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Alquimia

Conta a lenda que o filósofo e alquimista árabe Averróis enterrou um


raio de sol sob a primeira coluna à esquerda da mesquita de Córdoba,
acreditando que, transcorridos oito mil anos, ele se converteria em ouro.
A alquimia foi uma atividade pré-científica que visava alcançar uma
melhor compreensão do cosmo, da matéria e do homem. Em particular,
através do conhecimento da natureza da matéria, os alquimistas
visavam transformá-la e transmutar metais de pouco valor em ouro e
prata.
Características da alquimia. Segundo os alquimistas, através de certas
técnicas, que envolviam ciência, arte e religião, seria possível conseguir
a transmutação de uma substância em outra. Por haverem desenvolvido
e utilizado diversos procedimentos de laboratório, a alquimia foi uma
atividade precursora da química, que lhe deve a descoberta de inúmeras
substâncias e a invenção de grande variedade de instrumentos, que
mais tarde desempenhariam papel de destaque no domínio da
metodologia científica.
A teoria da transmutação baseava-se na interpretação dada pela
filosofia clássica grega à composição da matéria. Na época de
Aristóteles, acreditava-se que toda substância compunha-se de
diferentes proporções dos quatro elementos fundamentais: água, ar,
fogo e terra. A partir desse princípio, os alquimistas desenvolveram seu
postulado fundamental: "A matéria é única e pode sofrer transmutações
mediante a variação das proporções entre seus componentes." Os
alquimistas acreditavam também na existência de uma substância capaz
de provocar essa transmutação, denominada elixir (do árabe al-iksir,
"pó seco") ou pedra filosofal. A essa substância eram atribuídas outras
propriedades, tais como o poder curativo e de rejuvenescimento, razão
pela qual recebia também o nome de "elixir da vida" ou "panacéia
universal".
Entretanto, os alquimistas medievais tinham mais interesse nos poderes
de transmutação da matéria atribuídos à pedra filosofal, uma vez que,
se alcançada, essa técnica possibilitaria o fácil acesso à riqueza. Nicolas
Flamel, tabelião e alquimista francês do século XIV, acumulou tamanha
riqueza que seus contemporâneos imaginaram que ele houvesse
finalmente descoberto o princípio do elixir da vida. Segundo a lenda,
Flamel teria sonhado com um livro oculto, que revelava os segredos da
"grande arte". O alquimista teria se dedicado à busca desse livro e,
depois de encontrá-lo, o decifrara com a ajuda de um erudito judeu,
conseguindo assim a transmutação de substâncias de pouco valor em
ouro.
O empenho com que se dedicaram à busca do ouro fez com que alguns
alquimistas obtivessem muito poder; outros, porém, foram perseguidos.
Na segunda metade do século XVI e no começo do XVII, Praga
transformou-se no principal centro da prática da alquimia. Os
imperadores Maximiliano II e Rodolfo II deram respaldo à obra de
alguns alquimistas, e este último chegou a conceder título de nobreza ao
alquimista alemão Michael Maier. Menos sorte teve o inglês Edward
Kelly, encarcerado por ordem do próprio Rodolfo II.
De maneira geral, o cristianismo se opôs à prática da alquimia, que
considerava pagã. O próprio arcebispo de Praga foi perseguido pelo
Concílio de Constance no século XV, e em 1530 foi promulgado em
Veneza um decreto que condenava à morte os alquimistas. Devido a
essas perseguições e a fim de manter em segredo suas descobertas, os
alquimistas passaram a utilizar uma linguagem rica em símbolos e
metáforas, só acessível aos iniciados. Era comum publicarem obras com
pseudônimos ou atribuírem-nas a pessoas de reconhecido prestígio,
como santo Alberto Magno, santo Tomás de Aquino ou Roger Bacon.
Ao lado dos alquimistas que se empenharam honestamente em alcançar
a pedra filosofal, houve aqueles que recorreram a fraudes como meio de
obter dinheiro, fama e poder. Não era incomum construírem caixas de
fundo falso, onde o ouro era escondido, aparecendo no momento
oportuno, ou branqueá-lo com mercúrio, recuperando depois seu brilho
por meio de calcinação.
Histórico. A prática da alquimia teve início em tempos remotos na Índia,
na China e na Europa. Certas características comuns parecem apontar
uma mútua influência entre os antigos alquimistas chineses e hindus.
Em ambas as culturas, o objetivo fundamental da alquimia não era a
obtenção de ouro, mas sim o prolongamento da vida. Por conseguinte,
nas civilizações orientais, a alquimia estava ligada mais de perto à
medicina que à química.
Ainda se discute a origem das idéias alquímicas. Enquanto alguns
estudiosos defendem o desenvolvimento independente da alquimia na
Índia e na China, outros consideram a possibilidade da transmissão de
conhecimentos de uma dessas culturas para a outra. Os Vedas, textos
sagrados hindus, fazem referência a uma provável relação entre o ouro
e a longevidade. Os chineses, por sua vez, um século antes de Cristo,
acreditavam ser possível alcançar a imortalidade através da ingestão de
uma bebida de ouro, devido à resistência desse metal à corrosão.
A alquimia européia baseou-se na astrologia (a palavra "alquimia" foi
empregada pela primeira vez no tratado astrológico de Julius Maternus
Firmicus, do século IV) e nas técnicas metalúrgicas dos sumérios e
egípcios, que já obtinham o cobre a partir da malaquita, quatro mil anos
antes da era cristã.
Uma das primeiras obras sobre alquimia de que se tem notícia é o
tratado Physica et mystica, atribuído ao egípcio, naturalizado grego,
Bolos de Mende, que viveu na região do delta do Nilo por volta do ano
200 a.C. Nele se encontravam receitas para converter metais em ouro e
prata, numa época em que eram divulgadas as idéias platônicas sobre a
composição da matéria. Apesar da confusão provocada pelas falsas
atribuições de livros e tratados a este ou aquele autor, parece ter
existido, nessa época, numerosos praticantes da alquimia, tais como
Ostan o Mago, Sofar o Persa e os egípcios Petesis e Chiuses. O tratado
Physica et mystica é parte de uma compilação de textos realizada no
século VIII, e inclui obras de cerca de quarenta autores, entre os quais
Zózimo, que viveu no início da era cristã e exerceu grande influência
sobre os alquimistas posteriores. Em suas obras, ele descreveu toda
uma série de instrumentos, cuja invenção foi atribuída a Maria a Judia,
uma das mais famosas mulheres que praticaram a alquimia.
Após a conquista de Alexandria, em 642 da era cristã, os árabes
incorporaram a seu saber as teorias dos alquimistas gregos e egípcios.
Entretanto, alguns especialistas consideram que a alquimia árabe não
teve como origem a Grécia, mas sim a escola asiática, provavelmente
centrada na cidade turca de Harran. Entre os mais destacados
alquimistas árabes cabe mencionar: Jabir (em latim, Geber), al-Razi,
que no século X lançou os fundamentos para a descoberta dos ácidos
minerais, e Avicena, responsável pela compilação, cem anos depois, dos
conhecimentos dos alquimistas árabes.
No século XII cresceu na Europa o interesse pela alquimia. A partir de
traduções das obras dos alquimistas árabes, foram descobertas
substâncias que constituiriam a base da ciência química: os ácidos
minerais, o álcool (cuja descoberta é atribuída ao alquimista catalão
Arnau de Vilanova, no século XIII) e elementos químicos como o
antimônio, estudado por Basílio Valentín.
Já no século XIII, o inglês Roger Bacon defendia a utilização do método
científico, afirmando que "nada se pode conhecer com certeza, salvo
através da experiência". No século XIV, Paracelso, para quem o objetivo
da alquimia não era a obtenção de ouro, e sim de remédios, deu um
importante impulso a essa disciplina, embora se jactasse de ter
encontrado o elixir da vida.
Durante esse período, a alquimia oscilou entre a ciência e o misticismo.
Assim, enquanto o respeitado cientista inglês Isaac Newton se dedicava,
no século XVII, a investigações sobre a obtenção de ouro, o alquimista
holandês Jan Baptiste van Helmont estudava o dióxido de carbono,
criando a palavra "gás".
Com a publicação dos trabalhos de Lavoisier, no século XVIII, teve início
a era da química, embora certos aspectos filosóficos da atividade
alquímica tivessem sido preservados por seitas místicas, como a
irmandade dos Rosacruzes.
Os historiadores da química tendem a distinguir entre os aspectos
positivos da alquimia e aqueles que consideram nocivos. Entre os
primeiros cabe citar o descobrimento de novas substâncias e a invenção
de novos instrumentos de trabalho, enquanto o principal caráter
negativo apontado no procedimento alquimista refere-se ao descrédito
do método científico.

Magia

Incluem-se entre os fenômenos mágicos uma ampla variedade de


práticas e crenças rituais, que constituem o núcleo de vários sistemas
religiosos, atos de exorcismo e mesmo prestidigitação com fins de
entretenimento. No primeiro sentido, a magia se entende como
fenômeno social e cultural, presente em todas as civilizações, em
algumas das quais convive com o pensamento crítico da era científica e
tecnológica.
Magia é essencialmente um conjunto de representações ou atividades
rituais supostamente capazes de influenciar os atos humanos ou o curso
dos acontecimentos, por ação de forças místicas transcendentais. O
animismo, ou seja, a convicção de que não existem diferenças
essenciais entre seres animados e inanimados, costuma estar na base
do pensamento mágico. As práticas mágicas incluem, assim, o uso de
objetos especiais e a recitação de fórmulas mágicas. A natureza da
magia, bem como sua função social e psicológica, é freqüentemente mal
compreendida em virtude das múltiplas formas que ela assume e de sua
relação com outros comportamentos religiosos. As incertezas decorrem
em grande parte das idéias sobre evolução cultural e histórica do século
XIX, que distinguem a magia de outros fenômenos religiosos e
identificam-na com sociedades arcaicas e primitivas, ou como simples
superstição sem significado cultural.
Em virtude dessa concepção, a magia foi tida como diversa de outros
ritos e crenças religiosas. Sua semelhança e conexão essencial com eles
-- uma vez que tanto as religiões organizadas quanto as crenças
mágicas apelam para a influência das forças místicas externas sobre a
existência humana -- passaram, portanto, despercebidas. Para dificultar
a compreensão da magia, disseminou-se a idéia segundo a qual os atos
mágicos carecem da natureza intrinsecamente espiritual própria dos
atos religiosos, pois se fundamentam muito mais na manipulação
externa do que na oração e constituem, portanto, um tipo mais simples
e inferior de religiosidade.
Desse ponto de vista, existe uma diferença relevante entre magia e
religião: enquanto esta se associa ao relacionamento entre os homens e
as forças espirituais, em que o compromisso pessoal é básico, o
procedimento mágico é visto principalmente como um ato técnico, em
que o vínculo pessoal não é tão importante ou está ausente, embora a
força que está por trás dos atos mágicos e religiosos seja a mesma.
A magia é freqüentemente confundida com a feitiçaria, especialmente
na história das religiões européias. Os antropólogos modernos, no
entanto, distinguem entre magia, que é a manipulação de poderes
externos por meios mecânicos ou comportamentais para afetar outras
pessoas, e feitiçaria, qualidade inerente ao indivíduo que apresenta, no
entanto, os mesmos objetivos.
A adivinhação, ou capacidade de entender os agentes místicos que
afetam os indivíduos e o curso dos acontecimentos, difere da magia
porque seu objetivo não é interferir nos acontecimentos, mas
compreendê-los. O poder místico dos adivinhos e o poder que governa
as forças mágicas são, no entanto, de mesma espécie.
História. A magia, em suas diferentes formas, parece integrar todos os
sistemas religiosos conhecidos. O conhecimento sobre a magia pré-
histórica é limitado, em função da falta de dados confiáveis. Muitas
pinturas e gravações em cavernas são tidas como representações de
figuras entregues à prática da magia orientada para favorecer a caça e
as atividades do feiticeiro. As informações sobre os fenômenos mágicos
das antigas culturas orientais, greco-romanas, cristãs européias e das
sociedades primitivas contemporâneas são muito mais completas.
A maioria dos relatos sobre a cultura mesopotâmica e a egípcia chama
de magia, ou formas de pensamento mágico ou mitopoético (relativo à
criação dos mitos) todos os rituais registrados. Os faraós do Egito, por
exemplo, reis divinizados, eram por isso mesmo venerados e tidos como
capazes de controlar a natureza e a fertilidade. Seus poderes como
mágicos, no entender dos estudiosos, eram expressão da onipotência
real.
Na Roma antiga, muita importância foi dada à feitiçaria. Esse fenômeno
parece ter resultado do desenvolvimento de novas classes urbanas,
cujos membros dependiam de seus próprios esforços, tanto em termos
materiais como mágicos, para derrotar os adversários e alcançar o
sucesso. Há registro de fórmulas mágicas na cultura romana para obter
sucesso no amor, nos negócios, nos jogos e também proferir discursos
persuasivos.
Há muitos registros históricos da Idade Média e de períodos posteriores
sobre a magia. Conforme se sabe a partir de estudos históricos e
antropológicos recentes sobre feitiçaria, magia e sincretismo religioso, a
magia é especialmente dominante em períodos de rápida mudança e
mobilidade social, quando novas relações e conflitos pessoais assumem
importância maior do que as relações familiares tradicionais, típicas de
tempos de estabilidade. A Europa parece não ter sido exceção,
especialmente quando a igreja, lutando para assegurar sua hegemonia,
dirigiu acusações de prática de magia contra seus adversários.
Um dos aspectos mais conhecidos da magia européia, divulgado e
combatido pela Igreja Católica, é a prática herética de fazer pactos com
os espíritos malévolos. Característico da história da magia européia foi
também o uso que se fez dela como parte da tradição hermética.
Seguidores dessa tradição, mais identificada na verdade com a alquimia
que com a magia, eram às vezes considerados magos diabólicos, cujos
conhecimentos proviriam de um pacto com o demônio. A sociedade
tolerava a maioria deles, no entanto, porque suas práticas, embora
estranhas, eram tidas como parte da tradição hermética judaica e cristã.
Grande parte do que se sabe sobre a magia nas sociedades ágrafas
contemporâneas deriva de relatos antropológicos feitos por pessoas do
mundo não-ocidental que acreditam na magia. Foram feitas descrições
detalhadas, por exemplo, sobre as sociedades da Oceania e da África e
de muitas sociedades muçulmanas em que persistem crenças pré-
islâmicas, como na Malásia e na Indonésia. Esses relatos, porém,
raramente distinguem magia de feitiçaria e adivinhação, encontradas
em praticamente todas as sociedades orientais conhecidas.
Estrutura e funções. As pessoas podem executar atos mágicos sozinhas
ou procurar os préstimos de um mago, alguém que sabe como executar
os procedimentos rituais e pode ser recompensado por isso. Segundo se
acredita, essa habilidade pode ser transmitida por herança, comprada
por outros magos, ou ainda inventada pelo mago para ser executada
por ele mesmo. Os magos podem ser consultados para fins nefastos,
para proteger um cliente da magia prejudicial feita por terceiros ou por
razões puramente benévolas. O caráter moralmente neutro da magia
parece universal, embora, em qualquer sociedade, se discuta seu
emprego para fins benignos ou malignos.
Há normalmente três elementos principais na magia: a fórmula mágica,
o ritual e a condição ritual do executante. Os objetos rituais se incluem
entre as fórmulas mágicas. Essa distinção foi feita pioneiramente pelo
antropólogo Bronislaw Malinowski em seus estudos sobre os habitantes
das ilhas Trobriand, na Melanésia. Freqüentemente as fórmulas mágicas
empregam vocabulário arcaico ou esotérico. Entre os habitantes das
ilhas Trobriand, a fórmula é especialmente importante: usar as palavras
certas, da maneira certa, é considerado essencial para a eficácia do
ritual. Para os maori, da Nova Zelândia, esse elemento é tão importante
que um erro na recitação da fórmula pode levar à morte do mago.
Bastante difundido é também o uso de objetos materiais, de natureza
muito variada. Em alguns casos, os elementos que visam a causar dano
são realmente venenosos, mas em geral não provocam efeitos práticos,
apenas os representam. É uma prática comum entre os magos, por
exemplo, tentar prejudicar uma pessoa destruindo algum elemento de
seu corpo (como aparas de unhas e cabelos) ou algo que tenha estado
em contato com ela (uma roupa ou outro objeto pessoal).
O significado do rito mágico quase nunca é percebido por aqueles que
acreditam que a magia difere essencialmente da religião. Parece
universal, porém, que a magia seja praticada apenas em situações
rituais formais e cuidadosamente definidas. O rito pode ser simbólico,
como ocorre com o ato de borrifar o solo com água para fazer chover,
ou com a ação de destruir uma imagem em cera para prejudicar uma
pessoa. Tanto o mago quanto o rito devem observar certos tabus. Ao
mago são impostas restrições alimentares e sexuais e a não-observação
desses cuidados anula a magia. O respeito às interdições indica aos
demais a importância do rito e dos objetivos desejados.
São muitas as funções da magia, mas há dois aspectos principais: o
instrumental e o expressivo. Uma característica básica dos ritos e
crenças mágicas é que os praticantes acreditam que eles são
instrumentais, ou seja, eficientes, projetados para alcançar certas
finalidades na natureza ou no comportamento de pessoas. O aspecto
simbólico ou expressivo está sempre presente e é por causa dele que a
magia pode ser melhor compreendida como parte de um sistema
religioso.
Teorias sobre a magia. Os primeiros estudos sobre magia foram
elaborados pelos sábios judeus e cristãos, preocupados em relacioná-la
com suas crenças, identificando-a como um vestígio de paganismo e
como heresia. Durante o final do século XIX, antropólogos começaram a
estudar a magia e sua influência na evolução das religiões mundiais.
Os primeiros estudos antropológicos sobre a magia foram realizados por
Edward Tylor, que no livro Primitive Culture (1871; Cultura primitiva)
definiu magia como uma pseudociência, em que o "selvagem"
incorretamente afirma uma relação direta de causa e efeito entre o ato
mágico e o acontecimento desejado. Em The Golden Bough (1890; O
ramo de ouro), James Frazer redefiniu as concepções de Tylor sobre o
pensamento mágico, discutiu o relacionamento da magia com a religião
e a ciência e situou-as num quadro evolutivo. Frazer aceitou a teoria de
Tylor sobre a falsa relação de causa e efeito entre a magia e os efeitos
naturais e analisou os princípios que governam essa falsa relação.
Esses autores e seus seguidores, como Ranulph Marett, entenderam
magia como uma questão essencialmente individual e intelectual, uma
das formas como o indivíduo reflete sobre o mundo. Outros autores
ampliaram a discussão e abordaram a questão do ponto de vista da
função social da magia, como fizeram os sociólogos franceses Marcel
Mauss e Émile Durkheim. Em Les Formes élémentaires de la vie
religieuse (1912; As formas elementares da vida religiosa), Durkheim
afirmou que os ritos mágicos envolvem a manipulação de objetos
sagrados em nome de indivíduos. O significado socialmente coesivo dos
ritos religiosos propriamente ditos não estava presente. As idéias do
sociólogo francês foram seguidas por Radcliffe-Brown, autor de The
Andaman Islanders (1922; Os habitantes das ilhas Andaman) e, em
menor medida, por Malinowski, influenciado mais por Frazer e pelos
primeiros psicanalistas.
Radcliffe-Brown sustentava que a função social da magia era manifestar
a importância que o acontecimento desejado reveste para a
comunidade. Malinowski considerava a magia um fenômeno oposto à
religião, além de direta e essencialmente relacionado às necessidades
psicológicas do indivíduo.
Os estudos mais recentes sobre os sistemas mágicos se fizeram
tomando como objeto a magia de povos da África e da Oceania.
Basearam-se essencialmente nas idéias de Malinowski e Radcliffe-Brown
e no mais importante trabalho sobre o tema que surgiu depois desses
autores: Witchcraft, Oracles and Magic Among the Azande (1937;
Feitiçaria, oráculos e magia entre os azandes), de Edward Pritchard.
Freud, autor de Totem e tabu (1918), exerceu, durante algum tempo,
grande influência sobre os estudiosos do pensamento mágico com a
idéia segundo a qual a magia, a primeira fase no desenvolvimento do
pensamento religioso, era similar, em seus processos essenciais, ao
pensamento de crianças e neuróticos. Essa concepção pressupõe que
selvagens, crianças e neuróticos acreditam que desejo e intenção levam
automaticamente a atingir o objetivo desejado. Essa idéia foi
abandonada pelos especialistas, não só por que revela incompreensão
da natureza expressiva do ritual mágico, como também porque
estabelece equivocadas semelhanças de comportamento entre os grupos
humanos comparados.

Bruxaria

A freqüente presença do fenômeno milenar da bruxaria em culturas


distantes de seu substrato atesta a perpetuação de certas modalidades
de funcionamento do espírito humano. No entanto, inúmeros trabalhos
etnológicos ou históricos não lograram ainda dirimir todos os problemas
ligados a sua definição ou explicação.
Bruxaria consiste no exercício, com intenção maligna, de pretensos
poderes sobrenaturais por meio de ritos mágicos e com o fim de causar
malefício a certas pessoas ou a seus bens, assim como benefícios
diretos ou indiretos a seus praticantes. O fenômeno existe desde os
tempos pré-históricos e faz parte dos procedimentos de numerosas
crenças animistas. Aparece já em Homero e na própria mitologia grega,
em que a feiticeira Medéia ocupa lugar de destaque no ciclo dos
argonautas. Na literatura latina, o tema despertou o interesse de vários
autores, especialmente Apuleio, Petrônio e Horácio.
No universo judeu-cristão, a presença das bruxas verifica-se desde o
Velho Testamento. Em um momento crucial de sua vida, Saul consultou
a feiticeira de Endor, embora pela lei de Moisés a bruxaria fosse punida
com a morte. No cristianismo primitivo, conhecia-se a prática de ritos
mágicos, mas os apóstolos consideravam-na fruto de ardis do demônio,
pois entendiam que somente Deus dispunha de poderes sobrenaturais.
História. A bruxaria ressurgiu e intensificou-se na Europa do século X ao
XII, quando as heresias dos cátaros trouxeram de volta a crença na
influência do demônio, o que favoreceu a interpretação de que a
bruxaria era produto do contato com suas forças. Realizaram-se nesse
período vários processos contra bruxas, promovidos pelo poder civil.
Entretanto, a questão só assumiu aspectos dramáticos a partir do século
XIV, quando a igreja implantou os tribunais da Inquisição para reprimir
tanto a disseminação das seitas heréticas como a prática de magia e
outros comportamentos considerados pecaminosos. Ao dar especial
relevo ao problema, a perseguição contribuiu para que ele adquirisse
ainda maiores proporções. Nessa época, o fenômeno freqüentemente se
caracterizou como manifestação coletiva, de grandes dimensões e
profunda repercussão na vida religiosa, no direito penal, nas artes e na
literatura.
Daí em diante, à medida que proliferaram os tribunais da Inquisição, os
processos aumentaram rapidamente. A acusação sistemática só se
verificou na época que é considerada a última fase da Idade Média, o
fim do século XV, principalmente após a bula Summis desiderantes
affectibus (1484), do papa Inocêncio VIII, e da obra Malleus
maleficarum (1487; Martelo das feiticeiras), dos dominicanos Heinrich
Kraemer e Johann Sprenger, em que se firmaram as normas do
processo inquisitorial contra a feitiçaria.
A época da verdadeira epidemia de bruxas e teóricos do assunto é a dos
séculos XVI e XVII, no contexto da Reforma e da Contra-Reforma. Ainda
que, como nos outros casos, implicasse a prática da magia, incluía
quase sempre a invocação do demônio e a mobilização de seus poderes,
o que a associava à concepção do mal na teologia cristã e a tornava um
desafio à moralidade religiosa. Apareceram então os grandes
sistematizadores da demonologia -- Jean Bodin, autor de De la
démonomanie des sorciers (1580; Da demonomania dos feiticeiros), e o
jesuíta Martinus Antonius Delrio, autor de Disquisitionum magicarum
libri VI (1599; Seis livros de pesquisas sobre magia). Nessa fase, a
bruxaria tornou-se tema freqüente na literatura e nas artes plásticas:
sobressaíram, por exemplo, Macbeth, uma das mais célebres tragédias
de Shakespeare, e as gravuras de Baldung Grien e Jacques Callot.
A perseguição às bruxas foi metódica e violenta no norte da França, no
sul e oeste da Alemanha e muito especialmente na Inglaterra e na
Escócia, onde houve o maior número de vítimas. Os colonizadores
ingleses levaram esse procedimento para a América do Norte, onde, em
1692, ocorreu o famoso processo contra as bruxas de Salem, em
Massachusetts.
Em geral, acusava-se de bruxaria mulheres velhas, mas com menor
freqüência também jovens e, excepcionalmente, homens. As acusações
registradas contra essas pessoas referiam-se a toda espécie de
malefícios contra a vida, a saúde e a propriedade: aborto das mulheres,
impotência dos homens, doenças humanas ou do gado, catástrofes e
temporais. As bruxas eram também denunciadas por pactos com o
diabo. Montadas em vassouras, voariam pelos ares e se reuniriam em
lugares ermos para celebrar o sabá e entregar-se a orgias. Como
cultuariam Satanás, considerava-se que este lhes aparecia como
monstro cornudo e sequioso de sacrifícios.
O racionalismo e o espírito científico, que caracterizaram o Iluminismo
do fim do século XVII e do século XVIII, contribuíram para o fim desses
processos e para que não mais se admitisse perseguição judiciária em
casos de superstições populares. O último processo na Inglaterra
ocorreu em 1712, e a última fogueira de bruxas na Europa foi acesa em
1782, no cantão suíço de Glarus.
Teorias antropológicas. O fenômeno histórico da bruxaria suscitou
numerosos estudos antropológicos, para os quais a intolerância das
autoridades eclesiásticas, tanto católicas como protestantes, não seria
razão suficiente para explicar o fenômeno de psicopatologia coletiva que
representou a crença na bruxaria. Muitos chegaram a acreditar na
ocorrência de uma alucinação mediante a qual, contaminadas pela
crença geral, muitas mulheres teriam admitido participar de práticas que
nunca realmente exerceram.
Outra corrente interpreta a crença nas bruxas como resquício de antigas
religiões autóctones européias, nunca inteiramente desarraigadas pela
cristianização, que depois se teria mesclado com doutrinas cristãs sobre
o diabo. Uma referência seriam as valquírias da mitologia germânica,
que, como as bruxas, voavam pelos ares.
No século XX, essa teoria aperfeiçoou-se nas teses da antropóloga
inglesa Margaret Murray, para quem a bruxaria seria resíduo de uma
religião pré-histórica, um culto da fertilidade que sobreviveu à
cristianização, sobretudo no meio rural e nas populações descendentes
de raças submetidas, como os celtas, o que explica a forte divulgação
do culto nas ilhas britânicas. O culto teria sido ressuscitado sobretudo
em tempos de enfraquecimento da igreja, como aconteceu no período
da Reforma, nos séculos XVI e XVII. A teoria de Murray, em seus
aspectos principais, é rejeitada hoje pela maior parte dos pesquisadores,
que a consideram infundada.
Outro britânico, Hugh R. Trevor-Roper, acentuou que, embora
realmente a bruxaria tivesse um substrato folclórico, foi a igreja
medieval que o sistematizou e o codificou com o fim de reprimir a
heresia e exercer coação sobre os desvios doutrinários, criando com isso
um autêntico tratado de demonologia.
Essa mescla de ritos arcaicos, superstições, convulsões políticas e
perseguições oficiais, que precisavam de bodes expiatórios, fomentou as
alucinações de membros de grupos sociais marginalizados -- talvez com
manifestações paranormais -- e a imaginação coletiva. Pelo menos na
história da Europa, a bruxaria seria basicamente um significativo reflexo
das tensões sociais acumuladas nos séculos que antecederam a
modernidade. No interior da Inglaterra e de muitos outros países,
porém, a crença na bruxaria, sua prática e numerosos ritos de magia
persistem até hoje

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