuntos divinos e então tomaria
conta da criança como um pai, dado do alto, e como um guarda da salvação eterna da
criança. Esse homem, quando ele promete guiar a criança numa vida pia, é compelido pelo
bispo a proclamar as renúncias e a confissão sagrada (durante o batismo)."

Como é importante para nós essa instrução que vem da antiga Igreja Cristã. Dela nós vemos
quão importante é a responsabilidade que o padrinho da pessoa batizada toma sobre si.
Quão cuidadosos os pais da criança devem ser na escolha do padrinho! Logicamente, numa
família Cristã normal os próprios pais usualmente ensinam as suas crianças as verdades da
fé e suas obrigações morais. Mas a destruição das bases da vida social contemporânea
compele que se esteja em guarda para que a criança não permaneça sem orientação Cristã.
E, sempre em situação favorável um padrinho deve manter um contato espiritual estreito
com seu afilhado e estar pronto a qualquer momento necessário a ir a ele com um sincero
auxílio Cristão.
O décimo parágrafo do Símbolo da Fé diz: "Confesso um só batismo para a remissão dos
pecados." Isso significa que o Batismo na Igreja Ortodoxa, como um nascimento espiritual,
se ele foi realizado como um rito sagrado corretamente por tripla imersão em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo, não pode ser repetido.

Batismo: a porta para a recepção de outros dons.

Como nós vemos das acima citadas citações dos Santos Apóstolos, e da mesma forma, de
todo ensinamento da Igreja, o batismo não é só um símbolo de limpeza e lavagem das
máculas da alma, mas em si o início e a fonte de dons divinos que lavam e aniquilam todos
os pecados e comunicam uma nova vida. Todos os pecados são perdoados, o pecado
original quanto os pecados pessoais; o caminho está em aberto para uma nova vida, está
aberta a possibilidade de receber os dons de Deus. Um crescimento espiritual maior
depende do livre arbítrio do homem. Mas como a tentação é capaz de encontrar simpatia na
natureza do homem, que desde o dia de sua primeira queda tem tido uma inclinação para o
pecado, a perfeição moral não pode ser atingida sem batalha. Um homem encontra ajuda
para essa batalha interior na inteira vida doadora de graça da Igreja. A Santa Igreja abre
mais auxílios doadores de graça para o recém-batizado, no Mistério do Crisma.

Crisma.

O mistério do Crisma é realizado usualmente imediatamente depois do Mistério do


Batismo, formando junto um rito único da Igreja. O realizador do Mistério, o bispo ou
presbítero, "unge aquele que foi batizado, com o Santo Miron, fazendo o sinal da Cruz na
fronte, nas sobrancelhas e olhos, nas narinas, nos lábios, em ambas as orelhas, no peito, e
nas mãos e pés" (do Book of Needs); enquanto ungindo cada parte do corpo ele pronuncia
as palavras, "pelo selo do dom do Espírito Santo." Esse Mistério é também realizado para
aqueles que se unem à Igreja vindos de comunidades heréticas como um dos meios de
serem unidos à Igreja. As palavras que são usadas no Mistério, "o selo do dom do Espírito
Santo," indica sua importância e efeito. É a) o ato culminante de ser unido à Igreja, a
confirmação ou selo de união; b) o selo dos poderes doadores de graça que são concedidos
nele para o fortalecimento e crescimento na vida espiritual.

São Cipriano escreve: "Aqueles que batizam na Igreja são selados pelo selo do Senhor
segundo o exemplo das samaritanas batizadas que foram recebidas pelos Apóstolos Pedro e
João através da colocação das mãos sobre a cabeça e orações (At 8:14-17). O que estava
faltando neles, Pedro e João realizaram ... Assim é também conosco ... é feito perfeito pelo
selo do Senhor." Em outros Padres da Igreja também, o Crisma é chamado de "selo"
(Clemente de Alexandria, Cirilo de Jerusalém), de "selo espiritual" (Ambrósio de Milão),
de "selo da vida eterna" (Leão, o Grande), "a confirmação" (As Constituições Apostólicas);
a "perfeição" ou "culminação" (Clemente de Alexandria, Ambrósio). São Efrém, o Sírio,
escreve: "Pelo selo do Espírito Santo são seladas todas as entradas para nossa alma; pelo
selo da unção todos os membros são selados"; São Basílio, o Grande: "Como teu anjo lutará
por ti, como ele te tomará do inimigo se ele não reconhecer o selo? ... Ou tu não sabes que o
destruidor passou por cima das casas daqueles que estavam selados, e matou os
primogênitos nas casas dos que não estavam selados? Um tesouro não selado é facilmente
roubado pelos ladrões; uma ovelha não marcada pode ser levada embora seguramente."

Esse Mistério é também chamado de "dom do espírito" (Santo Isidoro de Pelusio),


"mistério do Espírito" (Tertuliano e Hilário), o "símbolo do Espírito" (São Cirilo de
Jerusalém). São Cipriano testifica que os antigos, falando das palavras do Senhor
concernentes ao nascimento pela água e pelo Espírito, entendiam do nascimento pela água
ser o Batismo do Espírito Santo, e o nascimento pelo Espírito ser o Crisma.

Os meios originais de execução desse Mistério.

Esses dons do Espírito Santo originalmente eram dados na Igreja primitiva pela imposição
de mãos.

A respeito disso, nós lemos no livro dos Atos (8:16-17), onde é relatado que os Apóstolos
que estavam em Jerusalém, tendo escutado que os Samaritanos haviam recebido a palavra
de Deus, enviaram para eles Pedro e João, que vieram e oraram por eles para que pudessem
receber o Espírito Santo: "Porque sobre nenhum deles tinha ainda descido; mas somente
eram batizados em nome do Senhor Jesus. Então lhes impuseram as mãos e receberam o
Espírito Santo" . Por esses relatos no livro dos Atos 19:2-6 a respeito do Apóstolo Paulo,
que quando Paulo encontrou discípulos em Éfeso que tinham sido batizados, só com o
batismo do João "e ouvindo isso foram batizados em nome do Senhor Jesus; e impondo-lhe
Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo." Por esses relatos no livro dos Atos nós
vemos que em certos casos as ações doadoras de graça dos Mistérios do Batismo e do seu
selo, a imposição de mãos, eram expressas pelas manifestações visíveis e imediatas na
iluminação do Espírito Santo, juntadas ao júbilo espiritual do novo convertido, que tinha se
juntado à santa comunidade, e que tinha começado para ele uma nova vida doadora de
graça.

De que maneira essa imposição de mãos doadora de graça tornou-se a unção com óleo
doadora de graça? A respeito disso, nós podemos fazer duas suposições: Ou os Apóstolos,
dando o Espírito Santo para os que acreditavam através da imposição de mãos,
inseparavelmente usaram também um sinal diferente, ungindo, a respeito do que no
entanto, o livro dos Atos é silente; ou, o que é mais provável, eles mesmos mudaram o sinal
visível do Mistério (a imposição de mãos), talvez no começo, em casos onde eles próprios
estavam ausentes, substituindo-os por outro ato sagrado visível (a unção dos recém-
batizados com Miron que havia sido recebido das mãos dos Apóstolos). Mas seja como
tenha sido, a unção indubitavelmente vem dos Apóstolos, e por eles tem sua base nas
instruções do Divino Professor deles. O Apóstolo Paulo escreve: "Mas o que nos confirma
convosco em Cristo, e o que nos ungiu, é Deus, o Qual também nos selou, e deu o penhor
do Espírito em nossos corações" (1 Co 2:21-22). As próprias palavras que são ditas durante
o Mistério "o selo do dom do Espírito Santo," são intimamente ligadas com essas
expressões do Apóstolo. Ele escreve: "E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual
estais selados para o dia de redenção" (Ef 4:30). O "dia da Redenção" na Sagrada Escritura
indica o Batismo.
Da mesma forma, na Epístola do Apóstolo João nós lemos: "E vós tendes a unção do Santo,
e sabeis tudo... E a unção que vos recebestes Dele, fica em vós e não tendes necessidade
que alguém vos ensine; mas como a Sua unção vos ensina todas as coisas, e é verdadeira, e
não é mentira, como ela vos ensinou, assim Nele permanecereis" (1 Jo 2:20-27). Nas
palavras citadas dos Apóstolos Paulo e João o termo "unção" indica a comunicação aos
fiéis de um dom espiritual. Mas é evidente que o termo "unção" podia ser usado no seu
significado espiritual precisamente porque os Cristãos tinham diante dos seus olhos uma
unção material.

Os Santos Padres da igreja colocam a própria palavra "Cristão" em uma forte ligação com
"Crisma." Chrisma e Christos em grego significam "unção" e "O Ungido." "Tendo se
tornado participantes de Cristo," diz São Cirilo de Jerusalém, "nós sois merecidamente
chamados de "Cristãos," isto é, "ungidos" e a respeito de nós Deus disse: "Não toqueis nos
meus ungidos..." (Salm 105:15).

No relato do oitavo capitulo do livro dos Atos dos Apóstolos nós aprendemos: a) que após
a pregação do diácono, Apóstolo Felipe, na Samaria, muitas pessoas, homens e mulheres
foram batizados; e b) que os Apóstolos que estavam em Jerusalém, tendo ouvido que os
Samaritanos tinham recebido a palavra de Deus, enviaram aos Samaritanos Pedro e João
especificadamente para impor suas mãos sobre os batizados para que eles pudessem receber
o Espírito Santo (At 8:12-17). Isso nos permite concluir que à parte do profundamente
místico lado do baixar os dons do Espírito Santo, essa imposição de mãos (e o Crisma que
veio a ter lugar depois) era ao mesmo tempo uma confirmação da correção do Batismo e o
selo da união das pessoas batizadas com a Igreja. Em vista dos fatos que 1) o Batismo com
água era feito muito antes como um batismo de arrependimento, e 2) muito à parte disso,
naquele tempo, assim como através de todo o curso da história da Igreja, existiram batismos
heréticos, esse segundo Mistério era realizado pelos próprios Apóstolos e seus sucessores
os bispos, como supervisores dos membros da Igreja, ainda que a realização da Eucaristia
tenha sempre sido dada para os presbíteros também.

Com o extraordinário espalhamento da santa Fé, quando pessoas começaram a se voltar


para Cristo no mundo todo, os Apóstolos e seus sucessores imediatos, os bispos, não
poderiam estar pessoalmente em todos os lugares imediatamente após o Batismo, para
trazer o Espírito Santo sobre todos os batizados pela imposição das mãos. Pode ter sido que
por isso que "agradou ao Espírito Santo" que habitava nos Apóstolos substituir a imposição
de mãos pelo ato de Crisma, com a regra que a santificação do Crisma deveria ser realizada
pelos Apóstolos e bispos somente, enquanto a unção dos batizados com o Crisma
santificado poderia ser deixado para os presbíteros. O Crisma (Miron) e não outro tipo de
material foi escolhido nesse caso porque no Velho Testamento a unção com Miron era feita
com Miron (azeite) para fazer baixar nas pessoas dons espirituais especiais (ver 1 Samuel
16:13; 1 Reis1:39). Tertuliano escreve, "depois de vir da fonte nós somos ungidos com óleo
santo, de acordo com o antigo rito, como desde há muito era o costume os presbíteros
ungirem com óleo de um chifre." O sexto Cânon do Concílio de Cartago só proíbe os
presbíteros de santificar o Crisma.

Crisma e santificação.
Assim como foram os Apóstolos que foram enviados para os Samaritanos batizados de
modo a baixar sobre eles o Espírito Santo, assim também no Mistério do Crisma, o miron
que é usado, de acordo com decreto da Igreja, tem que ser santificado por um bispo, como o
mais elevado sucessor dos Apóstolos. A santificação do miron ocorre em um rito sagrado
solene especial, com a participação, quando possível, de outros bispos da Igreja (o
Patriarca, ou o Metropolita primaz consagra o crisma para toda a Igreja local sob sua
jurisdição).

No ocidente, a separação do Crisma do Batismo ocorreu ao redor do século XIII. Mais


ainda, no presente na Igreja Romana a unção (que é chamada de "confirmação") é realizada
só nas sobrancelhas, olhos, narinas, lábios, ouvidos, peito, mãos e pés. É feita na Igreja
Romana para aqueles que atingiram sete anos de idade, e é realizada por um bispo.

À parte de no Mistério do Crisma, o miron é usado também em circunstâncias


excepcionais. Assim, na santificação de uma Igreja é realizada o assinalamento com miron
do santo Altar, sobre o qual o Mistério do Santo Corpo e Sangue de Cristo será realizado,
assim como nas paredes da Igreja. Como um rito especial, a unção com miron é realizada
também no acesso ao trono real de reis Ortodoxos.

A Eucaristia.

A Eucaristia (literalmente "agradecimento") é o Mistério no qual pão e vinho da oferenda


são mudados pelo Espírito Santo no verdadeiro Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus
Cristo, e então os fiéis recebem comunhão deles para a mais intima união com Cristo e para
a vida eterna. Esse Mistério é então composto de dois momentos separados: 1) a mudança
ou transformação do pão e vinho em Corpo e Sangue do Senhor, e 2) a Comunhão desses
Santos Dons. É chamado de "Eucaristia," "Ceia do Senhor," "o Mistério do Corpo e Sangue
de Cristo." O Corpo e Sangue de Cristo nesse Mistério são chamados de "Pão do céu e
Cálice da vida" ou "Cálice da Salvação"; eles são chamados de "Santos Mistérios," de
"Sacrifícios Não Sangrentos." A Eucaristia é o maior Mistério Cristão (Sacramento).

As palavras do Salvador sobre esse Mistério.

Antes da primeira realização desse Mistério na Mística Ceia (Última Ceia), Cristo prometeu
em Sua conversa concernente ao Pão da Vida por ocasião da alimentação de cinco mil
homens com cinco peixes. O Senhor ensinou: "Eu sou o pão vivo que desceu do céu, se
alguém comer desse pão viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne, que eu
darei pela vida do mundo" (Jo 6:51). Os judeus evidentemente entenderam as palavras de
Cristo literalmente. Eles começaram a dizer uns aos outros: "Como nos pode dar Este a Sua
carne a comer?" (Jo 6:51). E o Senhor não contou aos judeus que eles O haviam entendido
erradamente, mas só com maior força e clareza Ele continuou a falar com o mesmo
significado: "Na verdade, na verdade vos digo, se não comerdes a carne do Filho do
Homem, e não beberdes o Seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a
Minha carne, e bebe o Meu sangue permanece em Mim e Eu nele" (Jo 6:53-56).

Seus discípulos também entenderam as palavras de Cristo literalmente: "...Ouro é este


discurso; quem o pode ouvir?" (Jo 6:60), eles disseram, O Salvador, como para convence-
los da possibilidade de tal comer miraculoso, indica outro milagre de Sua futura Ascensão
para o céu: "... Isto escandaliza-vos? Que seria, pois, se vísseis subir o Filho do Homem,
para onde primeiro estava?" (Jo 6:61-62). A isso Cristo acrescenta: "É o Espírito que
vivifica, a carne que nada aproveita: as palavras que Eu vos disse, são Espírito e vida" (Jo
6:63). Por essa observação Cristo não pede que Suas palavras sobre o Pão da Vida sejam
entendidas em qualquer sentido "metafórico." "Mas há alguns de vós que não crêem" Ele
acrescenta imediatamente (Jo 6:64). Por essas palavras o Salvador indica que Suas palavras
são difíceis para a fé: Como é que os fieis irão comer Seu Corpo e beber Seu Sangue? Mas
Ele confirma que Ele fala de Seu Corpo real. Suas palavras relativas Seu Corpo e Sangue
são "Espírito e vida." Elas testemunham que: a) aquele que participa dos dons terá vida
eterna, e será ressuscitado para o Reino de Glória no último dia; e b) aquele que participa
neles entrará na mais íntima comunhão com Cristo. Suas palavras não falam de vida na
carne, mas de vida no Espírito. "O Pão da Vida e o Cálice da Vida; experimenta e vê que o
Senhor é bom" — essas são as palavras que ouvimos na Liturgia dos Dons Pré-
Santificados. Essa Comunhão de Seu Corpo e Sangue é importante não para o aplacamento
da fome física, como foi o alimentar-se com maná no deserto, ou a alimentação dos cinco
mil — mas é importante para a vida eterna.

O estabelecimento do Mistério e sua execução nos tempos apostólicos.

Visto que a pré-indicação do Salvador a respeito do futuro estabelecimento do Mistério da


Eucaristia foi dada no Evangelho de João, o real estabelecimento do Mistério é mostrado
em três Evangelistas, Mateus, Marcos e Lucas, e então repetido pelo Apóstolo Paulo.

No Evangelho de São Mateus, no capítulo 26, é dito: "...e quando comiam, Jesus tomou o
pão e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos e disse: Tomai, comei isto é o Meu
Corpo; e tomando o cálice, e dando graças, deu-lhe dizendo: Bebei dele todos, porque este
é o Meu Sangue, o sangue do Novo Testamento, que é derramado por muitos, para a
remissão dos pecados" (Mt 26:26-28). A mesma coisa é dita no Evangelho de Marcos no
capítulo catorze.

No Evangelho de Lucas, o capítulo 22, nós lemos: "E, tomando o pão, e havendo dado
graças, partiu-o, e deu-lhe, dizendo: Isto é o Meu Corpo, que por vós é dado; fazei isso em
memória de Mim. Semelhantemente tomou o cálice, depois da ceia dizendo: este cálice é o
Novo Testamento, no Meu Sangue que é derramado por vós" (Lc 22:19-20).

A mesma coisa que o Evangelista Lucas diz nós lemos na Primeira Epístola de São Paulo
aos Coríntios, capítulo 11, somente com as palavras prefacias: "Porque eu recebi do Senhor
o que também vos ensinei, que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão, e
tendo dado graças, o partiu e disse..." (1 Co 11:23-24).
As palavras do Salvador na Mística Ceia: "Esse é Meu Corpo, que é partido por vós; esse é
meu Sangue do Novo Testamento derramado por vós para a remissão dos pecados," são
completamente claras e definidas, e não permitem nenhuma outra interpretação que não
seja a mais direta, nomeadamente que foram dados aos discípulos o verdadeiro Corpo e o
verdadeiro Sangue de Cristo. E isso está em completa concordância com a promessa feita
pelo Salvador no capítulo sexto do Evangelho de São João a respeito dos Seus Corpo e
Sangue.

Tendo dado comunhão aos discípulos, o Senhor comandou: "Fazei isso em memória de
Mim." Esse sacrifício deve ser realizado "até que Ele venha" (1 Co 11:25-26), como o
Apóstolo Paulo instrui, isto é, até a segunda vinda do Senhor. Isso recorre também das
palavras do Senhor Salvador: Se não comerdes a carne do Filho do Homem e beberes o Seu
Sangue, não tereis vida em vós. E de fato, a Eucaristia foi recebida na Igreja desde os
primeiros dias como o maior dos Mistérios; a instituição dela é preservada com o maior
cuidado e reverência; e é realizada e será realizada até o final do mundo.

A respeito da execução da Eucaristia nos tempos Apostólicos na Igreja de Cristo, podemos


ler nos Atos dos Apóstolos (2:42-46; 20:6-7), e no Apóstolo Paulo no 10º e 11º capítulos da
Primeira Epístola aos Corintios. O Apóstolo Paulo escreve: "Porventura o cálice de benção
que abençoamos, não é a comunhão do Sangue de Cristo? O pão que partimos não é por
ventura a comunhão do Corpo de Cristo? Porque nós, sendo muitos, somos um só pão e um
só corpo: porque todos participamos do mesmo pão" (1 Co 10:16-17). E de novo: "Porque
todas as vezes que comerdes esse pão e beberdes esse cálice anunciais a morte do Senhor
até que venha. Portanto, qualquer que comer esse pão, ou beber o cálice do Senhor
indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o Corpo do
Senhor. Por causa disto, há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem" (1 Co
11:26-30). Nas palavras citadas o Apóstolo nos instrui com que reverência e auto-análise
preparatória um Cristão deve se aproximar da Eucaristia, e ele deixa claro que isso não é
simples comida e bebida, mas a recepção dos verdadeiros Corpo e Sangue de Cristo.

Estando unidos com Cristo na Eucaristia, os fiéis que recebem a Comunhão estão unidos
também uns com os outros: "Porque nós, sendo muitos somos um só pão e um só corpo:
porque todos participamos do mesmo Pão."

A mudança do pão e vinho no Mistério da Eucaristia.

No Mistério da Eucaristia, no momento em que o presbítero, invocando o Espírito Santo


sobre os dons oferecidos, abençoa-os com a oração para Deus o Pai: "Faz desse pão o
Corpo precioso do Teu Cristo; e do que contem esse cálice o Sangue precioso do Teu
Cristo; mudando-os pelo poder do Teu Espírito Santo" — o pão e o vinho na verdade são
Cristo; mudados em Corpo e Sangue pela descida do Espírito Santo. Depois desse
momento, apesar de nossos olhos verem pão e vinho sobre o altar, na sua verdadeira
essência, invisível para os olhos sensoriais, isto é o verdadeiro Corpo e o verdadeiro Sangue
de Jesus Cristo, somente sob as "formas" de pão e vinho.

Assim os Dons santificados 1) não são só sinais ou símbolos, lembrando os fiéis da


redenção; como o reformado Zwingli ensinou; e na mesma forma 2) não é só por sua
"atividade e poder" ("dinamicamente") que Jesus Cristo está presente neles, como Calvino
ensinou; e finalmente, 3) Ele não está presente só no sentido de "penetração," como os
luteranos ensinam (que reconhecem a co-presença de Cristo "com o pão, na forma de pão,
no pão"). Mas os dons santificados no Mistério são mudados ou (um termo mais tardio)
"transubstanciais" (o termo "transubstanciação" vem da Escolástica medieval latina
seguindo as categorias Aristotelianas. "Transubstanciação" é uma mudança de da
"substância" ou realidade intrínseca interior dos Santos Dons sem mudanças dos
"acidentes" ou aparência de pão e vinho. A Teologia Ortodoxa no entanto, não tenta
"definir" esse mistério em termos de categorias filosóficas e assim prefere a palavra simples
"mudança") ao verdadeiro Corpo e verdadeiro Sangue de Cristo, como o Salvador disse:
"Porque Minha carne verdadeiramente é comida, e o Meu sangue verdadeiramente é
bebida" (Jo 6:55).

Essa verdade é expressa na Encíclica dos Patriarcados Orientais nas seguintes palavras:
"Nós acreditamos que nesse rito sagrado Nosso Senhor Jesus Cristo está presente não
simbolicamente (typicos), não figurativo (eikonikos), não por uma abundância de graça,
como em outros Mistérios, não por uma simples descida, como certos Padres falam a
respeito do Batismo, e não por uma "penetração" no pão, de modo que a Divindade do
Verbo pudesse "entrar" no pão oferecido para a Eucaristia, como os seguidores de Lutero
explicam desastradamente e indignamente — mas verdadeiramente e realmente, de maneira
que após a santificação do pão e do vinho, o pão é mudado, transubstanciado, convertido,
transformado, no real, verdadeiro Corpo de Cristo, que nasceu em Belém da Sempre
Virgem Maria, foi batizado no Jordão, sofreu, foi sepultado, ressuscitou, ascendeu, senta á
direta do Deus Pai, e vai aparecer nas nuvens do céus; e o vinho é mudado e
transubstanciado no real e verdadeiro Sangue do Senhor, que na hora do Seu sofrimento na
Cruz foi derramado pela vida do mundo. Ainda de novo, nós acreditamos que depois da
santificação do pão e do vinho não mais permanecem pão e o vinho, mas o verdadeiro
Corpo e Sangue do Senhor, sob a aparência e forma de pão e vinho."

Tal ensinamento sobre o santo Mistério da Comunhão pode ser encontrado em todos os
Santos Padres, começando com os mais antigos, tais como Inácio, o Teóforo, e outros
antigos escritores como São Justino, o Filósofo. No entanto, em muitos dos escritores
antigos esse ensinamento não é expresso em termos completamente precisos, e em algumas
expressões parece existir uma interpretação quase simbólica (alguma coisa que os
Protestantes apontam). No entanto, esses modos de expressão em parte devem ser
explicados pelos objetivos polêmicos que esses escritores tinham em mente: por exemplo,
Orígenes estava escrevendo contra uma crua atitude sensorial para com o Mistério;
Tertuliano estava combatendo a heresia de Marciano; e os apologistas estavam defendendo
as verdades Cristãs contra os pagãos, mas sem conduzi-los às profundezas dos mistérios.

Os Padres que participaram no Primeiro Concilio Ecumênico confessaram: "Na Mesa


Divina (altar) nós não devemos ver simplesmente o pão e o cálice que foram oferecidos
mas elevando nossas mentes, nós devemos compreender que na Mesa sagrada jaz o
Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo, Que é oferecido em Sacrifício pelo
presbítero; e verdadeiramente recebendo Seu Precioso Corpo e Sangue, nós devemos
acreditar que isso é um sinal de nossa Ressurreição."
De modo a mostrar e explicar a possibilidade de tal transformação do pão e do vinho pelo
poder de Deus no Corpo e Sangue de Cristo, os antigos pastores indicavam a Onipotência
do Criador e as obras especiais de Sua onipotência: a criação do mundo a partir do nada, o
mistério da Encarnação, os milagres registrados nos livros sagrados, e em particular a
transformação de água em vinho (São João Crisóstomo, Santo Ambrósio, São Cirílo de
Jerusalém, São Damasceno e outros). Eles também indicavam como em nós o pão e o vinho
ou água tomados por nós são convertidos, de maneira desconhecida, em nosso corpo e
sangue (São João Damasceno).

A maneira pela qual Jesus Cristo permanece nos Santos Dons.

1. Apesar do pão e vinho serem transformados no Mistério no Corpo e Sangue do Senhor,


Ele está presente nesse Mistério com todo Seu ser, isto é, com Sua alma e com Sua
Divindade, que é inseparavelmente unida à Sua humanidade.

2. Apesar, de depois, o Corpo e o Sangue do Senhor serem partidos no Mistério da


Comunhão e distribuídos, ainda acreditamos que em cada parte — mesmo na menor
partícula — dos Santos Mistérios, aqueles que recebem Comunhão recebem o inteiro Cristo
em Seu ser, isto é, em Sua Alma e Divindade, como perfeito Deus e perfeito homem. Essa
fé a Igreja expressa nas palavras do presbítero no partir do Santo Cordeiro: "O Cordeiro de
Deus é partido e distribuído; é partido mas não dividido, comido mas nunca consumido,
santificando aqueles que O recebem em comunhão."

3. Apesar de ao mesmo tempo haverem muitas santas Liturgias no universo, no entanto não
existem muitos Corpos de Cristo, mas um e o mesmo Cristo está presente e é dado em Seu
corpo em todas as igrejas aos fiéis.

4. O pão do ofertório, que é preparado separadamente em cada Igreja, depois de sua


santificação torna-se um e o mesmo com o Corpo que está nos céus.

5. Depois da transformação do pão e do vinho no Mistério da Eucaristia no Corpo e


Sangue, eles não mais voltam à sua natureza anterior, mas permanecem o Corpo e o Sangue
do Senhor para sempre, sejam ou não consumidos pelos fiéis. Por isso a Igreja desde a
antigüidade tem tido o costume de realizar em certos dias a Liturgia precedente,
permanecem o verdadeiro Corpo e Sangue de Cristo. Há também desde a antigüidade o
costume de preservar os Dons santificados em vasos sagrados de modo a se dar comunhão
para os moribundos. É bem conhecido que na Igreja antiga existia o costume de enviar os
Dons santificados pelos diáconos para Cristãos que não estavam em condição de receber a
Comunhão dos Santos Dons na Igreja, por exemplo, aqueles na prisão e os penitentes. Com
freqüência na antigüidade os fiéis traziam os Santos Dons com reverência das Igrejas para
suas casas, e os ascetas pegavam os Dons e os levavam para o deserto para receber a
Comunhão.

6. Porque para o Deus homem Cristo é adequado oferecer uma única e inseparável divina
adoração, tanto para Sua divindade quanto para Sua humanidade, como conseqüência de
Sua inseparável união, dever-se-ia dar para os Santos Mistérios da Eucaristia a mesma
honra e adoração que nós somos obrigados a dar para o Senhor Jesus Cristo.

A Eucaristia e a Cruz.

O sacrifício Eucarístico não é uma repetição do Sacrifício do Salvador na Cruz, mas é uma
oferta do Corpo e Sangue sacrificado uma vez oferecido pelo nosso Redentor na Cruz, por
Ele Que "é sempre comido, mas nunca consumido." O sacrifício do Gólgota e o sacrifício
da Eucaristia são inseparáveis, compreendendo um único sacrifício; mas ao mesmo tempo
devem ser distinguidos um do outro. Eles são inseparáveis; eles são uma e a mesma árvore
doadora de graça e vida plantada por Deus no Gólgota, mas preenchendo com seus ramos
místicos toda Igreja de Deus, e até o fim dos tempos nutrindo por seus frutos salvíficos
todos aqueles que buscam a vida eterna. Mas eles têm também que ser distinguidos: o
sacrifício oferecido na Eucaristia é chamado "sem sangue" e "sem paixão," já que é
realizado após a Ressurreição do Salvador, que "... havendo Jesus Cristo ressuscitado dos
mortos, já não morre: a morte não mais terá domínio sobre Ele" (Ro 6:9). É oferecido sem
sofrimento, sem derramamento de sangue, sem morte, apesar de ser realizado em
lembrança do sofrimento e morte do Divino Cordeiro.

O significado da Eucaristia como um sacrifício.

É um sacrifício de louvação e agradecimento. O presbítero que celebra o sacrifício sem


sangue de acordo com o rito da Liturgia de São Basílio e de São João Crisóstomo, antes da
santificação dos Dons lembra em suas orações secretas as grandes obras de Deus; ele
glorifica e dá graças a Deus na Santíssima Trindade por chamar o homem da não-
existência, por Seu grande e variado cuidado com o homem depois de sua queda, e pela
economia de Sua Salvação através do Senhor Jesus Cristo. Da mesma forma todos os
Cristãos presentes na Igreja, nesses santos momentos glorificando a Deus, clamam a Ele:
"Nós Te louvamos, nós Te bendizemos, nós Te damos graças, ó Senhor."

A Eucaristia é da mesma forma um sacrifício propiciatório para todos os membros da


Igreja. Dando a Seus discípulos, Seu Corpo, o Senhor disse Dele: "Que é partido por vós";
e dando seu sangue Ele acrescenta: "Que é derramado por Vós e por muitos para a remissão
dos pecados." Portanto, desde o início do Cristianismo o Sacrifício Sem Sangue foi
oferecido para a lembrança tanto dos vivos quanto dos mortos e para a remissão dos seus
pecados. Isso é evidente dos textos de todas as Liturgias, começando com a Liturgia do
Santo Apóstolo Tiago, e esse sacrifício é freqüentemente chamado diretamente nesses
textos de sacrifícios de propiciação.

A Eucaristia é um sacrifício que no modo mais intimo une todos os fiéis em um Corpo em
Cristo. Por isso, depois da transformação dos santos Dons assim como antes da
proskomídia, o presbítero relembra a Santíssima Theotokos e todos os santos,
acrescentando: "por suas orações, salva-nos, ò Deus"; e aí ele vai para a comemoração dos
vivos e dos mortos — a Igreja de Cristo completa.
A Eucaristia é também o sacrifício de súplica: pela paz das Igrejas, pela boa condição do
mundo, pelas autoridades, por aquele com enfermidades e trabalhos, por todos que pedem
ajuda — "e por todos os homens e mulheres."

Conclusões de um caráter litúrgico.

Dos relatos do Evangelho e dos escritos dos Apóstolos e da prática da Igreja antiga, deve-se
tirar as seguintes conclusões:

a) na Eucaristia, como aos Apóstolos foram dados na Mística Ceia, assim também deve ser
dado aos fiéis não só o Corpo de Cristo, mas também o Sangue de Cristo. "Bebei todos
dele," o Salvador ordena (Mt 26:27). "Examine-se pois o homem a si mesmo, e assim coma
deste pão e beba desse cálice" (1 Co 10:17). (Isso não é observado na Igreja Latina, onde os
leigos são privados do cálice).

b) "Porque todos participamos do mesmo pão" (1 Co 10:17), escreve o Apóstolo. Na Igreja


antiga toda comunidade participava de um único pão, e na Liturgia Ortodoxa é abençoado e
partido um pão, assim como um cálice é abençoado. (A benção de "um" pão foi também
violada pela Igreja Latina no segundo milênio)

c) Em todas as passagens da Sagrada Escritura onde o pão da Eucaristia é mencionado, o


pão é chamado de artos em grego (Jo cap.6; Evangelho de Mateus, Marcos, Lucas, no
Apóstolo Paulo e nos Atos dos Apóstolos). Artos usualmente significa o pão de trigo que
cresceu com o uso de fermento ("não fermentado" é expresso em grego pelo adjetivo
azymus): é sabido que nos tempos apostólicos — isto é, do início mesmo, da sua instituição
— a Eucaristia era celebrada durante o ano todo, semanalmente, quando os judeus
preparavam pão ázimo; isso significa que era celebrada, mesmo nas comunidades judaico-
cristãs, com pão fermentando. Mas ainda isso pode ser dito das comunidades de Cristãos
convertidos do paganismo, para quem a lei a respeito de pão ázimo era inteiramente
estranha. Na Igreja dos primeiros Cristãos o material para o Mistério da Eucaristia, como é
bem sabido, era igualmente pego nas oferendas do poço, que, sem nenhuma dúvida, trazia
para a Igreja de suas casas o pão usual, fermentado; ele era destinado para ser usado, ao
mesmo tempo, nas festas-de-amor (ágape) e para ajudar os pobres.

A necessidade da Comunhão.

Receber comunhão do Corpo e Sangue do Senhor é essencial, necessário, salvífico e


consolador e é obrigação de todo Cristão. Isso é evidente nas palavras do Salvador que Ele
proclamou quando dando a promessa a respeito do Mistério da Eucaristia: "Na verdade, na
verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu
sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
tem a vida eterna..." (Jo 6:53-54).

Os frutos salvíficos ou efeitos do Mistérios da Eucaristia, se nós pó comungamos


dignamente, são os seguintes: ele nos une da maneira mais intima com o Senhor: "Quem
come a Minha Carne e bebe o Meu Sangue, permanece em Mim, e Eu Nele" (Jo 6:56).
Ele nutre nossa alma e corpo e ajuda em nossa fortificação, melhora o crescimento na vida
espiritual: "Assim quem de Mim se alimenta, também viverá por Mim" (Jo 6:57).

Tendo recebido igualmente, ele serve para nós como fiança da futura ressurreição e da vida
abençoada eternamente: "quem comer este pão viverá para sempre" (Jo 6:58).

No entanto, devesse lembrar que a Eucaristia oferece esses frutos salvíficos somente para
aqueles que dela se aproximam com fé e arrependimento; mas uma participação indigna no
Corpo e Sangue de Cristo traz é muito mais condenação: "Porque o que come e bebe
indignamente come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o Corpo do
Senhor" (1 Co 11:29).

Arrependimento.

O Mistério do Arrependimento é um rito sagrado doador de graça no qual, depois que o


fiel oferece o arrependimento pelos seus pecados, a remissão dos pecados é concedida pela
misericórdia de Deus através da intermediação de um pastor da Igreja, de acordo com a
promessa do Salvador.

No Mistério do Arrependimento as aflições espirituais do homem são tratadas, impurezas


da alma são removidas e o Cristão, tendo recebido o perdão dos pecados, torna-se de novo
inocente e santificado, assim como ele saiu das águas do batismo. Por essa razão, o
Mistério do Arrependimento é chamado de "medicina espiritual." Os pecados, que puxam o
homem para baixo, que embotam e embrutecem sua mente, coração e consciência, que cega
sua contemplação espiritual, que tornam impotente sua vontade Cristã — são aniquilados, e
a ligação viva do homem com a Igreja e com o Senhor Deus é restaurada. Sendo liberado
do fardo dos pecados, o homem de novo chega à vida espiritual e torna-se capaz de se
reforçar e tornar-se perfeito no bom caminho cristão.

O Mistério do Arrependimento consiste em duas ações básicas: 1) a confissão de seus


pecados diante de um pastor da Igreja pela pessoa vinda para o Mistério; e 2) a oração de
perdão e remissão dos pecados, pronunciada pelo pastor.

Esse Mistério é chamado também de Mistério da confissão (ainda que a confissão dos
pecados compreenda somente a primeira e preliminar parte do Mistério), e isso indica a
importância da revelação sincera de uma alma e a manifestação dos pecados.

Confissão — isto é, pronunciamento de algo — é a expressão de arrependimento interior,


seu resultado, seu indicador. E o que é arrependimento? Arrependimento não é só a
consciência do pecado ou o simples conhecimento de si próprio como indigno; não é nem
mesmo contrição ou pesar (apesar de todos esses aspectos deverem entrar no
arrependimento). Antes, é um ato de vontade de correção, um desejo, uma firme intenção,
uma resolução, de batalhar contra as inclinações malignas; e essa condição da alma é unida
com um pedido para ajuda de Deus na batalha contra outras indignações malignas, tal
arrependimento genuíno e sincero é necessário para que o efeito desse Mistério possa
estender-se não só para remover os pecados, mas também para que possa entrar na alma
aberta uma doadora de graça cura que não permita que a alma de novo seja imersa na
imundície do pecado.

A simples proclamação em voz alta das aflições da alma e das quedas diante de um pai
espiritual — a confissão dos pecados — tem importância pois por meio dela a superação a)
do orgulho, a fonte principal dos pecados, e b) do desânimo vindo da desesperança na
correção e salvação. A manifestação do pecado leva-nos próximo de afasta-lo de nós.

Os que se aproximam do Mistério do arrependimento se preparam para ele por um esforço


de oração, jejum, e mergulho profundo em si próprio, com o objetivo de descobrir e
reconhecer seus pecados.

A misericórdia de Deus vai ao encontro do Cristo arrependido, através dos lábios do pai
espiritual, que o Pai Celestial não rejeita aquele que vem à Ele, assim como Ele não rejeitou
o filho pródigo e o publicano arrependido. Esse testemunho consiste nas palavras da oração
especial e das palavras especiais de remissão que são pronunciadas pelo presbítero.

A Instituição do mistério.

O Senhor institui o Mistério do Arrependimento, depois de Sua Ressurreição, quando tendo


aparecido para Seus discípulos, que, à exceção de Tomé, estavam reunidos, solenemente
disse a eles: "Paz seja convosco E dizendo isso assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o
Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados lhe serão perdoados: e àqueles a
quem o retiverdes lhes serão retidos" (Jo 20:21-23). Alem disso, mesmo antes disso, Cristo
o Salvador por duas vezes fez uma promessa sobre esse Mistério. A primeira Ele disse ao
Apóstolo Pedro, quando este, em nome de todos os Apóstolos, confessou ser Ele o Filho de
Deus: "E eu te darei as chaves do reino do céu; e tudo o que ligares na terra será ligado nos
céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus" (Mt 16:19). A segunda vez
Ele testemunhou para todos os Apóstolos: "...e, se ele não escutar, considera-o como gentio
e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e
tudo que desligardes na terra será desligado no céu" (Mt 18:17-18).

Presbíteros são só os instrumentos visíveis da realização do Mistério, que é realizado


através do próprio Deus.

São João Crisóstomo tendo em mente a Divina instituição dos pastores na Igreja para ligar
e desligar, diz: "Os presbíteros decretam em baixo, Deus confirma acima, e o Mestre
concorda com a opinião de Seus escravos." O presbítero é aqui um instrumento da
misericórdia de Deus, e redime os pecados não por sua autoridade, mas em nome da
Santíssima Trindade.
Os efeitos invisíveis da graça no Mistério do Arrependimento, em sua extensão e poder,
abrange todos os atos ilegais do homem, e não há pecado que não possa ser perdoado no
homem se ele sinceramente se arrepender e confessar o pecado com viva fé no Senhor
Jesus Cristo e esperança em Sua misericórdia. "Eu não vim a chamar os justos, mas os
pecadores ao arrependimento" (Mt 9:13), disse o Salvador, e o pecado tão grande do
Apóstolo Pedro, Ele perdoou quando Pedro se arrependeu sinceramente. É sabido que o
Apóstolo Pedro chamou para o arrependimento até os judeus que crucificaram o verdadeiro
Messias (At 2:38), e depois ele chamou o Simão, o Feiticeiro, o ancestral de todos os
heréticos (At 8:22); o Apóstolo Paulo deu remissão para o homem incestuoso que se
arrependeu, submetendo primeiro a uma excomunhão temporária (2 Co 2:7).

De outro lado, é essencial lembrar que a remissão dos pecados do Mistério é um ato de
misericórdia, mas não uma piedade irracional. É dada para o proveito espiritual do Homem,
para a edificação e não para a destruição" (2 Co 10:8). Isso deixa uma grande
responsabilidade para quem realiza o Mistério.

A Sagrada Escritura fala de casos ou condições em que pecados não são perdoados. Na
palavra de Deus há menção à blasfêmia contra o Espírito Santo, que "não será perdoada ao
homem, nem nesse século, nem no futuro" (Mt 12:31-32). Da mesma forma é falado do
pecado para a morte, para o perdão do qual não digo que ore (1 Jo 5:16). Finalmente, o
Apóstolo Paulo instrui que "é impossível que os que já uma vez foram iluminados, e
provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, e recaíram, sejam outra vez
renovado para arrependimento, pois assim quanto a eles, de novo crucificam o Filho de
Deus, e o expõe ao vitupério" (Heb 6:4-6).

Em todos esses casos, a razão pela qual o perdão dos pecados não é possível é para ser
encontrada nos próprios pecadores e não na vontade de Deus; mas precisamente, na falta de
arrependimento dos pecadores. Como pode um pecado ser perdoado pela graça do Espírito
Santo, quando blasfêmia é lançada contra essa própria graça? Mas deve-se acreditar que,
mesmo nesses pecados, os pecadores, se oferecerem arrependimento sincero e lamentarem
sobre seus pecados, serão perdoados." "pois," diz São João Crisóstomo sobre a blasfêmia
contra o Espírito Santo, "mesmo essa culpa será redimida para aqueles que se
arrependerem. Muitos daqueles que lançaram blasfêmia contra o Espírito subseqüentemente
vieram a crer, e tudo foi redimido neles" (Homilias sobre o Evangelho de São Mateus).
Além disso, os padres do Sétimo Concílio Ecumênico falam da possibilidade do perdão de
pecados para a morte: "O pecado para a morte é quando, depois de pecar, o pecador não se
corrige... Nesse pecador o Senhor Jesus não habita, a menos que ele se humilhe e se recobre
da queda no pecado. È adequado para o pecador aproximar-se mais uma vez de Deus e com
o coração contrito peça pela remissão dos pecados e perdão, e não vanglorie-se sobre um
ato injusto. ‘Perto está o Senhor dos que têm o coração quebrantado, e salva os contritos de
espírito" (Ap 2:1-5).

Epitimia (Penitência).

Por "epitimia" deve ser entendido uma interdição ou punição (2 Co 2:6) onde de acordo
com os canons da Igreja, o presbítero como um medico espiritual decreta para determinado
cristão arrependido de modo a tratar de suas doenças mortais. Tais penitencias por
exemplo, são: jejum especial, acima do que é dado para todo mundo: orações de
arrependimento junto com um numero definido de prostrações e outras. A forma básica de
epitimia que existiu na pratica da Igreja antiga era suspensão da Comunhão dos Santos
Mistérios por um período maior ou menor.

Na Igreja antiga existia um rito de arrependimento publico pelos "caídos" e em particular


por aqueles que não haviam se mantido firmes na fé durante as perseguições. De acordo
com esse rito, os penitentes eram divididos em quatro classes: a) os "pranteadores," que não
tinham o direito de estar presente nos serviços divinos públicos, e estendendo suas mãos
para o pórtico da Igreja, chorando deveriam implorar para os que estavam entrando na
Igreja que orassem por eles; b) os "ouvintes" a quem era permitido estar no nartex da Igreja
o tempo todo até ao final da Liturgia dos catecúmenos; c) os "prostadores," que entravam
na Igreja, mas também não participavam da Liturgia dos fiéis; depois da Liturgia, de
joelhos dobrados, lhes era concedida a benção pastoral; d) a classe dos que "permaneciam
juntos" com os fiéis por toda a Liturgia, mas não podiam receber a comunhão dos Santos
Mistérios (De acordo com os canons do Primeiro Concílio Ecumênico (e seus comentários),
ver Seven Ecumenical Concils, pg 24-27, Eerdmans).

As penitencias não são dadas para todo mundo mas só para alguns cristãos arrependidos:
para aqueles que, ou pela seriedade ou gravidade de seus pecados, ou pelo caráter de seu
arrependimento, tinham necessidade desses tratamentos espirituais. Tal interdição foi
estabelecida pelo Apóstolo Paulo para o Cristão de Corinto que havia cometido incesto,
quando para trata-lo, o Apóstolo ordenou que ele fosse excomungado da Igreja e do contato
com os fieis e que ele: "... seja entregue a Satanás para a destruição da carne, para que o
espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus Cristo" (1 Co 5:1-5). E então, após sua sincera
contrição, o Apóstolo ordena que ele seja recebido em comunhão na Igreja, de novo (2 Co
2:6-8).

As penitências têm o caráter de punição, mas não no estrito senso e não para uma
"satisfação pelos pecados," como a teologia romana ensina. São atos que são corretivos,
curadores, pedagógicos. Seu propósito é aumentar o pesar pelos pecados cometidos e apoiar
a resolução da vontade ser corrigida . O Apóstolo diz: "...a tristeza segundo Deus gera
arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo
opera a morte" (2 Co 7:10). Isso é, a tristeza por Deus produz um imutável arrependimento
para a salvação.

Os canons dos santos Concílios e os Santos padres afirmam que as penitências na


antigüidade eram consideradas meios de cura espiritual; que os antigos pastores, dando
essas penitências para os pecadores, não estavam meramente preocupados em punir
justamente uns mais e outros menos, de acordo com os crimes de cada um, para a satisfação
própria da justiça de Deus para os pecados, mas que eles tinham em mente a boa influência
dessas punições sobre os pecadores. Por isso, se eles vissem a necessidade de punição, eles
a diminuiriam, encurtariam o tempo da interdição, ou removeriam a penitência por
completo. Um cânon do Sexto Concílio Ecumênico diz: "Convém àqueles que receberam
de Deus o poder de ligar e desligar, considerar a qualidade do pecado, e se o pecador está
pronto para a conversão, e aplicar remédio adequado para a doença, para que ele não seja
injusto em cada um desses aspectos e não falhe em relação à cura do homem doente. Pois a
doença do pecado não é simples, mas variada e multiforme, e ela germina muitos rebentos
malignos dos quais muito mal é difuso, e continua até que é conferida pelo poder do
médico" (Cânon 102 do Concílio Quinisext (considerado como parte do Sexto Concílio
Ecumênico); Seven Ecumenical Councils, p 408, Erdmans).

A visão Católica Romana.

Do que foi dito acima fica clara a inaceitabilidade da visão Católica Romana das
penitências, que procede de conceitos legais de acordo com os quais: a) todo pecado ou
soma de pecados deve ter uma punição eclesiástica (à parte o fato que freqüentemente
infortúnios por exemplo, doenças são uma recompensa pelos pecados, assim com
freqüência o pecador pode ver em seu dado uma punição divina pelos pecados); b) essa
punição pode ser removida por uma "indulgência," que pode ser dada até mesmo
antecipadamente aos pecados, por exemplo, por ocasião da celebração de Jubileus, (Os
teólogos católicos romanos dividem as boas obras em dois aspectos: mérito pessoal (que é
pessoal e não transferível), e satisfação (expiação); esse último aspecto pode ser transferido
para outros que têm falta de "satisfação." A "satisfação" de todos os santos (e primeiro de
todos, do próprio Cristo) formaram um "tesouro" que o Papa distribui para os fiéis por meio
de "indulgências" formalmente definida como "a remissão de punição temporal devida ao
pecado, a culpa do qual foi perdoada. "Obras suprarogatórias," ou "obras de superrogação"
são o "excesso" de satisfação dos santos, não requerido para sua salvação, que entram no
acima mencionado "tesouro" (ver Catholic Encyclopedia 1913 Ed., Artigo "Indulgences").
Todas essas idéias foram desenvolvidas no século XIII pelo Escolásticismo e são
totalmente estranhas ao pensamento Ortodoxo).

Se entre certos professores da Igreja antiga, as penitências eram chamadas de "satisfação,"


elas eram assim chamadas só no sentido moral, como um meio de aprofundar a consciência
do pecado no pecador, isso sendo "satisfatório" para o fim de edificação, mas não como
uma justificação legal.

Deve-se distinguir do Mistério da Confissão a orientação moral do pai espiritual, algo


muito generalizado na antigüidade e agora em uso especialmente entre monásticos.
Freqüentemente a orientação era (ou é) dada por pessoas que não foram consagradas, isto é,
que não têm grau sacerdotal, quando sobre eles recai a obrigação de guiar seus filhos
espirituais. A confissão dos pensamentos e atos diante do guia espiritual tem um significado
psicológico imenso no sentido de crescimento moral, para correção das inclinações
malignas, a superação das dúvidas e flutuações e assim por diante. Mas essa orientação
espiritual não tem a importância de um Mistério de uma ação doadora de graça.

Sacerdócio.

A respeito do ministério pastoral na Igreja nós já falamos na seção sobre hierarquia da


Igreja (cap 7). Foi mostrado lá que a hierarquia foi estabelecida na Igreja pelo próprio
Senhor Jesus Cristo, que ela esteve na Igreja desde seu início e que no período Apostólico
ela recebeu uma organização em três graus (bispo — presbítero — diácono).

Mas o ministério hierárquico na Igreja, especialmente aqueles do bispo e do presbítero, é


um ministério especial, um ministério excepcional: é um ministério de graça. Aí nós
encontramos o pastoreio do rebanho de Deus, o maior exemplo do qual foi dado pelo
Senhor em Seu ministério terrestre: "Eu sou o bom pastor e conheço as minhas ovelhas e
das minhas sou conhecido. Dou a minha vida pelas ovelhas" (Jo 10:14-15). Aqui nós temos
uma posição perante o Senhor em oração não só por si mesmo, mas também pelo povo.
Aqui nós encontramos a orientação das almas dos homens no caminho para eles atingirem o
Reino do Céu. O clero, em nome de todo o povo, oferece o Sacrifício Sem Sangue na
Divina Liturgia. E se para toda boa obra nós pedimos a benção de Deus e o auxílio de Deus,
podemos nós imaginar entrar em um ministério pastoral — tão exaltado e responsável —
entrando nele para toda a vida — sem a invocação da graça de Deus que abençoa esse
trabalho, que coopera com ele e reforça o futuro pastor? Essa benção de fato tem lugar. Ela
é trazida sobre aquele que se aproxima com sagrado tremor para a recepção do dom do
sagrado Ministério do Sacerdócio, através da imposição de mãos de um bispo que carrega
por sucessão a graça do sacerdócio, acompanhado pelas orações da inteira congregação do
clero e povo que estão presentes no Divino ofício. É chamado também de Mistério da
Cheirotonia.

A Sagrada escritura dá indicações claras e diretas que a colocação no grau do sacerdócio é a


comunicação de um dom místico especial de doação de graça, sem o qual esse ministério
pode ser preenchido.

Cheirotonia (na Igreja Antiga).

De acordo com a expressão dos Atos dos Apóstolos, quando os Apóstolos que em tudo
agiam de acordo com a instrução de Cristo e inspiração do Espírito Santo, acharam
necessário colocar diáconos na Igreja para servir mesas — primeiro mesas comuns, e mais
tarde também a Mesa do Senhor — para aliviar os serviços dos Apóstolos, eles antes de
tudo ofereceram para a reunião dos seus discípulos escolher entre eles sete homens bem
reputados cheios com o Espírito Santo e sabedoria. E quando eles haviam sido escolhidos e
colocados diante dos Apóstolos, "estes orando, lhes impuseram as mãos" (At 6:2-6). Aqui
com absoluta clareza e separação, são colocados à parte um do outro, como dois atos
distintos, a eleição de certas pessoas para o Ministério do Diaconado e a imposição de mãos
sobre elas com orações. A eleição é algo meramente humano, enquanto a imposição de mão
é uma ação sagrada especialmente dirigida para esse fim, e um ato de Divina graça.

No mesmo livro dos Atos dos Apóstolos nós temos indicação da imposição de mãos como
um ato sagrado por meio do qual presbíteros também eram ordenados na Igreja dos
primeiros tempos, Falando de como os Apóstolos Paulo e Barnabé iam pregando através
das cidades da Ásia Menor — Derbe, Listra, Icônio e Antioquia — aumentando nelas o
número de Cristãos, o escritor do livro, o santo Apóstolo Lucas, nos informa "e havendo-
lhes... ordenado (cheirotonia; na versão de João Ferreira de Almeida: eleito) anciãos em
cada igreja, orando com jejuns, os encomendaram ao Senhor..." (At 14:23). Aqui a
imposição de mãos, de um lado, e apresentada como um ato sagrado conhecido por todos,
por meio da qual os presbíteros eram ordenados para uma ou outra Igreja, e de outro lado
como um ato sagrado que tem uma importância especial como fica claro pelo fato de ter
sido realizado pelos próprios Apóstolos Paulo e Barnabé. Fica claro daí que essa ordenação
não foi meramente um rito ou um sinal, mas sim a comunicação de um dom especial. E isso
é confirmado mais tarde com toda ênfase pelo mesmo Apóstolo Paulo, quando em sua
conversa de despedida com os presbíteros na Igreja de Éfeso ele assim se expressa a
respeito deles: "Olhai por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constitui
bispos, para apascentardes a Igreja de Deus, que Ele resgatou com seu próprio sangue" (At
20:28). Que essa colocação pelo Espírito Santo foi através da colocação apostólica de mãos
ou ordenação é evidente no texto acima citado (At 14:23).

Finalmente nas Epístolas do Apóstolo Paulo a Timóteo nós temos uma indicação direta e
clara da ordenação como ação sagrada doadora de graça pela qual bispos eram apontados.
Assim, na Primeira Epístola a Timóteo, que foi bispo da Igreja de Éfeso, o Apóstolo
escreve: "Não desprezes o dom que há em ti, o qual te foi dado por profecia, com a
imposição das mãos do presbitério" (1 Tim 4:14). Em sua outra Epístola para Timóteo ele
escreve: "Não desprezes o dom que há em ti, o qual te foi dado por profecia, com a
imposição das mãos do presbitério" (1 Tim 4:14). Em sua outra Epístola para Timóteo ele
escreve: "Por cujo motivo te lembro que despertes o dom de Deus que existe em ti pela
imposição das minhas mãos" (2 Tim 1:16). Juntando essas duas passagens nós vemos que
Timóteo foi ordenado para o sacerdócio pelo próprio Apóstolo Paulo, ou o que é a mesma
coisa, por uma assembléia dos anciãos mais velhos sobre a presidência do Apóstolo Paulo;
e da mesma forma, que nessa ação sagrada foi comunicada à Timóteo o dom de Deus e esse
dom é para permanecer com ele para sempre com sua herança. Dele é solicitada uma só
coisa: não negligenciar o dom, mas mantê-lo aquecido. Que a imposição de mãos aqui
significa nada mais que uma ordenação episcopal fica inteiramente confirmado pelas
instruções seguintes a Timóteo; delas é evidente que ele foi revestido com autoridade para
ordenar outros (1 Tim 5:22), ter supervisão sobre aqueles presbíteros que estavam em sua
jurisdição (1 Tim 5:17-19), e em geral ser um construtor "na Igreja de Deus, que é a igreja
de Deus vivo" (1 Tim 3:15).

"Eleição" e "Ordenação" na Igreja Antiga.

O que tem sido dito leva-nos à indubitável conclusão que os Apóstolos pela autoridade de
Cristo, estabeleceram três graus hierárquicos, e que para a elevação de pessoas selecionadas
para esses três degraus foi estabelecida ordenação, que comunica aos ordenados a graça
ativa de deus que é indispensável para seu ministério. Não é necessário dizer que os
sucessores dos Apóstolos, os bispos tinham que preencher precisamente o que tinha sido
decretado pelos Apóstolos: isto é, ordenação através da imposição de mãos, juntando nela o
mesmo significado exaltado e a mesma importância que tinha sido dada pelos Apóstolos.

E assim tem sido de fato na Igreja nos últimos tempos.

Apesar de na Igreja dos primeiros tempos a ordenação para o grau do sacerdócio ocorrer
depois de uma eleição geral, com a concordância da comunidade da Igreja ou da Igreja
local, essa "ordenação" era um ato totalmente separado e distinto da concordância ou
eleição, e era realizada por pessoas iguais em autoridades aos Apóstolos, e que eram
sucessores deles: os bispos. Assim permaneceu até os nossos dias. Entre os primeiros
testemunhos disso podemos indicar a homilia de São Irineu de Lyon (segundo século), que
diz: "Deve-se seguir esses presbíteros (no sentido de "mais velhos" na Igreja, isto é,
bispos), que estão na Igreja e que, como indicamos, têm a sucessão dos Apóstolos, e que
junto com a sucessão do episcopado, pela boa disposição do Pai, receberam o confiável
dom da "verdade." A expressão, "com a sucessão do episcopado, receberam o dom da
verdade," para evidentemente do dom da graça recebido pela sua ordenação. A mesma idéia
pode ser encontrada também em Tertuliano. Em Clemente de Alexandria (terceiro século)
já há uma indicação definitiva de que a "eleição" não é tudo que é dado pela ordenação da
imposição das mãos, assim como a eleição por Cristo dos Apóstolos entre os quais estava
Judas, não foi a mesma coisa que a "ordenação" que os Apóstolos subseqüentemente
receberam através do sopro de Cristo (Jo 20:22). A eleição de certas pessoas para o
sacerdócio é o trabalho de homens, mas a ordenação delas não é trabalho de homens, mas
de Deus (Clemente, Stromata).

Os Canons Apostólicos ordenam: "Que um bispo seja ordenado por dois ou três bispos.
Que presbíteros, diáconos, e o resto do clero sejam ordenados por um bispo" (Cânon 1 e 2);
(Seven Ecumenical Councils, p. 594, Eerdmans). Nesses casos é estabelecida a não
repetitividade da cheirotonia (ordenação): "Se qualquer bispo, presbítero ou diácono
receber de alguém uma segunda ordenação, que tanto o ordenado quanto o ordenador seja
depostos; a menos que de fato possa ser provado que a ordenação tinha vindo de heréticos"
(cânon 68; pg 598, Eerdmans). Assim a graça dada na cheirotonia do sacerdócio é
reconhecida como tão imutável e indelével quanto a graça dada no batismo. No entanto, a
graça da cheirotonia é especial e distinta da graça que é dada no Batismo e no Mistério do
Crisma.

A Essência e as Palavras da Efetuação do Mistério.

Assim o Mistério do Sacerdócio é uma ação sagrada que, através da imposição das mãos
com orações por um bispo sobre a cabeça da pessoa escolhida, traz para essa pessoa a
divina graça que santifica e a ordena para determinado grau de hierarquia da Igreja e mais
tarde coopera com a pessoa para passar através das obrigações hierárquicas. A oração da
cheirotonia é a seguinte: "A divina graça que sempre cura o que está enfermo e completa o
que está faltando, eleva (nome) o devotadíssimo subdiácono, para ser diácono (ou diácono,
para ser presbítero). Por isso, oremos por ele, para que a graça do Santíssimo Espírito venha
sobre ele."

O Mistério da Cheirotonia é sempre incluído no rito da Divina Liturgia. Distinta do


Mistério da Cheirotonia é a ordenação por oração para as ordens menores do clero (leitor,
subdiácono); essa ordenação é chamada de cheirotesia (de uma palavra grega que tem um
significado puramente eclesiástico Cristão e veio a ser usado mais tardiamente).

O celibato dos Bispos.


Para um bispo existe a obrigação do celibato. Nos primeiros séculos do Cristianismo tal
demanda não era obrigatória, mas mesmo nos tempos apostólicos era permitido aos bispos
evitar o casamento com o objetivo da luta ascética de continência. Esse costume tornou-se
reforçado e o Sexto Concílio Ecumênico fez dele um cânon. Com respeito a presbíteros e
diáconos, a Igreja considerou que tal carga não deveria ser posta sobre eles como
obrigatória, e que o antigo cânon que proíbe o clero, depois da ordenação, casar, mas que
aceita ao Mistério do Sacerdócio pessoas que já sejam casadas, olhando mesmo isso como
natural e normal, fosse seguido. Um segundo casamento assim como ter como mulher uma
que já tivesse sido casada, são obstáculos para a ordenação. Na Igreja Romana do quarto ao
sexto século, o celibato começou a ser introduzido igualmente para padres e diáconos. Essa
inovação foi rejeitada pelo Sexto Concílio Ecumênico; mas essa proibição não foi atendida
pelos Papas romanos.

Os Protestantes rejeitam o sacerdócio como um "sacramento." Seus pastores são só eleitos e


apontados pelo povo, mas não recebem nenhum tipo especial de consagração, e nesse
sentido eles não são distinguidos de nenhum membro comum de suas comunidades.
Historicamente isso é explicado pela oposição aos abusos de direitos pelo clero latino no
final da Idade Média. Os Protestantes fizeram como sua justificativa teórica a opinião que a
ordenação ao sacerdócio começou a ser chamado pelo nome fixo de "sacramento" somente
em tempos mais recentes. Mas com certeza tal justificativa não tem nenhum valor. Nós
vemos do ensinamento e da prática dos Apóstolos, e da constante crença da Igreja, que
cheirotonia desde o inicio era uma ação sagrada doadora de graça sacramental, e portanto o
fato de que em um período posterior ela começou a ser chamada de "sacramento" não
introduziu nada novo, mas só expressou sua essência mais precisamente em uma só
palavra. De modo similar, por exemplo, o termo homoousios, aceito no Primeiro Concílio
Ecumênico, não introduziu nada novo no antigo ensinamento da Igreja sobre a Divindade
do Filho de Deus, mas só definiu mais precisamente e confirmou a divindade.
Desafortunadamente, eruditos protestantes, defendendo a falsa posição do Protestantismo,
continuam teimosamente, mas sem prova, a deduzir os reais conceitos dos Mistérios
Cristãos da prática dos mistérios pagãos.

Matrimônio.
O Propósito da Família Cristã.

A família, como é bem sabido, constitui a célula fundamental do organismo da sociedade,


sendo o núcleo e base da sociedade. Assim também na militante Igreja de Cristo é a família
a unidade básica do corpo da Igreja. Por essa razão a família Cristã é chamada nos escritos
dos Apóstolos de uma "Igreja": "Saudai a Priscila e a Áquila, meus cooperadores em Cristo
Jesus... e a igreja que está em sua casa" (Ro 16:3-5). "...saudai à Ninfa, e à igreja que está
em sua casa" (Col 4:15). Daí é compreensível que grande atenção deveria ser dada à família
do ponto de vista da Igreja, para que a família possa preencher seu propósito de ser uma
pequena "Igreja."
Há ainda outro caminho para a vida pessoal que é abençoado no Cristianismo: virgindade
ou celibato. Celibato por Cristo criou outro tipo de unidade social Cristã: monasticismo. A
Igreja o coloca acima da vida casada, e na verdade na história da Igreja o monasticismo tem
sido um elemento líder, orientador, um suporte da Igreja, pondo em realização no mais alto
nível a lei moral do Evangelho, e preservando os dogmas, os ofícios Divinos, e outras bases
da Igreja.

No entanto, nem todos podem tomar para si os votos da virgindade em nome de Cristo e da
Igreja. Por isso, enquanto abençoa a virgindade como uma forma de vida escolhida e
perfeita a Igreja abençoa também a vida casada para aqueles que não conseguem tomar os
votos da virgindade, vida que é ao mesmo tempo difícil pelos objetivos que são colocados
para uma família cristã, e essa benção é conhecida como Mistério.

O Significado do Mistério.

No Mistério do Matrimônio, a Igreja invoca a ajuda de Jesus sobre aqueles que estão se
casando, para que eles posam compreender, cumprir e atingir os objetivos postos diante
deles, nomeadamente: ser uma "igreja do lar," estabelecer dentro da família reais relações
Cristãs, criar crianças na fé e vida coerentes com o Evangelho, ser um exemplo de piedade
para aqueles à sua volta, suportar com paciência e humildade as inevitáveis tristezas e,
freqüentemente, sofrimentos que visitam a vida familiar.

O Momento Central do Mistério.

O momento inicial da existência Cristã é a ação sagrada do Matrimônio. A parte mais


importante no rito do Mistério do Matrimônio é a colocação das coroas sobre as cabeças
daqueles que estão sendo casados com as palavras: "O servo de Deus (nome) é coroado
com a serva de Deus (nome) em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo," e então a
benção comum aos dois com a curta oração repetida três vezes: "O Senhor nosso Deus,
coroa-os com glória e honra."

Matrimônio como Instituição Divina.

Que o matrimônio tem a benção de Deus é dito muitas vezes na Sagrada Escritura. Assim
em Gênesis 1:27-28 nós lemos: "E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus
o criou; macho e fêmea os criou. E Deus o abençoou, e Deus lhe disse: Frutificai e
multiplicai-vos e enchei a terra" . Da mesma forma em Gênesis 2:18-24, o escritor da
Gênesis, tendo falado da criação da mulher da costela de Adão e como ela foi conduzida ao
homem (Adão), acrescenta: "Portanto deixará o varão o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à
sua mulher, e serão ambos uma só carne."

O próprio Salvador, ordenando a fidelidade a ser preservada no matrimônio e proibindo o


divórcio, menciona as palavras do livro da Gênesis e instrui: "Portanto o que Deus ajuntou
não o separe o homem" (Mt 19: 4-6). Essas palavras do Senhor claramente testemunham a
favor da dignidade moral do matrimônio. O Senhor Jesus Cristo santificou o matrimonio
pela Sua presença nas bodas de Canaã na Galiléa, e aí Ele realizou Seu primeiro milagre.
O Apóstolo Paulo compara o caráter místico da Igreja com o matrimônio nessas palavras:
"Vós, maridos amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se
entregou por ela." E adiante, "Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua
mulher, e serão dois em uma só carne. Grande é esse mistério: digo-o, porem, a respeito de
Cristo e da igreja" (Ef 5:25 e 31-32). O Apóstolo Paulo fala mais em detalhe sobre
matrimonio e virgindade acima do matrimônio, ele não condena o matrimonio, ordenando
que ele seja preservado e advertindo que não se deve separar-se nem de descrente, na
esperança de converter o (a) companheira (o) para a fé. Tendo indicado os elevados
impulsos para permanecer na virgindade, em conclusão ele diz o seguinte: "Todavia os tais
terão atribulações na carne, e eu quereria poupar-vos" (1 Co, 1:28).

Tendo em mente o propósito Cristão do matrimônio, a Igreja proíbe que um membro dela
se case com heréticos (Cânon do Quarto e Sexto Concílios), e igualmente com aqueles de
outras religiões (Ver cânon 14 do Concílio de Calcedônia e Cânon 12 do Quinisexto (Seven
Ecumenicals Councils, págs 278-9 e 397). A Igreja Ortodoxa em tempos modernos não tem
sido tão estrita. A regra atual na Igreja Russa fora da Rússia, por exemplo, permite que
Ortodoxos casem-se com não-ortodoxos que estão próximos na fé à Ortodoxia: Católicos
Romanos, Armênios, Episcopais, Luteranos, Presbiterianos. Outras Igrejas Ortodoxas tem
hoje em dia regras similares. O cânon 72 no Quinisexto também permite que Ortodoxos
convertidos permaneçam com seus esposos depois da conversão, pois como diz o Apóstolo
Paulo: "Porque o marido descrente é santificado pela mulher; e a mulher descrente é
santificada pelo marido" (1 Co 7:14). Na prática real, "matrimônios mistos" não são
condutores à formação de "Igrejas domésticas" ou à preservação da Ortodoxia fervorosa
nas crianças de tal união, e a conversão para a Ortodoxa do esposo não-Ortodoxa é muito
mais desejável).

A Indissolubilidade do Matrimônio.

A Igreja só em circunstancias excepcionais concorda com a dissolução do matrimônio,


principalmente quando ele foi maculado pelo adultério, ou quando ele foi destruído pelas
condições de vida (por exemplo, longa ausência de um dos esposos, sem noticia). A entrada
num segundo matrimônio depois da morte de um marido ou mulher, ou em geral a perda de
um esposo pelo outro, é permitida pela Igreja, apesar de nas orações por aqueles que estão
se casando pela segunda vez, é pedido perdão pelo pecado do segundo matrimônio. Um
terceiro matrimônio é tolerado e só como mal menor para evitar o mal maior — a vida
imoral (como Basílio, o Grande explica).

Santa Unção.
A Essência do Mistério.

O Mistério da Unção é um ato sagrado no qual, enquanto o corpo é ungido com óleo, a
graça de Deus que cura enfermidades da alma e do corpo é chamada sobre uma pessoa
doente (Orthodox Catechism, p 65). É realizada por um grupo de sacerdotes, idealmente
sete, no entanto pode ser realizada por um número menor, até mesmo por um único
presbítero.

A Divina Instituição do Mistério.

Mesmo nos tempos do Velho Testamento óleo significava graça, alegria, um prazer para a
vida. Unção dos enfermos com óleo era feita pelos Apóstolos, como nós lemos no
Evangelista Marcos (6:13) "... e ungiam muitos enfermos com óleo, e os curavam."

O testemunho mais claro do Mistério da Unção é encontrado no Apóstolo Tiago (5:14-15):


"Está entre vós alguém doente? Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-
o com azeite em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará;
e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados." O Apóstolo fala aqui não de um
"dom" especial de cura; ao invés ele prescreve a ação sagrada em uma forma definida que
era para entrar nos costume da Igreja: a realização dela pelos presbíteros da Igreja, orações,
unção; e o Apóstolo junta a isso, como sua conseqüência, a melhora da doença do corpo, e
o perdão dos pecados.

Não se pode entender as palavras do Apóstolo Tiago a respeito de unção com óleo como se
referindo a um método usual de cura daqueles tempos, desde que óleo, com todos os seus
atributos benéficos, não é um meio de cura contra todas as doenças. Os Apóstolos não
introduziram nada de si próprios, mas eles ensinaram somente o que o Senhor Jesus Cristo
havia ordenado a eles, e o que o Espírito Santo havia inspirado neles; e eles não se
chamaram a si próprios de "instituidores" dos Mistérios de Deus, mas só de
"dispensadores" dos Mistérios e "servos de Cristo." Consequentemente a Unção também,
que é ordenada aqui pelo Apóstolo Tiago, tem uma instituição Divina.

Na literatura Cristã antiga pode-se encontrar testemunhos indiretos do Mistério da Unção


em Santo Irineu de Lyon e Orígenes. Mais tarde há claros testemunhos dele em São Basílio
o Grande e São João Crisóstomo, que deixou orações para a cura de enfermos que entraram
depois no Rito da Unção; e da mesma forma em São Cirilo de Alexandria. No século
quinto, o Papa Inocêncio respondeu a uma serie de questões a respeito do Mistério da
Unção, indicando em suas respostas que: a) deveria ser realizada "sobre fiéis que
estivessem doentes"; b) deveria ser realizada também por um bispo, para que ninguém visse
nas palavras do Apóstolo "... chame os presbíteros," nenhuma proibição para um bispo
participar na ação sagrada; c) essa unção não deve ser realizada "sobre aqueles que
estivessem sob penalidade eclesiástica," porque unção não deve ser realizada "sobre
aqueles que estiverem sob penalidade eclesiástica," porque é um "mistério," e se para
alguém estão proibidos os outros mistérios, como permitir-se só um?

Esse Mistério é realizado sobre os doentes que estão capazes de recebe-lo conscientemente
e participando das orações por si próprios; no entanto que ele pode também ser realizado
sobre crianças. O local dessa ação sagrada pode ser ou a Igreja ou o local onde a pessoa
esteja acamada. O Mistério da Unção é usualmente precedido por Confissão e usualmente
concluído com o Mistério da Comunhão.
O lado visível do Mistério compreende sete unções da pessoa doente com óleo pelos
presbíteros participantes em ordem. Isso é feito na forma de cruz na fronte, nas narinas,
bochechas, lábios, peito, dois lados da mão, acompanhados por orações e pela leitura de
passagens especificas de Epístolas e Evangelho. Durante a unção em si, sete vezes é
pronunciada essa oração: "Pai santo, médico das almas e dos corpos, que enviaste o Filho
Unigênito, Nosso Senhor Jesus Cristo, para curar de todo o mal e libertar da morte a todos
os homens, cura também Teu servo (nome)...e continua ..." .

O Rito da Unção começa com o canto do tropário e um cânon; a oração final do rito é uma
oração de remissão dos pecados. Uma completa assembléia de servos de Deus fica diante
Dele em nome da pessoa doente, e pelas orações de fé em nome de toda a Igreja, roga a Ele,
o Misericordiosíssimo, a conceder ao doente a remissão das transgressões e a purificação de
sua consciência de toda macula. E também mantido em mente o fato que a pessoa que
cresceu em fraqueza de corpo e alma, não é sempre capaz de oferecer a confissão
apropriada de seus pecados. Essa iluminação da consciência do que está recebendo o
Mistério da Unção abre o caminho também para uma cura doadora de graça da sua
enfermidade corporal pelas orações de fé. É permitido e algumas vezes praticado um rito
especial de Unção, que é realizado na Igreja sobre muitas pessoas ao mesmo tempo, num
dia especialmente marcado para isso, para a cura geral de enfermidades da alma e corpo.
Mas esse rito não é precisamente idêntico ao Mistério da Unção (Nesse rito, usualmente
celebrado na noite da Quarta Feira Santa, como se fosse uma preparação para a morte e
sepultamento do Senhor, todos os presentes vêm para a frente para serem ungidos por cada
um dos sete (ou menos) presbíteros; as unções podem ser feitas todas juntas no fim do
ofício, ao invés de depois e cada leitura do Evangelho, com o acompanhamento de um
refrão repetido e cantado com uma melodia quaresmal especial: "Ouve-nos, ó Senhor,
ouve-nos ó Mestre; ouve-nos Ó Santo").

Unção Entre os Protestantes e Católicos Romanos.

Os Protestantes rejeitaram o Mistério da Unção, apesar de Lutero, pelo menos no começo


não era contra permiti-la na prática da Igreja. A Igreja Romana até agora tem dado Unção
só para pessoas doentes que já estão perto da morte, como uma forma de preparação para a
morte, razão pela qual esse Mistério é chamado entre os Católicos Romanos de "Extrema
Unção," o Sacramento dos moribundos. Tal ensinamento apareceu na Igreja Romana
inicialmente no século 12 e está em clara contradição com as palavras do Apóstolo Tiago.

Desde os tempos antigos na Igreja, aos moribundos era dado, como preparação para a
morte, Santa Comunhão do Corpo e Sangue de Cristo. (Isso com certeza não significa que o
Mistério da unção não era realizado para moribundos; aqueles morrendo de uma longa
doença podem inclusive receber a unção várias vezes no curso de suas doenças. No entanto,
Unção é um Mistério separado, para a cura dos doentes, e não necessariamente é parte dos
ritos administrados para os moribundos, que usualmente incluem Confissão, Santa
Comunhão, e as Orações para a partida da alma (quando a morte parece próxima). Se a
pessoa doente morre, o óleo consagrado que sobrou da Unção, é, de acordo com a antiga
tradição, derramado em forma de cruz sobre seu corpo no caixão no fim do serviço
funerário).
9. Oração Como Expressão da Vida na Igreja.
A ligação espiritual dos membros da Igreja. Orações pelos mortos. Comunhão com os
Santos. O lado exterior da oração. A veneração dos ícones. A veneração das relíquias. O
caminho do Cristão. A cruz de Cristo: O caminho e poder da Igreja.

A Ligação Espiritual dos Membros da Igreja.

Oração é a manifestação da vida da Igreja e a ligação espiritual de seus membros com Deus
na Santíssima Trindade, e de todos com cada um outro. Ela é tão inseparável da fé que ela
pode ser chamada de atmosfera da Igreja ou a respiração da Igreja. Orações são as linhas de
uma fábrica viva do corpo da Igreja, e elas vão em todas as direções. A ligação da oração
penetra no corpo todo da Igreja, conduzindo cada parte dela para a vida comum do corpo,
animando cada parte, e ajudando cada parte, pela nutrição, limpeza, e por outras formas de
auxílio mútuo (Ef. 4:16). Ela une cada membro da Igreja com o Pai Celestial, os membros
da Igreja terrestre com os outros e os membros terrestres com os membros celestes. Ela não
cessa, mas cresce mais ainda e é exaltada no Reino Celeste.

Por toda a Sagrada Escritura do Novo Testamento segue o comando de oração sem cessar:
"orai sem cessar" (Tess 5:17); "Orando em todo tempo com toda a oração e suplica no
Espírito" (Ef 6:18); "E contou-lhes uma parábola sobre o dever de orar sempre, e nunca
desfalecer" (Lc 18:1).

O exemplo perfeito de oração pessoal foi-nos dado pelo próprio Senhor Jesus Cristo. Ele
nos deixou um exemplo de oração, "Pai Nosso" — a Oração do Senhor. Oração é a) a
forma da vida da Igreja, b) um instrumento ou meio de suas atividades, c) o seu poder de
vencer.

A oração é de dois tipos: pública e privada. Existe oração que é de palavras, e em particular
cantada, e existe oração mental, isto é, oração interior, ou a oração da mente no coração. O
conteúdo da oração é: a) louvor ou glória; b) agradecimento; c) arrependimento; d) súplica
pela misericórdia de Deus, pelo perdão dos pecados, para a concessão de boas coisas para a
alma e para o corpo, tanto celestes quanto terrestres. Arrependimento perante Deus muitas
vezes tem a forma de conversa com a própria alma — como por exemplo, com freqüência
ocorre nos canons (não os canons ou regras dos concílios, mas os canons, usualmente
compostos de nove cânticos ou odes, que são uma parte regular dos ofícios de matinas e
Completas, e que podem serem lidos privadamente).

A oração pode ser por si ou pelos outros. A oração por cada outro expressa o amor mutuo
entre membros da Igreja. Desde que, o amor nunca falha de acordo com a lei do amor
Cristão, eles também oram por aqueles que estão na terra, assim como pelo repouso de seus
irmãos que estão necessitados do auxilio da oração. Finalmente, nós próprios apelamos para
aqueles no céu com a súplica para que orem por nós e por nossos irmãos. Sobre essa
ligação do celeste com o terrestre está baseada também a preocupação dos anjos conosco e
com nossas orações para eles.

O poder da oração pelos outros é constantemente afirmado pela palavra de Deus. O


Salvador disse ao Apóstolo Pedro: "Mas eu roguei por ti, para que tua fé não desfaleça" (Lc
22:32). O santo Apóstolo Paulo freqüentemente roga aos Cristãos que orem por ele:
"Porque espero que pelas vossas orações vos hei de ser concedido" (Filemon 1:22).
"Irmãos, rogai por nós, para que a palavra do Senhor tenha livre curso e seja glorificada,
como também o é entre vós" (2 Tess 3:1). Estando longe, o Apóstolo se junta com seus
irmãos espirituais em orações comuns: "E rogo-vos irmãos, por Nosso Senhor Jesus Cristo,
e pelo amor do Espírito, que combatais comigo nas vossas orações por mim a Deus" (Ro
15:30). O Apóstolo Tiago instrui: "... e orai uns pelos outros, para que sareis; a oração feita
por um justo pode muito em seus efeitos" (Tg 5:16). São João o Teólogo viu na revelação
como no céu vinte e quatro anciãos, estando no trono de Deus, prostraram-se diante do
Cordeiro, e todos tinham harpas e salvas de ouro cheias de incenso, "que são as orações dos
mortos" (Ap 5:8), isto é eles elevaram as orações dos santos na terra para o Trono Celeste.

Orações Para os Mortos.

"Orai uns pelos outros" (Tg 5:16)

"Se vivemos ou morremos, somos do Senhor" (Ro 14:8)

"O amor nunca falha" (1 Co 13:8)

"E tudo quanto pedirdes em meu nome, eu o farei, para

que o Pai seja glorificado no Filho" (Jo 14:13)

Em Deus todos estamos vivos. A vida da Igreja é penetrada por uma consciência e um
sentimento vivos de que nossos mortos continuam a viver depois da morte, só de maneira
diferente do que na terra, e eles não são privados de uma proximidade espiritual com
aqueles que permanecem na terra.

Por isso, a ligação da oração com eles de parte da Igreja peregrina (na terra) não cessa: "...
Nem a morte, nem a vida, ... nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus,
nosso Senhor" (Ro 3:38). Os que partiram precisam somente de um tipo de ajuda por parte
de seus irmãos: oração e petição pela remissão de seus pecados.

Na "Igreja" do Velho Testamento também existiu o costume de se orar pelos mortos. A


respeito disso existe testemunho na história sagrada. Assim, nos dias do pio líder dos
judeus, Judas Macabeu, quando depois de uma inspeção daqueles que tinham caído no
campo de batalha foram encontradas em suas vestes material de saque de presentes
oferecidos aos ídolos, todos os judeus "abençoaram os caminhos do Senhor, o justo Juiz,
Que revela as coisas que estão ocultas; e eles puseram a orar, suplicando que o pecado que
havia sido cometido fosse totalmente apagado" . E Judas Macabeu foi ele próprio para
Jerusalém para "providenciar uma oferenda pelos pecados. E fazendo isso ele agiu muito
bem e honradamente, levando em conta a ressurreição" (II Macabeu 12:39-46).

Que a remissão de pecados para aqueles que pecaram não para a morte pode ser dada tanto
na vida presente quanto na vida depois da morte pode ser concluída naturalmente das
palavras do Senhor: "E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-
lhe-á perdoado, mas se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem
neste século nem no futuro" (Mt 12:32). Similarmente da palavra de Deus nós sabemos que
o Senhor Jesus tem "as chaves da morte e do inferno" (At 1:18); conseqüentemente, Ele
tem poder para abrir as portas do Inferno pelas orações da Igreja e pelo poder do
propiciatório Sacrifício Sem Sangue que é oferecido pelos mortos.

Na Igreja Cristã todas as antigas liturgias, tanto do Oriente quanto do Ocidente,


testemunham a lembrança da Igreja em orações dos mortos. Tais liturgias são conhecidas
sob os nomes do Santo Apóstolo Tiago, o irmão do Senhor, São Basílio, o Grande, São
João Crisóstomo e São Gregório o Dialoguista. Referências similares são encontradas nas
liturgias romana, espanhola e galesa, e finalmente nas antigas liturgias dos grupos que se
separaram da Ortodoxia: os Jacobitas, Coptas, Armênios, Etíopes, Sírios e outros. Para
todas essas liturgias não há uma única onde não se encontre oração para os mortos. O
testemunho dos Pais e Professores da Igreja fala a mesma coisa.

A respeito do bom efeito da comunhão em nome do Senhor Jesus Cristo entre aqueles
vivendo na terra e os mortos, Efrem o Sírio, por exemplo, raciocina assim: "para os mortos,
a lembrança feita pelos santos durante sua vida é benéfica. Nós vemos um exemplo disso
em numerosas obras de Deus. Por exemplo, num vinhedo há o amadurecimento das uvas no
campo, e o vinho já amassado nos barris; quando as uvas amadurecem no vinhedo, então o
vinho que estava imóvel na casa começa a espumar e se agitar, como se desejasse escapar.
A mesma coisa acontece, parece, com outra planta, a cebola; pois assim que a cebola foi
semeada no campo começa a amadurecer, a cebola que está na casa também começa a dar
brotos. E assim, se até mesmo coisas que crescem entre si tal sentimento de
companheirismo, as petições em oração, não serão muito mais sentidas pelos mortos? E
quando sensivelmente concordar que isso ocorre de acordo com a natureza das criaturas,
imagine então que tu és a primeira das criaturas de Deus?"

Orando pelos mortos, a Igreja intercede por eles assim como pelos vivos, não em seu
próprio nome, mas no nome do Senhor Jesus Cristo (Jo 14:13-14), e pelo poder de Seu
Sacrifício na cruz, que foi oferecido pela libertação de todos, essas orações ferventes
ajudam às sementes da nova vida que os nossos que partiram levaram com eles — se essas
sementes não foram capazes de germinar suficientemente aqui na terra — a gradualmente
abrirem-se e se desenvolverem sob a influencia das orações e com a misericórdia de Deus,
assim como uma boa semente é desenvolvida na terra sob os vivificantes raios de sol, com
clima favorável. Mas nada pode reviver sementes estéreis que perderam o real princípio da
vida vegetal. Similarmente, impotentes serão as orações pelos mortos que morreram em
impiedade e sem arrependimento, que extinguiram em si o Espírito de Cristo (1 Tess 5:19).
É precisamente a respeito de tais pecadores que se deve lembrar das palavras do Salvador
na parábola do homem rico e Lázaro; que não há libertação para eles das partes mais
profundas do inferno, e não há transferência para eles para dar o seio de Abrahão (Lc
16:26). E de fato, tais pessoas usualmente não deixam atrás de si na terra pessoas que
possam orar sinceramente por elas a Deus; da mesma forma, elas não adquiriram para si
amigos no céu entre os santos, quando eles falham (isso é, morrem) possam recebe-los nas
moradas perenes — isso é, que possam orar por eles (Lc 16:9).

Com certeza, na terra não é sabido para que lote cada um foi sujeito depois de sua morte.
Mas a oração de amor nunca pode ser inútil. Se nossos mortos que são caros para nós foram
para o Reino dos Céus, eles respondem às orações com uma oração de resposta para nós. E
se nossas orações forem impotentes para ajuda-los, de qualquer maneira elas não serão
nocivas para nós, de acordo com a palavra do Salmista: "Minha oração retornará ao meu
seio," e de acordo com as palavras do Salvador: "Retorne para vós a vossa paz" (Mt 10:13).
Mas elas são de fato proveitosas para nós. São João Damasceno ressalta: "Se alguém
desejar ungir um doente com mirra ou outro óleo sagrado, primeiro ele se torna um
participante da unção ele próprio e então ele próprio recebe benefício, e então oferece ao
vizinho; pois Deus não é injusto, para esquecer as obras de acordo com a palavra do Divino
Apóstolo."

Comunhão com os Santos.

A Igreja ora por todos que morreram na fé, e pede perdão pelos seus pecados, pois não há
homem sem pecado: "se ele vier um único dia sobre a terra" (Jo 14:5, Septuaginta). "Se
dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós"
(1 Jo 1:8). Por isso, não importa quão justo seja um homem, quando ele parte desse mundo,
a Igreja acompanha a sua partida com orações por ele ao Senhor. "Irmãos, orai por nós" o
Santo Apóstolo Paulo pede para seus filhos espirituais (1 Tess 5:25).

Ao mesmo tempo, quando a voz comum da Igreja testemunha a justiça da pessoa que
repousou, Cristãos, à parte orar por ele, são ensinados pelo bom exemplo de sua vida e
colocando como um exemplo a ser imitado.

E quando, depois, a convicção geral da santidade da pessoa que repousou é confirmada por
testemunhos especiais, martírio, confissão sem medo, auto-sacrifício ao serviço da Igreja,
dom de cura, e especialmente quando o Senhor confirma a santidade da pessoa que
repousou por milagres após sua morte quando ela é lembrada em orações então a Igreja
glorifica-a de modo especial. Como a Igreja pode não glorificar aqueles que o próprio
Senhor chama de Seus "amigos"? "Vós sereis meus amigos, ... tenho-vos chamado amigos"
(Jo 15:14-15), a quem Ele recebeu em Suas mansões celestiais em cumprimento das
palavras: "... para onde eu estiver estejais vós também" (Jo 14:3). Quando isso acontece;
cessar as orações pelo perdão dos pecados da pessoa que partiu, e pelo seu repouso; elas
dão lugar a outras formas de comunhão com a pessoa, nomeadamente: a) louvação de suas
lutas em Cristo, "pois não se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no
selador, e da luz em todos que estão na casa" (Mt 5:15); b) petições à pessoa para que ela
ore por nós, pela remissão dos nossos pecados, e pelo nosso avanço moral, e que ela possa
nos ajudar em nossas necessidades espirituais e em nossas aflições.

É dito: "Bem aventurados os mortos que desde agora morrem no Senhor" (Ap 14:13) e na
verdade nós os bendizemos.

É dito: "E Eu dei-lhes a glória que a Mim me deste (o Pai)" (Jo 17:22), e nós na verdade
damos essa glória à pessoa, de acordo com o comando do Salvador.

Da mesma forma o Salvador disse: "Quem recebe um profeta em qualidade de profeta,


receberá galardão de justo" (Mt 10:41). "Porque, qualquer que fizer a vontade de meu Pai,
que está nos céus, este é meu irmão, e irmã e mãe" (Mt 12:50). Portanto, nós devemos
receber um justo como um justo. Se ele é irmão do Senhor, então ele deve ser o mesmo
para nós também. Os santos são nossos irmãos espirituais, irmãs, mães e pais, e nosso amor
por eles é expresso pela comunhão em oração com eles.

O Apóstolo João escreveu para seus companheiros Cristãos: "O que vimos e ouvimos isso
vos anunciamos, para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão é com o
Pai, e com Seu Filho Jesus Cristo" (1 Jo 1:3). E na igreja essa comunhão com os Apóstolos
não é interrompida ; ela continua com eles no outro reino da existência deles, o reino
celeste.

A proximidade dos santos ao Trono do Cordeiro e a elevação por eles de orações pela
Igreja na terra é descrito no livro da Revelação (Apocalipse) de São João Teólogo: "E olhei,
e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos animais e dos anciãos; e era o número
deles milhões de milhões e milhares de milhares," que louvavam o Senhor (Ap 5:11).

Comunhão em oração com os santos é a realização em fatos reais da ligação entre os


Cristãos na terra e a Igreja Celeste na qual o Apóstolo fala: "Mas chegastes ao monte de
Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém Celestial e aos muitos milhares de anjos; à
universal assembléia e igreja dos primogênitos que estão inscritos nos céus, e à Deus o juiz
de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados" (Heb 12:22-23).

A Sagrada Escritura apresenta numerosos exemplos do fato que, enquanto ainda vivendo na
terra, o justo pode ver e ouvir e conhecer muito do que é inacessível ao entendimento
comum. Muito mais esses dons estão presentes com eles quando eles dispensaram a carne e
estão no céu. O Santo Apóstolo Pedro viu no coração de Ananias, de acordo com o livro
dos Atos (At 5:3). A Eliseu foi revelado o ato sem lei do servo Geazi (2 reis, cap 4), e o que
é ainda mais notável, para ele foi revelada as intenções secretas da corte Síria, que ele então
comunicou ao Rei de Israel (2 Reis 6:12). Quando ainda na terra, os santos penetram em
espírito mundo acima; e alguns deles vêem coros de anjos, a outros é concedido contemplar
a imagem de Deus (Isaias e Ezequiel), e ainda outros são exaltados para o terceiro céu e lá
ouvem palavras místicas e impronunciáveis. Ainda mais quando eles estão no céu e são
capazes de saber o que está a acontecendo na terra e de ouvir aqueles que apelam a eles
porque os santos no céu são iguais aos anjos (Lc 20:36).
Da parábola do Senhor sobre o homem rico e Lázaro (Lc 16:19-31) ficamos sabendo que
Abrahão, estando no céu, podia ouvir o grito do homem rico que estava sofrendo no
inferno, apesar do "grande abismo" que os separava. As palavras de Abrahão sobre os
irmãos do homem rico: "Tem Moisés e os profetas; ouçam-nos" (Lc 16:29) claramente
indicam que Abrahão conhece a vida do povo hebreu que ocorreu depois de sua morte; ele
sabe de Moisés e da lei, dos profetas e seus escritos. A visão espiritual das almas dos justos
no céu, sem nenhuma dúvida, é maior do que a visão era na terra. O Apóstolo escreve:
"porque agora temos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora
conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido" (1 Co 13:12).

A Santa Igreja sempre manteve o ensinamento da invocação dos santos estando totalmente
convencida que eles intercederam por nós perante Deus no céu. Isso nós vemos nas antigas
Liturgias. Na Liturgia do santo Apóstolo Tiago é dito: "Especialmente nós fazemos
memória da Santa, Gloriosa e Sempre Virgem, a abençoada Theotokos. Lembra-te Dela, Ó
Senhor, e pelas santas orações delas, preserva-nos e tem piedade de nós." São Cirilo de
Jerusalém, explicando a Liturgia na Igreja de Jerusalém, destaca: "Então nós também
comemoramos (oferecendo o Sacrifício Sem Sangue) aqueles que partiram previamente:
antes de todos, patriarcas, profetas, apóstolos, mártires para que por suas orações e
intercessão de Deus venha a receber nossas petições."

Numerosos os testemunhos dos padres e professores da Igreja, especialmente do quarto


século em diante, a respeito da veneração pela Igreja dos Santos. Mas já no começo do
segundo século existe indicações diretas na antiga literatura Cristã a respeito da fé, da
oração dos santos no céu por seus irmãos na terra. Os testemunhos da morte por martírio de
São Inácio o Teóforo (no começo do século segundo) dizem : "Tenho retornado à casa com
lágrimas, nós tivemos a vigília de toda a noite... então, depois de dormir um pouco alguns
de nós de repente vimos o abençoado Inácio em frente a nós e nos abraçando, e outros
igualmente o viram orando por nós." Relatos similares, mencionando as orações e
intercessão por nós dos mártires, são encontrados em outros relatos da época da
perseguição contra os Cristãos.

O lado exterior da Oração.

Oração é o oferecimento da mente e do coração para Deus. No entanto, enquanto vivemos


no corpo sobre a terra, nossa oração naturalmente é expressa em várias formas exteriores:
inclinações e prostrações, o sinal da Cruz, a elevação das mãos, o uso de vários objetos nos
ofícios Divinos, e todas as ações exteriores dos Divinos serviços dos Cristãos Ortodoxos.

A adoração Cristã de Deus, em seu estado mais elevado, é adoração "em espírito e em
verdade" (Jo 4:23-24). Os serviços Divinos Cristãos são incomparavelmente mais exaltados
que os do Velho Testamento. Apesar dos ofícios do Velho Testamento terem sido
instituídos de acordo com o comando do próprio Deus (Ex 25:40), ainda assim eles
serviriam só como "exemplo e sombra das coisas celestiais" (Heb 8:5). Eles foram
terminados porque estavam "decaídos e envelhecidos" e "perto de se acabarem" (Heb 8:13)
com a instituição do Novo Testamento, que foi santificado pelo santo Sangue do Senhor
Jesus cristo. Os ofícios Divinos do Novo Testamento consistem não em constantes
sacrifícios de bezerros e carneiros, mas em oração de louvor, agradecimento e petição, no
oferecimento do Sacrifício Sem Sangue do Corpo e Sangue de Cristo, e na concessão de
graça dos Santos Mistérios.

No entanto, a oração Cristã tem também várias ações exteriores. O próprio Senhor Jesus
Cristo não evitou as manifestações exteriores de oração e das ações de sacrifício: Ele
dobrou os joelhos, caiu sobre Sua face e orou; Ele levantou Suas mãos e abençoou: Ele
soprou e disse a Seus discípulos: "Paz esteja convosco." Ele usou ações exteriores quando
curado; Ele visitou o Templo em Jerusalém e chamou-o "a casa do Meu Pai." "A Minha
casa será chamada de casa de oração" (Mt 21:13). Os Apóstolos também fizeram todas
essas coisas.

Adoração espiritual deve ser acompanhada por adoração corporal, como resultado da íntima
ligação e mútua influência do corpo e da alma. "Ou não sabeis que o nosso corpo é o
templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós
mesmos? Porque fostes comprados por bom preço, glorificai pois a Deus no vosso corpo, e
no vosso espírito, os quais pertencem a Deus" (1 Co 6:19-20).

Um Cristão é chamado a glorificar Deus não só com sua alma e seu corpo, mas tudo que o
cerca ele deve também dirigir para a glorificação do Senhor: "Portanto, quer comais quer
bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus" (1 Co 10:31).
Deve-se santificar por oração não só a si próprio mas também tudo aquilo que se faz uso:
"Porque toda criatura de Deus é boa e não há nada que rejeitar sendo recebido com ações de
graça. Pois pela palavra de Deus e pela oração é santificada" (1 Tim 4:45). O Cristão é
chamado conscientemente a ajudar até o fim tudo que o cerca, para que em suas mãos e em
sua consciência possa ser realizado o chamado do salmo: "Que tudo que respira e toda
criatura louve o Senhor" Isso é feito pelos Divinos ofícios Cristãos Ortodoxos, tomados em
sua totalidade.

A veneração dos ícones.

Uma das formas exteriores de adoração de Deus e veneração dos santos é o uso de imagens
sagradas e o respeito demonstrado por elas.

Entre os vários dons do homem que o distingue de outras criaturas é o dom da arte ou das
pinturas em linhas e cores. Esse é um dom nobre e elevado, e é digno de ser usado para
glorificar Deus. Com todos os meios puros e elevados disponíveis para nós, devemos
glorificar Deus de acordo com o chamado do Salmista: "Bendize, ó minha alma ao Senhor
e tudo o que há me mim bendiga o Seu santo nome" (Salm 103:1). "Tudo que há em mim"
refere-se a todas as capacidades da alma. E verdadeiramente, a capacidade de arte é um
dom de Deus. De antigamente, antes de Moisés "...Eis que o Senhor tem chamado por
nome a Bezaleel, o filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá. E o Espírito de Deus o
encheu de sabedoria, entendimento e ciência em todo o artifício. E para inventar invenções,
para trabalhar em ouro e prata, e em cobre, e em artifício de pedras para engastar, e em
artifício de madeira, para trabalhar em toda a obra esmerada também lhe tem disposto o
coração para ensinar a outros... Encheu-os de sabedoria de coração, para fazer toda a obra
de mestre... e a do bordador... e a do tecelão..." (Ex 35:30-35).
Os objetos materiais feitos pelo habilidoso trabalho dos artistas para o tabernáculo de
Moisés, assim como subseqüentemente para o Templo de Salomão, eram todos sagrados.
No entanto, enquanto alguns deles serviam mais como adornos sagrados, outros eram
especialmente reverenciados e tornaram-se lugares excepcionais da glória de Deus. Por
exemplo, existia a "Arca de Deus," e o simples toque nela sem reverencia especial podia
causar a morte (2 Sam 6-7 — o incidente com Uza no tempo da transparência da Arca por
Davi, quando Uza foi ferido de morte porque tocou na Arca com sua mão). Existiam
também os "Querubins de Glória" sobre a Arca, no meio dos quais Deus dignou-Se Se
revelar e dar Seus comandos a Moisés. " E ali virei a ti, e falarei contigo de cima do
propiciatório, do meio de dois querubins (que estão sobre a arca do testemunho), tudo que
Eu te ordenar para os filhos de Israel" (Ex 25:22). Essas foram "a imagem visível do Deus
Invisível" (na exposição do Metropolita Macarius em sua Orthodox Dogmatic Theology).

Entre as numerosas pinturas nas paredes e cortinas do Templo do Velho Testamento, não
haviam pinturas dos justos que haviam partido, como existem nas Igrejas Cristãs. Não
existiam porque os justos estavam esperando a sua libertação, esperando serem tirados do
inferno; isso foi feito pela descida ao inferno; isso foi feito pela descida e a Ressurreição de
Cristo. De acordo com o Apóstolo, "... para que eles sem nós não fossem aperfeiçoados"
(Heb 11:40); eles foram glorificados como santos só no Novo Testamento.

Se na Sagrada Escritura há proibições contra a ereção de ídolos e a adoração deles, não se


pode transferir essas proibições para os ícones. Ídolos são as imagens de falsos deuses, e a
adoração deles era a adoração de demônios; ou ainda de seres imaginários que não tem
existência; e assim, em essência, é a adoração do material dos objetos sem vida — madeira,
ouro ou pedra. Mas a Sagrada Escritura instrui estritamente a pormos diferença entre santo
e o profano, entre o limpo e o imundo (Levitico 10:10). Aquele que é incapaz de ver a
diferença entre imagens sagradas e ídolos blasfemos e profana os ícones, comete sacrilégio
e está sujeito á condenação da Sagrada Escritura, que previne: "Tu, que abominais os
ídolos, cometes sacrilégios" (Ro 2:22).

As descobertas da arqueologia eclesiástica mostram que na antiga Igreja Cristã existiram


imagens nas catacumbas e em outros lugares de assembléia para oração, e
subseqüentemente em Igrejas Cristãs. Se em certos casos escritores Cristãos expressaram-
se contra a existência de estatuas e imagens similares, eles tinham em mente a adoração
pagã (o Concílio de Elvira na Espanha, 305). Às vezes, no entanto, tais expressões e
proibições eram evocadas pelas condições especiais do tempo — por exemplo, a
necessidade de esconder coisas santas dos perseguidores pagãos e das massas não- Cristãs
que tinham uma atitude hostil para com o Cristianismo.

É natural supor que nos primeiros tempos da história do Cristianismo, a primeira


necessidade era que o povo fosse afastado da adoração pagã dos ídolos, e só depois poderia
ser trazido para a realidade a idéia da plenitude das formas de glorificar Deus e Seus santos;
e entre essas formas há lugar para a glorificação em cores, nas imagens sagradas.

O Sétimo Concílio Ecumênico expressa o dogma da veneração dos ícones sagrados com as
seguintes palavras: "Por conseqüência nós definimos toda certeza e acurácia que assim
como a figura da preciosa e vivificante Cruz, também as veneráveis e santas imagens...
deveriam ser colocadas nas igrejas de Deus (para veneração) ... pois quanto mais
freqüentemente elas são vistas em representação artística (isto é, o Senhor Jesus Cristo, a
Theotokos, os anjos e santos que são pintados nos ícones), tanto mais prontamente os
homens são elevados à memória dos protótipos, e por um desejo por eles. E para essas
imagens deve ser dado saudação e honorável reverência (em grego: timitiki proskynisis),
mas não aquela verdadeira adoração de fé (grego latreia) que pertence somente à natureza
divina; mas para as imagens... incenso e luzes devem ser oferecidos... Pois a honra que é
dada às imagens passa para o que a imagem representa" (Seven Ecumenical Councils, p.
550, Eerdmans). (Essa distinção entre a "adoração de Deus" e a "reverência" ou
"veneração" pelos ícones foi colocada primeiro por São João Damasceno em seus tratados
sobre os ícones. Ver seu On the Divine Images, tradução por David Andersen, St Vladimir
Seminary Press, Crestwood, N.Y., 1980. p. 82-88 e introdução p. 10-11).

Nada é dito nos canons ortodoxos a respeito de veneração de estátuas, como as que vieram
a ser usadas na arte religiosa do ocidente na Idade Média e séculos posteriores. No entanto,
a tradição virtualmente universal da Igreja Ortodoxa tanto do Oriente quanto do ocidente
nos primeiros séculos, e da Igreja oriental nos últimos séculos, tem sido permitir como arte
religiosa pinturas bidimensionais e baixo-relevo, mas não estátuas ao redor. A razão para
isto parece estar no realismo que é inevitável nas obras tridimensionais, tornando-as
adequadas para representar as coisas desse mundo terrestre (por exemplo, as estátuas do
imperador), mas não aquelas do mundo celeste nas quais nosso pensamento e realismo
terrestre não pode penetrar. Ícones bidimensionais, de outro lado, são como "janelas para o
céu" que são muito mais capazes de elevar a mente e o coração para realidades celestes).

A veneração das santas relíquias.

Dando veneração aos santos de Deus que partiram com suas almas para o céu, a Santa
Igreja ao mesmo tempo honra as relíquias ou corpos dos santos de Deus que permanecem
na terra.

No Velho Testamento não havia a veneração dos corpos dos justos, pois os justos estavam
ainda esperando a sua libertação. Então também a carne (dos mortos) era considerada
impura.

No Novo Testamento após a Encarnação do Salvador, houve uma elevação não só do


conceito do homem em Cristo, mas também do conceito do corpo como morada do Espírito
Santo. O próprio Senhor, o Verbo de Deus, encarnou e tomou sobre si um corpo humano.
Os Cristãos são chamados para isso: que não só suas almas mas também seus corpos,
santificados pelo santo Batismo, santificados pela recepção do Puríssimo Corpo e Sangue
de Cristo, possam tornar-se verdadeiros templos do Espírito Santo. "Não sabeis que o nosso
corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós?" (1 Co 6:19). E por isso os corpos
dos Cristãos que viveram uma vida justa ou tornaram-se santos pelo recebimento de uma
morte em martírio, são dignos de especial veneração e honra.
A santa igreja em todos os tempos, seguindo a Sagrada Tradição, mostrou honra às santas
relíquias. Essa honra tem sido expressa: a) pela reverente coleta e preservação dos
remanescentes dos santos de Deus, como é sabido pelos relatos desde o segundo século, e a
seguir pelos testemunhos dos tempos posteriores; b) na solene descoberta e translação de
santas relíquias; c) nas construção sobre elas de igreja e altares; d) no estabelecimento de
festas em memória de suas descobertas e translações; e) na peregrinação para santos
túmulos, e na decoração deles; f) na regra constante da Igreja de colocar relíquias de santos
mártires na dedicação de altares, ou de colocar relíquias no santo antimension sobre o qual
é realizada a Divina Liturgia.

Essa honra inteiramente natural dada ás santas relíquias e a outros remanescentes dos
santos de Deus tem uma firme fundamentação no fato que Deus dignou-se a honrá-las e
glorifica-las por inumeráveis sinais e milagres — algo para o que existe testemunho através
do complexo da historia da Igreja. Mesmo no Velho Testamento, quando santos não eram
venerados com uma glorificação especial depois da morte, houveram sinais produzidos
pelos corpos dos justos. Assim, o corpo de um certo homem morto, depois de ter tocado
ossos do Profeta Eliseu em seu túmulo, imediatamente voltou à vida, e o homem morto se
pôs sobre seus pés (II Reis 13:21). O corpo do Profeta Elias foi elevado vivo para o céu, e
seu manto, que foi deixado por ele para Eliseu, dividiu por seu toque (do manto) as águas
do Jordão para o cruzamento do Rio, por Eliseu.

Olhando-se no Velho Testamento, nós lemos nos Atos dos Apóstolos que lenços e aventais
do corpo do Apóstolo Paulo eram colocados sobre os doentes, e as doenças eram curadas, e
espíritos malignos saiam deles (At 19:12). Os Santos Padres e professores da Igreja tem
testemunhado diante de seus ouvintes e leitores os milagres ocorridos pelos remanescentes
dos santos, e com freqüência eles tem chamado seus contemporâneos a serem testemunhas
da verdade de suas palavras. Por exemplo, Santo Ambrósio diz em sua homilia na
descoberta das relíquias de Santos Gervário e Protásio: "Vós conhecestes e até mesmo
vistes muitos que foram libertados dos demônios e mais ainda aqueles que não logo
tocaram as vestes dos santos que com suas mãos e foram imediatamente curados de suas
doenças. Os milagres da antiguidade foram renovados desde o tempo quando através da
vinda do Senhor Jesus, foi derramada sobre a abundante graça! Vós vistes muitos que
foram curados como se fosse pela sombra dos santos. Quantas roupas foram passadas de
mão em mão! Quantas vestes, deixadas sobre os remanescentes sagrados, e que pelo mero
toque tornaram-se fonte de cura, que os que crêem pedem de cada outro! Todos tentam no
mínimo um pouco tocar (as vestes), e o que toca fica curado." Testemunhos similares
podem ser lidos em São Gregório o Teólogo, São Efrem, o Sírio, São João Crisóstomo,
Bem Aventurado Agostinho e outros.

Já no início do segundo século já informações sobre a honra dada pelos Cristãos aos
remanescestes dos santos. Assim, depois de descrever a morte por martírio de Santo Inácio
Teóforo, Bispo de Alexandria, uma pessoa que testemunhou essa morte afirmou que "O que
restou de seu corpo (que foi feito em pedaços pelas bestas no circo), só as partes mais
firmes foram pegas e levadas para Antioquia e colocadas em linho como um inestimável
tesouro da graça que habita no mártir, um tesouro deixado para a Santa Igreja." Os
residentes das cidades, começando por Roma, receberam esses remanescentes em sucessão
naquele; e carregaram-nos nos ombros, como São Crisóstomo mais tarde testemunhou.
"para a cidade de Antioquia, louvando o vitorioso coroado e glorificando o lutador." Da
mesma forma, depois na morte por martírio de São Policarpo como um tesouro mais
precioso que pedras preciosas e mais puro que ouro, e os colocaram "... para a celebração
do dia de seu nascimento por martírio, e para a instrução e confirmação dos futuros
cristãos."

Os remanescentes dos santos (em gregos ta leipsana, em latim reliquiae, ambos


significando o que foi "deixado") são reverenciados estejam ou não incorruptos pelo
respeito pela vida santa ou pela morte por martírio do santo, mais ainda quando há
evidentes e confirmados sinais de cura pelas orações aos santos pela intercessão deles
diante de Deus. Os concílios da Igreja muitas vezes (por exemplo, o Concílio de Moscou de
1667) proibiram o reconhecimento dos que passaram como santos, pela simples
incorruptibilidade de seus corpos. Mas com certeza a incorruptibilidade dos corpos dos
justos é aceita como um dos sinais Divinos de sua santidade. (Pode-se dizer que a
incorruptibilidade de corpo de um morto não é garantia de santidade: podem ser dados
exemplos de swamis orientais cujos corpos estavam incorruptos muitos tempos depois da
morte (seja por meios naturais relacionados às suas vidas ascéticas, ou por uma imitação
demoníaca) e do corpo de alguns grande santos Ortodoxos (por exemplo, São Serafim de
Sarov, São Herman do Alasca) restaram só ossos. As relíquias de São Nectário de
Pentápolis (morto 1920) ficaram incorruptos por muitos anos, e então rapidamente
decaíram (no solo) deixando só ossos perfumados).

Notemos aqui que a palavra eslavônica moschi;: "relíquias" refere-se não só aos corpos dos
santos: no eslavônico da Igreja essa palavra significa em geral os corpos que repousam
assim no Rito de Sepultamento no Book of Needs nós lemos : "e pegando as relíquias do
que repousou, nós saímos da Igreja" etc. A antiga palavra eslavônica moschi (da raiz mog)
é aparentemente da família da palavra mogila, "túmulo." Reverenciando as santas relíquias,
nós não acreditaríamos na força ou poder dos remanescentes nos santos, mas sim ma
intercessão por oração dos santos cujas relíquias diante de nós levantam em nossos
corações um sentimento de proximidade dos próprios santos de Deus, que uma vez usaram
esses corpos.

O Caminho do Cristão.
A cruz de Cristo: O caminho e poder da Igreja.

O ensinamento dogmático da Igreja tem a mais intima conexão com a completa ordem
moral da vida Cristã; ele dá a ela uma verdadeira direção. Qualquer tipo de afastamento das
verdades dogmáticas conduz a um entendimento incorreto da obrigação moral do Cristão.
A fé demanda uma vida que corresponda à fé.

O Salvador definiu a obrigação moral do homem simplesmente em dois mandamentos da


lei: o mandamento de amar a Deus de todo o coração, alma e mente e entendimento; e o
mandamento de amar ao próximo como a si mesmo. Mas ao mesmo tempo o Salvador
ensinou que o autêntico atendimento desses dois mandamentos é impossível sem algum
grau de auto-renúncia, auto-sacrifício, ele exige luta (A palavra russa podvig mais
comumente significa "luta"; mas às vezes deve ser traduzida como ascetismo ou "feito
ascético").

E onde o fiel encontra força para lutar? Ele recebe força pela comunhão com Cristo, pelo
amor por Cristo que o inspira a seguir atrás Dele. Essa luta de seguir Cristo, Ele próprio
chamou de Seu "jugo" . Tomai sobre vós o meu jugo...Porque meu jugo é leve e o meu
fardo suave" (Mt 11: 29-30). Ele chamou também de cruz. Bem antes do dia de Sua
crucificação, o Senhor ensinou: "Se alguém quiser vir após mim renuncie-se a si mesmo,
tome sobre si a sua cruz e siga-me" (Mt 16:24). "E quem não toma a sua cruz, e não segue
após mim, não é digno de mim" (Mt 10:38).

O caminho Ortodoxo do Cristão foi tomado por Seu Apóstolo: "Já estou crucificado com
Cristo" escreve o Apóstolo Paulo (Gal 2:20). "Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na
cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual o mundo está crucificado para mim e eu para
o mundo" (Gal 6:14). Seguindo o caminho de Cristo, os Apóstolos terminaram a luta de
suas vidas com uma morte por martírio.

Todos os fiéis são chamados a lutar de acordo com suas forças: "E os que são de Cristo
crucificaram a carne com suas paixões e concupiscência" (Gal 5:24). A vida moral não
pode existir sem batalha interior, sem auto-restrição. O Apóstolo escreve: "Porque muitos
há dos quais muitas vezes vos disse, e agora também digo chorando, que são inimigos da
cruz de Cristo, cujo fim é a perdição; cujo Deus é o ventre e cuja glória é para a confusão
deles, que só pensam nas coisas terrenas" (Fil 3:18-19).

A história toda da Igreja tem sido de lutas: primeiro os sofrimentos dos mártires na primeira
época do Cristianismo; depois os trabalhos auto-sacrificiais dos pilares da igreja, os
hierarcas; e então as lutas ascética pessoais, conquistas espirituais na batalha com a carne,
de parte dos moradores nos desertos e outros lutadores — "anjos terrenos e homens
celestes," os justos que viveram no mundo sem serem maculados pelo mundo. E assim até
agora o Cristianismo é adornado com confessores e mártires pela fé em Cristo. E a Santa
igreja sustem nos fiéis essa obrigação de auto-restrição e limpeza espiritual por meios de
instruções e exemplos do Evangelho e de toda Sagrada Escritura, pelos exemplos dos
santos pelas regras do tipicon da Igreja, jejuns e apelos do arrependimento.

Tal é a porção que cabe não só a cada Cristão separado mas da própria Igreja como um
todo: ser perseguido pela Cruz de Cristo, como foram mostradas nas visões do santo
Apóstolo João o Teólogo no Apocalipse. A Igreja em muitos períodos de sua história
suportou tristezas e perseguições totalmente abertas e a morte por martírio de seus melhores
servos — que um padre contemporâneo e escritor da Igreja chamou de "colheita de Deus"
— enquanto em outros períodos, mesmo em períodos de prosperidade exterior, ela
enfrentou tristezas por inimigos internos; pela maneira indigna da vida de seus membros
em particular das pessoas que estavam designadas para servi-la.

Assim é definido o dogma na Cruz. A cruz é o caminho do Cristão e da Igreja.


Ao mesmo tempo é também o poder da Igreja. Olhando com olhos mentais "para Jesus,
Autor e Consumador de nossa Fé" (Heb 12:2), o Cristão encontra força espiritual na
consciência que depois da morte do Senhor na Cruz seguiu-se à Ressurreição; que pela
Cruz o mundo foi conquistado; que se nós morrermos com o Senhor nós reinaremos com
Ele, e rejubilaremos e triunfaremos na manifestação de Sua glória (1 Pe 4:13).

A cruz finalmente é o estandarte da Igreja. Do dia quando o Salvador carregou a Cruz em


seus ombros para o Gólgota e foi crucificado na Cruz material a Cruz tornou-se o sinal
visível e estandarte do Cristianismo, da Igreja, e de todos que acreditam em Cristo.

Nem todo mundo que pertence ao Cristianismo "em geral" tem tal entendimento do
Evangelho. Certas grandes sociedades Cristãs negam a Cruz como estandarte visível,
considerando que ela permaneceu o que ela era, um instrumento de "censura." O Apóstolo
Paulo já preveniu contra tal "ofensa à Cruz" (Gal 5:11): "... para que a Cruz de Cristo não
se faça vã. Porque a palavra da Cruz é loucura para os que perecem; mas para nós que
somos salvos, é o poder de Deus" (1 Co 1: 17-18). Ele exortou os homens a não se
envergonharem da Cruz como se ela fosse um sinal de censura: "Saiamos pois a ele fora do
arraial, levando Seu vitupério (insulto)" (Heb 13:13-14). Pois a ofensa da Cruz conduziu à
Ressurreição em glória, e a Cruz tornou-se o implemento da salvação e o caminho da
glória.

Tendo sempre diante de si a imagem da Cruz, fazendo o sinal da Cruz, o Cristão antes de
tudo traz para sua mente que ele é chamado para seguir os passos de Cristo, carregando em
nome de Cristo tristezas e privações por sua fé. Depois, Ele é reforçado pelo poder da Cruz
de Cristo para batalhar contra o mal em si próprio e no mundo. E então ele confessa que
espera a manifestação da glória de Cristo, a segunda vinda do Senhor, que será precedida
pela manifestação no céu do sinal do Filho do Homem, de acordo com as palavras divinas
do próprio Senhor (Mt 24:30). Esse sinal de acordo com o entendimento unânime dos
Padres da Igreja, será uma magnífica manifestação da Cruz no céu.

O sinal que colocamos em nós ou desejamos em nós pelo movimento da mão em silêncio
ao mesmo tempo é como se falasse alto, porque que é uma confissão aberta da nossa fé.

Assim, com a Cruz é firmada toda grandeza de nossa redenção, que nos lembra da
necessidade de luta pessoal para o Cristão. Na representação da Cruz, mesmo em seu nome,
está resumida a história completa do Evangelho, e também a história do martírio e a
confissão do Cristianismo em todos os tempos.

Refletindo profundamente sobre a riqueza de pensamentos ligados com a Cruz, os hinos da


Igreja louvavam o poder da Cruz : "Ó invencível, incompreensível e divino poder da
preciosa e vivificante Cruz, não esqueça de nós pecadores."

10. Escatologia Cristã.


O futuro do mundo e do gênero humano. O destino do homem depois a morte. Sobre a
questão dos "pedágios." Os sinais na Segunda Vinda do Senhor. A Segunda Vinda do Filho
do Homem. A ressurreição dos mortos. O erro do Quialismo. O final do mundo. O
julgamento universal. O Reino de Glória.

O futuro do mundo e do gênero humano.

O Símbolo da Fé (Credo) de Nicéia-Constantinopla, nos sétimo, décimo-primeiro e décimo


segundo parágrafo, contém a confissão de fé Ortodoxa sobre a futura vinda do Filho de
Deus para a terra, o Juízo Geral (Final) e a futura vida eterna.

Parágrafo 7: De novo há de vir cheio de glória, para julgar os vivos e os

Mortos: e o Seu Reino não terá fim.

Parágrafo11: Espero a Ressurreição dos mortos.

Parágrafo 12: E a vida do mundo que há de vir.

Na economia Divina há um plano para o futuro até o final do tempo. E uma parte
inseparável do ensinamento Cristão é composta do que a palavra de Deus nos conta sobre
os eventos do final dos tempos; a Segunda Vinda do Senhor, a ressurreição dos mortos, e o
fim do mundo — e então sobre o começo do Reino de Glória e a vida eterna. A última parte
da teologia dogmática fala então da culminação do grande processo cujo início é
apresentado na primeira página do livro da Gênesis.

O destino do homem após a morte.

Morte é o destino comum dos homens. Mas para o homem não é um aniquilamento, mas só
a separação da alma e do corpo. A verdade da imortalidade da alma humana é uma das
verdades fundamentais do Cristianismo. "Ora Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos"
(Mt 22:32; Lc 20:38). Na Sagrada Escritura, no Novo Testamento a morte é chamada de
libertação da alma da prisão (2 Co 5:1-4); dispensa do corpo ("sabendo que brevemente hei
de deixar este meu tabernáculo" 2 Pe 1:14); uma dissolução ("tendo desejo de partir, e estar
com Cristo, porque isto é ainda muito melhor" Filip 1:23); uma partida ("e o tempo de
minha partida está próximo" 2 Tim 4;6); um sono (Davi "dormiu" At 13:36).

O estado da alma depois da morte, de acordo com o claro testemunho da palavra de Deus
não é inconsciente mas consciente (por exemplo, de acordo com a parábola do homem rico
e Lázaro, (Lc 16:19-31). Depois da morte o homem também é submetido a um julgamento
que é chamado de "particular" para distingui-lo do juízo final geral. É fácil na visão do
Senhor recompensar um homem "no dia da morte de acordo com sua conduta" diz o sábio
filho de Sirach (11:26). O mesmo pensamento é expresso pelo Apóstolo Paulo : "E como
aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo" (Heb 9:27). O
Apóstolo apresenta o julgamento como algo que se segue imediatamente após a morte do
homem, e evidentemente ele entende isso não como o julgamento geral mas como um
julgamento particular, como os Santos Padres da Igreja interpretaram essa passagem "...
hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc 23:43), o Senhor proclamou para o ladrão arrependido.

Na Sagrada Escritura não nos é dado conhecer como o julgamento particular ocorre depois
da morte de um homem. Nós podemos julgar isso só em parte por expressões separadas que
são encontradas na palavra de Deus. Assim, é natural pensar que no julgamento particular
também uma grande parte no destino de um homem depois da morte é tomada tanto por
bons quanto por maus anjos: os primeiros são implemento da misericórdia de Deus, e os
últimos — por permissão de Deus — são implementos da justiça de Deus. Na parábola do
homem rico e Lázaro, é dito que "Lázaro foi levado pelos anjos para o seio de Abrahão"
(Lc 16 16:22). Na parábola do rico homem louco é dito a ele: "Louco, esta noite te pedirão
a tua alma" (Literal: "eles tomarão" Lc 12:20); evidentemente são poderes malignos que
"tomarão a alma" (São João Crisóstomo)! Pois, de um lado, os anjos desses "pequeninos,"
nas palavras do Senhor, contemplam sempre a face do Pai Celeste (Mt 18:10), e no final do
mundo o Senhor enviará os Seus anjos, que "separarão os justos, e lança-los-ão na fornalha
de fogo" (Mt 13:49-50).; e de outro lado, "porque o diabo vosso adversário, anda em
derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar" (1 Pe 5:8); e o ar, assim
como era, é preenchido com os espíritos malignos sob os céus, e seu príncipe é chamado de
"príncipe das potestades do ar" (Ef 6:12: 2:2).

Baseados nessas indicações da sagrada Escritura, desde a antigüidade os Santos Padres da


igreja, desenharam o caminho da alma após sua separação do corpo como um caminho da
alma após sua separação do corpo como um caminho através de tais espaços espirituais,
onde os poderes das trevas procuram devorar aqueles que são fracos espiritualmente e onde
por isso tem-se uma necessidade especial de ser defendido por anjos celestes e apoiado
pelas orações de parte dos membros vivos da Igreja. Entre os antigos padres os seguintes
falam sobre isso — São Efrem, o Sírio, Atanásio, o Grande, Macário o Grande, Basílio o
Grande, João Crisóstomo e outros.

O desenvolvimento mais detalhado dessas idéias é feito por São Cirilo de Alexandria em
sua "Homilia sobre a Partida da Alma," que usualmente é impressa no Saltério Seqüencial
(o Saltério com adições dos ofícios Divinos). Um desenho desse caminho é apresentado na
vida de São Basílio o Novo (28 março), onde a Bem Aventurada Teodora falecida,
comunica a um discípulo de Basílio durante o sono deste, o que ela viu e experimentou
depois da separação de sua alma de seu corpo e durante a ascensão da alma para as moradas
celestes.

O caminho da alma após sua partida do corpo é costumeiramente chamado de "pedágios."


A respeito das imagens nos relatos dos pedágios, o Metropolita Macário em seu Orthodox
Dogmatic Tehology destacava: "Deve-se firmemente recordar a instrução que o anjo deu a
São Macário de Alexandria assim que ele começou a contar sobre os pedágios: ‘Aceita as
coisas terrenas daqui como o mais fraco tipo de descrição das coisas celestes’. Deve-se
pintar o pedágio o mais distante possível num sentido espiritual, que está oculto sob traços
maiores ou menores, sensoriais e antropomórficos" (Para um relato detalhado sobre o
entendimento Ortodoxo dos pedágios, ver The Soul After Death, Saint Herman
Brotherhood, Platina, CA, 1980, p. 73-96).

A respeito do estado da alma depois do Julgamento Particular, a Igreja Ortodoxa ensina


assim: "Nós acreditamos que as almas dos mortos estão num estado de benção ou tormento
de acordo com suas ações. Depois de estar separada do corpo, elas passam imediatamente
para o estado de júbilo ou para aflição e pesar, no entanto, elas não sentem bem-
aventurança completa ou tormento completo. Para bem-aventurança completa ou tormento
completo cada um recebe depois da Ressurreição Geral, quando a alma é reunida com o
corpo no qual viveu em virtude ou em vício. Assim a Igreja Ortodoxa distingue em outras
palavras, paraíso ou inferno. A Igreja não reconhece o ensinamento Católico Romano de
três condições: 1) benção; 2) Purgatório e 3) Gehena (Inferno). O nome "gehena" os Padres
da Igreja usualmente empregam referindo-se a condição depois do Juízo Final, quando
ambos, mortos e inferno serão jogados no "lago de fogo" (Ap 20:15). Os Padres da Igreja,
baseando-se na palavra de Deus, supõe que o tormento dos pecadores antes do Juízo Final
tem um caráter preparatório. Esses tormentos podem ser diminuídos ou mesmo eliminados
pelas orações da Igreja (Epístola dos Patriarcas Orientais, parágrafo 19). Da mesma forma,
os espíritos decaídos são "reservados em cadeias de escuridão, para o juízo" (2 Pe 2:4;
Judas 1:6).

Sobre as Questões dos "Pedágios."

Nossa Guerra não é contra a carne e o sangue.

Nossa vida entre uma população que, apesar de ser nominalmente Cristã, tem em muitos
aspectos concepções e visões diferentes das nossas no Reino da fé. Às vezes isso nos
inspira a responder questões da nossa fé quando elas são levantadas e discutidas de um
ponto de vista não Ortodoxo por pessoas de outras confissões, e às vezes por Cristãos
Ortodoxos que não têm mais (ou nunca tiveram) uma base Ortodoxa firme sob seus pés.

Nas condições limitadas de nossas vidas desafortunadamente nós somos incapazes de reagir
totalmente a afirmações ou a responder as questões que surgem, no entanto, às vezes
sentimos essa necessidade. Em particular, nós temos ocasião agora de definir a visão
Ortodoxa dos "pedágios," que é um dos tópicos de um livro que apareceu em inglês sob o
título, Christian Mitology por Canon GeorgeEvery. Os pedágios são a experiência da alma
Cristã imediatamente depois da morte, como essas experiências são descritas pelos Padres
da Igreja e por ascetas Cristãos. Em anos recentes tem sido observada uma aproximação
crítica a uma completa série de crenças de nossa Igreja; essas crenças são vistas como
"primitiva," o resultado de uma "ingênua" visão do mundo, e elas são caracterizadas por
palavras como "mitos," "mágico," e semelhantes. É nossa obrigação responder.

O assunto dos pedágios não é especificadamente um tópico da teologia Cristã Ortodoxa;


não é um dogma da Igreja em sentido preciso, mas engloba material de caráter moral e
edificante, pode-se dizer pedagógico. Para se aproximar do assunto corretamente, é
essencial compreender as bases da visão do mundo Ortodoxo. "Porque, qual dos homens
sabe as coisas do homem, senão o espírito do homem, que nele está? Assim também,
ninguém sabe as coisas de Deus, senão o espírito de Deus" (1 Co 2:11-12). Nós mesmos
devemos chegar mais perto da Igreja, "para que possamos conhecer o que nos é dado
gratuitamente por Deus" (1 Co 2:12). Na questão presente a base é: nós acreditamos na
Igreja. A Igreja é o corpo celeste e terrestre de Cristo, pré-designado para a perfeição moral
dos membros de sua parte terrestre e para a abençoada, jubilosa e sempre ativa vida de suas
fileiras em seu reino celeste. A Igreja na terra glorifica a Deus, une os fiéis e os seus
próprios filhos quanto a vida do gênero humano. Seu objetivo principal é ajudar os fiéis a
atingir a vida eterna em Deus, o alcançar da santidade, sem a qual "ninguém terá o Senhor"
(Heb 12:14).

Assim, é essencial que haja constante comunhão entre aqueles que estão na Igreja e na terra
e a Igreja celeste. No Corpo de Cristo todos os seus membros são interativos. No Senhor o
Pastor da Igreja, existe, como existiu, dois rebanhos: o celeste e o terrestre (Epístola dos
Patriarcas Orientais, século 17). "... se um membro padece, todos os membros padecem; e
se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele" (1 Co 12:26). A Igreja
celeste regozija, mas ao mesmo tempo simpatiza com seus companheiros membros na terra.
São Gregório o Teólogo deu a Igreja terrestre de seu tempo o nome de "Ortodoxia
sofredora"; e assim permaneceu até hoje. Essa interação é valiosa e indispensável para o
objetivo comum que "cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, do qual todo o
corpo bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de
cada parte, faz o aumento do corpo, para a sua edificação em amor" (Ef 4:15-16).

O fim disso tudo é a deificação no Senhor, que "Deus seja tudo em todos" (1 Co 15;28). A
vida terrestre do Cristão deveria ser um lugar de crescimento espiritual, progresso, ascensão
da alma para o céu. Nos temos um profundo pesar que, com a exceção de uns poucos de
nós, apesar de conhecer nosso caminho, nós nos mantemos bem afastados dele por conta de
nosso apego àquilo que é exclusivamente terrestre. E, apesar de estarmos prontos para
oferecer arrependimento, ainda continuando a viver descuidados. No entanto, não existe em
nossas almas aquela assim chamada "paz da alma" que está presente na psicologia cristã
ocidental, que é baseada em algum tipo de "moral mínima," isto é, tendo cumprido minha
obrigação que provê uma disposição conveniente da alma posso ocupar-me com interesses
mundanos.

No entanto, é precisamente ai, onde a "paz da alma" termina, que se abre um campo de
perfeição para o trabalho interior dos Cristãos, "Porque se pecarmos voluntariamente
depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos
pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os
adversários... horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo" (Heb 10:26-27 e 31).
Passividade e descuido não são naturais para a alma; sendo passivos e descuidados nós nos
rebaixamos. No entanto, para nos levantarmos precisamos de constante vigilância da alma,
e mais do que isso, luta.

Com quem é essa luta? Só consigo mesmo? "Porque não temos que lutar contra a carne e o
sangue, mas sim contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as
hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais" (Ef 6:12).
Aqui nos aproximamos do assunto dos pedágios.

Não é por acaso que a Oração do Senhor terminava com as palavras: "Não nos deixe cair
em tentação mas livra-nos do Maligno." A respeito do Maligno, em outro de Seus discursos
o Senhor disse aos Seus discípulos: "Eu via Satanás, como raio, cair do céu" (Lc 10:18).
Jogado para baixo do céu, ele tornou-se então um residente das esferas inferiores, o
príncipe das potestades do ar, o príncipe da legião de espíritos imundos. "E quando o
espírito imundo tem saído do homem" mas não encontra repouso para si, ele retorna a casa
de onde havia saído e achando desocupada, varrida e adornada "então vai e leva consigo
outros espíritos piores do que ele e entrando habita ali, e são os últimos atos desse homem
piores do que os primeiros. Assim acontecerá também a essa geração má" (Mt 12:43-45).

Foi só uma geração? A respeito da mulher curada que foi curada no Sábado, o Senhor não
respondeu: "E não convinha soltar desta prisão. No dia de sábado esta filha de Abrahão, a
qual há dezoito anos Satanás a tinha presa?" (Lc 13:16).

Os Apóstolos em suas instruções não esquecem de nossos inimigos espirituais: São Paulo
escreve aos Efésios: "Em que noutro tempo andastes segundo o curso desse mundo,
segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da
desobediência" (Ef 2:2). Desse modo, agora, "revesti-vos de toda a armadura de Deus, para
que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo" (Ef 6:11). "porque o diabo ...
bramando como leão, busca a quem possa devorar" (1 Pe 5:8). Sendo Cristão, podemos
chamar essas citações da Escritura de "mitologia"?

Esses avisos dados a gerações previas encontrados na palavra escrita de Deus também se
referem a nós. Por isso os obstáculos à salvação são os mesmos. Alguns deles são devidos à
nossa própria falta de cuidado, nossa auto-confiança, nossa falta de preocupação, nosso
egoísmo, ás nossas paixões do corpo; outros estão nas tentações e os tentadores que nos
circundam; em pessoas, e nos poderes invisíveis das trevas que nos circundam. Eis ai
porque, em nossas orações pessoais diárias nós pedimos a Deus. Não permitir nenhum
"sucesso do maligno" (das Orações Matutinas), isto é, que não nos seja permitido nenhum
sucesso em nossos feitos que possa ocorrer com a ajuda dos poderes das trevas. Em geral,
em nossas orações privadas e também nas louvações divinas públicas, nós nunca perdemos
de vista a idéia de sermos transladados para uma vida diferente após a morte.

Nos tempos dos Apóstolos e dos primeiros Cristãos, quando os Cristãos eram mais
inspirados, quando a diferença entre o mundo pagão e o mundo dos cristãos era muito mais
clara, quando o sofrimento dos mártires era a luz do Cristianismo, existia menos
preocupação em apoiar o espírito dos Cristãos orando sozinho. Mas o Evangelho é
abrangente! As demandas do Sermão da Montanha não tiveram significado só para os
Apóstolos! E por isso, nos escritos dos Apóstolos nós já lemos não simples instruções, mas
também avisos a respeito do futuro, quando nós tivermos que prestar contas.

"Revesti-vos de toda armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas
ciladas do diabo... para que possais resistir no dia mau, e, havendo feito tudo, ficar firmes"
(Ef 6:11-13). "Porque, se pecarmos involuntariamente, depois de termos recebido o
conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa
expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários... horrenda
coisa é cair nas mãos do Deus vivo" (Heb. 10:26-31). E apiedai-vos de alguns, que estão
duvidosos; E salvai alguns arrebatando-os do fogo; tende deles misericórdia com temor,
aborrecendo até a roupa manchada da carne. (Jud 22-23). "Porque é impossível que os que
já foram iluminados; e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito
Santo e provaram a boa palavra de Deus, e as virtudes do século futuro, e recaíram sejam
outra vez renovados, para arrependimento, pois assim quanto a eles, de novo crucificaram o
Filho de Deus, e o expõe ao vitupério" (Ef 6:4-6).

Assim era na era Apostólica. Mas quando a Igreja, tendo recebido liberdade, começou a
crescer com massas de povo, quando a inspiração geral da fé começou a enfraquecer,
existiu uma necessidade mais crítica de palavras mais poderosas, para denuncias, para
chamar à vigilância espiritual, para temor de Deus e temer pela própria fé. Na coleção de
instruções pastorais do mais zelosos arquipastores lemos homilias severas dando descrições
do futuro julgamento que nos espera depois da morte. Essas homilias tinham a intenção de
trazer pecadores a seus sentidos, e evidentemente elas eram dadas durante períodos de
arrependimento cristão geral antes da Grande Quaresma. Nelas estava a verdade da justiça
de Deus, a verdade que nada imundo entrará no reino da santidade e esta verdade era
vestida de vívidas, parcialmente figurativas imagens, próximas a imagens do julgamento
que se segue imediatamente após a morte de "pedágios." As mesas dos publicanos, os
coletores de taxas e obrigações, eram evidentemente pontos para deixar que alguém fosse
além na estrada para a parte central da cidade. Lógico que a palavra "pedágio" não indica
para nós nenhum significado religioso particular. Na linguagem patrística ela significa
aquele curto período depois da morte quando a alma Cristã tem que prestar contas por seu
estado moral.

São Basílio escreve: "Que ninguém se engane com palavras vazias, "pois então lhe
sobrevirá repentina destruição" (1 Tess 5:3) e causa uma reviravolta como uma tempestade.
Um anjo estrito virá, ele forçosamente conduzirá a tua alma, ligada a pecado. Ocupe-se
portanto com reflexões no último dia... Imagine para si próprio a confusão, o curto respirar,
e a hora da morte, a sentença de Deus chegando perto, os anjos se apressando para ti, a
terrível confusão da alma atormentada por sua consciência, com teu lastimável semblante
olhando o que está acontecendo e finalmente a inevitável translação para um lugar distante
(São Basílio o Grande, citado em "Essay in na Historical Exposition of Orthodoxy
Theology," por Bishop Sylvester, vol. 5, p. 89).

São Gregório o Teólogo, que guiou um grande rebanho só por curtos períodos, limita-se a
palavras gerais dizendo que "cada um é um juiz de si próprio, por causa da cadeira de
julgamento esperando por ele."

Há uma descrição mais chocante encontrada em São João Crisóstomo: "Se, dirigindo-nos
para lugares estrangeiros ou cidades nós necessitamos de guias, então de quantos ajudantes
e guias nós precisaremos para passar não retardados e embaraçados pelos anciãos, pelas
potestades, pelos governadores do ar. Os perseguidores, os coletores chefes! Por essa razão
a alma, voando para fora do corpo, freqüentemente sobe e desce, teme e treme. A
consciência dos pecados sempre nos atormenta, ainda mais na hora quando formos
conduzidos para aquele julgamento e para aquele assustador local de julgamento!!
Continuando Crisóstomo, dá instruções morais para um modo de vida cristão. Como para
crianças que morreram, ele coloca em suas bocas as seguintes palavras: "Os santos anjos
pacificamente nos separam de nossos corpos, e tendo bons guias, nós passamos sem dano
pelos poderes do ar. Os espíritos malignos não encontraram em nós o que eles estavam
buscando; eles não notaram o que eles queriam envergonhar; vendo uma alma imaculada;
eles ficaram envergonhados; vendo uma língua impoluta, eles ficaram mudos. Nós
passamos por eles e pusemo-los em vergonha. A rede estava rasgada e fomos libertados.
Bendito seja Deus que não nos deu como presa para eles" (São João Crisóstomo, Homilia 2,
"On Remembering the Dead").

A Igreja ortodoxa descreve os mártires cristãos, homens e mulheres, como atingindo a


câmara nupcial tão livremente como crianças e sem dano. No quinto século a descrição do
julgamento da alma após sua partida do corpo, chamado de Julgamento Particular, era ainda
mais justo da descrição dos pedágios, como nós vemos em São Cirilo de Alexandria em sua
"Homily on the Departure of the Soul," que resume as imagens desse tipo nos Padres da
Igreja que o precederam.

É perfeitamente claro para qualquer um que imagens puramente horrendas são aplicadas a
assuntos espirituais para que a imagem sendo impressa na memória possa acordar a alma do
homem: "Vê o noivo vem à meia-noite, e bendito é o servo que ele encontrar atento" ao
mesmo tempo, nessas descrições o pecado que está presente no homem decaído é revelado
em seus vários tipos e formas, e isso inspira o homem a analisar seu próprio estado de alma.
Nas instruções dos ascetas cristãos os tipos de formas de pecado têm uma estampa especial
própria; nas vidas dos santos há também uma estampa característica.

Dada a disponibilidade das vidas dos santos, o relato dos pedágios pela justa Teodora,
descrito por ela em detalhe por São Basílio o Novo em seu sonho, tornou-se especialmente
bem conhecido. Autenticas visões das almas dos que partilham sem sua forma terrena. O
relato de Teodora tem as características de um e de outro. A idéia de que bons espíritos, ou
anjos da guarda, assim como também os espíritos malignos abaixo do céu participam no
destino do homem (após a morte), encontram confirmação na parábola do homem rico e
Lázaro. Lázaro imediatamente após a morte foi levado por anjos para o seio de Abrahão. E
outra parábola, o homem injusto ouve essas palavras: "Louco, esta noite te pedirão a tua
alma" (Lc 12:10); evidentemente quem "pede" são os mesmos espíritos malignos abaixo do
céu."

De acordo com a lógica simples e também com a confirmação pelo Verbo de Deus a alma
imediatamente após sua separação do corpo entra numa espera onde seu destino futuro é
definido. "E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o
juízo," nós lemos no Apóstolo Paulo (Heb 9:27). Esse é o Julgamento Particular, que é
independente do Juízo Final Universal.

O ensinamento a respeito do Julgamento Particular de Deus entra na esfera da teologia


dogmática. Para os pedágios, escritores russos de sistemas gerais de teologia se limitam a
uma nota bem estereotipada: "A respeito de todas as imagens terrenas sensoriais pelas quais
o Julgamento Particular é apresentado na forma de pedágio, embora na idéia fundamental
eles são completamente verdadeiros, ainda assim eles deveriam ser aceitos do modo que o
anjo instruiu São Macário de Alexandria, sendo somente os mais fracos meios de descrever
as coisas celestes" (Ver Macário, Metropolita de Moscou em Orthodox Dogmatic
Theology, São Petesburgo, 1883, vol 2, p 538; também o Livro do Bispo Silvestre, reitor da
Academia Teológica de Kiev. Arcebispo Filaret de Cherwingov, em seus dois volumes
sobre teologia dogmática, não comenta sobre esse assunto).

Se alguém se queixar do caráter assustador das descrições dos pedágios — não há muitas
descrições deste tipo nas escrituras do Novo testamento e nas palavras do Senhor? Não
ficamos assustados pela pergunta simples: "...como entraste aqui, não tendo vestido
nupcial?" (Mt 22:12).

Nós atendemos à discussão sobre pedágios, um tópico que é secundário no reino do nosso
pensamento Ortodoxo, porque ele nos dá oportunidade de iluminar a essência da nossa vida
em Igreja. Nossa vida na Igreja Cristã, é de oração não interrompida em comunhão com o
mundo celeste. Não é uma simples "invocação dos santos," como é freqüentemente
chamada; é uma interação em amor. Por ela o Corpo todo da Igreja, estando unido e
reforçado em seus membros e ligações "vai crescendo em aumento de Deus" (Col 2:19).
Pela Igreja "chegamos à Jerusalém Celestial, e aos muitos milhares de anjos, à universal
assembléia e igreja dos aperfeiçoados" (Heb 12;22 — 23). Nossa interação em oração
estende-se em todas as direções. Foi-nos ordenado: "Orai uns pelos outros." Nós vivemos
de acordo com o principio da fé: "vivamos ou morramos, somos do Senhor" (Rom 14:8).
"O amor nunca falha" (1 Cor 13:8). "porque o amor cobrirá a multidão de pecador" (1 Ped
4:8).

Para a alma não há morte. Vida em Cristo é um mundo de oração. Ela penetra o corpo todo
da Igreja, une todos os membros da Igreja como o Pai celestial, os membros da Igreja
terrena entre si e os membros da igreja terrena com a Igreja celeste. Orações são o fio da
fábrica viva do corpo da Igreja, pois "a oração feita por um justo pode muito" (Tiago 5:16).
Os vinte e quatro anciãos no céu no trono de Deus se prostram diante do Cordeiro, cada um
tendo harpas e salvas de ouro cheias de incenso "que são a oração dos Santos" (Ap 5:8);
isto é, eles oferecem oração na terra para o trono celeste.

Fios são necessários: eles podem e deveriam nos prevenir, para nos refrearmos em cometer
ações malignas. A Igreja nos instila que o Senhor é compassivo e misericordioso, tolerante
e paciente com ofensas e pródigo em misericórdia, e está pesaroso sobre os feitos malignos
dos homens, tomando sobre si nossas enfermidades. Na Igreja celeste estão também nossos
intercessores, nossos ajudantes, aqueles que oram por nós. A Puríssima Mãe de Deus é
nossa proteção. As nossas orações são as orações dos santos, escritas por eles, que vieram
de seus corações contritos durante os dias de suas vidas terrenas. Aqueles que oram podem
sentir isso, e assim os próprios santos chegam mais perto de nós. Tais são as nossas orações
diárias; tal também é o ciclo completo dos ofícios Divinos de todo dia, de toda semana, e
das festas.

Toda essa literatura litúrgica não foi concebida como um exercício acadêmico. Os inimigos
do ar são impotentes contra tal ajuda. Mas nós devemos ter fé e nossas orações devem ser
fervorosas e sinceras. Há mais alegria no céu por um que se arrepende, que por outro que
não tem necessidade de arrependimento. Com que insistência a Igreja nos ensina (nas
litanias) a passar o "resto de nossas vidas na paz e no arrependimento," e morrer assim! Ela
nos ensina a chamar a nossa memória a Santíssima, Puríssima e Abençoadíssima Senhora
Theotokos e todos os santos, entregando-nos e cada um de nós em cada instante de nossa
vida a Cristo nosso Deus.

Ao mesmo tempo, com toda essa nuvem de protetores celestes, não ficamos contentes pela
especial proximidade de nós de nossos anjos da guarda. Eles são mansos, eles se regozijam
conosco, e também ficam pesarosos com nossas quedas. Nós ficamos preenchidos com
esperança neles, no estado que nós estaremos quando nossa alma for separada do corpo,
quando tivermos que entrar na nova vida: será na luz ou nas trevas, em alegria ou tristeza?
Por isso, todos os dias oramos para nossos anjos pelo dia presente: "Livra-nos de toda
astúcia do inimigo oponente." Em canons especiais de arrependimento nós imploramos aos
anjos que não se afastem de nós para após a nossa morte: "Eu te vejo com meu olhar
espiritual, tu que permanece comigo meu companheiro, santo anjo, observando,
acompanhando e sempre permanecendo comigo e sempre oferecendo a mim o que é para
salvação." "Quando minha humilde alma for liberada do meu corpo, possa tu cobri-la, ó
meu instrutor, com teu brilho e sagradas asas." "Quando o assustador som da trombeta me
ressuscitar para o julgamento, fica perto de mim então; quieto e alegre, e que tua esperança
na minha salvação retire o meu medo." "Pois tu és beato em virtude e doce e alegre, uma
mente brilhante como o sol.; intercede brilhantemente por mim com a face alegre e o
semblante radiante quando, eu estiver para ser tirado da terra." "Possa eu então te ver
levantando a mão direita de minha miserável alma, brilhante e quieto, tu que intercede e ora
por mim, quando meu espírito for tomado à força; possa eu te ver banindo aqueles que me
buscam, meus amargos inimigos" (do Cânon para o Anjo da Guarda de João o Monge, no
Livro de Orações para Padres).

Assim, a Santa Igreja pelas fileiras de seus construtores, os Apóstolos, os grandes hierarcas,
os santos ascetas, tendo como seu pastor chefe Nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo, criou
e nos dá todos os meios para a perfeição espiritual e o atendimento da eternamente
abençoada vida em Deus, instilando em nós um espírito de vigilância e luminosa esperança,
cercando-nos com santos guias e ajudantes celestes. No tipikon dos ofícios Divinos da
Igreja, nos é dada um caminho direto para o alcance do Reino de Glória.

Entre as imagens do Evangelho a Igreja com freqüência nos lembra da parábola do filho
pródigo, e uma semana no ciclo anual dos ofícios da Igreja é inteiramente dedicada a essa
lembrança para que possamos conhecer o ilimitado amor de Deus, e o fato de que um
sincero, contrito, cheio de lágrimas arrependimento de um homem que crê supera todos os
obstáculos e todos os pedágios no caminho do Pai celeste.

Os sinais da Segunda Vinda do Senhor.


Não era agradável ao Senhor — para nosso próprio benefício moral — nos revelar o
tempo do "último dia" do céu e terra presentes, o dia da vinda do Filho do Homem, "O Dia
do Senhor." "...daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas
unicamente meu Pai" (Mt 24:36). "Não vos pertence saber os tempos ou as estações que o
Pai estabeleceu pelo seu próprio poder" (At 1:7). O fato de que o tempo é desconhecido
deveria levar os Cristãos a uma constante vigilância espiritual: "Olhai, vigiai e orai, porque
não sabeis quando chegará o tempo ... e as coisas que vos digo digo-as a todos: Vigiai."
(Mc 13:33-37)

No entanto, o desconhecimento do tempo do Senhor não deveria evitar que os Cristãos


refletissem profundamente sobre o curso dos eventos históricos discernindo neles os sinais
de aproximação do tempo do "último dia." O Senhor ensinou: "Aprendei pois esta parábola
da figueira: quando já os seus ramos se tornam tenros e brotam folhas sabeis que está
próximo o verão. Igualmente, quando virdes todas essas coisas, sabe que ele está próximo
às portas" (Mt 24:32-33).

Aqui estão alguns dos sinais indicados na palavra de Deus:

a) O espalhamento do Evangelho para o mundo todo: "E este evangelho do reino será
pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim" (Mt
24:14).

b) De outro lado, haverá uma extraordinária manifestação dos poderes do demônio: "E por
se multiplicar a iniqüidade de muitos esfriará" (Mt 24:12). O Apóstolo Paulo diz: "... nos
últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens amantes de si mesmo,
avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos... mais amigos dos deleites do que amigo de
Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela" (2 Tim 3:1-5). A fé em
geral crescerá fraca: "...Quando vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?" (Lc
18.8).

c) O demônio levantará guerra contra o Reino de Cristo através do seu instrumento, o


Anticristo. O nome Anticristo é usado na Sagrada Escritura com dois sentidos: no sentido
amplo e geral ele indica todo inimigo de Cristo; esse é o sentido quando "Anticristo" são
falados na primeira e segunda epístolas de São João Teólogo. Mas num sentido particular,
"Anticristo" significa uma pessoa definida — o adversário de Cristo que aparece antes do
fim do mundo. A respeito das qualidades e ações desse Anticristo nós lemos no Apóstolo
Paulo:

"Ninguém de maneira alguma vos engane; porque não será assim sem que antes venha a
apostasia, e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição, o qual se opõe, e se
levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se adora; de sorte que se assentará, como
Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus... Porque já o mistério da injustiça opera:
somente há um que agora resiste até que do meio seja tirado. E então será revelado o
iníquo, a quem o Senhor desfará pelo assopro da sua boca, e aniquilará pelo esplendor da
Sua vinda; a esse cuja vinda é segundo a eficácia de satanás, como todo o poder e sinais e
prodígios de mentira, e com todo o engano da justiça para os que perecem, porque não
receberam o amor da verdade para se salvarem. E por isso Deus lhes enviará a operação do
erro, para que creiam a mentira" (2 Tess 2:3-11).

A imagem desse adversário de Deus é apresentado também no Profeta Daniel (capít. 7 e


11); e no Novo Testamento no Apocalipse de São João Teólogo (capit 11-13). A atividade
do Anticristo continuará até o dia do Juízo (2 Tess 2:8). O caráter da pessoa do Anticristo e
as suas atividades estão descritas hipoteticamente, mas em detalhes, por São Cirilo de
Jerusalém em sua Catechetical Lectures (a décima quinta); e por São Efram o Sírio em sua
"Homily on the Corning of the Lord and Antchrist" (ver, a tradução para o inglês de
Eerdmans das Catechetical Lectures, p. 106-110. A homilia de Santo Efrem, "Concerining
the Coming of the End of the Wold and the Coming of Antichrist," foi traduzida para o
inglês na Orthodox Life 1970, nº 3).

d) No Apocalipse de São João Teólogo é indicada a aparição de "duas testemunhas"


durante o período de atividade do Anticristo; eles profetizarão a verdade e realizarão
milagres, e quando terminarem seu testemunho serão mortos, e então depois de "três dias e
meio serão ressuscitados e ascenderão ao céu" (Apoc 11:3-12). (De acordo com a
interpretação universal dos Santos Padres, essas "duas testemunhas" (também mencionadas
em Zacharias cap 3) são os justos do Velho Testamento Enoc e Elias, que nunca morreram
mas foram carregados vivos para o céu, e enfrentarão sua morte terrena somente durante o
reino do Anticristo).

A segunda vinda do Filho do Homem.

O olhar espiritual do homem que acredita em Cristo, começando com a Ascensão da terra
para o céu do Filho de Deus, tem sido dirigido para o maior evento futuro da historia do
mundo: Sua Segunda Vinda para a terra.

Testemunhos para a realidade dessa esperada Vinda foram dados bastante definidamente
muitas vezes pelo próprio Senhor Jesus Cristo, com uma serie de detalhes a respeito (Mt
16:27 e capit. 24; Lc 12:40 e 17:24; Jo 14:3). Os anjos declararam a Segunda Vinda na
Ascensão do Senhor (At 1:11). Os Apóstolos com freqüência a mencionam: Apóstolo Judas
(versículos 14:15); Apóstolo João (1 Jo 2:28); Apostolo Pedro (1 Pe 4:13); e Apóstolo
Paulo muitas vezes (1 Co 3:5; 1 Tess 5:2-6 e em outros lugares).

O Senhor descreveu para Seus discípulos a maneira de Sua vinda com as seguintes
características: ela será súbita e obvia para todo o mundo: "Porque, assim como o
relâmpago sai do Oriente e se mostra até o ocidente, assim será a vinda do Filho do
Homem" (Mt 24:27)

Antes de tudo, "aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem, e todas as tribos da terra se
lamentarão" (Mt 24:30). Esse, de acordo com a interpretação universal dos Santos Padres
da Igreja, será o sinal da vivificante Cruz do Senhor.

O Senhor virá cercado por inumeráveis coros de anjos, em toda a Sua glória: "Eles verão o
Filho do Homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória" (Mt 24:30),
"com os santos anjos" (Mc 8:38). "Ele se assentará no trono da Sua glória" (Mt 25:31).
Assim a Segunda Vinda será diferente da primeira quando o Senhor: humilhou-se a si
mesmo, sendo obediente até a morte, e morte na cruz" (Filip 2:8).

A ressurreição dos mortos.

No grande dia da Vinda do Filho do Homem será cumprida a ressurreição universal dos
mortos em uma aparência transfigurada. A respeito da ressurreição dos mortos o Senhor
diz: "porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a Sua voz; e os
que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizerem o mal para a
ressurreição da condenação" (Jo 5:28-29). Quando os saduceus expressaram descrença na
possibilidade da ressurreição, o Senhor os censurou: "Errais, não conhecendo as Escrituras,
nem o poder de Deus" (Mt 22:29).

A certeza na verdade da ressurreição e da importância da crença na ressurreição foram


expressas pelo Apóstolo Paulo nas seguintes palavras: "E se não há ressurreição dos
mortos, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou logo é vã a nossa
pregação, e também é vã a vossa fé. E assim somos também considerados como falsos
testemunhos de Deus, pois testificamos de Deus que ressuscitou a Cristo, ao qual, porém,
não ressuscitou, se, na verdade, os mortos não ressuscitam... Mas agora Cristo ressuscitou
dos mortos, e foi feito as primícias dos que dormem... Porque, assim como todos morrem
em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo" (1 Co 15:13-15, 20-22).

A ressurreição dos mortos será universal e simultânea tanto dos justos quanto dos
pecadores. Todos os mortos: "ouvirão Sua voz. E os que fizeram o bem sairão para a
ressurreição da vida; e os que fizeram o mal para a ressurreição da condenação" (Jo 5:29).
"Há de haver ressurreição de mortos, assim dos justos como dos injustos" (At 24:15 essas
são as palavras do Apóstolo Paulo diante do governador Félix). Se o mesmo Apóstolo em
outro lugar (1 Co capítulo 15 e também 1 Tess cap 4), falando da ressurreição dos mortos
em Cristo, não menciona a ressurreição dos pecadores, isto é evidentemente por causa do
seu propósito direto que é de forçar a fé dos Cristãos em sua futura ressurreição em Cristo.
No entanto, não há duvida que a aparência ou forma dos ressuscitados justos será diferente
da dos ressuscitados pecadores: "Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de
Deus Pai" — são palavras faladas pelo Senhor só sobre os justos (Mt 14:43) "alguns
parecerão luz e os outros trevas," reflete São Efrem o Sírio nessa passagem (Homilia "on tje
Fear of God and tje Last Judgemene").

Da palavra de Deus deve-se concluir que os corpos ressuscitados serão essencialmente os


mesmos que pertenceram a suas almas na vida terrena. "Convém que isto que é corruptível
se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade" (1 Co
15:53). Mas ao mesmo tempo, eles serão transfigurados, e primeiro de tudo, os corpos dos
justos serão incorruptos e imortais, como é evidente das mesmas palavras do Apóstolo. Eles
serão completamente livres das fraquezas e enfermidades da vida presente. Eles serão
espirituais, celestes, não tendo necessidades corporais terrenas. A vida depois da
ressurreição será como a vida dos espíritos sem carne, os anjos, de acordo com a palavra do
Senhor (Lc 20:36). Para os pecadores, seus corpos também sem nenhuma dúvida se
levantarão numa nova forma, mas recebendo uma natureza incorrupta e espiritual., ao
mesmo tempo eles expressarão em si mesmos a condição de suas almas.

Com o objetivo de fazer a fé na futura transformação dos corpos mais fácil, o Apóstolo
compara a futura ressurreição com semeadura, um símbolo da ressurreição dado por
natureza: "mas alguém dirá: como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão?
Insensato! O que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. E quando semeias,
não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou outra qualquer
semente. Mas Deus dá-lhe o corpo como quer, e a cada semente o seu próprio corpo" (1 Co
15:35-38).

Com o mesmo objetivo os Padres da Igreja indicaram que no mundo em geral nada é
aniquilado e desaparece, e que Deus é poderoso para restaurar aquilo que Ele mesmo criou.
Voltando à natureza, eles encontram nela similaridade com a ressurreição, tais como: o
brotar de plantas de uma semente que é jogada na terra e apodrece ali; a renovação anual da
natureza na primavera; a renovação do dia, o acordar do sono; a formação original do
homem do pó da terra; e outras manifestações.

A ressurreição universal e os acontecimentos que a ela se seguem são realidades que nós
somos incapazes de representar totalmente em nossa imaginação, já que nunca as
experimentamos em sua autêntica forma futura; nem podemos compreende-las
completamente com nosso pensamento racional, nem resolver as numerosas questões que
são postas pelas mentes curiosas a respeito desse assunto. Por isso, essas questões e as
concepções pessoais que foram expressas em resposta a ela — freqüentemente em várias
formas — nos escritos dos Padres e Professores da Igreja não entram imediatamente no
assunto da teologia dogmática, cuja obrigação é desenhar as verdades precisas da fé
baseada na Sagrada Escritura.

O erro do quiliasmo.

Bastante espalhado nos dias de hoje está o ensinamento a respeito do reino de Cristo na
terra por mil anos antes do universal ou Juízo Final; esse ensinamento é conhecido pelo
nome de "quiliasmo" (do grego chiliasmos, mil anos). A essência desse ensinamento é o
seguinte: muito antes do final do mundo, Cristo virá novamente para a terra para derrotar o
Anticristo e ressuscitar somente os justos, para estabelecer um novo reino na terra no qual
os justos, como recompensa por suas lutas e sacrifícios, reinarão junto com Ele pelo
período de mil anos, regozijando-se com todas as coisas boas da vida temporal. Depois
disso se seguirá uma segunda universal ressurreição dos mortos, o julgamento universal, e a
universal e eterna doação de recompensas. Essas são as idéias dos quiliastas. Os defensores
desse ensinamento baseiam-se nas visões do visor de mistérios (João o Teólogo) no 2º
capitulo do Apocalipse. Ali é dito que um anjo desceu do céu e amarrou satan por mil anos
que as almas daqueles que foram degolados por testemunho de Jesus e pela palavra de Deus
vieram à vida e reinaram com Cristo por mil anos. "Esta é a primeira ressurreição" (Ap
20:5). "E acabando-se os mil anos, satanás será solto da sua prisão e sairá a enganar as
nações" (Ap 20:7-8). Logo então segue o julgamento do diabo e daqueles que foram
enganados por ele. Os mortos serão levantados e julgados de acordo com seus feitos. "E
aquele que não foi achado escrito no livro da vida foi lançado no lago de fogo ... esta é a
segunda morte" (Ap 20:15). Sobre os que foram ressuscitados na primeira ressurreição, no
entanto, na segunda morte não terá poder.

As visões quiliásticas estiveram espalhadas na antigüidade principalmente entre os


heréticos. No entanto, elas também podem ser encontradas em certos escritores antigos,
Cristãos da Igreja universal, (por exemplo Papias de Hierápolis, Justino o Mártir, Irineu de
Lyon). Em tempo mais recentes essas visões foram ressuscitadas nas seitas protestantes; e
finalmente, nós vemos tentativas de certos teólogos modernistas de nosso tempo de
introduzir idéias quiliásticas também no pensamento teológico Ortodoxo.

Como foi indicado, nesse ensinamento são supostos dois julgamentos futuros, um para os
justos ressuscitados, e então um segundo, universal; há duas ressurreições futuras, primeiro
uma dos justos, e então outra dos pecadores; há duas futuras vindas do Salvador em glória;
há um futuro puramente terreno — ainda que bendito — reino de Cristo com os justos com
uma definida época histórica. Formalmente, esse ensinamento é baseado num incorreto
entendimento da expressão "a primeira ressurreição"; enquanto interiormente, sua causa
está enraizada na perda, entre as massas do sectarismo contemporâneo, da fé na vida depois
da morte, na beatitude dos justos no céu (com quem as massas não têm comunhão em
oração); e outra causa em certas seitas, é para ser encontrada nos sonhos utópicos para
sociedades escondidas atrás de idéias religiosas e inseridas nas misteriosas imagens do
apocalipse.

Não é difícil ver o erro na interpretação quiliástica do 2º capitulo do Apocalipse. Passagens


paralelas claramente indicam que a "primeira ressurreição" significa renascimento
espiritual na vida eterna em Cristo através do batismo, uma ressurreição através da fé em
Cristo, de acordo com as palavras: "Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos
e Cristo te esclarecerá" (Ef 5:14). "Vós ressuscitastes com Cristo," lemos muitas vezes nos
Apóstolos (Col 3:1 e 2:12; Ef 2:5-6). Procedendo disso, por reino de mil anos deve-se
entender o período de tempo desde o início do reino da graça da Igreja de Cristo, e em
particular da triunfante Igreja do céu, até o final do mundo. A Igreja que é militante na terra
em essência também é triunfante na vitória executada pelo Salvador, mas ainda enfrenta
batalha com o "príncipe desse mundo," uma batalha que terminará com a derrota de satan e
com o final de joga-lo no lago de fogo.

A "segunda morte" é o julgamento dos pecadores no Juízo Final. Ela não tocará aqueles que
"tem parte na primeira ressurreição" (Cap 20:6); isso significa que aqueles que são
espiritualmente renascidos em Cristo e purificados pela graça de Deus na Igreja não serão
submetidos a julgamento mas entrarão na vida abençoada do Reino em Cristo.
Se em algum tempo foi possível expressar idéias quiliásticas como opiniões particulares,
foi só até o Concílio Ecumênico expressar seu julgamento sobre isso. Mas quando o
Segundo Concilio Ecumênico (381), condenando todos os erros do herético Apolinário,
condenou também seu ensinamento sobre os mil anos do Reino de Cristo e introduziu no
próprio símbolo da fé as palavras a respeito de Cristo: "E seu Reino não terá fim" —
tornou-se não mais possível de todo um Cristão Ortodoxo manter essas opiniões. (Um dos
padres lideres da Igreja no inicio que combateu a heresia do quiliasmo foi o Bem
Aventurado Agostinho: ver suas discussões sobre isso no The City of God 20, 7-9, p. 718-
728.. Ele liga a "prisão" do diabo por mil anos (Ap 20:2) com a "prisão" do "homem
valente" em Mc 3:27 (ver também Jo 12:31; as palavras de Cristo logo antes de Sua Paixão:
"agora será expulso o príncipe desse mundo"), e afirma que "a prisão do demônio é ele ser
impelido a exercer todo o seu poder para seduzir o homem." Cristão Ortodoxo que
experimentaram a vida da graça na Igreja podem entender bem o que os protestantes não
podem: que os "mil anos" (o período todo) do Reino de Cristo com Seus santos e o poder
limitado do diabo é agora.

Um erro relacionado largamente espalhado entre protestantes contemporâneos, é o "rapto."


Não ouvido antes do século XIX, essa crença diz que durante a "grande tribulação"
próximo ao fim do mundo (ou antes ou depois do "milênio" de acordo com várias versões),
os verdadeiros Cristãos serão "raptados" para o ar, para escapar dos sofrimentos que
existirão para os que permanecerem na terra. Isso é baseado numa interpretação errada de 1
Tess 4:17, que ensina que no final do mundo propriamente dito os fieis serão "arrebatados
nas nuvens," junto com os mortos ressuscitados, "a encontrar o Senhor" Que está vindo
para o julgamento e a abertura do eterno Reino dos Céus. A Escritura é bem clara que
mesmo os eleitos sofrerão na terra no período de "tributação," e que por eles esse período
será abreviado (Mt 24:21-22).).

O final do mundo.

Como resultado da queda do homem, a criação inteira foi involuntariamente submetida á


"servidão da corrupção "e" geme... tem as dores do parto... juntamente conosco" (Ro 8:21-
23). O tempo virá quando todo o mundo material e humano será purificado do pecado no
mundo angélico. Essa renovação do mundo material será cumprida no "ultimo dia," o dia
quando o julgamento final do mundo será cumprido; e ele ocorrerá por meio de fogo o
gênero humano antes do dilúvio pereceu sendo afogado na água. Mas o Apóstolo Pedro nos
instrui que: "Os céus e a terra que agora existem pela mesma palavra se reservam como
tesouro, e se guardam para o fogo, até o dia do juízo, e da perdição dos homens ímpios" (2
Pe 3:7). "O dia do Senhor virá como o ladrão da noite no qual os céus passarão com grande
estrondo, e os elementos ardendo se desfarão, e a terra e as obras que nela há, se
queimarão...Mas nós segundo a Sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que
habita a justiça" (2 Pe 3:10-13).

Que o mundo presente não é eterno foi profetizado até pelo Salmista quando ele clama a
Deus: "Desde a antigüidade fundaste a terra: e os céus são obra das tuas mãos. Eles
perecerão, mas tu permanecerás: todos eles, como um vestido, envelhecerão; como roupas
os mudarás, e ficarão mudados" (Salm 102:25-26). E o Senhor Jesus Cristo disse: "O céu e
a terra passarão" (Mt 24:35).
O final do mundo consistirá não na sua total destruição e aniquilação, mas numa completa
mudança e renovação. O Quinto Concilio Ecumênico, refutando vários ensinamentos falsos
dos origenistas, solenemente condenou também seu falso ensinamento que o mundo
material não seria meramente transformado, mas seria totalmente aniquilado.

Os homens a quem a vinda do Senhor encontrar vivos na terra, de acordo com a palavra do
Apóstolo serão instantaneamente mudados, na mesma maneira que os mortos ressuscitados
serão mudados: "... nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num
momento, num abrir e fechar de olhos, ante a ultima trombeta, porque a trombeta soará, e
os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados. Porque convém que
isto que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da
imortalidade" (1 Co 15:51-53).

O julgamento final.

Há numerosos testemunhos na Sagrada Escritura sobre a realidade e indisputabilidade do


Julgamento universal futuro: Jo 5:22, 27-29; ; Mt 16:27; 7:21-23; 11:22-29; 12:36, 41-42;
13:37-43; 19:28-30; 24:30; 25:31-46; At 17:31; Judas 14-15; 2 Co 5:10; Ro 2:5, 7:14:10, 1
Co 4:5; Ef 6:8; Col 3:24-2; 2 Tess 1:6-10; 2 Tim 4:1: Ap 20:11-15. Desses testemunhos a
mais completa descrição é dada em Mateus 25:31-46 ("E quando o Filho do Homem vier
em Sua glória...") de acordo com essa descrição podemos tirar conclusões a respeito das
características do julgamento. Ele será:

Universal, isto é, extensivo a todos os homens vivos e mortos, bons e maus, e de acordo
com outras indicações dadas na palavra de Deus, até os próprios anjos decaídos (2 Pe 2:4;
Judas 6);

solene e aberto, pois o Juiz aparecerá em toda a Sua glória com todos os Seus anjos diante
da face do mundo todo; estrito e terrível, executando em toda Justiça de Deus — ele será "o
dia de ira e da manifestação da justiça de Deus" (Ro 2:5).

final e definitivo, determinando por toda a eternidade o destino de cada um que for
julgado. O resultado do julgamento será a recompensa eterna — benção para os justos e
tormento para os malignos que forem condenados.

Descrevendo da maneira mais brilhante e jubilosa as características da vida eterna dos


justos depois do Julgamento universal, a palavra de Deus fala da mesma maneira positiva, e
certeza a respeito dos tormentos eternos dos homens malignos. "Apartai-vos de mim,
malditos para o fogo eterno," o Filho do Homem dirá no dia do Julgamento: "E irão estes
para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna" (Mt 25: 41-46). Esta condição de
tormento é apresentada na Sagrada Escritura pintada como um lugar de tormento e é
chamada de Gehenna. (a imagem da ígnea (com fogo) Gehenna é tomada do vale de
Hinnon nos arredores de Jerusalém, onde eram feitas as execuções, e também era jogada
todo tipo de coisa suja, e como resultado havia um fogo queimando constantemente como
defesa contra infecções). O Senhor disse: "E se tua mão te escandalizar, corta-a: melhor é
para ti entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para o inferno (gehenna) para
o fogo que nunca se apaga, onde seu bicho não morre e o fogo nunca se apaga" (Mc 9:43-
44 e também 45-48). "Haverá choro e ranger de dentes," o Salvador repete muitas vezes a
respeito de Gehenna (Mt 8:12 e outros lugares). No Apocalipse de São João Teólogo esse
lugar ou condição é chamado de "lago de fogo" (Ap 19:20). E no Apóstolo Paulo nós
lemos: "Como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos
que não obedecem ao evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo" (2 Tess 1:9) . As imagens
do "bicho que não morre" e do "fogo que nunca se apaga" são evidentemente simbólicas e
indicam a severidade dos tormentos. (Por "simbólica" nossa linguagem contemporânea
racionalista, usualmente entende "não real não mais do que uma imagem" — uma definição
que daria uma idéia muito confusa da vida na era futura. Com respeito às imagens nas quais
futuras bênçãos e futuros tormentos são descritos, deve-se repetir as palavras do anjo a São
Macário de Alexandria sobre os "pedágios" (citadas no texto acima): "Aceita as coisas
terrenas aqui como a mais fraca descrição das coisas celestes"; certamente tais imagens
como "o bicho" e o "fogo" correspondem a realidades que são assustadoramente além de
nossa imaginação — e uma realidade que, enquanto não "material" de acordo com nossa
experiência em coisas terrenas, é no entanto de alguma forma "corporal," correspondendo
ao corpo espiritual ressuscitado que os sentirão! Deve-se ler a assustadora experiência
"real" do "bicho que não morre" por um filho espiritual de São Serafim de Sarov ("Are
There Tortures in Hell?" no Orthodox Life, 1970, nº5) de modo a se ganhar uma certa
indicação da natureza dos futuros na Gehenna). São João Damasceno diz: "Os pecadores
serão entregues ao fogo eterno, que não será um fogo material como o que estamos
acostumados, mas um fogo que Deus conhece" (Exact Expositiion of the Ortodhodox Faith,
Livro 4; 27. tradução inglesa, p 406).

"Eu sei," escreve São João Crisóstomo, "que muitos são aterrorizados só pela gehenna, mas
eu acho que a privação daquela glória (do Reino de Deus) é um tormento maior que a
gehenna" (homilia 23, sobre São Mateus). "Essa privação das coisas boas," ele reflete em
outro lugar, "causará tal tormento, tal tristeza e opressão, que mesmo que nenhuma punição
espere aqueles que pecam aqui, em si mesma (essa privação) pode atormentar e perturbar
nossas almas mais poderosamente que o tormento da gehenna, muitas pessoas tolas
desejam só serem libertadas da gehena; mas eu considero muito mais atormentador do que
a gehenna, a punição de não estar naquela glória. E eu acho que aquele que é privado dessa
glória deveria não chorar tanto pelos tormentos na gehenna quanto por ser privado das
coisas boas do céu, pois só isso é o mais cruel de todas as punições" (homilia 1, Papa
Teodoro). Pode-se ler uma explicação similar em Santo Irineu de Lyon (Agains Heresies,
Livro 5, capit. 27).

São Gregório Teólogo ensina: "Reconhece a ressurreição, o julgamento, e a recompensa


dos justos pelo julgamento de Deus. E essa recompensa para esses que foram purificados
no coração será luz, isto é, Deus visível e conhecido de acordo com o grau de pureza de
cada um, que nós chamamos também de Reino do Céu. Mas para aqueles que são cegos na
mente, isto é, para aqueles que se tornaram estranhos para Deus, de acordo com o grau de
sua presente cegueira, serão trevas" (homilia 40, On Holy Baptism).

A Igreja, baseando-se na palavra de Deus, reconhece os tormentos na gehenna como sendo


eterno e sem fim, e por essa razão condenou no Quinto Concílio Ecumênico o falso
ensinamento dos origenistas que diziam que os demônios e pessoas ímpias sofreriam no
inferno somente por um certo tempo definido, e então seriam devolvidos a sua condição
original de inocência (apokatastasis em grego). A condenação do Juízo Final é chamada no
Apocalipse de São João o Teólogo de "segunda morte" (Ap 20:14).

Uma tentativa de entender os tormentos da gehena num sentido relativo, entender a


eternidade como algum tipo de era ou período — talvez longo, mas mesmo assim tendo um
fim — foi feita na antigüidade, assim como é feita hoje; essa visão em geral nega a
realidade desses tormentos. Nessa tentativa são trazidas à tona concepções de um tipo
lógico: a desarmonia entre tais tormentos e a bondade de Deus é apontada, assim como a
aparente desproporção entre crimes que são temporais e a eternidade das punições por
pecado, assim como também a desarmonia entre essas punições eternas e o fim ultimo da
criação do homem, que é benção de Deus.

Mas não cabe a nós definir os limites entre a inexprimível misericórdia de Deus e Sua
justiça. Nós sabemos que o Senhor: "Quer que todos os homens se salvem, e venham ao
conhecimento da verdade" (1 Tim 2:4); mas o homem é capaz, através de sua própria
vontade maligna, de rejeitar a misericórdia de Deus e os meios de salvação. Crisóstomo,
interpretando a descrição do Juízo Final, demarca: "Quando Ele (o Senhor) falou acerca do
Reino, depois de dizer: "Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino," Ele
acrescenta, que está "preparado para nós desde a fundação do mundo" (Mt 25:34), mas
quando falando sobre o fogo, Ele não fala assim, mas Ele acrescenta: que está "preparado
para o diabo e seus anjos" (Mt 25:41). Pois eu prepararei para vós o Reino, mas o fogo Eu
prepararei não para vós mas para o diabo e seus anjos. Mas desde que vós vos jogastes no
fogo, então acuseis a vós mesmos por isso" (homilia 70 sobre Mateus).

Não temos o direito de entender as palavras do Senhor só condicionalmente, como ameaça


ou como um certo meio pedagógico aplicado pelo Salvador. Se nós entendermos nessa
maneira nós erramos, já que o Senhor não instila em nós nenhum desses entendimentos e
nós nos sujeitamos à ira de Deus de acordo com a palavra do Salvador: "porque o ímpio
provocou Deus? Pois ele disse em seu coração. Ele não inquirirá."

Além disso, o próprio conceito de "raiva" em relação a Deus é condicional e


antropomórfico, como aprendemos do ensinamento de Santo Antonio o Grande (conhecido
entre nós como Santo Antão), que diz: "Deus é bom, desapaixonado e imutável. Agora se
alguém pensa que é razoável e verdadeiro afirmar que Deus não muda, pode-se perguntar
como nesse caso, é possível se falar de Deus rejubilando sobre aqueles são bons e
mostrando misericórdia para aqueles que o honram, enquanto afastando-se dos maldosos e
ficando raivoso com os pecadores. Para essa pergunta deve ser respondido que Deus não
rejubila nem fica com raiva, por rejubilar e ficar ofendido são paixões; nem Ele se comove
pelos dons daqueles que o honram, por isso significaria que Ele é movido por prazer... Ele é
bom, e Ele só concede bênçãos e nunca provoca dano, permanecendo sempre o mesmo.
Nós homens, de outro lado, se permanecemos bons assemelhando-nos a Deus, somos
unidos a Ele; mas se nós nos tornarmos malignos não assemelhando-nos a Deus; mas
tornando-nos malignos nós fazemos Dele nosso inimigo. Não é que Ele fica raivoso
conosco de maneira arbitrária, mas são os nossos pecados que impedem que Deus brilhe
dentro de nós, e nos expõe aos demônios que nos punem. E se por orações e atos de
compaixão nós recebemos alívio de nossos pecados, isso não significa que nós tenhamos
ganho de Deus e façamo-lo mudar, mas sim que através dos nossos atos e nosso virar-se
para Deus nós curamos nossa malignidade e assim mais uma vez nós nos regozijamos com
a bondade de Deus. Assim dizer que Deus afasta dos malignos é como dizer que o sol se
esconde dos cegos" (Philokalia, vol 1, texto 150; tradução inglesa por Palmer—Sherrara—
Ware, p. 352).

Digno de atenção também é o comentário simples a esse respeito do Bispo Teofano o


Recluso: "Os justos irão para a vida eterna, mas os pecadores satanizados para os tormentos
eternos, em comunhão com os demônios. Esses tormentos terminarão? Se satanismo é
tornar-se como satan terminou, então esses tormentos também poderiam acabar. Mas até
então nós devemos acreditar que assim como a vida eterna não terá fim, assim também os
tormentos eternos que ameaçam os pecadores não terão fim. Nenhuma conjectura pode
mostrar a possibilidade do fim do satanismo. O que satan viu depois da sua queda! Quanto
poder de Deus foi revelado! Como ele mesmo foi batido pelo poder da Cruz do Senhor!
Como até agora toda a sua astúcia e malícia são derrotadas por esse poder! Mas ele ainda é
incorrigível, ele constantemente se opõe; e quanto mais longe ele vai, mais teimoso ele se
torna. Não há esperança nenhuma dele ser corrigido! E se não há esperança para ele, não há
esperança também para os homens que tornam-se satanizados por sua influencia. Isso
significa que deve haver inferno com tormentos eternos."

Os escritos dos santos ascetas cristãos indica que quanto mais alta a consciência moral,
mais agudo se torna o sentimento de responsabilidade moral, o medo de ofender Deus, e
consciência da inevitável punição por se desviar dos mandamentos de Deus. Mas
exatamente o mesmo grau é o que aumenta a esperança na misericórdia de Deus. A
esperança nela e o pedir por ela ao Senhor é para cada um de nós uma obrigação e uma
consolação.

O Reino da Glória.

Com o final dessa era e a transformação do mundo, num mundo novo e melhor é então
revelado o eterno Reino de Deus, o Reino da Glória.

Então chegará ao fim o Reino de Graça, a existência da Igreja na terra, a Igreja militante;
ela entrará nesse Reino de glória e se fundirá com a Igreja celeste "Depois virá o fim,
quando tiver entregado o reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo o império,
e toda a potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos
debaixo de Seus pés. Ora, o último inimigo a ser aniquilado é a morte... E, quando todas lhe
estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho Se sujeitará Àquele Que todas as coisas
lhe sujeitou para que Deus seja tudo em todos" (1 Co 15:24-26, 28). Essas palavras a
respeito do fim do reino de Cristo devem ser entendidas como o preenchimento da missão
do Filho, que Ele aceitou do Pai, e que consiste na condução dos homens a Deus através da
Igreja. Então o Filho reinará no Reino de glória junto com o Pai e o Espírito Santo, e "o Seu
Reino não terá fim," como o Arcanjo anunciou para a Virgem Maria (Lc 1:33), e como
lemos no Símbolo da Fé. São Cirilo de Jerusalém diz disso: "Pois foi Ele Que reinou antes
de derrotar Seus inimigos, não reinará mais ainda depois que os tiver conquistado?"
(Catechetical Lectures).
A morte não terá poder no Reino da Glória: "Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado
é a morte... então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a morte na vitória" (1
Cor 16:54). "Não haverá mais demora" (Ap 10:6).

A eterna vida abençoada é apresentada vividamente no capitulo 24 do Apocalipse: "E vi um


novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já
não existe" (Ap 21:1). No reino futuro tudo será espiritualizado, imortal e santo.

Mas a coisa mais importante é que aqueles que atingem a futura vida abençoada e tornam-
se "participantes na natureza divina" (2 Ped 1:4), serão participantes na mais perfeita vida,
cuja fonte é só Deus. Em particular, aos futuros membros do Reino de Deus será concedido,
como o é aos anjos, "ver Deus" (Mt 5:9), contemplar Sua glória não através de um vidro
turvo, não por meio de conjecturas, mas face a face. E eles não só contemplarão essa glória,
mas eles próprios serão participantes dela, brilhando como o sol, no Reino do Pai deles (Mt
13:43), sendo "co-herdeiros" de Cristo, sentando com Cristo num trono e partilhando com
Ele a real grandeza (Ap 3:21; Ro 8:17; 2 Tim 2:11-12).

Como é simbolicamente descrito no Apocalipse, "nunca mais terão fome, nunca mais terão
sede; nem calor algum cairá sobre eles. Porque o Cordeiro que está no meio do trono os
apascentará e lhes servirá de guia para as fontes das águas da vida; e Deus limpará de seus
olhos toda a lágrima" (Ap 7:16-17). Como o profeta Isaias diz: " ... nem com ouvidos se
percebeu, nem com os olhos se viu um Deus além de Ti, que trabalhe para aquele que Nele
espera" (Isaias 64:4, 1 Co 2;9).

Benção em Deus será o mais desejável já que ela será eterna, sem fim: "os justos irão para a
vida eterna" (Mt 25:46).

No entanto, essa glória em Deus, no pensamento dos Santos Padres da Igreja, terá seus
grupos correspondentes a dignidade moral de cada um. Deve-se concluir isso das palavras
da Sagrada Escritura: "na casa de Meu Pai há muitas moradas" (Jo 14:2); "e então dará a
cada um segundo as suas obras" (Mt 16:27); "cada um receberá o seu galardão segundo o
seu trabalho" (1 Cor 3:8); "uma estrela difere em glória de outra estrela" (1 Cor 15:41).

Santo Efrem o Sírio diz: "Assim como todo mundo se regozija com os raios do sol de
acordo com a dureza de seu poder de ver e das impressões que são dadas, e assim como em
uma única lâmpada que ilumina a casa cada raio tem seu lugar, enquanto a luz não é
dividida em muitas lâmpadas, também assim no tempo futuro todos os justos morarão
inseparavelmente em um único jubilo, mas cada um em seu grau próprio será iluminado
pelo único sol mental, e até o grau de seu valor ele estará em júbilo e regozijo como se em
uma única atmosfera e lugar, e ninguém verá os graus que são mais altos ou mais baixos,
porque olhando para a graça superior de outro e para sua própria privação, ele terá por ai
alguma causa interior para tristeza e perturbação. Que isso não seja lá, onde não há tristeza
nem gemido; mas enquanto externamente todos terão uma única contemplação e uma única
alegria" (Santo Efrem o Sírio, Oh the Heavenly Mansions).

Concluamos essa exposição das verdades da Fé Cristã Ortodoxa com as palavras do


Metropolitano Macário de Moscou no final de seu longo curso de teologia dogmática:
"Concede-nos, ó Senhor, a todos nós sempre, a viva e não moribunda memória da Tua
gloriosa futura Vinda, Teu terrível Juízo Final, sobre nós, Tua justíssima e eterna doação de
recompensa para os justos e os pecadores — que na luz de Tua Vinda e com o auxílio de
Tua graça: "vivamos neste século sóbria, e justa e piamente" (Tito 2:12), e assim possamos
atingir finalmente a eterna vida abençoada no céu, e que com todo nosso ser nós possamos
glorificar-Te, junto com o Teu Pai não-originado, e com o Teu Santíssimo, bom e
vivificante espírito, pelos séculos dos séculos" (Orthodox Dogmatic Theology, vol 2, p.
674).

______________________________________________________________________

Apêndices.

Novas correntes no pensamento


filosófico-teológico Russo.
A questão do desenvolvimento dogmático.

A questão do desenvolvimento dogmático de há muito tem sido objeto de discussão na


literatura teológica: pode-se aceitar, do ponto de vista da Igreja, a idéia de desenvolvimento
de dogmas? Na maioria dos casos isso é essencialmente uma disputa sobre palavras; uma
diferença ocorre porque a palavra "desenvolvimento" é entendida de diferentes modos:
entende-se desenvolvimento como o descobrimento de algo já dado ou como uma nova
revelação?

Em geral, a visão do pensamento teológico é esse: a consciência da Igreja desde os


Apóstolos até o fim da vida da Igreja, sendo guiada pelo Espírito Santo, é em sua essência
única e a mesma. O ensinamento Cristão e o escopo da revelação divina são imutáveis. O
ensinamento da fé, pela Igreja não se desenvolve, e a consciência da Igreja sobre si própria,
com o passar dos séculos, não se torna maior, mais profundo e mais amplo do que era entre
os Apóstolos. Não há a acrescentar ao ensinamento da fé passado pelos Apóstolos. Apesar
da Igreja ser guiada sempre pelo Espírito Santo, não vemos na história da Igreja, e não
esperamos ver, novas revelações teológicas.

Tal visão sobre a questão do desenvolvimento dogmático esteve presente, em particular, no


pensamento teológico russo do século 19. A aparente diferença de opiniões das várias
pessoas sobre essa questão foi resultado das circunstâncias sob as quais ela foi discutida.
Em discussões com os protestantes foi natural defender o direito da Igreja de "desenvolver"
dogmas significando isso o direito dos Concílios de estabelecer e sancionar proposições
dogmáticas. Nas discussões com os católicos romanos, de outro lado, foi necessário opor-se
às inovações dogmáticas arbitrárias feitas pelos católicos romanos nos tempos modernos, e
assim se opor ao principio da criação de novos dogmas que não tenham sido passados pela
Igreja antiga. Em particular os Velhos Católicos mais próximos da Ortodoxia, ambos
rejeitando o dogma da infalibilidade papal — reforçaram no pensamento teológico russo o
ponto de vista conservador sobre a questão do desenvolvimento dogmático, visão que não
aprova o estabelecimento de novas definições dogmáticas.

Em 1880 e anos seguintes nós vemos uma aproximação diferente a essa questão. V. S
Soloviev, que apoiava a união da Ortodoxia com a Igreja Romana desejando justificar o
desenvolvimento dogmático da Igreja Romana defendeu a idéia do desenvolvimento da
consciência dogmática da Igreja. Ele argumentou assim: "O Corpo de Cristo muda e é
aperfeiçoado" como todo organismo; a original "base" da fé é descoberta e esclarecida na
historia do Cristianismo; "A Ortodoxia permanece não só meramente pela antigüidade, mas
pelo eternamente vivo Espírito de Deus."

Soloviev esteve inspirado para defender o ponto de vista do "desenvolvimento" não só por
sua simpática pela Igreja Romana, mas também por seu modo próprio de ver as questões
filosóficas religiosa-— suas idéias sobre Sofia, a sabedoria de Deus, sobre Deus-homem
como um processo histórico, etc. Levado por seu próprio sistema metafísico, Soloviev nos
anos seguintes a 1890 começou o ensinamento do "eterno feminino" que ele dizia, "não é
meramente uma imagem inativa da mente de Deus, mas um ser espiritual vivo que possui a
totalidade de poder e ação. O processo completo do mundo e da história é o processo de sua
realização e encarnação numa grande multiplicidade de formas e graus. ... o objeto celeste
de nosso amor é só um, e é sempre para todo mundo e o mesmo, a eterna feminilidade de
Deus" (As idéias de Soloviev podem ser superficialmente comparadas ao movimento de
"libertação das mulheres" de hoje, cuja última tentativa nos círculos religiosos tem sido "de
sexualizar" a Escritura removendo dela todas as referências à natureza "masculina" de
Deus. Os movimentos de hoje, no entanto, não tocam realmente na filosofia ou teologia,
permanecendo movimentos primitivamente de "liberação" social; ao passo que o
pensamento de Soloviev é mais sério, sendo um tipo de ressurreição da antiga filosofia
gnóstica: ambos, são igualmente estranhos na forma que suas idéias tomam, e ambos são
concordantes em ver a necessidade de mudar os dogmas e expressões Cristãs tradicionais).

Assim uma série completa de novos conceitos começou a entrar no pensamento religioso
russo, esses conceitos não evocam nenhuma resistência especial nos círculos teológicos
russos, já que eles eram expressões mais como filosofia do que como teologia.

Soloviev por seus trabalhos literários e palestras foi capaz de inspirar interesse por
problemas religiosos num vasto circulo da sociedade russa educada. No entanto, o interesse
juntou-se a um desvio do autentico modo de pensar Ortodoxo. Isso foi expresso por
exemplo, nos "encontros religiosos filosóficos" de Petesburgo em 1901-1903. Nesses
encontros, questões como as seguintes foram levantadas: "Pode-se considerar o
ensinamento dogmático da Igreja já completo? Não podemos esperar novas revelações? De
que maneira uma nova criatividade religiosa pode ser expressa no Cristianismo, e como ela
pode ser harmonizada com a Sagrada Escritura e a Tradição da igreja, com os decretos dos
Concílios Ecumênicos, e os ensinamentos dos Santos Padres?" Especialmente sintomáticos
foram as disputas a respeito do "desenvolvimento dogmático."

No pensamento religioso e social russo, no início do século vinte apareceu uma expectativa
do despertar de uma "nova consciência religiosa" no solo Ortodoxo. Começava a ser
expressa a idéia de que a teologia não deveria temer novas revelações, que a dogmática
deveria usar uma base racional mais larga, que ela não poderia ignorar inteiramente as
inspirações proféticas pessoais dos dias presentes, que deveria haver um alargamento do
círculo dos problemas dogmáticos fundamentais, para que a dogmática pudesse apresentar
uma completa visão do mundo teológica filosófica. As idéias excêntricas expressas por
Soloviev receberam novos desenvolvimentos e mudanças, e o primeiro lugar entre elas foi
dado ao problema da Sophiologia. Os mais destacados representantes dessa nova corrente
foram o padre Paul Florensky (The Pillar and Foundation of the Church e outras obras) e
Sergei N. Bulgakov, que mais tarde foi Arcipreste (seus últimos escritos sophiológicos
incluem The Unsetting Light, The unbuert Bush, Person ans Personality, The Friend of the
Briegroom, The Lamb of God, The Comforter, e The Revelation of John).

Em conexão com essas questões é natural que perguntemos: a teologia dogmática, em sua
forma usual, satisfaz a necessidade do Cristão de ter uma completa visão do mundo? Se a
dogmática recusa-se a reconhecer o princípio do desenvolvimento, ela não se torna uma
coleção sem vida de dogmas separados?

Com toda segurança deve-se dizer que a espera das verdades reveladas que entram nos
sistemas aceitos da teologia dogmática dá toda oportunidade para a formação de uma
exaltada e ao mesmo tempo clara e simples visão do mundo. Teologia dogmática,
construída na base de firmes verdades dogmáticas fala de um Deus pessoal. Que está
inexplicavelmente perto de nós, que não precisa de intermediários entre Si e a criação: ela
fala do Deus na Santíssima Trindade "Que é sobre todos, e por todos e em todos" (Ef 4:6),
do Deus Que ama Sua criação, Que ama a humanidade e é condescendente com nossas
enfermidades, mas não priva Suas criaturas de liberdade; ela fala do homem e do gênero
humano, do seu alto propósito e de suas exaltadas possibilidades espirituais e ao mesmo
tempo do seu triste nível moral no tempo presente, de sua queda; ela apresenta caminhos e
meios para o retorno, ao paraíso perdido, revelados pela Encarnação e morte na Cruz do
Filho de Deus, e o caminho para adquirir a eternamente abençoada vida. Todas essas são
verdades vitalmente necessárias. Aqui fé e amor, conhecimento e suas aplicações em ação,
são inseparáveis.

A Teologia dogmática não pretende satisfazer todos os pontos de curiosidade da mente


humana. Não há dúvida para nosso olhar espiritual a Divina revelação revelou só uma
pequena parte do conhecimento de Deus e do mundo espiritual. Nós vemos nas palavras do
Apóstolo, "porque agora vemos por espelho em enigma" (1 Co 13:12). Um incontavel
número de mistérios de Deus permanece fechado para nós.

Mas deve-se afirmar que as tentativas de alargar os limites da teologia, seja numa base
mística ou racional, que apareceram tanto nos antigos quanto nos modernos tempos, não
conduzem a um mais completo conhecimento de Deus e do mundo. Esses sistemas
conduzem especulações mentais definidas e colocam a mente diante de novas dificuldades.
A coisa principal no entanto, é a seguinte: opiniões nebulosas a respeito da vida interior em
Deus, tais como são vistas em certos teólogos que entraram no caminho de filosofar na
teologia, não se harmonizam com o imediato sentimento de reverência, com a consciência e
sentimento da proximidade e santidade de Deus, e na verdade, elas sufocam esse
sentimento.

No entanto, por essas considerações nós não negamos absolutamente todo tipo de
desenvolvimento na esfera do dogma. O que, então é sujeito a desenvolvimento na
dogmática?

A história da Igreja mostra que a quantidade de dogmas, no sentido estreito da palavra foi
crescendo gradualmente. Não é que dogmas foram desenvolvidos, mas sim que a esfera de
dogmas na história da Igreja foi se alargando até que ela chegou a seu próprio limite, dado
pela Sagrada Escritura. Em outras palavras, o aumento foi na quantidade de verdades da fé
que receberam uma formulação precisa nos Concílios Ecumênicos, ou em geral foram
confirmados pelos Concílios Ecumênicos. O trabalho da Igreja nessa direção consistiu na
definição precisa das afirmações dogmáticas em seus esclarecimentos, em mostrar suas
bases na palavra de Deus, em encontrar suas confirmações na tradição da Igreja, e declara-
los obrigatórios para todos os fiéis. Nesse trabalho da igreja o escopo das verdades
dogmáticas sempre permaneceu um e o mesmo; mas em vista do surgimento de opiniões e
ensinamentos não ortodoxos, a Igreja sanciona algumas afirmações dogmáticas que são
Ortodoxas e rejeita outras que são heréticas. Não se pode negar que graças a tais definições
dogmáticas o conteúdo da fé tornou-se mais claro na consciência das pessoas da Igreja e na
própria hierarquia da Igreja.

Além do mais, o próprio aprendizado teológico é sujeito a desenvolvimento. A teologia


dogmática pode usar vários métodos; ela pode ser suplementada por material para mais
estudo; ela pode fazer um maior ou menor uso dos fatos da exegese (a interpretação dos
fatos da Sagrada Escritura), de filologia bíblica, de história da Igreja, de escritos patrísticos,
e assim também de conceitos racionais; ela pode responder mais completamente ou
timidamente as heresias, falsos ensinamentos e a várias correntes de pensamentos religiosos
contemporâneos. Mas o aprendizado teológico (como oposto á própria teologia) é um
assunto exterior em relação à vida espiritual da igreja. Ele só estuda o trabalho da Igreja e
seus decretos dogmáticos e outros. A teologia dogmática como um ramo do aprendizado
pode se desenvolver, mas não pode desenvolver e aperfeiçoar um ensinamento da Igreja.
(Pode-se ter uma analogia aproximada disso no estudo de qualquer escrita: Pushkinologia,
por exemplo, pode crescer, mas disso a soma de pensamentos e imagens colocados em seus
trabalhos pelo próprio poeta não cresce). O florescimento ou declínio do aprendizado
teológico pode coincidir ou falhar em coincidir com o nível geral, com a elevação ou
declínio de vida espiritual na Igreja, em um ou outro período histórico: o desenvolvimento
do aprendizado teológico pode ser impedido sem perda para a essência da vida espiritual. O
aprendizado teológico não é chamado a guiar a Igreja na sua totalidade; é próprio para ele
buscar e se manter estritamente de acordo com o encaminhamento dado pela consciência da
Igreja.

É dado a nós o que é necessário para o bem de nossas almas. O conhecimento de Deus, na
vida Divina e da Divina Providência, é dado aos homens no grau em que ele tem uma
imediata explicação moral na vida. O Apóstolo ensina isso quando ele escreve: "Visto
como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade... pondo nisto
mesmo toda a diligência, acrescentai à vossa fé a virtude, e à virtude a ciência, e à ciência
temperança, e à temperança paciência, e à paciência piedade, e à piedade amor fraternal, e
ao amor fraternal caridade" (2 Pe 1:3-7). Para o Cristão a coisa mais essencial é a perfeição
moral, tudo o mais que foi dado pela palavra de Deus e pela Igreja são meios para atingir
esse objetivo fundamental.

Filosofia e Teologia.

No pensamento teológico contemporâneo penetrou a visão que a teologia dogmática Cristã


deveria ser suplementada, tornada "frutífera" e iluminada por uma base filosófica e que ela
deveria aceitar conceito filosófico nela própria."

"Para justificar a fé de nossos pais, para elevá-la a um novo grupo e consciência racional"
— esse é o modo pelo qual V. S. Soloviev define seu objetivo, assim formulado não
haveria nada essencialmente digno de repreensão. No entanto, deve-se ser cuidadoso para
não misturar duas esferas — aprendizado teológico e filosofia: tal mistura é capaz de
conduzir alguém à confusão e eclipsar seu propósito, seu conteúdo e seus métodos.

Nos primeiros séculos do Cristianismo os escritores Cristãos e Padres da Igreja


responderam largamente ás idéias filosóficas de seu tempo, e eles próprios usaram os
conceitos que tinham sido trabalhados pela filosofia. Porque? Assim eles lançaram uma
fonte entre a filosofia grega e a filosofia Cristã . O Cristianismo apresentou-se como uma
visão do mundo que era para substituir as visões filosóficas do mundo antigo, ficando
acima delas. Então, tendo se tornado no quarto século a religião oficial do estado, ela foi
chamada pelo próprio estado para tomar o lugar de todos os sistemas de visões do mundo
que existiram até aquela época. Essa é a razão porque, no Primeiro Concílio Ecumênico na
presença do Imperador, ocorreu um debate dos professores da fé Cristã com um "filósofo."

Mas não poderia ser uma simples substituição (da filosofia pagã pela Cristã). A apologética
Cristã tomou sobre si o objetivo de tomar posse do pensamento filosófico pagão dirigindo
seus conceitos para o canal do Cristianismo. As idéias de Platão mostraram-se para os
escritores Cristãos como um estágio preparatório no paganismo para a Revelação Divina. À
parte isso, no curso das coisas, a Ortodoxia teve que combater o Arianismo, não tanto na
base da Sagrada Escritura quanto por meio da filosofia, porque o arianismo havia tomado
da filosofia grega seu erro fundamental — nomeadamente, o ensinamento do logos como
um princípio intermediário entre Deus e o mundo; estando abaixo da divindade. Mas
mesmo com tudo isso, a direção geral do pensamento patrístico todo foi a base de todas as
verdades da fé Cristã baseadas na Revelação Divina e não em deduções racionais e
abstratas. São Basílio o Grande, em seu tratado, "What Benefictcan Be Drawn from Pagan
Works," dá exemplo de como usar o material instrutivo contido nesses escritos. Com o
espalhamento universal dos conceitos Cristãos, o interesse na filosofia grega gradualmente
morreu nos escritos Patrísticos.

E, isso era natural. Teologia e filosofia são distintas antes de tudo por seu conteúdo, a
pregação do Salvador na terra declarou para os homens não idéias abstratas, mas uma vida
nova para o Reino De Deus; a pregação dos Apóstolos foi a pregação da salvação em
Cristo. Por essa razão, a teologia dogmática Cristã tem como seu principal assunto o
completo exame do ensinamento da salvação, sua necessidade, e o caminho para ela. Em
seu conteúdo básico, a teologia é soteriológica (do grego soteria, "salvação"). Questões de
ontologia (a natureza da existência), de Deus em si, da essência do mundo e da natureza do
homem, são tratadas na teologia dogmática de maneira muito limitada. Isso não é somente
porque elas (essas questões) nos são dadas na Sagrada Escritura de forma limitada (e, em
relação a Deus, em forma escondida), mas também por razoes psicológicas. Silêncio
referente ao interior em Deus é uma expressão do vivo sentimento da onipresença de Deus,
uma reverência diante de Deus, temor de Deus. No Velho Testamento esse sentimento
levou ao temor de até mesmo mencionar o nome de Deus. A área mais importante da
contemplação deles era a da verdade da Santíssima Trindade revelada no Novo Testamento,
e a teologia Cristã Ortodoxa como um todo seguiu esse caminho.

A filosofia segue um caminho diferente. Está principalmente interessada precisamente em


questões de ontologia: a essência da existência, a relação entre o princípio absoluto e o
mundo e suas manifestações concretas, assim por diante. A filosofia por sua natureza vem
de skepsis, de dúvida sobre o que nossas concepções nos contam; e mesmo quando chega a
fé em Deus (na filosofia idealista) ela raciocina sobre Deus "objetivamente," como sobre
um assunto de conhecimento frio, um assunto que é sujeito a exame e definição racionais, a
uma explanação de sua essência e de sua relação como existência absoluta com o mundo de
manifestações.

Essas duas esferas — teologia dogmática e filosofia — também devem ser distinguidas por
seus métodos e fontes.

A fonte da teologia é a revelação divina, contida na Sagrada Escritura e Sagrada Tradição.


O caráter fundamental da Sagrada Escritura e Tradição depende de nossa fé na verdade
delas A teologia reúne e estuda o material que é encontrado nessas fontes, sistematiza esse
material e o divide em categorias apropriadas, usando nesse trabalho os mesmos meios que
as ciências experimentais usam.

A filosofia é racional e abstrata. Ela procede não da fé, como a teologia, mas busca se
basear nos indisputáveis axiomas fundamentais da razão deduzindo deles outras
conclusões, ou então sobre fatos da ciência ou do conhecimento geral humano.

Assim sendo pode-se simplesmente dizer que a filosofia não é capaz de elevar a religião
dos pais ao grau do conhecimento.

No entanto, pelas distinções mencionadas acima, não se deve negar inteiramente a


cooperação dessas duas esferas. A própria filosofia chega à conclusão que há limites que o
pensamento humano por sua própria natureza não é capaz de ultrapassar. O próprio fato que
a historia da filosofia durante quase toda sua duração tem sido duas correntes — idealística
e materialista — mostra que seus sistemas dependem de uma predisposição pessoal de
mente e coração; em outras palavras que elas estão baseadas sobre algo que está alem dos
limites da prova. O que está além dos limites na prova é a esfera da fé, a fé que pode ser
negativa e não religiosa, ou positiva e religiosa. Para o pensamento religioso, o que está
"acima" é a esfera da Revelação Divina.

Nesse ponto aparece a possibilidade de uma união das duas esferas do conhecimento,
teologia e filosofia. Assim a filosofia religiosa é criada; e no Cristianismo isso significa
filosofia Cristã.

Mas a filosofia religiosa Cristã tem um caminho difícil: juntar liberdade de pensamento,
como um principio da filosofia, com fidelidade aos dogmas e todo o ensinamento da Igreja.
"Vai pelo caminho livre, qualquer que a mente livre te leve" diz a obrigação do pensador;
"Sê fiel a Verdade Divina," sussurra para ele a obrigação do Cristão. Desse modo, pode-se
sempre esperar que na realização prática os compiladores dos sistemas de filosofia estarão
forçados a sacrificar, desejando ou não, os princípios de uma espera em favor da outra. A
consciência da Igreja, recebe bem tentativas sinceras de criar uma visão do mundo
filosófica Cristã harmônica; mas a Igreja as vê como criações privadas, pessoais, e não
sanciona, a elas com sua autoridade. Em todo caso é essência que haja uma precisa
distinção entre a teologia dogmática e a filosofia Crista, e toda tentativa de tornar
dogmática em filosofia Cristã deve ser decisivamente rejeitada. (Provavelmente a tentativa
mais bem escolhida do ponto de vista Ortodoxo, na criação de uma verdadeira filosofia
Cristã no século XIX na Rússia, é encontrada nos ensaios filosóficos de I. M. Kireyevsky
(+ 1856), um filho espiritual do Staretz Macarius do Optina que também ajudou ao Staretz
nas traduções de Optina dos trabalhos dos Santos Padres. Infelizmente, os pensamentos
religiosos russos, na segunda metade do século XIX não seguiram a liderança de
Kireyevsky; se tal tivesse acontecido, a Ortodoxia russa teria sido poupada das
especulações neo-gnósticas de Soloviev e seguidores tais como Bulgarov e Berdyaev, cuja
influencia continua nos círculos Ortodoxos "liberais" até os dias de hoje. A filosofia de
Kyreyevsky pode muito bem ser considerada a resposta Ortodoxa a essas especulações. Ver
padre Alexey Young, A Man is his Faith, London, 1980).

Sobre o sistema religioso-filosófico de Vladimir S. Soloviev.

O impulso para as novas correntes do pensamento filosófico russo, foi dado, como foi dito,
por Vladimir S. Soloviev, que colocou como seu objetivo "justificar a fé nos Padres" diante
da razão de seus contemporâneos. Infelizmente, ele fez uma série completa de desvios
diretos do modo de pensamento Cristão Ortodoxo, muitos desvios dos quais foram aceitos e
até mesmo desenvolvidos por seus sucessores

Aqui está uma série de pontos da filosofia de Soloviev que são completamente diferentes e
que até mesmo se afastam do ensinamento da fé confessada pela Igreja.

1. O Cristianismo é apresentado por ele como o mais alto grau de desenvolvimento das
religiões. De acordo com Soloviev, todas as religiões são verdadeiras, mas unilaterais; o
Cristianismo sintetiza os aspectos positivos das religiões precedentes. Ele escreve: "Assim
como a natureza exterior só é revelada gradualmente para a mente do homem e para o
gênero humano, como resultado disso nós devemos falar também de desenvolvimento
experimental ou ciência natural, assim também o princípio divino é revelado gradualmente
para a consciência do homem, e nós devemos falar da experiência religiosa e do
pensamento religioso. Desenvolvimento religioso é um processo positivo e objetivo, uma
real e mútua relação entre Deus e o homem — o processo religioso, pode em si mesmo ser
uma mentira ou um erro. "Falsa religião é em termos uma contradição."

2. O ensinamento da salvação do mundo, na forma que é dado pelos Apóstolos, é posto de


lado. De acordo com Soloviev, Cristo veio á terra não para "salvar a raça humana." Ao
invés, Ele veio para elevar a raça humana a um grau mais alto na manifestação gradual do
principio divino do mundo — o processo de ascensão e deificação do homem e do mundo.
Cristo é a mais elevada ligação numa série de teofanias, e Ele coroa todas as teofanias
prévias.

3. A atenção da teologia de acordo com Soloviev é dirigida para o lado ontológico da


existência, isto é, para a vida de Deus em Si próprio, e por conta da falta de evidência para
isso na Sagrada Escritura, seus pensamentos dirigem-se para construções arbitrárias que são
racionais ou baseados na imaginação.

4. Na vida Divina é introduzida uma essência que fica na fronteira entre o Divino e o
mundo criado: isso é chamado Sophia.

5. Na vida divina é introduzida uma diferença entre os princípios masculino e feminino. Em


Soloviev esse ponto ainda é fraco. Padre Paul Florensky, seguindo Soloviev, apresenta
Sofia assim: "Esse é um grande Ser Real e Feminino que, não sendo nem Deus nem o
eterno Filho de Deus, nem um anjo, nem um homem santo, recebeu veneração tanto do
Culminador do Velho Testamento e do Fundador do Novo" (The Pillar anda Fundation of
Truthi).

6. Na vida Divina é introduzido um princípio elementar de luta, que compele Deus o


próprio Logos a participar em um progresso definido e subordina Deus a esse processo, que
é conduzir o mundo para fora da condição de materialismo puro e inércia para uma forma
mais elevada e mais perfeita de existência.

7. Deus, como o Absoluto, como Deus o Pai, é apresentado como distante e inacessível
para o mundo e para o homem. Ele vai embora do mundo, em contradição com a palavra de
Deus, para uma esfera de existência inatingível que, como existência relativa, como o
mundo dos fenômenos. Por isso, de acordo com Soloviev, é necessário um Intermediário
entre o Absoluto e o mundo. É chamado "logos" que foi encarnado em Cristo.

8. De acordo com Soloviev, o primeiro Adão uniu em si a natureza humana, em um modo


similar á relação mutua do Deus — homem no Verbo encarnado; no entanto, ele violou
essa relação mútua. Se isso é assim, então deificação do homem, não é só uma graça?
Deus-homem, é uma restauração das duas naturezas. Mas isso não está de acordo com o
ensinamento da Igreja — um ensinamento que entende a deificação só como um
recebimento de graça. São João Damasceno escreve: "Não houve e nunca haverá outro
homem composto de Divindade e humanidade," afora Jesus Cristo.

9. Soloviev escreve: "Deus é o Criador Todo Poderoso e o Pantocrator, mas não o condutor
da terra e da criação que dela procede: "A Divindade ... é incomensurável com as criaturas
terrestres e pode ter uma relação prática e moral (autoridade, domínio, governança)
somente através da mediação do homem, que como um ser tanto divino quanto terrestre é
comensurável tanto com a Divindade quanto com a natureza material. Assim, o homem é o
sujeito indispensável no verdadeiro domínio de Deus" (The Hystory and Future of
Theocracy). Essa afirmação é inaceitável do ponto de vista da glória e poder de Deus e,
como tem sido dito, ela contradiz a palavra de Deus. De fato, ela não corresponde se quer a
simples observação. O homem sujeita a natureza a si não em nome de Deus, como um
intermediário entre Deus e o mundo, mas para seus próprios propósitos e necessidades
egoístas.

Os poucos pontos mencionados aqui de divergência entre as visões de Soloviev e o


ensinamento da Igreja indica a inaceitabilidade do sistema religioso de Soloviev como um
todo para a consciência Ortodoxa.

O ensinamento da Sabedoria de Deus na Sagrada Escritura.

A palavra Sophia, "sabedoria," é encontrada nos livros sagrados do Velho Testamento (na
tradução grega) e do Novo Testamento.

No Novo Testamento é usada em três significados:

1. No sentido amplo de sabedoria, entendimento: "E Jesus se fortaleceria em espírito, cheio


de sabedoria" (Lc 2:40), "Mas a sabedoria é justificada por todos os seus filhos" (Lc 7:35).

2. No significado da sábia economia de Deus expressa na criação do mundo, em Sua


providência sobre o mundo, e na salvação do mundo do pecado: "Ó profundidade das
riquezas tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Porque quem compreendeu o intento
do Senhor? Ou quem foi Seu conselheiro?" (Ro 11:33-34). "Mas falamos a sabedoria de
Deus oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória" (1 Co
2:7).

3. Em relação ao Filho de Deus como a Sabedoria Hipostática de Deus: "Mas lhes


pregamos a Cristo crucificado ... Cristo poder de Deus e sabedoria de Deus" (1 Co 1:23-
24); "Que para nós foi feito por Deus sabedoria" (1 Co 1:30).

No Velho Testamento nós encontramos em muitos lugares afirmações acerca da sabedoria.


Aqui também há três significados para este termo. Em particular, sabedoria é falada no
livro dos Provérbios e nos livros Apócrifos: A Sabedoria de Joshua, Filho de Sirach.

Na maioria dos casos, a sabedoria humana é apresentada aqui como um dom de Deus que
se deve manter excepcionalmente cuidada. Os próprios títulos dos livros, a "Sabedoria" de
Salomão e a Sabedoria de Joshua, Filho de Sirach, indica em que sentido — normalmente,
no sentido de sabedoria humana — deve-se entender essa palavra aqui. Em outros livros do
Velho Testamento episódios separados são citados, os quais descrevem especialmente a
sabedoria humana — por exemplo, o famoso julgamento de Salomão.
Os livros acima mencionados introduzem-nos na direção do pensamento dos professores
inspirados por Deus no povo judeu; Esses professores inspiraram o povo a ser guiado pela
razão, não se entregar a cegas inclinações e paixões, e manter firmemente suas ações
ligadas aos comandos da prudência, julgamento correto, lei moral, e às bases firmes na vida
pessoal, familiar e pública.

Uma grande parte do livro dos Provérbios é dedicada a esses assuntos. O título desse livro,
"provérbios," previne o leitor que ele encontrará nele meios de exposição figurativos,
metafóricos e alegóricos. Na introdução do livro, depois de indicar que ele é para
"conhecimento, sabedoria, instrução," o autor expressa a certeza que "um homem sábio
....entenderá uma parábola,e um discurso obscuro, as palavras dos sábios, e suas
adivinhações" (prov 1:6, Septuaginta) — Isso é, ele entenderá seu sentido figurativo,
alegórico, sem tomar todas as imagens no sentido literal.

E de fato, adiante no livro, é revelada uma abundância de imagens e personificações na


aplicação da "sabedoria que o homem pode possuir. Adquire sabedoria, adquire
entendimento... dize à sabedoria, tu és minha irmã; e ao entendimento chama teu parente"
(Prov 7:4). "Não a desampares, e ela te guardará; ama-a e ela te conservará... exalta-a e ela
te exaltará, e abraçando-a tu, ela te honrará; dará a tua cabeça um diadema de graça, e uma
coroa de glória te entregará" (Prov. 4:6, 8, 9 Septuaginta). O mesmo tipo de pensamento
sobre a sabedoria humana está contido na Sabedoria de Salomão.

Está claro que todos esses dizeres sobre sabedoria de modo algum podem ser entendidos
como o ensinamento de uma sabedoria pessoal, a alma do mundo, no sentido sophiológico.
Um homem a possui, a obtém, a perde; ela serve a ele; seu início é chamado "temor de
Deus"; e lado a lado com a sabedoria é também nomeado de "entendimento" e "instrução" e
"conhecimento."

E de onde vem a sabedoria? Como tudo mais no mundo, tem uma fonte única: Deus é "o
guia até da sabedoria e o corretor do sábio" (Sabedoria de Salomão 7:15).

Um segundo grupo de proclamações na Sagrada Escritura refere-se à sabedoria de Deus,


que é a sabedoria de Deus em si. Idéias da sabedoria em Deus estão intercaladas com idéias
da sabedoria no homem.

Se a dignidade do entendimento e sabedoria no homem é tão exaltada, quão majestosa ela é


então em Deus! O escritor usa as mais majestosas expressões possíveis de modo a
apresentar o poder e grandeza da sabedoria Divina. Aqui ele faz um largo uso de modo a
apresentar o poder e grandeza da sabedoria Divina. Aqui ele faz um largo uso de
personificação. Ele fala da grandiosidade dos planos Divinos que, de acordo com nossas
concepções humanas, parecem ter precedido a criação, porque a sabedoria de Deus está na
base de tudo o que existe, por essa razão ela está antes de tudo, antes de qualquer coisa que
existe. "O Senhor me possui no principio dos Seus caminhos, e antes de Suas obras mais
antigas. Desde a eternidade fui ungida, desde o principio, antes do começo da terra, antes
de fazer abismos... antes dos montes...eu fui gerada. Quando Ele preparava os céus, ai
estava eu" (Prov 8:22-25, 27 Septuaginta). O autor no livro de Gênese fala da beleza do
mundo, enquanto expressa em imagens o que foi dito da criação, ("era muito bom"). Ele diz
em nome da sabedoria: "Então eu estava com Ele e era Seu aluno: e era cada dia as suas
delicias, folgando perante ele em todo o tempo" (Prov 8:30).

Em todas as imagens da sabedoria citadas acima, e outras similares, não há base para se ver
num sentido direto nenhum ser espiritual pessoal, distinto de Deus, uma alma do mundo, ou
idéia do mundo. Isso não corresponde às imagens dadas aqui: uma "essência do mundo"
ideal não poderia ser dita "presente" na criação do mundo (ver a Sabedoria de Salomão
9:9); somente alguma coisa exterior tanto ao Criador quanto à criação poderia estar
"presente." Da mesma forma, ela não poderia ser um "implemento" da criação se ela em si
é a alma do mundo criado. Por essa razão, nas expressões citadas acima é natural ver-se
personificações (um dispositivo literário), ainda que elas sejam tão expressivas a ponto de
chegarem perto de hypostases ou pessoas reais.

Finalmente, o escritor do livro de Provérbios é profeticamente exaltado em pensamento até


a prefiguração da Economia de Deus no Novo Testamento que é revelada na pregação do
salvador do mundo, na salvação do mundo e do gênero humano, e na criação da Igreja do
Novo Testamento. Essa prefiguração é encontrada no nono capitulo de Provérbios : "A
Sabedoria já edificou a sua casa, já lavrou as suas sete colunas. Já sacrificou as suas
vítimas, já misturou o seu vinho..." (Prov 9:1-2, Septuaginta). Essa magnífica imagem é
igual em poder às profecias referentes ao Salvador nos profetas do Velho Testamento.

Desde que a economia na salvação foi realizada pelo Filho de Deus, os Santos Padres da
igreja, e, seguindo eles os interpretadores Ortodoxos do livro dos Provérbios em geral,
referem-se ao nome "sabedoria de Deus" que essencialmente pertence à Santíssima
Trindade como um todo, à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Filho de Deus, como
o Realizador do Conselho da Santíssima Trindade.

Por analogia com essa passagem profética, as imagens do livro de Provérbios, que são
indicados acima referentes à sabedoria de Deus (no capitulo 8) são também interpretadas
como se aplicando ao Filho de Deus. Quando os escritores do Velho Testamento, para
quem o mistério da Santíssima Trindade não estava inteiramente revelado, dizem "Em
sabedoria Ele os fez a todos " — para quem acredita no Novo Testamento, um Cristão, no
nome "Verbo" e no nome "Sabedoria" é revelada a Segunda Pessoa da Santíssima
Trindade, o Filho de Deus.

O Filho de Deus, como uma hipóstase da Santíssima Trindade, contem em Si todos os


atributos divinos na mesma plenitude do Pai e do Espírito Santo. No entanto, tendo
manifestado esses atributos para o mundo em sua criação e sua salvação, Ele é chamado de
Sabedoria Hipostática de Deus. Na mesma base, o Filho de Deus, pode também ser
chamado de Amor Hipostático (ver São Simeão, o Novo Teólogo, Homilia 53); Luz
Hipostática ("andai [na luz] enquanto tendes a luz" (Jo 12:35), Vida Hipostática ("Tu deste
à luz a Vida Hipostática" — Cânon da Anunciação, ode 8); e Poder Hipostático de Deus
("lhes pregamos a Cristo, poder de Deus," 1 Co 1:24).
A glorificação dos Santos.
Introdução. Testemunhos do Início da Igreja. Mártires e Ascetas. Prática Russa.
Necessidade de Alta Autoridade. Conclusões.

Introdução.

O que é, em essência a glorificação pela Igreja dos Santos? Na Igreja Santa Católica
Ortodoxa a memória em oração de cada um de seus membros que partiu na fé, esperança e
arrependimento é cuidada. Essa comemoração da maioria dos que partiram é limitada,
comparativamente ao estreito circulo da "Igreja domestica" ou, em geral, a pessoas de
relação sangüínea próxima ou adquirida com os que partiram. Ela é expressa pela oração
pelos que partiram, oração pela remissão dos pecados, que "sua alma seja cantada entre os
justos," que "seu repouso seja entre os santos." Esse é um fio espiritual que liga os que
estão na terra aos que partiram; é uma expressão de amor que é benéfica tanto para os que
partiram quanto para os que oram por eles. Se, depois da morte, ele não é privado da visão
da glória de Deus, por seus pecados pessoais, ele responde com suas orações próprias para
aqueles próximos a ele na terra.

Pessoas que são grandes em seu espírito Cristão, gloriosos em seu serviço à Igreja, faróis
iluminando o mundo, deixando atrás de si uma memória que não é confinada a um mundo
estreito de pessoas, mas uma memória que abrange toda a Igreja local ou universal.
Confiança em eles terem atingido a glória do Senhor e no poder de suas orações, mesmo
depois de mortos, é tão grande e não questionada que o pensamento de seus irmãos na terra
não é canalizado para o perdão de seus pecados (já que eles são santos diante do Senhor
sem isso), mas para a louvação de suas lutas, para aceitar suas vidas como modelo para si
próprio, e para pedir as orações deles por nós.

Em testemunho da profunda certeza da Igreja que um homem justo que repousou está com
o Senhor, no coro dos santos na Igreja celeste, ela Igreja compõe um ato de "numera-los
entre os santos" ou de "glorificação." Por esse ato a Igreja dá a sua benção para a mudança
de oração para os que repousam para oração de pedido para nós assistência diante do trono
de Deus. A voz unânime da Igreja, expressa através dos lábios de seus hierarcas, a voz
conciliatória, confirma a convicção de seus membros comuns a respeito da santidade do
homem justo. Tal é a essência do ato de glorificação. Nada na Igreja deve ser arbitrário,
mas "próprio e ordenado." A preocupação da Igreja com relação a isso é expressa pelo
oferecimento de uma súplica orante uniforme para o justo.

Às vezes a comemoração de um justo que partiu não se estende além de uma região
particular. Outros santos de Deus tornaram-se famosos e renomados em toda a Igreja
mesmo durante sua atividade terrestre; eles são a glória da Igreja e mostram ser os pilares
da Igreja. Uma resolução eclesiástica sobre a glorificação deles confirma essa
comemoração para sempre no domínio próprio, isto é, na Igreja local que ele fez essa
resolução, ou em toda Igreja universal.
A assembléia dos santos na Igreja celeste de todos os tempos é grande, além de numerosa.
Os nomes de alguns santos são conhecidos na terra; outros permanecem desconhecidos. Os
santos são como estrelas — aqueles mais perto de nós são vistos mais claramente; no
entanto, incontáveis outros pontos de luz existem pelo espaço, além do alcance da visão
humana. Assim, na comemoração da Igreja, santos são glorificados em grandes grupos e
assembléias completas, assim como individualmente. Tais são as comemorações de
mártires que foram mortos em centenas e milhares, os Padres dos Concílios Ecumênicos, e,
finalmente a celebração geral de "todos os santos," a anual (o primeiro domingo após o
Pentecostes; o segundo domingo após o Pentecostes para todos os santos da Rússia), e a
semanal (todos os sábados).

Como ocorreu e ocorre a glorificação dos grandes hierarcas, ascetas, e outros reconhecidos
como santos da Igreja? Na base de que principio, porque critérios, porque rito — no geral, e
em casos individuais? Pesquisa pelo professor E. Golubinsky, The Historyof The
Canonization of Saints in the Russian Church(2ª edição, Moscou: University Press, 1903) é
dedicada a essa questão. Na exposição que se segue iremos, em sua maior parte, fazer do
trabalho do Professor Golubinsky.

Quanto ao uso do termo canonização dos santos, o Prof. Golubinsky admite nas primeiras
linhas de seu livro que, apesar desse termo ser etimológico, derivado da palavra grega
canon, ele forma uma parte da terminologia da Igreja latina e não é empregado pelos
Ortodoxos gregos. Essa é uma indicação que nós não precisamos usar esse termo; e de fato,
mesmo no seu próprio tempo o Prof. Golubinsky foi recriminado por usar o termo
assiduamente, especialmente porque o espírito e caráter da glorificação Ortodoxa é alguma
coisa diferente da canonização da confissão romana. A canonização da Igreja Romana, em
sua forma contemporânea, consiste em uma solene proclamação pelo Papa: "Nós,
resolvemos e determinamos que o Bem Aventurado N. é um santo e o colocamos no
catálogo dos santos, ordenando que toda a Igreja honre sua memória com reverência...." A
expressão Ortodoxa "enumerando-o entre o coro dos santos" não tem fórmula especial,
fixa, mas seu sentido deve ser expressado assim: "Nós confessamos que N. está (é
enumerado com) o coro dos santos de Deus."

Testemunhos do Início da Igreja.

Nos primeiros séculos da Igreja Cristã, três tipos básicos de santos eram reconhecidos.
Eram: a) do velho Testamento patriarcas, profetas (entre os quais São João o Precursor é
preeminente) e do Novo Testamento os Apóstolos b) os mártires, que ganharam coroas de
glória pelo derramamento de seu sangue; c) hierarcas destacados que serviram a Igreja,
assim como pessoas aclamadas por suas lutas pessoais (os justos e os ascetas). Com relação
a patriarcas, profetas, apóstolos e mártires ser membro em qualquer dessas categorias
carregava consigo o reconhecimento como santo.

É sabido pela história que reuniões de oração eram feitas em honra dos mártires tão cedo
quanto o primeiro quarto do século II (conforme São Inácio de Antioquia). Com toda
probabilidade, elas começaram no período imediatamente posterior á primeira perseguição
dos Cristãos ... a de Nero. Parece que nenhum decreto eclesiástico especial era requerido
para autorizar a veneração em oração desse ou daquele mártir em particular. A própria
morte do mártir testemunhava a recepção da coroa celeste. Mas a enumeração dos hierarcas
e ascetas que haviam partido entre o coro dos santos era feita individualmente, e era
naturalmente levada avante baseada no valor pessoal de cada um.

É impossível dar uma resposta geral a respeito de que critério a Igreja usa para reconhecer
os santos dessa terceira classificação. Com respeito aos ascetas em particular, sem dúvida a
base geral e fundamental de sua glorificação é a realização de milagres. Isso porque a
evidência sobrenatural é livre de caprichos e influencias humanas. O Prof. Golubinsky
considera essa indicação a única base para glorificação dos ascetas na historia da
canonização eclesiástica . Apesar dessa opinião do Prof. Golubinsky, no entanto, pode-se
concluir que a comemoração dos grandes Cristãos moradores do deserto de antigamente, os
lideres e guias do monasticismo, foi mantida pela Igreja pelos dons didáticos e por elevados
alcances espirituais deles à parte da estrita dependência se eles foram glorificados pelo dom
de realizar milagres. Eles foram enumerados entre o coro dos santos estritamente por suas
vidas ascéticas, sem nenhuma referencia particular a tal critério (realização de milagres).

A antiga glorificação pela Igreja de santos hierarcas deve ser vista algo diferentemente. O
elevado serviço deles foi a base para sua glorificação; como o santo martírio final foi para
os mártires. No calendário cartaginense, que data do século VII, existe uma inscrição:
"Aqui estão registrados os aniversários (isto é, datas do martírio) dos mártires e os dias de
repouso dos bispos cuja comemoração a Igreja de Cartago celebra." Assim, julgando por
antigos calendários litúrgicos gregos, deve-se supor que na Igreja grega todos os Bispos
Ortodoxos que não tivessem se maculado de modo algum eram enumerados entre o coro
dos santos locais da diocese deles, com base na crença que sendo intercessores mesmo na
vida além túmulo. Nos calendários eclesiásticos do Patriarcado de Constantinopla, todos os
Patriarcados, todos os Patriarcas que ocuparam a Sé entre AD 315 (Santo Metrophanes) e
AD 1025 (Santo Eustátios), com exceção daqueles que foram heréticos ou que por uma
razão canônica foram depostos, são registrados na lista dos santos. Essa compilação, no
entanto, foi pouco feita na seqüência em que os Patriarcas ocuparam a sé. Com toda
probabilidade, os bispos mais renomados foram reconhecidos como santos imediatamente
depois do seu repouso; em outros casos essa inclusão ocorreu em algum outro tempo.

Os nomes de todos os bispos que partiram entravam no díptico local — as listas dos que
partiram que eram lidas alto nos ofícios divinos, e todo ano, na data do repouso de cada um
deles sua comemoração era feita com especial solenidade. Sozomem, o historiador da
Igreja, afirma que nas Igrejas individuais ou dioceses, a celebração de seus mártires locais e
a comemoração de seus padres anteriores (isto é, os hierarcas) eram observadas. Aqui ele
usa o termo "celebração" em referencias à memória dos mártires, mas "comemoração" em
referencia aos hierarcas, levando a ser entendido que na Igreja antiga os eventos dos
hierarcas, eram de menor estatura que os dos mártires (se é proprio falar de um plano geral
e não de casos individuais). O Prof. Golubinsky conjectura que, com relação a hierarcas,
depois de um certo numero de anos de orações fervorosas por eles, a celebração anual de
suas memórias eram transformadas num dia de oração para eles. De acordo com o
testemunho de Simeão da Tessalonica, desde os primeiros tempos em Constantinopla os
hierarcas eram enterrados, dentro do santuário, na maior Igreja, a dos Apóstolos, como as
relíquias dos santos, por causa da graça do divino sacerdócio.
Na Igreja grega, até o século XI, muito poucos do coro dos hierarcas foram santos
venerados universalmente pela Igreja, toda. A maior parte dos hierarcas permaneceu santo
local das Igrejas individuais (isto é, dioceses), e cada diocese/Igreja individual celebrava só
seus próprios hierarcas locais, com um numero muito pequeno de hierarcas venerados
universalmente por toda a Igreja. Com o século XI a transformação do coro de hierarcas de
local para universal, ocorreu, e como resultado existe um grande número de nomes. Essa
foi provavelmente a razão pela qual, desse século em diante, a enumeração de hierarcas
entre o coro dos santos foi levada mais estritamente, e como um critério para a enumeração
de qualquer Patriarca de Constantinopla, entre os santos foi declarado necessário ter-se
irrefutáveis evidências de seus milagres, e isso foi requerido também para a glorificação
dos ascetas.

Nas Igrejas locais (dioceses) o direito de reconhecer indivíduos como santos pertencia aos
seus bispos e seu clero ou a oficiais sujeitos a autoridade deles (bispos e clero). É também
bem possível que os bispos não realizassem tais atos sem o conhecimento e consentimento
do Metropolita e do sínodo de bispos da província metropolitana. Às vezes os leigos
determinavam antecipadamente, de sua determinação erigiam Igrejas dedicadas a tais
ascetas aparentemente na certeza, que a benção da hierarquia, ocorreria num futuro
próximo.

Quando Simeão, o Pio, staretz e guia de São Simeão o Novo teólogo, repousou no Senhor depois de quarenta
e cinco anos de trabalhos ascéticos. S. Simeão conhecendo a intensidade de suas lutas, sua pureza de coração,
sua proximidade de Deus e a Graça do Espírito Santo que o recobria, compôs em sua honra um Eulogio,
assim como hinos e canos, e celebrava a sua memória anualmente com grande solenidade, tendo pintado um
ícone dele como santos. Outros, talvez, dentro e fora do mosteiro, seguiram seu exemplo, pois Simeão o Pio
tinha muitos discípulos e admiradores entre monges e leigos. São Sergio II, então Patriarca de Constantinopla
(reinou 999-1019), ouviu sobre isso, e convocou São Simeão a se apresentar diante dele e o questionou a
respeito da festa e do Santo que estava sendo tão honrado. Mas percebendo que Simeão o Pio tinha levado
uma vida tão exaltada, ele não proibiu a veneração de sua memória, e ainda enviou lamparinas e incenso em
memória de Simeão, o Pio. Dezesseis anos se passaram sem incidentes. Mas mais tarde, um certo influente
metropolita aposentado que residia em Constantinopla objetou a qualquer veneração conduzida por iniciativa
privada. Tal coisa parecia a ele blasfema e contrária à ordem da Igreja. Algumas poucas paróquias através de
seus padres e alguns leigos concordaram com o Metropolita, e nesse ponto começaram as perturbações que
duraram cerca de dois anos. Para atingir sua meta, os oponentes de São Simeão não pararam com difamações
dirigidas ao Santo e seu staretz. São Simeão recebeu a ordem de comparecer perante o Patriarca e seu sínodo
para dar uma explicação. Sua resposta foi que, seguindo os preceitos dos Apóstolos e dos Santos Padres, ele
não poderia se refrear em honrar seu guia, mas que ele não compelia outros a faze-lo, que ele estava agindo de
acordo com sua consciência, e que os outros poderiam fazer o que achassem melhor. Satisfeito com essa
apologia, eles no entanto ordenaram a São Simeão que daí por diante celebrasse a memória de seu staretx tão
modestamente quanto possível sem qualquer solenidade. A controvérsia continuou por cerca de seis anos, no
entanto, uma vingança completa foi lançada contra o ícone de Simeão o Pio, no qual ele estava pintado na
companhia de outros santos, com uma inscrição que se referia a ele como "santo" e obscurecido por Cristo, o
Senhor em posição de benção. O resultado disso foi que, para a paz da mente e o estabelecimento da paz, São
Simeão decidiu deixar Constantinopla e assentou-se num lugar remoto perto da antiga Igreja de Santa Marina,
onde mais tarde ele construiu um mosteiro, Com relação à questão da veneração em si, o decreto prévio
permaneceu em vigor, isto é, a celebração era permitida desde que não fosse conduzida com solenidade
(conforme "Life of S. Symeon the New Theologism" em seus Discourses, edição Bispo Teofano, 2 volumes
[Moscou: Ephimon Press, 1892], vol 1, p. 3-20).

O incidente citado acima demonstra de um ponto de vista, que conhecimento de uma vida
justa e ascética conduz a firme convicção a respeito de sua permanência na companhia dos
santos depois de sua morte e a sua veneração; de outro lado, o incidente testemunha o fato
que naquele tempo (século XI), os costumes e procedimentos da Igreja requeriam uma
definida confirmação pela mais altas autoridades da Igreja e um decreto sinodal
sancionando a veneração publica.

No futuro a Igreja grega conheceria duas classificações dos novos santos glorificados:
mártires e ascetas.

Mártires e Ascetas.

Sob o domínio turco, a Igreja grega teve um número não pequeno de mártires que foram
mortos por seu excepcional zelo pela fé cristã e por denunciar o Islam publicamente. A
igreja grega mais recente e a Igreja universal com ela tem olhado e continua a aceitar o
martírio deles assim como a Igreja antiga olhava os mártires do inicio da era cristã,
desconhecendo o martírio como base suficiente para a glorificação, independente do dom
de realizar milagres, terem tido lugar em muitos casos. Um grande número de mártires
apesar de milagres terem tido lugar em muitos casos. Um grande número de mártires
gregos não foram proclamados como santos de nenhuma maneira oficial e eram
freqüentemente honrados como "zelotes," sem nenhum deliberado interrogatório ou
proclamação por parte da grande Igreja de Constantinopla, pois isso teria sido muito difícil
de se fazer sob as condições do domínio turco. São Nicéforo de Chios, que compôs um
"Ofício Geral para Qualquer Novo Mártir," explicando a necessidade de tal ofício afirma:
"Porquanto a maioria dos novos mártires não tem um ofício para celebrar, e desde que
muitas pessoas estão desejosas de tal ofício — um, para honrar seu companheiro de cidade,
outro para honrar alguém conhecido dele pessoalmente; outro ainda que o havia ajudado
em alguma necessidade, por essa razão eu compus um ofício geral para qualquer novo
mártir. Possa ele então, que deseja assim, cante tal ofício para aquele mártir para quem ele
tem veneração." O autor de A History of the Canonization of the Saints in the Russian
Church acredita que mártires em geral que eram honrados sem glorificação oficial eram
incluídos no caso acima. Se essa suposição é acurada é difícil de ser determinada.

Como antes, na Igreja oriental o critério que tinha que ser atendido para a glorificação de
ascetas, fossem eles hierarcas ou monásticos, era o dom de realizar milagres. O Patriarca
Nectário de Jerusalém (reinou de 1661-1669), dá um lúcido testemunho a respeito disso.
Ele escreve: "Três coisas certificam a verdadeira santidade em pessoas: 1) Ortodoxia
irrepreensível, 2) perfeição em todas as virtudes, que são coroadas por manter a fé, mesmo
com o derramamento de seu sangue, e finalmente, 3) a manifestação por Deus de sinais e
maravilhas sobrenaturais." Em acréscimo a isso, o Patriarca Nectário indica que naquele
tempo, quando abusos no relato de milagres e virtudes eram ocorrências comuns,
freqüentemente ainda outros sinais eram requeridos, por exemplo, não corrupção dos
corpos ou uma fragrância emanando dos ossos.

No oriente, o direito de glorificar um santo para veneração local pertence aos metropolitas,
o metropolita vê: para a veneração geral por toda a Igreja de Constantinopla, o Patriarca de
Constantinopla com seu sínodo de bispo da a benção. Atos, aparentemente, constitui uma
exceção a esse respeito, glorificando seus próprios ascetas para veneração local na
Montanha Santa pela autoridade pessoal das irmandades, ou por mosteiros individuais, ou
pela sinodia de Protaton para a inteira comunidade Atonista. Também, o dom de realizar
milagres dificilmente pode ser considerado obrigatório como base para a glorificação, ainda
mais que alguém pode levar uma vida ascética, confirmada posteriormente pelo sinal de
fragrância emanando dos ossos, como tal base.

Da compilação de documento do patriarcado de Constantinopla relativos à glorificação de


santos, que é um apêndice da segunda edição da History of the Canonization of the Saints
in the Russian Church, pode-se formar uma idéia de como a glorificação foi levada.

No século XIV veio para a Rússia um decreto do Patriarca João XIV (reinou 1333-1347)
endereçado a Theognostos, Metropolita de Kiev e toda a Rússia (reinou 1328-1353,
residente em Moscou), datado de julho de 1339, a respeito da enumeração de seu
predecessor, São Pedro, Metropolita de Moscou (reinou 1308-1326), entre os santos: "...
Nós recebemos a carta de Tua Santidade, junto com a notificação e atestado a respeito do
hierarca da santa Igreja que foi antes de ti, e que após a morte foi glorificado por Deus e
mostrou ser um de Seus verdadeiros favoritos, e que grandes milagres são realizados por
ele e que toda doença é curada. E nós nos rejubilamos com isso, e estamos muitíssimo
alegres em espírito, e rendemos a Deus adequada glorificação. E como Tua Santidade
procurou orientação conosco em como agir com tais santas relíquias, nós respondemos: Tua
Santidade própria sabe, pois tu não és ignorante sobre a maneira do ritual e costume da
Igreja de Deus proceder em tais casos. Tenho recebido um firme e incontestável atestado a
respeito do Santo, que Tua Santidade no presente evento aja de acordo com o Rito da
Igreja. Honrem e benzam o favorecido de Deus com hinos e sagradas doxologias, e deixem
em testamento isso para os tempos futuros, para a louvação e glória de Deus, Que glorifica
aqueles que O glorificam..."

No eulógio do Patriarca Philoteus de Constantinopla (reinou 1354-1355, 1364-1376) para


São Gregório Palamas, Arcebispo de Tessalônica, com relação a enumeração do Arcebispo
entre o coro dos santos, depois de um relato de dez milagres realizados no túmulo do
santos, nós lemos: "Por conseqüência (isto é, devido ao fato que muitos milagres ocorreram
ao tumulo do Arcebispo), os maiores amantes de Deus e preeminentes deles presentes (os
cidadãos de Tessalônica) e especialmente deles os padres, tomaram conselhos juntos,
colocaram um ícone sagrado de Gregório e estão celebrando um radioso festival para todo o
povo no dia de seu repouso, e se apressam e erigir uma Igreja para ele, pois ele é um
glorioso discípulo de Cristo. Eles não estão esperando pelas assembléias dos grandes
homens, ou por qualquer Concílio geral para proclamá-lo (um santo), pois tais coisas às
vezes são um embaraço, um peso, um obstáculo e um cuidado, e são todas muito humanas,
mas eles estão satisfeitos, como é louvável, com uma proclamação do alto, com a
irrefutável e luminosa contemplação de suas obras, e com fé." Do discurso do Patriarca
Philoteus fica claro que: 1) São Gregório Palamas foi enumerado entre os santos pelos
milagres ocorridos em seu túmulo, e 2) sua glorificação foi realizada pelo Metropolita de
Tessalônica.

Decretos de origem muito posterior à época citada falam claramente de averiguações


especiais pelos sínodos relativos à glorificação. Assim, num decreto do Patriarca Cirilo I
(reinou 1621-1623; 1632-33; 1633-34, 1637-38) a respeito da glorificação de São Gerasino
de Cefalonia, seguindo uma explanação dogmática do ensinamento Ortodoxo relativo ao
Santo, nós encontramos: "E nós, de um lado, prontos diante de Deus para render, aos
divinos homens a honra que lhes convém em recompensa, e de outro lado, cuidando para o
bem comum dos fiéis, de acordo com os divinos padres que foram antes de nós, e seguindo
a prática universal, da Igreja, resolvemos por sínodo, apontados e comandados pelo Espírito
Santo, com a aprovação também dos abençoados Patriarcas de Antioquia e Jerusalém que
vive em Constantinopla, dos sacratíssimos metropolitas, em nossos amados irmãos, os
arcebispos e bispos, muito honrado no Espírito Santo, do digníssimo e culto clero, que o
acima mencionado São Gerasimo seja venerado anualmente com ofício e salmodia
sagrados, e seja contado no numero dos veneráveis e santos homens, daqui para a frente e
por todo o sempre, não só na ilha de Cefalonia, mas por toda a Igreja dos pios, de um fim
do mundo até o outro. Mas aquele da primeira e segunda admoestação que ele seja cortado
da comunidade dos pios e que ele fique com os gentios e publicanos, de acordo com a
palavra do Evangelho." Seguem-se as assinaturas dos três Patriarcas e outros sete hierarcas.
Na cópia que leva o selo, a requisição endereçada ao Patriarca pelos habitantes na Ilha de
Cefalônia está colocada antes do decreto. Na requisição, o povo requer, pela mediação de
um certo bispo, que um decreto seja emitido pelo Patriarca, autorizando a veneração de
Gerásimo, e que ele seja incluído na lista dos veneráveis e santos homens.

Outro decreto do mesmo Patriarca, datado de 1633, relativo a enumeração de São João de
Creta e seus noventa e oito companheiros ascetas entre o coro dos santos, contem uma
explanação dogmática seguida pela assertiva: "Em um tempo muito antes do nosso, na
cidade divinamente construída de Creta, o venerável João morador do deserto e seus
companheiros ascetas, noventa e oito em numero brilharam... cujas vidas o Senhor
glorificou com milagres ... tenho reunido no Espírito Santo todos os hierarcas que se
encontrou em Constantinopla, e tendo chamado o prometido para estar conosco todos os
dias, nós ordenamos que esses santos sejam glorificados com festivais anuais e salmodia
sagrada, e sejam enumerados com o resto dos santos, tanto na Ilha de Creta e em todas as
Igreja do mundo inteiro. Estranha e gigantesca tolice seria Deus estar maravilhado em
glorifica-los como santos e nós não tivéssemos deleite em honrá-los, ou fossemos mesmo
ainda privados dos benefícios daí derivados, especialmente porque nós estamos
necessitados de tais intercessores...." Esse decreto termina com a assinatura de vinte e um
hierarcas.

O ato de enumerar entre os santos, na sua maior parte, é combinado com a abertura das
relíquias dos justos que estão sendo glorificados. Nesses caso deve-se distinguir três atos
específicos. O exame das relíquias pode ser contado com uma das ações que precede o ato
de glorificação, junto com a verificação dos relatos de seus milagres. Segue-se então a
decisão sinodal à respeito da glorificação. Em nossos dias, a solene remoção das relíquias e
usualmente uma das primeiras ações sagradas na realização do ato de glorificação que terá
lugar. Com a remoção das relíquias e com a colocação delas num relicário posto num lugar
especialmente preparado na Igreja, a comemoração orante em honra do novo glorificado
favorito de Deus começa. No entanto, a presença das relíquias e sua abertura não são
absolutamente essenciais para a glorificação. As relíquias de muitos santos não foram
preservadas. Com respeito às relíquias de um considerável número de santos antigos,
algumas delas se constituem de corpos inteiros — ossos com carne; outros — ossos
destituído de carne.
Prática Russa.

A remoção dos corpos do solo começou nos primeiros tempos da Igreja. Como é sabido por
documentos do segundo século, os Cristãos reuniam cedo nos túmulos dos mártires nos dias
de seus repousos para celebrar esses dias com solenidade. São Basílio o Grande e São
Gregório o Teólogo mencionam a exumação de relíquias dos santos. Em sua Vida de Santo
Antão, Santo Antonio relata a extraordinária reverencia dos Cristãos do Egito pelos
remanescentes dos mártires. É bem conhecido que o Imperador Constâncio (reinou de 337-
61), filho de São Constantino o Grande, pôs em relicários as relíquias dos Apóstolos André,
Lucas e Timóteo na Igreja dos Santos Apóstolos, nos anos 356 e 357.

Na questão da glorificação dos santos, a Igreja russa seguiu a crença e prática das Igrejas do
oriente. As regras gerais a respeito formam e continuam sendo as seguintes: a base para a
enumeração de um favorito de Deus que partiu, entre o coro dos anjos era o dom de realizar
milagres; seja durante a sua vida, como na maioria dos casos, ou depois da morte. Na Igreja
antiga, como foi afirmado, serviços exaltados para a Igreja ou o fim por martírio eram em si
a tal base. Na Igreja russa ocasiões similares e de glorificação eclesiástica, a parte de
realização de milagres existiram mas eram exceções.

O que se segue difere de acordo com o grau da extensão territorial da veneração: 1) santos
locais num sentido mais estreito, cuja celebração começou no próprio local de seu
sepultamento, fosse num mosteiro ou numa Igreja paroquial (dos quais há inúmeros
exemplos); 2) santos locais em um sentido mais amplo, isto é, aqueles cuja veneração fosse
virtualmente limitada aos contornos da diocese e finalmente 3) santos gerais ou universais
da Igreja, cuja primeira e segunda categoria pertence ao bispo diocesano, aparentemente
com o assentimento do Metropolita ou Patriarca; o direito da glorificação geral pertence à
cabeça da Igreja Russa. A execução da glorificação dos Santos consistia em receber relatos
dos milagres e a correspondente verificação desses testemunhos. A essência na glorificação
dos santos está em se iniciar uma celebração anual da memória de um santo, no dia de seu
repouso ou no dia da abertura de suas relíquias, ou ambos. Para a celebração da memória de
um santo é requerido um ofício para ele, assim como uma "vida" escrita. As autoridades
eclesiásticas viam se os ofícios e leitura do Prólogo (Sinaxarion) do santo foram compostas
"de acordo com o padrão," isto é, se estavam conformes com uma forma e eram
satisfatórias do ponto de vista estilístico literário.

A veneração de um santo glorificado novo começa com um oficio especial, solene, divino
na Igreja na qual os restos corporais do santo de Deus estavam localizados.

Desde tempos antigos até o presente, a glorificação dos santos tem sido conduzida da
mesma maneira na Igreja Russa; por essa razão não houve período em sua historia que
possa ter dependido de uma mudança de condição ou do método pelo qual a glorificação foi
feita. Independente de uma glorificação oficial, e em outros casos antes da glorificação,
existiu ainda uma "veneração" de ascetas virtuosos que partiram. Em muitos casos foi
erigida uma capela sobre o túmulo do que partiu, e dentro dela era colocada uma prancha
de túmulo ou um relicário (se o que partiu era enterrado dentro da Igreja, o relicário era
colocado sobre o local do sepultamento; usualmente isso era um sarcófago vazio que não
continha corpo, já que o corpo estava abaixo do solo). Paniquidas eram cantadas no túmulo
e, às vezes até "molebens" para o que partiu. Essa caprichosa declaração de tal pessoa como
um "santo" pelo canto de "molebens" foi proibida pelas autoridades eclesiásticas como
ilícitas. Existiram casos de na vida da Igreja Russa que ofícios foram compostos para santos
ainda não glorificados por uma decisão sinodal especial; esses casos passaram para uso
privado. Assim no século XVI, Photius um monge do Mosteiro de Volokomansk, compôs
um ofício para o que partiu José de Volotsk e submeteu-o ao Metropolita Macário de
Moscou (reinou 1543-64). "O grande luminar e professor do mundo todo, Sua Eminência
Metropolitana Macário," a supra inscrição do ofício afirma, "tendo recebido esse ofício,
abençoou o monge Photius para usá-lo em suas orações em sua cela até a celebração de
uma exposição sinodal." Ocasiões similares de bênçãos pelas altas autoridades eclesiásticas
de iniciativas pessoais na composição de ofícios para ascetas ainda não glorificados por um
decreto sinodal não eram muitos freqüentes. Em uma das sborniki (antologias) de São
Cirilo do Mosteiro de White Lake é encontrada um artigo "Sobre a Vanglória de Jovens
Monges Compõe Novos Canons e Vidas de Santos." O autor anônimo desse artigo se opõe
a monges que, "buscando glória terrena e querendo atrair a atenção daqueles em autoridade,
compõe novos canons escrevem vidas dos que repousaram e que Deus ainda não
glorificou!" Em sua conclusão, o autor admoesta compiladores de canons e vidas dizendo:
"Ó infantis, não componham novos canons e vidas para serem cantados por indivíduos em
casa ou em celas monásticas, sem a benção da Igreja."

Em essência não há distinção entre santos celebrados pela Igreja toda e santos locais.
Santos das duas classes são glorificados por uma resolução de autoridade hierárquica. Os
fiéis viram-se para ambos com seu rogo em oração por assistência. A Igreja chama ambos
de "santos." Na Igreja Russa, como entre as Igrejas Ortodoxas do oriente, santos locais em
muitos casos passam para a categoria de santos na Igreja Universal. Uma das marcas
distinguindo santos universalmente venerados de santos locais é que é verdade que, até a
metade do século XVI, não existiam em geral nome de santos russos nas listagens oficiais,
mas depois do século XVI eles começaram a aparecer. No Book of Epistles (apostol)
impresso em Moscou no final do século XVI, há sete santos russos encontrados: São Sergio
de Radonezh, São Pedro Metropolita de Moscou, Santo Aléxis, Metropolita de Moscou,
São Leôncio bispo de Rostov, São Cirilo de Byelozersk, o Grande Príncipe Vladimir, e os
Santos Portadores da Paixão Boris e Gleb. Mas começando com o primeiro Liturgicon
(Sluzhebinik), impresso em 1602, uma lista dos santos geralmente celebrados foi
introduzida nas listas mensais no Typiconi e nas listas dos santos em outros livros
litúrgicos. Durante o período sinodal, nas resoluções do santo sínodo relativo a
glorificações eclesiásticas gerais, a seguinte indicação é encontrada em muitas ocasiões "...
nos livros impressos na Igreja é requerida permissão para inserir nomes nas listas com o
resto."

Na Igreja Russa, os primeiros a serem enumerados entre o coro dos santos foram os
príncipes Boris e Gleb (nomeados de Roman e David nos seus batismos); daí então seguiu
São Teodósio do Lavra das Grutas de Kiev; então, talvez São Nicetas, Bispo de Novgorod,
e a grande Princesa Olga. Ao todo, até o século XVIII, haviam cerca de setenta nomes de
santos glorificados russos, dos quais vinte e dois eram celebrados por toda a Igreja Russa.
Os concílios de 1547 e 1549, convocados sob a presidência do Metropolita Macário institui
a celebração de vários santos novos, e elevou o grau de outros acrescentando trinta e nove
nomes aos vinte e dois que já estavam recebendo veneração geral, elevando o numero para
sessenta e nove. Entre esses dois Concílios e o estabelecimento do Santo Sínodo, tanto
quanto cento e cinqüenta novas glorificações tiveram lugar na Rússia Moscovita, dos quais
as datas exatas de cerca de um terço deles são conhecidas; das demais referências indiretas,
tais como a construção de Igrejas e altares laterais dedicados a eles, e alguma menção de
passagem na literatura do período, nos proveram com alguma evidencia de alguma sanção
oficial da veneração deles.

Os nomes dos santos do sudeste da Rússia deveriam ser colocados numa categoria própria,
encabeçados da lavra das Grutas de Kiev. Circunstâncias históricas, particularmente a
subjugação dos poderes estrangeiros (Lituânia e Polônia), resultando em muito poucas
glorificações naquela região. Um oficio geral para os santos das Grutas de Kiev foi
comissionado pelo Metropolita Pedro Moghila (1633-46), a quem foi apresentado em 1643.
Antes disso, mas ainda sob Pedro Moghila, o Pantericon of the Caves foi compilado, assim
como relatos ocorridos no Lavra e em suas grutas durante os quarenta e quatro anos
precedentes à compilação do livro.

Da vida de São Job de Pochaev, escrita por seu discípulo e assistente no governo do
Mosteiro de Pochaev, nós sabemos como a glorificação do venerável, ocorreu cuja
memória é especialmente reverenciada na diáspora russa. A abertura de suas relíquias foi
realizada sete anos depois do repouso do santo, pelo metropolita Dionísio (Balaban) de
Kiev (reinou 1657-63). A causa imediata disso foi uma aparição ocorrida três vezes do
venerável Job para o Metropolita enquanto ele estava dormindo, informando a ele que
estava agradando a Deus que suas relíquias fossem abertas. Após a terceira aparição, o
Metropolita (que aparentemente conheceu São Job e o Mosteiro de Pochaeu durante seu
período de Bispo de Lutsk) "assim entendeu que esse assunto estava de acordo com a
providência de Deus e, não demorando, apressou-se para o Mosteiro de Pochaeu, levando
consigo Kyr Theopano (krekhovestsy), Arquimandrita do Mosteiro de Obruchsky, que
acontecia de estar com o Metropolita naquela hora. Chegando no Mosteiro, com todo o seu
clero, ele inquiriu seriamente a respeito da vida pura e honorável de São Job em detalhe.
Convencendo-se que isso era um bom trabalho e agradava a Deus, ele sem perda de tempo,
ele ordenou, com o consentimento dos irmãos, que o túmulo do santo fosse aberto. Lá
dentro, em estado de incorruptibilidade, como se tivesse acabado de ser sepultado, eles
descobriram as relíquias do venerável, que estavam cheias de inconcebível fragrância doce.
Na companhia de uma multidão de pessoas, eles carregaram a relíquia com adequada honra
para a grande Igreja da Trindade Vivificante, e lá, no nartex, posicionaram o relicário no
ano do Senhor de 1659, no dia vinte e nove de agosto. Então uma vasta multidão de pessoas
aflitas com diversas dores receberam cura, pois São Job foi nessa vida adornado com toda
virtude, e então, depois da morte, não cessou de fazer o bem para aqueles que se
aproximassem dele com fé" (conforme o Oficio do Venerável Job e sua Vida, Jordanville,
NY).

Depois da unificação das Rússias Moscovita e Kievana, os santos da Rússia deveriam então
serem referidos como "santos de toda a Rússia" — os do norte e do leste da Rússia. Essa
era de fato a pratica, apesar de não antes de 1762, um decreto ter sido publicado pelo Santo
Sínodo permitindo a inserção dos nomes dos santos Kievanos nas listas mensais gerais de
Moscou, e permitindo que seus ofícios fossem impressos em Menaion. Esse decreto foi
repetido duas vezes depois.
No Período Sinodal, os seguintes santos foram glorificados para veneração de toda a Igreja
(eles estão apresentados em ordem cronológica, de acordo com as datas de suas
glorificações): São Demetrio, Metropolita de Rostov; Santo Inocêncio, primeiro Bispo de
Irkutsk, São Metrofano, Primeiro Bispo de Voronzh; São Rhikon de Zadonsk, Bispo de
Voronezh;, São Teodósio, Arcebispo de Chernigv; São Serafim de Sarov; São Joasaf Bispo
de Belgorod; São Hermogeno, Patriarca de Moscou; São Pitirim, Bispo de Tampov; São
João, Metropolita de Tobolsk; São José, Bispo de Astrakahm.

Existiram também glorificações locais de santos durante o período sinodal. Mas mesmo
para essa era não existem listas acuradas ou os fatos confiáveis a respeito de circunstancias
e datas da glorificação deles, já que as decisões para glorificações locais foram feitas sem
proclamação formal, nos registros dos decretos dos Santos Sínodos, pois até o aparecimento
das publicações oficiais do Sínodo — The Church Register e o Diocesan Register — esses
não eram de todo publicado.

Necessidade de Alta Autoridade.

Na Igreja Russa, como no Oriente Ortodoxo, quanto maior a área proposta para a
veneração, maior a autoridade eclesiástica necessária para confirma-la.

Quando em 1715, o padre e paroquianos da Igreja da Ressurreição em Totma (Província de


Vologda) procuravam o arcebispo de Veliky Ustiug com o pedido de, em vista dos muitos
milagres que tinham ocorrido no túmulo de Maximus, um padre e "louco em Cristo" da
cidade, que havia repousado em 1650, o arcebispo abençoou a construção de uma Igreja
dedicada a Santa Parasceva sobre o seu túmulo "como era costume para os santos de Deus,
e também construir sobre suas relíquias um sarcófago e um santo ícone para cobri-lo." Em
resposta a esse pedido, o arcebispo decretou "que um monumento fosse construído naquela
Igreja e que molebens fossem cantados para São Máximo de maneira santa, como para os
outros favoritos de Deus." Assim, pode-se concluir que o arcebispo abençoou a veneração
local baseado em sua autoridade pessoal.

Como exemplos de como a execução sinodal de assunto pertinentes aos justos que partiram
aconteciam, citaremos vários extratos de atos relacionados à glorificação de santos "de toda
a Rússia."

Observando a instituição da celebração geral eclesiástica da memória de São José de


Volotsk, o seguinte relatório é encontrado em uma das antologias de Volokolansk: " Por
ordem do justo-fiel e amante de Cristo o Soberano Autocrata, Tsar e Grande Príncipe
Feodor Ivanovich de Toda a Rússia, e com a benção de seu pai, Sua Santidade Job,
primeiro Patriarca de Moscou e toda Rússia, o tropário, kondakion, estiquérios e canon, e
todo o ofício para a Liturgia para nosso venerável pai e abade José de Volotsk, foram
corrigidos pelo abade Josafa em 1º de Junho, 7099 (isto é, 1591). E o Soberano Autocrata,
Tsar e Grande Príncipe Feodor Ivanovich de Toda Rússia, e Sua Santidade Job, Patriarca de
Moscou e Toda Rússia e o Concílio todo, em assembléia geral testemunharam o canto do
tropário, kondanion, os estiquerios, o cânon, e o ofício da Liturgia para o venerável José.
Baseados na opinião de todo o Concilio, o Tsar e o Patriarca ordenaram que o oficio fosse
cantado e celebrado em todos os lugares no dia 04 de setembro, o dia do repouso do nosso
venerável Pai José o Taumaturgo, que é o dia da comemoração dos santos e justos
ancestrais de Deus, Joaquim e Ana. O Soberano, Tsar e Grande Príncipe Feodor Ivanovich
ordenou que menaion impresso e em todos menaia no mesmo dia o kondakion, estiquério,
cânon e todo o oficio para o venerável José fosse impresso, junto com a festa da Natividade
da Santíssima Theotokos e aquela dos Ancestrais de Deus, assim instituindo e confirmando
que essa festa fosse celebrada dessa maneira, Imutável, em todos os lugares, para sempre.
Amém." A veneração de São José foi instituída três vezes — duas localmente e uma
generalizada. Suas relíquias não foram abertas e permanecem até o dia presente embaixo de
uma lápide.

Por um decreto do Patriarca Job (reinou 1586-1605) datado de 1600 e localizado no


Mosteiuro Korniliev na Província de Vologna, fica-se sabendo como o estabelecimento da
veneração geral de São Cornélio de Komel aconteceu. O abade José do Mosteiro de
Korniliev relatou ao Patriarca que uma capela lateral havia sido construída no Mosteiro em
honra de São Cornélio, que ele não havia sido consagrado ainda, e que "por muitos anos
eles haviam pedido cura para São Cornélio e tinha recebido, e os cegos, os coxos e aqueles
que estavam aflitos com muitas dores foram curados." Com isso, o Abade José submeteu ao
Patriarca em Concílio os estiquéros, canons, e vida de São Cornélio. O Patriarca, bispos, e
todos os outros que atendiam o concílio questionaram o Arcebispo Jonah de Vologda a
respeito dos milagres de São Cornélio e receberam dele a resposta que de fato "no relicário
de São Cornélio o Taumaturgo muitos milagres inefáveis tiveram lugar, e é bem sabido que
os milagres realizados por ele não são falsos." Mais tarde, eles todos prestaram atenção no
estiquério, cânon e vida de São Cornélio e acharam que a vida escrita estava "de acordo
com a imagem e semelhança." Depois disso, o Patriarca e o concílio relataram o assunto ao
Tsar Boris Feodorovich Godunov (reinou 1548-1605), e o soberano, tendo conferido com o
Patriarca e com o concílio, ordenou que "Vésperas fossem celebradas e Vigília de Toda
Noite e a Liturgia de Deus fossem servidas na Igreja católica Apostólica da Puríssima Mãe
de Deus, dedicada à sua Dormição na cidade capital de Moscou, no dia da comemoração do
Santo Mártir Patrício, Bispo de Prusa, 19 de maio, e nas catedrais das províncias
metropolitanas, nas sés arcepiscopais e episcopais de toda a Grande Rússia, como era feito
para o resto dos santos; e nos mosteiros de São Cornélio, e na Igreja Catedral de Sofia a
Sabedoria de Deus em Vologda, e nos subúrbios, e nas santas Igrejas de Deus e nos
distritos distantes e nas cidades circundantes e todo o território submetido ao Arcebispo de
Vologda, é ordenado celebrar a memória de Cornélio o Taumaturgo em 19 de maio."

Vemos nesses extratos que a instituição da glorificação de santos era tratada com grande
atenção e zelo. Mais de uma vez as autoridades eclesiásticas negaram pedidos para
glorificação dos reverenciados que partiram se elas não viam provas incontestáveis e firmes
nas quais pudessem basear tal glorificação.

As palavras dos decretos sinodais a respeito de glorificação dos santos mostra-nos


claramente o entendimento Ortodoxo dessas ações como uma confissão conciliar universal
de parte da Igreja de uma firme crença ou certeza que Deus glorificou Seu favorito nos
céus, e que por isso nós devemos glorifica-Lo também, com júbilo, na terra. Esse
pensamento é expresso nos atos do período sinodal, e foi notado exata e completamente.
No relato oficial da glorificação do Santo Hierarca Metrofanes de Voronnezh, nós lemos:
"Quando pela investigação que foi conduzida, um verdadeiro ato de Deus, maravilhoso em
Seus Santos, torna-se suficientemente aparente para o Santo Sínodo. Sobre a
incorruptibilidade do corpo do Santo Hierarca Metrofanes e as curas que tiveram lugar por
suas relíquias, o Santo Sino não mais atrasou em solenemente revelar para Igreja esse dom
de Deus, isto é, com a benção hierárquica ele permitiu o que até aquele tempo tinha sido
um ato de zelo pessoal, o chamado pela intercessão de Nosso Pai entre os santos
Metrofanes em suas orações para Deus, e a colocação de suas relíquias realizadas de
maravilhas e curativas como uma vela, não em baixo de um arbusto, mas num candelabro,
para que todos fossem iluminados. A celebração eclesiástica anual desse Santo Hierarca foi
fixada na data de seu repouso — 23 de novembro."

O decreto de glorificação de São Thikon de Zadonsk diz: "A memória de Sua Graça
Thikon, Bispo de Voronezh... tem sido honrada com reverencia entre o povo Ortodoxo
russo que se dirigiu ao Mosteiro de Zaronsk para o túmulo do Hierarca de grandes
distancias em uma grande multidão, orando pelo repouso da alma desse hierarca e
esperando por sua orante intercessão diante de Deus. Memória das elevadas virtudes Cristãs
com que ele brilhou na sua vida terrestre, novas da evangélica sabedoria que ficaram em
seus escritos, divinamente iluminados, e as miraculosas curas de diversos males realizados
no seu túmulo trouxeram muitos fiéis para a veneração do Santo Hierarca. Em tudo isso
uma pia esperança que esse Hierarca que tem sido glorificado por Deus seja enumerado
entre o coro dos santos. Mesmo no fim do ultimo século (18º) tal esperança foi expressa em
petições submetidas para Sua Alteza Imperial e para o Santíssimo Sínodo." Arcebispo
Antonio de Voronezh, no próprio dia de seu (Tikhon) repouso, escreveu uma carta ao
Imperador Nicolas a respeito do universal fervoroso desejo de inúmeros peregrinos "que
esse grande luminar da fé e boas obras que agora jaz embaixo de um arbusto, seja colocado
diante dos olhos de todos." O Sínodo, em seu relato ao soberano, anunciou sua decisão,
começando com as seguintes palavras: "Reconhecendo o Bispo Thikon de Voronezh como
entre o coro dos santos que foram glorificados pela graça de Deus pela fragrância da
santidade e seu incorrupto corpo como santas relíquias."

A resolução a respeito da glorificação de São Serafim de Sarov é expressa de maneira


similar: "Reconhecendo o pio Staretz Serafim que repousou na Hermitage de Sarov, como
estando no coro dos santos glorificados pela graça de Deus."

Como é bem sabido, e ainda lembrado por algumas pessoas, nas últimas décadas antes da
queda da Rússia, a glorificação dos santos da Igreja Russa, tais como São Teodósio de
Chernigov, São Serafim de Sarov e outros casos posteriores, foram grandes festividades
religiosas nacionais, no centro das quais estavam as aberturas das relíquias desses santos de
Deus. Geralmente, as glorificações de Santos Russos no século dezoito ao século vinte
foram marcadas pela abertura de suas santas relíquias. Isso mostra que esses atos estavam
intimamente ligados, apesar de que, como já foi dito, a abertura das relíquias não era uma
condição absolutamente essencial e nem sempre seguiu-se imediatamente depois do ato de
glorificação.

Conclusão.
De tudo que foi dito, podemos tirar muitas conclusões. Essencialmente, de acordo com o
entendimento da Igreja e de acordo com os princípios de glorificação dos santos, esta foi
sempre a mesma na Igreja Ortodoxa. Nessas questões, as Igrejas Ortodoxas Orientais do
segundo milênio seguiram a tradição da Igreja do primeiro milênio e do período mais
antigo. A Igreja Russa depois da era de Pedro o Grande permaneceu fiel aos costumes da
era pré-Petrina . A glorificação dos santos consistia e consiste em uma generalizada
afirmação de fé pela Igreja que Deus uniu os que partiram à assembléia de Seus santos.
Essa fé é baseada nos fatos que uma morte por martírio, ou depois de uma vida justa que foi
aparente para toda a Igreja, ou pela glorificação do santo de Deus pelas realizações
miraculosas em sua vida ou no Seu túmulo. A glorificação é usualmente uma expressão da
voz do povo da Igreja, para quem as mais altas autoridades eclesiástica, depois da devida
verificação, da palavra final dada pelo sínodo, estabelecendo, reconhecendo, confirmando e
dando a sanção da Igreja. A glorificação dos santos está entre as atividades mais
importantes da Igreja. Em sua base, em seu aspecto elementar, a glorificação consiste no
virar as orações de "para o morto" para pedidos pela intercessão do santo diante de Deus, e
em sua glorificação por ofícios para o menaion geral ou com ofícios especialmente
compostos. A glorificação de um santo e abertura de suas relíquias não constitui um único,
inseparável ato, apesar de muitas vezes serem realizados justos. A Igreja Ortodoxa não
mantém que seja essenciais que um período fixo de tempo passe entre o repouso de um
homem justo e sua enumeração entre o coro de santos, como é aceito na confissão romana,
que institui um período de várias décadas (usualmente cinqüenta anos da data da morte para
a "beatificação," um processo que grosseiramente corresponde à veneração local, e oitenta
para a canonização).

Nos milagres realizados através de orações ou nos túmulos dos justos de Deus, a Igreja
Ortodoxa vê a vontade de Deus na glorificação desses lutadores. Quando esses sinais não
existem, a Igreja não vê a vontade de Deus em sua solene glorificação, como uma das
resoluções do Patriarca Adriano de Moscou (reinou 1690-1700) expressa com relação a
uma certa requisição para a glorificação: "Se o Senhor Nosso Deus, o Criador de tudo,
glorifica qualquer um nessa vida, e depois de sua morte, declara isso para Seu povo através
de muitos milagres, então os milagres dessa pessoa tornam-se claramente conhecidos, pois
muitos santos taumaturgos foram, encontrados na Santa Igreja, cujas memórias a Igreja
sempre canta e mantém as suas relíquias. Eles não são conhecidos, quando Deus Todo
Poderoso não Se agradou em glorificar com sinais e milagres, ainda que a pessoa tenha
vivido como justo, de uma santa maneira, e não são como aqueles que a Igreja glorifica. O
nome de muitos não é lembrado, e o mundo todo não pode conter os livros com os nomes
que poderiam ser escritos."

Tradução: Rev. Pedro Oliveira Junior.

Digitação: Maria de Fátima Fernandes.

Rio de Janeiro,Março 2003.

Nota do tradutor: inclusive o português.


Nota do Tradutor: o texto de João Ferreira de Almeida, edição revista e corrigida coincide
com o de King James.

Em grego: xepi que soa heri em português traduz-se por mão.

Folheto Missionário número P089

Copyright © 2003 Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Redator: Bispo Alexandre Mileant

(teologia_dogmatica_p.doc, 05-30-2003)

http://www.fatheralexander.org/booklets/portuguese/teologia_dogmatica_p.htm
Vocabulário
teológico ortodoxo
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTV

A
Absolvição.

Ao término de uma confissão, o padre dá a absolvição, que significa o perdão (a remissão)


dos pecados confessados, ele põe a estola sobre a cabeça do fiel ajoelhado e lhe diz:

Tudo o que disseste à minha humilde pessoa e tudo o que deixaste de dizer, por ignorância
ou por esquecimento, ou o que quer que seja, que Deus te perdoe neste mundo e no outro,
(...) Não tenha mais ansiedade, vá em paz.

No rito eslavo, a passagem essencial é a seguinte:

Tu, Senhor, tenha hoje misericórdia de teu servo N dá-lhe uma forma de arrepender-se, o
perdão e a remissão dos pecados voluntários e involuntários, reconcilia-o e una-o à Tua
Santa Igreja em Jesus Cristo Nosso Senhor.

A fórmula de absolvição mais freqüentemente utilizada hoje em dia na Ortodoxia eslava,


bem como na portuguesa/brasileira e provavelmente em outras, é a seguinte:

Que Nosso Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo te perdoe e te absolva meu filho de todos
os teus pecados e eu Padre... presbítero indigno, pelos poderes que me foram concedidos te
perdôo e te absolvo de todos os teus pecados. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo.

A segunda frase desta fórmula, apareceu na Rússia no século 16, sob a influência do
Ocidente.

Assim, é o Cristo, invisivelmente presente para receber a confissão, que perdoa; e o padre é
apenas a testemunha que ao invocar o Espírito Santo, perdoa em nome do Senhor Deus.

Cada uma das diversas fórmulas em uso, sublinha que se trata de uma súplica do padre para
o perdão do fiel. É sempre Deus quem perdoa.

Ação de Graças (1 Tessalonicenses 5:16-18).


Agradeçamos pelos bens recebidos. A oração cristã é louvor, adoração, súplica, mas
sobretudo ação de graças. São Paulo recomenda a prática constante:

Em tudo dai graças porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco. (1 Tes.
5:18).

Lembramos que a palavra Eucaristia* significa "ação de graças." Ao longo da liturgia


eucarística, nos é lembrado que o Senhor na hora da Ceia, "deu graças" antes de partir o
pão. O padre e os fiéis cada qual em seu lugar, dão graças também a Deus e exprimem seu
reconhecimento pela criação e salvação do mundo.

Advento.

A festa de Natal, a Natividade segundo a carne de Nosso Senhor Jesus Cristo a 7 de Janeiro
(25 de Dezembro) é precedida, como a da Páscoa de uma Quaresma de quarenta dias, que
começa a 28 de Novembro (15 de Novembro). Este período é chamado de Advento (que
significa "vinda"), uma vez que ela precede a vinda do Messias, o nascimento do Senhor.

Altar.

Nas religiões pagãs, o altar era o centro do culto sacrificial. Depositava-se aí as oferendas,*
um fogo ali era aceso para consumir o holocausto.* O que não era totalmente consumido
era dado aos fiéis, que, em comendo-o pensavam participar da vida divina.

O Antigo Testamento testemunha da edificação pelo povo de Israel de numerosos altares ao


Senhor para ali oferecer sacrifícios ou comemorar os lugares onde Deus havia-se
manifestado (Gên. 12, 7-8; 33:20; 35:1-7, etc.). A narração nos conta de altares pagãos
demolidos e de ídolos de madeira que serviam para acender o fogo para o holocausto sobre
os novos altares ao Deus verdadeiro. Certos profetas entretanto se levantaram contra sua
multiplicação e seu mau uso (Amós 2:8). Mas após a construção do Templo de Jerusalém, o
centro do culto e dos ritos tornou-se o altar dos holocaustos desse Templo, e passou a
simbolizar daí em diante a presença de Deus nesse lugar.

Para os cristãos, o significado do altar — ou Mesa Santa — colocado dentro dos santuários
da Igreja, é outro. É o lugar onde se desenrola o sacrifício eucarístico de tal forma que este
torna presente e atual o sacrifício de Nosso Senhor. Representa também a Cruz onde Ele foi
sacrificado e o Túmulo de onde Ele ressuscitou. O pão e o vinho do sacrifício eucarístico
são oferecidos sobre o altar representando o Corpo e o Sangue de Cristo (veja Liturgia,*
Eucaristia,* Epiclese,* Oferenda*).

Para lembrar o sacrifício único do Cristo, coloca-se sempre sobre o altar uma cruz, e,
durante a liturgia, desdobra-se ali um linho o qual representa a entrada no túmulo do Senhor
(o antimênsio). Além da Cruz, do antimênsio, dos Santos Dons e dos Santos óleos, não se
coloca nada permanente no altar que não seja o Evangelho e os círios.
Diversos textos do Novo Testamento nos fazem compreender que o Cristo que se oferece
em sacrifício é Ele mesmo o altar e o sumo sacerdote sacrificador (Heb. 13:10, 1 Cor.
19:16-21). O altar é portanto o lugar e o símbolo de nossa salvação.

Amén.

Palavra que deriva do hebraico e que significa: "assim é." Implica em firmeza, segurança,
solidez. Dizer "Amém" significa que tomamos como verdadeiro aquilo que acabou de ser
dito. Exprime uma certeza, um "sim" pleno de fé e de segurança, uma concordância e um
compromisso.

Anáfora.

Deriva de duas palavras gregas: ANô = em cima e FERO = segurar. Significa "oferenda,"
"oblação." Toda a Liturgia Eucarística é oferenda, louvação, ação de graças, e o momento
central da celebração leva o nome de anáfora.

Após a récita do símbolo de fé, o Credo, o presbítero diz: "Estejamos atentos, para
oferecermos em paz a Santa Oblação." E diz: "Corações ao Alto!" (1 Reis 7:3). Todos
respondem: "Nós os elevamos ao Senhor!" é pedido a todos: "De pé, com atenção, respeito
e amor, para oferecermos em paz a Santa Oblação!"

O celebrante, após o Canto do "Santo, Santo, Santo..." procede à rememoração da última


Ceia do Senhor com seus discípulos — A Santa Ceia — e dos grandes mistérios realizados
pelo Senhor: a Cruz, o Sepulcro, a Ressurreição ao terceiro dia, o trono à direita do Pai, a
segunda e gloriosa Vinda. Ele ainda acrescenta ao elevar a patena e o cálice: "Aquilo que é
Teu, recebendo-o de Ti, nós Te oferecemos por todos e por tudo." Ele oferece à Deus o pão
e o vinho em anamnése de reconhecimento da vinda do Filho. A seguir vem a invocação do
Espírito Santo sobre nós e sobre os dons oferecidos — ou Epiclesis — pela qual os dons
tornam Sangue e Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Anamnése.

De uma palavra grega que significa "ação de chamar ou trazer à memória." Durante a
Liturgia Eucarística (Liturgia dos Fiéis), o presbítero traz à memória da assembléia a obra
salvífica que Deus realizou por nós, particularmente a instituição da Santa Ceia:

Tomai e comei, isto é o meu corpo, partido por vós, para a remissão dos pecados, bebei
todos vós, este é o meu sangue, da nova aliança, derramado por vós e por muitos, para a
remissão dos pecados.

A oração da anamnése desenvolve o tema da presença do Senhor (Mat. 28:20) e relembra


suas palavras. Não se trata de lembrar acontecimentos passados ao anunciar aqueles por vir,
mas sim de testemunhar que eles estão vivos na memória de Deus e o eterno presente do
"tempo" da Igreja, que é encontro entre tempo histórico e eternidade e que tudo recapitula.
Nós nos "lembramos" da Cruz, da Ressurreição, da Ascensão, assim como lembramo-nos
"da segunda e gloriosa vinda," ainda a acontecer.

A anamnése significa um relembrar mútuo: Deus lembra-se do homem e o homem lembra-


se de Deus.

Anjos.

Anjo é a tradução da palavra "aggelos" (pronuncia-se ângelos) e que significa


"mensageiro." A Epístola dos Hebreus (Heb. 1:14) confirma: "Não são porventura todos
eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a
salvação;" Sobre o ícone da Anunciação o anjo Gabriel, por exemplo, é geralmente
representado como um mensageiro viril onde toda a postura manifesta a força e o
movimento de Deus em direção aos homens.

Invisíveis a nossos olhos, os anjos são incorpóreos, embora criaturas de Deus. Eles são
inumeráveis e se dividem dentro de uma hierarquia misteriosa: serafins, querubins, trones,
dominações, virtudes, potestades, principados, arcanjos e anjos. Eles são divididos
em"milícias" ou "coros," e uma vez que se chama os arcanjos Miguel e Gabriel os chefes
dos Exércitos, trata-se aqui das milícias celestes.

A noção escrituraria de que os anjos louvam perpetuamente Deus (Isa. 6:3; Luc. 2:13) se
exprime na liturgia ortodoxa, sobretudo nos cânones eucarísticos que convidam os fiéis a se
juntarem ao coro dos anjos (ver Santo, Santo, Santo*).

Os anjos formam ao nosso redor "uma barreira protetora de intercessão" (festa dos
arcanjos: em 21 de Novembro (8 de Novembro). O fiel ortodoxo invoca a oração dos anjos,
suas intercessões e particularmente de seu anjo da guarda.

Ver também Querubins e Serafins.

Ano Litúrgico.

O ano litúrgico a exemplo do ano civil, compreende um período de doze meses, contudo ele
é marcado por um sentimento bastante diferente, uma vez que está ligado
fundamentalmente aos fatos mais importantes da vida do Senhor. Devido à razões
históricas muito longas para se explicar aqui, o ano litúrgico começa no dia 14 de Setembro
(12 de Setembro). Ele comporta ciclos diferentes, como o das festas fixas (isto é, que
acontecem sempre na mesma data: Anunciação, Natal, Batismo de Cristo, Dormição, etc.) e
o ciclo de festas móveis (em função da festa da Páscoa cuja, data varia de ano para ano) que
se interpõem, o que explica a complexidade de ofícios que são celebrados a cada dia de
cada ano de graça do Senhor." …a anunciar o ano aceitável do Senhor" (Luc. 4:19).

Apócrifo.
Literalmente significa:" o que é mantido secreto." Entre o conjunto dos escritos cristãos que
datam dos primeiros séculos de nossa era, distingue-se uma parte deles que constitui hoje
os livros canônicos do Novo Testamento (os quatro Evangelhos, os Atos dos Apóstolos, as
Epístolas de São Paulo, as Epístolas Católicas e o Apocalipse) e uma outra parte de textos
diversos que não foram canonizados pela Igreja pelas mais diferentes razões, em particular,
porque não são obras dos Apóstolos ou de seus seguidores imediatos. De fato, na época em
que as palavras do Senhor, as tradições orais e os Sermões dos Apóstolos começaram a ser
registrados por escrito, difundiram-se tradições verdadeiras e falsas.

Existem assim textos que se apresentam de forma análoga àqueles do Novo Testamento,
alguns não devem ser rejeitados totalmente, mas outros parecem não ser autênticos e
mesmo suspeitos à Igreja, que com sabedoria e prudência os rejeitou. Reserva-se a todos
esses textos mais ou menos duvidosos, apresentados no mais das vezes como "secretos," o
termo apócrifo, que significa então: "textos não inseridos no Cânone das Escrituras."

No que diz respeito a certos textos do Antigo Testamento, chamados por vezes
"deuterocanônicos" e por vezes "apócrifos," veja a lista dos livros que compõem a Bíblia.*

Apofático.

Veja Transcendente.*

Apoftegma.

Veja Santo.*

Apósticos.

Série de estiquérios (stikeron) cantados ao fim das vésperas e das matinas (nas matinas da
semana apenas). Esses estiquérios se intercalam entre os versículos dos Salmos de acordo
com os dias: semana, domingo ou festas.

Arca da Aliança.

É no livro do êxodo que encontramos a narração da construção da Arca da Aliança. De fato,


Deus ordenara a Moisés que construísse uma arca para guardar as Tábuas da Lei (Êx.
25:10), sinal da Aliança de Deus com os homens. É a Arca da Aliança — ou do
Testemunho. A Arca, um cofre chapeado de ouro puro, recoberto por uma chapa de ouro o
propiciatório* — e encimada por dois querubins esculpidos, também em ouro maciço, foi a
princípio colocada na Morada, ou seja na Tenda de Reunião, ou Tabernáculo (Êx. 40) que
acompanhou o povo judeu de etapa em etapa pelo seu longo êxodo do Egito à Terra
Prometida, a Terra de Canaã:

"Então a nuvem cobriu a tenda da congregação, e a glória do Senhor encheu o tabernáculo"


(Êx. 40:34).
O santuário móvel manifestava a presença de Deus no meio do seu povo, era Sua Morada, o
lugar de Sua Palavra, e testemunha de sua Aliança com Israel. Representava a Glória. e a
Força de Deus dadas a Seu povo, por este motivo era cercada de veneração e acompanhada
de cantos marciais.

Mais de dois séculos mais tarde, David trouxe a Arca Santa para Jerusalém, no meio de
júbilo de todo o povo (2 Reis 6:12-19). Foi seu filho Salomão quem a instalou em seguida
no Templo* (1 Reis 8).

***

A idéia da aliança entre Deus e os homens é central na Bíblia e em tempo algum foi
afastada. Após a criação do mundo as alianças entre Deus e os homens se sucederam. Pode-
se distinguir três grandes períodos no desenvolvimento das alianças antes da vinda de
Cristo:

1. Bem antes de Moisés, Deus firmou uma aliança com Noé, ordenando-o a construir uma
grande arca (Gên. 6:14) e na qual ele entraria com sua família e com casais de todos os
animais para serem salvos do dilúvio. Tratava-se de qualquer forma, de uma aliança da qual
participava toda a natureza, uma vez que Deus havia dito a Noé:

"E eu, eis que estabeleço o meu concerto convosco e com a vossa semente depois de vós"
(Gên. 9:9).

"O meu arco tenho posto na nuvem, este será por sinal do concerto entre mim e a terra"
(Gên. 9:13).

2. A aliança estabelecida em seguida com Abraão (Gên. 17:1-14) era dupla: uma herança e
uma posteridade inumerável; Era portanto em um determinado povo que Deus Se escolhia.

3. Enfim, a promessa feita a Moisés (da qual falamos anteriormente a propósito da Arca da
Aliança), ela dava uma Lei àquele povo; as prescrições para ajudá-lo a seguir os caminhos
de Deus. E o povo ao aceitar a Lei se entregava a Deus. A fidelidade de Deus manifestava
Sua Aliança com Seu povo.

Foi Cristo, que concluiu com toda a humanidade a Nova Aliança, que para nós engloba a
Antiga. O Verbo de Deus, Sua palavra, "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e
vimos sua glória," como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e da verdade (Jo 1:14).
Ele nos dá a conhecer Sua Lei de amor, o Cristo é nosso verdadeiro guia e nosso Salvador,
o Templo eterno. N'Ele — Deus e Homem — Deus uniu-se ao homem e fez uma aliança
com ele.

Ascese.

Ascese significa "exercício," "combate." Para os cristãos, trata-se do combate que deverá
ser travado para fazer brilhar de novo em nós a imagem de Deus embaraçada pelo pecado.
Nos aspiramos, no mais profundo de nós mesmos, reencontrar tal luz, sem ter sempre
consciência disso.

No plano humano:

Todos sabem que não se pode atingir um bom nível no esporte, na música, em uma
atividade por exemplo, sem se sujeitar à uma preparação por vezes dura e fatigante. Nós
nos submetemos voluntariamente aos exercícios necessários uma vez que desejamos atingir
um certo resultado. Pois isto é a ascese.

Como o homem é composto de uma alma e de um corpo, os dois devem participar juntos do
combate para a nossa salvação. Assim os meios — as armas, pode-se dizer -que serão
utilizados porão em atividade tanto a alma como o corpo. Quais serão essas armas; A
oração, o arrependimento, o jejum, a esmola; em resumo, a busca da humildade e a
observância dos mandamentos da Igreja e seus sacramentos. E nossos inimigos; São o que
se chama "as paixões," ou seja, tudo o que nos divide, nos afasta de Deus e dos outros,
como a falta de amor, a cobiça, a inveja, o ciúme, o orgulho, a preguiça, o desânimo.

No Plano Divino:

Este combate enfrentado pelo homem, esta ascese, constitui de qualquer forma nossa
participação na obra salvífica de Deus. Devemos certamente utilizar as "armas"
mencionadas acima, mas sem jamais esquecer que essas armas — a oração, a penitência —
são dons de Deus e que sem a graça divina não somos capazes de nada. As ações humanas
"se não são feitas em nome do Cristo, mesmo sendo boas, não poderão ainda assim
proporcionar a recompensa pela vida do século a vir" (V. Lossky, Teologia mística da
Igreja do Oriente, Paris, Aubier, 1944, p. 194). Todos os ofícios da Quaresma, entre outros,
nos lembram com insistência que as ações ascéticas podem ser estéreis e mesmo nefastas,
se não são o resultado de nossa vontade individual, de nosso conformismo. Lembremo-nos
do fariseu (Luc. 18:9-14).

"A alma deve perceber a que ponto, só ela está sem forças. Não esperando nada de você,
proste-se diante de Deus, reconheça dentro de seu coração que você não é nada. Assim a
graça toda poderosa criará todas as outras desse nada (...) Assim, esperando tudo de Deus e
nada de você, nos devemos entretanto nos obrigar a agir, a fim de criar em nós alguma
coisa à qual Deus possa vir em socorro e que a força divina possa finalmente penetrar.
(Higumeno Charitons, L'Art de Ia Priére, Abadia de Bellefontaine, Bégrolles-en-Mauges,
coleçao "Spiritualité Orientale," nº 18, 1976, p. 186).

Assim não esqueçamos que a graça "é a alma do combate e que a verdadeira vida cristã é a
vida da graça" (Id., p. 187).

A meta verdadeira da ascese, no fim das contas, não é outra que nos liberar do peso, esta
"graxa espiritual," esta "densidade que o mal faz contrair a inteligência" (Evagro o Pôntico,
citado por O. Clement em Sources, Paris, Stock, 1982, p. 118) e nos abrir para a graça de
Deus.
A ascese não é pois alguma coisa reservada aos monges, não é tão pouco um conjunto de
exercícios inacessíveis, estranhos e desagradáveis, como a palavra pode fazer crer. A
verdadeira ascese constitui um vigoroso combate cotidiano contra o mal, ou antes contra o
maligno, que nos destrói. Sem combate e sem a ajuda de Deus, não há vitória.

Astrologia.

De acordo com suas raízes, esta palavra significa "ciência dos astros." Trata-se de um
método que afirma prognosticar os acontecimentos futuros e revelar aqueles do passado,
segundo a posição e movimento dos astros, planetas e constelação de estrelas. Os
astrólogos são aqueles que se dedicam a tal estudo.

Devemos estar muito atentos, pois deve-se saber distinguir os impostores dos estudiosos.

É inútil falar longamente daqueles que exploram a credulidade humana por meio de
horóscopos, amuletos e de outros terríveis e ridículos modos. Basta abrir um jornal para
percebermos o perigo que representa tal charlatanismo.

Além do que as Escrituras nos advertem de nos defender dessas falsas ciências ainda tão
em moda hoje em dia (Lev. 19:23; Deu. 18:10-14; Mal. 3:5; Ato. 16:16-19; Efe. 6:12).

Desta forma como compreender o que lemos no Evangelho em relação aos Magos vindos
do Oriente à Jerusalém, perguntando: "Onde está o recém-nascido Rei dos Judeus; Porque
vimos a sua estrela no Oriente, e viemos para adorá-lo" (Mat. 2:2). E cantamos no Natal:

Teu nascimento, o Cristo nosso Deus,

Fez resplandecer no mundo

A luz do conhecimento

Nela os servidores dos astros,

Guiados pela estrela,

Aprendem a Te adorar,

A Ti, Sol de Justiça

E a Te conhecer, Oriente das alturas

Senhor, glória à Ti!

Para Constantino Andronokoff ("O Sentido das Festas," Paris, Cerf, 1970, p 138 e
seguintes) a palavra magos "significa que eles eram sábios, talvez sacerdotes, como certos
membros do conselho secreto do Rei da Pérsia, de qualquer modo eram médicos e
astrólogos." Eles vieram "ajudados por seu ofício, a luz que os conduziu sem desvio à pedra
que os construtores haviam rejeitado. Em suma, não importa qual tenha sido o caminho, vir
a reconhecer ou encontrar a verdade é uma prova de bom êxito."

Eles se inclinaram diante d'Aquele que veio "submeter a ciência das palavras e dos
números, à nova ciência do AMOR." Eles compreenderam porque "ao fim de sua viagem
intelectual e espiritual eles foram dignos de receber a Luz. Assim eles vêem sob os traços
de um pequeno ser recém-nascido, o Messias que é a inteligência suprema." Suas oferendas
— ouro, incenso e mirra — representam, nos diz o autor deste interessante texto, a
sabedoria antiga, o paganismo e a ciência aos pés da Verdade. "Assim, o sol os ilumina,
quando eles se voltam para ela, aqueles que estudam os enigmas do céu e da terra na busca
de tal esclarecimento sobre a essência dada ao primeiro Adão e que o Novo veio restituir."

Os Magos preparados para um trabalho científico, orientados pela crença, ultrapassaram a


especulação e se tornaram simples. "Assim sua vida espiritual se torna clara, longamente
exercitada pela atividade de sua observação intelectual: eles sondaram a noite e
encontraram as estrelas; Eles viram o Sol da verdade."

Assim, nesses "servidores dos astros," pureza de coração, fé e transparência se uniram à


ciência para servir a Deus e aos homens e divulgar o Cristo às nações. Estamos bastante
distante de espíritas e feiticeiros…

B
Batismo.

Esta palavra vem do verbo grego "baptizein," que significa mergulhar, imergir, lavar.
Quando os antigos gregos diziam que haviam batizado um navio inimigo, eles queriam
dizer que o haviam afundado. Desta forma encontra-se as designações que visam o mesmo
significado em todos os Padres da Igreja, por exemplo, Nicolas CabasiIas, diz em seu
capítulo sobre o batismo, no livro "Vida em Cristo": banho, purificação, regeneração,
imersão "A água destrói uma forma de vida e produz uma outra, ela imergi o velho homem
e faz emergir o homem novo."

Ver também Catecúmeno.

18. Bíblia.

Lista dos "Livros" que compõem a Bíblia:

1. Antigo Testamento

A ordem e a lista dos livros bíblicos se apresentam diferentemente na Bíblia hebraica, na


Bíblia grega dita dos Setenta* e na Vulgata latina.
O Cânon* cristão é um cânon em três partes. Os livros são aí agrupados de forma diferente
que no cânon judeu e alguns lhe foram acrescidos.

Primeira parte: a Lei

O Pentateuco (do grego penta: cinco) é atribuído à Moisés, ele corresponde ao Torah ou
Lei. Esses livros possuem os seguintes títulos! Gênesis, Êxodo, Levítico, Número e
Deutoronômio.

Segunda parte: os Livros Históricos

São os livros que tratam da historia após a instalação na Terra Prometida*: Josué, Juízes,
Rute, Samuel (primeiro e segundo livros), os livros dos Reis, Crônicas (primeiro e segundo
livros), os livros de Esdras, Neemias, Judite, Ester, Macabeus (primeiro e segundo livros).

Terceira parte:

a) os livros didáticos: Jó, os Salmos, os Provérbios, o Eclesiastes (Qohélet), o Cântico dos


Cânticos, a Sabedoria de Salomão, o Eclesiástico (Sirac);

b) os livros proféticos:

os quatro grandes piruetas Isaías, Jeremias (seguido das lamentações, do livro de Baruch e
da Epístola de Jeremias), Ezequiel, Daniel;

os pequenos profetas Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Mabacuque,
Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

A Bíblia eslavônica comporta um terceiro livro de Esdras.

***

Certas passagens foram acrescidas na Bíblia Cristã a alguns livros e que não estão contidos
na Bíblia hebraica. São eles:

no livro de Ester, capítulo 10, versículo 4: capítulo 16, versículo 4:

no livro de Daniel, capítulo 3, versículos 24 à 90; capítulos 13 e 14:

no livro de Jó, fim do capítulo 40, versículo 18 e seguintes.

Para a Igreja Católica: os textos mencionados são chamados de deuterocanônicos Isto


significa que eles entraram no cânone numa segunda fase. Eles possuem contudo a mesma
autoridade doutrinal que os outros livros.
Para as Igrejas da Reforma: essas Igrejas os rejeitam e os qualificam de apócrifos.* As
edições protestantes não contêm geralmente os seguintes livros: Tobias, Judite, Macabeus,
Sabedoria, Eclesiástico, Baruch.

Para a Igreja Ortodoxa: uma posição oficial não foi tomada, os textos mencionados acima
não são considerados como tendo o mesmo grau de inspiração, mas são conservados. São
os "não canônicos."

Houveram numerosos apócrifos em volta da Bíblia, nos séculos II e I antes de Jesus Cristo
e nos séculos I e II de nossa era a respeito dos assuntos bíblicos do Antigo (e do Novo)
Testamento.

Ver também Setenta.

2. Novo Testamento

a) Os quatro Evangelhos*: Mateus, Marcos, Lucas e João.

b) Os Atos dos Apóstolos*.

c) As Epístolas de São Paulo: Romanos, primeira e segunda aos Coríntios, Gálatas, Efésios,
Filipenses, Colossenses, primeira e segunda aos Tessalonicenses, primeira e segunda a
Timóteo, Tito, Filémon, Hebreus.

d) As Epístolas ditas católicas: Tiago, primeira e segunda de Pedro, primeira, segunda e


terceira de João, Judas.

e) Enfim o Apocalipse (Livro da Revelação).

Bibliografia Para o Tempo de Quaresma.

"Triode": Livro Litürgico próprio para os tempos de Quaresma. Ele contém os hinos, odes e
cânones* assim como as leituras bíblicas para cada dia, começando no Domingo do Fariseu
e do Publicano — quatro domingos antes do início da Quaresma — para terminar nas
vésperas do Sábado Santo. (Publicado pelo Colégio Grego de Roma, Via dei Babuino, 149,
00187 Roma).

"Cânone de Santo André de Creta": Este cânone penitencial, composto de nove odes, é lido
nas grandes completas ao anoitecer dos quatro primeiros dias da Quaresma (uma parte de
cada vez) e inteiro na noite de quinta-feira da quinta semana da Quaresma. (Publicado pela
Fraternidade Ortodoxa na Europa Ocidental).

Ao longo dos ofícios cotidianos da Quaresma, lê-se nos mosteiros duas vezes o conjunto do
Saltério, e em leitura contínua: o Gênesis, Isaías e os Provérbios. Os fiéis das paróquias
aproveitam com freqüência o período da Quaresma para ler ou reler um dos livros do
Antigo Testamento além dos Evangelhos e dos Salmos.
A "Oração de Santo Efrém" é a oração de Quaresma por excelência. Ela é dita ao final de
cada ofício de Quaresma de segunda à sexta-feira, e pelos fiéis ao longo de suas orações
cotidianas.

Ver também "Triode."

Livros Recomendados

A Grande Quaresma, Pe. Alexandre Schmemann, Coleção "Esprititual idade Oriental," nº


13, 1974 (Obs. já traduzido para o português em nossa Paróquia).

O Mistério Pascal, Pe. Alexandre Schmemann e 0livier Clement, coleção "Espiritualidade


Oriental," nº 16, 1975. (Obs. já traduzido para o português em nossa Paróquia).

A Escada Santa de São João Clímaco (tradução do Pe. Placide Deseille), coleção
"Espiritualidade Oriental," nº 24, 1978.

Essas três obras são publicadas pela Abadia de Bei Ia Fontaine, Bégrolles - en- Maugas
(Maine -et - Loire).

O Canto das lágrimas, ensaio sobre a penitência de 01ivier Clément, coleção "Théophanie,"
Paris, Desclée de de Brouwer, 1982.

Blasfêmia.

Palavra ímpia que afronta Deus, o Espírito, a Igreja. No Antigo Testamento, a presença de
um único blasfemador era o suficiente para sujar a comunidade do povo de Deus (Lev
24:16). Trata-se portanto de uma falta considerável. O próprio Jesus Cristo foi acusado de
blasfemo pois Ele se proclamava "Filho de Deus" (João10:31-36) e este foi um dos
principais motivos invocados para condená-lo (Mc 14:64).

Quando Jesus foi crucificado, Ele foi coberto de blasfêmias (Mc 15:29) e este foi o pecado
dos homens. Entretanto, o Senhor os perdoa na Cruz, pois "eles não sabem o que fazem"
(Luc. 23:34).

C
Calendário.

A data da Páscoa é determinada segundo um princípio estabelecido no Concílio Ecumênico


de Nicéia (325): a festa é fixada no domingo seguinte à primeira lua cheia, após o
equinócio da primavera (aqui no hemisfério sul do Outono — 21 de Março). Mas segundo
os lugares e as épocas, os modos de aplicação desse princípio variaram, em particular, na
maioria das Igrejas Ortodoxas, esse princípio é aplicado no contexto do calendário dito
Juliano (instituído por Júlio César). Por causa de divisões diferentes dos anos bissextos, o
calendário Juliano, ficou com atraso em relação ao calendário Gregoriano em vigor hoje em
dia (calendário civil). Atualmente esse atraso é de treze dias; e acarretou duas
conseqüências para o calendário litúrgico:

em certos anos a festa da Páscoa cai muito tarde porque o equinócio está retardado de 13
dias após o 21 de Março;

todas as festas fixas (Anunciação, Natal, etc.) são celebrados em datas retardadas de 13 dias
com relação as do calendário civil em uso.

Um certo número de Igrejas Ortodoxas seguem o calendário Juliano (Rússia, Bulgária,


Servia, etc.) chamadas "Velhas Calendaristas" na linguagem corrente. Este calendário está
em atraso com o calendário astronômico; e possui pelo menos a vantagem de uma
coerência entre o ciclo das festas fixas e móveis.

Outras Igrejas Ortodoxas (por exemplo a da Finlândia) suprimiram a diferença entre o


tempo litúrgico e astronômico aplicando o princípio do Concílio de Nicéia no calendário
civil, o que causa:

levar em conta a data real do equinócio (21 de Março) para fixar o dia da Páscoa;

recolocar as festas fixas em suas datas normais.

Outras Igrejas (em particular a da Grécia) reformaram o calendário das festas fixas
avançando suas datas de 13 dias, mas sem modificar o cálculo da data da Páscoa, para a
qual o equinócio continua atrasado 13 dias após 21 de Março, sua data astronômica. Essa
prática corresponde ao que se chama correntemente "Novo Calendarista," foi adotado, por
certas comunidades ortodoxas, notadamente no Ocidente.

Se se toma como exemplo o Natal, esta festa, é indicada nos livros litúrgicos a 25 de
Dezembro. Nas comunidades que seguem o novo calendário, é nesta data que será
celebrado o Natal. No caso do velho calendário, a festa será deslocada 13 dias após o 25 de
Dezembro, ou seja 7 de Janeiro. Para elucidar melhor, as comunidades onde se usam o
velho calendário indicam as duas datas, para cada festa dos livros litúrgicos e a data
correspondente (13 dias mais cedo) no calendário civil. (Ex.: São Nicolau festejado a 6/19
de Dezembro).

Cânone.

Esta palavra significa originalmente regra. Os cânones, textos preparados entre outros pelos
concílios e os Padres da Igreja, são em geral regras, padrões, destinados sobretudo a excluir
falsas aproximações sobre tal ou tal questão. Eles constituem de qualquer forma, os
parapeitos colocados pela Igreja para evitar os erros e heresias. São menos "leis," no
sentido jurídico do termo do que normas, guias e diretrizes da Igreja e dos fiéis, e para
proteger os mistérios e as verdades da fé das interpretações errôneas. Não se trata pois de
uma superestrutura jurídica.
O termo cânone se aplica, assim a um grande leque de textos que se pode de modo geral
agrupar assim:

a) regras de vida da Igreja (dogmáticas e disciplinares);

b) listas, catálogos dos livros autênticos da Bíblia;

c) coleções de odes e textos litúrgicos.

A coleção clássica dos cânones bizantinos que servirá de base para o direito canônico da
Igreja Ortodoxa atual é chamado Nomocânone em XIV capítulos. Como textos de origem
puramente eclesiástico, ele compreende:

os cânones apostólicos;

os cânones dos concílios ecumênicos;

os cânones dos concílios locais;

os cânones dos santos Padres.

Existe aliás um certo número de outros livros de referências e de manuais canônicos em uso
na Igreja.

Cânone. (Ícones e Iconografia)

A Igreja Ortodoxa e os fiéis atribuem uma grande importância ao ícone. A vida litúrgica e
sacramental é inseparável do ícone. Desta forma existem cânones concernentes aos ícones,
sua veneração e sua pintura (ver Iconografia*).

Aqui muito resumidamente, a história desses cânones:

1. A arte do ícone suscitou, no seio da Igreja uma grande crise que durou cento e vinte
anos, nos séculos VIII e IX. Alguns — os iconoclastas, ou destruidores de ícones se
levantaram ferozmente contra os ícones, acusando seus defensores de idolatria e exigindo a
destruição das imagens. Na realidade não se tratava de duas concepções de arte cristã, mas
de uma outra questão extremamente grave: no fundo o que os iconoclastas negavam
exigindo a interdição das imagens, era a realidade da Encarnação* do Cristo. Os defensores
dos ícones insistiam de justa causa sobre o fato de que o Filho de Deus, o Verbo, tornando-
se verdadeiramente homem, tornou-se visível ("O Verbo indescritível do Pai fez-se
descritível em Se encarnando-se"), e podia então ser representado. Sua Carne sendo
deificada, as imagens deviam refletir o caráter divino. Ou melhor, é a pessoa representada
que é venerada e não a pintura e a madeira. Não existe aí idolatria alguma.

A Igreja viu-se então obrigada a definir pelos cânones a natureza dogmática da veneração
dos ícones ("veneração, não se trata pois de "adoração" ou "culto"). Os Padres do VII
Concílio ecumênico (Nicéia, 787) declararam nos cânones que os Santos ícones deviam ser
expostos nas igrejas de Deus, nas paredes, nas casas, etc., e, que eles deviam ser honrados:
"Aquele que venera a imagem venera nela a realidade que ela representa."

Um novo ataque foi lançado pelos iconoclastas em 815 e dura até 843. A vitória final das
imagens (Concílio de 843) é conhecida pelo nome de "Triunfo da Ortodoxia" e é
comemorado no primeiro domingo da Quaresma.

São João Damasceno (675-749) foi o mais importante defensor dos ícones durante o
primeiro período e São Teodoro Estudita (759-826) durante o segundo.

2. No que concerne a arte iconográfica em si, os Padres do VII Concílio ecumênico


sublinharam que essa arte não foi inventada pelos pintores, mas é, ao contrário, regida, por
uma regra confirmada e pela tradição da Igreja.

Não é apenas o valor artístico que conta num ícone, mas seu valor de pregação. É então
natural que a Igreja seja exigente quanto a seu conteúdo e a sua forma.

É no Concílio Quinisexto (692) que foi formulado pela primeira vez uma direção de
princípio concernente ao caráter da arte sagrada e que foi formulado o primeiro cânone
iconográfico.

O cânone, nesse sentido, é pois um ensinamento, um critério correspondente à experiência


espiritual da Igreja — da qualidade litúrgica da imagem, um princípio que permite julgar se
a imagem é um ícone ou não.

Catafática. (VIA).

Ver Transcendência.

Catecúmeno.

Do grego katékhoumenos: "instruído de viva voz." No início da era cristã, a maior parte dos
que queriam se batizar eram adultos e recebiam o sacramento durante a noite pascal. Com
bastante antecedência os candidatos ao batismo, chamados de catecúmenos, eram
gradualmente introduzidos na vida da Igreja por certos ritos que incluíam exorcismos,
unções, orações, explicações da Santa Escritura, etc. O Padre Alexandre Schmemann no
livro consagrado ao batismo da água e do espírito (Of water and the Spirit — De L'eau et
de l'Espirit) = (New York, St. Vladimir's Seminary Press (SVS Press), 1974), nota que o
ofício atual do batismo relativamente curto, é tudo o que subsiste de tal preparação, que
podia durar de um a três anos.

A Comunidade inteira era envolvida, uma vez que ela devia se preparar para receber os
novos membros. É a partir desta dupla ação — a dos catecúmenos e a comunidade -que se
desenvolveu o período pré-pascal, hoje chamado a Grande Quaresma, que se encerra na
santa noite de Páscoa e na "iluminação" daqueles que "vêm a Cristo e procuram n'Ele a
salvação e uma vida nova." A liturgia de Páscoa é essencialmente uma liturgia batismal.
Páscoa, a festa das festas, é verdadeiramente o complemento do batismo e o batismo é
verdadeiramente um sacramento pascal.

O fato de a maior parte dos novos batizados serem hoje bebês parece tornar anacrônicas
certas partes do ritual do batismo. Deve-se contudo compreender, diz o Padre Schmemann,
que a preparação é um dos aspectos permanentes e fundamentais da vida litúrgica. A Igreja
é por sua vez "preparação" e complemento. Ela nos prepara para a vida eterna. Por seu
ensinamento das doutrinas e suas orações ela nos revela sem cessar que os "valores" que
dão sentido a nossa vida são aqueles que estão "por vir," aqueles que aguardamos, que
esperamos. Complemento, pois o Cristo veio. N'Ele, o homem foi deificado e subiu aos
Céus. O Espírito Santo veio e sua vinda inaugurou o Reino de Deus.

Preparação e complemento não acontecem um sem o outro. Assim se esclarece o pleno


significado da palavra catecúmeno. Hoje em dia são aqueles que levam para o batismo a
criança: os padrinhos, os pais — e também todos os fiéis -que devem se preparar para o
sacramento.

Ao longo de cada liturgia eucarística, a Igreja reza pelos catecúmenos "a fim de que o
Senhor lhes tenha misericórdia, lhes ensina a verdade, que lhes revele o Evangelho de
Justiça." Antigamente, eles se retiravam pois não podiam ainda participar do "mistério,"
quer dizer, da comunhão do sangue, e do corpo do Cristo, reservado, como hoje ainda,
somente aos batizados.

Católica (Catolicidade "Sobornost").

Nós recitamos no Credo* "Creio na Igreja Una, Santa Católica e apostólica." A palavra
católica é pois um dos quatro atributos ou qualidades (notas) da Igreja, que juntas
exprimem a plenitude de seu ser. Mas, enquanto os termos "una," "santa" e "apostólica" se
compreendem com facilidade, a palavra católica fica às vezes mal definida e toma ao longo
do tempo uns sentidos que podem levar há confusões (por exemplo pensar que "católico" se
aplica unicamente à Igreja romana ou latina).

Etimologicamente "católica" vem da palavra grega katholikos (ela mesma formada de duas
palavras significas "conforme o todo") que se traduz comumente por universal, mas que
evoca a idéia de plenitude. Os teólogos ortodoxos traduzem com freqüência esta palavra
por sobornost. Nos parece útil citar a este propósito Vladimir Lossky, que deplora o "uso
abusivo da palavra sobornost por certos autores russos que não tomam cuidado de a traduzir
por seu correlativo catolicidade."

Na Igreja antiga, fala-se da "Igreja Católica de tal lugar." Considerava-se a Igreja presente
em sua plenitude, em cada assembléia Eucarística locais da mesma forma que o Cristo
inteiro está presente no mistério eucarístico, assim a Igreja — Seu Corpo — está presente
inteiro em cada Igreja local. O termo "ortodoxos" servia para designar os fiéis, os membros
da Igreja Católica, em oposição aos heréticos, o termo católico sendo empregado para
designar a Igreja.

A palavra "católica" evoca pois uma realidade concreta diferente da que se prende à noção
de "Universal" Ela designa a verdade cristã, revelada, dada à Igreja, destinada a todos. A
Igreja católica, é a Igreja na sua plenitude, em toda a profundeza da verdade. Assim, trata-
se de uma tradição viva conservada sempre, em todo lugar, e por todos. Entretanto, "não se
deve crer… que a verdade católica seja submetida, em sua expressão, a alguma coisa de
semelhante à aprovação universal, à afirmação da maioria: toda história da Igreja
testemunha o contrário. A democracia, compreendida neste sentido, é estranha à Igreja: é
uma caricatura da catolicidade" (V. Lossky, Imagem e Semelhança de Deus — A I' Image
et à Ia Ressemblance de Dieu, Paris, Aubier Montaigne, 1967 pg. 170-171).

O Padre Dumitru Staniloae, teólogo romeno contemporâneo, sublinha que a noção de


comunhão está no coração da catolicidade. Como "a unidade de um organismo vivo, é uma
unidade na qual as partes se condicionam, e se completam umas com as outras em uma
mesma vida. É um dom oferecido e recebido perpetuamente, uma espécie de unidade
sinfônica na qual há diversidade de dons, mas "o Espírito é o mesmo" (1 Cor. 12:4;
Teologia e Igreja — Teology and Church, New York SVS Press, 1980, pg. 220).

É isto que faz que seja impossível identificar a Igreja com um grupo particular, qualquer
que seja de uma nacionalidade, de uma classe, de uma localidade, de um grupo de interesse
ou de uma comunidade.

A Igreja guarda fielmente sua catolicidade que realiza nela o dogma trinitário: "e uma
identidade inefável da unidade e da diversidade, à imagem do Pai, do Filho e do Espírito
Santo, Trindade consubstancial e indivisível" (V. Lossky, op. cit. pg. 179) Oliver Clement
considerava que se trata no plano humano "da livre unidade dos cristãos na fé e no amor."

Veja também Igreja.

Ceia.

Da palavra latina cena que significa "refeição." A Santa Ceia é a última refeição do Senhor
com seus discípulos, durante a qual Ele partiu o pão e o lhes deu dizendo: "Isto é o meu
corpo, que por vos é dado, fazei isto em memória de mim." Do mesmo modo, "tomou o
cálice, depois da ceia, dizendo: Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue que é
derramado por vós (Luc. 22, 19-20)."

A Comemoração da Ceia é um dos elementos da Eucaristia.* A Ceia nos é narrada nos


Evangelhos Sinópticos e na Primeira Epístola aos Coríntios (1 Cor. 11). No Evangelho de
João (Joã. 6:27-64), o Senhor pregando ao povo no dia seguinte da multiplicação dos pães e
antes de partir para Jerusalém, onde Ele seria crucificado, lhes revela que Ele é o "pão da
vida" e que "quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna (Joã. 6:54)."

Cenáculo.
Do latim Cenaculum, "câmara alta." Designa a "câmara alta" onde o Senhor celebrou a
Santa Ceia, na tarde da quinta-feira Santa, ou seja, antes da sua prisão, é no cenáculo que os
Apóstolos se reuniam após a Ascensão do Senhor, "Todos estes perseveravam
unanimemente em oração e súplicas com as mulheres, e Maria mãe de Jesus, e com os seus
irmãos" (At. 1:14). É sem dúvida neste lugar que o Espírito Santo desceu sobre os
discípulos no dia de Pentecostes.

Crisma.

Ver Santos Óleos,

Cristãos.

Na igreja primitiva, chamavam-se discípulos, crentes, santos, irmãos, os que seguiam o


Cristo e que "era um coração e uma alma" (At. 4:32). Parece que foi do meio dos não
cristãos que veio o termo cristão, quer dizer partidário, adepto de Cristo (formado sobre
Christos: "Cristo," "ungido").

Nos Atos dos Apóstolos, São Lucas escreve: "Em Antioquia foram os discípulos, pela
primeira vez chamados cristãos (At. 11:26) ."

Cristo.

Ver Messias e Verbo.

Comunhão Dos Santos.

Nós falamos noutra parte dos santos* e da santidade. Queremos, abordar agora o que se
chama, bastante misteriosamente parece, a comunhão dos santos, e para tal, tentemos
compreender o que é a comunhão nesse contexto, examinando três aspectos dessa palavra:

1. Comunhão entre todos os fiéis

Lembremo-nos antes de tudo que se o único santo é Deus, somos todos chamados a
participar desta santidade, pois, segundo São Paulo "amados de Deus, chamados santos"
(Rom. 1,7). Na Igreja dos primeiros tempos, chamava-se "santos" todos os que seguiam o
Cristo (Ver Cristão*) e muitos Padres da Igreja usam a palavra "santo" para designar os
que, hoje em dia, chamamos de "fiéis."

Não existe aí nem confusão nem equívoco. Com efeito, juntos formamos um só corpo, a
Igreja, onde o chefe é o Cristo, e é juntos que seremos salvos, portanto santificados pela
graça do Espírito Santo. E nós — que somente somos santos por "vocação" "pois que
estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas" (Heb. 12:1) que, são os santos
acabados, prontos, que venceram, vivem e viverão do princípio ao fim do mundo, e que
intercedem por nós e nos mostram o caminho. Nossa aceitação, mesmo implícita e fraca das
exigências concretas dos Evangelhos, nossa participação na Igreja Santa e nos seus
sacramentos, significa que podemos esperar por nosso passo no rastro dos santos, mesmo
muito atrasados. Esta é, nossa "vocação," e nossa comunhão uns com os outros e com os
santos.

A santidade não é pois conhecida como o apanágio de alguns. Todo cristão, por seu
batismo, sua crisma, os santos mistérios, participa da santidade da Igreja. O homem inteiro
corpo e alma torna-se receptáculo do Espírito Santo.

2. Comunhão dos fiéis com os santos.

Entretanto, alguns dos que chamamos santos, representam "o ser humano purificado…
onde a transparência restaurada deixa ver seu modelo de bondade, sem limite, de poder e de
sensibilidade infinitas: o Deus Encarnado. "O santo é" aquele que conseguiu a maior
semelhança com o Cristo que, mesmo estando no céu, está ao mesmo tempo conosco… Ele
é uma pessoa ligada num diálogo totalmente aberto e incessante com Deus e com os
homens (Dumitru Staniloae: Oração de Jesus e experiência do Espírito Santo — Prière de
Jesus et expérience du Saint — Esprit, Paris, Declée de Brouwer, 1981, pg. 32-33).
Comunhão constante, pois, entre os Santos e nós mesmos.

3. Comunhão dos Santos com os fiéis, entre eles e com Deus.

O domingo que segue o Pentecostes é consagrado na Igreja Ortodoxa à memória de todos


os santos. Isto não é uma coincidência, pois a santidade provém da descida do Espírito
Santo sobre a pessoa humana. No Santo, o milagre do Pentecostes se realiza de novo. Um
texto litúrgico recapitula o sentido de tal festa:

Celebramos aqueles que se inclinaram diante de Deus desde a origem dos séculos — a
honra dos Padres, os Sábios, os Patriarcas, a assembléia dos Profetas, a beleza dos
Apóstolos, a comunhão dos Mártires, a glória dos Ascetas, a memória de todos os Santos.
Pois eles não cessam de interceder para que seja dado ao mundo a paz e às nossas almas o
grande amor.

A palavra-chave aqui é "interceder" pois é ela que nos faz compreender que se trata de
comunhão. Só se pode interceder junto d'Aquele com quem se está em comunhão, e por
aqueles com os quais se está em comunhão. Ou, os santos, testemunhas do Cristo
ressuscitado e da presença do Espírito Santo no mundo, estão em comunhão com Deus,
com os homens e entre eles. Esta comunhão santa, à imagem da que existe entre as três
pessoas da Trindade Santa e que reflete a Santa Igreja, é o que podemos chamar a
comunhão dos santos, é um aspecto da "catolicidade" (veja Católica) da Igreja.

São Simeão o Novo Teólogo lhe dá o nome de "corrente de ouro."

(...) os, santos, iluminados pelos anjos de Deus, ligados e reunidos pelo elo do Espírito,
tornam-se pares e êmulos dos anjos, vindo atrás daqueles que os precederam, os santos, que
de geração em geração vêem pela prática dos mandamentos de Deus se juntar aos
precedentes, recebem como eles a lua na participação da graça de Deus; eles tornam-se
como uma corrente de ouro, cada um deles sendo um elo ligado ao precedente pela fé, pela
caridade e pelas obras até formar em Deus uma corrente que não se pode romper
facilmente. (Capítulos teológicos, gnósticos e práticas — Chapitres théologiques,
Gnostiques et pratiques, Sources chrétiennes, nº 51, pg. 81).

A descida do Espírito, o dia de Pentecostes, é o nascimento da comunhão dos Santos. Ela é,


para os fiéis, sentida como uma grande unidade. A Igreja celeste e a Igreja terrestre, a Igreja
visível, e a Igreja invisível estão indissociavelmente ligadas.

Esta comunhão dos santos é pois uma corrente de amor mútuo e de orações, onde todos os
membros da Igreja, vivos, mortos e por nascer, têm seu lugar. Cada liturgia terrestre é uma
participação na Liturgia que se celebra sem cessar no céu. A liturgia e o culto dos santos
formam uma unidade e o lugar onde se realiza a descida do Espírito Santo é ao mesmo
tempo o lugar onde se reúne a comunhão de toda a Igreja, de todos os santos.

Não nos deixemos confundir com essa explicação um pouco árdua. Lembremo-nos somente
que temos os Santos em sua comunhão — canonizados ou não — como intercessores junto
a Deus, e que podemos lhes orar e lhes pedir para vir em nosso auxílio em qualquer
circunstância; eles que, mesmo tendo deixado esta vida, estão mais vivos que nós.

Ver também Santos.

Confissão.

A confissão dos pecados faz parte do sacramento da penitência* (ver também Metanóia*).
Os pecados são os atos e os pensamentos que nos separam de Deus e dos outros homens e
nos deslocam interiormente. Um galho separado da árvore, resseca e morre. Do mesmo
modo, nós também, se ficamos "separados" em nosso pecado, perdemos pouco a pouco
nossa "semelhança" com Aquele que nos criou à Sua imagem e à Sua semelhança. Nos
encontraríamos num estado "contra a natureza" que conduz à morte espiritual. O pecado é
um prejuízo no sentido de não chegarmos a nos realizar enquanto pessoa na comunhão com
os outros e com Deus. Ele pode entretanto significar o ponto de um retorno a Deus.

Pois "…o Filho do homem tem sobre a terra poder de perdoar pecados" (Luc. 5:24). "Deus
enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo
fosse salvo por ele" (Jo. 3:17). O padre, por sua ordenação, pode nos absolver de nossos
pecados em nome do Senhor. É pois ao padre que nos apresentamos para nos confessar,
mas é o Cristo que sempre está lá, invisivelmente presente, que recebe nossa confissão.

Em nos confessando livre e humildemente, exprimimos nosso arrependimento (veja


Penitência*) nossa concordância com a vontade de Deus e nossa confiança em Sua
misericórdia infinita. Nós reconhecemos a impossibilidade de sermos salvos de nossa
situação atual sem a intervenção de Deus. Entregamos nossa vida, incluindo os pecados, a
Deus, por meio da Igreja.
O padre nos exorta: "Coragem, você veio atrás do médico, não parta sem estar curado." E
uma vez que recebemos a Absolvição*, a via da reunificação e da reintegração nos é aberta.

Cosmos.

Palavra grega que significa "ordem." O universo considerado em seu conjunto como
criação harmoniosa de Deus.

O pecado do homem introduziu a desordem no cosmos. Em Seu amor, Deus enviou Seu
Filho para que Ele restaure a imagem de Deus decaída no homem (ver Deificação.) e
transfigure assim todo o universo. A Igreja com a missão de fazer do mundo decaído um
mundo transfigurado. É por isso que ela associa toda a criação para a glorificação de Deus
pelos sacramentos* e pela ação de graças. A encarnação* é um acontecimento cósmico,
pois a restauração do homem em Cristo é também a do cosmos em sua beleza primitiva
(Rom. 8,19 e seguintes).

Um teólogo ortodoxo romeno contemporâneo, o padre Dumitru Staniloae, diz a esse


respeito:

(O Cristo) espera que façamos do cosmos um uso responsável. O cosmos é uma linguagem
de comunhão entre Deus e os homens. As fontes da natureza são dadas por Deus a todos,
que ele tratasse da terra arável, da água, do ar, de todas as formas de energia. Deus quer que
pelo trabalho humano, essas fontes sejam divididas por todos, afim de que todos possam
aproveitar desse dom de Deus. Devemos libertar a natureza de nossa avidez, devemos
respeitá-la, embelezá-la, espiritualizá-la afim de que a glória de Deus a penetre de acordo
com o desígnio original da criação. (Unité des Chrétiens, n° 58).

Outros autores, sem ter escutado os ecologistas, nos prescrevem tratar a natureza como uma
"noiva" com respeito e amor.

Credo.

O Credo é a formulação da fé cristã. A palavra latina credo significa "eu creio." O símbolo
que recitamos a cada celebração eucarística começa pelas palavras: "Creio (em um só
Deus)." Estas palavras dizem respeito aos artigos que seguem e dão a esta expressão da fé
comum o valor de um engajamento pessoal de cada membro da Igreja que diz, com todos
os outros: "Creio," "Confesso," "Espero."

A recitação do Credo faz parte integrante da Liturgia eucarística e deve inspirar nossa vida.
"O Credo não nos pertence até que o tenhais dominado (Filareto de Moscou).

"Desde o tempo apostólico, o culto cristão comporta os elementos de uma confissão de fé.
Existia, desde o início do II século, numerosos "símbolos" ou formulações breves da fé
cristã, ligados sobretudo ao batismo e à preparação catequética.
O primeiro Credo dogmático formulado por um Concílio foi o de Nicéia (325). E foi
completado pelos pais em Constantinopla (II° Concílio, 381) para responder à necessidade
de definir o ensinamento ortodoxo face a doutrinas heréticas. Foi lido dessa forma no IV°
Concílio (Calcedônia, 451) como uma fórmula dogmática oficialmente reconhecida. Por
volta do fim do V° século, o Credo litúrgico de Constantinopla será considerado como a
fórmula completa e definitiva do Credo de Nicéia, que ele substituíra. O VI° Concílio
(Constantinopla, 680) vai confirmar o caráter de autoridade do Credo que usamos hoje em
dia, o Credo dito de "Nicéia-Constantinopla."

A Igreja católica romana conservou, à parte deste Credo — modificada por ela pela
interpretação do "Filioque" no começo do XI° século — um outro símbolo dito "Símbolo
dos Apóstolos." Este último símbolo constitui a profissão de fé mais difundida nas Igrejas
saídas da Reforma:

Creio em Deus Pai Todo Poderoso

Criador do Céu e da Terra

E em Jesus Cristo um só Seu Filho,

Nosso Senhor

Concebido de Espírito Santo,

nascido de Maria Virgem

Padeceu sob Poncio Pilatos,

foi crucificado, morto e sepultado

e desceu aos infernos,

Ao terceiro dia ressuscitou dos mortos

Creio no Espírito Santo

Na Santa Igreja Católica

Na Comunhão dos Santos

Na remissão dos pecados

Na ressurreição da carne

Na vida eterna.
D
Decálogo.

Do grego deka (dez) e logos (palavra), dez palavras. Na aliança do Sinai, Moisés deu ao
povo, vinda de Deus, uma Lei resumida em "dez palavras": o Decálogo (Êx. 20:1-17; Deu.
5:6-22) ou os Dez Mandamentos (ver Tábuas da Lei*).

Deus falou a Moisés, e, por ele, aos homens, e Sua palavra preparava o acontecimento
central do Novo Testamento: essa Palavra — o Verbo de Deus — tornar-se-á carne pela
Encarnação.*

Os Dez Mandamentos se aplicam a todos os homens e não foram anulados pelo Evangelho,
mas a Nova Aliança vai além da Antiga e seus mandamentos alcançam e ultrapassam o
Decálogo.

O Senhor disse:

"Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir (Mat.
5:17)."

Se o Cristo nos diz para observar os mandamentos e para amar a Deus com toda a nossa
alma e com todo o nosso espírito e ao próximo como a nós mesmos, Ele nos manda
também amar aos nossos inimigos. Assim, a lei de Moisés não deixa de ter validade, mas é
acompanhada em sua plenitude no Verbo Encarnado.

Deificação.

Os Padres da Igreja repetiam este adágio: "Deus Se fez homem para que o homem se torne
Deus" e: "o homem é uma criatura que recebe a ordem de tornar-se Deus."

De fato o homem é chamado a viver em Deus, a participar de Sua Glória,* a estar unido a
Ele, e transformar-se pela graça* o que Deus é por natureza. Trata -se de uma união com
Deus pelas energias divinas,* união mas não fusão ou confusão. Cristo tomou nossa
natureza para nos fazer comungar a Vida divina e nos tornar "participantes da natureza
divina" (2 Ped. 1:4), participantes das energias e não da essência de Deus.

A deificação é o processo pelo qual o homem crê em Deus de glória em glória. Os justos
serão deificados no último Dia, mas o processo deve começar desde já, amando a Deus,
observando Seus mandamentos. O cristão é ajudado nisto por sua vida na Igreja e pelos
sacramentos.

A "deificação" não é apenas um dom livre do Espírito Santo, mas exige a cooperação do
homem, é pois necessário um processo dinâmico que implica níveis de comunhão com
Deus e uma religião de experiência pessoal (Jean Meyendorff, The Byzantine Legacy in the
Orthodox Church, New York, SVS Press, 1982, pg. 150).
Veja também Eternidade, Parusia, Redenção, Salvação e Teologia.

Dogma.

Segundo o dicionário, esta palavra significa: "ponto fundamental de doutrina, em religião


ou em filosofia." Os dogmas são freqüentemente compreendidos como sendo definições
categóricas ou infalíveis formuladas a respeito da fé pela "igreja docente." Isto não
corresponde à realidade da forma como é vivida na Igreja Ortodoxa. De fato, se as
doutrinas fundamentais da fé cristã existem como a rocha sobre a qual é erigida a Igreja, e o
Credo e os textos litúrgicos representam cotidianamente a expressão preservada fielmente
pela Tradição da Igreja, significa que a noção de dogma no sentido comum das verdades
especulativas forma um sistema filosófico coerente que não lhe convém.

É preciso lembrar que para a Igreja Ortodoxa, os textos teológicos, elaborados entre outros
pelos Concílios ecumênicos, são as formulações feitas para preservar as verdades da fé
ameaçadas pelas heresias. Era pela necessidade de interromper o caminho ao erro que os
Padres foram levados a estabelecer tais textos. Um teólogo contemporâneo sublinha que,
nesse contexto, "o dogma parece pois como o princípio de uma experiência decisiva, de
uma luminosa evidência no Espírito Santo" (O. Clément, L'Eglise Orthodoxe, Paris. P.U.F.,
coll. "Quesais-je?" nº 949, 1965, pg. 36).

Doxologia.

A Doxologia (do grego doxa: glória) é a ação de glorificar. Para o Cristo trata-se de louvar
a Deus em Três Pessoas, a Santa Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Cantar a Glória* de Deus é próprio do homem, e encontra-se textos doxológicos em


numerosos livros do Velho Testamento, em particular nos Salmos. O homem ao glorificar
Deus participa na louvação dos anjos.* É um tema central em Isaías, onde se encontra o
seguinte texto:

Serafins... e chamavam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo, Santo é o Senhor dos
Exércitos: toda a terra está cheia de sua glória (Isa. 6:1-3).

Este "Três vezes Santo," ou Trisagion, esta louvação, existe com variações em todos os
ofícios litúrgicos, seja diretamente (na Liturgia eucarística, por exemplo) sob esta forma, ou
sob uma forma ampliada, ou como um filigrana em todas as ações de graça.

Cristo está no centro de numerosas doxologias do Novo Testamento. "Glorificando e


louvando a Deus" (Luc. 2:20), suas mensagens (Atos 11:18; 21:20), seus milagres (Mac
2:12). Quanto a São Paulo, ele pontua suas Epístolas de doxologias (por exemplo, Gál. 1:3;
Tit. 2:13). Enfim, as doxologias do Apocalipse recapitulam toda a obra salvífica de Nosso
Senhor (Apo. 1:8 e 15:3).

Ao nos aproximarmos de Deus, compreendemos de imediato a transcendência* de Sua


Glória, de Seu Poder, de Sua Grandeza; o que resulta sentimentos de admiração, de
surpresa e outros análogos: a doxologia é assim uma conseqüência natural. (N. CabasiIas,
Explication de Ia Divine Liturgie).

Cada ofício é entremeado por doxologias: "Glória a Ti..." "Glória ao Pai…," "Glória a
Deus..." A própria Liturgia eucarística começa por uma doxologia "Bendito e Glorificado
seja o Reino do Pai, do Filho e do Espírito Santo."

O que se chama a Grande Doxologia se situa ao fim do orthos (ofício matutino: matinas e
laudes), aos domingos e aos dias de festa. Ela começa por estas palavras: "Glória a Ti que
nos fizeste ver a verdadeira luz." Em seguida vem o canto "Glória a Deus no mais alto dos
céus e paz na terra..." Segue-se o Trisagion: "Santo, Santo, Santo." A pequena doxologia se
situa no ofício das completas.

Se a Divina Liturgia começa por uma doxologia recitada pelo padre, ela termina por uma
outra cantada pelo coro e seguida pelos fiéis: Que nossos lábios se encham de Teu louvor,
para cantarmos a Tua Glória..."

E
Ecfonese.

Fórmula abreviada de doxologia trinitária pronunciada pelo bispo ou pelo presbítero. A


palavra vem de um advérbio grego que significa "em voz alta."

A ecfonese conclui seja uma litania proclamada pelo diácono, seja uma oração recitada pelo
bispo ou pelo presbítero, em voz alta ou baixa. Como seu nome indica, a ecfonese é sempre
pronunciada em voz alta.

Éden.

"E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, da banda do oriente e pôs ali o homem que
havia formado" (Gên. 2:8). Era o paraíso, com todas as espécies de árvores agradáveis de
ver e produzindo frutos bons para comer. Um rio cortava esse jardim aonde Deus vinha
conversar com Adão e Eva na "brisa da tarde," É deste Éden que Adão e Eva foram
expulsos após a queda. Querubins com espadas fulgurantes foram postados diante do
jardim "para guardar o caminho da árvore da vida (Gên. 3:24)."

Epiclese.

De uma palavra grega que significa: "invocação." Momento do cânone eucarístico onde o
bispo ou o presbítero, após haver, ao longo da anamnese,* relembrado a instituição da
Santa Ceia,* pede ao Pai para enviar Seu Espírito Santo "sobre nós e sobre os dons que
foram aqui oferecidos," e de fazer o pão e do vinho o Corpo e Sangue de Cristo.

Todos os sacramentos, uma vez que a ação de Deus é invocada, comportam uma invocação
do Espírito, uma epiclese, que lhe dá sua eficácia.
Assim a Liturgia é atravessada desde o princípio por súplicas a Deus para o envio do
Espírito Santo. Deve-se sublinhar que o mistério é acompanhado pela oração de toda a
Igreja que é ouvida por Deus, pois a Igreja é a Nova Aliança à qual Deus se engajou por
meio de Seu Filho e pelo Espírito Santo. A epiclese é o cumprimento da ação eucarística.

Epístola.

Do grego epistole (latim epistola). No Novo Testamento, uma epístola é uma carta escrita
por um Apóstolo ou um Discípulo às comunidades cristãs. Existem epístolas de Paulo,
Tiago, Pedro, João e Judas, Ao longo da Liturgia eucarística, lê-se um ou vários extratos de
uma epístola antes da leitura do Evangelho.

Escatologia.

Do grego eschaton: último e logos: discurso. A definição do dicionário é: "conjunto de


doutrinas e de crenças sobre os fins últimos do homem e do universo." Como fins últimos
entende-se: sua morte e o que advém após sua morte.

Todo homem sabe que deve morrer. Freqüentemente ele não sabe mais nada a esse respeito
e tem medo. O cristão, este, tem algumas certezas concernentes a seus "fins últimos": trata-
se de verdades de fé comprovadas pelas Escrituras e pela Igreja. Algumas dessas verdades
nos são afirmadas de modo claro, outras permanecem ainda, ao menos parcialmente,
envolvidas em mistério. A Igreja Ortodoxa jamais procurou dar uma doutrina precisa sobre
o além. Lázaro após sua ressurreição por Cristo, não fez revelações sobre o que aconteceu
durante os quatro dias de sua "morte" (João 11:1-44). Na prática o que existe são crenças
populares. Nós nos ateremos aos ensinamentos da Escritura e da Igreja.

***

O que sabemos é que todos ressuscitarão (João 5:28) no dia da Parusia, dia da segunda
Vinda do Senhor. O Credo que recitamos a cada Liturgia, termina com as seguintes
palavras: "Espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir." Sabemos
assim que haverá o julgamento antes que o reino do mundo torne-se o Reino de Deus (Apo.
11:15), mundo novo, vida nova.

E o Julgamento tem um aspecto, temível... o inferno existe. É a Igreja e seus sacramentos


que nos preparam a ter "um julgamento favorável no temível tribunal de Cristo" (Litania de
Súplica).

Assim o destino humano é orientado para uma finalidade, num movimento dinâmico e livre
da pessoa chamada a realizar sua semelhança divina. Cremos na ressurreição dos homens,
corpos e almas, no julgamento e na Vida Eterna, a vida nova, já começada aqui. "(...) o
Reino de Deus está entre vós" (Luc. 17:21): isto é o eschaton.

A Ressurreição. "Se o Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé" (1 Cor. 15:17).


O cristianismo toma a sua força na vitória de Cristo sobre a morte: se Cristo não houvesse
ressuscitado, toda nossa fé, nossas convicções, nossa vida interior, nossa esperança, tudo
repousaria sobre uma mentira.

Cristo morreu para a vida do mundo ("Pela cruz a alegria entrou no mundo": tropário pascal
da ressurreição). A morte foi vencida precisamente porque o próprio Deus a provou
enquanto pessoa, na humanidade que ele assumiu. Esta é a mensagem pascal do
cristianismo.

Sem dúvida, a morte permanece como um fenômeno físico, mas ela não domina mais o
homem enquanto destino inevitável e final: "Porque, assim como todos morrem em Adão,
assim também todos serão vivificados em Cristo" (1Cor. 15:22). Como se expressa
Atanásio: "Estamos aqui apenas por um tempo, na natureza mortal de nosso corpo, a fim de
receber uma melhor ressurreição: como os grãos jogados na terra, não pereceremos, mas,
semeados na terra, cresceremos de novo, ficando a morte reduzida a nada pela graça do
nosso Salvador" (J. Meyendorff, Iniciation à Ia Theologie Bizantine, Paris, Cerf, 1975, pg.
218).

A alegria da ressurreição é algo que nós também como os Apóstolos, devemos aprender a
sentir. Mas só poderemos fazê-lo se percebermos primeiro o sentido da cruz. Para
ressuscitar é preciso morrer: morrer a esse egoísmo que nos entrava, morrer às nossas
crenças, morrer a tudo que torna o mundo tão mesquinho, tão frio, tão pobre, tão cruel.
Morrer de tal modo que nossas almas possam viver, reencontrar a alegria, descobrir as
fontes da vida.

A Ressurreição está presente na Cruz, e a Cruz na Ressurreição. A Cruz é a Ressurreição e


não há Ressurreição sem a Cruz (Nicolas Lossky).

A Ressurreição de Cristo é um acontecimento que pertence ao mesmo tempo ao passado e


ao presente. Ao passado ela é evidente. Ao presente, porque Cristo uma vez ressuscitado
está para todo sempre vivo, e cada um de nós pode conhecê-lo pessoalmente.

A eternidade,* não é qualquer coisa mais qualquer um. É o próprio Deus que podemos
encontrar no decorrer do curso efêmero do tempo. Ele nos oferece essa comunhão com Ele
na graça e no amor, num clima de liberdade mútua.

O Julgamento. A segunda vinda será também o momento do julgamento, pois o critério de


toda justiça, o Cristo em pessoa em todo Seu poder e toda Sua evidência, estará presente,
aguardando a resposta livre do homem. Deus fará um novo céu e uma nova terra e não se
deve esquecer que o inferno existe como o céu existe. Diante do aspecto temível da justiça
de Cristo, lembremo-nos que sua prerrogativa suprema é a misericórdia, e que Ele ama os
homens. A Igreja aguarda a segunda vinda como o triunfo visível de Deus sobre o mal no
mundo e a transfiguração de toda a criação. O amor de Deus — esta é nossa firme
convicção — é oferecido sempre ao homem.

A Vida Nova. Em Cristo, a vida nova já começou. Ele é a vida eterna, a plenitude, a
ressurreição e a alegria do mundo:
"Portanto ninguém se gloria nos homens; porque tudo é vosso; (...), seja o mundo, seja a
vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro, tudo é vosso, e vós de Cristo e Cristo de
Deus (1 Cor. 3:21-23).

A vida nova em Cristo, "eternamente agora e sempre," implica um engajamento pessoal e


livre. No último dia a ressurreição será universal, mas a bênção será dada apenas àqueles
que tiverem um desejo ardente e que se arrependerem de seus pecados. O estado
escatológico, repetindo, não é apenas uma realidade futura mas sim uma vivência presente,
acessível em Cristo pelos dons do Espírito.

O cânone eucarístico da liturgia (de São João Crisóstomo e de São Basílio) comemora a
segunda vinda de Cristo ao mesmo tempo que os acontecimentos do passado, a Cruz, o
Túmulo, a Ressurreição, a ascensão. Na presença eucarística do Senhor, Sua vinda futura já
é realizada e o "tempo" transcendido. O Espírito Santo atualiza tanto os acontecimentos
salvíficos do passado como atualiza o futuro. Nos faz comungar com a eternidade de Deus.
Desde já, os cristãos podem ter a experiência da visão de Deus e da realidade da deificação.

Os teólogos a isto algumas vezes chamam de "escatologia realizada."

Não esqueçamos, também, que em sua ascensão a Deus o cristão não está só, ele é um
membro do Corpo de Cristo; Ele pode realizar esta comunhão desde já antes de sua morte
como após, e nos dois casos terá necessidade das orações de todo o Corpo, ao menos até o
final dos tempos, quando Cristo estará "Tudo em tudo," Até a "aparição" última de Cristo,
Seu Corpo, mantido pelos laços do Espírito, encerrando ao mesmo tempo os vivos e os
mortos; o que é simbolizado durante a liturgia sobre a patena onde os pedaços de pão
relembram aqueles que repousam em Cristo e os que ainda fazem parte da comunidade
cristã visível na terra, todos unidos numa só comunhão eucarística. Esta comunhão em
Cristo, indestrutível pela morte, torna possível e necessária a intercessão incessante de
todos os membros do Corpo uns para os outros. A oração para os "mortos," do mesmo
modo que a intercessão pelos santos defuntos para os "vivos," exprime uma só e indivisível
comunhão dos santos*.

***

Ser cristão no contexto da escatologia significa o seguinte, em resumo: saber que Cristo é
vida, fonte de toda Vida, que é Ele a Vida: "Nele estava a vida, e a vida era a luz dos
homens" (Jo. 1:4).

Apenas, esta possessão de Cristo como vida, "alegria e paz" da comunhão com Ele, a
certeza de sua presença, dão um sentido à proclamação da morte de Cristo e à confissão de
Sua ressurreição.

A grande alegria que os discípulos sentiram ao ver Cristo ressuscitado, esse "coração
ardente" que eles experimentaram a caminho de Emaús (Luc. 24:13-35), não tinha como
causa a revelação dos mistérios de um "outro mundo." Tinha como causa a visão do
Senhor. E Ele os manda pregar o arrependimento e a remissão dos pecados, a vida nova, o
Reino. Eles anunciaram o que sabiam: que em Cristo, a vida nova já começara, que Ele era
a vida eterna, a plenitude, a ressurreição e a alegria do mundo. Em Cristo, essa grande
passagem, a "Páscoa" do mundo já havia começado, a lua do "mundo futuro" nos veio na
alegria e na paz do Espírito Santo, pois Cristo ressuscitou e é o reinado da vida.

A Igreja é o sinal da nova era, a antecipação escatológica da nova criação: o cosmos*


criado restaurado em sua integridade inicial. E a Eucaristia é uma antecipação dessa
realização. Na Eucaristia os membros da Igreja já estão nos últimos tempos e conhecem as
primícias do Reino.

Esta visão escatológica não implica uma recusa à vida presente com seus engajamentos e
suas responsabilidades. Não se trata de uma fuga para fora do tempo, uma negação das
realidades concretas e da história. Muito ao contrário. Uma frase do Padre Basílio
Gondikakis de Stavronikita (Contacts, nº 89, pg. 108) sublinha com força ao nos lembrar o
que devem ser os outros homens para nós, e nossa responsabilidade a esse respeito:

O outro é o verdadeiro lugar de nossa vida, nosso meio mais caro e mais insubstituível, que
nos dá o dom — por nossa própria doação a ele — do sentido e da realidade da vida eterna
que já começou (...); "Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os
irmãos" (1 Jo. 3:14).

***

Este texto foi redigido após a leitura, entre outros, dos seguintes livros:

A L'Image et à Ia Ressemblance de Dieu (V. Lossky, op.cit);

Vogage spirituel (Mgr Antoine, Paris, Seuil, 1974);

Iniciation à lá théologie byzantine (J. Meyendorff, op. cit.);

Pour Ia Vie du Monde (ò. Schmemann, Paris, Desclée de Brower, 1969);

L'Orthodoxie (K.Ware, Paris, Desclée de Brower, 1968).

Veja também: Deificação, Inferno, Eternidade, Misericórdia, Mistério,


Parusia, Redenção e Salvação.

Escritura.

Veja Bíblia.

Essência e Energia Divinas.

A Igreja Ortodoxa distingue entre essência de Deus e Suas energias. Ao falar de Sua
essência, afirmamos que Deus é absolutamente transcendente* além de tudo criado,
incognoscível, inatingível. Aliás, afirmamos também que Deus "está presente em tudo e
enche tudo" e que podemos participar n'Ele pela graça.

De fato, Deus permanece o Todo-Distinto, se manifestando a nós por Suas energias, sob a
forma de graça deificante e de luz divina.

A Igreja e os Padres repetem:

Conhecemos nosso Deus por Suas energias, não podemos ousar nos aproximarmos de Sua
essência, mas estas energias chegam até nós e Sua essência fica fora do alcance (São
Basílio).

São Gregório Palamas (Séc. XIV) diz que Deus é luz e a experiência das energias divinas
toma a forma de luz. Esta luz incriada é a mesma daquela vista pelos apóstolos no Monte
Tabor na Transfiguração do Senhor e daquela percebida pelos santos como São Simeão, o
Novo Teólogo e São Serafim de Sarov.

"A essência é Deus, Deus em sua integralidade, tal como ele é em si mesmo. As energias
são Deus em si mesmo. As energias são Deus em sua integralidade, tal como ele é em ação.
Estabelecer uma distinção entre a essência e as energias, é reconhecer que Deus, em sua
integralidade, é inacessível, mas ainda que Deus, em sua integralidade, tornou-se acessível
ao homem o envolvendo com seu amor (Kallistos Ware, Approches de Dieu dans Ia
Tradition Orthodoxe, Paris, Desclée de Brower, 1982, pg. 39)."

As energias incriadas não são pois algo que existe fora de Deus, nem um simples dom de
Deus aos homens, mas a manifestação de Deus Vivo. Elas são o próprio Deus agindo e Se
revelando ao mundo. Deus existe total e plenamente em cada uma de Suas energias comuns
às três Pessoas da Trindade.

Ver também Graça.

Eternidade.

Quando lemos no Evangelho estas palavras do Senhor : "Antes que Abraão existisse, eu
sou" (João 8:58), esta estranha flexão feita à gramática (eu sou e não era) deveria nos
ajudar a entrever o que é a eternidade divina misteriosa que ultrapassa os limites humanos
de tempo e de espaço.

Ao confessar no Credo que o Filho é "nascido do Pai antes de todos os séculos," não
afirmamos que Seu nascimento é simplesmente anterior à criação, mas sim que ele está
fora do tempo.

De fato, a noção de tempo é ligada à da criação. O tempo é algo criado. A eternidade,


transcende o criado. Lemos portanto, no evangelho de João: "No princípio era o Verbo"
(Jo. 1:1), mas este princípio é fora do tempo, pois o Verbo, o Cristo, "que é, e que era e que
há de vir" (Apoc. 1:8), é toda a eternidade.
Não se deve opor eternidade e tempo, como se faz, por exemplo, com "longo" e "curto." A
eternidade divina não significa imobilidade, estado estático, pois ela transcende tanto o
movimento como a imobilidade. Ela não é o contrário do tempo. Ela não nega a história,
pois Deus Se encarnou na história em um determinado tempo e lugar. Assim como o
homem e toda a criação, o tempo também será transfigurado na Parusia*: mundo novo,
céus novos, tempos novos. Mas Deus, "o Deus vivo e para sempre permanente, e o seu
reino não se pode destruir; o seu domínio é até ao fim (Dan. 6:26)."

São Basílio mostrou que o mistério do tempo e da eternidade se resume no significado do


Domingo. O Domingo é ao mesmo tempo o primeiro e o oitavo dia: é o primeiro dia da
semana consagrado a Ressurreição do Senhor, é também a imagem do mundo que há de vir,
o dia que marca a recriação, a entrada no Reino, o instante em que a Igreja acolhe a
eternidade, o oitavo dia, que não terá fim. Basílio acrescenta que não precisamos nos
ajoelhar aos domingos, porque escapamos nesse dia único na Igreja, da condição
temporária de escravo, para entrar simbolicamente, de pé, salvos, no Reino.

Eucaristia.

Vem de uma palavra grega que significa: "render graças," "ação de graças,"
"agradecimento." Quando Cristo instituiu a Santa Ceia,* Ele "rendeu graças" e benzeu o
pão e o vinho. Por esse motivo essa ação do Senhor recebeu o nome de Eucaristia. A
assembléia de fiéis ao redor do bispo ou seu representante — o presbítero — comemora,
torna atual, o sacrifício único de Cristo e rende graças em nome dessa assembléia à
Santíssima Trindade.

Comemorando a paixão salvífica do Senhor que venceu a morte pelo oferecimento que fez
de Sua Vida, os fiéis oferecem a Deus o pão e o vinho que se tornarão Corpo e Sangue de
Cristo, eles se oferecem eles mesmos e toda a criação, por todos, vivos e mortos, e por tudo.
E na epiclese,* o presbítero pede ao Pai para mandar o Espírito Santo sobre os fiéis e sobre
suas oferendas* a fim de serem penetrados pelo poder divino. O pão e o vinho,
transformados em Corpo e Sangue de Cristo serão repartidos entre os fiéis a fim de que
"eles se tornem para aqueles que dele participam, purificação de suas almas, remissão de
seus pecados, comunhão com o Espírito Santo, plenitude do Reino dos Céus."

A Liturgia* eucarística não é pois apenas a invocação do Sacrifício único de Cristo, ela é
também a passagem deste mundo para o mundo futuro, a vinda e a presença do Reino de
Deus que apenas será dada plenamente na Parusia.* O instante da verdade que restaura a
ordem do mundo depois da queda. A eternidade invade o tempo — que não será entretanto
abolido, mas transcendido — e podemos dizer que nos lembramos da Cruz, do Túmulo, da
Ressurreição, do Trono à direita do Pai e também da segunda e gloriosa vinda (Parusia)
aqui e agora.

Na Eucaristia, a economia salvífica de Cristo torna-se presente e atual. Sendo comunhão, a


Eucaristia nos introduz na vida da Santíssima Trindade. Ela é também o próprio
fundamento da Igreja, o sacramento* por excelência, que é de fato o "Corpo de Cristo" (1
Cor. 10:16).
Veja também Anáfora.

Evangelho.

Ver Bíblia.

Ex Nihilo.

Ver Transcendência.

F
Fidelidade.

A fidelidade é antes de mais nada característica de Deus, associada à Sua bondade para com
o povo da Aliança. Deus é "grande em beneficência e verdade" (Êx. 34:6), "a palavra de
nosso Deus subsiste eternamente" (Isa. 40:8), "Suas promessas são sempre cumpridas"
(Tob. 14:4). Deus pede ao homem que seja fiel a Ele também. Contudo o povo de Israel, ao
longo de sua história, traiu com freqüência esta fidelidade e Deus, depois de lhes castigar,
lhes perdoa diversas vezes suas infidelidades.

Os profetas anunciavam a vinda de um Servo do Senhor (Isa. 42). O Cristo, Filho e Verbo
de Deus, será o Servo fiel. Ele cumpre todas as suas promessas (2 Cor. 1:20). N'Ele se
manifesta plenamente a fidelidade de Deus (1 Tess. 5:24).

Os que seguem Cristo são chamados Seus fiéis. Esta fidelidade baseia-se nos dois
mandamentos que o Senhor disse não existirem maiores: "Amará o Senhor teu Deus de
todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento... o teu próximo como
a ti mesmo" (Mat. 22:37-40).

O segredo da fidelidade ao Senhor e da observância da Nova Aliança é pois o amor — não


apenas o amor pelos que nos amam, mas o amor pelos inimigos (Mat. 5:43-44).

Filioque.

Veja Credo.

Fins Últimos.

Veja Escatologia.

G
Gênesis.
Veja Bíblia.

Gentios.

Para o povo judeu do Antigo Testamento, existia de um lado Israel, o povo de Deus e de
outro lado "gentios" (ou "Nações"), quer dizer os "pagãos" que não conheciam Deus.

No Novo Testamento, a noção de povo de Deus se ampliou para tornar a Igreja. A unidade
humana foi restaurada. "…não há judeu nem grego" (Gál. 3:28). Cristo veio reunir todos os
homens, Israel e os gentios, chamando o homem novo e uma vida nova em Cristo.

A Epístola dos Efésios insiste: Lembrai -vos que vós noutro tempo éreis Gentios... Que
naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade d 'Israel e estranhos aos
concertos da promessa... Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo
sangue de Cristo chegastes perto. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez
um; e, derribando a parede de separação que estava no meio. Na sua carne desfez a
inimizade... para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz. (Efe. 2:11-
16).

São Paulo é chamado "o Apóstolo dos Gentios," ou "das Nações," porque ele pregou o
Evangelho aos habitantes do Império Romano que não pertenciam ao povo judeu.

Veja também Israel.

Glória.

"Glória a Ti, Senhor, glória a Ti." A Santa Escritura é farta em expressões referentes à
glória de Deus. Da mesma forma que os textos litúrgicos e toda a literatura patrística.

Encontramo-nos diante de tal riqueza que é difícil escolher exemplos para tentar "definir" o
que é esta glória, esta luz de Deus que é também Sua graça.

No sentido comum, esta palavra, sabe-se significa honra, renome, poder, riqueza, brilho das
vitórias, etc; todos os valores que são perecíveis. Na Bíblia, existe freqüentemente tal
sentido. Jó clamou: "Da minha honra me despojou" (Jó 19:9). Fala-se da glória das vestes
de Aarão (Êxo. 28), da riqueza e da glória de Salomão. Existe entretanto outros sentidos
que nos deixam entrever uma realidade infinitamente mais profunda, mais misteriosa, uma
verdade difícil de conceituar por palavras, pois ela pertence ao domínio do mistério divino
eterno. Assim, as intervenções e o poder de Deus são associados à Sua glória. A glória do
Senhor revela Sua majestade, Sua santidade, é o próprio Deus.

Entre as inúmeras manifestações da glória de Deus no Antigo Testamento, escolhemos a


experiência de Moisés no Monte Sinai (Êx. 33:18) "então ele disse: "Rogo-te, que me
mostres a tua glória." E Deus lhe responde: "Não poderás ver a minha face, porquanto
homem nenhum verá a minha face, e viverá" (Êx. 33:20). Deus disse a Moisés para ficar na
fenda da penha (rocha) e quando minha glória passar... e te cobrirei com minha mão." Sua
face, Sua presença e Sua glória são uma mesma realidade a qual o homem é chamado à
participar por meio de Cristo.

No Novo Testamento, a glória de Deus é também chamada luz (1 Jo. 1:5). Na sua
Transfiguração no Monte Tabor, diz-se a respeito de Nosso Senhor: "Seu rosto
resplandeceu como o sol" (Mat. 17:2)." No ícone notamos a auréola de Cristo — brilho de
luz ao redor de Cristo — que transfigura os homens e a natureza. São Macário escreveu a
esse respeito que o "corpo do Senhor foi glorificado quando foi para a montanha e foi
transfigurado na glória de Deus, (...) da mesma forma os corpos dos santos são glorificados
e resplandecem uma brancura fulgurante."

Pela Encarnação, Cristo, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, é despojado de Sua glória
(veja Kenose*; Ele se fez homem, aceitou a Paixão e a Cruz. Ele ressuscitou, e foi
"recebido acima na Glória" (1 Tim. 3:16) à Ascensão. "De novo há de vir cheio de Glória
para julgar os vivos e os mortos" (Credo).

Devemos também acrescentar uma outra noção ao significado da glória, noção que revela o
laço que existe entre a glória de Deus e o homem, como diz Santo Irineu: "A Glória de
Deus é o homem vivo e a vida do homem é a visão de Deus" (Contre lês hérétiaves, IV,
20,7) e: "A Glória do homem é Deus" (Ibid., III, 20:2).

Compreendemos pois porque a criação inteira aspira à revelação da Glória de Deus. São
João vê a Nova Jerusalém "e a cidade não necessita de sol nem de lua para que nela
resplandeçam, porque a glória de Deus a tem alumiado.." (Apoc. 21:23). No último dia,
Deus virá em toda a Glória de Sua luz e os justos O verão.

Ele, Deus e Mestre do universo, brilhará nesse momento na Glória de Sua Divindade, (...)
revelará a todos o que Ele é, cobrirá, todas as coisas de Sua própria luz e tornará para Seus
Santos o Dia de júbilo eterno, sem declínio e sem fim. (São Simeão, o Novo Teólogo,
Traités théologiques et ethiques, X, 19-35).

Nós somos a imagem dessa Glória indizível. Como contamos no ofício para os defuntos:
"Eu sou a imagem de Tua Glória mesmo quando trago os estigmas do pecado."

Graça.

Perguntou-se um dia a um fiel ortodoxo pouco ligado a teologia: "O que é a Graça?" Ele
respondeu após um momento de reflexão: "A Graça é o amor." O dicionário nos dá esta
definição: "Ajuda, socorro, que Deus concede tendo em vista a salvação."

Voltemo-nos a São Paulo que, por meio de diversos textos, diz a mesma coisa ao afirmar
que esta Graça é o dom de Deus que contém todos os outros, o de Seu Filho: (Deus quis):

"Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas de Sua graça, pela Sua
benignidade para conosco em Cristo Jesus" (Efe. 2:7). "Mas segundo seu próprio propósito
e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos" (2 Tim 1:9).
Já no Antigo Testamento é comum a questão da graça. Ela é freqüentemente associada à
misericórdia,* à fidelidade* e à bênção. Deus manifesta ininterruptamente Sua graça a Seu
povo de Israel. Esse Deus "misericordioso e piedoso, tardio em iras e grande em
beneficência e verdade" se dirige a Moisés que Lhe responde: "Senhor, se agora tenho
achado graça aos teus olhos, vá agora o Senhor no meio de nós" (Êx. 34;9)." De fato, a
graça é dupla: ela desce sobre o homem e faz que este último encontre por meio dela favor
à Seus olhos, quer dizer torna-se digno dos benefícios de Deus, pois recebe a graça.

Para nós, cristãos, cremos que Deus Se revelou em Jesus Cristo com quem veio "a graça e a
verdade" (Jo. 1:17). Esta graça fecunda é fonte da transformação do homem e de todas suas
boas obras. Ela é dada gratuitamente e não pode ser "comprada" por esta ou aquela ação.
Quer dizer que o homem deve se preparar pelo dom de toda sua vida, pelo amor de Deus e
de Seus mandamentos, e sua abertura ao Senhor, é a manifestação — as energias* — de
Deus Vivo.

A graça significa em geral (...) toda a riqueza da natureza divina ao se manifestar aos
homens. O que é comum ao Pai e ao Filho é a divindade que o Espírito Santo comunica aos
homens da Igreja, fazendo-os "participantes da natureza divina" (2 Ped. 1:4), conferindo o
fogo da divindade, a Graça incriada àqueles que se tornam membros do Corpo de Cristo"
(V. Lossky, Théologie mystique de l'Eglise d'0rient, op. cit. pg. 159).

Sendo manifestação de Deus aos homens, a graça é fogo e luz, portanto gloria.*

Para exprimir a relação entre a Graça de Deus e a liberdade humana, utiliza-se o termo
sinergia, quer dizer cooperação. "Nós somos os cooperadores de Deus" diz São Paulo (1
Cor. 3:9). Ninguém pode ser salvo sem a ajuda de Deus, mas o homem deve contribuir para
esta obra comum.

São Cirilo de Jerusalém resume claramente esse papel duplo: Deus concede a graça, nosso
dever é aceitá-la e conservá-la.

Veja também Glória e Justiça.

H
Hesicasmo.

Esta palavra vem do grego hesy chia e significa "repouso," quietude," "tranqüilidade," ela
significa o silêncio e a paz interior na qual procuram viver aqueles que se consagram à
oração incessante e à sobriedade espiritual (nepsis).

Desde o século IV, o termo hesychia é utilizado na literatura cristã para qualificar o modo
de vida escolhido pelos eremitas — os hesicastas — que se consagram à oração incessante.
O hesicasmo designa essa tradição espiritual e seus métodos de oração, essencialmente
monástica na origem e viva até os dias de hoje.
A princípio transmitidos por via oral, de mestre a discípulo, nos mosteiros, os métodos do
hesicasmo foram a seguir pouco a pouco registrados por escrito. Seus principais centros
foram, desde o século IV, os mosteiros do Sinai e depois os do Monte Athos, onde ocorreu
no século XIV um grande renascimento do hesicasmo.

O grande santo Gregório Palamas, monge de Athos e mais tarde bispo de Tessalônica,
defende vigorosamente o movimento por ocasião das controvérsias sobre a doutrina na
natureza de Deus e os métodos da oração, estabelece seus fundamentos teológicos e suas
bases dogmáticas e salienta, em particular, a unidade do homem, corpo e espírito. Ele
alcança uma vitória completa: os concílios de Constantinopla de 1341, 1347 e 1351
confirmam seus ensinamentos. O padre João Meyendorff resume da seguinte forma a
posição teológica de São Gregório Palamas sobre esse ponto:

O conhecimento de Deus é uma experiência dada a todos os cristãos pelo batismo e por sua
participação permanente na vida do corpo de Cristo por meio da eucaristia. Ele exige
também a participação do homem inteiro na oração e o sacrifício, pelo amor de Deus e do
próximo; Desta forma pode-se reconhecê-lo não apenas por uma experiência "intelectual"
somente do espírito mas também por um "senso espiritual" que permite uma percepção nem
puramente material. Em Cristo, Deus assumiu a totalidade do homem, corpo e alma; e o
homem da mesma Forma foi deificado, Pela oração, o "método" (hesicasta) por exemplo,
pelos sacramentos, pela vida inteira da Igreja enquanto comunidade, o homem é chamado a
participar da vida divina: esta participação (metoché) é também o verdadeiro conhecimento
de Deus (Initiation à Ia théologie; byzantine, op. cit. pg. 104).

Ao final do século XVIII, o hecicasmo se expandiu para fora dos mosteiros, graças a uma
obra importante saída de uma imensa enciclopédia de textos dos padres espirituais,
publicada por um monge grego, Nicodemo o Agiorita e editada em seguida em Russo por
Paissi Velitchkovsky e traduzida depois em várias línguas.

Esta obra, chamada "A Filiocalia dos Padres Népticos" (filocalia: amor à beleza; népticos:
aqueles que praticam a sobriedade espiritual), contém numerosos textos sobre a oração
incessante pelos Padres, tais como São Macário, São Isaac, São João Clímaco, São João o
Hesi- casta, Diadoco de Fótico, São Simeão o novo Teólogo, São Gregório Palamas,
Calixto, Inácio Xanthopoulos e etc...

A oração incessante

São Paulo (1Tess 5:16) nos prescreve: "Orai sem cessar." Um teólogo contemporâneo
sublinha: "Toda a presença do homem diante de Deus é uma oração. Mas é preciso que esta
oração torne-se uma atitude constante sempre consciente: a oração deve tornar-se perpétua
e ininterrupta, como a respiração, como a batida do coração" (V. Lossky, Théologie
mystique de l'Eglise d'Orient, op. cit. pg. 206). As palavras chaves: oração constante,
consciência, a respiração, o coração — são de fato o coração do hesicasmo, a arte da oração
incessante, essa disciplina tão fácil e tão difícil ao mesmo tempo.

Qual é a forma dessa oração perpétua?


Ela é toda centrada no nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Existem várias formas — todas
muito curtas mas a mais utilizada é; "Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de
mim, pecador" (N.T. em nossa Igreja usamos: Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus Vivo,
tem piedade de mim, pecador"), ela une a súplica do publicano (Luc.18:13): "Ó Deus, tem
misericórdia de mim pecador" e os gritos dos dois cegos (Mat. 9:27): "Tem compaixão de
nós, filho de Davi," A invocação que, repetida sem cessar, em geral silenciosamente, com
cada respiração, torna-se por assim dizer a segunda natureza daqueles que a ela se consagra.

Certos procedimentos relativos ao domínio da respiração e ao ritmo da oração são


utilizados. Esses métodos destinados a favorecer a concentração não devem ser de forma
alguma considerados como os fins por si só. Não existe nenhum meio mecânico ou técnica
para obter a graça de Deus. Todo o recurso dos "exercícios" que alguns comparam talvez
um pouco rápido demais a práticas orientais (Yoga hindu ou dhikr muçulmano) pode ir
contra os fins procurados e apresenta graves perigos. A parte mecânica é secundária e
método algum pode de qualquer forma ser praticado sem o conselho de um mestre com
experiência. O que conta sobremaneira é descartar todos os pensamentos, que nos assaltam
sem cessar. Os mestres dizem que se trata de fazer descer o intelecto ao coração. O coração
nesse sentido não designa o lado emocional, mas o ponto central do homem, o centro
espiritual da pessoa, onde o intelecto e o coração se unem. A oração pois não é mais
somente dita com os lábios ou pensada com a inteligência, mas é oferecida por todo o ser,
intelecto, razão, vontade e corpo físico. A oração contínua conduz a um estado tranqüilo do
espírito, que pela pacificação das profundezas do ser pela graça, torna-se orientada em
direção a Deus.

Entende-se porque esta oração é chamada Oração de Jesus (ou a Jesus), ou Oração do
Coração.

Qual é a forca e o poder dessa oração?

Enquanto invocação do poderoso nome divino, ela tem suas raízes no Novo Testamento,
mas ela tem também suas origens longínquas no Antigo Testamento. O nome divino em
todo Antigo Testamento é portador de poder, exprime a pessoa, e numerosos são os textos
que se referem à "Santificação do nome" e "para o nome."

No Novo Testamento, o Anjo anuncia à Maria que seu filho. "…Chamarás o seu nome
Jesus porque ele salvará o seu povo dos seus pecados" (Mat. 1:21). O nome de Jesus
significa: "Aquele que Salva." São Paulo usando, um hino dos primeiros cristãos, lembra o
poder desse nome, sinal e portador do poder divino:

"Pelo que também Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o
nome;

Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e
debaixo da terra;

E toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai" (Fil. 2:9-
11).
O evangelho de São João descreve o que Jesus disse a seus discípulos: "Na verdade, na
verdade vos digo, que tudo quanto pedirdes ao meu Pai, em meu nome, ele vo-lo há de dar"
(João 16:23). As referências ao poder do nome de Jesus são inumeráveis (veja por exemplo:
Mac 9:38-40) e é sempre lembrado que é impossível fazer desse nome um uso eficaz se não
existir uma harmonia interior entre aquele que o invoca e o Senhor. A oração de Jesus não é
um meio de fugir da realidade ou uma fórmula mágica que não se vincula com a
necessidade de realizarmos uma perpétua metanóia, uma penitência e nos transformamos.
A invocação do nome de Jesus tem um aspecto eclesial. Este nome é um meio de nos unir à
Igreja, pois a Igreja é o Corpo de Cristo. Esta oração acompanha a vida em Igreja e os
sacramentos, mas não os substitui, como imaginam alguns equivocadamente.

Deve-se lembrar também que se trata de uma oração trinitária. Ela é dirigida a Jesus, Filho
de Deus, Filho do Pai e embora o Espírito Santo não seja chamado, sabemos que somente
pelo Espírito Santo pode-se dizer que "Jesus é o Senhor" (1Cor. 12:3). O Espírito Santo é
chamado implicitamente na palavra "Cristo" que significa "unção," ou seja, portador do
Espírito. Ao repetir esta oração nos colocamos, pois, sobre o signo da Santíssima Trindade.

O padre Lev Gillet, em seu livro sobre a oração de Jesus (Un moine de l'Eglise d'0rient, La
Prière de Jesus, Chevetogne, 1963), encoraja cada um de nós a praticá-la com o coração
puro. Ela pode estar diz ele, "em todo o tempo, em todo o lugar; igreja, quarto, rua,
escritório, atelier." Ele acrescenta que "o nome de Jesus é um meio concreto e poderoso de
transfigurar os homens em sua mais profunda e divina realidade (...); vamos em direção a
eles com o nome de Jesus em nosso coração e em nossos lábios, pronunciemos
silenciosamente sobre eles esse nome (que é seu nome verdadeiro); chamemo-los desse
nome num espírito de adoração e de súplica."Quando você recita a oração de Jesus lembra-
te que a coisa mais importante é a humildade, vem em seguida a facilidade (...) de observar
sempre o senso aguçado das responsabilidades para com Deus (...) para com o outro, para
com todas as coisas.

Hierarquia.

Originalmente esta palavra significa "ordem sagrada." No sentido habitual, ela carrega uma
noção freqüentemente rejeitada em nossos dias, pois ela é entendida como correspondente a
uma ordem injusta onde qualquer um — qualquer coisa — teria um lugar arbitrário na
escala de valores. Contesta-se tal sistema onde um posto "superior" seria designado a
alguns e um "inferior" a outros. Reivindica-se para cada um, um lugar igual ou pelo menos:
"análogo" na sociedade.

É justamente partindo-se da palavra "análogo" que podemos tentar compreender o que é a


hierarquia, para nós cristãos. Lugar análogo, sim, mas não necessariamente o mesmo. De
fato, análogo significa, no contexto a cada um de acordo com seu modo, de acordo com
suas forças reais e também de acordo com seus esforços. Um autor antigo, Denis o
Aeropagita escreveu bastante a respeito da hierarquia celeste e da hierarquia eclesiástica
entre as quais existe uma correlação estreita. De acordo com ele, a noção de analogia é
importante. Ele considera que cada um recebe a luz divina na medida em que possa dela
participar, e é assim que se termina seu lugar numa hierarquia "que não é deste mundo."
Vejamos primeiro a hierarquia celeste. Nos é dito que as Potestades, os Querubins e os
Serafins estão postados perto de Deus numa proximidade superior a de toda as outras
ordens angélicas. Vindo a seguir as Dominações, Principados e as Virtudes. Uma terceira
ordem compreende os Anjos, os Arcanjos e os Tronos. Não nos deixemos espantar com
esta nomenclatura. Compreendamos apenas que isto significa que mesmo nesse contexto
existem graus de proximidade em torno do Trono celeste, proximidade não no espaço mas
sim, na amplitude de receber os Dons divinos.

Passemos agora à hierarquia no plano da Igreja terrestre. Trata-se aqui de diversos graus de
"diaconia," ou seja de "função." A continuação do colégio dos doze Apóstolos é a origem
da hierarquia na vida da Igreja e o bispo, sucessor dos Apóstolos, representa Cristo, que ele
testemunha.

O sumo Sacerdote de nossa confissão é o Cristo (Heb. 3:1) e o bispo é aquele que na terra,
o representa e recebe d'Ele seus poderes para guiar e ensinar, pela graça do Espírito à tropa
confiada a seu comando, e lhes ministrar os sacramentos. O bispo delega aos padres alguns
de seus poderes. A vida sacramental necessita que a Igreja tenha uma estrutura interna, uma
hierarquia. O bispo preside a sua autoridade; Não a exerce sobre, mas no seio da
comunidade que é o Corpo de Cristo e onde cada um por sua vez, tem sua função. Essa
autoridade é aberta, discernimento, trabalho e amor. O sacramento da ordem engloba três
degraus de sacerdócios episcopado, presbiterado e diaconato e duas ordens menores:
subdiaconato e leitorado.

Deve-se entender tudo isto em termos de "diaconia," de "função," confiada pela


comunidade, ao apelo de Deus, àquele que parece "capaz" e — apenas por essa razão —
digno dessa diaconia. Os fiéis exclamam por ocasião da ordenação de um padre: "Axios,
Axios, Axios!" que significa "Ele é digno." O próprio Cristo dá a todos o exemplo: "O
Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir" (Mat. 20:28).

Não esqueçamos jamais que Deus se manifesta plenamente a todos, ele está plenamente
presente em suas energias e os seres participam nelas, elevando-se a Ele, de acordo com
suas possibilidades. A salvação é oferecida a todos, mesmo ao mais humilde e sua salvação
depende não de obras de mérito individual, mas da participação nesta unidade litúrgica,
nesta hierarquia. A "conciliaridade" (ver Católica.) ou o acordo pleno de todos é a chave ou
sinal, e o amor é o que faz a união.

Quanto mais elevado o cargo, mais pesados são os deveres e responsabilidades diante de
Deus. Nem todos podem assumir os mesmos deveres mas todos são chamados à mesma
salvação. São Paulo insiste no fato da Igreja ser o Corpo de Cristo, composta de diversos
membros que, mesmo tendo o mesmo valor, diferem quanto a seu lugar e sua função:

"E há diversidade de ministério, mas o Senhor é o mesmo... Deus que opera tudo em todos.
Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil" (1Cor. 12:5-7).

Concluindo, podemos dizer que a hierarquia bem entendida, livremente aceita por todos nós
é amor, é algo verdadeiro, é bem-fazê-lo, bastante diferente do que é "justo" e "injusto" no
sentido jurídico e primário dessas palavras (veja também Justiça*). Em vez de contestá-la,
podemos pois agradecer ao Senhor que dá e pede de cada um segundo suas forças.

Ver também Sacerdócio e Igreja.

Hierático.

Este termo vem de uma palavra grega que significa "o que diz respeito a coisas sagradas." é
utilizado para descrever o gesto ou atitudes rituais impregnados de uma calma e de uma
dignidade que nos fazem adivinhar o mundo celeste.

Hino Dos Querubins.

Hino cantado no início da Liturgia dos Fiéis, durante a Grande Entrada e ao longo da qual
os Dons são transferidos da mesa da Prótese até o Altar,* para a sua consagração (veja
Liturgia Eucarística*).

Este hino marca o início da Liturgia dos Fiéis, que se preparam para celebrar a Eucaristia.
Para que isto aconteça, eles afastam os pensamentos mundanos, seguindo o exemplo dos
Querubins. Este afastamento é necessário para poderem receber o Rei de todas as coisas,
que cada um acolhe ao comungar. Este momento constitui igualmente um movimento ao
longo do qual a Assembléia dos Fiéis, ou a Igreja terrestre, junta-se ao coro dos anjos nos
Céus, para a celebração comum do Mistério.

Hipostase.

Veja Pessoa.

Hirmos.

De uma palavra grega que significa "ligação" ou "continuação." Nos livros litúrgicos, o
hirmos designa o primeiro tropário de cada uma das odes de um cânone. O hirmos possui
uma função musical: é um modelo de ritmo e de canto para a execução dos tropários que o
seguem. O papel do hirmos é também textual: por seu conteúdo, ele une o tema da ode
bíblica com o da festa celebrada nos tropários. Mas às vezes também o hirmos constitui
uma simples paráfrase de um ou vários versos da ode bíblica, ou, ao contrário, que seja
unicamente consagrado à festa celebrada. Por exemplo, no cânone das matinas de Páscoa,
os hirmos cumprem bem seu papel ao celebrar a Ressurreição do Salvador graças a uma
série de alusões aos temas das odes bíblicas, mostrando a realização das profecias na obra
salvífica de Cristo.

Holocausto.

O sentido principal desta palavra é "sacrifício," no qual a vítima é totalmente consumida


pelo fogo. Ela se aplica também à própria vítima. Para os cristãos, "holocausto" significa
sacrifício, oferenda total. Diz-se que Nosso Senhor Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus, foi
oferecido em holocausto para a vida do mundo (ver Isa. 53).

I
Iconografia.

Relativo à arte e à teologia do ícone. O que é o ícone; O que ele representa na vida da Igreja
e dos fiéis; O que significa sua veneração; Estas são algumas das dúvidas que alguém não
prevenido pode ter ao entrar numa Igreja Ortodoxa e constatar a importância que os ícones
têm — tanto materialmente quanto no decorrer dos ofícios — e a veneração da qual eles
são objeto.

Existem obras bastante complexas sobre os ícones e sobre a iconografia e nos reportaremos
a elas para nos aprofundarmos nesta questão (ver, em particular, Theologie de l'Icone dans
l'Eglise Orthodoxe, De L. Ouspensky, Paris, Cerf, 1980, que representa uma "súmula"
autorizada).

Antes de tentar responder brevemente às dúvidas acima, lembremo-nos que o ícone causou,
ao longo dos tempos, querelas e controvérsias dilacerantes que testemunham a importância
das questões em jogo. (Ver o vocabulário Cânone,* a respeito dos ícones e da iconografia.
onde é narrada essa história e a posição dos iconoclastas que rejeitavam a veneração dos
ícones e sua presença na Igreja. A vitória final dos Santos ícones, em 843, é conhecida pelo
nome de "Triunfo da Ortodoxia" e é festejada no Primeiro Domingo da Quaresma*).

Nem tudo é representável no ícone. Deus-Pai, não encarnado, invisível, não pode ser
representado. A pessoa incriada no Filho de Deus, Jesus Cristo, é representada, uma vez
que Ele nos foi revelado. O ícone representa, não Sua natureza divina, inatingível (ver
Transcendência*), mas Sua Pessoa*: na figura de Cristo, ele não representa nem Sua
divindade, nem Sua humanidade, mas Sua Pessoa que une de um modo incompreensível
Suas duas naturezas, sem confusão e sem divisão. Isto pode nos ajudar a compreender o elo
que existe entre a encarnação e o ícone.

Está implícita toda uma teologia, pois o ícone do Filho de Deus feito homem é uma prova
da encarnação verdadeira de Deus e da deificação do homem.

O que é o ícone?

O ícone é uma imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, da Mãe de Deus, dos santos, a
ilustração de uma festa litúrgica. Ele é pintado segundo técnicas precisas e conforme certos
"cânones" tradicionais destinados a lhes garantir autenticidade. Não se trata, pois, de um
quadro qualquer sobre religião, de uma imagem piedosa aonde a realização seria deixada
por conta da inspiração individual e submetida às "modas" ou aos estilos artísticos
profanos. O critério não é a beleza — embora ela exista, evidentemente, mas a verdade.
Não se deve crer, entretanto, que as regras que regem a arte do ícone fazem dele algo
monótono ou estereotipado. Longe disso. É suficiente comparar dois ícones que ilustram a
mesma festa litúrgica pintados por iconógrafos da mesma época ou de períodos diferentes,
para ver que eles são distintos entre si, embora representem uma mesma verdade. A
fidelidade à tradição não é repetição, cópia, mas uma revelação sempre nova da vida
interior da Igreja. O iconógrafo fala a língua de sua época e se exprime de seu próprio jeito
nos moldes da tradição da Igreja.

O que representa o ícone na vida da Igreja e do fiel; O que significa sua veneração?

"Se um pagão vos pedir para lhe explicar vossa fé, dizia São João Damasceno, faça-o entrar
na igreja e ponha-o de frente aos ícones." Ao entrar na igreja, de fato, ele verá os fiéis
acender as velas diante dos ícones, beijá-los, orar diante deles com veneração. Verá o
presbítero e o diácono incensar os ícones e os afrescos. Por ocasião das festas litúrgicas, o
ícone da festa é colocado sobre um púlpito no meio da igreja, e enfeitado com flores e
venerado por todos. A vida litúrgica e sacramental da Igreja é inseparável do ícone. O ícone
"é um objeto cultual no qual repousa a graça divina e faz parte integrante da Liturgia (...) é
freqüentemente chamado, com razão, de "teologia por imagens" (...) Completam e explicam
a Liturgia (...) Seu conteúdo e significado são os mesmos que os da Liturgia, (…) é o
mesmo simbolismo, a mesma sobriedade, a mesma profundidade de conteúdo (L.
Ouspensky, Essai sur a théologie de l'icone dans L'Eglise Orthodoxe, 1960, pg. 10-11)."

O ícone proclama a mesma verdade que o Evangelho, à sua maneira, representaria o mesmo
papel que os escritos dos Padres. "O que a palavra comunica pelo ouvido, diz São Basílio, a
pintura o mostra silenciosamente." O ícone possui pois, uma função didática para ajudar e
guiar os fiéis em suas orações e em suas vidas. O culto aos santos está ligado à veneração
dos ícones, sendo estes um ponto de contato entre os vivos e mortos, entre as pessoas
representadas e os Fiéis, fazendo-os comungar na graça da vida dos santos.

Lembremo-nos, a propósito de acusação de idolatria feita algumas vezes a respeito dos


ortodoxos, que a veneração dedicada às santas imagens não é dirigida à madeira ou às
tintas, mas sim à pessoa representada. São João Damasceno, este grande defensor dos
ícones, faz uma distinção precisa à maneira que os ícones devem ser venerados e honrados
e à adoração que é devida somente a Deus.

Existe muito mais a ser dito sobre o ícone e sobre a iconografia, esta imensa riqueza da
Igreja. Devia-se falar da relação entre ícone e retrato (os santos são reconhecíveis), das
indicações que eles dão sobre a participação do homem na vida divina, da contemplação do
invisível no visível à qual ele nos convida, da realidade concreta que ele traduz (a dos
textos sagrados), da sobriedade, da paz e da harmonia que eles manifestam, da expressão do
dogma da transfiguração que eles oferecem. Devia-se falar também, de um tipo de loucura
em Cristo pictórico que eles representam, em contradição com o espírito de "gravidade," de
"realismo," ou de abstração ilusória da arte profana; ou dar algumas indicações sobre as
razões da "perspectiva invertida" que se encontra neles habitualmente, da tez escura dos
santos (o ícone representa não a carne corruptível, mas a carne transfigurada, iluminada
pela graça, a graça do século futuro), das proporções não realistas dos detalhes, etc.
Nos encontramos diante de um assunto vasto e profundo, mas não é necessário ser sábio ou
teólogo para receber a graça auferida pelo ícone, para beneficiar-se de suas ajudas é
suficiente venerá-los e orar diante deles na vida da Igreja.

Ver também Cânone, a respeito dos ícones e da iconografia.

Iconostase.

A iconostase é um dos elementos arquitetônicos mais impressionantes de muitas igrejas


ortodoxas. Trata-se de uma parede recoberta por ícones entre o Santuário, onde é celebrado
o sacramento da Eucaristia,* e a nave onde ficam os fiéis. A iconostase que conhecemos
sob uma forma que pode variar segundo as regiões e as épocas — é um fenômeno
relativamente recente. As igrejas antigas do Oriente ou do Ocidente não possuíam
iconostase. Nas igrejas dos primeiros séculos, o Santuário era separado da nave por um véu
ou por uma barreira de altura e composição variáveis.

Após a crise iconoclasta (ver cânones, a respeito dos ícones e da iconografia.), começa um
novo período no desenvolvimento da iconostase. Dos séculos XI a XIV surgiram grandes
pinturas de ícones nas paredes laterais e sobre a iconostase: o ícone do Salvador, da Mãe de
Deus e dos santos aos quais era consagrada a igreja.

Acima das Portas Reais, coloca-se a Déesis. Déesis significa "oração": é a intercessão da
Igreja do Novo Testamento na pessoa da Mãe de Deus à direita de Cristo e a intercessão da
Igreja do Velho Testamento na pessoa de São João Batista à Sua esquerda. O ícone da
Déesis é o germe que dá seqüência a todo o conteúdo temático da iconostase clássica.

A partir do século XIV apareceram, na Rússia em particular, as iconostases de várias


fileiras. Em seguida as fileiras se multiplicaram, bem como os elementos arquitetônicos de
todos os estilos.

Entretanto, o conteúdo iconográfico da iconostase é sempre, e em toda parte,


fundamentalmente o mesmo, É característico que o termo "déesis" veio, na Rússia, a ser
aplicado à iconostase como um todo. O que significa que ela representa a obra de Cristo, a
economia divina por completo. Todas as fileiras da Déesis, as festas litúrgicas, os profetas,
os patriarcas, os santos, os mártires, etc. não são, definitivamente, nada mais que um
desenvolvimento do sentido do ícone principal, o primeiro ícone da antiga barreira do
Altar: a imagem do Cristo e da Cruz.

Sobre as Portas Reais ou Santas, habitualmente, são representadas a Anunciação e os quatro


evangelistas. Sob essas mesmas portas via-se a Eucaristia: transposição litúrgica da Ceia,
onde Cristo dá a Comunhão aos Apóstolos, de um lado Ele estende o pão a seis deles, do
outro a taça a seis outros.

Assim, diante da iconostase, seja ela qual for, deve-se lembrar que, longe de ser uma
simples coleção maior ou menor de ícones, é o fruto de um desenvolvimento muitas vezes
secular e orientado para um fim preciso. As figuras que ela ostenta preenchem, cumprem
um papel bem definido: revelam o sentido do limite entre o Santuário e a Nave, entre o
eterno e o temporal. O sentido é a interpenetração de um e de outro, sua unidade. Esta
unidade é o tema essencial da iconostase. Se a Liturgia realiza e constrói o Corpo de Cristo,
a Igreja, a iconostase o mostra colocando diante dos olhos dos fiéis uma imagem desse
Corpo onde eles entram como membros; ela mostra o corpo da Igreja construído à imagem
da Santa Trindade, imagem colocada no alto da iconostase: é a multi-unidade à imagem da
tri-unidade divina.

No desenvolvimento da Liturgia é mostrada toda a economia de nossa salvação. A


iconostase revela esta economia de imagens. Desta forma, o fiel participa nela pelos olhos e
pelo espírito. Assim como a igreja é o espaço litúrgico que contém a assembléia dos fiéis e,
simbolicamente, engloba todo o universo, a iconostase mostra o que virá, a crença da Igreja
no tempo e sua vida até seu coroamento pela Parusia.

Desta forma, a vida da Igreja encontra-se aqui resumida em seu destino supremo e
constante; a intercessão dos santos e dos anjos para o mundo. Todos os personagens
representados estão reunidos em um só corpo. É a união de Cristo com Sua Igreja. (L.
Ouspensky, Contacts, nº 46, pg. 109).

Ver também Iconografia e Cânones, a respeito dos ícones e da iconografia.

Igreja.

De uma palavra grega Ekklesia, que significa "Assembléia do Povo." Ela corresponde à
palavra hebraica Gahal que designa a assembléia litúrgica de Israel. A Igreja é, de fato, a
reunião dos homens chamados por Deus.

Trata-se de quais homens e de qual Deus?

Quando Jesus Cristo, Filho de Deus Encarnado, começou na terra Sua obra salvífica, foi
cercado de discípulos e de apóstolos. Sobre eles foi enviado o Espírito Santo no Dia de
Pentecostes, e essa comunidade constituiu a primeira Igreja. A vida nos primeiros anos
desta comunidade cristã é descrita no livro dos Atos dos Apóstolos. Depois a Igreja cresceu
sobre o testemunho dos apóstolos e graças ao Espírito Santo que vive nela. Ela é, pois,
"Santa" e "Apostólica" e chama todos os homens a ela. É a mesma Igreja, Una, Santa,
Católica e Apostólica, que existe hoje e contra a qual "as portas do inferno não
prevalecerão" (Mat. 16:18). Ela é o edifício indestrutível feita de pedras vivas.

São Paulo, na Epístola aos Efésios (Efe.1:22-23), salienta energicamente "sobre todas as
coisas o constituiu como cabeça da igreja. Que é o seu corpo, a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos," ou seja, o Espírito Santo, que é a fonte de sua vida. Esse texto de
São Paulo é muito importante para compreender que as duas Pessoas divinas completam a
mesma obra: elas criaram a Igreja na qual se fará a união com Deus (ver V. Lossky,
Teologia Mística das Igrejas do Oriente, op. cit. pg. 171). Também pode-se dizer como
Santo Irineu: "onde a Igreja estiver, lá estará o Espírito" (Contre les heresias, III, 24) e
como Santo Inácio: "Onde está Cristo, lá se encontra a Igreja" (Epitre aux Smyrniotes, VIII,
2).
A Igreja é a imagem da vida divina da Santa Trindade: unidade e multiplicidade ao mesmo
tempo. Ela une os seres humanos conservando a diversidade pessoal de cada um. Não
existe na Igreja de Cristo conflito algum entre liberdade e autoridade, unanimidade mas não
ditadura. O dom do Espírito Santo foi dado a todos: "e todos, foram cheios do Espírito
Santo" (Atos 2:4). É um dom de unidade: "estavam todos reunidos num mesmo lugar"
(Atos 2:1). E, ao mesmo tempo, um dom pessoal a cada um de seus membros, pois é um
dom de diversidade: "línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada
um deles" (Atos 2:3). é na Igreja, por seus sacramentos, que repousam na Eucaristia, que
podemos ser salvos: "a Liturgia Eucarística é a Igreja em sua plenitude" (Mgr Antoine,
Conference a Notre Dame de Paris). A Igreja local é a comunidade dos fiéis reunidos em
torno do bispo ou de seu representante para celebrar a Eucaristia. A Igreja Ortodoxa é a
comunhão de todas as Igrejas locais que possuem, cada uma, a plenitude da catolicidade* e
são unidas pela identidade de sua fé e de seu testemunho.

Ninguém é salvo sozinho. Só se é salvo na Igreja, como um de seus membros e em união


com todos seus outros membros (Khomiakoff).

Não se deve confundir o "culto," os ofícios litúrgicos, com a Igreja, embora esse culto seja
inseparável da Igreja e a Igreja não possa viver sem o culto. Mas a verdadeira natureza da
Igreja é a vida nova do homem em Cristo, a vida na Igreja é de se manifestar, de se realizar
como "Corpo de Cristo."

A Igreja tem aspectos visíveis e humanos, isso é evidente, mas também invisíveis, uma vez
que ela é também a Igreja dos santos e dos anjos, dos vivos, dos mortos e dos que ainda não
nasceram; e também aspectos divinos, como Corpo de Cristo e morada do Espírito Santo.

Existem, com certeza, fraquezas e pecados dos homens membros desse Corpo, mas a
assembléia dos pecadores que se arrependem torna-se algo distinto e os ultrapassa. "Pois o
homem sabe que ele é simultaneamente, pecador e transfigurado" (Mgr Georges Khodr,
Contacts, nr. 93). Enquanto instituição, a Igreja apresenta imperfeições e o pecado de seus
membros desbota sua imagem. Diante desse aspecto humano, fujamos da tentação do
desespero:

Sendo um organismo eucarístico, a Igreja é também um milagre perpétuo. Está além de


todos os nossos problemas de estruturas eclesiais, além de todos os nossos mal-entendidos
canônicos e jurídicos; não percamos jamais de vista o milagre e o mistério da Igreja: o fato
de que, apesar de nossas falhas humanas, a Igreja permanece sempre "Deus conosco," o
ícone da Santa Trindade (Mgr Kallistos Ware, Contacts nr. 122).

A Igreja é o lugar, o único lugar possível de reencontro pessoal com Deus vivo, o único
lugar possível de nossa deificação. (ver V. Lossky, Messager de 1'Exarchat du Patriarche
Russe en Europe Occidentale, nr. 30/31, pg. 185).

A Igreja, Esposa de Cristo, e nossa Mãe. O Padre João de Cronstadt, se expressa da


seguinte forma: "Ela é Una como o Senhor. Seu Corpo é feito de Sua carne e de Seus ossos.
Ela é a vinha viva, alimentada d'Ele e se desenvolvendo n'Ele. Não se pode pensar jamais
na Igreja fora do Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo."
Um monge contemporâneo escreveu: A Igreja é o próprio Cristo, o Cristo de Deus, "o reino
de Deus que está entre vós" (Luc. 17:21). Ela é o céu na terra. Seu objetivo é de habitar na
terra, de não deixar o mundo escapar, uma vez que ela o prende nele, até que ela faça dele o
céu" (Padre Basílio de Stravonikita, Chante d'entréee, Génève, Labor e Fides, 1980, pg.
45).

***

Quando escrevemos Igreja com maiúscula, trata-se da Igreja que falamos acima. Enquanto
igreja com minúscula é a construção onde os fiéis se juntam e participam de um culto a
Deus de acordo com a fé cristã.

Veja também Católica.

Igreja Local.

Veja Católica e Igreja.

Ikos.

Ver Kondakion.

Incenso.

O incenso é uma resina aromática que exala, ao queimar, um odor perfumado. Os magos,
quando foram a Belém, levaram incenso entre outros presentes, ao Menino recém-nascido,
o Deus-Homem e isso é muito revelador. De fato, já no Livro do êxodo (Êx. 30:35-37),
lemos que o Senhor havia dito a Moisés, nas ordens a respeito dos perfumes que deviam ser
preparados a partir do incenso e que deviam ser queimados no Altar, que esse incenso era
"puro e santo," "coisa muito Santa," reservado a Deus (Jer. 7:9) havia recebido de Deus a
advertência de não oferecer incenso a Baal (o que quer dizer falsos deuses). Isso não seria
apenas inútil, mas uma traição.

Oferecer incenso, incensar, é pois oração, oferenda,* saudação, louvor. Ao cantarmos o


Salmo 141 nas Vésperas ou na Liturgia dos Pré-Santificados, diz-se: "Suba a minha oração
perante a tua face como incenso, e seja o levantar das minhas mãos como o sacrifício da
tarde"; todo o sentido do incenso e da incensação encontram aí seu verdadeiro significado.

Inferno.

Este termo vem de uma palavra latina que significa "lugar abaixo," e é correntemente
considerado como lugar de suplício eterno dos condenados.

O significado do termo: "inferno" é muito complexo e deu lugar a numerosas


interpretações, algumas verdadeiramente heréticas. Pode-se talvez dizer que o inferno, mais
que um lugar, é um estado, estado daqueles que, após o Juízo Final, por ocasião da segunda
vinda do Senhor, não quiseram se arrepender de seus pecados e não aceitaram o amor de
Deus, sempre oferecido. Deus criou o homem livre, e o homem pode pois recusar, se
crispar em sua recusa orgulhosa. Em definitivo, pode-se dizer, que esta recusa é o inferno.

Alguns fazem, com razão aliás, uma diferenciação entre a noção de "inferno" e de
"infernos, os infernos sendo, segundo eles, a habitação dos mortos (em grego: Hades, em
hebraico: Scheol) e o inferno, o tormento eterno" (Mat. 25:46), "a segunda morte" (ver Apo
20:14 e 21:8).

Trata-se, deve-se salientar, de uma realidade misteriosa que não se pode perceber de forma
definitiva; no entanto cremos que Cristo desceu aos infernos, habitação dos mortos, "e
pregou aos espíritos em prisão" (1Ped. 3:19).

Israel.

Este nome significa, provavelmente, "Deus luta" "Deus é forte," que foi dado por Deus a
Jacó, filho de Isaac, neto de Abraão, ancestral das doze tribos, após sua luta com o anjo no
vau de Jaboque. Após esse combate, Jacó foi chamado Israel, pois havia sido forte com
Deus (Gên 32:28).

Por extensão, esse nome foi dado ao povo judeu, povo escolhido, nação consagrada, à qual
foi concedida a adoção filial, as alianças, a Lei, o culto e a promessa da vinda do Messias.

Com a vinda de Jesus Cristo, o Messias esperado, a Igreja é chamada a ser a Israel
espiritual, "a Israel de Deus" (Gál. 6:16), o povo da Nova Aliança ("Novo Concerto"; Heb.
8:8). Nela acontece a assembléia dos eleitos.

Veja também Gentios e Tribos De Israel.

J
Judaísmo.

O Judaísmo é a religião dos judeus descendentes dos antigos hebreus e herdeiros de seus
livros sagrados, é uma palavra que tem origem, sem dúvida, no nome de Judá, filho de
Jacó, chefe de uma das doze tribos de Israel. O Judaísmo é uma das grandes religiões
monoteístas (ou seja, que reconhecem apenas um Deus), começou com Abraão e encontrou
seu desenvolvimento com Moisés que recebeu de Deus a Lei (Torah).

Julgamento.

Ver Escatologia e Parusia.

Justiça.
É freqüente o assunto "justiça" do Antigo e do Novo Testamento. A justiça é tratada aí em
correspondência com a fé, a caridade e a vida e oposta à falta de fé, à perversidade e à
morte. "Na vereda da justiça está a vida, e no caminho de sua carreira não há morte" (Prov.
12:28).

Trata-se, como se vê, de algo distinto do que evoca comumente a justiça exercida no plano
humano, segundo os critérios do direito e da equidade. Com certeza, a justiça deste mundo
é indispensável, mas ela não é suficiente.

Na Escritura, a justiça vai além do direito e suas leis. Isto é extremamente importante para
nós, pois se no Dia do Julgamento* a justiça puramente humana fosse aplicada, não
teríamos muita esperança em razão de nossos numerosos pecados. Mas Deus é Amor e Sua
Justiça se alia, paradoxalmente, à Sua Misericórdia. "Mas o Senhor dos Exércitos será
exaltado em juízo e Deus, o Santo, será santificado em justiça" (Isa. 5:16). A santidade de
Deus é a garantia de Sua Misericórdia.

No Sermão da Montanha, o Senhor disse: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de


justiça, porque eles serão fartos" (Mat. 5:6). É da justiça divina que o homem tem fome e
sede, aquela que "todo homem pode desejar quando se volta para o Evangelho: rico ou
pobre, empregado ou patrão, nobre ou escravo, nenhuma situação aumenta ou diminui a
verdadeira justiça" (São Gregório de Nissa).

É claro que a seu próprio nível o homem deve, a exemplo do Senhor, exercer a justiça para
com os outros homens, uma justiça cheia de misericórdia. Lembremo-nos, a esse respeito,
da parábola do credor incompassivo (Mat .18:23).

***

Ao falar em justiça, deve-se evocar a epístola de São Paulo aos Romanos, onde está dito:
"Porque nele (Evangelho), se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito:
Mas o justo viverá da fé" (Rom. 1:17). Frase misteriosa, que foi (e ainda permanece) objeto
de difíceis e freqüentemente dolorosas meditações e controvérsias (em particular para
Lutero). Nós não teremos a temeridade de abordar os problemas surgidos pelas noções de
"justiça" e da "justificação" no contexto de interpretações legais da salvação, tais como a
doutrina da "satisfação." Dizemos, entretanto, que a justiça de Deus é, para nós, bastante
diferente da "justificação" do homem para ele próprio, por suas "boas" obras.

A noção de mérito é alheia a Tradição Ortodoxa. A graça e o livre arbítrio do homem são
dois pólos de uma mesma realidade. A graça não é a recompensa do mérito da vontade
humana, nem a causa de seus "atos meritórios." "A justiça das obras e a graça do Espírito,
ao se unirem, preenchem de vida bem-aventurada as almas com as quais "elas se
identificam," declara Gregório de Nissa (citado por Vladimir Lossky em Théologie
Mystique de 1'eglise d'0rient, op. cit. pg. 194).

Uma frase de São Irineu poderá nos guiar em nossas reflexões a esse respeito.
Parafraseando Isaias, diz que "os homens serão salvos pela fé e pela caridade." Essa
declaração sucinta resume a justiça (predication des Apôtres et sés preuves, 3:87).
Ver também Glória e Graça.

K
Kenose.

Palavra grega que significa "esvaziar-se," "aniquilar-se," encontrou seu significado cristão
no texto da epístola de São Paulo aos Filipenses:

"Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos


homens; E, achado na forma de homem humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à
morte e morte de cruz" (Fil. 2:7-8).

Desta forma, Cristo, ao assumir a condição de homem, Se despoja voluntariamente de Suas


prerrogativas. Ele Se abaixa, Se empobrece, mas — e este é o grande mistério da fé cristã
— Ele o fez permanecendo Deus. Ele desceu na morte para a vida.

Deus esvazia-Se, torna-Se vulnerável, primeiro no ato da criação, depois na Encarnação, na


morte e na descida aos infernos.

Trata-se, pois de uma kenose vivificante, pois Cristo, ao ressuscitar, nos faz participar da
Vida divina.

Daí a exigência do evangelho: seremos um com Cristo na medida em que nos "neguemos"
por Ele; e nossa "kenose" pela Cruz (Mac. 8:34-36).

Kondakion-Ikos.

Antigamente, chamava-se kondakion a uma longa composição poética consagrada a uma


festa ou a um tema do ano litúrgico. As diversas estrofes do kondakion constituíam um
desenvolvimento dos temas teológicos evocados pela festa celebrada. O kondakion
começava por uma curta estrofe de introdução chamada proemion0 e seguia com uma série
de estrofes mais longas chamadas ikos.

Na prática atual, apenas a estrofe de introdução (proemion) foi conservada, seguida do


primeiro ikos. A estrofe de introdução tomou o nome de kondakion. O conjunto kondakion-
ikos (no sentido atual da palavra kondakion) tomou lugar no ofício das matinas; o
kondakion só está presente em outros ofícios (em particular na Liturgia Eucarística).

O kondakion evoca brevemente um ou vários temas da festa; esses temas são, em seguida,
retomados e melhor desenvolvidos nos ikos (A.L.).
L
Laudes.

Conjunto composto pelos salmos 148, 149 e 150, nos quais, entre os últimos versos, são
intercalados nos dias de festa, os estiquérios. As Laudes têm seu lugar no fim das Matinas,
um pouco antes do nascer do dia, saudado pela proclamação: "Glória a Ti que nos fizeste
ver a verdadeira Luz."

Os salmos e os estiquérios das Laudes exprimem um louvor triunfal do Criador por cada
uma de Suas criaturas, animadas ou não.

Litania.

Oração rápida pronunciada mais freqüentemente nas procissões. Na prática litúrgica atual
tem dois tipos:

Litania das festas, constituída por uma procissão, ora da igreja ou do mosteiro (a procissão
limita-se, com freqüência, ao nárthex), enquanto o coro canta uma série de estiquérios. Essa
procissão é seguida por uma súplica com invocação de um grande número de santos e
orações para todas as necessidades da Igreja e do mundo que a cerca.

Litania dos defuntos, podendo ter lugar durante a semana ao fim das Matinas e composta
por uma série de tropários de orações para os defuntos, seguida de uma Litania rápida.

Seja qual for a forma, a Litania consiste, sobretudo, de uma súplica rápida da Igreja para
seus membros e para o resto do mundo.

Liturgia.

"Liturgia" origina-se da palavra grega leitourgia, que significa: "obra" "obra do povo."
Trata-se, com efeito, de uma obra comum, uma vez que ela é presidida pelo bispo (ou pelo
presbítero, em sua ausência) em nome do Senhor com a população de fiéis que são seus co-
litúrgicos (ou seja, que celebram com o presbítero, eles não são passivos).

A palavra "Liturgia" é geralmente reservada a celebração da Eucaristia. (ver esta palavra,


que significa: agradecimento, ação de graças, e também Liturgia Eucarística*) com a
consagração dos Santos Dons e a comunhão. A Divina Liturgia eucarística é celebrada nas
igrejas cristãs desde a época em que os discípulos, após o Pentecostes, "se mostraram
assíduos ao ensinamento dos Apóstolos, fiéis à comunhão fraternal, à fracção do pão e às
orações."

Existem diversas tradições locais, mas a celebração da Liturgia eucarística é sempre


uniforme, com algumas variações, a um esquema idêntico que remonta à tradição dos
Apóstolos.
Na Igreja Ortodoxa, a Liturgia mais freqüentemente celebrada é a de São João Crisóstomo.
A Liturgia de São Basílio é celebrada todos os domingos da Quaresma assim como nas
Vésperas do Natal e da Teofania e no dia da festa de São Basílio (I° de Janeiro), na Quinta-
feira Santa e no Sábado Santo. A Liturgia de São Tiago é a Liturgia da Igreja de Jerusalém
e pode ser celebrada também no dia da festa do santo. A Liturgia de São Marcos é a da
Igreja de Alexandria. Na Quaresma, celebra-se, com exceção do Sábado e do Domingo, a
Liturgia dos Pré-Santificados, ao longo da qual participa-se dos Dons consagrados na
Divina Liturgia eucarística do Domingo precedente.

***

A palavra grega leitourgia designava na antiguidade pagã uma função ou um serviço


público. Esse termo veio designar mais particularmente o serviço do culto religioso, público
na medida em que é destinado à assembléia do povo.

O termo cristão de Liturgia significa oração e ação de graças, endereçadas a Deus pela
totalidade de Seu Povo, ou seja, a Igreja. As celebrações litúrgicas são ordenadas segundo
os diferentes ciclos do dia, da semana e do ano, e seu objetivo é o de santificar cada instante
da vida pela oração, ou, segundo as palavras do Apóstolo Paulo, de redimir o tempo (Efe.
5:16 e Col. 4:5), de orar sem cessar (1Tes. 5:17). As celebrações divididas entre os diversos
momentos do dia constituem dessa forma, os marcos da oração incessante recomendada
pelo Apóstolo. A oração da Igreja permite que o tempo não passe em vão, mas sirva para a
preparação da Vinda do Reino.

Liturgia Eucarística.

Celebração em cujo decorrer tem lugar a Eucaristia,* fundamento da Igreja e sacramento


por excelência. A palavra eucaristia vem do grego e significa "ação de graças." Pela
Liturgia eucarística, o homem dá graças a Deus, O agradece por todas as coisas.

Por ocasião da última Ceia com Seus discípulos, Jesus lhes deu como alimento Seu próprio
Corpo e Seu próprio Sangue (Mat. 26:26-29). Ele lhes convida a repetir esse ato: "Fazei
isso em memória de mim" (Luc. 22:19), engajando Sua presença a cada assembléia
eucarística. Assim, pela participação a essa assembléia, as gerações sucessivas de fiéis
recebem os mesmos Corpo e Sangue do Salvador.

A celebração se compõe de duas partes principais: Liturgia dos Catecúmenos (ou da


Palavra) e Liturgia dos Fiéis. A Liturgia da Palavra compreende essencialmente a leitura do
Novo Testamento (Epístola e Evangelho) e uma homilia. Sua função é de instruir na
Palavra de Deus os catecúmenos (aqueles que se preparam a receber o Batismo) e os fiéis.

É ao longo da Liturgia dos Fiéis, reservada em princípio somente aos batizados, que tem
lugar a Eucaristia propriamente dita. O pão e o vinho, destinados a tornarem-se Corpo e
Sangue do Salvador, foram preparados durante uma cerimônia especial chamada
Preparação (ou Proscomídia, Ofertório ou Prótese) e que acontece antes do início da
Liturgia dos Catecúmenos. Na Grande Entrada, os Dons assim preparados são solenemente
colocados sobre o Altar para serem consagrados. Esta consiste de uma oração longa
chamada Anáfora* (ou Cânone Eucarístico) e constituída de várias partes: ação de graças,
memória das etapas sucessivas da Obra Salvífica de Cristo (em particular a Santa Ceia.) e,
por fim, a invocação ao Pai para que Ele envie o Seu Espírito Santo sobre os fiéis e sobre os
Dons.

Livros Litúrgicos.

Os fiéis ortodoxos, às vezes, ficam espantados com a quantidade de livros litúrgicos


utilizados pelo clero e pelo coro durante os ofícios. De fato, o rito bizantino não possui
nada parecido com os breviários ou missais latinos. Ele conservou a diversidade de textos
que existia no ocidente antes da Idade Média. Um mesmo ofício exige o emprego de vários
livros e um conhecimento profundo do typicon (livro que contém, detalhadamente, as
regras a seguir na celebração dos ofícios).

Cada ofício é composto por uma parte fixa e por elementos que dependem do Calendário
Litúrgico*: datas, festas e tons. É necessário, pois, nos ofícios, agregar as estruturas de
base, o que corresponde ao dia em que o ofício acontece, ou mesmo suprimir certos textos.

Os principais livros litúrgicos são:

Os textos das Divinas Liturgias (de São João Crisóstomo, São Basílio e dos Pré-
Santificados).

O Horológio, ou Oração das Horas, que contém os ofícios cotidianos (fora da Liturgia).
Esses ofícios são essencialmente o Orthos (as Matinas e as Laudes), as Horas (Primas,
Tércias, Sextas, Nonas), as Vésperas e as Completas.

O Octoéquo, "Livro dos Oitos Tons." São textos poéticos dos diferentes ofícios, repartidos
em oito semanas correspondendo a oito modos musicais, cada modo possui textos que lhes
são próprios.

Os Menólogos, livros que, para cada mês, contém dia a dia os ofícios das festas fixas, em
particular a dos santos.

O Eucológio, ritual que reúne os diferentes ofícios sacramentais (Batismo e Crisma,


Penitência, Casamento, Funerais, Consagração de uma igreja, etc.) e as orações para
diversas circunstâncias.

Todos os ofícios litúrgicos comportam a recitação de diversos salmos (inteiros ou em


parte), reunidos no Saltério.

As perícopes — passagens — Evangelhos e Epístolas lidos ao longo da Liturgia são,


habitualmente, como as leituras do Antigo Testamento, tiradas da Bíblia. Às vezes fazem
parte de volumes separados.
Durante o período que precede a Páscoa, a Igreja utiliza um livro particular, o Triódio; da
Páscoa ao Pentecostes, esse livro é substituído pelo Pentecostário.

Os fiéis dispõem de diversas compilações e manuais de orações ortodoxas.

Logos.

Ver Cristo, Messias e Verbo.

Luz Incriada.

Ver Essências e Energias Divinas.

M
Magos.

Ver Astrologia.

Mandamentos.

Ver Decálogo e Tábuas Da Lei.

Messias.

De uma palavra hebraica que quer dizer: "consagrado por uma unção." Cristo (em grego
Christos) tem o mesmo sentido. A espera messiânica atravessou toda a história de Israel. O
povo judeu sempre esperou o Messias anunciado pelos Profetas do Antigo Testamento, que
é representado como um Messias terrestre, um ungido de Deus, um rei procedente da casa
de Davi, e recebeu às vezes o aspecto de uma figura celeste, um ser sobrenatural associado
a Deus, em vantagem em relação aos homens.

Para nós passa-se de outro modo, as profecias do Antigo Testamento são lidas pelos
Cristãos à luz do mistério de Cristo, como o próprio Senhor o mandou: "Examinais as
Escrituras porque Vós cuidais ler nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam"
(João 5:39).

É assim que são compreendidos em particular os textos do Antigo Testamento que


anunciam o Messias: Jesus Cristo é o Messias descendente de Davi, nascido em Belém, o
Rei anunciado por Zacarias, o servo sofredor de Isaías, a criança Emanuel anunciada por
Isaías, o Filho do Homem de origem celeste anunciado por Daniel. Esse Messias é o Filho
de Deus, Segunda Pessoa da Trindade. Ele mesmo testemunhou ao sumo-sacerdote que o
interrogava: "És tu o Cristo, filho do Deus Bendito; "Jesus disse-lhe: "Eu o sou" (Mac.
14:61-62).
Metanóia.

Esta palavra, que vem do grego metanóia, designa a conversão, o arrependimento,* a volta,
ou melhor o "retorno." Essa mudança de sentimento, de direção, essa alteração de
perspectiva, esse "restabelecimento" por assim dizer que se opera pelo arrependimento.

Já no Antigo Testamento, Deus havia dito pela boca do profeta Ezequiel (Eze. 33:11), que
ele não quer a morte do pecador, "mas que se converta e viva." Se arrepender e viver —
retorno a Deus pela Igreja — isto se faz por um sacramento que se exprime pela confissão*
e se realiza com a absolvição.*

A Igreja insiste fortemente sobre a união do corpo e da alma, e os fiéis manifestam seu
humilde arrependimento e seu sentimento do tamanho da misericórdia de Deus não apenas
por um movimento da alma, mas por gestos físicos, as prostrações chamadas metanóias.
Existe a pequena metanóia, aquela que o fiel se inclina e toca o solo com a mão direita, e a
grande metanóia, quando se inclina completamente, tocando a testa no solo.

Mirófora.

Portadora da mirra. Designa-se assim as mulheres que após ter "olhado de longe" (Mat
27:55) a crucificação do Senhor, se dirigiram ao túmulo ao terceiro dia, a seguir ao Sabat,
para ungir com aromas o Corpo de Jesus. Foram elas as primeiras a anunciar a nova da
Ressurreição.

A presença entre as miróforas de Maria de Magdala (ou Maria Madalena) é confirmada


pelos quatro evangelistas. Maria, mãe de Tiago (segundo os sinópticos.) Salomé (segundo
São Marcos) e Joana (segundo São Lucas) e "outras mulheres" (segundo São Lucas) o
acompanharam depois à Galiléia.

Misericórdia.

As diferentes palavras hebraicas e gregas que se traduzem habitualmente por misericórdia


tem um conteúdo extremamente rico que só se pode definir reunindo o significado de
termos: ternura vinda das entranhas, perdão pelas infidelidades, paciência, compaixão,
fidelidade, bondade, graça e clemência.

O Antigo Testamento reteve o grito dos pecadores que imploram a misericórdia de Deus:
"Tem misericórdia de mim ó Deus, segundo a tua benignidade" (Salmo 51) e que aguardam
com esperança: "porque a sua benignidade é para sempre" (Salmo 136) do "Deus
misericordioso e piedoso," como ele mesmo se definiu a Moisés (Êx. 34:6). Este aspecto de
Deus — ligado à sua Justiça* e ao arrependimento (ver Penitência) do homem — é assim
sublinhado no Antigo Testamento onde significa, sobretudo, paciência e exigente fidelidade
de Deus a Israel.

Nosso Senhor Jesus Cristo proclama a boa nova da misericórdia. Para nós cristãos, a
misericórdia de Deus é um dom gratuito. É a obra de Deus, "Pai das misericórdias" (2Cor.
1:3), que não rejeitou para sempre sua criatura caída, mas guiou-a pela Lei, os profetas, os
santos e resgatou-a por seu Filho que morreu por nós, "sendo nós ainda pecadores" (Rom.
5:8) e "que Sou manso e humilde de coração" (Mat. 11:29). Ele é nosso "misericordioso e
fiel sumo-sacerdote" (Heb. 2:17) que nos alcança Sua misericórdia, a nós pecadores (Mat.
5:7).

Cristo nos recomenda para sermos misericordiosos como "Vosso Pai é misericordioso"
(Luc. 6:36). O amor de Deus somente habita naqueles que exercem para com a misericórdia
(João 3:17). Assim seremos julgados segundo a nossa misericórdia (Mat. 25:31-46).

Mistério.

Segundo o dicionário, essa palavra significa seja o que é mantido secreto ("carregado de
silêncio"), reservado aos iniciados, seja dos dogmas,* verdades de fé inacessíveis à razão.

Para os cristãos a palavra mistério se aplica ao que está além da compreensão, de onde a
definição e a explicação, não é a realidade Divina ao qual eles participam não pelo
intelecto, mas pela Graça do Espírito Santo. Assim diz-se que a Eucaristia e os outros
Sacramentos* são mistérios. Da mesma forma tudo o que concerne a encarnação de Cristo,
Sua morte e Sua Ressurreição constitui o Mistério da Salvação. São Paulo revela aos
colossenses a carga que Deus, "que me foi concedida para convosco, para cumprir a palavra
de Deus; o mistério que esteve oculto, desde todos os séculos... e que agora foi manifesto...
que é Cristo em vós" (Col 1:25-27).

Os padres da Igreja* e os teólogos fizeram freqüentemente alusão ao "mistério,"


contemplação do invisível." Mas se nosso Deus é um Deus escondido, eles sublinharam, é
também um Deus que nos é revelado como Pessoa e como Amor : "revelação do mistério
que desde tempos eternos esteve oculto. Mas que se manifestou agora" (Rom. 16:25-26).

Assim pois mistério não significa algumas doutrinas secretas, reservadas a uma elite, ou
coisas proibidas e incompreensíveis. Toda verdade nos foi revelada pelo Senhor e a nova é
dada a todos os homens nas Escrituras. O que é "escondido" e que permanece "mistério" é o
sentido completo que não nos é ainda totalmente conhecido, mas que será no Reino.
Quando estivermos no movimento incessante em direção a Deus, transformados de
"claridade em claridade" é que se nos revelará inesgotavelmente o mistério da vida da
Trindade Santa.

Ver Também Igreja e Sacramentos.

Morte.

Ver Escatologia.

N
Nepsis.
Ver Escatologia.

O
Oblação.

A história bíblica nos ensina a universidade da oblação ou oferenda, sacrifício ritual,


oferenda de animais ou de produtos do solo, com uma diversidade muito grande de ritos.

Cristo veio e Se ofereceu Ele mesmo em sacrifício para nossa salvação. Tornou-se o
Cordeiro imolado. Doravante, após esta oblação do Filho de Deus, não há mais necessidade
de sacrifícios sangrentos. Fomos salvos (Redimidos; Heb. 9:15-28).

O que é pedido agora, são "Sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus" (1Ped. 2:5). E cada
vez que a Eucaristia é celebrada na Igreja, é a oblação do Senhor que é representada nesse
mistério*: "Com atenção para oferecer em paz a Santa Oblação."

Ver também Anáfora, Proscomídia, Oferenda.

Ode.

Ode bíblica no ofício das matinas existe um conjunto de nove cânticos ou orações tiradas
da Santa Escritura. Este conjunto é chamado "cânone."* Cada uma dessas orações foi
pronunciada por um personagem do Antigo ou do Novo Testamento. O conteúdo dessas
orações nos remete à vinda do Messias; por esse motivo cada um dos cânticos foi escolhido
e integrado na oração da Igreja. A segunda ode só é utilizada durante a Grande Quaresma.
Contudo o cânone só é composto de algumas odes escolhidas entre as nove, estando as duas
últimas sempre presentes.

A palavra ode designa também um conjunto de tropários consagrados à festa ou ao Santo


do dia, e intercalados entre os últimos versículos das odes bíblicas. O número de tropários é
variável segundo os cânones. O primeiro tropário é chamado hirmo e o último, consagrado
à Mãe de Deus, theotokion.

Na prática atual, as odes bíblicas são freqüentemente omitidas e a execução do cânone é


reduzida somente aos tropários.

Oferenda.

Dom oferecido. Ao longo da Divina Liturgia, o presbítero pronuncia as palavras: "...Aquilo


que é Teu, recebendo-o de Ti, nós Te oferecemos por todos e por tudo." Reconhecemos
desta forma que tudo o que temos vem de Deus. Como diz o Eclesiastes (Ecl. 9): "Dê ao
Altíssimo como Ele te deu."

Desta forma a oferenda é o ato sacrificial mais antigo; Caím e Abel: cada um apresentou
sua oferenda a Deus (Gên. 4:3-4) que agrada a um e rejeitou o outro. Durante toda sua
história, Israel ofereceu a Deus oferendas — primícias, dízimos, sacrifícios para os
pecados. Todas essas oferendas eram prefigurações do único sacrifício salvífico, o do
Senhor Jesus que "se ofereceu a Si mesmo" para a salvação* dos homens (Heb. 9:14).

Como diz uma oração secreta do presbítero: "Pois és Tu que ofereces e és oferecido. Tu que
recebes e és distribuído, ó Cristo nosso Deus!" Na Liturgia que comemora o único
Sacrifício do Senhor, nós oferecemos não somente os Santos Dons (ver Holocausto* e
Oblação), "dom de paz, sacrifício de louvor," mas nós mesmos, uns e outros, e conosco
toda a criação. É esta oferenda que nos permite realizar o objetivo de nossa vida: a
comunhão com Deus e com os outros.

Ver também Anáfora, Eucaristia, Proscomídia.

Oração.

O Apóstolo Paulo nos manda, em sua Epístola aos Tessalonicenses, "Orai sem cessar"
(1Tes. 5:17). Em uma outra epístola (1 Tim. 2:1-8), indica diversos aspectos da oração.

..."antes de tudo, que se façam deprecações, orações, intercessões e ações de graça por
todos os homens;... Isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, Que quer que
todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade."

O próprio Senhor utilizou estes modos diferentes de oração nos dando o exemplo. Devemos
orar todo o tempo, em todo lugar, em toda ocasião, para pedir, suplicar, implorar o perdão
das faltas, prometer, agradecer, dar graças (ver Ação de Graças*)... e, às vezes, apenas
balbuciar. São Isaac o Sírio (VII séc.) diz que a oração é uma conversa que se faz com Deus
em segredo. Trata-se — como repetem os Padres da Igreja — de uma relação pessoal do
homem com Deus. "É o elo entre os seres racionais com seu Criador" (São Gregório
Palamas).

Essa relação é pessoal, mas não individual, o que significa, como sublinha o Padre Georges
Florovsky, que a ‘oração privada’ somente é possível no contexto da ‘oração celestial’.
"Ninguém é Cristo por si só, mas somente enquanto membro do Corpo de Cristo. Mesmo
na solidão de seu quarto, um cristão ora como membro da comunidade resgatada da Igreja"
(Prayer, Private and Corporate, citado por T. Ware em L'Orthodoxie, pg. 403). Trata-se de
uma participação na vida divina, na vida trinitária. Formamos, todos juntos, um só corpo,
conservando cada qual nossa realidade pessoal. Para ser uma pessoa verdadeira, devemos
estar em comunhão com Deus e com todos os outros.

As orações tradicionais que os fiéis fazem em casa vêm, em parte, dos textos litúrgicos e
das Santas Escrituras. Existem diversos livros e manuais de orações ortodoxos. Devemos
saber, entretanto, que os textos litúrgicos não são obras coletivas. Quase todos foram
compostos por homens (ou mulheres) freqüentemente conhecidos. Aqui, já estamos na
comunhão dos santos.* A leitura das Escrituras — os Evangelhos e os Salmos em particular
— faz parte de nossa vida de oração. A oração litúrgica e a oração privada se completam,
têm o mesmo objetivo: a união da alma purificada com Deus.
O corpo também é envolvido no ato de orar: os gestos que o acompanham fazem participar
todo nosso ser. Um espiritual contemporâneo, o Bispo Antoine, que escreveu páginas
notáveis sobre a oração, insiste no fato de que a vida e a oração são inseparáveis:

Uma vida sem oração é uma vida que ignora uma dimensão essencial da existência (...) O
valor da oração consiste em descobrir, afirmar e viver o fato de que tudo tem uma dimensão
de eternidade e que tudo tem uma dimensão de imensidão (...) Não orar é deixar Deus de
fora, excluir, e não apenas Deus, mas tudo o que Ele significa para o mundo que Ele criou,
o mundo em que vivemos.

Para aprender a orar deve-se, inicialmente, diz ele, fazer-se solidário de toda a realidade do
homem, de seu destino e do mundo inteiro. E este é o ato essencial que Deus realizou na
Encarnação. "É o aspecto total do que chamamos intercessão."

Oramos para os santos* e para os anjos* intercederem por nós. Oramos para nós mesmos e
para os outros, para os vivos, para os mortos (ver a esse respeito Escatologia.), "para os que
nos amam e os que nos odeiam." Nossa oração deve ser compreendida como um
engajamento. Não poderíamos, em verdade, orar por aqueles a quem não estivéssemos
prontos a ajudar.

O sentido da oração seria incompreensível sem a confiança de quem ora no poder da


oração, na força de Cristo operando pelo Espírito. São João Cássio, citando as palavras do
Senhor: "Tudo que pedirdes, orando, crede recebereis e tê-lo-eis" (Mac. 11:24); "se tiverdes
fé como o grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá — e há de passar; e
nada vos será impossível" (Mat. 17:20);..."qualquer que pede recebe; e quem busca acha, e
a quem bate abrir-se-lhe-á (Luc. 11:9); e ainda: "E tudo quanto pedirdes na oração, crendo,
o recebereis" (Mat. 21:22) — e acrescenta: "Pois o que nós precisamos para sermos
atendidos e obtermos satisfação é a fé no cuidado de Deus para conosco e a confiança de
que Ele tem o poder de atender o que se Lhe pede." Quando o Senhor diz: "Porque onde
estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles" (Mat. 18:20) é
Cristo que está presente, ou seja, a Igreja passada, presente e futura.

São João Cássio lembra que "nenhum pensamento de desespero deve vir abalar a firmeza
de nossa fé quando nos apercebemos que não obtivemos o que pedimos; e não duvidemos
da promessa do Senhor." Devemos voltar à palavra do evangelista João a esse respeito: "E
esta é a confiança que temos nele, que, se pedirmos alguma coisa segundo a sua vontade,
ele nos ouve" (1Jo. 5:14). Também nossa fé confiante deve nos fazer acrescentar a todas as
nossas orações, como o Cristo: "todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres"
(Mat. 26:39). Nos falta, com freqüência, clarividência em nossas demandas; por isso
devemos entregar tudo em Suas mãos.

Um, outro esforço nos é demandado o de nos deixar transformar pelo fato da oração. De
fato, do jeito que queremos ficar no momento da oração, do mesmo modo precisamos nos
esforçar para ficarmos antes.

Não são nossas emoções, nossos sentimentos, que fazem a boa oração. Teófano, o Recluso,
diz a esse respeito:
Não procureis saber se vossas emoções foram profundas ou se você compreende melhor as
coisas divinas. Perguntei -vos: Será que compreendendo melhor que antes a vontade de
Deus; Caso sim, a oração trouxe seus frutos, caso não, ela passou ao lado de seu objetivo.

***

A única oração que Cristo nos deixou é a Oração do Senhor : "Pai nosso..,*" que repetimos
diariamente e que, segundo São João Cássio, contém toda plenitude da perfeição,
aconselhamos ao leitor ler o que o Padre Boris Bobrinskoy escreveu a respeito dessa oração
em "Deus está Vivo," pg. 468. Ver também, nesse mesmo livro, o texto da oração da
Quaresma dita "de Santo Efrém," pg. 464, um comentário dessa oração, assim como de
várias outras.

***

A 'Oração de Jesus' é uma curta invocação profundamente enraizada no espírito do


evangelho e que ocupa um lugar importante na vida dos ortodoxos (ver Hesicasmos*).

A vida dos monges, é bom lembrar, é consagrada à oração, "arte das artes e ciência das
ciências." Eles oram pelo mundo inteiro. O Patriarca Justiniano da Romênia apontou um
aspecto importante desta oração perpétua: "os monges realizam o dever da oração em favor
daqueles que não podem orar e, especialmente, daqueles que não oraram jamais."

***

Agora, para concluir, o texto de uma belíssima oração matinal escrita no século XIX por
Filareto, Metropolita de Moscou — exemplo, entre outros, da permanência da criação
litúrgica na Igreja:

Acorda-me, Senhor, para acolher em paz o dia que se levanta; ajuda-me, em todas as
coisas, a apoiar-me na Tua Santa Vontade; a cada hora do dia revela-me a Tua vontade.
Abençoa meu comportamento com meus companheiros; ensina-me a aceitar com a alma
serena todos os imprevistos do dia e dá-me a convicção profunda de que nada me
acontecerá que não seja com Teu consentimento. Guia meus pensamentos e meus
sentimentos em todas as minhas palavras e todas as minhas ações, e que eu me lembre que
todo acontecimento imprevisto o é com Teu consentimento. Ensina-me a agir com firmeza
e sabedoria, sem exercer de aflição ou de opressão para com os outros. Dá-me a força de
suportar todas as fadigas deste dia; dirija minha vontade; ensina-me a orar, ora em mim.
Amém.

Oração De Jesus.

Ver Hesicasmo.

Oração Do Coração.
Ver Hesicasmo.

P
Padres De Igreja.

Todos os autores cristãos dos primeiros séculos de nossa era não estão colocados num
mesmo plano. Entre os que são considerados como os verdadeiros "Padres" da Igreja,
venerados e amados como tal, e que a autoridade e a santidade fizeram deles testemunhas
privilegiadas do ensino e da Tradição,* pode-se citar Santo Irineu, São Gregório de
Nazianzo, São Basílio, o Grande, São João Crisóstomo (estes três últimos sendo os "Três
Grandes Hierarcas"), São Gregório de Nissa. São João Damasceno, São Máximo, o
Confessor, São Simeão, o Novo Teólogo e vários outros. A lista não é fechada e nossa
época talvez produza novos "Padres," pois o Espírito está sempre em ação.

Citando a frase do Padre Georges Florovsky: "A Igreja é verdadeiramente apostólica, mas é
também verdadeiramente patrística," o padre João Meyendorff sublinhou, que não se pode
permanecer fiel ao Evangelho sem saber como os "Padres" defenderam-no. Nós os
chamamos de "Padres," porque a Igreja reconheceu neles como sendo aqueles que
souberam transmiti-la em uma língua compreensível a seus contemporâneos.

Lembremos que não é suficiente estudar os escritos dos padres de uma maneira intelectual.
Devemos mergulhar na experiência vivida e verdadeira da Igreja que é a mesma fonte do
que os Padres escreveram em seu tempo e que deve ser aquela a qual devemos beber
também hoje.

Paixão De Nosso Senhor.

O próprio Cristo anunciou várias vezes a Seus discípulos, que "o Filho do Homem sofreria
muito, seria rejeitado pelos anciãos, sumo-sacerdotes e escribas, seria morto, e, ao terceiro
dia ressuscitaria" (Luc. 9:18-22, Mac. 8:31, Mat. 16:21).

Todos os acontecimentos relativos a esses sofrimentos, o mistério da morte de uma das


Pessoas da Trindade,* de Deus feito homem na Cruz, Sua descida aos infernos,* a tudo isso
chama-se os três dias da Paixão de Nosso Senhor (O Triódio Pascal). Um dos mistérios
mais profundos de nossa fé é essa humilhação e essa morte do Filho de Deus que é
entretanto na glória da eternidade. No Jardim das Oliveiras, ele chorou, orou, pediu ao Pai
que esses sofrimentos e essa morte lhe fossem poupados, que "afaste esse cálice," depois,
imediatamente após, Ele disse: "Todavia não seja como Eu quero, e sim como Tu queres"
(Mat. 26:39). E aceitou as injúrias, as bofetadas, o sofrimento e a morte.

O Padre Lev Gillet escreveu:

A natureza humana de Jesus em Sua Paixão experimentou todas as tentações e inseguranças


onde nossa natureza é susceptível, Sua natureza divina permaneceu entretanto na paz
perfeita... "Não existe amor maior que o de dar a vida por quem se ama." Nesta frase está
contida a explicação mais completa, mais profunda da Paixão do Salvador. O maior amor é
máximo. Exige o dom que conduz até a morte. O Gólgota: não uma exigência de justiça,
uma exigência de amor (Jesus, simples regard sur le Seigneur, Chevetogne, 1967, pg. 164-
165).

Assim a Cruz do sofrimento é também a Cruz da Luz pois "a alegria veio ao mundo"
(matinas).

Pantocrator.

Palavra grega que significa "todo Poderoso," literalmente "Que possui todas as coisas" ou
"Senhor de todas as coisas." Existe um tipo de ícone dito "Cristo Pantocrator" que
manifesta sob os traços do Filho encarnado a Majestade Divina do Criador e Salvador do
mundo, Senhor de todas as coisas. Geralmente pintado sentado sobre o trono de glória, o
Cristo Pantocrator abençoa com a mão direita e segura na mão esquerda um livro ou um
rolo sobre o qual pode-se ler versículos do Santo Evangelho. Este ícone ilustra a visão
profética do Salmo: "O Senhor reina, está vestido de majestade; o mundo também está
firmado, e não poderá vacilar" (Sal.93).

É um Cristo Pantocrator que está representado no ícone da Déesis com a Mãe de Deus e
São João Batista a seu lado, intercedendo a Ele pelo mundo, sobre a iconostase das igrejas
(Ver Iconostase*).

Da mesma forma, no centro do ícone do julgamento final, encontra-se freqüentemente tal


representação de Jesus juiz vindo em Sua glória julgar os vivos e os mortos.

O ícone do Cristo Pantocrator é colocado nos nichos de várias igrejas. Os mosaicos e os


afrescos bizantinos são geralmente monumentais, o que acentua o aspecto de poder do
Senhor Mestre do Universo.

Ele é o "Senhor de tudo," o "Verbo de Deus," o "Rei dos Reis e Senhor dos Senhores," "o
Cordeiro que está no meio do trono os apascentará, e lhes servirá de guia para as fontes das
águas da vida" (Apoc. 7:17). Ele é "imagem de Deus invisível, (...) é nele que foram criadas
todas as coisas (...) visíveis e invisíveis (...) porque foi do agrado do Pai que toda a
plenitude nele habitasse" (Col. 1:15-19). Ele que estava no princípio (...) com Deus (...)
Todas as coisas foram feitas por ele e sem ele nada do que foi feito se fez." Nele estava a
vida, e a vida era a luz dos homens" (Jo. 1:1).

Cristo, Senhor de todas as coisas, juiz justo, é também Deus Misericordioso que ama os
homens e no qual, o amor nos é sempre oferecido.

Parasceva.

Véspera ou "preparação" do Sabat, ou seja sexta-feira. A semana, que dá ritmo à atividade


do homem, tem sempre na Bíblia um significado e um papel importante, pois tem por
modelo a atividade criadora de Deus,.
Como Deus "repousou" no sétimo dia de Sua Criação, é o sétimo dia da semana, o sábado
ou Sabat, que no Antigo Testamento era o dia do repouso da santificação. E é ainda hoje
assim para os judeus.

Para os cristãos, é o dia da Ressurreição de Jesus Cristo, o Domingo, que é o primeiro dia, o
dia do Senhor. Ele começa a semana e anuncia o Dia da Segunda Vinda de Nosso Senhor, a
Parusia..

Quanto à sexta-feira, ela tem um significado próprio como cada dia da semana. Comemora
a Sexta-feira Santa, Dia da Crucificação do Senhor e os textos litúrgicos desse dia o
recordam.

Uma santa muito venerada, particularmente na Rússia e na Grécia, chama-se Parasceva (ou
Prascovia) nome que é a tradução da palavra grega que significa "preparação" (do Sabat). O
Tropário cantado no dia de sua festa (26 de Julho) sublinha que ela mereceu esse nome pois
estava sempre "preparada" para o combate pela fé e a fazer de sua vida uma oferenda,*
como Cristo na Cruz, na Sexta-feira Santa.

Parusia.

De um vocábulo grego que significa "presença." A Igreja espera a Parusia, a Segunda


Vinda do Senhor. Ela espera e ela se lembra (ver Anamnese*), significa que não se deve,
aliás, pensar em termos de tempo humano, tempo fechado.

Por ocasião da Ascensão do Senhor, dois anjos apareceram aos apóstolos que o olhavam
para o céu e lhes disseram:

"Varões galileus, porque estais olhando para o céu; Esse Jesus que dentre vós foi recebido
em cima do céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir" (At. 1:11).

Esta Segunda Vinda de Cristo, o Dia do Senhor, será um dia de glória, marcará o triunfo de
Cristo sobre todas as forças do mal, a inauguração do Reino de Deus. Nesse dia, todos os
homens ressuscitarão com um corpo transfigurado, e toda a criação será transformada: nova
terra e novo céu.

Esse dia será também o dia do Julgamento,* quando o Senhor "virá cheio de glória para
julgar os vivos e os mortos" (Credo; Mat. 25:31; Rom. 2:5-11).

Não se deve especular a data ou maneira dessa vinda. O próprio Senhor alertou seus
discípulos contra o desejo de saber quando acontecerá a Parusia (Mat. 24:36). Mas
devemos nos preparar para ela conscientes de que Ele é um Juiz Justo e também o Deus da
misericórdia* pelo qual o amor é sempre oferecido aos homens, para que eles se abram a
esse amor. A Parusia tem um aspecto duplo: temível, pois seremos julgados — esperançoso
pois a vinda de Cristo vai inaugurar definitivamente o Reino de Deus.
"Assim também Cristo (...) aparecerá segunda vez sem pecado, aos que o esperam para a
salvação" (Heb. 9:28).

Patena.

Em grego diskos: é um prato redondo, sobre o qual o presbítero coloca o Cordeiro, a parte
central da prósfora, que será consagrada como Corpo de Cristo. Os outros pedaços são em
seguida colocados ao lado e embaixo do Cordeiro, para representar a Mãe de Deus, São
João Batista, os profetas, os apóstolos, os mártires, os santos, o episcopado, os vivos e os
mortos.

Penitência.

O "Vocabulaire de Theologie Biblique" (Cerf) contém uma nota extremamente útil sob a
rubrica "Penitência/ Conversão.* Aconselhamos sua leitura aos que pretendem se
aprofundar nos diversos significados bíblicos desses termos. Distingue-se nessa nota as
noções de arrependimento moral, de volta interior (metanóia: o arrepender, a penitência) e
de conversão, que exige que se afaste dos ídolos para se voltar (epistrephein) em direção ao
Deus Vivo. Dessa volta a Deus deve resultar uma mudança da conduta prática.

Para certos católicos romanos de hoje em dia, o termo penitência evoca a princípio aspectos
de "satisfação" e de "expiação" da penitência, tal qual foi determinado no Concílio de
Trento (séc. XVI).

Os ortodoxos não se sentem nem um pouco à vontade com essas noções um tanto quanto
jurídicas de "satisfação" que aliás, se eles representavam antigamente um conjunto de atos
ascéticos, não consistem nos dias de hoje nada além que a repetição de algumas orações.

O termo "arrependimento" é conseqüentemente preferido ao termo "penitência" por vários


ortodoxos, mas a palavra penitência não é de todo descartada dos livros e textos escritos ou
traduzidos por ortodoxos contemporâneos, textos nos quais encontramos lado a lado as
palavra: "penitência" e "arrependimento."

Pericorese.

Ver Páscoa, Trindade e Catolicidade.

Pessoa (Hipóstase).

Na Igreja, ouvimos freqüentemente a expressão: "Um Deus em Três Pessoas." Sabemos, de


fato, que nosso Deus é um Deus pessoal; não uma única pessoa, mas uma trindade de Três
Pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Deus não é apenas unidade, mas união, pois as
pessoas divinas são "unidas sem confusão: distintas, porém não divididas" (São João
Damasceno). Cada uma das três Pessoas da Trindade habita nas outras duas, em razão de
um movimento perpétuo de amor (o que designa a palavra ‘pericorese’, que significa
interpenetração, reciprocidade, fluxo de vida).
Deus é uma essência em três Pessoas. Nesta expressão, a palavra "pessoa" é
freqüentemente substituída por "hipóstase" (pessoa vem do latim "persona": máscara, e
corresponde à palavra grega "hopóstasis": o que se põe por cima, o que se sobrepõe").
Assim, diz-se que a união das duas naturezas em Cristo — a natureza divina e a natureza
humana — é uma união "hipostática," quer dizer, da pessoa. Não podemos aqui entrar em
explicações difíceis desses termos, nem estudar a distinção entre natureza e pessoa, mas
deve-se compreender que, na teologia ortodoxa, a "hipóstase" designa a "pessoa," e que
"Deus Se fez homem para nos comunicar a plenitude da existência pessoal.

De fato, estas palavras se aplicam também aos homens. Todos os homens possuem uma
natureza comum que nos parece fragmentada pelo pecado, dividida em vários indivíduos.
Ou, não se deve confundir, como o fazemos com freqüência, "indivíduos" e "pessoas."
Indivíduos, parcelas da natureza humana decaída, aquilo que chamamos liberdade, a
submissão aos caprichos, aos desejos, às paixões e a vontade própria, que afirmamos nossa
natureza, opondo-a aos outros como nosso "eu" egoísta e separado. Tudo isto é causa de
sofrimento e de morte. Mas não somos apenas isto.

Somos, ou antes, nos tornaremos pessoas enxertadas no Corpo de Cristo e recebendo a


unção do Espírito pelo Batismo, pelo Crisma, ou seja, os sacramentos e a vida em Igreja. É
enquanto pessoa que o homem deve se realizar e tornar-se livre frente à natureza comum
para não ser determinado por ela. Para que alguém "seja" realmente, é necessário que ele
seja uma "pessoa" (hipóstase) e que ele esteja em relação de "comunhão" (pericorese) com
Deus e com os outros, pois a pessoa humana, à imagem de cada uma das Pessoas Divinas,
só existe em relação com as outras pessoas.

A pessoa é criada à imagem de Deus. Cada qual é única, indefinível, insubstituível. É na


Igreja que a unidade primordial dos homens enquanto pessoa será restabelecida como
Corpo de Cristo, reflexo da vida divina da Pessoa da Trindade Santa.

E isto, porque a pessoa não é uma entidade estática, fechada nela mesma, mas uma
realidade dinâmica, chamada a realizar "livremente" sua semelhança divina. Ela se
determina por sua relação universal de comunhão com Deus e com os outros. Ela é
chamada a conhecer Deus e a tomar parte de Sua vida. Enquanto imagem de Deus, o
homem é um ser pessoal, diante de um Deus Pessoal. A imagem de Deus e o homem
enquanto pessoa. Realizar sua salvação é receber a vida da Trindade, é fazer-se à imagem
da Trindade na comunhão de todos.

Ver também Trindade.

Portas Reais.

Ver Iconostase.

Precursor.
Aquele que "vem antes," que "anuncia." João Batista é chamado o Precursor de Nosso
Senhor, pois ele foi o profeta que anunciou aos homens a aparição do Messias,* Nosso
Senhor Jesus Cristo.

Ele veio um pouco antes d'Ele, percorrendo a região do Jordão, pregando um batismo de
arrependimento, para a remissão dos pecados, dizendo:

"Voz que clama no deserto. Preparai o caminho do Senhor: endireitai no ermo vereda a
nosso Deus" (Isa. 40:3).

A multidão que lhe perguntava se ele era o Messias esperado, o Cristo, João respondeu:

Eu na verdade, batizo-os com água, mas eis que vem aquele que é mais poderoso do que
eu,... esse vos batizará com o Espírito Santo e com fogo (Luc. 3:16).

E ainda, ao ver Jesus dirigindo-se a ele:

"Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Este é aquele do qual eu disse; Após
mim vem um varão, que foi antes de mim, porque já era primeiro do que eu... Eu vi e tenho
testificado que este é o Filho de Deus" (Jo. 1:29-30,34).

Filho do sacerdote Zacarias e de Isabel, que era estéril, prima de Maria, Mãe de Nosso
Senhor, ele teve uma concepção miraculosa. Após a Anunciação, Maria foi visitar Isabel
que estava grávida e, assim que esta escutou a saudação de Maria, a criança "estremeceu
em seu seio" e "Isabel ficou cheia do Espírito Santo." Ela exclamou:

"Bendita tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre. E donde me provém isto a
mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?" (Luc. 1:42).

Foi João Batista quem batizou Nosso Senhor Jesus Cristo no Jordão. Jesus testemunhou
várias vezes Batista que Herodes prendeu e mandou matar.

Com João Batista conclui-se a Antiga Aliança e começa a Nova.

Presbítero.

Ver Sacerdócio e Hierarquia.

Pretoria.

Quer dizer a residência do pretor. O governador (ou procurador) da Judéia, que residia
normalmente em Cesaréia, se instalava habitualmente na Pretória, quando subia a
Jerusalém e ali tinha seu tribunal. Foi lá que aconteceu o processo romano do Senhor.

Profeta.
Um profeta é um homem escolhido por Deus para anunciar, pela graça do Espírito, Sua
palavra e Sua Lei a Seu povo.

Numerosos foram os profetas dos quais lemos as proezas e os testemunhos do Antigo


Testamento. Entre eles: Moisés, Samuel, Davi, Elias, Eliseu. Isaías, Jeremias, Ezequiel,
Daniel, Jonas, Habacuque, Oséias, Miquéias, Joel e Malaquias.

Em Sua vinda, Nosso Senhor foi cercado de profetas: Zacarias, Simão, a profetiza Ana e,
sobretudo, João Batista, o Precursor* que assegurava ver n'Ele Aquele que devia vir o
Messias, a Salvação do mundo. O próprio Jesus foi, às vezes, chamado profeta pelo povo
(Mat. 16:14), mas Ele está acima de toda escala de profetas, pois Ele é o Verbo,* a Palavra
de Deus feita carne.

Propiciatório.

A palavra propiciação significa "cobrir," "expiar," "suprimir," "que tem a virtude de tornar
propício," ou seja, favorável. No Templo,* o propiciatório era uma mesa de ouro que
encontrava-se embaixo da Arca. (Êx. 25:17). O Sumo-Sacerdote. realizava ali o rito
sacrificial, a aspersão de sangue. Propiciação é entendida, às vezes, por "expiação" (Lev.
16), "purificação," para tornar "Deus propício," ou antes, o homem agradável a Deus.

A Epístola aos Hebreus (Heb. 5:7) assimila o papel redentor de Cristo à função do Sumo-
Sacerdote no "dia da expiação," entendida como "súplica," "intercessão," "perdão." Assim,
o Evangelista João, em sua primeira Epístola (1Jo. 2:1-2) escreveu: "E Ele é a propiciação
pelos nossos pecados,"

Ver também Arca Da Aliança, Templo e Tenda.

Proscomídia. (Ou Protése)

Ofício que se desenrola no início da Liturgia* eucarística, sobre uma mesa situada atrás do
altar* e à sua esquerda (do ponto de vista dos fiéis). É o ofício da preparação dos Santos
Dons destinados ao Sacrifício, ou oblação,* evocando a imolação do Cordeiro e o sacrifício
do Senhor sobre a Cruz. É, em todo caso, a prefiguração do sacrifício que a Liturgia
atualiza (ver Anamnése e Eucaristia).

Várias referências do antigo Testamento, aos Evangelhos, às Epístolas são feitas durante a
preparação dos presbíteros e o Ofício da Proscomídia (por exemplo, Êx. 15:6-7; Sal.
5:16(17), 17(18), 25(26), 44(45), 92(93), 118(119), 131(132), 132(133), Isa. 53:7; 61:10,
Jo. 1:29;

29:34-35; Mat. 2:1; etc.)

Ao longo deste ofício, o presbítero fraciona e separa de uma prósfora (ver Santos Dons.)
um cubo de pão chamado Cordeiro que será consagrado na Liturgia dos Fiéis, num lugar
sobre a patena onde serão acrescentadas outras parcelas extraídas das outras prósforas e das
que serão levadas aos fiéis. Noutra parte, o diácono (ou presbítero) verte no cálice do vinho
misturado com água que, durante a Epiclese,* será transformado e se tornará o Sangue de
Cristo.

Enquanto o Presbítero faz o gesto necessário à proscomídia, ele recita os versículos da


profecia de Isaías (capítulo 53) que prefiguram a Paixão do Senhor. Ele termina por uma
oração pedindo ao Pai para abençoar a prótese, para aceitá-la sobre Seu altar celestial e para
proteger os celebrantes e os fiéis "sem pecado na realização dos Santos Mistérios."

Prósforas.

Ver Proscomídia e Santos Dons.

Protése.

Ver Proscomídia.

Providência.

Esta palavra é empregada freqüentemente para designar a ação de Deus no mundo, a


suprema sabedoria de Deus que conduz todas as coisas, ou mesmo o próprio Deus que
ajuda e protege. Assim, a Providência é vista como participação de Deus em nossa vida.
Noção bastante diferente daquela de "destino" inevitável dos pagãos, uma vez que Deus
respeita a liberdade do homem, que pode aceitar ou recusar a via proposta por Deus.

Q
Quaresma.

Do latim guadragesima dies: "quadragésimo dia." Essa palavra designa os períodos onde
somos convidados a jejuar e a se arrepender. A Igreja, que olha o homem como um todo,
corpo e alma, exige sempre que ele participe por inteiro do arrependimento. Existem
quaresmas diferentes, de duração e intensidade diversas. A Grande Quaresma é a que
começa sete semanas antes da festa de Páscoa.

Querubins.

Segundo as Santas Escrituras, o número de anjos — os mensageiros de Deus — é imenso


(Dan.7:10). Eles repartem-se, tradicionalmente, segundo uma hierarquia misteriosa da qual
fazem parte os Querubins.

São João Crisóstomo diz que a palavra "Querubim" significa "sabedoria" ou "plenitude da
ciência" ("Sobre a Incompreensibilidade de Deus," 724 D.S.C,* n° 28). Trata-se de uma
atitude de contemplação a Deus e da transmissão desse conhecimento.
No livro do Êxodo (Êx.25:18-22), Deus, ao dar a Moisés as descrições relativas à
construção da Arca* do Testemunho, indica:

Farás também dois Querubins de ouro nas duas extremidades do propiciatório (...) do meio
dos dois Querubins, tudo o que eu te ordenar para os filhos de Israel.

O Hino dos Querubins, cantado no momento da Grande Entrada, durante a Liturgia: "Nós
que misticamente, representamos os Querubins," exprime fortemente que nós nos
preparamos para concelebrar a Liturgia celeste com os "Poderes Bem-aventurados."

Ver também Anjos.

R
Redenção.

De uma palavra latina que significa "resgate," "remissão." O homem havia sido criado por
Deus à Sua imagem e semelhança para participar da Vida divina. Ele tornou-se, com a
queda, escravo do pecado e da morte, e a semelhança foi assim perdida. E disto, deste
pecado e desta morte que Deus quis salvá-lo.

Ele não cessou de velar por ele e lhe enviou os Profetas. para anunciar a salvação vindoura.
Como diz Isaías (Isa. 63:9): "Pelo Seu amor e pela Sua compaixão Ele os remiu." O próprio
Deus encarnou-Se, tomou nossa carne, salvou-nos por Sua Paixão* e Sua Ressurreição*.

Para restituir o homem à sua vocação primeira, Cristo desceu voluntariamente aos
Infernos.* Ele nos redimiu da morte do pecado, pois, por Sua Ressurreição e Sua Ascensão,
Ele colocou nossa natureza à direita do Pai, permitindo nossa união a Deus pela Graça.

Ressurreição.

Ver Deificação, Escatologia, Parusia, Redenção, Salvação.

Revelação.

Revelar significa: "tornar conhecido o que era desconhecido." No caso da revelação divina,
trata-se da ação de Deus deixando conhecer aos homens as verdades que sua razão não
saberia descobrir. Esta é uma definição de dicionário.

O que é ela para os cristãos?

De início deve-se saber que se trata de revelação por e sobre Deus e Seus desígnios sobre
os homens nas diversas religiões. Essas revelações se efetuam de diversas maneiras,
algumas vezes pela iluminação e visões de um único homem que se torna o fundador de
uma religião.

Entretanto, não foi assim que se passou com a Bíblia. No Antigo Testamento, temos um
conjunto muito vasto de textos revelados ao longo de quinze a vinte séculos da história dos
homens, por patriarcas, profetas,* reis e santos. Esses homens e essas mulheres foram
escolhidos por Deus que lhes falou: "muitas vezes e de muitas maneiras" (Heb. 1:1) e lhes
revelou Suas instruções e Seus desígnios. Sua palavra é Revelação e Presença ativa. No
seio da história humana, Deus não cessou de manifestar Sua presença por Seus gestos e
Suas palavras. Nestes textos, vemos aparecer com freqüência, como em transparência, o
anúncio profético da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo (Isa. 7:14 e 9:6), por exemplo.

Estas revelações ainda eram obscuras e parciais; depois veia e Encarnação* do Filho de
Deus, o "Verbo Se fez carne" e deus nos fala pelo Filho (Heb.1:5). E o profeta Simeão,
tomando o menino Jesus nos braços, pôde dizer:

"Agora Senhor, despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra:

Pois já os meus olhos viram a tua salvação,

A qual tu preparastes perante a face de todos os povos;

Luz para alumiar as nações e para glória de teu povo Israel" (Luc. 2:29-32)

De fato, Deus disse: "Que das trevas resplandecesse a luz," é quem resplandesceu em
nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, que está na face de
Jesus Cristo (2 Cor. 4:6).

O Novo Testamento apresenta o cumprimento, a realização da Revelação. O Verbo de


Deus, o Senhor Jesus Cristo, disse: "Eu sou a verdade," e foi Ele que nos foi revelado.

A totalidade da Fé nos foi revelada em Jesus Cristo de uma vez por todas. A mensagem
apostólica presta testemunho, através dos textos (ver Escrituras*) e da tradição oral, mas os
homens, na liberdade que Deus lhes deu, podem experimentar esta revelação em níveis
diferentes e sob diferentes formas (Jean Meyendorff, "Iniciação à Teologia Bizantina").
Compreendemos, por esta frase, que a mensagem da Revelação, tal qual nos foi dada no
Novo Testamento, não se trata de verdades abstratas, mas sim de uma Pessoa, o Cristo. O
cristianismo é uma experiência viva onde a integridade da Revelação é confiada à Igreja e
onde o conteúdo é transmitido de geração em geração por toda a comunidade da Igreja. Não
se trata de idéias, de conceitos intelectuais, de opiniões individuais, de filosofia. A
experiência autêntica dos santos, dos membros da Igreja, é idêntica à dos Apóstolos e dos
Padres. O conteúdo da fé — a Revelação,* a Pessoa* de Cristo* — tal e qual nos é dada na
Escritura revelada, é imutável. Estas são as formulações da fé e suas implicações com o
mundo que podem ser precisadas, e isto sobretudo uma vez que é necessário refutar
interpretações falsas.
Em suma, poder-se-ia dizer que a Revelação é o que, pela graça do Espírito Santo, os
Apóstolos "escutaram," "o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as
nossas mãos tocaram da Palavra da vida" (1Jo. 1:l) e nos transmitiram nas Escrituras.

O Novo Testamento inteiro manifesta a revelação de Deus em Jesus Cristo, revelação por
Sua vinda, Seus milagres, os sinais, a Paixão, a descida aos infernos, a Ressurreição, o
Espírito Santo enviado sobre os Apóstolos.

No livro do Apocalipse (esta palavra significa Revelação) que finaliza a Bíblia, é a luz da
Revelação final da vinda de Cristo em Glória, que nos é anunciada para o fim dos tempos.

S
Sabaoth.

Palavra hebraica que significa provavelmente "Senhor dos Exércitos" — não apenas os
exércitos de Israel, mas todos os poderes celestes postos por Deus a serviço de Seu povo,
em particular quando Ele combatia com eles. Esse nome é freqüentemente associado ao de
Javé, nome pelo qual Deus Se chamou (Êx. 3:14).

Na visão de Isaías (Isa. 6:3) que está inserida no nosso Santos,* os Serafins gritam uns aos
outros: "Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos: Toda a terra está cheia da sua
glória!"

Sacerdócio.

Esta palavra significa: "o que se reporta à pregação e às suas funções: a função do
presbítero existe em muitas religiões desde os tempos mais remotos. São freqüentes os
assuntos de sacerdócio e função sacerdotal do Antigo Testamento. Mas essas expressões se
revestem de significados diversos de acordo com a época e o meio. Todo o povo de Israel
tinha um caráter sacerdotal. Lemos no êxodo: "e vós me sereis um reino sacerdotal e o povo
santo" (Êx.19:6)

Para os cristãos, a noção de sacerdócio evoca, de início, Cristo, único Sumo-Sacerdote*


onde, na Epístola dos Hebreus (Heb.7:24), diz que "possui um sacerdócio perpétuo." O
Senhor, "Apóstolo e Sumo-Sacerdote da nossa confissão" (Heb.3:1), realiza o sacerdócio de
presbítero-rei" anunciado por Melquisedeque (Gên.14:17-20; Sal. 109(110), Heb.7), figura
profética do Cristo. A passagem do Novo Testamento onde se encontra o tema do Êxodo
sobre o sacerdócio universal do povo de Deus figura na Primeira Epístola de São Pedro:

"Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para
oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo" (1Ped. 2:5)
Os Apóstolos representam a vida cristã em seu conjunto como participação de todos nesse
sacerdócio real. O Espírito Santo, de fato, desce sobre todo o povo de Deus: todos, em
Cristo, são sacerdotes-reis, pois eles têm a responsabilidade de representar eucaristicamente
o conjunto de criação pelo dom deles mesmos:

"Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que
anuncies as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz" (1Ped
2:9).

Não existe função "clerical" alguma que não seja em união direta com a comunidade.

Já nas comunidades cristãs primitivas, os apóstolos chamavam certos responsáveis


"anciãos" — mesmo que não fossem velhos — (ancião é a tradução de presbítero, palavra
que originou o termo "padre").

Existe, na Igreja, um ministério ordenado feito de bispos, sucessores dos apóstolos,


presbíteros e diáconos, cada qual com suas responsabilidades próprias. O bispo pode
delegar aos presbíteros o poder de presidir a Assembléia Eucarística, mas presbíteros e
bispos existem desde os tempos apostólicos. É o bispo que, num dado lugar, é colocado por
Deus para guiar o rebanho colocado sob sua guarda. É ele quem vela pela Igreja, anuncia a
Boa-nova, preside a celebração da Divina Liturgia eucarística, testemunha fiel do Santo
Evangelho e da Tradição. Tem, pois, a tripla função de dirigir, ensinar e presidir a
celebração dos sacramentos.

Em resumo, o bispo — ou aquele que o representa — é aquele que, exercendo seu


sacerdócio na Igreja, em união com todos os fiéis, "vaga sem cessar a serviço do Altar e de
Deus" (S. Irineu) como servidor do Senhor e recebe, pois, a graça particular por sua função.

Ver também Hierarquia.

Sacramento.

Os sacramentos são o próprio centro da vida da Igreja. São definidos pelo dicionário como
"atos rituais sagrados, destinados à santificação dos homens." Os gregos chamavam-nos
mistérios.* De fato, esses atos "misteriosos" constituem uma restauração do homem por
completo, em sua dignidade de homem criado à imagem de Deus e destinado a tornar-se
semelhante a Ele. "A possibilidade de "estar" em Cristo, de participar da vida divina (que é
o estado "natural" da humanidade), é essencialmente manifestada nos sacramentos,"
escreve o Padre Jean Meyendorff ("initiation à Ia Theologie Byzantine," op. cit. p. 253). O
Padre Staniloac sublinha que esses são "os meios pelos quais se fortifica nossa união com
Deus."

Os sacramentos são considerados, não tanto como atos isolados pelos quais uma graça
"particular" seria concedida aos indivíduos pelos ministros especialmente designados, mas
antes, como os aspectos de um Mistério único da Igreja, no qual Deus compartilha a vida
divina com a humanidade, resgatando o homem do pecado e da morte. O mistério cristão é
um mistério único, onde os diversos atos sacramentais exprimem aspectos diferentes. Eles
são pessoais: por eles, a graça de Deus se manifesta pessoalmente ao fiel, que é cada vez
chamado pelo seu nome. Para a maior parte dos sacramentos, a Igreja utiliza elementos
materiais — água, vinho, pão, óleo — e faz deles veículos do Espírito.

A teologia ortodoxa nunca se manifestou formalmente sobre um número preciso de


sacramentos, mas quase todos os autores aceitam a lista clássica, de origem ocidental, dos
sete sacramentos: Batismo, Crisma, Eucaristia, Ordenação, Casamento, Arrependimento
(com a Confissão e a Absolvição) e Unção dos Enfermos. Outros, juntam a essa lista: a
Consagração de uma Igreja, o Ofício Fúnebre e a Tonsura Monástica.

Cabasillas chama aos sacramentos "mestres-de-obra de Deus," "portas da justiça," que "dão
acesso à felicidade celeste."

Salmistas.

Chama-se "salmistas" aos autores inspirados dos 150 salmos contidos no Livro do Salmos
do Antigo Testamento. Atribui-se numerosos salmos a Davi, "o suave em salmos de Israel"
(2 Sam. 23:1).

Os salmos resumem toda a Escritura e os cristãos lêem neles o anúncio dos mistérios de
Cristo, da Igreja e de seus sacramentos, o arrependimento, a súplica, a alegria, as ações de
graça, o louvor, cantado nos salmos, são os nossos. É por isso que os salmos não são textos
referentes somente ao passado, mas ocupam um lugar destacado nos ofícios litúrgicos e na
vida dos ortodoxos.

Salvação.

Quando rezamos no Credo; (O Senhor Jesus Cristo) "que por nós homens e para a nossa
salvação se encarnou pelo Espírito Santo no seio de Maria Virgem e se fez homem,"
afirmamos que a Encarnação* aconteceu para nossa salvação. A Santa Escritura nos diz:
"(...) isto é bom e agradável diante de Deus nosso Salvador, que quer que todos os homens
se salvem" (1Tim. 2:3).

Tínhamos necessidade de sermos salvos, porque depois da "queda" de Adão surgiu uma
nova forma de existência: a do pecado, da doença e da morte. Adão, criado livre, afastou-se
livremente de Deus, negando sua vocação: que era a de viver em comunhão com Deus e de
esperar a união com Ele através da graça incriada. Ao se separar de Deus que é a vida, por
sua desobediência, ele passou ao poder do pecado e do demônio.

Por sua Encarnação, o Verbo de Deus modificou radicalmente a história. Unindo nele a
humanidade e a divindade. Ele abriu de novo ao homem a via de união com Deus. Por Sua
morte e Sua ressurreição, pôs de novo a semelhança em poder do homem. Os padres da
Igreja* repetem sem cessar: "Deus se fez homem por natureza, para que o homem torne-se
Deus pela graça."
O homem criado à imagem de Deus, é chamado apesar da queda a realizar livremente sua
semelhança divina. A imagem deformada não é destruída. O homem não é uma unidade
estática, fechada, mas uma realidade dinâmica, capaz de se abrir e levar nela um misterioso
desejo de Deus. A isto Deus responde. Não deixa o homem ir à deriva; Ele envia em seu
imenso amor, Seu filho ao mundo para salvá-lo. Jesus significa: "Aquele que liberta, que
salva."

Deus desce em direção ao homem para permitir ao homem que suba em Sua direção. A
descida de Deus até os limites de nossa decadência, até à morte, abre para o homem uma
via de ascensão, uma via de união. O filho de Deus desceu dos céus para realizar a obra de
nossa salvação, nos libertar das presas do demônio, destruir a dominação do pecado e
arrasar a morte anunciando a ressurreição de todos os homens; a humanidade caída foi
salva por Ele:

"O homem precisava ser santificado pela humanidade de Deus, precisava que Ele mesmo
nos libertasse em triunfo do tirano por Sua própria força, que Ele nos chamasse para Ele
por Seu Filho que é o Mediador fazendo tudo para a honra do Pai, ao qual Ele obedece em
tudo (São Gregório de Nazianzo)."

Santo.

"Um só é Santo, um só é o Senhor, Jesus Cristo, para a glória de Deus-Pai. Amém." É o que
respondem os fiéis durante a Liturgia eucarística, quando o celebrante anuncia: "Os Santos
Dons aos Santos." De fato, "Santo" é o nome verdadeiro de Deus, do Deus Vivo, o
Altíssimo, o único.

Mas deus fez o homem à Sua Imagem e cada homem é chamado para santidade. São Paulo
chama os cristãos de "santos" (Rom. 1:7) por vocação. Cada um de nós recebe nos
sacramentos uma semente de santidade que depende dele fazê-la frutificar. A vida eterna
começa aqui embaixo e, alguns, desde esta vida, participam plenamente da Santidade do
Senhor: estes são os santos.

A via de santidade, quer dizer, a aquisição do Espírito Santo, é a dos mandamentos e das
beatitudes; a humanidade, o amor aos inimigos, a alegria pascal, a oração perpétua, a
pobreza, a atenção, a vigilância na luta contra todas as paixões. Sua transparência a sua
ausência de vontade individual permitem à luz de Deus brilhar sobre o santo. É esta luz
divina que o transfigura, faz dele um "vivo" que santifica tudo à sua volta e que permite a
Deus realizar milagres por meio dele. O corpo dos santos às vezes é transfigurado de
maneira manifesta pela luz divina. São Serafim de Sarov apareceu luminoso como o sol e
seu discípulo Motovilov. Epifânio, em sua 'Vida de São Sérgio de Radonege' conta que,
após sua morte, o corpo do santo resplandecia de glória. Os livros consagrados às palavras
e ensinamentos dos Padres do Deserto (Apotegmas) relatam com freqüência fenômenos
deste gênero, por exemplo: Abba José, Abba Pambo e Abba Silvano.

Cada Santo é único e toda a condição pode ser santificada. Assim, existem santos anárgiros
(que se ocupam da graça), santos iconógrafos, santos príncipes, santos monges, santos
mártires, santas mães de família, etc… Existem também o: "loucos em Cristo," que
simulam a loucura, procurando a humilhação, proclamando o Reino e orando secretamente
pelo mundo.

Ver também Comunhão dos Santos e Santo, Santo, Santo.

Santos Cremes-Crisma.

Do grego khrisma: "óleo." O Santo Creme — ou Myron — é um óleo composto de óleo de


oliva e de diversos bálsamos preciosos, consagrados pelo Espírito Santo invocado pelos
bispos e do qual uma parte é conservada em cada igreja.

A Crisma, que é a unção desse Santo Creme, é feita logo após a imersão do batismo. O
presbítero unge a fronte, os olhos, as narinas, a boca, as orelhas, o peito, as mãos e os pés
do novo batizado, dizendo a cada unção: "O Selo do Dom do Espírito Santo." O cristão que
foi incorporado a Cristo pelo batismo, recebe assim o Dom do Espírito Santo e torna-se
membro do povo de Deus. Um teólogo contemporâneo escreveu:

A Crisma aparece como o sacramento do sacerdócio real... Todo crismado é "portador do


espírito." a o batismo de fogo que vivifica e dinamiza o batismo de água (O. Clement,
L'Eglise Orthodoxe, pg. 82).

Desta forma, pela crisma tornamo-nos os "ungidos," ou seja os "cristos." Cristo (essa
palavra significa: "Ungido" e "Messias") nos transmite a Unção (crisma) onde Ele é o
próprio ungido. Lemos a esse respeito na "La Vie en Christ" de Nicolas Cabasilas (séc.
XIV):

O próprio Jesus é chamado o Ungido, na que alguém lhe tenha ungido a cabeça, mas em
razão do Espírito Santo (que Deus lhe comunicou) e graças ao qual tornou-se um tesouro de
energia espiritual na carne que assumiu. Ele não é apenas o Ungido, mas também a Unção:
Teu nome é um óleo espargido" (Cântico dos Cânticos 1:3)... Desde então, a unção se
espargiu em sua carne. Cristo tornou-se realmente e é chamado Unção; se comunica para
Ele o que é tornar-se a unção e a aspersão.

Santos Dons.

Chama-se desta forma, o pão e o vinho que durante a Liturgia* — comemoração da Santa
Ceia* — serão transformados pelo Espírito Santo em Corpo e Sangue de Cristo e serão
dados em comunhão aos fiéis. Originalmente, o pão e o vinho eram levados pelos próprios
fiéis (a palavra prósfora usada ainda hoje em dia significa ("oferenda").

Nós oferecemos no pão e no vinho, toda a nossa vida e o mundo inteiro em ação de graças
(Eucaristia*) benefícios recebidos de Deus para o Sacrifício de Cristo "isto fez ele, uma
vez, oferecendo-se a Si mesmo" (Heb. 7:27). Os Santos Dons são preparados no início da
liturgia ao longo de um ofício chamado proscomídia,* que insiste no Sacrifício do Senhor:
o Corpo será despedaçado, o Sangue "derramado" para a remissão dos pecados.
Ao longo da Grande Entrada, os Santos Dons são solenemente levados para o Altar onde
serão santificados. No momento da epiclese,* após ter proclamado: "Recebendo-o de Ti
nós Te oferecemos por todos e por tudo, o padre pede ao Pai para enviar o Espírito Santo
sobre nós e sobre os Dons aqui presentes." Depois ele dirá: "os Santos Dons aos Santos,"
pois o Corpo e o Sangue de Cristo devem permitir aos cristãos* reunidos em Igreja receber
a ação vivificante do "Sacrifício não Sangrento," sendo os cristãos "Santos" (Rom. 1:7).

Ver também Oferenda e Anáfora.

Santo, Santo, Santo.

Os anjos louvam Deus perpetuamente. O profeta Isaías fala dessa louvação em uma visão:

"Eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono... Serafins* (ver Anjos*) estavam
acima dele... e clamavam uns para os outros dizendo: "Santo, Santo, Santo é o Senhor dos
Exércitos, toda a terra está cheia de sua glória" (Isa. 6:1-3).

No último livro da Bíblia, o Apocalipse, aparece essa mesma louvação cantada pelos quatro
viventes: "Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o Todo-poderoso, que era, e que é, e que
há de vir" (Apoc. 4:8).

Este hino de vitória — ou doxologia* — é retomado na Liturgia,* no momento solene da


grande Oração eucarística. O coro canta "Sanctus" em tom triunfal:

Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus Sabaoth, o céu e terra estão cheios de sua glória.
Hosana nas alturas.

Um pouco antes após a Pequena Entrada, durante a primeira parte da Liturgia* (liturgia dos
catecúmenos), um hino de louvor é cantado igualmente após a oração ao longo da qual o
padre diz: Mestre e Senhor, nosso Deus, Tu que firmastes no céu... etc.

Esta louvação é o Trisagion: "Deus Santos, Santos Forte, Santo Imortal, tem piedade de
nós." Este canto no sentido trinitário forte, de uma louvação a Deus três vezes Santos, a
Deus Uno em Três Pessoas, em todas as horas e modelos de orações. Faz parte também de
um rito fúnebre, pois ele traduz o triunfo da vida eterna sobre a morte e anuncia a
Ressurreição.

Santuário.

De uma palavra latina que significa: "lugar santo." O templo de Jerusalém era composto de
três partes correspondendo respectivamente ao nartex (ou parte exterior), à nave e ao
santuário de nossas igrejas.

Às vezes chama "santuário" a todo edifício da igreja. Contudo esta palavra se aplica
precisamente à parte da igreja situada atrás da iconostase,* trata-se do lugar santo onde se
realiza o sacramento eucarístico. Encontra-se habitualmente na parte oriental do edifício, de
tal forma que a igreja fique voltada para o Oriente. Léonide; Ouspensky, em seu livro sobre
a Teologia do ícone (op. cit. pg. 27), sublinha a esse respeito que:

Isto se explica por sua vez pelo passado e pelo futuro que nos lembra a Igreja, de um lado o
paraíso perdido que se encontrava no Oriente, de outro lado e sobretudo, o acontecimento
que virá do Reino para o qual é orientado toda a vida do cristão; o Reino de Deus é
freqüentemente... chamado o oitavo dia da criação. A vinda desse "dia sem declínio" que
esperamos e que preparamos, seu nascimento, é simbolizado pelo nascer do sol, o Oriente.

O altar* está colocado no meio do santuário diante das portas reais. À esquerda do altar e
um pouco mais distante está a mesa chamada de proscomídia,* onde se faz a preparação do
sacrifício eucarístico (ver Eucaristia.). Estão também dentro do santuário, um candelabro de
sete braças, um trono destinado ao bispo, e o necessário para lavar as mãos.

O santuário reservado ao clero e aos que ali precisam fazer um determinado trabalho,
representa simbolicamente o santuário celeste onde Cristo entrou, "o sumo-sacerdote" (Heb
9:11), a morada de Deus, o "lugar onde Cristo, Rei de todas as coisas, reina com os
Apóstolos" (São Germano). Ali são colocados numerosos ícones de acordo com as
possibilidades; os de Cristo, da Mão de Deus Orante, da Comunhão dos Apóstolos, do
Pentecostes, dos Santos Padres, os Santos Hierárquicos e os Santos Diáconos.

Quando as portas reais se abrem durante a Liturgia,* e durante toda a semana pascal, isto
indica que o próprio céu se entreabre e nos deixa entrever seu esplendor.

A idéia que encontramos na primeira epístola de São Pedro, segundo a qual o povo de Deus
constitui um templo que se edifica e onde é oferecido "sacrifícios espirituais" (1Ped. 2:5),
nos lembra como diz São Paulo (Efe. 2:20-22) que em Deus somos assim integrados à
construção deste templo de Deus vivo, "edificados para morada de Deus em Espírito."

Assim, nosso coração, imagem do santuário da igreja é o lugar onde prestamos um culto
interior e um sacrifício a Deus.

Segunda Vinda.

Ver Parusia.

Serafins.

Os anjos dividem-se tradicionalmente em várias categorias, entre elas encontra-se os


Serafins. O termo "Serafim" vem de uma palavra hebraica que significa: "espírito celeste,"
"aquele que queima," "boca de fogo" (São João Crisóstomo, Sobre a Incompreensibilidade
de Deus, S.C. n° 28). Para Denis o Aeropagita, o que revela o nome dado aos Serafins é o
poder que eles tem de elevar, e de iluminar com a Luz divina, os que estão abaixo dele:
"lhes inflamando de forma que tenham o mesmo calor que eles mesmos, sua virtude
purificadora semelhante à do (...) holocausto. (A hierarquia celeste, S.C. nº (58).
Quando cantamos à Mãe de Deus: "Tu (...) incomparavelmente mais gloriosa que os
Serafins," é em seu caráter luminoso que podemos pensar, pois foi ela que fez brilhar "o Sol
de Justiça" (matinas da Natividade) e que é vista como uma "lâmpada luminosa" e uma
chama de "brilho múltiplo" (sétima ode das matinas da Anunciação).

Setenta.

A tradução grega do antigo Testamento dita dos Setenta (LXX), data de mais de dois mil e
duzentos anos e é utilizada (retraduzida em outras línguas) na maioria das Igrejas
Ortodoxas hoje em dia. Ela foi feita para colocar a mensagem bíblica ao alcance do mundo
grego, aproximadamente no século III antes de Jesus Cristo, a partir do hebreu, por setenta
e dois judeus do Egito.

Para os Padres da Igreja e para os autores do Novo Testamento, é a versão dos Setenta que
é o texto autêntico por excelência, ao qual eles se referiam habitualmente. Mas, eles,
recorriam freqüentemente também ao texto hebreu. Desta forma, o elo que une a versão dos
Setenta ao Novo Testamento, aos Escritos dos Padres da Igreja e aos textos litúrgicos,
explica o lugar que ela ocupa na tradição ortodoxa.

Ver também Escritura.

Símbolo.

O símbolo é uma realidade no mundo visível que corresponde e é ligada a uma outra
realidade — maior — às vezes também visível, às vezes invisível, mas sempre além do que
está sendo representado, e que o símbolo torna presente. Seu sentido é inesgotável. É uma
realidade viva, não apenas uma imagem alegórica, mas uma verdade misteriosa que deve
nos ajudar a nos transformar, incitando-nos a ir em direção ao que está sendo simbolizado,
e a nos unir a ele. Exemplo de símbolos: o Sol de Justiça* (o Senhor), a Sarça Ardente (a
Mãe de Deus).

L. Ouspensky escreveu:

A cruz (...) em aritmética é apenas um sinal que indica adição, no código de transito ela
anuncia o cruzamento de duas estradas, mas para nós cristãos, é um símbolo onde se
exprime e se transmite o conteúdo inesgotável do cristianismo (Essai sur Ia Théologie de
l'ícone dans l'Eglise ortodoxe, Paris, op. cit. pg. 18).

Símbolo Da Fé.

Ver Credo.

Sinédrio.

Tribunal composto de sacerdotes, anciãos e escrivãs, que dirigiam Jerusalém e julgavam os


assuntos criminais.
Sinergia.

"Colaboração" entre a graça divina e o ato livre do homem no caminho em direção a Deus.

Ver Graça e Theotokos.

Sinópticos. (Evangelhos)

São os três Evangelhos, segundo São Mateus, São Marcos e São Lucas, muito diferentes do
Evangelho de São João, eles apresentam entre si tantas semelhanças que podem com
freqüência serem alinhados em colunas e confundidos quando "vistos de relance," que é o
significado da palavra de origem grega "sinóptico."

Somente São Mateus era apóstolo; mas logo nos primeiros séculos reconheceu-se que os
Evangelhos de São Marcos e São Lucas refletem, respectivamente, a catequese de São
Pedro e São Paulo. O Evangelho de São Mateus foi redigido em aramaico, a língua falada
na Judéia na época de Cristo. Os outros dois foram escritos em grego.

Sobornost.

Ver Católica.

Sol De Justiça.

Cristo é o Sol que se levanta sobre a nova criação, é o "Sol da Justiça" que salvação trará
debaixo das suas asas" (Mal. 4:2). "E eis que a glória do Deus de Israel vinha do caminho
do oriente" (Eze. 43:2). No cântico de Zacarias, São Lucas (Luc. 1:78-79), citando Isaías
(Isa. 9:1 e 42:7), chama cristo "o Oriente do alto nos visitou; para alumiar aos que estão
assentados em trevas e sombra de morte."

São Simeão o Novo Teólogo escreveu:

O que é o sol para o mundo visível e sensível, Deus O é para o mundo invisível e
inteligível.Este sol aqui "brilha sem cessar (...) presente inteiro por toda a parte," "Ele é
chamado o Sol de Justiça."

Sumo-Sacerdote.

Ver Sacerdote e Templo.

T
Tábuas Da Lei.
Alguns meses após a saída do Egito, o povo de Israel chegou no deserto aos pés do Monte
Sinai. Foi no cume desta montanha que Deus revelou a Moisés as Leis de Sua Aliança,* e
lhe entregou as Tábuas de pedra sobre as quais elas estavam gravadas (Êx. 24:12).

Quando Moisés desceu a montanha com as duas Tábuas — chamadas Tábuas da Lei ou do
Testemunho — encontrou o povo adotando uma estátua de um bezerro esculpido em ouro;
jogou as Tábuas longe quebrando-as em pedaços, antes de destruir o ídolo. Em seguida ele
pediu perdão por seu povo, e Deus lhe disse: "Lavra-te duas tábuas de pedra, como as
primeiras; e eu escreverei nas tábuas as mesmas palavras que estavam nas primeiras tábuas,
que tu quebraste (Êx. 34:1)." Era preciso que o povo fosse educado; lhe foi dado um
pedagogo: a Lei. Aceitando a Lei, o povo se entrega a Deus.

Templo.

O primeiro Templo de Jerusalém foi construído pelo Rei Salomão (1Reis 6:2) para
substituir o Tabernáculo. que o povo havia transportado durante o Êxodo, do Egito à Terra
Prometida, para abrigar a Arca da Aliança. que continha as Tábuas da Lei.*

O lugar onde Deus devia se manifestar no último dia, o Templo, foi construído sob a
autoridade do Sumo-Sacerdote* que presidia o Sinédrio, assembléia de setenta membros,
sacerdotes e leigos. Para o povo judeu havia somente um só Templo e várias "sinagogas,"
lugar de assembléias religiosas, de orações e de ensinamento.

O Templo, onde ocorriam os sacrifícios compunha-se de três partes: o oulam, o hékal e o


débir, que correspondem respectivamente ao nartex (ou coro exterior), a nave e ao santuário
de nossas igrejas.

Após a Encarnação,* Cristo é para nós o verdadeiro Templo, uno com Sua Igreja que é Seu
Corpo onde nós somos membros. Por esta Encarnação e nosso batismo, cada um de nós é,
como nos lembra São Paulo, "Templo do Espírito Santo que habita em vós provenientes de
Deus" (1 Cor. 6:19).

Ver também Sacerdócio.

Tenda de Reunião.

Lemos no Livro do Êxodo (Êx. 25 a 36) que Deus deu a Moisés instruções muito precisas
para a construção de uma Tenda de Reunião, sem mobiliário, a investidura dos padres, a
consagração do altar e todas as prescrições rituais do culto do povo de Israel. Essa Tenda,
na qual se colocava a Arca contendo as Tábuas da Lei durante o êxodo, prefigurava o
Templo que Salomão iria construir e tornou-se o modelo de nossas igrejas. A Tenda de
Reunião era sempre montada fora do acampamento e quando Moisés entrava nela, a coluna
de fumaça, que sombreava o dia e iluminava durante a noite, e que guiou o povo no deserto,
descia e ficava na entrada da Tenda onde Deus conversava com Moisés.

Tentação.
Certas versões do "Pai Nosso" comportam essas palavras: "Não nos deixeis cair em
tentação." Outras versões: "Não nos submeta à prova." Existe pois uma ligação direta entre
tentação e prova.

Nos sucumbimos à tentação quando, como o primeiro Adão, acolhemos os conselhos do


maligno que nos insinua a desobedecer os Mandamentos de Deus. Assim fazendo, não
seguimos o exemplo de Cristo que no deserto, afrontou vitoriosamente a tentação (Mat.
4:1-11).

Deus criou o homem livre. Assim somos livres para sucumbir ou resistir à tentação. Esta é a
prova. Mesmo quando sucumbidos, ainda somos livres para voltarmos a Deus num humilde
arrependimento e sermos salvos. Para nós as tentações tomam cotidianamente a forma de
inveja, mentira, avareza, gula, julgamento, orgulho, falta de amor, e também preguiça e
desencorajamento. Somos livres para ceder às tentações ou — com a ajuda de Deus —
resisti-las, sabendo que sucumbir significa nos afastar, nos isolar de Deus e do nosso
próximo, esquecer que, somente somos pessoas verdadeiras em relação (em comunhão)
com Deus e com os outros. Não cedamos jamais ao desespero pois, como diz São Paulo,
com a tentação Deus nos dá o meio de sair dela e a força para suportá-la. "Não veio sobre
vós tentação, senão humana (1 Cor. 10:13).

São Tiago em sua Epístola nos diz "Feliz o homem, que suporte a prova!" A tentação não
vem de Deus:

"Ninguém, sendo tentado, digas De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado
pelo mal, e a ninguém tenta. Mas cada um é tentado, quando atraído e engodado pela sua
própria concupiscência" (Tg. 1:13-14).

A Igreja, seus sacramentos e todas suas orações, estão aqui para nos ajudar pela graça a
resistir as armadilhas das tentações e, quando caímos, ajudar nos levantar. Lembremo-nos
que Cristo, que também foi tentado, "pode socorrer aos que são tentados" (Heb. 2:18; 4:15).

Ver também Ascese.

Teofania.

Esta palavra significa: "manifestação" ou "aparição de Deus." Várias passagens do Antigo e


do Novo Testamento nos dizem que Deus é invisível, inacessível para os seres criados.
Outras, de fato, nos recomendam procurar a face de Deus. Nós devemos aceitar juntas estas
duas verdades aparentemente contraditórias e lembrarmo-nos do texto evangélico que diz
que só se conhece o Pai através do Filho "e aquele a quem o Filho O quiser revelar" (Mat.
11:27).

A vida em Igreja, com suas festas e seus textos litúrgicos, nos ajudam nesse caminho. De
fato, Teofania, que significa manifestação de Deus, e o nome da grande festa do Batismo do
Senhor, celebrada a 6 (19) de Janeiro. Este Batismo de Jesus não é somente Sua
manifestação no mundo como Cristo, como Filho de Deus. Ele é também "Teofania," pois
revela o mistério da Trindade,* Pai, Filho e Espírito Santo.

"Aquele que tem ele só, a imortalidade e habita na luz inacessível," como diz São Paulo (1
Tim 6:16), é a glória na qual Deus apareceu aos justos do Antigo Testamento, é a luz eterna
que, penetrando a humanidade de Cristo, tornou visível aos apóstolos Sua divindade por
ocasião da Transfiguração, esta indizível Teofania.

Nós encontramos no Antigo Testamento numerosas "Teofanias." E frequentemente coma


aparição de um anjo que Deus Se põe a serviço do homem (Gên. 16:7-14); 18). Deus
permanece invisível, porém Sua presença é assinalada, como no episódio do combate de
Jacó com Deus (Gên 32:23-33). Para Moisés, foi de início sob o aspecto da sarça ardente
(Êxo. 3:1-7) que Deus se manifestou antes de Se revelar "de costas" sobre o Monte Sinai
(Êx. 33:18-23). A presença de Deus Se manifestou a Elias como uma "voz mansa e
delicada" (1Reis 19:12).

Teologia.

Os dicionários nos dizem que a teologia é uma ciência que tem Deus e a religião como
objetivo. Esta é uma definição que pode nos deixar perplexos, pois ela parece querer dizer
que Deus pode ser estudado cientificamente, como são estudados os fenômenos naturais,
por exemplo.

É verdade que a teologia existe, assim como os teólogos, já ouvimos falar muito a respeito.
É igualmente verdade que temos necessidade de guias e instrutores nesse campo como em
outros. Conhecemos os nomes de teólogos do passado longínquo ou próximo e do presente
e muitos deles são reconhecidos pela Igreja como dignos de nossa veneração e de nossa
confiança. Tentemos compreender o que é a verdadeira teologia e o que são os verdadeiros
teólogos no sentido mais justo e mais vasto do que o que é dado pelos dicionários?

De início lembremos que o nome "teólogo" foi dado pela Igreja para três pessoas: São João
Evangelista, São Gregório de Nazianzo e São Simeão, o Novo Teólogo. Isto não significa
que os outros não foram ou não são teólogos, isto é evidente, mas estes três santos têm
valor como exemplo, para nos revelar que a teologia não é uma ciência intelectual, uma
especulação racional, mas a aproximação de um conhecimento que deve nos transformar. A
verdadeira sabedoria, diz São Gregório de Nazianzo, procede da forma dos apóstolos e não
de Aristóteles" (quer dizer dos filósofos). Um teólogo contemporâneo francês escreveu o
seguinte:

(...) a verdadeira teologia é a alegria da Páscoa. De século em século, a teologia é renovada


pelos "homens apostólicos" que vivem por completo a experiência da Igreja e vêem Cristo
ressuscitado como São Paulo no caminho de Damasco ou São João em Patmos (O.
Clement, Dialogues avec le patriarche Athénagoras, Paris, Fayard, 1969, pg. 250).

Talvez compreendemos um pouco melhor esta frase das vésperas do Domingo de São
Tomé: "Ó maravilha inaudita, São João repousa sobre o peito do Verbo (...) dali tira com
temor as profundezas da teologia. Por fim esta outra frase que nos concerne a todos; "Se tu
és teólogo, tu oras verdadeiramente e se tu oras verdadeiramente tu és teólogo (Evágrio)."
Vladimir Lossky cita este adágio e acrescenta que a teologia é a contemplação da
Santíssima Trindade e a oração (V. Lossky, La Vision de Dieu, Neuchâtel, Delachaux et
Niestlé, pg. 88).

Assim, se a teologia é um conjunto de conhecimentos, ela é também oração e experiência


viva. Ela está a serviço do homem inteiro em seu caminho em direção a união com Deus
pessoal. é um serviço da Igreja e não um exercício de reflexão privada sobre Deus. Trata-se
pois de algo que deve servir a um fim que ultrapassa todo conhecimento: "Este fim último é
a união com Deus ou deificação* (V. Losskg, Theologie Mustigue de l’Eglise d’Orient. op.
cit. pg.7).

Terra Prometida.

Quando Deus fez uma aliança com Abraão, Ele prometeu-lhe, uma posteridade numerosa e
a posse da terra de Canaã, a Terra Prometida.

Após muitas vicissitudes (o povo de Israel era então escravo no Egito) Deus veio e disse a
Moisés: "Eu te enviarei para que tires o meu povo (os filhos de Israel) do Egito" (Êx. 3:10-
12) e acrescentou: "Eu serei contigo. O povo de Israel, cajado na mão, partiu em direção à
Terra Prometida. E fez a passagem — a Páscoa — das terras do Egito através do Mar
Vermelho e do deserto.

Nós também somos peregrinos e nossa Terra Prometida é a Jerusalém celeste, nossa pátria
espiritual, construída de "pedras vivas" (1Ped 2:5) e as portas aqui são as portas da Igreja
que nos mostra o caminho. E esta Nova Jerusalém, esta nova criação, céus novos e terra
nova, que nos promete o Apocalipse.

(...) "e nela estará o trono de Deus e do Cordeiro e os seus servos o servirão. E verão o seu
rosto, e nas suas testas estará o seu nome" (Apoc. 22:3-4).

Tetrarca.

De "Tetrarquia," de suas palavras gregas que significam: "quatro" e "comandar." O tetrarca


era o chefe, o governador de uma região. Herodes era o tetrarca da Galileia, uma das quatro
divisões romanas da Palestina. Foi com o título de tetrarca romano que ele julgou Cristo.

Theotokion.

Tropário ou estiquério colocado no fim de uma série e dirigido à Mãe de Deus. O


theotokion é, às vezes, um simples louvor à Mãe de Deus; ele pode também conter um
desenvolvimento dogmático sobre a Encarnação, como é o caso, por exemplo, no fim dos
estiquérios do lucernário nos ofícios da Ressurreição.

Theotokos.
De uma palavra grega que significa: "aquela que pariu Deus." A Igreja Ortodoxa venera a
Virgem Maria, que ela chama de Mãe de Deus, numa profunda devoção partilhada por
todos os fiéis. O lugar que lhe é reservado é único, acima de qualquer outro ser criado.
Existe uma concordância completa nesta veneração, os textos litúrgicos e os dogmas se
reportam ao que tange o mistério da Encarnação* do Verbo de Deus.

Quando os Padres do Concílio de Efésio (431), respondendo às teses heréticas de Nestórius,


afirmaram que Maria é Mãe de Deus porque ela deu à luz "o Verbo de Deus Se fez carne"
(João 1:14), eles salvaguardaram a unidade da Pessoa* do Filho de Deus tornado Filho do
homem. A Virgem carregou Aquele que é por sua vez verdadeiro Deus e verdadeiro
homem.

Foi no Concílio de Constantinopla (553) que o título sempre Virgem lhe foi concedido. O
título de toda Santa não é causa de nenhuma definição dogmática, mas é utilizado por toda
a Igreja que a chama: "Toda Santa, imaculada, bendita e gloriosa soberana, Mãe de Deus e
sempre Virgem Maria."

Ela é santa, não em virtude de uma exceção ao destino de toda a humanidade, mas porque
ela manteve-se pura de toda tentação do pecado. Toda a história sagrada do Antigo
Testamento, por suas eleições sucessivas, suas bênçãos e suas purificações, é como uma
preparação d' Aquela que deveria livremente emprestar sua natureza humana para que a
Encarnação pudesse se realizar. A Virgem é dita toda imaculada, não por sua concepção
que lhe transmitiu, como a todos os homens, a mortalidade hereditária, mas por sua
purificação pessoa, auge de toda santidade.

A noção de liberdade é importante: assim como Deus se encarnou voluntariamente, Ele


quis que Sua Mãe Lhe desse a luz de sua própria vontade. Maria, por seu livre
consentimento, é o exemplo supremo de cooperação entre Deus e a liberdade do homem
(sinergia.). Foi por isso que os Padres disseram que a Encarnação não foi apenas obra do
Pai; do Verbo e do Espírito Santo, mas também da Virgem Maria. Sua santidade fez dela a
eleita, seu consentimento fez dela a Mãe de Deus.

Assim a Mãe de Deus desempenha um papel único em nossa salvação.* Alguns ícones no-
la mostram no meio dos discípulos, do dia do Pentecostes, recebendo com eles o Espírito
Santo comunicado a cada um numa língua de fogo.

Aquela que pelo Espírito Santo, recebeu em suas entranhas a Pessoa Divina do Filho,
recebe por sua vez o Espírito Santo enviado pelo Filho (...) ela participa da glória de seu
Filho, reina com Ele; preside, por Sua vez, do destino da Igreja e do mundo que se
desenrola no tempo, intercede por todos junto d'Aquele que virá julgar os vivos e os mortos
(V. Lossky, A l'Image et a Ia Ressemblance de Dieu, op. cit. pg. 204 et 208).

Tom.

O tom é a melodia, sobre o qual deve ser executada uma peça litúrgica. Existem oito grupos
de melodias chamados tons. A cada tom corresponde um conjunto de textos litúrgicos
destinados a serem cantados sobre as melodias pertencentes a esse tom. Esses textos são
utilizados cada dia da semana nos diferentes ofícios (menos nos dias de festas). Cada tom é
utilizado durante uma semana do domingo ao sábado seguinte, após o que ele cede lugar ao
tom seguinte.

O conjunto desses textos cobre assim um período de oito semanas e está reunido num livro
litúrgico chamado "Octoechos" (do grego octo= "oito," e echos: "melodia" ou "voz"). Nos
períodos de festa, o Octoecho é substituído pelos textos próprios à festa.

Tradição.

A tradição é a transmissão da vida em Cristo, da fé dada por Cristo à Seus apóstolos e vive
desde então de geração em geração. Foi ela que reteve o cânone* das Escrituras, foi ela que
expressou o Credo,* as definições dos Concílios ecumênicos; foi ela que se manifestou em
alguns escritos patrísticos, nos cânones, na vida litúrgica, nos santos ícones, na vida dos
Santos* de Deus.

Os teólogos ortodoxos sublinham que deve-se distinguir entre a Tradição e as numerosas


tradições que revelam unicamente os costumes humanos, e que têm apenas uma
importância muito relativa. Não é fácil fazer esta distinção. Estejamos atentos.

Georges Florovsky escreveu:

A Tradição é o testemunho do Espírito, a revelação incessante e o incessante anúncio de


boas novas (...) Ela não é apenas uma memória verbal, mas ela é a morada eterna do
Espírito.

Para Santo Irineu, a Santa Tradição como "transmissão da verdade não é uma memória
histórica (...), ela é a memória da Igreja interior."

A Santa Tradição completa a Santa Escritura no sentido, que ela preserva a integridade da
mensagem bíblica (...) Pela expressão "Santa Tradição," nós queremos traduzir a vida
inteira da Igreja no Espírito Santo (Declaração comum anglicano-ortodoxa, 2 de agosto de
1976, Moscou).

É verdade que a Tradição é vida. Não se trata de repetir o que os Padres da Igreja*
disseram, mas devemos limitar seu trabalho de discernimento criado e sua abertura aos
problemas de sua época. Assim, a Tradição muda não em seu conteúdo essencial, que
permanece sempre o mesmo, mas nas expressões que ela deve encontrar para ser entendida
pelos homens de cada geração.

A verdadeira e santa Tradição, segundo Philareto de Moscou, "não consiste apenas em uma
transmissão visível e verbal dos ensinamentos, das regras, das instituições e ritos, mas ela é
ao mesmo tempo uma comunicação invisível e atual de graça e santificação, portanto
sempre viva.
De fato, a Tradição cristã autentica não é simples lembrança e respeito do passado. Se ela
mantém viva a memória do passado, é porque nele se prepara o futuro. Sem esta dimensão
dinâmica, esta abertura escatológica,* a Tradição só seria saudosismo, fuga, refugo da
história, arqueologia... Como a Liturgia Eucarística,* a Tradição não se limita apenas a
fazer memória do passado: ela prepara, espera e antecipa o futuro.

***

Recomendamos, para aqueles que querem se aprofundar nesta questão, o capítulo intitulado
"A Tradição e as tradições" no livro de Vladimir Lossky, A l 'Image et a Ia Remblance de
Dieu, Aubier-Montaigne, 1976.

Transcendência.

Deus tendo criado todas as coisas a partir do nada (ex nihilo) por Sua vontade, é
essencialmente diferente de Suas criaturas. Quando dizemos que Deus é absolutamente
transcendente, queremos afirmar que, em Sua essência,* Ele está acima e além de toda
explicação, de todo conceito, de toda noção de tempo e de espaço, fora de nosso
conhecimento, de nossa compreensão. Ele é o que Ele é, Ele é aquele que é (YHWH; Êx.
3:14).

A linguagem utilizada pelos teólogos quando eles se referem a este aspecto de Deus é o da
via apofática, quer dizer negativa, pois ao se falar d 'Aquele que está além de tudo o que
Ele fez não se pode separar todas as imagens, todos os qualificativos. Assim diz-se que
Deus em Sua essência não é participável, não é conhecível, etc.

Mas Deus Se nos revelou pela Encarnação* e os homens viram o Filho de Deus, verdadeiro
Deus tornado verdadeiro homem. Aliás, a ortodoxia distingue entre a essência de Deus —
imparticipável — e Suas energias,* que são o próprio Deus e das quais podemos participar
pela graça deificante. E a via catafática, ou seja afirmativa, que indica a presença de Deus
em todas as coisas criadas e suas relações com elas.

As duas vias são necessárias, uma vez que Deus transcendente é também Aquele que se
comunica a nós em Suas energias, que Se nos revelou pela Encarnação,* que está presente
em tudo e enche tudo. Devemos compreender em conjunto estas verdades aparentemente
contraditórias.

Tribos de Israel.

Uma tribo é de um modo geral, um clã, um agrupamento de famílias sob a autoridade de


um chefe único. No Antigo Testamento, o termo "Israel, que foi a origem do novo nome de
Jacó após seu combate com o Anjo (Gên. 32:23-33), tornou-se por extensão o nome do
povo judeu. Esta nação tem como estrutura as doze tribos, recebendo cada uma o nome de
um dos doze filhos de Jacó e seus descendentes (Gên. 35:23).
Lemos ao final do livro do Gênesis que antes de morrer o patriarca Jacó reuniu seus doze
filhos — que iriam daí em diante transformar as doze tribos de Israel num grande povo — e
os abençoou de forma magnificamente profética (Gên. 49).

Alguns estudiosos estabeleceram um paralelo entre a constituição do povo de Deus pelas


doze tribos de Israel, conclusão do livro do Gênesis (livro do começo) e a instituição dos
doze apóstolos, fundamento da Igreja no Novo Testamento (ver Mat. 19:28).

Tríduo Pascal.

Ver Paixão.

Trindade.

O dogma da Trindade: um só Deus em três Pessoas* — Pai, Filho e Espírito Santo -, três
Pessoas em uma só Essência* (ou natureza), este é o fundamento inabalável da fé cristã. A
Pessoa do Pai, sem origem, não procede de nada, é a força à Essência divina. O Filho
nascido do Pai antes de todos os séculos. O Espírito procede do Pai de toda a eternidade..

A Trindade Santa "consubstancial e indivisível" é o mistério* da unidade da diversidade, da


diversidade na unidade — o que os teólogos chamam "identidade-distinção" pois, as três
Pessoas são "unidas sem confusão, distintas, entretanto não divididas: Três luzes numa só,"
"sol único de brilho triplo."

Cada uma das três Pessoas (hipostases) habita nas outras duas num eterno movimento de
comunhão e de amor (pericorese). Seu amor é um mesmo amor, sua força uma única força,
sua energia uma única energia. Todo ato divino é pois um ato do Pai, do Filho e do Espírito
Santo.

O mistério da Trindade que está além do entendimento e crucifica de certa forma o


pensamento humano, tem uma importância concreta para cada cristão, sua vida e sua
experiência. De fato, o homem foi criado à imagem da Trindade: cada homem é uma
pessoa que só encontra sua plenitude no amor e na comunhão com Deus e com os outros
homens. Ele deve estar consciente de sua unidade com os outros e aceitá-los em sua
diversidade, estimando "após Deus, todos os homens como Deus" (São Nilo, o Sinaíta).

Triódio.

Esta palavra significa literalmente "cânone* com três odes." Estes cânones encontram-se
nos livros litúrgicos aos quais deram-se os seguintes nomes:

1) Triódio da Quaresma*: esse livro contém todos os textos relativos à Quaresma e ao


período que a precede, assim como da Semana Santa. A característica dominante desses
textos é seu aspecto penitencial, a Quaresma que é proposta aos fiéis para que eles se
purifiquem e se preparem para as solenidades da Paixão e da Ressurreição do Salvador.
2) Triódio pascal ou pentecostal: encontra-se aí os textos utilizados entre a Páscoa e o
domingo que se segue ao Pentecostes (nele se encontram essas duas festas). Os textos
exprimem antes de tudo a alegria da Ressurreição do Salvador, que torna possível a
ressurreição do gênero humano. Os diversos temas evocados ao longo desse período
esclarecem, cada qual à sua maneira, o mistério da Redenção e da Salvação, onde a obra se
completa com a Ascenção e o Pentecostes.

Trisagion.

Ver Santo, Santo, Santo.

Tropário.

Estrofe curta poética, que entra na composição de todos os ofícios litúrgicos. A seguir, os
tipos principais:

1) Cada festa ou memória de santo possui um tropário próprio, chamado tropário do dia ou
apolitikion (de uma palavra grega que significa despedida, pois este tipo de tropário é
cantado entre outras ocasiões ao final, das vésperas e das matinas). O tropário do dia
resume o essencial dos temas evocados na celebração da festa, mencionando eventualmente
um ou vários aspectos teológicos.

2) Os tropários são intercalados entre os versículos e as odes* bíblicas do cânone das


matinas.

3) Intercala-se igualmente tropários entre os versículos dos salmos do lucernário, das laudes
e dos apósticos: os tropários tomam então o nome dos estiquérios.

4) Os "tropários dos catismas" seguem as leituras dos salmos e permitem lhes pontuar. Eles
também são chamados "catismas poéticos" ou "sedalene" (de um termo eslavônico), ou
ainda simplesmente "catismas."

5) Certas leituras tiradas das profecias do Antigo Testamento são precedidas de uma estrofe
chamada "tropário da profecia," que indica brevemente o sentido da leitura.

V
Verbo.

Verbo significa palavra (verbum, em latim; logos, em grego). Sempre ao longo do Antigo
Testamento, o Deus vivo falou aos homens. Ele Se dirigiu de diversas maneiras aos homens
escolhidos, os profetas.* O Novo Testamento nos revela que, para nossa salvação, Deus Se
fez homem. Sua Palavra, Seu Verbo eterno, Se fez carne.
O Filho único de Deus, Jesus Cristo, é este Verbo. Enquanto Verbo, Ele é a Palavra
criadora "por quem todas as coisas foram feitas" como confessamos no Credo* (ver
também o Salmo 32(33), e Jo. 1:3). Ao encarnar, o Verbo se dirige diretamente a nós.
Aquele que recebe Cristo guarda em si a Palavra de Deus. O próprio Cristo o confirma:
"Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a executam (Luc.
8:21; 11:28)."

É pelo Evangelho de São João que sabemos que o Verbo, a Palavra, não é alguma coisa,
mas Alguém, "um da Trindade Santa," o Filho.

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (...) e vimos a
Sua Glória,* como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade (Jo. 1:1 e 14).

Vigília.

Chama-se de vigília a véspera de uma grande festa, mas esse termo designa mais
precisamente a celebração litúrgica que tem lugar nesse dia, e deve começar ao final da
tarde para se prolongar pela noite e se completar com a Liturgia eucarística,* na manhã do
dia da festa.

A prática russa evoluiu para uma celebração desse ofício muito abreviada, a véspera da
festa ao final da tarde e a Liturgia eucarística se realizando na manhã do dia da festa. O
ofício da vigília se compõe da véspera e da matina em sua forma festiva, esses dois ofícios
sendo reunidos em um só. Todas as partes móveis são consagradas a festa, para constituir
desta forma uma celebração solene e iluminosa, misturando freqüentemente louvor e
desenvolvimentos teológicos.

FIM

Folheto Missionário número P112

Copyright © 2001Holy Trinity Orthodox Mission

466 Foothill Blvd, Box 397, La Canada, Ca 91011

Redator: Bispo Alexandre Mileant

(vocabulario_teologico_orthodoxo.doc, 12-17-2002)

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