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OCTAVIO IANNI | A IDEIA DE BRASIL MODERNO editora brasiliense ISBN: 85-11-09075-9 Primsira edigho, 1992 Preparacio de originals: Ana Maria Lins e Sitoa [Revisio: Ana Maria M. Barbosa Adalberto Couto ‘Av, Margués de Sto Vicente, 1771 ‘01139. Sdo Paulo - SP Fone (Oli) 825-0122 - Fax 67024 “Telex (11) 33271 DBLM BR IMPRESSO NO BRASIL 4, HISTORIAS DO BRASIL MODERNO Oo ‘vel verificar que uma parte ampla da produ- oe er ded x tempera ‘em compreender as condicdes de modernizagao do pais, ‘Desde as décadas finais do século XIX tornou-se cada vez: mais evidente a preocupacéo com as implicagées sociais, ‘econémicas, politicas € culturais da extincao do regime de trabalho escravo e do término do regime moné ah vor dos movimentos abolicionista e republicano pensa- trang ‘asia de Brasil Moderno esta presente, ou implici- ta, em escritos de Silvio Romero, José Verissimo, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Alberto Torres, Euclides da Cunha, Machado de Assis, Raul Pompéia, Lima Barreto e mui- tos outros. Compreende também movimentos soe e partidos politicos, além de correntes de opiniso piiblica, ay ter, cialistas, anarquistas e outros. Depois, nas décadas de ¢ 30, torna-se muito mais explicita, com Oliveira Viana, Vicente Licinio Cardoso, Jackson de Figueiredo, Manoel Bomfim, Paulo Prado, Azevedo Amaral, Francisco Cam- -MISTOWAS DO BRASIL MODERN s Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Roberto . Simonsen, Caio Prado Jinior, Astrojildo Pereira e ou- tros. Nao hi diivida, essa problemética esté no horizon- te de Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Gracilia- no Ramos, Portinari, Villa-Lobos e assim por diante. Em seguida, sempre, continua a desafiar o pensamento bra- sileiro nos escritos de José Honério Rodrigues, Romulo de Almeida, Celso Furtado, Guerreiro Ramos, Nélson Werneck Sodré, Hélio Jaguaribe, Raymundo Faoro, An- tonio Candido, Florestan Fernandes e muitos outros, Nao ge trata de imaginar que todos pretendem o futuro, ou EXpresente aperieicoado. So multiplas e contraditgrias ‘a5 interpretacoes e diretrizes de uns e outros. Trata-se ‘eum amplo leque, no qual se encontra inclusive os que Prelerem corzgir 0 presente pelos parimetros passados, Preconizando a modernizacao conservadora. ‘Ao mesmo tempo, a marcha da sociedade continua Accriar e recriar novas realidades. A sociedade e a econo- mia, a politica e a cultura, o campo e a cidade continuam a transformar-se. Em fins do século XIX e comegos do 2X a Amaz6nia transforma-se no milagre da borracha, Simultaneamente, a economia cafeeira expande-se em di- versas éreas do centro-oeste. F a economia agucareira espalha-se por outras regides, além do nordeste; expande- seem Sao Paulo. Sucedem-se e confundem-se "“ciclos”” ‘econdmicos, acompanhados de mudancas sociais, urba- 1. Para blanco cxtico da histtiae das tendnces do pensamento consulta: Jodo Cruz Costa, ConrBulco& Hist dat eas no Ba af (0 Desenvolvimento da Flosofano Brae a Evolagao Histeca Nec ‘al cit; Dante Moreira Leite, O Carter Nasonal Bran, 2? Pionero Eaitra, Sic Paulo, 1969; Carlos Gulherme Mota, Iesoga d Cura Base 1,3 ed, Editora Ata, Sto Paulo, 1977; Jofo Camilo de Oliveira Torres, I terra ds Reade Basia, Livraia José Olympic Editora, Rio de [ene ', 1969, Nelson Werneck Sod, A Idnlogs do Ciba, 29 ed, Editora (hriizacioBrasera, Rio de Janeizo, 1965; Guerreiro Rama, Cris do Per ‘0 Bras, ZaharEditores, Rio de Janez, 1961; lorestan Fernandes, Soil ‘itm Bra, Editors Vozes, Petépols, 1977, Leandro Konder, A Derrla da Discs (A Recepolo das ldtias de Marx no Bras, até o Comeco dos Anos ‘Tinta) Edita Campus, Riode Janez, 1985; Regraldo Moras, Reardo Ar {nese Vera B, Ferrante orgs.) inieighca Busia, EdtoraBrasllense, S20 Paulo, 1986; Antonio Pam, Hire das as Fxdics no Bras, Elitora da tdade de St0 Paul, Sto Paul, 1974 ™ OcTAMIO LANNE 10, surtos de industrializacao, desenvolvimento de asses Socials, desafose propostas politica, criacoes cul turais. Aos poucos, diversifica-se 0 leque do debate cien- tifico,filoséfico e artistico. Multiplicam-se centros de es- tudos universitérios e independentes da academia, pri- vados e piiblicos. Além do Rio de Janeiro, também 5a0, Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Belém e outras cidades desenvolvem novas aividadescul- ‘turais, Multiplicam-se nticleos intelectuais e politicos cis coma tradigao ¢ a modemidade, procurando ex- pica o presente, xrcizar o pasado imaging o fu, Tanto 10 nivel do pensamento como no das préticas de governantes e grupos sociais mais poderosos, abserva- se impacencia, press, solreguidio, Algumos reaizacdes famosas dao uma idéia desse clima. A construcio da ci- dade de Brasilia pretende simbolizar o Brasil Moderno, representa 0 coroamento de uma larga histéria de inten- tos de tornar o Brasil contemporaneo do seu tempo. Uma capital nova, feita sob medida, langada em tracos auda- ciosos, nas proporcdes do século XXI — e povoada pela mesma humanidade que se pretendia esquecer ou exor- cizar. Algo semelhante havia ocorrido na época do apo- geu da borracha amazOnica. A ferrovia Madeira-Mamoré, Construfda em plena floresta em fins do século XIX e co- megos do XX, simboliza muito bem a facanha da audé- cia. No mesmo ano em que se inaugura, depois de um. altissimo custo humano ¢ material, 0 ciclo da borracha entra em colapso. Sobra a sensacao de absurdo atraves- sando a biografia e a historia, “ vim fazer aquil. 1al a razHo de todos esses “asin gun re et tiva e vém com seus olhinhos de chinas, de portugueses, shasta chit de ee potas ivy, dns tale et pe andou por aqui deitendo com unia febrinha na boca-da- soe ceed i 12 Mario Souza, Mai Maris, omance, 3° ed, Eora Marco Zero, Porto ‘lege, 885, po, SHE S2. Consular tab Franca Foot Hardin, Tren Fantasma (A Modernidade a Seva), Comparhia das Letras, Sto Paulo, 1988, capedalmente caps. 5 © 6. LHISTORIAS DO BRASIL MODERNO » Em todos os lugares, combina-se o moderno material com © autoritétio do mando e desmando. Como na Madeira, Mamoré, em Canudos, Contestado, Revolta da Vacina, ocupagdes de terras, greves operarias, protestos contra desmandos. Uma histéria na qual a modernidade esta mesclada no caleidoscépio dos pretéritos, dos "‘ciclos’” desencontrados de tempos e lugares, como se o presen- te fosse um depésito arqueoldgico de épocas e regides. Todos, a despeito das diversidades de perspectivas e propostas, pensam o Brasil Moderno, o capitalismo na- ional, ocapitalisunv assoctado, a industrializagdo, o pla- nejamento governamental, a reforma do sistema de ensi- no, a reforma agréria, a institucionalizagao de garantias democraticas, a Superacio da preguica pelo trabalho e da luxnia pelo ascetismo,a mudanga das'instituigocs Gore tudes, a reversao das expectativas, a revolugio politica, 8 revolucao social. Em distintas gradacées, as perspecti- ‘vas de uns e outros abrem-se em um leque bastante am. Plo, compreendendo propostas de cunho liberal, libe- tal-democritico, corporativo, fascista, socialista e outras. Mas vale a pena observar que esse vasto movimento intelectual — polarizado pela idéia de modernizagio con. servadora, autoritéria, democratica ou socialista — foi ‘acompanhado de um deslocamento do centro da vida na- sional. Entre fins do século XIX e a primeira metade do 2%, 0 centro da vida nacional deslocou-se do nordeste, simbolicamente Recife, para 0 centro-sul, simbolicamente Sao Paulo. A chamada Escola do Recife expressa bastan- te bem uma época de apogeu ¢ crise do predominio do nordeste na fisionomia do Estado nacional. Em certa me- ida, a realizacio da Semana de Arte Moderna em a0 Paulo, em 1922, simboliza a emergéncia de outras ‘inquie- 's © propostas, que passardo a predominar. Mas o deslocamento nio é nem répido nem dréstico, Alguns es. {Ligs revelam chividas, ambigitidades, vacilagoes, falta de Foi complicado esse processo de deslocamento $o.centro da vida nacional, desde o nordeste até o centro, Sul, simbolizado por Recife e Sao Paulo. 8 ‘OcTAUIO IAN ISTORUAS DO RAS. MODERN » Em Estétion da Vide, publicado em 1920, Graca Ara- 1a ¢incompetente de suas riquezas minerals; cultura ag nha esté procurando equacionar os novos tempos. Um {012 ¢ pastor imitada e alrasada, nao suspeitanes ge, membro da Escola do Recife que se detronta com as po- formidéveis possiblidades das suas guas: Fae ene 2 ig as ma larizagbes emergentes na sociedade nacional, procuran- 12s, dos seus campos epraias: povoaloree mestvaden do descortinar © presente ¢ exorcizar 0 passado. sumindo-se oindio diane do europeu e do nepie poy “Depots de ter sido uma nagio paradoxalmente cléssca, cline nplee i orines do mult eda malty movida pelo humanismo e pel imaginacio terri, eis fangs pers aces Proprio para a ‘vida debe Bra ancado no exe da pon cata tenova epee do Eaton tual, Hum pregmatismo que procura suplantar todo 0 Gindrios do mone eles natura inteiecualismo. Ha uma filosofia de acio prtica, que d- Siting do mundo’, como se osem rige a energia brasileira para os trabalhosfisicos da posse Gee ane Beato 80 propre; vive eeresce, como cre da tera e para a acumlacio da riqueza. Nesse sentido de amma ian doente no leo desenvatvimens Brasil se americaniza ese desintegra do cosmos latino. "po mal otganizado.. Para t30 grandes matey fis o parono do govero baste: homens nae pr usc spots medics de terapa contents ¢ Bidifesemmeoceranmenmayace (South ore tape maa as Industrial governam essa nacio.. Sao Paulo, felizmente, funds tid eae gore a leque i i hor corretivo 6 0 apaga- € dirigido por uma elite de fazendeiros, agricultores e in- Ihento de nado qu a, 9 teor coneti Pag dustriais. Os homens antigos no so estranhos a induis- tria, essa pereita conformidade entre a capacidade, a Note-se que todo esse panorama do passado 60 do “on. lo € que mantém 0 progresso de S. Paulo, o menos para- cendeste. A emergente burguesia paulista estava impa, oval dos Estados brasleires, "8 ciente,sOfrega. Queria dar andamenta eae interes. Em Retrato do Brasil, publicado em 1928, Paulo Pra- Ee amplias os seus espacos de mando, conferir ovteg do esta procurando equacionar os novos tempos, Um in- sntd0 08 assuntos nacionais, apresentando tudo fase telectual paulista, membro de uma familia tradicional de ‘como se fora uma urgéncia da salvagao nacional negocios e politica, defrontando-se com as polarizagdes tog Uigumas das dhividas e ambigiidades desses ¢ de ou- ‘emergentes na sociedade nacional. Fst ansioso por cons- 's Pensadores foram superadas, ou mesmo Tenovadas truiro futuro. Para isso, dedica-se a um vasto exorcismo Fra Quttos termos, nos escritos de Oliveira Viana, Gilles Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Roberto €. Sine do pasado, Pa . . stuagio lamene eng Caio Prado Junior, entre outros. Elaboraram mais fr ACen so inicarseocada desccadepen, “IPO: as queen os Glemsy a earaam mas dena se oe orpo amorfo, de mera vide vegetativa, Parlat @ historia do pais, explicar o presente e deseo, mantendose apenas pelo laos ténues dalinguae dock. "2 algumas tendéncias futuras. Sas sates que inau- to. Populacio sem nome... Pais pobre semoauxfiohu- 420 interpretaées, codificam o conhecimen’ seve, 'd0 até entio, reinterpretam momentos crucies fa ‘mano, Ou arruinado pela exploracao apresseda, tumultué- faule Prado, Retro do tras (Ensais sobre 91 Ensaio sobre a ristezs Brel Mayen, Sio Palo, 1923, pp. 14818, DaN ant aS » 1. Ginga Aranha, A Estin de Vide, Livrara Garnier, Rio de Janeeo, 1920, pp. 7879 e186, « OCTAVIO IAN t6ria, conferem aura cientifica as suas explicagdes, esta: belecem estilos de pensamento. ‘Vale a pena atentar para 0s paralelismos nos escri- tos desses pensadores. Dedicam-se a interpretacdes da histéria, abarcando Colonia, Império e Republica. Pro- curam continuidades e descontinuidades, de modo acom- preender as raizes préximas e remotas do presente. £ no- tivel o interesse que todos revelam pelo Brasil Colénia. Lé longe, estariam procurando os segredos dos impas~ ses e das potencialidades com os quais se defronta a na~ «ao no século XX. Uma sintese das interpretacbes desen- Volvidas por esses autores se encontra nos seguintes li- vyros: Evolugdo do Povo Brasileira, de Oliveira Viana; Inter- pretagio do Brasil, de Gilberto Freyre; A Evolugio Industrial tio Brasil, de Roberto C. Simonsen; Evolugio Polition do Bra sil, de Caio Prado Jinior; e Reizes do Brasil, de Sergio Buar- que de Holanda. A despeito da énfase social, econdmi-

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