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Mediunidade

e Apostolado
Revisão: Fausto De Vito

Pintura: Rempramtt (Paulo o Apóstolo)

Capa: Marcos Ferreira

Projeto Gráfico:

Editora Vitória Ltda. - Fone/Fax: (0**34) 3336-6588

Av. Cel. Joaquim de Oliveira Prata, 668 - Uberaba, MG

E-mail: edvitoria@mednet.com.br

Baccelli, Carlos A.

Mediunidade e Apostolado / Carlos A. Baccelli -Odilon Fernandes - Uberaba, MG

ISBN 85-86423-24-6

1. Obras psicografadas. 2. Espiritismo.


Mediunidade e Apostolado
Amigo leitor:

Continuando com as nossas reflexões em torno da mediunidade, buscando inspiração


nas epístolas que Paulo, o inesquecível medianeiro da Boa-Nova, endereçou aos
coríntios, escrevemos este livro, na expectativa de que possamos, de algum modo
contribuir para a formação de sua consciência doutrinária no que se refere ao assunto.

Evidentemente, não nos moveu, e nem nos move, outra intenção que não seja a de lhe
sermos útil na aquisição de um conhecimento mais amplo, ofertando-lhe, da
mediunidade, a visão de quem, agora, pode apreciá-la dos Dois Lados da Vida.

Ressaltamos, como já o fizemos anteriormente, que longe de nós qualquer outra


pretensão, posto que, com a graça de Deus, somos capazes de identificar as limitações
que nos dizem respeito e a nossa condição de espírito extremamente necessitado de
mais luz.

Augurando-lhe os melhores votos de paz e de êxito, na empreitada espiritual a que se


lança, rogamos ao Senhor que o abençoe, hoje e sempre.

Odilon Fernandes

Uberaba-MG, 9 de novembro de 1997.


SUMÁRIO
1 - POSTURA MEDIÚNICA
2 - DESMISTIFICAÇÃO
3 -0 SELO DO APOSTOLADO
4 - TAREFAS DIVERSIFICADAS
5 - MEDIUNIDADE ÚTIL
6 - A UM E A OUTRO
7 - COOPERAÇÃO E UNIÃO
8 - MEDIUNIDADE E CONHECIMENTO
9 - COM ZELO E DISCERNIMENTO
10 - TRÍPLICE INCUMBÊNCIA
11 - XENOGLOSSIA INÚTIL
12 -"QUEFAREI, POIS?"
13 - MÉDIUNS MALEDICENTES
14 - NÃO É PARA OS INCRÉDULOS
15 - TUDO SEJA FEITO
16 - DISCIPLINA E ESPONTANEIDADE
17 - TAL O MÉDIUM, TAL A MEDIUNIDADE
18 - MEDIUNIDADE EM VÃO
19 - Os MAIS INFELIZES
20 - E NÃO É DE ADMIRAR
21 - ESPÍRITO DE COMPETIÇÃO
22 - MEDIUNIDADE E ALEGRIA
23 - ESPINHO NA CARNE
24 - SE REALMENTE
25 - MÉDIUM POR QUÊ?
26 - MEDIUNIDADE E DESEJO
27 - CAMINHO EXCELENTE
28 - AUTOCRÍTICA
29 -DAR DE GRAÇA
30 - COM PERSISTÊNCIA
1 - POSTURA MEDIÚNICA
"Porquanto, havendo entre nós ciúmes e contendas, não é assim que sois carnais e
andais segundo o homem?"

1 Coríntios, cap. 3 - v. 3

Escrevendo à comunidade cristã de Corinto, Paulo, o apóstolo da gentilidade, exorta os


companheiros à coerência, advertindo-os quanto à postura a ser assumida uns diante
dos outros.

Entre os cristãos primitivos, os antigos adversários do homem espiritual fomentavam


contendas e ciúmes, qual hoje, infelizmente, ainda observamos naqueles que se fazem
pregoeiros da Boa-Nova, mormente nos que vêm se dedicando ao cultivo da
mediunidade.

Médiuns existem que, inspirados pelo ciúme, atacam uns aos outros, qual se não
estivessem se batendo pela mesma causa.

Expõem-se publicamente ao ridículo, de vez que, analisados em sua conduta pelos


companheiros mais experientes, não conseguem se ocultar em suas intenções
personalistas...

Disputam o aplauso do mundo e, sem que percebam, enfraquecem-se diante de si


mesmos, perdendo contato com a simplicidade que de princípio os caracterizava...

A rigor, não existe médium que seja maior ou menor, mais ou menos importante no
contexto doutrinário. Todos os companheiros que se devotam à mediunidade
cumprem com finalidade específica e cada um deles desempenha preponderante
papel no contexto geral.

São muitos os medianeiros que ao longo do seu exercício mediúnico vão se


desnorteando, interessados na chamada autopromoção... Falam de si, referem-se
exaustivamente às experiências que lhes dizem respeito, usam a própria imaginação
em excesso, aparentam ser detentores de uma humildade que efetivamente não
possuem.

Esses companheiros da mediunidade aos quais nos referimos não raro assumem
graves compromissos com as almas que os idolatram, respondendo, mais tarde, pela
sua deformação psicológica, posto que para estas quase que assumem o papel dos
deuses mitológicos.
É imprescindível que todos compreendam a falibilidade do médium e que os auxiliem
no cumprimento penoso de seus deveres, mas que, a pretexto de contato com o
Invisível, não os entronizem.

O médium que não combate nos outros os elogios que lhe são dirigidos, termina por
"intoxicar-se", passando a crer que seja o que ainda está muito longe de ser.

Quase todos os medianeiros presentemente em atividade na Terra são espíritos


enfermos altamente compromissados com o pretérito, principalmente pelos seus
desvios no campo da sexualidade e do comércio da fé. Outrora, induziram à descrença
centenas e centenas de almas que neles depositavam a sua confiança no caminho para
Deus. Assemelhavam-se aos doutores da lei que, segundo Jesus, "a pretexto de longas
orações, devoravam as casas das viúvas"...

De uma maneira geral, os irmãos menos avisados na Doutrina têm cooperado para que
médiuns tenham o seu séquito de bajuladores, de vez que eles próprios igualmente se
alimentam com os favores que lhes são dispensados - favores que, na maioria dos
casos, escondem intenções escusas.

Paulo combatia com veemência os que, no exercício do seu dom de profetizar, agiam
em causa própria e faziam nascer a cizânia na comunidade dos cristãos,
enfraquecendo-os do ponto de vista doutrinário e da tarefa a que deviam dar cabal
cumprimento. Entre eles já existiam os que mistificavam nos interesses que lhes
diziam respeito, forjavam comunicações, feito os medianeiros que, na atualidade,
falam de supostas ligações suas do pretérito com este ou aquele, visivelmente
interessados no presente em tirar partido das referidas ligações, que, a bem da
verdade, nunca existiram.

Médium sem postura mediúnica é médium que, infelizmente, não merece a


credibilidade que reclama para si. É indispensável que o Movimento Espírita seja
saneado no campo de atuação dos médiuns que acabam por influenciá-lo
negativamente, sendo, concomitantemente, instrumentos das trevas e da luz.

Que ninguém veja no medianeiro a presença do espírito benfeitor que lhe tutela o
empreendimento. Porque se retrata na superfície do lago, a estrela não se abala do
céu para vir engastar-se na lama...

Havendo entre os médiuns ciúmes e contendas, auxiliemo-los com o necessário


esclarecimento a fim de que se conscientizem da sua condição de meros serviçais, e
não de expoentes do ideal que nos redime.
2 - DESMISTIFICAÇÃO
"... manifesta se tornará a obra de cada um; pois o dia a demonstrará, porque está
sendo revelada pelo fogo; e, qual seja a obra de cada um, o próprio fogo o provará."

1 Coríntios, cap. 3 - v. 13

A palavra de Paulo aos companheiros de Corinto não dá margem a dúbias


interpretações: "manifesta se tornará a obra de cada um".

Os devotados seareiros da mediunidade acabarão por naturalmente se impor, ao


passo que àqueles que houverem trabalhado exclusivamente para si o tempo se
encarregará de demonstrar os interesses pessoais que os inspiram.

O joio cresce ao lado do trigo... A princípio confunde-se com o bom grão, mas, depois,
termina por revelar-se, traído pela sua própria condição.

A boa obra perpetua a memória do obreiro, no entanto a má obra incumbe-se de


reduzi-la a pó.

O fogo a que o apóstolo se refere, neste trecho de sua epístola, é o fogo cerrado das
lutas em que tantos sucumbem, perdendo, não raro, a própria originalidade.

Quantos companheiros da mediunidade em contato com as dificuldades a que se


expõem na tarefa, se despersonalizam, desconhecendo-se eles mesmos, após alguns
anos de atividade?!...

Quantos os que perdem o endereço da simplicidade, quais rebentos promisssores que


se frustram?! Quantos os que não mais conseguem voltar atrás, retomando o caminho
do qual imperceptivelmente se desviaram?!

Na Doutrina Espírita, os médiuns hão de manter-se em constante vigília para não se


deixarem enredar pelos companheiros que, incensando-os, não sabem o mal que lhes
fazem.

É muito comum que as pessoas procurem os médiuns para, através deles, obterem os
favores do Mundo Espiritual... Ledo engano! Os médiuns não podem concedê-los,
posto que, na maioria das vezes, não os têm nem para si mesmos!...

A única vez em que os apóstolos tentaram agradar Jesus com palavras melífluas,
chamando-o "bom", foram por ele advertidos severamente.

O médium que se permite envolver nas teias do elogio fácil, terminará por exaurir-se
em suas forças, debatendo-se em vão para delas desprender-se... É que lhe faltará
vontade firme para assumir-se em sua condição de fragilidade, habituado que se
tornou em escutar inverdades a seu próprio respeito.

Os médiuns novatos carecem de olhar a mediunidade, não com os olhos de Narciso


refletido na fonte... Mirem-se nos exemplos daqueles que choraram e sofreram,
sofrem e choram ainda, anulando-se para que a Obra se engrandeça em suas mãos.

Que não imitem ninguém, a não ser na conduta reta e no total desinteresse dos que a
vida inteira se imolaram na cruz do Senhor.

Que cada irmão da mediunidade siga as suas características, porquanto em cada qual a
mediunidade se manifesta com as suas peculiaridades.

Por deixarem de ser eles mesmos para serem os outros, muitos medianeiros perdem-
se na caminhada.

Médium algum, portanto, nada além aspire do que ser mais que simples instrumento
na orquestra que se compõe de milhares e milhares de outros, todos certamente,
substituíveis nas suas funções.

Não há erva daninha mais difícil de ser erradicada da personalidade do médium do que
a da vaidade... Sorrateira, ela se alastra e cria raízes que, periodicamente, a fazem
brotar.

É importante que cada médium siga o seu estilo de trabalho, sem preocupar-se em
fazer escola ou mesmo ser identificado com este ou aquele modo deste ou daquele
medianeiro, seja no expressar-se ou até mesmo no trajar-se.

Infelizmente, são raros os médiuns que, na Doutrina, não têm deixado se vencer pela
tentação do dinheiro, que, para muitos, transformou o exercício de mediunidade em
profissionalismo religioso.

Combatamos com fraternidade, mas com veemência, a atitude inaceitável de quantos


sensitivos, em fazendo do Espiritismo um meio de vida, desvirtuam a sua mensagem,
elitizando o Movimento e influenciando negativamente os jovens, os quais assim têm
da Doutrina uma visão deturpada.

Acautelem-se, pois, os médiuns contra esse cadinho esfogueante das tentações que
visam sempre colocá-lo em evidência. "O primeiro será o último", da palavra de Jesus,
não é simples força de expressão. Quem, de fato, cultivar a evidência vaidosa, em
prejuízo da humildade até anónima, em suas atividades medianímicas será
rapidamente esquecido, e tão mais rapidamente esquecido quanto mais depressa
tenha sido lembrado.
3 - O SELO DO APOSTOLADO
"Se não sou apóstolo para outrem; certamente o sou para vós outros, porque vós sois o
selo do meu apostolado no Senhor."

1 Coríntios, cap. 9 - v. 2

Se a mediunidade é de muitos, o apostolado é de poucos.

Raros os médiuns que se desincumbem de seus deveres na mediunidade qual se


estivessem cumprindo uma missão.

Para a maioria, o exercício da mediunidade é penoso, porquanto está sempre a exigir


continuados esforços de auto-aperfeiçoamento.

Os médiuns não podem ignorar que, se a mensagem que intermediam é de autoria dos
espíritos, a demonstração prática desta mesma mensagem é de sua responsabilidade.

Paulo compreendeu semelhante verdade e, desde seu inesquecível encontro com o


Senhor, renovou-se completamente. Não era apenas o inflamado orador da Boa-Nova,
mas também o exemplo vivo do que o Evangelho pode na vida de quem se converte.

Para os antigos pares no Sinédrio, poderia ser ele um homem enlouquecido, no


entanto, para os que lhe testemunharam a conversão, que lentamente se
fundamentaliza nas lutas do cotidiano, era ele um novo homem.

O seu devotamente à causa era de tal maneira sincero, que obteve o aval daqueles
mesmos que perseguira outrora.

Os que se tornam adeptos da Doutrina, mormente os que abraçam a tarefa mediúnica,


costumam ser incompreendidos pelos companheiros de antanho... Às vezes, dentro da
própria casa, enfrentam resistência às suas novas diretrizes de fé. Costumam ser
humilhados, ridicularizados... Então, quando emergem do lamaçal dos equívocos que
lhes dizem respeito, no justo anseio de uma vida melhor, há quem não acredite em
seus propósitos de romper com o passado.

Não importa, porém. Paulo viu-se abandonado pela família e pelos amigos mais caros
e, ao que consta, conseguindo ele importantes conversões para o Senhor, nunca
logrou a adesão daqueles que certamente não creram em sua mudança.

Isto acontece com os médiuns. Instrumentos de fé para os estranhos, para os que


tiveram oportunidade de conhecê-los na intimidade, não passam de alienados.
Pelo que nos afirma o Novo Testamento, os irmãos do Senhor não criam nele; talvez
justamente por isto, dos doze aos trinta anos, a Providência tenha determinado que o
Mestre se afastasse do cenário social da época, para que a sua aparição, na condição
de adulto, provocasse nas almas o necessário impacto.

Não se entristeçam os medianeiros que não consigam junto aos seus a consideração e
o acatamento que os estranhos lhes dedicam. Que perseverem no trabalho, porquanto
o que outrora plasmamos nas almas a nosso respeito, apenas o tempo pode mudar.

Também para alguns companheiros de ideal, Paulo necessitou provar, em décadas de


sofrimento pelo Evangelho, a sinceridade de seus novos propósitos. De início, somente
Barnabé lhe estendeu os braços...

Mas que o médium não se preocupe com a aprovação dos homens, e nem a busque, e
nem espere por ela. Antes, interesse-se pela aprovação de sua consciência em tudo
quanto esteja fazendo. Não contemporize com os erros, aceitando em si o que não
aceita nos outros!

O apostolado mediúnico é o apostolado de quem toma aos ombros a cruz individual do


testemunho, na decisão irrevogável de seguir nas pegadas do Senhor.

De uma maneira geral, os médiuns ainda ignoram que a alegria íntima no atendimento
às suas obrigações espirituais é o único salário a que devem aspirar. Por isto, o
apostolado mediúnico é de tão poucos!... Quando percebem que mediunidade é um
convite à ascese, na trilha dos heróis da renúncia e do sacrifício, os médiuns deliberam
encostá-la, continuando médiuns sem vínculo com este ou aquele compromisso. Não
querem deixar de ser médiuns, mas não ousam avançar na direção dos Cimos.

Os Espíritos Superiores não endossam as tarefas do medianeiro que não se


compromete com o apostolado da mediunidade. Aliás, pouco se têm feito presente
entre os homens, por absoluta falta de quem com eles se disponha a servir. Os
espíritos que com maior frequência contatam com os homens são de mediana
evolução, espíritos cujas ideias e emoções estão sujeitas a variações e mudanças a que
os próprios encarnados estão sujeitos.
4 - TAREFAS DIVERSIFICADAS
"E também há diversidade nos serviços, mas o Senhor é o mesmo."

1 Coríntios, cap. 12 - v. 5

Não há médium superior a outro médium. Os Espíritos Superiores não disputam a


primazia da Verdade entre os homens.

Consoante a assertiva paulina, as tarefas medianímicas, por mais diversificadas sejam,


concorrem para o mesmo objetivo.

Todas as fontes da Terra promanam da nascente das Alturas...

A água do mar não cumpre com a finalidade do diminuto filete que, deslizando
humilde entre as pedras, atende à sede do peregrino.

As mãos que escrevem livros sob a inspiração do Alto talvez não sejam dotadas do
dom de curar, e a palavra que arrebata multidões pode não ser aquela que toca as
almas em profundidade.

Na imensa gleba da Doutrina Espírita, todos os que se dispõem a cultivá-la são


imprescindíveis e estão a serviço do Dispensador de todas as bênçãos.

Não existe médium que seja insubstituível e nenhuma tarefa que se interrompa por
falta de obreiro. Os que cuidam na Terra dos interesses do Senhor revezam-se no
corpo e, quando um chega ao termo da jornada, outro logo desponta no caminho...

No colegiado cristão de Corinto, um dos núcleos do Cristianismo nascente onde os


dons de profetizar eram mais cultivados, disputas internas começavam a se constituir
em obstáculos à livre manifestação dos espíritos... Os profetas, que eram os médiuns
de antanho, qual acontece aos médiuns de agora, envaideciam-se dos próprios
espíritos que por eles se manifestavam. Começava a surgir perigosa hierarquia, feito a
da casta dos sacerdotes que, infelizmente, contribuiu, mais tarde, para desviar o
movimento cristão de seus rumos. Sempre atento, Paulo, exímio conhecedor das
fraquezas humanas, deliberou, com sua autoridade inconteste, pulverizar qualquer
pretensão de superioridade espiritual entre os companheiros do Evangelho.

Ninguém saberia dizer dos que, anonimamente, tombaram nos circos do martírio...
Muitos que a memória da Cristandade reverencia na condição de santos não passaram
de espíritos comuns que praticamente foram constrangidos ao sacrifício que não
puderam evitar.
A história do Espiritismo, apesar de recente, também está repleta de heróis anónimos
da mediunidade e de espíritos que, não se identificando, cooperam com Allan Kardec
na obra ciclópica da Codificação.

Vejamos os insofismáveis exemplos da Natureza... O verme que se arrasta nas


entranhas da terra é tão útil quanto o peixe que vitaliza as águas dos rios e os pássaros
que cooperam com o vento no trabalho de espalhar as sementes das mais variadas
espécies...

Em uma casa espírita, todo medianeiro, seja ele um lume resplandecente ou


bruxuleante candeia, é importante depositário de Luz.

Que os espíritas desavisados cessem, de vez, de fomentar discussões em torno de


quem seria o maior no | .impo da mediunidade. Foi para pôr fim em contenda
semelhante que Jesus, cingindo-se com uma toalha, lavou os pés dos apóstolos...

Quem mais se aproxima daquele que mais sabe é justamente aquele que tem
consciência de sua ignorância.

As diferentes atividades levadas a efeito pela mediunidade formam, em seu todo, um


conjunto harmonioso, e o médium, seja ele qual for, é peça importante nos
mecanismos do Bem.

Que os dirigentes espíritas não privilegiem ou destaquem este ou aquele medianeiro,


em detrimento daquele que talvez não tenha tido ainda oportunidade de revelar o seu
potencial. Não basta que a semente seja boa: é necessário que ela encontre terreno
propício à germinação...

Médiuns que vivem em ambiente que não lhes facilite o aprimoramento das
faculdades não conseguem deslanchar na tarefa. E, depois, há ainda o egoísmo dos
médiuns veteranos que, enciumados, não orientam a contento os que estejam se
iniciando, qual se fossem detentores de um segredo que guardassem só para si,
reeditando, no mundo, as antigas escolas de iniciação existentes no Egito e na índia.

O Espiritismo não tem mistérios e os médiuns mais experimentados a ele estarão


prestando relevante serviço na orientação, sem rodeios, aos companheiros que se
revelam bem intencionados, em seu propósito de exercer a mediunidade.
5 - MEDIUNIDADE ÚTIL
"A manifestação do espirito é concedida a cada um, visando a um fim proveitoso."

1 Coríntios, cap. 12 - v. 7

Mediunidade útil é aquela que cumpre com a sua finalidade na edificação espiritual
das criaturas.

Mediunidade não é uma aventura que se empreende nos caminhos do psiquismo, nem
um dom para ser ostentado qual se fosse privilégio concedido a poucos. Mediunidade
é instrumento de serviço, semelhante à enxada nas mãos do lavrador... Quem o
possui, deve dispor-se a servir em prol da comunidade, sem preocupar-se somente em
auferir-lhe os benefícios.

Infelizmente, a grande maioria dos médiuns não sabe dar um direcionamento


proveitoso às suas faculdades. Abraça a mediunidade à maneira de quem estivesse
abraçando um fardo espinhoso e excessivamente pesado. Lamenta a sua condição de
médium, estima inspirar a piedade dos outros, faz chantagem emocional, dá trabalho
aos dirigentes das sessões que frequentam...

Ora, a mediunidade, se de fato é, digamos, uma conquista cármica para o indivíduo,


não deixa de ser também uma carta de crédito a fim de que ele amenize os seus
débitos.

O médium que não se preocupa em ser útil no exercício de suas funções é candidato
ao desequilíbrio, atraindo para si as forças de caráter negativo que, então, passam a
vampirizá-los. Os sanatórios e hospitais psiquiátricos estão repletos de médiuns que
preferiram a internação ao trabalho perseverante.

A inconstância do médium é um dos maiores entraves que os espíritos enfrentam, na


tarefa do intercâmbio com os homens. Medianeiros existem que, por descrerem das
próprias faculdades, negam aos outros o alimento da fé que, do Alto, lhes chega por
seu intermédio.

Quando o médium deseja, dificilmente alguém poderá ser mais útil do que ele junto
àqueles que sofrem sem esperança. Polarizando as expectativas espirituais da criatura
em torno de sua sobrevivência à morte do corpo, o médium poderá contribuir
decisivamente para que ela dê à sua vida um sentido novo, concentrando-se no
trabalho da construção íntima.
Em meio à escuridão da descrença que impera no mundo, o médium é farol que
norteia quantos se interessam pelo rumo certo, livrando-os do naufrágio definitivo no
oceano revolto das paixões.

É compreensível, em sua condição humana, que o médium vacile, sofra o assédio da


tentação, do desânimo, da falta de vontade de prosseguir... É admissível que padeça
insegurança e incerteza quanto qualquer dos mortais, no entanto não se deve furtar
ao serviço do consolo e do amparo aos que parecem crer mais do que ele mesmo em
sua condição de medianeiro.

O médium que persevera no sustento da fé aos semelhantes, esforçando-se ele


próprio para manter-se de pé diante de suas dúvidas, é digno de grande respeito por
parte da Espiritualidade Superior.

Tomé, o apóstolo da dúvida, continuava no ministério que considerava sagrado,


embora lhe faltassem elementos para inabalável convicção... Apesar de ter tocado as
chagas do Cristo redivivo, é possível que tenha se questionado vez ou outra se não
teria sido vitima de uma alucinação.

A dúvida faz, e durante um bom tempo ainda fará, parte do quadro cármico do homem
na Terra.

Os médiuns não têm a obrigação de convencer quem quer que seja; têm, isto sim, o
dever de ser úteis à espiritualização que cada um deverá empreender por si mesmo, à
custa das dores de parto que antecedem o nascimento do homem novo.

O medianeiro que se preza não deve insular-se, fugindo à casa espírita onde, com mais
propriedade, é chamado ao exercício de suas funções. Ao grupo que se formar ao
redor dele, necessita ser constante inspiração ao trabalho, porquanto os frutos da
mediunidade são avaliados sempre pelo que ela consegue materializar no campo das
boas obras.

O médium não deve se prestar ao entretenimento dos que anseiam manter longas
conversações com os desencarnados... Os Espíritos Superiores identificam-se pela sua
capacidade de síntese com as palavras e pela sua objetividade na concretização do
Bem.

O médium que não encontrar meio de ser útil através da mediunidade deve procurar
sê-lo de outra forma, nem que, para tanto, deva renunciar ao seu exercício, porquanto
mais importante do que ser médium é ser homem de bem.

Lidar com a mediunidade por vaidade pessoal é lamentável equívoco do medianeiro,


que arcará com as consequências de sua imprevidência.
A finalidade precípua da mediunidade, portanto, é a de vitalizar espiritualmente as
criaturas, fecundando-lhes o psiquismo, para que façam resplandecer a sua própria
luz, caminhando conscientes para a sua plena integração com Deus.
6 - A UM E A OUTRO
"... a outro, no mesmo espirito, fé; e a outro, no mesmo espirito, dons de curar..."

1 Coríntios, cap. 12 - v. 9

Paulo, em sua epístola aos coríntios, revela-se profundo conhecedor da mediunidade,


que, aos tempos do Evangelho nascente, era apanágio dos cristãos, os quais, em suas
reuniões, recebiam a palavra daqueles que os haviam antecedido nos caminhos de
Além-túmulo...

Ele mesmo, portador de várias faculdades medianímicas, instruía os companheiros no


exercício de teus carismas para que deles soubessem obter o máximo proveito.

Afirmava que a mediunidade em si é o mesmo sentido em todos, manifestando-se,


porém, em cada um de acordo com as suas possibilidades, à semelhança da luz, nos
variados matizes em que se revela.

Convencionou-se dar mais ênfase ao trabalho do médium escritor ou pintor; todavia,


perante o Mundo Espiritual, toda mediunidade exercida com responsabilidade é
igualmente valorizada; aliás, melhor que se seja anónimo médium passista no
atendimento sincero às dores do próximo do que conhecido psicógrafo personalista,
distante do sofrimento alheio.

Precisamos, aqui, ressaltar o valor do médium que assoma à tribuna da casa espírita,
detendo-se, com os seus frequentadores, na interpretação da Palavra Divina. A rigor, é
ele que, com suas colocações judiciosas, abre as mentes, tornando-as mais receptivas
à Verdade.

Em seu abençoado apostolado, é também médium de inexcedível valor quem se


consagra ao ministério da evangelização infantil, que, diga-se de passagem, está a
merecer dos dirigentes espíritas maiores cuidados...

Ainda, não se define o valor do medianeiro que aplica os seus talentos na orientação
dos jovens, sem que, para tanto, necessite recorrer a nenhuma forma ostensiva de
mediunidade, procurando unicamente influenciá-los com os seus exemplos de caráter
na vivência dos postulados espíritas.

Médium de múltiplas faculdades que, no entanto, não se manifestam de forma


definida aos olhos deste ou daquele, é o dirigente espírita que se assoberba para que
as atividades da instituição que orienta continuem sendo cumpridas, arcando, não
raro, com um ónus espiritual que muitos confrades estão longe de avaliar.
É importante que o espírita, ele mesmo, valorize o trabalho que esteja sob a sua
responsabilidade, sem que se deprecie em suas funções, unicamente porque não
esteja no exercício específico desta ou daquela mediunidade.

Se sempre se fez indispensável combater o tabu existente contra os médiuns,


igualmente se faz necessário agora acabar com o tabu a favor dos médiuns, do tabu
que praticamente os promove à condição de Infalíveis oráculos ou de hierofantes da
Doutrina.

Cooperemos com o medianeiro em luta, porque, para ele, não é nada fácil perseverar
apesar de si mesmo, tendo que exercer um ministério sagrado com os pés atolados na
lama... Saibamos auxiliá-lo, porquanto, sem apoio, de fato ele pouco conseguirá
produzir, mas não o cerquemos com deferências que terminem por fazê-lo crer-se o
que efetivamente ele não é.

Conhecemos médiuns que, tidos por expoentes doMovimento, não passam de


companheiros que espiritualmente oscilam entre a sombra e a luz... Capazes de
grandes feitos, igualmente o são de atos medíocres. Canais receptivos da inspiração
superior, por incrível que pareça, conseguem, ao mesmo tempo, ser intérpretes das
paixões nas quais ainda se comprazem, servindo de "pasto" para os desencarnados
que lhes vampirizam as energias.

As nossas palavras não objetivam senão alertar para o estado de indigência espiritual
em que os homens vivem na Terra, orbe, sem dúvida, onde se congregam espíritos que
somente agora abandonam a sua condição larvária, lentamente ascendendo na
direção da Luz...

Sem que desejemos nos exceder em nossas considerações, interpretemos ainda a


assertiva de Paulo aos coríntios no sentido de que é perfeitamente possível que um
mesmo espírito opere de maneira diferente, através de instrumentos diferentes, por
exemplo escrevendo por um e curando por outro, valendo-se, é claro, do polimorfismo
de suas aptidões. Apenas no sentido de clarear um pouco mais o que afirmamos, é
lógico que quem não consiga empreender determinada viagem de avião o faça de
automóvel, de locomotiva ou de carroça, de acordo com o veículo que tenha à
disposição.
7 - COOPERAÇÃO E UNIÃO
"... para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com
igual cuidado, em favor uns dos outros."

1 Coríntios, cap. 12 - v. 25

O Cristianismo nascente, de fato, deve muito a Paulo. Apesar de seu espírito


indomável em defesa da Verdade, ninguém trabalhou qual ele o fez no sentido de
preservar a unidade entre os cristãos, combatendo com veemência o personalismo e a
inclinação à superioridade deste ou daquele grupo.

Entre os espíritas e, notadamente entre os médiuns, ha que existir sempre espírito de


cooperação, na Imprescindível troca de experiências, objetivando o real descimento da
Doutrina.

Os médiuns são chamados a dar o exemplo de entendimento entre si, porfiando na


sustentação do grupo a que se vinculem, sem cultivar preferências de qualquer
espécie...

Infelizmente, é muito comum que determinado medianeiro torça pela queda do outro
— do outro que considera um obstáculo em sua trajetória. Temos visto companheiros
espíritas acusarem os demais confrades, expondo-lhes publicamente as feridas, sem a
iniciativa caridosa de socorrê-los em suas dificuldades.

Sem espírito de fraternidade legítima, os espíritas reeditarão os cristãos que acabaram


por desviar o Cristianismo de seu objetivo, transformando-o mais em uma religião de
adoração exterior do que de reforma íntima.

Conforme o verbo lúcido do Apóstolo dos Gentios, que os médiuns cooperem, "com
igual cuidado, em favor uns dos outros", compreendendo que são parte vital do
Movimento Espírita que lhes compete incentivar em toda iniciativa nobre.

Medianeiro que disputa a preferência do público espírita na atividade que exerce, seja
ela de que natureza for, é medianeiro personalista a serviço da cizânia, da discórdia e
da perturbação.

O Espiritismo, codificado por Allan Kardec, não é uma doutrina de múltiplas facções.
Médium algum poderá "fazer" um Espiritismo à sua maneira... Basicamente, todos os
grupos espíritas têm a mesma orientação, aplicável de acordo com as suas
peculiaridades, mas sem afastar-se das diretrizes kardecianas.
Médiuns personalistas, a serviço de espíritos personalistas, interessados em lançar a
confusão entre os espíritas, têm se responsabilizado por inovações perigosas e, não
satisfeitos, por métodos de trabalho que cada vez mais se distanciam da pureza
primitiva da Doutrina. Caciques reencarnados ou sacerdotes numa nova roupagem
física, esses medianeiros sentem-se os donos da "tribo" à qual desejam agregar
outras... Donos de uma falsa humildade, afirmam que nada são, mas, no fundo,
estimam ouvir os aplausos com os quais a multidão menos esclarecida costuma louvá-
los, reforçando neles falsa concepção acerca de si mesmos.

No exemplo de Paulo, quando se refere à necessidade de cooperação entre os


membros do corpo, para o seu perfeito funcionamento, imaginemos o Movimento
Espírita esfacelado, os centros transformados em antros de conversação doentia, de
ataques sistemáticos aos irmãos da mediunidade em suas lutas, os periódicos
doutrinários transformados em campo de batalha onde apenas existem feridos de
parte a parte...

No apostolado da mediunidade, o médium será, antes de tudo, um legionários da paz,


um apagador de incêndios, um traço-de-união entre os companheiros, entre os
diferentes grupos e as mais diversificadas tarefas...

Será, ainda, uma voz sempre conciliadora, capaz de emudecer, se preciso for, para
colocar termo à polémica insensata, defendendo a unidade da Doutrina em seu tríplice
aspecto: científico, filosófico e religioso.

Ao rastro dos profetas da antiguidade, o médium com espírito de apostolado não


hesitará no cumprimento do dever, o qual sempre colocará acima de si mesmo,
doando-se inteiramente aos propósitos de ordem superior sem imiscuir-se nas
picuinhas tão ao gosto daqueles medianeiros que trabalham mais para si do que para a
Causa.

"Com igual cuidado" significa: com igual interesse, com igual dedicação, com igual
entusiasmo... O medianeiro que, mais do que ser médium, não procurar ser cristão na
mais legítima acepção da palavra não fará de sua vida um apostolado com Jesus,
intermediando junto da Humanidade a mais sublime de todas as mensagens — a
vivência do Evangelho!
8 - MEDIUNIDADE E CONHECIMENTO
"... porque em parte conhecemos e em parte profetizamos."

1 Coríntios, cap. 13 - v. 9

Com o devido respeito em nossas palavras, a função do espírito não é a de substituir a


ignorância do médium.

Mediunidade, repetimos, é um processo de parceria.

Às vezes, é o médium que é chamado a suprir a falta de conhecimento do espírito


comunicante.

O médium necessita estudar, informar-se, criar condições para que o espírito encontre
nele o instrumento adequado.

O Espírito não pode fazer nada sozinho. É indispensável que, na produção do


fenómeno, seja de que natureza for, ele encontre no médium o correspondente
complemento.

Quando o medianeiro revela aptidão para este ou aquele tipo de mediunidade, ele
carece de aprimorar-se, oferecer campo de atuação para o espírito.

Constitui-se em lamentável tabu no Espiritismo o fato de que o médium pode ser


analfabeto... Isto simplesmente não existe! Quase sempre, o médium sem cultura
académica é detentor de valioso patrimônio cultural do passado. O espírito "extrai" do
seu subconsciente os recursos de que se vale, no caso dos comunicados de natureza
intelectual.

Quase sempre, o médium de mais ampla produção literária é médium que lê muito —
diz que não lê, imaginando assim dar maior credibilidade ao fenómeno que se
processa por seu intermédio, esquecendo-se de que acaba por transformar-se em
agente da mentira...

Temos, por exemplo, observado no Brasil grande proliferação de médiuns consagrados


à pintura... Realmente, pintores reencarnados ou em processo de desenvolvimento no
campo da pintura deveriam lançar-se ao estudo da arte com as tintas, exercitando-se
exaustivamente para que os espíritos dos artistas consagrados neles encontrassem a
parceria adequada, mas, como não estudam, produzem telas ridículas, de sofrível
valor, expondo ainda a mediunidade às críticas de seus adversários.
O mesmo ocorre na produção mediúnica do romance e da poesia, dois géneros
literários que quase exigem especialização dos sensitivos que a eles se consagram...
São inúmeros os trabalhos mediúnicos no setor do romance e da poesia que não
resistem a uma análise... É claro que não estamos a discutir o valor da mensagem em
si. Estamos nos referindo à necessidade de que os médiuns estudem, se aprofundem
no conhecimento do idioma e não queiram publicar tudo o que recebam.

Escrevendo aos coríntios, Paulo foi taxativo: "...em parte conhecemos e em parte
profetizamos". Isto quer dizer que todo medianeiro, desde os tempos apostólicos,
quando então denominados profetas, interfere, positiva ou negativamente, na
qualidade do fenómeno que se produz por seu intermédio.

Daí também a necessidade de o médium espiritualizar-se, adquirindo discernimento,


para obter maior controle do fenômeno, sendo ele mesmo uma espécie de crivo moral
para os espíritos que desejem expressar-se por suas faculdades.

O médium, ainda, para escrever ou falar, pintar ou ouvir, ver ou atuar sob a ação de
um espírito não precisa comportar-se de maneira febricitante. Aquele que escreve
pode perfeitamente escrever como quem escreve uma carta, sem necessidade alguma
de ter os olhos sempre fechados... Aquele que fala não necessita falar como quem
abre a boca sem coordenação das ideias que expresse... Aquele que pinta não carece
de gesticular além dos movimentos indispensáveis a quem conduz cuidadosamente a
paleta...

Kardec foi divinamente inspirado quando cunhou a palavra médium. Médium é


intérprete, e o intérprete sempre empresta algo de sua própria emoção e inteligência
ao papel que representa.

Observemos as águas do rio: quanto mais desimpedido o leito por onde correm, mais
tranquilamente haverão de deslizar... Assim deve ser o médium — uma espécie de
leito sem incidentes, por onde se canalize com a naturalidade possível a linfa da
inspiração.

Portanto que o médium quebre de vez o tabu de que ele não tem necessidade alguma
de preparar-se para o espírito. Aliás, é justamente isto que os espíritos das trevas
querem que ele continue pensando, pois, assim, continuará indefinidamente
marcando passo na mediunidade — na mediunidade que, por falta de aprimoramento
dos médiuns, não deslancha.
9 - COM ZELO E DISCERNIMENTO
"Segui o amor e procurai com zelo os dons espirituais..."

1 Coríntios, cap. 14 - v. 1

Na assertiva de Paulo, procurar com zelo os dons espirituais é interessar-se por eles e
cultivá-los.

Médiuns existem que não se interessam pelo aprimoramento dos próprios dons
mediúnicos e não têm a mínima disposição para a disciplina que qualquer atividade
espiritual requisita.

Quantos, digamos, nascem médiuns e não sabem valorizar semelhante conquista,


fruto das experiências vivenciadas no pretérito ou, ainda, da condição genética em que
renasceram?! Quantos são médiuns desde o berço e não revelam o menor interesse
pela Doutrina, chegando a ser avessos às reuniões promovidas nas casas espíritas?!...

Sem dúvida, a faculdade mediúnica é também fruto de uma maturação psíquica que, a
rigor, nada tem a ver com maturidade moral. Mas, assim como o fruto verde pode ser
amadurecido na estufa, em muitos o processo de desenvolvimento mediúnico pode
ser antecipado. Como pode ser isto?! É simples...

Todos trazendo em si os germens da mediunidade, com persistência e devotamento


no estudo e na auto-iluminação através da prática do bem aos semelhantes, todos os
que desejarem poderão conscientemente optar pela mediunidade. Aliás, quem se faz
médium costuma ser melhor instrumento do que aquele que nasce médium feito. Aqui
também pode se aplicar o adágio de que a Vida concede asas a quem não sabe voar...

Quantos revelam tendência natural para esta ou aquela profissão, exercendo outras
completamente diferentes?! Quantos contrariam a própria vocação, por interesses
económicos ou sociais?!...

Há, sem dúvida, quem reencarne com determinada predisposição orgânica para a
mediunidade, mas, em contrapartida, não tem interesse no cultivo dos dons
espirituais. Já outros, por vezes carecem remover pesados obstáculos para se
tornarem médiuns, e isto é perfeitamente compreensível.

O assunto comporta abordagens diversas e exaustivas tais, que reconhecemos não


podermos empreender agora.
A mediunidade pode ser comparada a flor de rara espécie que precisa ser cuidada com
zelo para que sempre se conserve exuberante, sem que perca a vivacidade das pétalas
e a sua fragrância característica.

O médium, portanto, há de ser zeloso de seus dons medianímicos, evitando conspurcá-


los pela conversação menos digna, pelos pensamentos infelizes, pelas ações
injustificáveis...

A mediunidade também é possível de adoecer... Quando o médium se enferma do


ponto de vista moral e psicológico, a mediunidade passa a requisitar tratamento e
tratamento quase sempre prolongado de saneamento psíquico.

Quem não zela dos olhos acaba por comprometer ao, quem não cuida dos ouvidos
termina na surdez... O médium que, no dizer de Paulo, não segue o amor, procurando
com zelo os dons espirituais, desequilibra-se; aparentemente, pode estar tudo bem
com ele, mas, no íntimo, acha-se em situação deplorável...

Na Vida Maior, temos dezenas e dezenas de hospitais especializados no tratamento


dos médiuns doentes, daqueles que, na Terra ou no Além, se enfermaram.

Às vezes, a mediunidade encontra o médium e ambos se desencontram, no entanto


pode acontecer que seja o médium quem delibere ir ao encontro da mediunidade e,
entre os dois, aconteça então abençoado consórcio.

Se Allan Kardec não tivesse se interessado pelos espíritos, os espíritos não haveriam de
interessar-se por ele. Outro certamente lhe tomaria o lugar na tarefa da Codificação.

Que quem não queira ser médium procure, pois, ser útil de outra forma. Ninguém
carece de ser médium à força. Não existe isso de médium ter que ser médium ou, caso
contrário, vai parar no sanatório... É outro tabu que precisa cair. Quem não desejar
exercer a mediunidade ostensiva, que a exerça nas múltiplas atividades espirituais nas
quais igualmente estará cuidando da própria iluminação.

Que os médiuns, portanto, cuidem de ser médiuns, mas sobretudo com zelo e
discernimento.
10 - TRÍPLICE INCUMBÊNCIA

"Mas o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando."

1 Coríntios, cap. 14 - v. 3

Paulo define com clareza a tarefa daquele que profetiza, ou seja, daquele que exerce a
mediunidade: Edificar, exortar e consolar. A rigor, o médium não tem outra obrigação.
Longe dele a pretensão de convencer, pelo fenómeno, a quem quer que seja.

Na realidade, ninguém se convence antes que haja amadurecido para a Verdade.

Allan Kardec não se convenceu da imortalidade, senão pelos diálogos que entabulava
com os supostos mortos. Não foram os olhos que o fizeram enxergar a lógica da vida
imperecível, mas, sim, a razão.

A tarefa precípua do médium, portanto, não é a de fazer conversões para a Doutrina.


A conversão é um acontecimento de foro íntimo e a instrumentação mediúnica não
passa de simples adendo no contexto em que ela se processa...

O medianeiro é chamado a edificar, a exortar e a consolar as criaturas, tríplice


incumbência na qual deve procurar se haver da melhor forma possível. Este é o seu
apostolado.

Edificar espiritualmente os homens já não constitui, por si só, tarefa acessível a todos.
É um desafio constante para o tarefeiro bem intencionado que, não raro, se aflige por
aqueles que Deus lhe colocou sob a tutela...

Edificar significa ainda fornecer sustentação cotidiana à crença de quantos vacilam em


suas lutas. Eis um dever que, para o médium, deve ser infinitamente gratificante: dar
força e coragem aos que concentram todas as suas esperanças de uma vida melhor na
vida de Além-Túmulo!

Temos, sem dúvida, o médium em mandato sobre a Terra, aquele que vem cumprindo
elevada missão de caráter geral entre os homens, mas o médium de atuação discreta,
junto a este ou àquele grupo, é de suma importância, porquanto, não raro, graças a ele
é que o trabalho dos companheiros se mantém.

No início do Cristianismo, a de Paulo era uma voz que ecoava aos quatro cantos, mas
cada comunidade cristã contava com o seu "profeta", através do qual o "Espírito
Santo" a ela se dirigia em particular, incentivando os cristãos ao testemunho.
Nas celas das prisões, antecipando os martírios a que eram publicamente submetidos,
vários sensitivos, tomados pelas vozes do Além, exortavam os companheiros prestes a
dar a vida pelo Evangelho...

O Espiritismo, em sua função eminentemente consoladora, socorre os que sofrem


através da mensagem de vida eterna que veicula pelos lábios de seus "profetas", os
médiuns que abraçam na mediunidade o apostolado da consolação.

O Cristo não se preocupou em convencer mais do que em edificar, exortar e consolar.

Que o médium se sinta sempre assim: simples instrumento do qual a Espiritualidade se


serve para falar nos homens, exortando-os ao caminho do Bem!

No entanto existem médiuns que consideram semelhante incumbência sem expressão.


Querem ser estafetas de novas revelações, profetas de mensagens apocalípticas... Isto
também é vaidade! É que eles não se contentam em ser o que são, aspirando a voos
para os quais não possuem asas suficientemente fortes...

Quando extrapolam, transformam-se em mensageiros de falsa sabedoria,


complicando a cabeça das pessoas e desservindo a Doutrina.

A tríplice incumbência de edificar, exortar e consolar é uma incumbência de luz! O


médium que pode a ela se prestar, deve dirigir as mãos para o Alto e agradecer a
credibilidade que lhe está sendo depositada.

Porém que ninguém se esqueça: quem edifique, exorte e console aos outros, console,
exorte e edifique primeiro a si.

O medianeiro simples e anônimo desconhece a sua importância para os núcleos de


atividades anônimas e simples que sustentam a Doutrina! Representam eles diminutos
canais de irrigação, responsáveis pela fertilidade do campo da fé.

Bendito o médium que, falando aos homens, edifica, exorta e consola em nome de
Jesus!
11 - XENOGLOSSIA INÚTIL
"...pois quem profetiza é superior ao que fala em outras línguas, salvo se as interpretar
para que a igreja receba edificação."

1 Coríntios, cap. 14 - v. 5

Os fenômenos de xenoglossia eram comuns entre os cristãos dos tempos apostólicos.


Mediunizados, os profetas" falavam em outras línguas, qual aconteceu, inclusive, na
festa de Pentecostes, quando, segundo se lê em Atos dos Apóstolos, "todos foram
cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito
Santo lhes concedia que falassem".

Paulo compreendia a quase total inutilidade de semelhantes comunicados, visto serem


poucos os que podiam assimilá-los, porquanto os espíritos se expressavam em dialetos
aos quais raríssimos ali presentes tinham acesso.

As reuniões em que tais fenómenos ocorriam transformavam-se numa autêntica "torre


de Babel", tornando a palavra de Além-Túmulo, que deveria ser de edificação para a
igreja, completamente ininteligível.

Com alguns medianeiros inexperientes costuma acontecer o mesmo em nossos dias...


Escrevem páginas e mais páginas em língua desconhecida, sendo que, quase sempre se
encontram debaixo de processo de fascinação e o que escrevem não passa de
garatujas de algum espírito brincalhão, carecendo de qualquer significado literário.

Fenómeno idêntico acontece com a mediunidade psicofônica. Mediunizados,


sensitivos se expressam em línguas supostamente mortas, mas, na realidade, estão
pronunciando termos desconexos que não têm nenhum valor para comprovação de
autenticidade dos comunicados.

Paulo falou de modo a não deixar evasivas: "Quem profetiza é superior ao que fala em
outras línguas", ou seja, quem interpreta a mensagem ou quem decodifica a palavra,
explicando-a em espírito e verdade, é profeta do esclarecimento, medianeiro da
instrução, apóstolo da Verdade acessível a todos.

Da lição do ex-rabino, depreendemos ainda que o médium tem o dever de manter o


controle dos comunicados que acontecem por sua intermediação psíquica... Se não
tiverem qualquer proveito, devem, de imediato, ser postos de lado e os espíritos que
lhes sejam os autores convidados pelo próprio médium a se expressarem com maior
clareza e objetividade.
Por justiça, precisamos ressaltar que um ou outro fenómeno de xenoglossia, sem
dúvida, merece credibilidade, porém o que temos visto acontecer entre os médiuns
sem discernimento é uma série infindável de comunicados que apenas denotam, sobre
eles, uma interferência espiritual negativa.

Um espírito esclarecido não se expressa por metáforas incompreensíveis, não fala ou


escreve de maneira empolada e enigmática.

"Seja o teu falar sim, sim; não, não", conclamou-nos Jesus.

O estudo das Escrituras era incentivado por Paulo junto às comunidades cristãs, o qual,
em suas cartas, primava pela interpretação da Palavra Divina, de modo que todos
pudessem acolhê-la e vivenciá-la. Combatia com veemência, qual igualmente Jesus
havia combatido, os doutores da lei que ludibriavam o povo, distorcendo o significado
das profecias.

Em nossos templos espíritas, que, de fato, são escolas da alma, a função do expositor
da Doutrina é de suma importância, mais até, em muitos casos, que a do próprio
medianeiro, não nos esquecendo de que o orador espírita é médium por excelência,
encarregado de despertar consciências adormecidas. Preferível, em nossa casas de fé,
uma reunião de estudos a uma reunião mediúnica, caso nos víssemos na iminência de
escolher entre uma e outra.

Atentemos também para o fato de que todo comunicado de Além-Túmulo deve ser
submetido ao crivo da razão.

Não é aconselhável que, a priori, se aceite esta ou aquela mensagem, unicamente


porque seja de autoria deste ou daquele espírito e tenha sido recebida por este ou
aquele médium. O medianeiro que ficar melindrado por semelhante providência
evidenciará, por si e não pelo espírito, que os seus propósitos na mediunidade estão a
carecer de maior sinceridade. Quase sempre, o médium que sistematicamente
defenda o espírito que se expressa por seu intermédio está é a defender a si mesmo, e
vice-versa.
12 - QUE FAREI, POIS?
"Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente; cantarei com
o espírito, mas também cantarei com a mente."

1 Coríntios, cap. 14 - v. 12

A indagação de Paulo é a indagação de muitos que se consagram às atividades


espirituais, quando se vêem chamados a responsabilidades mais amplas.

Observe-se, no entanto, que o Apóstolo da Gentilidade não permaneceu no


questionamento sem resposta. Ele próprio traçou para si o caminho a ser trilhado:
"Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas
também cantarei com a mente".

Deliberara Paulo a entregar-se inteiramente, confiando-se de modo pleno às


prerrogativas divinas, ao contrário de quantos hesitam ou somente parcialmente
concordam em doar-se às tarefas de natureza espiritual.

Encontramos muitos medianeiros assim, divididos entre o querer e o não-querer, entre


o assumir e o não-assumir os deveres a que são chamados na mediunidade.

Muitos entregam o corpo, raros entregam o espírito...

Muitos entregam o seu tempo, raros entregam a sua vida...

Os que vacilam no exercício da mediunidade, nunca conseguem ir além de suas


primeiras conquistas, porquanto, para desenvolver-se, chega o instante em que a
mediunidade passa a exigir mais do médium — mais do seu interesse, mais do seu
esforço, mais de sua renúncia, mais de seu idealismo e mesmo até mais de sua
coragem em expor-se às incompreensões, às ironias e às críticas.

O medianeiro que não sabe ousar além dos primeiros passos estaciona por longo
tempo nos degraus de sua ascensão de início, tornando-se improdutivo e frustrando
nos amigos espirituais a expectativa pelo seu crescimento.

Todo médium que aparece na Terra representa motivo de júbilo para os espíritos que,
então, passam a contar com mais uma "estação repetidora" no mundo... Acontece,
porém, que, na maioria das vezes, a referida "estação" revela fraco sinal, ou seja,
reduzido poder de alcance na abrangência da mensagem que os desencarnados
pretendem transmitir por seu intermédio...
Quantos, aflitos, não arremessam ao Alto a indagação paulina quando se vêem
agraciados pelos dons mediúnicos: "Que farei, pois?". Rogavam aos Céus o talento que
prometiam multiplicar em benefício dos semelhantes, mas, ao tê-lo nas mãos,
recuam... Temem a responsabilidade do serviço, sentem-se por demais expostos aos
olhares públicos, receiam atrapalhos em sua vida particular.

Se Paulo houvesse permanecido na fase do questionamento, certamente não teria


confirmado a sua condição de vaso escolhido pelo Senhor.

Por este motivo e outros que não convém relacionar agora, é que não devemos
incentivar demasiadamente companheiros a ingressarem na mediunidade. Precisamos
orientá-los e deixar que decidam por si o melhor caminho. Isto, aliás, vale também
para outros setores vocacionais das múltiplas atividades humanas.

O médium que não possui vocação para a mediunidade deve ser aconselhado a
desistir, procurando realizar-se espiritualmente em tarefa que concorde em executar
com alegria. Repetimos: para o médium no qual a mediunidade é motivo de
sofrimento, de angústia, existem outras opções para que ele se harmonize
interiormente. Ninguém deve ser médium por imposição.

Mediunidade é uma prova (para a grande maioria ela o é) que precisa ser cumprida
com alegria.

Médium algum deve ter receio de renunciar à mediunidade e perturbar-se. O que ele
não pode é desertar do cultivo de si mesmo, através da vigilância de seus pensamentos
e da prática sistemática do Bem... O que não lhe é aconselhável é que, deixando a
mediunidade, ele corte o fio de sintonia com os Planos Superiores...

Que o medianeiro compreenda que servir de intérprete a um espírito sofredor


necessitado de orientação e conforto é uma bênção. Que quem não possa ser médium
dos espíritos iluminados seja enfermeiro dos espíritos doentes, ofertando-lhes o
psiquismo por padiola onde possam receber tratamento.

Portanto aos médiuns que estejam ainda na fase da indagação — "Que farei, pois?" —
solicitamos permissão para responder-lhes inspirados em Paulo: — Orem e cantem,
trabalhando sempre!...
13 - MÉDIUNS MALEDICENTES
"Irmãos, não sejais meninos no juízo; na malicia, sim, sede crianças; quanto ao juízo,
sede homens amadurecidos."

1 Coríntios, cap. 14 - v. 20

Porque Jesus recomendou que os seus seguidores fossem mansos qual as pombas e
prudentes feito as serpentes, há quem procure justificar-se na malícia que adota em
seu relacionamento com o próximo.

Infelizmente, nem os médiuns escapam à malícia que, dizem, assumem por


necessidade de autodefesa contra as arremetidas de quantos conspiram contra os
seus ideais de trabalho.

É claro que os medianeiros carecem de precaver--se e saber que estão lidando com
todos os tipos de interesse, inclusive aqueles afetos ao personalismo, à inveja, ao
ciúme... Muitos dos que combatem a mediunidade não o fazem por idealismo sincero
e, não raro, combatendo a mediunidade, ao médium é que desejam combater.

Em sã consciência, não podemos desaprovar a atitude vigilante dos médiuns zelosos


das tarefas espirituais pelas quais respondem... Intenções menos dignas estão
constantemente a rondar-lhes os passos, ansiando por enredá-los em suas teias
escuras e comprometer-lhes as atividades.

Todavia, entre a malícia necessária e a maledicência em que ela pode transformar-se,


subtraindo do médium a necessária espontaneidade no trato com as pessoas, a
distância é imensa.

O médium demasiadamente malicioso e que se gaba de ser ladino acaba por iniciar-se
na maledicência, não mais imprimindo confiança naquilo que faz e representa. Se
dialoga com alguém, está sempre atormentado pelas possíveis intenções escusas do
interlocutor e, o que pior, quase sempre está articulando ideias que objetivam
exclusivamente o atendimento de suas aspirações de caráter pessoal.

Quando o médium perde o vínculo com a simplicidade e ele próprio passa a descrer de
sua sinceridade na tarefa, é tempo de indispensável pausa para que ele repense as
suas atitudes.

Os médiuns que extrapolam os cuidados da vigilância e se tornam maliciosos, sem que


percebam, passam a refletir no próprio semblante uma aura maledicente que,
imperceptivelmente, gera a antipatia naqueles que o rodeiam. Sabe-se que, com ele,
se pode ir até a determinado ponto, mas não além...
O medianeiro carecia mesmo de ser, na maioria das vezes, um charco de onde reponta
o lírio imaculado... Somente assim, atolado na lama, ele seria capaz de compreender
aqueles que se lhe assemelham nas imperfeições e mazelas e sentir-se tocado de
misericórdia por quantos com ele se nivelam nas lutas que ainda não superou.

O juízo que Paulo recomenda aos cristãos de Corinto, não se refere exclusivamente ao
fato de se ter cabeça... O ex-rabino também os advertia quanto ao julgamento
precipitado das atitudes alheias, aconselhando-lhes a ponderação que é apanágio
apenas dos homens amadurecidos.

No apostolado mediúnico, o médium que sabe mais é aquele que sabe que quem age
com o coração sempre triunfa, embora transitoriamente possa expor--se a inúmeros
dissabores.

O médium que age com total isenção de ânimo, que nada malícia, que prefere ser
enganado a enganar, que não abusa da confiança alheia e não subtrai a fé de ninguém
através dos desmandos cujo direito de converter arroga para si, sob o beneplácito do
tempo, sai vencedor de todo e qualquer embate.

Ao contrário, o médium que se julga em condições de calçar "salto alto", ou cujos


desequilíbrios emocionais os espíritos estão sempre olhando e que, em hipótese
alguma, se justificam decepciona e é decepcionado, porquanto os espíritos, por mais
estima tenham por ele, evidentemente têm mais afazeres que suportar um médium
emotivamente imprevisível.

A mediunidade não confere a médium algum o direito de extrapolar. Antes, exige-lhe


discernimento e equilíbrio no exercício de suas funções, pois mediunidade leviana é
ladeira derrapante na qual fatalmente o médium terminará, com várias fraturas
expostas reclamando delicadas intervenções de reajuste, com direito a muletas para
que reaprenda a andar...
14 - NÃO É PARA OS INCRÉDULOS
"... mas a profecia não é para os incrédulos, e, sim, para os que crêem."

1 Coríntios, cap. 14 - v. 22

A mediunidade não é, necessariamente, um instrumento de convicção para os


incrédulos.

Os argumentos dos cépticos são inesgotáveis e, para o que não crê, sempre se fará
possível os questionamentos, mesmo diante das mais claras evidências.

Tomé não se contentou com a visão do Cristo redivivo: pediu-lhe permissão para
tocar-lhe as chagas a fim de convencer-se da realidade.

A mediunidade, por um longo tempo ainda, sofrerá o escárnio de quantos se


acomodam na situação espiritual em que se encontram, "mais por interesse do que
por convicção"...

Para que Sir William Crookes aceitasse o fato da sobrevivência da alma, foi preciso que
o espírito Katie King, através da médium Florence Cook, se materializasse diante de
seus olhos de investigador, durante três anos consecutivos.

Charles Richet, o fundador da Metapsíquica, apenas se curvou ante a verdade


imortalista quando ele próprio se encontrava agonizante, no limiar da dimensão etérea
que tateara no curso de sua profícua existência...

Equivocam-se os espíritos que pretendem convencer pelo fenómeno e enganam-se os


médiuns que têm a pretensão de converter os incrédulos através do que logram
produzir na mediunidade.

Paulo, alcançando semelhante realidade, escreveu aos cristãos de Corinto que "a
profecia não é para os incrédulos, e, sim, para os que crêem". Portanto que eles não
perdessem tempo tentando incutir a fé nas almas cristalizadas na descrença... Para
elas, a profecia, ou seja, a mediunidade não deveria passar de subsídio para que se
rendessem aos alvitres da razão.

Existem médiuns que, na tentativa de impressionar os cépticos, extrapolam e, indo


além de suas atribuições, cooperam ainda mais para o fortalecimento da dúvida...

Empenham-se em conquistar adeptos importantes para a Doutrina, esquecidos de que


"muitos são os chamados e poucos os escolhidos"...
Agem sem nenhum bom senso os dirigentes de reuniões mediúnicas que nelas
admitem os que não têm maior conhecimento doutrinário e sequer adeptos do
Espiritismo se consideram. Numa reunião mediúnica privativa, apenas devem ser
admitidos espíritas já com alguma vivência e perfeitamente entrosados nas atividades
da Doutrina.

Os Espíritos Superiores sabem que a convicção é processo afeto a cada alma e o que
para uma é motivo de crença, para outra é de negação.

Que os medianeiros não se desalentem perante os que, a princípio, não aceitem a sua
atuação-, que perseverem em suas atividades medianímicas, sem buscarem aprovação
outra que não seja a da consciência tranquila pelo cumprimento do dever.

Se a dúvida parte dos próprios companheiros de ideal, é uma razão a mais para que os
médiuns questionados não desertem de suas obrigações, fornecendo-lhes, com o aval
do tempo, um atestado de convicção pessoal naquilo que o Mundo Maior produz por
seu intermédio, na tentativa de acordar os homens para as realidades do espírito.

Segundo Paulo, a "profecia" ainda não é para os "profetas" incrédulos, o que significa
dizer: a mediunidade não é para os médiuns descrentes!

O médium que não atuar com a mínima convicção necessária não conseguirá incutir fé
em ninguém; ao contrário, terminará, inclusive, por destruir o embrião da crença nos
corações...

Se o médium não confia, se questiona em excesso à ação dos espíritos através de si, se
vacila com frequência, se se sente incapaz de servir na edificação das almas, é melhor
que desista de ser médium.

É evidente que não se espera do médium uma fé cega, mas também nem uma
descrença sistemática. Para utilizarem o médium como instrumento, os espíritos
necessitam de sua colaboração consciente, lúcida, consentida...

No apostolado da mediunidade não há lugar para dúvidas infindáveis, porquanto o


serviço a ser feito exige ação que protela, sine die, as questões que costumam
imobilizar os braços de quem não sabe colocar o bem dos semelhantes acima de
qualquer incerteza de caráter pessoal.
15 - TUDO SEJA FEITO
"Que fazer, pois, irmãos? Quando vos reunis, um tem salmo, outro doutrina, este traz
revelação, aquele outro língua e ainda outro interpretação. Seja tudo feito para
edificação."

1 Coríntios, cap. 14 - v. 26

Paulo recomendava que os cristãos, ao se reunirem, primassem pela edificação


espiritual, cada um emprestando, para tanto, a colaboração de seus dons, sem que
ninguém se preocupasse em sobrepujar os demais.

"Um tem salmo, outro doutrina, este traz revelação, aquele outro língua e ainda outro
interpretação"...

No templo espírita, todos os companheiros dedicados à tarefa cooperam, de igual


forma, no fortalecimento recíproco da fé... Este transmite o passe, aquele psicografa,
outro incorpora... Há quem cuide da exposição doutrinária, quem se mantenha atento
à porta, quem oriente as crianças, quem distribua o panfleto doutrinário, quem
dialogue com os neófitos, quem prime pela limpeza do recinto...

Bastará, no entanto, que o personalismo deste ou daquele se exacerbe, para que a


descrença apareça, comprometendo o equilíbrio do grupo e interferindo no resultado
final.

Será suficiente que a vaidade fale mais alto naquele que anseia por concentrar
atenções, reclamando para si todos os olhares e aplausos, para que a obra, como um
todo, sofra as consequências.

Naqueles que compreendem o verdadeiro espírito da Doutrina, não há competição de


influência... Entendendo os seus compromissos diante dos erros do pretérito, buscam
trabalhar sem imposições, colocando a união acima das querelas oriundas dos
conflitos de opinião.

Os espíritos se distribuem entre os médiuns de acordo com as suas tendências... Este


quer escrever, aquele deseja falar, outro anseia pintar... Muitos procuram vincular-se
ao campo da cura, à desobsessão, ao socorro anónimo aos encarnados...

Nem todos os espíritos, porém, têm atribuições na Terra. A maioria se sente


requisitada pelas atividades da Vida Espiritual e não dispõe de recursos, nem de tempo
para as tarefas da Crosta. Por assim dizer, entre eles e os encarnados romperam-se os
fios que os prendiam, dado, em muitas circunstâncias, serem bastante ténues os laços
que os juntavam.
Enganam-se quantos imaginam que a vida no Mundo Espiritual exista exclusivamente
em função da vida na Terra. De uma maneira geral, para os desencarnados a existência
física simboliza o passado e o que eles desejam é avançar na direção do porvir —
representado pelas dimensões espirituais que ainda não atingiram.

Apenas permanecem vinculadas à vida no mundo os espíritos que aí assumiram graves


compromissos ou que elegeram o intercâmbio com os encarnados por tarefa
prioritária em suas aspirações redentoras.

A multidão dos espíritos que povoa as regiões espirituais próximas ao planeta não sabe
o que nele se passa, não tem acesso a informações, é, por assim dizer, acometida de
um esquecimento semelhante àquele que acomete os espíritos quando reencarnam. É
por este motivo, entre tantos outros, que o contato com os espíritos desencarnados,
mormente com aqueles que deixaram o corpo há mais tempo, não é tarefa fácil para
os homens. Torna-se, por vezes, extremamente penoso localizar-lhes o paradeiro na
Vida Espiritual, levando-se ainda em conta que a maioria se vinculou a novas situações
afetivas e morais.

Porém, qual nos recomenda o grande Converso de Damasco, seja como for, tudo seja
feito para a edificação de todos.

Em nossos conclaves doutrinários e nos simpósios organizados em nome do


Espiritismo, principalmente naqueles aos quais tem acesso o grande público,
esmeremo-nos na simplicidade, combatendo toda e qualquer formalidade que não se
coadune com a grandeza espiritual de nossos postulados na revivescência do
Evangelho.

Que os médiuns sopesem o seu poder de influência no ânimo dos companheiros para,
de certa forma, interferirem positivamente na condução das tarefas nas quais são
chamados a participar com a força de seu idealismo.

O apostolado da mediunidade reclama dos médiuns imparcialidade em todos os


sentidos, para que efetivamente sejam os medianeiros do Cristo na concretização da
Nova Era.
16 - DISCIPLINA E ESPONTANEIDADE
"Tratando-se de profetas, falem apenas dois ou três, e os outros julguem. Se, porém,
vier a revelação a outrem que esteja assentado, cale-se o primeiro."

1 Coríntios, cap. 14 - vv. 29 e 30

É impressionante a riqueza de detalhes com que Paulo aborda a questão da


mediunidade em suas epístolas aos coríntios. Falando a respeito da disciplina
mediúnica entre os detentores do dom de profetizar, o apóstolo não deixa de
mencionar a importância da espontaneidade com que o Mundo Espiritual, por vezes,
se manifesta na "revelação a outrem que esteja assentado"...

Isto significa que nem sempre a Verdade é veiculada através de medianeiros


consagrados que, eventualmente, podem não ser os canais ideais para que
determinadas manifestações aconteçam.

Muitos sensitivos, com o passar do tempo, perdem a espontaneidade que precisa ser
cultivada como um dos atributos essenciais da mediunidade. Não raro, o medianeiro
enquadra-se excessivamente nas concepções que assimila, fechando "ramais" de
sintonia com o Plano Superior... Quando os espíritos carecem de falar do que
habitualmente não falam, recorrem a médiuns que tiram do anonimato, quase sempre
provocando a ciumeira dos médiuns que não foram escolhidos como instrumentos das
referidas revelações.

Entre os medianeiros mais vividos, infelizmente é comum a reação negativa contra os


médiuns novatos pelos quais se sentem ameaçados em seu prestígio e influência.

Antevendo os amplos caminhos da mediunidade, Paulo recomenda que, quando "vier


a revelação a outrem que esteja assentado, cale-se o primeiro", ou seja, compreenda o
médium que ele não é senhor dos espíritos e que ele não possui a primazia absoluta da
Verdade.

Quando o medianeiro cumpre a sua tarefa, permitindo-se envaidecer pelo que teve
oportunidade de realizar, a Espiritualidade o desativa; ele continua médium e, pelos
bons serviços prestados, prossegue na divulgação dos postulados que auxiliou a
impulsionar, mas os espíritos que cuidam do progresso da Humanidade transferem-se
de "domicílio mediúnico", passando a residir com o sensitivo que temporariamente
lhes atenda os propósitos de, gradativamente, fazer luz sobre as trevas da ignorância
humana.
Médiuns existem que, sorrateiramente, fazem campanhas contra outros que
despontam, na falsa ilusão de que seriam eles os eternos eleitos da Espiritualidade.

Esse processo que descrevemos, acontecendo naturalmente em todas as áreas do


saber, não poderia poupar a mediunidade... Se as ideias se renovam, os médiuns que
as expressam igualmente se renovam. Se os pesquisadores não se sucedessem uns aos
outros, a investigação da Verdade permaneceria estanque.

Aos médiuns que cooperaram com Kardec na Codificação, outros se sucederam e vêm
cumprindo admiravelmente o seu papel, mas, dentro do dinamismo natural da
Doutrina, novos médiuns surgirão no próximo milénio e, dentro desse engenhoso
processo de revezamento, haverão de descortinar novos rumos à Terceira Revelação.

A Verdade será sempre a Verdade, mas os seus arautos haverão de se substituírem,


sem que a tarefa confiada a um comprometa a tarefa confiada a outro, dentro das
possibilidades de realização deste ou daquele.

É importante que, no apostolado da mediunidade, o sensitivo mais experiente saiba


incentivar os companheiros iniciantes, mormente quando neles detectem as condições
imprescindíveis para que o Plano Espiritual realize um bom trabalho.

Paulo, em sua recomendação, expressa-se com a veemência que o caracterizava:


"...cale-se o primeiro"!... Extremamente difícil que o médium se desapegue de si
mesmo e abra espaço para este ou aquele companheiro de mediunidade. Quase
sempre, o interesse pessoal fala mais alto e o sensitivo perde excelente oportunidade
para coroar a sua atividade na condição de mecenas dos que, queira ou não, haverão
de substituí-lo no púlpito ou na imprensa, no livro ou na influência doutrinária que de
si supunha eterna...

De mente aberta e sempre receptiva, que os médiuns atentem, em silêncio e sem se


apropriarem do que não lhes pertence, para as revelações que, à semelhança de
orquídeas raras, floresçam espontaneamente nos lábios dos amigos que nunca
ousaram se levantar em promoção de si mesmos...

Entre os médiuns, qual também entre os espíritos, existem aqueles que furtam ideias
uns dos outros, assumindo a paternidade ilícita dos "filhos" que não foram gerados em
suas entranhas.
17 - TAL O MÉDIUM, TAL A MEDIUNIDADE
"Os espíritos dos profetas estão sujeitos aos próprios profetas."

1 Coríntios, cap. 14 - v. 32

A afirmativa de Paulo é de uma profundidade admirável. Em poucas palavras, ele


define bem o papel dos médiuns nas comunicações: "Os espíritos dos profetas estão
sujeitos aos próprios profetas".

Sem rodeios, o Apóstolo quis dizer que o médium atrai os espíritos com os quais se
afiniza e que, de certa forma, os espíritos que por ele se expressam se lhe submetem...

Se lhe submetem ao quê?! — muitos formulariam a indagação. Sem a pretensão de


uma resposta definitiva, redarguiríamos: se lhe submetem aos conhecimentos, se lhe
submetem aos sentimentos, se lhe submetem aos propósitos, se lhe submetem ao
modo de ser, se lhe submetem ao ânimo, se lhe submetem à vontade...

É claro que os espíritos que não aceitam tal ou qual médium, procuram outro e... se
lhe submetem. A recíproca igualmente é válida: o médium também está sujeito aos
espíritos que por ele se expressam... Sujeito às suas intenções, sujeito aos seus
anseios, sujeito à sua condição espiritual...

Vejamos que a responsabilidade do medianeiro no intercâmbio entre as duas


dimensões é fundamental. O médium pode, e, infelizmente, isso é o que quase sempre
acontece, distorcer a opinião do espírito, alterar o seu parecer, mudar o teor de suas
palavras, forçar a sua interpretação... Têm razão os que dizem que, em determinados
médiuns, fica difícil separar o que pertence a eles do que pertence aos espíritos, mas
semelhante colocação nem sempre evidencia a fidelidade do médium em relação ao
espírito comunicante.

É comum que médiuns, a fim de verem acatadas as opiniões que lhes são próprias, as
atribuam aos espíritos, transferindo-lhes a paternidade de suas ideias.

Sabendo que "os espíritos dos profetas estão sujeitos aos próprios profetas", notemos
que a personalidade do médium retrata a personalidade dos espíritos que com ele se
dispõem a trabalhar, porquanto espíritos humildes não se sujeitarão a médiuns
arrogantes... Embora a sua humildade, deixarão que os medianeiros arrogantes se lhe
tornem instrumentos menos presunçosos e, portanto, um tanto mais maleáveis ao
espírito da mensagem que desejam transmitir.

Observemos, ainda, que a personalidade do médium pode acabar interferindo na


personalidade dos espíritos, assim como a convivência de uma pessoa com outra pode
influenciá-la. O médium despojado de qualquer interesse pessoal estabelecerá sintonia
com espíritos de bom senso, espíritos conscientes de suas limitações e que não
hesitarão em declinar seus equívocos.

Mas avancemos um tanto além em nossas considerações, a respeito das sábias


anotações de Paulo no capítulo em foco. O médium, como médium, pode ser
excelente instrumento, mas não tendo bom caráter, os espíritos bem intencionados o
deixarão entregue às experiências que lhe dizem respeito. Ele, o médium, poderá até
prosseguir desenvolvendo considerável tarefa, pois, em seu tempo de convivência com
os espíritos, terá algo aprendido com eles; todavia, se assim podemos nos expressar,
sempre estará "faltando espírito" naquilo que faz.

Portanto, para os espíritos, é preferível um médium que seja menos médium do que
um que o seja em excesso mas sem o mínimo discernimento.

Em mediunidade, o caráter do médium chega a ser mais importante que a


mediunidade em si.

A formação do médium é de importância fundamental para os espíritos. Muitos


espíritos desistem do contato com os homens, porque não encontram sensitivos
capazes de interpretá-los na integralidade de suas emoções... O autor de uma peça
teatral anseia por um ator que consiga ser ele próprio em cena.

Nem sempre o que um espírito diz através de um médium é como ele gostaria de tê-lo
dito e, quase sempre, é necessário que ele se contente com a "filtragem psíquica" que
obteve. É preciso cautela com o médium que, à miúde, afirma que tal ou qual espírito
está dizendo isto ou aquilo e cuidado redobrado com o "espírito" que,
frequentemente, se imiscui nos comezinhos assuntos do cotidiano das pessoas.

Sintetizando: a alma do médium atrai o espírito com o qual se compraz e por ele deixa-
se empolgar nos interesses que lhes são comuns. Tal o médium, tal a mediunidade...
18 - MEDIUNIDADE EM VÃO
"Mas, pela graça de Deus, sou o que sou, e a sua graça, que me foi concedida, não se
tornou vã; antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça
de Deus comigo."

1 Coríntios, cap. 15 - v. 10

É evidente que nada existe ou acontece em vão. Tudo obedece a um propósito, que
muita vez nos escapa à análise imediata.

Paulo, escrevendo aos coríntios, afirma que a graça que lhe foi concedida "não se
tornou vã", ou seja, nele, a visão do Cristo redivivo, antecendo-lhe os méritos que mais
tarde conquistaria, frutificou de maneira prodigiosa, induzindo-o a trabalhar "muito
mais do que todos eles", os cristãos dos primeiros dias, muitos dos quais, apesar de
seu contato direto com o Senhor, quase nada operaram pela causa do Evangelho.

No entanto Paulo não se atribui qualquer mérito pelo esforço valioso que empreendia;
antes, debitava à graça de Deus consigo tudo quanto realizava no bem...

Transportando a lição para o campo da mediunidade, notamos que, infelizmente, a


faculdade mediúnica em muitos medianeiros se assemelha à figueira estéril.

Contam-se aos milhares os que clamam aos Céus por determinadas concessões que,
quando alcançadas, se lhes revelam não serem exatamente o que esperavam.

Quantos imaginam na mediunidade privilégio de natureza pessoal, olvidando que


qualquer dom medianímico é sinónimo de trabalho em prol dos semelhantes?!

Quantos aspiram à mediunidade para o seu próprio deleite, recusando-se, todavia, ao


serviço da fé em benefício do próximo?!

Quantos médiuns não sabem ser úteis, vendo enormes obstáculos em diminutos
entraves do cotidiano?!

Quantos outros não possuem a necessária determinação e a indispensável disciplina


que caracterizam as atividades de natureza espiritual?!

E ainda quantos outros portadores de faculdades sensitivas excelentes que parecem


amarrados aos invisíveis cordéis da apatia e do comodismo, da descrença em si
mesmos e da debilidade que não logram superar?!...

Visitado pela revelação divina às portas de Damasco, o futuro Apóstolo dos Gentios
colocou-se, de imediato, a serviço do Mestre, trabalhando a vida inteira, "mais do que
todos", para valorizar a bênção que lhe fora outorgada. Certamente, reconhecendo-se
esmagado pela sublimidade do fenómeno que protagonizara, Paulo lutou para
superar-se e não permitir que os Céus nele investissem inutilmente.

Médiuns existem que, unicamente por serem médiuns, impõem condições de


trabalho, formulam exigências descabidas, reivindicam deferências e privilégios,
querem ser distinguidos dos demais companheiros... Não colocam "a mão na massa",
não arregaçam as mangas, não sujam os pés, não vertem o suor do tarefeiro comum.
Anseiam pelo tratamento dispensado aos oráculos e hierofantes, sacerdotes e
pitonisas, esquecidos de que o médium é chamado, em qualquer circunstância, a dar
exemplo de simplicidade, qual o fez Jesus quando, cingindo-se com uma toalha, lavou
os pés dos discípulos...

O médium que não age é comparável ao homem da parábola que enterrou o seu
talento...

Quem se sentir apreciado por este ou aquele dom mediúnico deixe de vez tanta dúvida
e tanto questionamento que, na maioria, é o disfarce da má vontade e da falta do
desejo sincero de servir.

Em circunstância nenhuma acredite ser o que não é. Paulo, que era o que era, pela
graça de Deus foi o que foi, ou seja: apesar de suas limitações humanas, fez-se
apóstolo do Evangelho, sendo ele mesmo um dos maiores exemplos do poder
transformador da Boa-Nova sobre as criaturas.

Que quem não se sinta digno de ser médium, esforce-se para sê-lo, invés de preferir
renunciar ao exercício da mediunidade a ter que abrir mão de alguns dos seus
caprichos... Se a mediunidade procura o homem e o encontra na condição em que ele
se apresenta, é porque o aceita sem exigências de qualquer espécie.

Para que, no médium, a mediunidade não se torne vã, ele necessita trabalhar "muito
mais do que todos eles", os críticos, os que nele não acreditam, os invejosos, os
ciumentos... Trabalhar, é bom que se diga, sem espírito de competição. Trabalhar à
feição de alguém que recebeu régio salário antes do serviço executado e que, por isso
mesmo, se sente na obrigação de não falhar.

Que ninguém amargue, mais tarde, a dura decepção de ter sido um médium que
frustrou as expectativas da Vida a seu respeito, uma espécie de semente que não
floresceu...
19 - OS MAIS INFELIZES
"Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes
de todos os homens."

1 Coríntios, cap. 15 - v. 19

De todos os homens, os mais infelizes são, sem dúvida, aqueles que descrêem;
todavia, entre os que descrêem das realidades da Vida Imperecível, os mais desditosos
são os que lidam com ela, qual os religiosos de todas as procedências que demonstram
uma fé fragilizada.

Pode parecer que não, mas medianeiros existem que vivem em permanente clima de
dúvida quanto às verdades que eles próprios anunciam no que diz respeito à
imortalidade.

Levados a proclamar que a vida no corpo é estágio transitório para a alma em


aprendizado, apegam-se à vida material, qual se nela todas as suas esperanças se
resumissem.

Exteriormente, denotam ser possuidores de fé inabalável, mas, internamente,


revelam-se débeis em suas decisões de renúncia aos prazeres que passam... Sustentam
a crença alheia, motivando os homens a uma vida melhor, no entanto sentem-se
desamparados na intimidade de si mesmos, amargando, em silêncio, terrível provação.

São eles os medianeiros que possuem suficiente fé para os outros, mas não a têm para
consumo próprio nas lutas que faceiam no mundo.

Compreendemos que a fé seja uma conquista individual em que todos,


indistintamente, devem se empenhar, mesmo os médiuns que, em sua maioria, foram,
no pretérito, adversários da crença, surripiando a esperança dos corações que
procuravam por Deus... Foram ainda, certamente, sacerdotes interesseiros que da
religião faziam meio de vida, malbaratando em si os dons espirituais que
conspurcavam...

Renascendo na condição de paladinos da sobrevivência da alma ao decesso do corpo


físico, esses medianeiros, agora empenhados na reconstrução da fé em si mesmos,
angustiam-se nos sucessivos deslizes a que se entregam, à semelhança do sedento
que, batendo os pés, não se percebesse a poluir a linfa cristalina destinada a lhe saciar
a sede...

São muitos assim os médiuns que se dividem entre a crença e a descrença, o esplendor
e a sombra. Caso possuíssem a fé do tamanho de um grão de mostarda, seriam
capazes de prodígios muito maiores do que aqueles que, eventualmente conseguem
produzir. Mas, porque vacilam, porque não possuem a necessária determinação,
conseguem tão somente ser os intérpretes deste ou daquele pequeno lampejo da
fantástica luminosidade do Mais Alto... Não raro, ao longo de todo o seu exercício,
logram apenas um ou outro feito mediúnico de vulto, fato isolado que, infelizmente,
não mais se repete por seu intermédio, mas o suficiente para incentivá-los a prosseguir
na jornada.

Infeliz do médium que não crê! Qual pássaro que não acredita na força das próprias
asas, não conseguirá voar além das adjacências do ninho para respirar o ar puro das
alturas...

Infeliz do médium que, na palavra do Apóstolo, sua esperança no Cristo se limitar


apenas a esta vida! Encarcerado na cela que forjou para si, carregará sempre consigo o
espinho da insatisfação e do desassossego, ansiando por tocar a realidade que parece
fugir ao seu contato... Réprobo da fé, a custo caminhará adiante, como se de todos os
fardos que lhe pesassem nos ombros nenhum fosse maior do que aquele que, para os
outros, é símbolo de libertação e vida!

É natural que, em seu atual estágio evolutivo, o médium claudique em relação à


própria crença, todavia não há motivos para que vacile quanto aos propósitos que o
levam a movimentar-se no caminho da mediunidade consagrada ao bem dos
semelhantes. A árvore doente que produz alguns frutos é de utilidade incontestável e
ninguém seria louco de decepar-lhe o tronco...

Que o sensitivo prossiga em sua tarefa de auxílio, esquecido de si mesmo, cumprindo


com o dever que lhe compete na edificação espiritual dos semelhantes. Um dia, a fé
que não possui haverá de brilhar, inalterável, em seu espírito, porquanto a
Misericórdia Divina, em dele se compadecendo, descerrar-lhe-á, em definitivo, os
portais de luz da crença inabalável.

Não se contesta o médium que de si mesmo descrê na condição de instrumento dos


espíritos, mas não se pode deixar de contestar o medianeiro que se recusa a admitir os
frutos que, através dos recursos que lhe dizem respeito, a Espiritualidade produz em
benefício dos famintos da Terra!
20 - E NÃO É DE ADMIRAR
"E não é de admirar, porque o próprio Satanás se transforma em anjo de luz."

2 Coríntios, cap. 11 -v. 20

De fato, não é de admirar que o apostolado da mediunidade esteja repleto de


dificuldades.

O médium bem intencionado enfrentará os mais diversos obstáculos para cumprir com
a tarefa que lhe foi confiada, desde aqueles que dizem respeito às suas próprias
mazelas aos que encontre, propositadamente ou não, colocados no caminho que
percorre.

Os homens e os espíritos pelejarão para desviá-lo da trajetória, comprometendo-lhe o


esforço...

Tentações de múltiplos aspectos, convites e acenos, ocasiões e oportunidades lhe


aparecerão com frequência inexplicável para que deserte de seus compromissos...

Conforme a palavra de Paulo, "o próprio Satanás se transforma em anjo de luz" no


intuito de perdê-lo, confundir-lhe o discernimento, comprometer-lhe a obra...

Na jornada que empreende, não é de admirar que as forcas do mal conspirem contra
as suas atividades, planejando com meticulosidade a sua queda.

Farão surgir em sua vida instrumentos de perdição, almas que, sem que igualmente
percebam, agem por intérpretes das trevas, insinuando-se desta ou daquela forma
junto a ele...

Os instrumentos aos quais nos referimos assumem-lhe o controle e praticamente


passam a tê-lo nas mãos, chantageando-o em benefício de seus interesses inferiores.

De tal maneira conseguem enredá-lo, que praticamente se lhe torna impossível o


desligamento, constituindo-se semelhante situação para ele em prova da existência
inteira.

Incompreendido por quantos o observam no contraste de luz e sombra, o médium fiel


ao seu apostolado carregará consigo, em silêncio, o drama oculto de suas dores,
imitando o destino da ostra que, em suas entranhas, suportando sofrimentos
inomináveis vindos do grão de areia, produz a pérola preciosa...
E não é de admirar que seja este o elevado preço que tenha que pagar pelos seus
muitos equívocos no pretérito, quando, certamente, menosprezou a chance de servir
sem tantos empecilhos aos propósitos do Bem.

É natural, portanto, que a sua estrada esteja crivada de espinhos — espinhos que
inutilmente tentará afastar, porquanto um haverá de se suceder ao outro, como
sempre a lembrá-lo de sua insignificância e fragilidade.

Bendito, porém, o médium que mesmo assim persevera, consciente de sua


humanidade, embora lidando com o que é divino!

Abençoado o medianeiro que se vale de tantas lutas e conflitos para não se permitir
envaidecer e, de cerviz curvada, prosseguir trabalhando pela elevação espiritual das
criaturas!...

Paulo conhecia de perto a perseguição do Invisível aos seareiros do Evangelho,


porquanto a ela nem o próprio Cristo se furtara. Sabia quão penoso e difícil seria para
o médium continuar sob as arremetidas do mal... Compreendia, porém, que não lhe
haveriam de sobrar alternativas, de vez que, caso recuasse, mais tarde se sentiria
compelido a retomar a tarefa em circunstâncias mais embaraçosas.

Que o médium, portanto, não espere facilidades. Esteja sempre preparado para
receber os ataques que o experimentarão em todos os flancos de sua personalidade,
como se estivesse a descobrir-lhe o ponto vulnerável.

A senda do apostolado mediúnico, semelhante à do Calvário, é íngreme... Médium


algum passará por ela isento do lenho do testemunho aos ombros e cercado pelos
apupos da turba enfurecida... E não é de admirar que, ao topo da monte, ou seja, ao
termo da jornada, tenha por companheiros os malfeitores que secundavam o Cristo no
momento supremo.

Quantos médiuns, meu Deus, vivem e servem atados à cruz do dever, vertendo
lágrimas que ninguém conhece! Quantos se consomem na fogueira das próprias
aflições, imolando-se devagarinho pela vitória do ideal, transformando-se em tochas
vivas do amor com que se consagram a Jesus!...

E não é de admirar que, para eles próprios, a sua vida seja um mistério, pois,
conhecendo-se qual se conhecem, não sabem dizer como foram e como são capazes
de fazer o que fazem — sombras humanas refletindo na Terra a luz sublime da
imortalidade!
21 - ESPÍRITO DE COMPETIÇÃO
"Além das coisas exteriores, há o que pesa sobre mim diariamente: a preocupação com
todas as igrejas. Quem enfraquece, que também eu não enfraqueça? Quem se
escandaliza, que eu não me inflame?"

2 Coríntios, cap. 11 - vv. 28 e 29

Lendo e refletindo sobre as palavras de Paulo aos coríntios, não há como não se
emocionar, observando o carinhoso zelo do Apóstolo para com os núcleos do
Cristianismo nascente.

Solidário, ele se preocupava com os companheiros de ideal nas atividades que


empreendiam em seus agrupamentos. A sua preocupação não se concentrava apenas
na sua tarefa em si. Ela tinha um caráter abrangente, evidenciando o espírito de
unidade pelo qual haveria de pugnar a vida inteira...

Nele, não prevalecia a tendência competitiva que, infelizmente, às vezes se percebe


entre os amigos da Doutrina Espírita escravizados a uma visão particularista das
realidades da vida de Além-Túmulo.

A preocupação de Paulo com as igrejas nascentes deveria, na atualidade, inspirar os


espíritas sinceramente interessados na propagação do ideal que abraçaram, apoiando
toda e qualquer iniciativa nobre levada a efeito por este ou por aquele grupo.

Todavia o espírito de competição que impera entre os militantes espíritas que ainda
não conseguiram assimilar o verdadeiro espírito da Doutrina é tão arraigado e
negativo, que muitos, inconscientemente, chegam a torcer pela ruína das tarefas que
não lhes nasceram do cérebro ou nas quais não estejam diretamente envolvidos.

Esqueceram-se, se é que se lembraram um dia, do que escreveu o apóstolo da


integração da Boa-Nova junto aos gentios que os próprios cristãos marginalizavam:
"Quem enfraquece, que também eu não enfraqueça?"

Quantos medianeiros disputam, não raro dentro da mesma equipe, a primazia da


revelação espiritual?! E quantos outros, veladamente, tecem críticas aos companheiros
que com eles ombreiam, olvidando que as trevas não precisam se preocupar em
destruir aqueles que mutuamente se destroem?... Aliás, o Cristo já nos havia advertido
sobre a questão da "casa subdividida"... Impossível que ela conseguisse se manter de
pé!

É necessário que entre os médiuns haja uma ética que lhes possibilite preservar intacta
a imagem da Doutrina acima daquela que lhes reflete a face...
Medianeiros existem que não hesitam em comprometer o Espiritismo perante a
opinião pública, desde que os seus rivais sejam enlameados. Esses equivocados
confrades assemelham-se a quantos somente conseguem se promover à custa da
infelicidade alheia, já que lhes falecem méritos pessoais para tanto. Apontam erros na
ânsia de desviarem atenções de sobre si...

Cada núcleo espírita é uma célula importante no organismo da Doutrina e não há uma
só que adoecendo não lhe comprometa o equilíbrio.

Cada cristão que negava a fé arrastava outros consigo em sua derrocada moral...

Todo médium que de uma forma ou de outra se exponha ao sarcasmo dos inimigos do
ideal espírita, carece ser socorrido, amparado, fortalecido, e não vilipendiado e
esquecido pelos que simplesmente proclamam, citando a lei do carma, que ele está
tendo o que faz por merecer, quando, desde épocas imemoriais, está escrito:
"Misericórdia quero, e não sacrifício"...

Se a própria lei de causa e efeito é condescendente para com os seus transgressores,


por que os espíritas não haveriam de ser mais fraternos com os companheiros,
preocupando-se com a Doutrina como um todo e não apenas com o que acontece no
quintal de suas atividades?!

Francamente, fica muito difícil entender tanto contraste entre os que trazem o
Evangelho em uma mão e o azorrague na outra, repartindo pão com os famintos e
palavras maledicentes com os confrades que trazem à mostra as suas feridas.

Exaustivamente, Paulo escrevia aos grupos do Cristianismo primitivo, muitos dos quais
ele próprio fundara, exortando-os ao congraçamento e à união. Percorria as cidades,
falando de paz e indulgência, compreensão e apoio recíproco aos adeptos da Boa-Nova
que, por si sós, já tinham problemas de sobra para enfrentar com os que moviam
sangrentas perseguições contra os seguidores do Caminho.

"Além das coisas exteriores — escreve Paulo —, há o que pesa sobre mim
diariamente"... Será que algum médium invés de preocupar-se com a sua
mediunidade, tem se preocupado com a Doutrina em si, perguntando-se de que forma
lhe ser mais útil?!...

No apostolado da mediunidade, a Doutrina está acima do médium que, no exercício de


suas funções medianímicas, coloca Jesus além de si mesmo.
22 - MEDIUNIDADE E ALEGRIA
"De tal coisa me gloriarei; não, porém, de mim mesmo, salvo nas minhas fraquezas."

2 Coríntios, cap. 12 - v. 5

Para o médium, a consciência de suas limitações é o antídoto contra a vaidade que, a


pouco e pouco, lhe mina as forças no serviço do bem.

Compreendendo semelhante realidade, Paulo não superestimava os seus valores,


consciente das fraquezas que o caracterizavam em suas lutas. Não superestimava e
não se permitia superestimar por quem quer que fosse, combatendo com veemência
toda e qualquer inclinação à idolatria de que se visse alvo.

O Apóstolo, segundo suas palavras, permitia-se tão somente glorificar-se pelo fato de
que, apesar de suas imperfeições, conseguia ser útil aos propósitos divinos. A
autoglorificação a que se refere é a alegria interior que naturalmente experimenta
quem se sente admitido nos serviços do Senhor, é o júbilo espiritual que toma conta
da alma do pecador que não se vê desprezado em suas fraquezas.

Essa alegria interior do médium é, por assim dizer, a alma de sua tarefa. Nada de
tristeza estampada na face, qual se o exercício da mediunidade lhe fosse inarredável
dever que se sentisse constrangido a cumprir.

O médium sem alegria não comunica esperança aos corações desalentados e transmite
aos outros a falsa impressão de que a lida espiritual da mediunidade é incompatível
com a espontaneidade das emoções.

Paulo padecia dificuldades indefiníveis e muitas vezes o pranto lhe banhava as faces
marcadas pela dor, mas para ele igualmente existiam os momentos de sadia
descontração, porque, acima de tudo, a mensagem do Evangelho é de otimismo e não
de abatimento.

A cruz não pode ser um símbolo permanente de tristeza!...

Não foram e não são fiéis os historiadores que conceberam para os cristãos dos
tempos apostólicos uma vida plena de amarguras e aflições. É evidente que, durante
trezentos anos, os adeptos da Boa-Nova experimentaram no corpo e na alma os
tormentos mais cruéis, mas, quando falavam do Cristo, o semblante se lhes iluminava
e suas almas entoavam hinos diante da morte por condenação...

Ser médium não é ser sinónimo de alma depressiva, incapaz de sorrir com os amigos
ou de ser hilário diante do próprio sofrimento. Os Espíritos Superiores vivem num
clima de êxtase espiritual onde a melancolia não tem lugar e sabem tratar os assuntos
sérios com humor elevado.

A Natureza é o retrato da face feliz do Criador! Deus não é Deus da tristeza, mas da
alegria que nada tem a ver com a alegria transitória que se motiva nas coisas
perecíveis.

No apostolado da mediunidade, é importante que o médium seja alegre, modificando


nos homens a errónea concepção de que uma vida consagrada à espiritualidade seja
uma vida condenada à tristeza, qual se a alegria fosse algo meramente humano.

É claro que a alegria a que nos referimos não é a alegria oriunda do prazer, tão fugaz
quanto a causa que a motivou. Reportamo-nos à alegria que se entranhe na alma,
àquela que perdura mesmo quando não mais exista o seu móvel. Essa alegria não se
identifica com o sorriso de ironia e de sarcasmo, tão ao gosto dos espíritos que se
habituaram a trocar dos semelhantes.

Que o médium saiba ser alegre, que saiba sorrir, ser espontâneo, ser descontraído
quando oportuno e necessário, porquanto intermediar alegria entre os homens é
prerrogativa de poucos.

Até pouco tempo, a imagem que possuíamos do Céu era quase tão triste quanto a do
Inferno...

Que os médiuns se rejubilem no trabalho do bem, glorificando o Senhor pela bênção


que lhes é concedida.

Se a prece deve ser recolhimento, não deve ser tristeza. O filho quando conversa com
o pai nem sempre o faz com lágrimas nos olhos...

Que, em sua fraqueza, o médium louve a Misericórdia Infinita do Criador que lhe
oferece a bendita oportunidade de crescer, colocando-lhe nas mãos a charrua com
que, resolvendo a terra de si mesmo, faz com que nela desabrochem as sementes do
homem novo em primavera eterna!
23 - ESPINHO NA CARNE
"E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um
espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me
exalte."

2 Coríntios, cap. 12 - v. 7

O Apóstolo é claro ao confessar-se atormentado por um espinho na carne, para que


não se ensoberbecesse com a grandeza das revelações...

A que "espinho" Paulo estaria se referindo? Certamente ao remorso que


experimentava por ter sido ele um dos responsáveis pelas perseguições movidas
contra os adeptos do Cristianismo, certamente às tentações de ordem afetiva que
sofria em sua condição de homem do mundo, certamente a um conflito psicológico
que não lhe concedia tréguas no apostolado do Bem...

Seja qual for a natureza do "espinho" que interpretava por "mensageiro de Satanás", a
realidade é que o ex-doutor de Tarso reconhecia a sua conveniência, admitindo que,
graças a ele, é que não se permitia exaltar pela sua condição de vaso escolhido pelo
Senhor.

Paulo se sentia "esbofeteado" pelo "espinho" encarregado de, constantemente,


recordá-lo de sua fragilidade, imunizando-o contra o personalismo que, onde aparece,
arrasa com as melhores intenções de serviço e elevação.

Observemos então que, o "mensageiro de Satanás" transfigura-se em agente da


Sabedoria Divina que, do mal aparente faz nascer o bem, mostrando que tudo
concorre para a sublimação da Vida.

Felizes, assim, os medianeiros que trabalham sob a permanente ação de "um espinho
na carne", incentivando-os à exaustiva procura da paz no dever corretamente
cumprido...

Felizes os médiuns que servem movidos por dores desconhecidas do grande público,
suportando sozinhos o guante da provação que não lhes permite afastar-se da tarefa,
sob pena de dores maiores ainda...

Felizes os sensitivos que são "esbofeteados" no cotidiano pela crítica e pela calúnia,
pelo escárnio e pela maledicência, que para eles funcionam à semelhança de
anticorpos contra o desequilíbrio que lhes poderia advir, em face da grandeza das
revelações que intermediam...
Felizes os intérpretes da Vida Maior que, conscientes de sua insignificância, se
preservam contra o personalismo, exortando-se através do próprio sofrimento íntimo
a prosseguirem na condição de simples instrumentos da Vontade de Deus...

Quem lida com o que é divino, sem o necessário discernimento, corre o risco de
deslumbrar-se e, consequentemente, de enlouquecer.

Extasiada pelo fogo, a falena não hesita em incinerar as próprias asas em suas chamas.

Os astronautas norte-americanos que pisaram o solo lunar entregaram-se, depois, a


uma vida de excessivo misticismo.

Quem não esteja preparado para a mediunidade pode imaginar que tenha à sua
disposição um parque de diversões.

Por isto, a Espiritualidade age sempre com prudência no que tange às revelações
destinadas aos homens.

Não se lamentem, pois, os médiuns, perguntando-se por que os espíritos não os


poupam desta ou daquela dor, isentando-os dos problemas comuns a todos os que
respiram na psicosfera do planeta...

Não se queixem do "espinho" que, às vezes, os dilacera dentro de casa, no ambiente


de trabalho profissional ou mesmo no grupo de atividades espíritas.

Esses "espinhos" parecem, não são "mensageiros de Satanás" como acreditava Paulo.
Antes, são enviados de Deus para que os médiuns não se esqueçam de sua condição
de espíritos devedores, distantes de quaisquer privilégios.

Médium algum, em tarefa apostolar na Terra, vive sem o benefício de "um espinho na
carne", invisível força propulsora do seu trabalho, oculta vergasta que o faz seguir
adiante, anónimo pelourinho que não lhe permite a deserção dos compromissos
assumidos...

Paulo é incisivo: "... foi-me posto um espinho..." Isto significa dizer que Deus, em
muitos casos, manda cravar um espinho na carne do médium, espinho que haverá de
acompanhá-lo por toda a vida, à feição de um calvário particular, norteando-o na
afanosa busca de sua libertação.

Bem-aventurados, pois, os médiuns que, sob o "espinho" que os aflige, trazem, no


corpo e na alma, o selo do apostolado da mediunidade!
24 - SE REALMENTE
"Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou
não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados."

2 Coríntios, cap. 13 - v. 5

A indagação de Paulo em sua segunda carta aos coríntios é contundente: "Ou não
reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados".

Muitos medianeiros não têm a coragem de questionar-se quanto à sinceridade de seus


propósitos na fé, porque temem a resposta...

Não se animam a enfrentar-se numa auto-análise, de vez que conhecem, de antemão,


qual seria a conclusão a respeito deles mesmos...

Fogem de examinar-se, certos de que semelhante providência os obrigaria à mudança,


reclamando maior transparência de suas atitudes no trato com a mediunidade.

"Provai-vos a vós mesmos", exorta o Apóstolo a quantos militam na seara da crença,


observando se realmente cumprem com os postulados que anunciam aos outros...

Se realmente se encontram imbuídos das intenções nobres e dignas que caracterizam


o obreiro fiel...

Se realmente estão a serviço da Causa ou são meros parasitas do ideal que abraçaram
por conveniência...

Interessante que, pelas anotações de Paulo, depreendemos que a reprovação a que


ele se refere ocorre a nível de consciência. Não é o Senhor que, envergando a toga de
juiz, reprova os que deliberaram acompanhá-lo, mas são os próprios seguidores do
Mestre que se auto-recriminam por intentarem fazê-lo sem transformações essenciais
na personalidade, qual se lhes fosse possível acomodar a situação entre o anseio de
viver a vida do mundo e o desejo de ascender ao Reino dos Céus.

Torna-se imprescindível que, na lida com a mediunidade, o medianeiro meça o seu


grau de sinceridade, procurando ter o mínimo de coerência. Se concluir que os seus
interesses não estão muito bem definidos ou que ainda não tenha alcançado o
significado profundo de exercer a mediunidade na Doutrina Espírita, que revive o
Evangelho de Jesus para a Humanidade, é melhor que ele então renuncie à sua
condição de médium.
Quantos espiritualmente se complicam porque não sabem o que fazer com o talento
que têm nas mãos?! Quantos médiuns acabam por se envolverem em situações
delicadas, unicamente por não possuírem o bom senso de se manterem no
anonimato?!... Querem se projetar e, de fato, terminam se projetando... a si mesmos
no solo da frustração, de vez que não souberam avaliar a força das próprias pernas nas
passadas largas para as quais não estavam habilitados.

De que maneira o médium reconhecerá Jesus Cristo em si?! Ele saberá. Esta questão
não poderá ser respondida por ninguém, a não ser pelo medianeiro, o qual não
conseguirá iludir-se a seu próprio respeito...

Existem médiuns que esperam de outros a confirmação de seus dotes medianímicos


nas tarefas que cumprem. De fato, medianeiros mais experimentados poderão opinar
a respeito das faculdades deste ou daquele companheiro que as possui, mas nada
poderão falar no que tange às intenções e ao idealismo desses confrades que,
somente através do tempo, poderão dizer a que vieram...

Nada fala melhor e mais alto do medianeiro do que o trabalho que ele executa, da
forma com que ele o executa, porque, em mediunidade não basta trabalhar: é
indispensável servir!

A faculdade mediúnica em si pouco significa, quando não convenientemente


direcionada. Aliás, o Mundo Espiritual tem conseguido mais junto a médiuns
considerados limitados, mas de extrema boa vontade, do que com médiuns
portentosos com os quais não se pode contar, a não ser vez ou outra.

Perquira-se, então, o médium e descubra o móvel de suas verdadeiras intenções na


Doutrina. Estará querendo ganhar dinheiro? procurar status? meio de vida?
sobrevivência? profissionalismo religioso? promoção pessoal?!...

Sobretudo, vigie-se para não perder a fé no emaranhado das ambições nas quais, não
raro, pode passar a movimentar-se, mormente das ambições de ordem afetiva,
porque, por incrível que pareça, muitos médiuns chegam a usar a mediunidade para,
inclusive, efetivar conquistas amorosas!

Vigie-se para não ser pedra-de-tropeço quando deveria ser degrau no caminho de
quantos anseiam por ascender aos Paramos de Luz.
25 - MÉDIUM POR QUÊ?
"Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor, e a nós
mesmos como vossos servos por amor a Jesus."

2 Coríntios, cap. 4 - v. 5

Paulo foi ferrenho no combate ao personalismo. Graças à sua postura de ex-doutor da


lei que a tudo renunciou para viver com o Cristo na condição de humilde tecelão, o
Cristianismo, nos seus primeiros séculos, manteve-se fiel às origens. Ele não media
esforços para que os cristãos não se permitissem envaidecer, já que o povo judeu
revelava certa tendência ao orgulho de raça, considerando-se a nação eleita entre os
demais.

Foi principalmente para combater a síndrome de povo escolhido, que Paulo pregou o
Evangelho aos gentios, mostrando a universalidade dos ensinos de Jesus.

Ser cristão, à época do Cristianismo nascente, era expor a vida, renunciar à uma
existência pacata no aconchego da família, posto que os adeptos do Nazareno eram
caçados à semelhança de animais que, quando encontrados, eram sumariamente
executados. Neles, no entanto, o ideal falava mais alto e não hesitavam em perder a
vida por amor a Jesus Cristo.

O médium é o cristão ousado da atualidade, que não se furta ao testemunho. De certa


forma ainda combatido em suas convicções, ele deve guardar a consciência de que
está a serviço de uma causa superior às suas aspirações de ordem pessoal.

Indague-se o motivo de estar se consagrando à mediunidade. Afinal de contas,


médium por quê?... O que estará ele buscando na condição de intermediário entre os
Dois Planos de Vida?! É possível que nem ele mesmo consiga apreender a razão de ter
renascido com o compromisso da mediunidade... É suficiente, no entanto, que saiba
que a mediunidade lhe foi concedida por instrumento de trabalho na tarefa de
cooperar com Jesus na formação de uma nova mentalidade entre os homens.

Médium por quê?!... Por que a Vida o tenha agraciado com um dom que negou a
outros?! Por que teve o privilégio de renascer dentro de uma conjuntura biológica e
psíquica que lhe facilitou o desenvolvimento da sensibilidade que, em milhares,
permanece embotada?! Ou por que algo deva construir com as prerrogativas de que
dispõe, cooperando para que continue a ecoar no mundo o grito da imortalidade,
despertando as consciências que dormem o sono milenar da indiferença quanto ao seu
futuro espiritual?!...
Médium por quê?!... Para receber elogios, comendas, títulos e ovações, alimentando a
própria vaidade no desastre que é a ilusão que o homem sustenta a respeito de si?!
Para ser um ente diferenciado ou para tentar fazer a diferença em favor do Evangelho
do Cristo, que luta há vinte séculos contra os interesses imediatistas da
Humanidade?!...

Bem-aventurado o médium que não se prega a si mesmo, ou seja, que não se promove
às custas do que deve promover em seu trabalho, que se coloca na condição de servo
do Senhor, apagando-se para que, finalmente, Ele resplandeça.

O médium que trabalha sem o pensamento de simplicidade e de total despojamento


que caracteriza os que se encontram no apostolado mediúnico com Jesus, complica-se
em breve tempo, porque passa a atrair companhias espirituais personalistas que, em
verdade, são as mais difíceis de serem descartadas.

Pregando a Jesus Cristo, por outro lado o médium não tem nada a temer, porque,
propagandista da Luz, estabelece contato com os Planos Superiores e, embora não
consiga se desvencilhar de imediato das próprias sombras, transforme-se em "espelho
refletor" das claridades celestes.

O serviço do médium que prega a Jesus identifica-se pela luz espiritual que emana, ao
passo que o médium interessado em pregar-se a si mesmo, por mais faça, através do
"espelho" embaçado pelo personalismo, anulará toda a luminosidade e todo o brilho
da tarefa que é a usina geradora de toda a luz.

No apostolado de mediunidade, o seareiro espírita cujo propósito for reto deixará


transparecer do seu esforço o esplendor que, suavemente, atrai as almas para as
fulgurantes bênçãos de um Novo Dia!
26 - MEDIUNIDADE E DESEJO
"Assim também vós, visto que desejais dons espirituais, procurai progredir..."

1 Coríntios, 14 - v. 12

Segundo Paulo, os dons espirituais, e entre eles a mediunidade, podem ser desejados,
ou seja, podem ser buscados com um propósito definido.

Existem aqueles que já nascem médiuns — efetuaram semelhante conquista em


pregressas experiências, trilharam os caminhos que os conduziram à conquista das
faculdades medianímicas...

Existem aqueles que, em renascendo no mundo, tomando contato com a Doutrina


Espírita, anseiam pela mediunidade, querem se tornar ainda mais úteis aos
semelhantes na condição de médiuns, admiram em outros a sensibilidade mediúnica e
se propõem a desenvolvê-la...

A prática nos ensina que a conquista dos dons espirituais é possível àquele que a isto
se consagra com determinação.

Muitos que, digamos, nascem médiuns feitos, não valorizam os seus talentos
espirituais quanto aqueles que necessitam se esforçar para adquiri-los.

Quantos médiuns espontâneos nada querem com a mediunidade, alternando


cumprimento com deserção ao dever, ao longo de sua peregrinação pelas casas
espíritas?!...

E quantos outros promovem o parto de si mesmos, esfalfando-se em demorados e


persistentes exercícios mediúnicos até que, por fim, logrem o desabrochar desta ou
daquela faculdade psíquica?!...

Paulo é incisivo: "... visto que desejais dons espirituais, procurai progredir..."

O apóstolo evidencia, em suas palavras de iniciado cristão, que é possível caminhar ao


encontro, progredir na direção, crescer na meta...

A mediunidade pode ser comparada a uma semente que, em determinado instante,


eclode... Esta eclosão pode dar-se agora, desde, é claro, que as condições sejam
propícias — é resultado de um processo de maturação psíquica que pode se antecipar
com base no empenho e no interesse, no desejo e na vontade.

Aliás, os médiuns que se fazem médiuns habitualmente se tornam mais úteis à


Doutrina do que aqueles que, desde o berço, são médiuns mas crescem sem nenhuma
formação doutrinária. Não estudam, não trabalham, não cooperam... São os exemplos
vivos daqueles que "enterram os seus talentos", sem a preocupação de multiplicá-los
em seu próprio benefício.

Para muitos, a hora da mediunidade pode ser agora, desde que, evidentemente, não
extrapolem o que se refere à espontaneidade, forçando em excesso as portas que lhes
conferirão acesso aos dons espirituais. Estamos nos referindo, em nossas colocações
neste capítulo, à importância de o candidato ao desenvolvimento mediúnico se
devotar para consegui-lo e não pretendendo induzir à mediunidade quem não esteja
preparando para tanto.

Ninguém deve "arrombar" a porta da sua sensibilidade psíquica, mas a ninguém


igualmente é vedado "bater" à porta, e "bater" com certa insistência na expectativa de
que, finalmente, ela se lhe abra.

Por outro lado, não se pode ignorar a grave responsabilidade que assume quem logra a
conquista do que Paulo chama "dons espirituais"... Às vezes, quer--se, sem saber o que
se quer e para que se quer!... A mediunidade, sempre, deve ser um instrumento de
trabalho colocado a serviço dos semelhantes, atuando na gleba das almas para o
plantio do Senhor...

Mediunidade não é, evidentemente, uma faculdade para uso exclusivo do médium. O


médium, por assim dizer, passa a ser patrimônio público, quase que privado de sua
vida pessoal. Pelo menos, assim o é para quem abraça a mediunidade qual a um
apostolado!

O salário do médium será apenas o do dever cumprido, o da alegria permanente por


estar, com Jesus, na parceria consciente da construção de um mundo melhor. Desista
de louvores e reconhecimento que, caso recebesse, haveriam de impedi-lo de
produzir, bloqueando as suas faculdades receptivas, levando-o à fascinação que o
induziria a iludir-se a seu próprio respeito.

Agradeça o medianeiro a realidade dura de suas lutas, que não lhe permitem afastar-
se da Verdade no caminho dos dons espirituais que persegue, com o propósito de
ascender e redimir-se.
27 - CAMINHO EXCELENTE
"E eu passo a mostrar-vos ainda um caminho sobremodo excelente."

1 Coríntios, 13 - v. 1

O caminho excelente a que o Apóstolo se refere é o do amor!... Sem dúvida, o dom da


caridade é superior a todos os demais que, em suma, apenas existem em função do
bem.

É possível que, no início do Cristianismo, os núcleos nascentes sofressem com as


disputas intestinas de seus membros, que talvez tenham chegado a disputar entre si a
primazia dos dons espirituais... Havia, sim, uma peleja acerca de quem seria o maior no
Reino dos Céus. A mãe dos filhos de Zebedeu chegou a solicitar ao Senhor que os seus
dois filhos se assentassem, um à sua direita e outro à sua esquerda...

Em sua carta aos coríntios, Paulo coloca o amor acima do dom de profetizar, da língua
dos homens e dos anjos, de toda a ciência... Ele enfatiza o valor espiritual do homem,
do que ele vale por si mesmo, intrinsecamente, sem depender deste ou daquele dom
que, em última análise, é neutro, quanto neutro é, por exemplo, o sentido da fala.

A mediunidade pode ser utilizada para objetivos escusos, qual a observamos no campo
da curiosidade doentia ou da especulação sem proveito. Quantos medianeiros são
passivos instrumentos das sombras?! Quantos formam, com os desencarnados,
verdadeiras quadrilhas no comércio da fé?!...

Paulo, certamente inspirado por Jesus, através de seus intérpretes junto dos homens,
destacou a excelência do amor, qual se quisesse dizer que era preferível nenhuma
mediunidade ostensiva a uma única atitude de amor na prática da solidariedade... Ou
seja, tornando o nosso raciocínio mais claro: preferível que o homem não exerça a
mediunidade, mas que exerça a caridade, porque, sem dúvida, não há faculdade mais
sublime do que intermediar o Bem entre as criaturas. Aliás, a mediunidade, seja ela
qual for, só existe, repetimos, em função do bem que pode fazer!

A mão que auxilia com os parcos recursos que estende de si mesma ao necessitado é
mais pródiga do que aquela que mais não faz senão canalizar donativos provindos de
outrem...

As sábias colocações e advertências do Apóstolo aos coríntios pacificou os ânimos dos


que se exaltavam, crendo-se privilegiados por seus dons de profetizar que, se
realmente eram e são importantes, nunca excederam ou excederão o valor de uma
única virtude posta em prática por quem quer que seja.
Foram os arroubos de amor que fizeram com que o Evangelho triunfasse das
perseguições sofridas ao longo dos séculos! Graças à exemplificação dos profetas, mais
do que à revelação das profecias, que a Boa-Nova foi se impondo às almas!...

Se o Espiritismo muito deve à mediunidade, deve muito mais à caridade, que é o


"espírito" da Doutrina.

Antes, pois, de aspirarem à mediunidade, devem os médiuns ansiar pela bondade que
os haverá de converter em apóstolos.

Mediunidade sem bondade é flor sem perfume, dia sem sol, festa sem alegria...

Infelizmente, são inúmeros os medianeiros que, da casa espírita, nada mais conhecem
além da sala de reuniões mediúnicas... Não participam de outras atividades que lhes
fujam ao interesse pessoal, não sabem, inclusive, das dificuldades financeiras da
instituição, não se envolvem nas tarefas assistenciais... Estão sempre questionando,
discordando, polemizando... Querem, se possível fora, ser médiuns sem ser espíritas
ou, por outra, ser espíritas sem ser cristãos!

A mediunidade, reafirmamos o que dissemos alhures, não isenta o médium do suor


que deve verter objetivando o próprio progresso. Não é um passaporte para o Céu: é
uma credencial de trabalho.

A mediunidade não justifica, no médium, os seus equívocos, os seus achaques, as suas


crises de personalismo, os absurdos que possa vir a cometer...

Que os espíritas cogitem, pois, de preferência, ao caminho da mediunidade, que, não


raro, lhes consome tantas energias e tanto tempo-, o caminho da caridade, onde, sem
dúvida, haverão de produzir os mais positivos fenómenos para a consolidação da fé
nos corações; que interpretem, diretamente, sem necessidade de nenhum
intermediário, a vontade de Deus através das boas obras que lhes nasçam das mãos
empenhadas em servir... Eis o caminho excelente, o caminho que Paulo também se
preocupou em trilhar, mais que a qualquer um outro!

O Sermão da Montanha foi seguido pelo episódio da multiplicação dos pães com que
Jesus atendeu à fome do povo — teoria e prática que se aliaram, sublimes, para que a
Luz brilhasse para sempre.
28 - AUTOCRÍTICA
"Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados."

1 Coríntios, cap. 11 -v. 31

Sem dúvida, o médium desprovido de autocrítica sempre estará mais exposto à crítica
alheia.

O medianeiro carece saber que a faculdade mediúnica, sua ou de outrem, se submete


a progressivo desenvolvimento, estando, assim, sujeito, com os espíritos que se
comunicam por seu intermédio, a constante mudança no que se refere, é claro, a
determinados pontos de vista e até postura mediúnica.

O médium que estaciona no aprendizado torna-se obstáculo para os espíritos que


anseiam por avançar. Precisamos deixar consignado que os habitantes do Invisível
também se submetem à lei do aperfeiçoamento e é natural que, escrevendo hoje ou
falando agora por determinado medianeiro sobre este ou aquele assunto, queiram,
amanhã ou depois, rever a sua opinião.

A não ser o Amor e a Verdade, nada é definitivo entre os homens no mundo. Tudo se
condiciona ao processo de aperfeiçoamento que lhe diz respeito.

Para melhor servir, o medianeiro, portanto, há de adequar-se, transformando-se em


melhor "forma" para os espíritos...

Médiuns existem que param no tempo, não acompanhando sequer o dinamismo da


Doutrina.

Se o Espiritismo não é uma filosofia estanque, a mediunidade igualmente não deve sê-
lo, e o médium conscientizado de seus deveres procura se preparar para que a
Espiritualidade sempre encontre nele melhor Instrumento. Dificilmente, por exemplo,
Einstein se expressaria, para falar de Física, através de médium inculto; a lógica nos
ensina — e, em mediunidade, a lógica é fundamental — que ele haveria de procurar o
sensitivo que se afinizasse com as suas ideias e teorias...

Médium algum, por mais experimentado, consegue ser médium de todo e qualquer
espírito. Um literato desencarnado, se não conseguir sintonia com um médium que
algo conheça de literatura, correrá o risco de ser chamado "embusteiro"... Por um
Instrumento inabilitado, o espírito de exímio cirurgião parecerá um neófito com o
bisturi nas mãos... Artistas do pincel domiciliados no Mais Além não conseguirão mais
que primitivos traços de pintura na tela, através de sensitivos que não se esmeram no
estudo da arte de manejar os pincéis e do estilo que lhes seja peculiar...
Infelizmente, muito do que os médiuns obtêm, os espíritos, seus supostos autores, não
assinariam... O que acontece, não raro, é uma apropriação indébita por parte do
médium ao nome dos espíritos que, no máximo, podem envolver o medianeiro,
inspirando-o na consecução desta ou daquela obra, na expectativa de que ele tome a
iniciativa de buscar, com o tempo, uma sintonia mais apurada.

O médium em apostolado não receia a crítica, porque está em permanente autocrítica,


avaliando-se, ele mesmo, quanto ao seu aproveitamento na mediunidade...
Compreende as suas limitações e esforça-se no sentido de superá-las, de forma
alguma desprezando as observações que lhe são feitas, às vezes até publicamente.

O "se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados", da palavra de Paulo aos
coríntios, significa: se atentássemos mais para nós do que para os outros, corrigiríamos
em nós o que não está correto, antes que os outros tivessem tempo de observar-nos
em nossas deficiências.

Quantos médiuns, movidos pelo ciúme e pelo espírito de competição, fazem


insinuações maledicentes a respeito de companheiros que estão trabalhando com a
melhor intenção?!...

Quem, por outro lado, não quiser ser alvo de crítica, não faça nada, cruze os braços e
entregue-se de vez ao comodismo. Até os dias de hoje, o próprio Cristo submete-se às
severas críticas dos opositores de suas ideias... O medianeiro que esteja atrás de
unanimidade está atrás de uma utopia!

O importante é que, de consciência tranquila, cada sensitivo procure cumprir com o


seu dever. Quem se permita esmorecer, ante a crítica, evidentemente não está
preparado para ser médium e o melhor que tem a fazer é atuar onde não tenha que se
expor tanto... Não é por semelhante causa que muitos evitam assumir a sua condição
de médiuns?!...

Agora, no que tange ao preparo mediúnico, realmente a maioria dos medianeiros


deixa a desejar... E são tão personalistas, que tomam a crítica endereçada aos espíritos
que se manifestam por seu intermédio como se a eles próprio estivesse sendo feita.
29 - DAR DE GRAÇA
"... e em tudo me guardei, e me guardarei, de vos ser pesado."

2 Coríntios, 11 -v. 9

Existem médiuns que efetivamente nada cobram, mas acabam por ser pesados aos
companheiros...

Paulo foi claro quando escreveu afirmando aos coríntios que não era pesado a
ninguém, ou seja, que vivia às suas próprias expensas, do seu trabalho, do seu suor, e
que não mercadejava com os dons espirituais.

O inolvidável apóstolo nunca explorou os amigos em suas andanças pelo Evangelho...


Exercia a profissão de tecelão e, ainda, angariava recursos que remetia a Jerusalém,
onde a igreja lutava com sérias dificuldades para sobreviver... Muitas vezes, chegava a
alimentar-se de maneira precária para não ser um peso à bolsa de seu anfitrião.

Quantos medianeiros na atualidade fazem uma série de exigências para trabalhar,


comparecendo, por exemplo, a um congresso ou a uma simples reunião espírita. E não
estamos falando apenas de exigência financeira, direta ou indireta, pois deles existem
que chegam a reclamar tratamento diferenciado, melindrando-se quando são tratados
como pessoas comuns.

O "dai de graça" deve ser aplicado num sentido muito mais amplo... Não se refere
exclusivamente a dinheiro...

O apostolado mediúnico não se coaduna com qualquer tipo de imposição por parte do
médium que, em tudo, procura facilitar a tarefa dos confrades que, por exemplo, o
recepcionam para esta ou aquela atividade.

Alguns sensitivos, inclusive, carecem ser "vigiados" para que não cometam asneiras...
Por onde passam, acabam deixando uma impressão mais negativa que positiva.

Os companheiros espíritas deveriam começar a fazer certas observações, no sentido


de não apoiar o que pode acabar virando profissionalismo religioso — uma prática
completamente estranha ao espírito da Doutrina.

Alguns médiuns chegam a valer-se de sua capacidade de envolvimento afetivo, do


magnetismo que lhes é peculiar, para se insinuarem junto às almas carentes,
objetivando alguma outra espécie de "ganho"...
O médium espírita nunca deve se prevalecer de sua condição de médium em sua vida
particular. Respeitemos a sua condição, seja ela qual for, porque a vida pessoal de
alguém somente a ela deve dizer respeito, mas não compactuemos com qualquer tipo
de distorção, mormente com a que possa vir comprometer a Doutrina.

Comprometer-se o médium no exercício da mediunidade seria, no dizer evangélico,


"pecar contra o Espírito Santo", sem dúvida num dos maiores equívocos que o espírito
poderia cometer em sua romagem na Terra. Jesus repeliu com veemência esse tipo de
atentado espiritual, na vulgarização do que deve ser tratado com o máximo respeito.

Porque têm perdido a fé em si mesmos, muitos médiuns têm continuado médiuns


apenas por conveniência pessoal, porque, em suma, não saberiam fazer outra coisa e
também porque nada lhes massageia tanto o "ego"... Aliás, é o próprio tipo de vida
que levam que termina por lhes roubar a fé; medem os outros por si mesmos e
acreditam que os demais companheiros de mediunidade sejam desonestos... A bem
da verdade, não há outra justificativa para o embate, sem escrúpulos, em que chegam
a se envolver uns com os outros qual estivessem disputando espaços estratégicos,
palmo a palmo.

Que o médium fuja de todo e qualquer interesse pessoal na mediunidade "enquanto a


oportunidade lhe sorri", porquanto, depois de se permitir envolver, dificilmente se
livrará do hábito lamentável adquirido, não raro mais penoso do que o vício das drogas
para ser extirpado.

Estas nossas considerações poderão soar estranhas aos ouvidos deste ou daquele, mas
não poderíamos deixar de efetuá-las, pois o desastre que se prenuncia para quem
abuse da mediunidade, explorando os semelhantes, é terrível.

Que o médium se guarde de ser pesado, não só ao bolso, como também à alma dos
companheiros, não os aborrecendo e nem os entristecendo... Não imponham outras
condições para atuar na mediunidade, que não sejam as prescritas pelo bom senso,
dentro das reais necessidades para que a tarefa seja uma luz para todos!
30 - COM PERSISTÊNCIA
"Pois as credenciais do apostolado foram apresentadas no meio de vós, com toda a
persistência, por sinais, prodígios e poderes miraculosos."

2 Coríntios, 12-v. 12

Nem todo apóstolo nasce apóstolo, nem todo médium nasce com tarefa definida.

Paulo não fora apóstolo, mas, "com toda a persistência, por sinais, prodígios e poderes
miraculosos", tornou-se um dos maiores dentre os que se destacaram no apostolado
cristão.

Assim como muitos médiuns recuam diante do chamamento a responsabilidades mais


amplas, outros, por méritos indiscutíveis, são, digamos, nomeados pela Espiritualidade
Superior para cumprir com esta ou aquela atividade mediúnica de relevância...

Contam-se aos milhares os espíritos que, em reencarnando, fracassam na missão que


haviam pleiteado. Os que não fracassam de todo, acabam enveredando por sinuosos
caminhos, faltando com a palavra empenhada ao compromisso.

Outros, uma minoria, tornam-se na Terra mesmo dignos da credibilidade do Mundo


Espiritual que, então, passa a secundar-lhes os esforços, improvisando tarefas que,
para muitos, são adredemente delineados antes de seu regresso ao corpo.

Concordamos em que Paulo tenha sido um espírito altamente qualificado para a


missão que desempenhou, todavia não podemos concluir, pelo seu pretérito, que ele
já tenha renascido com as "credenciais do apostolado".

Digamos que, escolhido pelo Senhor, Paulo não fez ouvidos moucos ao divino convite,
mas não se isentou do calvário que o esperava nos testemunhos em que deveria se
fazer cada vez mais digno das expectativas do Mestre.

O medianeiro, pela sua constância e sincero desprendimento, pode atrair para si o


interesse da Vida Maior, que, então, investirá em suas possibilidades espirituais,
consoante a assertiva evangélica: "Ao que tem, mais se lhe dará"...

Assim como muitos médiuns, conforme no-lo diz Allan Kardec, podem ter as suas
atividades suspensas, não mais contando, temporária ou definitivamente, com a
retaguarda do Mundo Espiritual, outros podem tê-las referendadas ou, ainda,
outorgadas, desde, é claro, que façam jus.
Paulo teve que provar à comunidade dos cristãos que realmente havia mudado... Para
que fosse aceito, as credenciais do apostolado tiveram que por ele ser apresentadas
por seus feitos e por sinais que, inclusive, passou a exibir no próprio corpo pelas
inúmeras flagelações sofridas. Enquanto tal não aconteceu, os cristãos não lhe
conferiram à palavra qualquer autoridade moral, apesar de seu vasto conhecimento da
lei.

A Espiritualidade Maior tem recursos para suscitar medianeiros entre os homens, ou


seja, para subtraí-los ao anonimato e transferir às suas mãos a missão que outros
conspurcaram.

Maria de Magdala, por exemplo, era um espírito comum, uma irmã cativa da obsessão
e, com certeza, do seu próprio carma; todavia, em tendo a oportunidade que obteve
junto ao Cristo, modificou-se completamente, transformando-se, de fato, num dos
mais belos exemplos de apostolado... Quantos, em contato com Jesus, não souberam
aproveitar o sublime ensejo, qual os nove leprosos que, uma vez curados, sequer
voltaram para agradecer-lhe?!

Todos têm o instante decisivo de sua redenção... É em um certo momento que a


semente começa a germinar e que a flor exala o seu perfume.

Médiuns comuns, espíritos comuns que são, podem fazer de seu singelo trabalho um
apostolado de amor aos semelhantes, crescendo por seus méritos e, não raro, em uma
única existência lograr avançar o que não avançaram em muitas outras.

Neste sentido, diríamos que certos tarefeiros da mediunidade são candidatos ao


serviço apostólico, mas não que já estejam a desempenhá-lo no mundo; estão a
caminho, no entanto, evidentemente, lhes falta muito a caminhar...

As credenciais do apostolado hão de ser apresentadas exaustivamente, "com


persistência", e não uma ou outra vez... Mandato mediúnico é, sem dúvida,
prerrogativa de poucos e, dentre estes poucos, pouquíssimos conseguem levar adiante
a sua missão sem distorcê-la, ante o assédio das tentações que se fazem sentir com
todo o seu rigor sobre aquele que pode influenciar muitas almas.

As credenciais do apostolado mediúnico são apresentadas, no dizer de Paulo, "no meio


de vós", no burburinho das lutas humanas, na linha de fogo das dificuldades,
publicamente, e não no insulamento, distante do perigo, no silêncio dos escritórios ou
no comodismo das salas com ar condicionado.

Sobretudo, as credenciais do médium em apostolado serão apresentados pela sua


perseverança no Bem em todos os instantes de sua Vida.

Fim do Livro

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