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A MORTE DE AQUILES

Thiago Félix de Morais

FORTALEZA,
2017
1. A morte de Aquiles

Durante toda a Ilíada, a inescapibilidade da Moira e a presença da morte são assuntos


centrais; é o esperado, afinal, o poema é um recorte do último ano de uma guerra que durara
uma década. Tudo isto marcado por um episódio: a funesta ira de Aquiles, colocando-o como
o grande herói de toda epopeia.

No entanto, apesar de sabermos do destino traçado — e escolhido — de Aquiles, sua


morte não nos é mostrada dentro do texto Homérico; o herói, símile dos deuses, não pode ser
mostrado derrotado, sua morte nos é relatada apenas na Odisseia, apesar de seu acontecimento
nos ser prenunciado na própria fala de Aquiles no canto IX da Odisseia:

“Pés de prata, a deusa Tétis, madre,


Me avisou: um destino dúplice fadou-me
À morte como termo. Fico e luto em Tróia:
Não haverá retorno para mim, só glória eterna; volto ao
lar, à cara terra pátria:
Perco essa glória excelsa, ganho longa vida; tão cedo não
me assalta a morte com seu termo.”
(Iliada, Trad. Haroldo de Campos, canto IX 400-408)

Sabemos na Ilíada que a morte de Aquiles é iminente e apesar dela não nos ser
mostrada diretamente o poeta parece-nos mostrar uma prévia dos acontecimentos com a morte
de Patroco, posto que ambos os episódios sejam bastante similares entre si. Como nos é
apresentado na Odisseia, há a luta ao redor do corpo, a mãe de Aquiles lamenta e grandiosos
sacrifícios são feitos em seu nome:

“Circuntombam, teucros e aqueus, ao teu redor lutando.


Imenso na imensidão, imêmore da condução dos carros,
em pulverulento turbilhão jazias. Todo dia combatemos,
não cessáramos a rusga pantotal, não a cessara Zeus com
um tufão.”
(Odisseia. Trad. Trajano Vieira; Canto XXIV)

Todos estes elementos, incluindo-se ai estranhamente o luto de Tétis, encontrar-se-ão


com muito mais detalhes na morte de Patroco, como se ao vestir o manto de Aquiles, seu
companheiro vestisse também a sua Moira, num provável recurso do poeta de mostrar-nos
uma previa daquilo que jamais será visto.

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A disputa pelo corpo de Patroco — a quem Heitor mata acreditando ter matado o
próprio Aquiles — é acirrada. De um lado, os Troianos desejam leva-lo arrastado à Ilion,
onde as honras lhe seriam negadas e o corpo ultrajado — o que acontece a Heitor, quando
Aquiles o mata em vingança — enquanto os Gregos desejam leva-lo de volta para que receba
as honras fúnebres, o que de fato acontece.

A cena da luta sobre o corpo do herói é uma das mais selvagens de toda obra,
mostrando-nos a habilidade de Homero, que compara a disputa pelo corpo, com a disputa por
um pedaço de carne gordo, somos transportados para o centro da batalha, onde a riqueza de
detalhes nos dado pelo poeta, faz com que consigamos visualizar não só a morte de Patroco,
mas como haveria de ser a morte de Aquiles, a quem aquele faz símile.

“ O cansaço, o suor e a poeira os empapavam dos joelhos


as pernas,
Até os pés, e tisnavam-lhes as mãos e os olhos.
Assim como o senhor entrega aos servidores
Uma pele de boi, de um megatouro, imersa
Em gordura, ordenando que a estiquem; e em circulo,
Afastando-se a puxam todos, e a umidade
Se escoa e o couro deixa penetrar a graxa,
Tenso, pois muitos o distendem; o cadáver,
Assim, no espaço exíguo, de uma parte e de outra
Disputavam, puxando-o Tróicos e Aqueus.”
(Iliada, Trad. Haroldo de Campos, canto IX 400-408)

Aqui vemos em melhor detalhe a luta pelo corpo de Patroco, no entanto, apesar do
breve relato da disputa pelo corpo de Aquiles, podemos pressupor a presença se uma
semelhança entre os dois. A própria honra da morte do herói parece ao texto muito maior do
que a que lhe era cabida. Como se, ao vestir-se das roupas do Pelida, seu companheiro mais
velho também partilhasse não só de seu destino, mas de suas honras.
Também nos é estranho o modo como a morte de Patroco parece magoar a mãe de
Aquiles, como se esta pressentisse com o fim de um, a proximidade da moira do outro, a
proximidade do fim de seu próprio filho; não nos fica claro no contexto da epopeia, se Tetis
sofre antecipadamente pela morte de seu próprio filho, ou se esta padece do sofrer do mesmo,
enquanto luto pela morte do amigo.
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Outro ponto interessante, é que no relato da Odisseia, quando a mãe zelosa busca do
corpo do filho, ossos brancos ossos de seu filho, ela os junta ao de Patroco, unindo-os no pós-
vida, como quem une as duas partes de um mesmo ser. Ao perder seu amigo, Aquiles perde
também parte de sua ira contra os áqueos e a volta para os troianos.
A morte parece rondar a figura de Aquiles, tudo que lhe ronda é de alguma forma
levado pelo toque da fatal moira, vestir suas vestes é no poema homérico, também vestir uma
mortalha, vestir as armas de um herói celebre, mas cuja morte é tão densa que ele a partilha,
não só com um, mas dois.
Após a derrota de Patroco no campo de batalha, quem herda as armas de Aquiles,
que este empunhava é seu assassino, Heitor, o grande herói de Ilion agora se veste de Aquiles,
não antevendo, no entanto, seu próprio fim.
Após a morte de Patroco, que aqui é entendido como uma parte necessária de
Aquiles que deve morrer, o herói parece sofrer uma transformação num caráter ainda mais
divino, numa símile cada vez mais próxima das divindades. Sua armadura e armas são
fantásticas, o escudo é uma representação da próxima batalha para a queda dos muros de troia,
as figuras em sua égide movem-se como autômatos; são feitas pelo forjador divino: Hefesto.
Em batalha, a fúria de Aquiles é imbatível, ante a visão de sua chegada, os inimigos
fogem, o próprio Heitor, vestido com as antigas vestes de Aquiles, nem mesmo ele, o herói da
cidade, fica de pé, ele corre, sendo brutalmente assassinado, sem resistência, pelo Pelida. É
como se o divino em Aquiles vencesse seu lado mortal, representado aqui por Heitor.
No entanto, diferente de Patroco, as honras do herói troiano não são dadas de pronto,
seu corpo é arrastado por Aquiles durante dias; os deuses nada fazem durante este período, a
não ser proteger o corpo de ser deteriorado. Jamais vemos a morte de Aquiles na Iliada,
porque, em realidade, vemos a morte de Aquiles duas vezes, encarnada em dois outros.
Com o final do Iliada, o poder da morte de Aquiles não se encerra. Ele jamais pisará
em troia, será morto antes disso. Ao final da guerra, disputam Ajax e Odisseu pelas armas do
grande herói pelida.
Aqui novamente a força da moira de Aquiles parece estar presente: Ajax, o perdedor,
enlouquece e se mata; enquanto Odisseu, que termina ficando com as armas, será acometido
por um percurso fantástico na Odisseia, que parece ao leitor uma viagem ao outro mundo; de
certa forma, é como se Odisseu morresse e retornasse, em seu caminho para casa.
As funestas e fantásticas armas de Aquiles, no entanto, perdem-se pelo caminho.

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2. REFERENCIAS

HOMERO. Iliada vol 1, trad. Haroldo de Campos; São Paulo: Arx, 2002
________. Iliada vol 2, trad. Haroldo de Campos; São Paulo: Arx, 2002
________. Odisseia, trad. Trajano Vieira; São Paulo: Ed. 34, 2011
BRANDÃO, Junito de Souza, Dicionário Mitico-Etmologico; Rio de Janeiro Ed. Vozes, 2014

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