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Universidade Federal da Bahia

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TEORIA DA NARRATIVA - 2011.2

Docente: Antônia Herrera Aluno: Daniel Fróes Data: 22/11/2011

Análise do livro “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert.

Gustave Flaubert é considerado por alguns autores, em especial Sartre e Llosa, como um dos
reinventores do romance1, ou ainda, um dos inventores do romance moderno, junto com
Baudelaire.

Neste romance, que levou cinco anos para ser escrito, e que utilizou de alguns acontecimentos
da vida de Flaubert, acompanhamos a vida de Charles e Emma Bovary. O livro, publicado
primeiro em capítulos em 1856 e em livro em 1857, causou escândalo na França, ocasionando
inclusive o julgamento de Flaubert, acusado de obscenidade e ataque aos bons costumes, por
falar de adultério e anti-catolicismo.

A trama: Charles Bovary, um camponês do norte da França, não muito inteligente, mas
bastante esforçado, porém limitado, intelectualmente e imaginativamente, é estimulado pelos
pais a estudar para ter um futuro menos difícil financeiramente e acaba por se tornar médico.
Sem grandes aspirações na vida, acaba por casar-se com uma viúva, mais por pressão social
do que por vontade própria. Com sua ajuda, estabelece-se como médico. Acaba apaixonando-
se (sem saber) pela filha de um dos seus pacientes. Enamoram-se. A viúva percebe e intervém,
mas acaba por morrer, possibilitando então a união de Charles com Emma. Emma, criada num
convento e depois filha única de pai solteiro, é uma leitora ávida cheia de sonhos e desejos.
Acaba se enfastiando com o casamento e com o marido que se mostra muito prático mas
pouco misterioso ou sedutor - totalmente diferente dos amantes idealizados por Emma, muito
influenciada por leituras diversas. Ao mudarem-se de cidade, Emma acaba por se envolver
com dois outros homens, e perde o dinheiro da família em gastos desnecessários e outros
desvarios de amor e loucura. Por fim, suicida-se, para fugir de todas as suas angústias e
sofrimentos.

Num retrato da sociedade francesa, Flaubert utiliza o romance para fazer diversas criticas à
França e a seus cidadãos.

Retratando de forma realista e cheia de detalhes as relações entre as personagens, Flaubert vai
demonstrando, via estereótipos bem estabelecidos mas tridimensionais, como a sociedade
francesa da época é problemática em seus diversos setores, seja o padre da cidade, seja o
médico comum, ou o homem das ciências.

Suas personagens são repletas do que poderíamos chamar de defeitos. Mesquinhas, avarentas,
com muita cobiça e luxúria, fofoqueiras e intrometidas, chantagistas, mentirosas,
enganadoras, orgulhosas, fazem um retrato amargo da França.

1
Llosa, Mario Vargas. La orgia perpetua. Flaubert y Madame Bovary. Madrid: Alfaguara, 2006.
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Charles, um matuto de pouca inteligência, sem vontade própria, sem grandes sonhos; um
homem demasiadamente simples e transparente, se apaixona por Emma, que é quase o oposto:
sonhadora, inteligente, cheia de vontades e desejos, romântica, com personalidade forte.

Se casam por motivos quase opostos: Enquanto Emma sonha com um homem seguro,
apaixonado, entusiasmado com a vida e que a "deixe sem fôlego", Charles quer uma esposa
que fique aos seu lado, que seja bonita e inteligente, mas que seja simples e goste das coisas
simples às quais ele está acostumado.

Ao longo da narrativa, vemos Emma manipular e usar Charles de todas as formas que lhe
eram possíveis para conseguir seu objetivo, que era ter paixão e emoção em sua vida. Como o
casamento não lhe proporcionava estas coisas, procurava-as com seus amantes. Depois de um
período, Emma estava mesmo disposta a abandonar sua vida para viver com eles da forma
com que ela sonhava e - pensava - eles também. Contudo, ela era apenas mais uma conquista
para seus amantes que, se a amaram verdadeiramente, nunca fizeram questão de tê-la como
esposa, e mantinha a máscara de apaixonados quando na verdade já estavam enfadados dela,
apenas para terem acesso a seu corpo e sua beleza.

O modo como Emma se comporta a partir da segunda parte do romance foge completamente
da conduta que se espera de uma mulher na França do século 19. O que se espera é que as
mulheres sejam obedientes ao marido, sérias mas não muito evoluídas intelectualmente, sem
grandes aspirações, facilmente enganadas, acomodadas, e que nunca mintam ou quebrem as
regras sociais. Emma foge a todas estas recomendações. Ela engana o marido, briga com a
sogra, deixa a filha de lado, rouba, mente e, finalmente, se mata, tudo em busca de uma vida
mais emocionante, com mais paixão, com "mais vida". Como propõe Llosa, o livro é um ato
de rebeldia. Rebeldia contra a possibilidade de tirar da vida o máximo de prazer possível, de
aproveitar da vida à sua maneira, sem se importar com os outros. Não necessariamente
prejudicando-os no processo, mas sem deixar que a possibilidade de torná-los infelizes se
colocasse entre Emma e suas necessidades, fossem essas reais ou construídas a partir de
leituras de romances equivocados.

Além disso, Flaubert aproveita-se para criticar a Igreja Católica, através de Homais, um
boticário/farmacêutico que preza a ciência acima de tudo e despreza a religião e até mesmo
Deus. Critica também o estado e seu funcionamento, critica a mentalidade provinciana dos
franceses, a libertinagem dos parisienses. Fala de temas que são tabu na sociedade francesa e,
sem apelar para a vulgaridade, trata de sexo em boa parte do livro, através de jogos de
linguagens, sem intenção de esconder os acontecimentos, mas sim de tratá-los de uma forma
menos direta porém tão objetiva quanto seriam as descrições dos atos em si.

Além disso, sua prosa é não apenas cheia de detalhes descritivos, mas com muitas
informações sobre assuntos diversos (remédios, medicina, agricultura, política, religião,
literatura) sem fugir de sua representação da realidade, ou seja, sem tornar as cenas situações
forçadas para tratar de certos temas. Tudo o que é discutido e conversado no livro está ali
porque as personagens tratariam daqueles temas. As personagens são verossímeis, e os
assuntos tratados por ela tornam-se verossímeis.

E essa verossimilhança, unida aos temas tratados e ao anseio da jovem protagonista pelos
prazeres da vida, ganham força com o fim trágico da saga de Emma, que a tornam mais
humana e próxima dos leitores.

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