Professional Documents
Culture Documents
FORTALEZA,
2017
1. A morte de Aquiles
Sabemos na Ilíada que a morte de Aquiles é iminente e apesar dela não nos ser
mostrada diretamente o poeta parece-nos mostrar uma prévia dos acontecimentos com a morte
de Patroco, posto que ambos os episódios sejam bastante similares entre si. Como nos é
apresentado na Odisseia, há a luta ao redor do corpo, a mãe de Aquiles lamenta e grandiosos
sacrifícios são feitos em seu nome:
2
A disputa pelo corpo de Patroco — a quem Heitor mata acreditando ter matado o
próprio Aquiles — é acirrada. De um lado, os Troianos desejam leva-lo arrastado à Ilion,
onde as honras lhe seriam negadas e o corpo ultrajado — o que acontece a Heitor, quando
Aquiles o mata em vingança — enquanto os Gregos desejam leva-lo de volta para que receba
as honras fúnebres, o que de fato acontece.
A cena da luta sobre o corpo do herói é uma das mais selvagens de toda obra,
mostrando-nos a habilidade de Homero, que compara a disputa pelo corpo, com a disputa por
um pedaço de carne gordo, somos transportados para o centro da batalha, onde a riqueza de
detalhes nos dado pelo poeta, faz com que consigamos visualizar não só a morte de Patroco,
mas como haveria de ser a morte de Aquiles, a quem aquele faz símile.
Aqui vemos em melhor detalhe a luta pelo corpo de Patroco, no entanto, apesar do
breve relato da disputa pelo corpo de Aquiles, podemos pressupor a presença se uma
semelhança entre os dois. A própria honra da morte do herói parece ao texto muito maior do
que a que lhe era cabida. Como se, ao vestir-se das roupas do Pelida, seu companheiro mais
velho também partilhasse não só de seu destino, mas de suas honras.
Também nos é estranho o modo como a morte de Patroco parece magoar a mãe de
Aquiles, como se esta pressentisse com o fim de um, a proximidade da moira do outro, a
proximidade do fim de seu próprio filho; não nos fica claro no contexto da epopeia, se Tetis
sofre antecipadamente pela morte de seu próprio filho, ou se esta padece do sofrer do mesmo,
enquanto luto pela morte do amigo.
3
Outro ponto interessante, é que no relato da Odisseia, quando a mãe zelosa busca do
corpo do filho, ossos brancos ossos de seu filho, ela os junta ao de Patroco, unindo-os no pós-
vida, como quem une as duas partes de um mesmo ser. Ao perder seu amigo, Aquiles perde
também parte de sua ira contra os áqueos e a volta para os troianos.
A morte parece rondar a figura de Aquiles, tudo que lhe ronda é de alguma forma
levado pelo toque da fatal moira, vestir suas vestes é no poema homérico, também vestir uma
mortalha, vestir as armas de um herói celebre, mas cuja morte é tão densa que ele a partilha,
não só com um, mas dois.
Após a derrota de Patroco no campo de batalha, quem herda as armas de Aquiles,
que este empunhava é seu assassino, Heitor, o grande herói de Ilion agora se veste de Aquiles,
não antevendo, no entanto, seu próprio fim.
Após a morte de Patroco, que aqui é entendido como uma parte necessária de
Aquiles que deve morrer, o herói parece sofrer uma transformação num caráter ainda mais
divino, numa símile cada vez mais próxima das divindades. Sua armadura e armas são
fantásticas, o escudo é uma representação da próxima batalha para a queda dos muros de troia,
as figuras em sua égide movem-se como autômatos; são feitas pelo forjador divino: Hefesto.
Em batalha, a fúria de Aquiles é imbatível, ante a visão de sua chegada, os inimigos
fogem, o próprio Heitor, vestido com as antigas vestes de Aquiles, nem mesmo ele, o herói da
cidade, fica de pé, ele corre, sendo brutalmente assassinado, sem resistência, pelo Pelida. É
como se o divino em Aquiles vencesse seu lado mortal, representado aqui por Heitor.
No entanto, diferente de Patroco, as honras do herói troiano não são dadas de pronto,
seu corpo é arrastado por Aquiles durante dias; os deuses nada fazem durante este período, a
não ser proteger o corpo de ser deteriorado. Jamais vemos a morte de Aquiles na Iliada,
porque, em realidade, vemos a morte de Aquiles duas vezes, encarnada em dois outros.
Com o final do Iliada, o poder da morte de Aquiles não se encerra. Ele jamais pisará
em troia, será morto antes disso. Ao final da guerra, disputam Ajax e Odisseu pelas armas do
grande herói pelida.
Aqui novamente a força da moira de Aquiles parece estar presente: Ajax, o perdedor,
enlouquece e se mata; enquanto Odisseu, que termina ficando com as armas, será acometido
por um percurso fantástico na Odisseia, que parece ao leitor uma viagem ao outro mundo; de
certa forma, é como se Odisseu morresse e retornasse, em seu caminho para casa.
As funestas e fantásticas armas de Aquiles, no entanto, perdem-se pelo caminho.
4
2. REFERENCIAS
HOMERO. Iliada vol 1, trad. Haroldo de Campos; São Paulo: Arx, 2002
________. Iliada vol 2, trad. Haroldo de Campos; São Paulo: Arx, 2002
________. Odisseia, trad. Trajano Vieira; São Paulo: Ed. 34, 2011
BRANDÃO, Junito de Souza, Dicionário Mitico-Etmologico; Rio de Janeiro Ed. Vozes, 2014