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Capítulo 5 - O Homem Cordial: Para Sérgio Buarque, o Estado não foi uma continuidade

da família. Comparou tal confusão com a história de Sófocles, sobre Antígona e seu irmão
Creonte, sobre um confronto entre Estado e família. Houve muita dificuldade na transição
para o trabalho industrial no Brasil, onde muitos valores rurais e coloniais persistiram. Para
o autor, as relações familiares (da família patriarcal, rural e colonial), eram ruins para a
formação de homens responsáveis.

Até hoje vemos a dificuldade entre os homens detentores de posições públicas conseguirem
distinguir entre o público e o privado. "Falta ordenamento impessoal que caracteriza a vida
no Estado burocrático”.

A contribuição brasileira para a civilização foi então, o “homem cordial”. Mas o que significa
ser um homem cordial no contexto abordado pelo historiador? A princípio, o adjetivo
"cordial" gerou muitas querelas. Os conservadores da época acharam que associar o brasileiro
à imagem de um "homem cordial" parecia desvirilizante, e o melhor seria encaixá-lo no
protótipo de um Cavaleiro da Esperança, ou coisa que o valesse. Com o tempo, a polêmica
cedeu lugar a um entendimento parcial do que significava, para Hollanda, a cordialidade do
brasileiro que, ao contrário do que superficialmente possa parecer, não quer dizer apenas
sincero, afetuoso, amigo. As paixões – egoístas e desgovernadas – estão na origem do
conceito: trata-se de um homem de "fundo emotivo extremamente rico e transbordante",
segundo Sérgio Buarque de Hollanda, ou seja, um homem dominado pelo coração (cor,
coração em latim).

A impossibilidade que o brasileiro tem em se desvincular dos laços familiares a partir do


momento que esse se torna um cidadão, gerou o “homem cordial”. Esse homem cordial é
aquele generoso, de bom trato, que para confiar em alguém precisava conhecê-lo primeiro.
A intimidade que tal homem tem com os demais chega a ser desrespeitosa, o que possibilitou
chamar qualquer um pelo primeiro nome, usar o sufixo “inho” para as mais diversas situações
e até mesmo, colocar santos de castigo. O rigor é totalmente afrouxado, onde não há distinção
entre o público e o privado: todos são amigos em todos os lugares. O Brasil é uma sociedade
onde o Estado é propriedade da família, os homens públicos são formados no círculo
doméstico, onde laços sentimentais e familiares são transportados para o ambiente do Estado,
é o homem que tem o coração como intermediário de suas relações, ao mesmo tempo em que
tem muito medo de ficar sozinho.

Capítulo 6 - Novos Tempos: Há na sociedade brasileira atual, um apego muito forte ao


recinto doméstico, uma relutância em aceitar a superindividualidade. Poucos profissionais se
limitam a ser apenas homens de sua profissão. Há um grande desejo em alcançar prestígio e
dinheiro sem esforço. O bacharelado era muito almejado por representar prestígio na
sociedade colonial urbana. Não havia uma real preocupação com a intelectualidade com o
sabre, havia um amor pela idéias fixas e genéricas o que justificou a entrada do positivismo
e sua grande permanência no Brasil. O autor fez críticas aos positivistas. Para o autor a
democracia foi “sempre um mal-entendido” no Brasil. Os grandes movimentos sociais e
políticos vieram de cima para baixo, o povo ficou indiferente a tudo. O romantismo acabou
se tornando um mundo fora do mundo, incapaz de ver a realidade, o que ajudou na construção
de uma realidade falsa, livresca. Muitos traços da nossa intelectualidade ainda revelam uma
mentalidade senhorial e conservadora. Falou da importância da alfabetização para o Brasil.

Capítulo 5 – O Homem Cordial


O Estado não é uma ampliação do círculo familiar nem uma integração de certos
agrupamentos, de certas vontades particulares, de que a família é o melhor exemplo. Entre o
círculo familiar e o Estado existe uma descontinuidade e até uma oposição. Pertencem a
ordens diferentes em essência.
A ordem familiar, em sua forma pura, é abolida por uma transcendência. Não entender isso
gera crises graves que podem afetar profundamente a sociedade.
Nas velhas corporações formavam-se como se uma só família, partilhavam-se das mesmas
privações e confortos. Foi o moderno sistema industrial que suprimiu a atmosfera de
intimidade que reinava entre empregadores e empregados e estimou os antagonismos de
classe. Para o empregador moderno o empregado transforma-se em simples número: a
relação humana desapareceu.
Persistem algumas destas famílias “retardatárias” concentradas em si mesmas, mas tendem a
desaparecer ante as exigências imperativas. Teorias modernas tendem a separar o indivíduo
da comunidade domestica. Essa separação representa as condições primárias para qualquer
adaptação à “vida prática”.
A formação da sociedade segundo conceitos atuais tende a ser precária onde quer que
prospere a idéia de família, principalmente a de tipo patriarcal.
A formação de homens públicos capazes no Brasil se deveu ao fato de muitos jovens terem
saído do seio de suas famílias, rompendo-se assim os laços familiares.
No Brasil, onde imperou o tipo primitivo de família patriarcal, o desenvolvimento da
urbanização ia acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem.
Aqueles que foram formados por tal ambiente familiar patriarcal tinham dificuldade de
compreender a diferenças entre o público e o privado. Para o funcionário “patrimonial” a
gestão política se apresenta como assunto de interesse particular, o que não deveria acontecer
no verdadeiro Estado burocrático. Neste velho estado de coisas, a escolha das pessoas para
exercer função pública se dá mediante confiança pessoal e não segundo critérios de
capacidade.
Falta a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático. As relações que se
criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição
social entre nós.
A contribuição brasileira para a civilização: o “homem cordial”.Características do homem
cordial:
– sente pavor em viver consigo mesmo;
– para ele, a parcela social, periférica no brasileiro tende a ser o que mais importa;
– brasileiros sentem dificuldade de uma reverência prolongada ante um superior;
– reverência sim, desde que não suprimam possibilidade de convívio mais familiar;
– para outros manifestação normal de respeito, para nós desejo de intimidade;
– esse modo de ser reflete-se em nossa inclinação para emprego de diminutivos;
– tendência de omissão do nome de família prevalecendo nome individual;
– uma ética de fundo emotivo representa um aspecto da vida brasileira que poucos
estrangeiros entendem com facilidade;
– tratamento dos santos com uma intimidade quase desrespeitosa e o próprio Deus é um
amigo familiar, doméstico e próximo;
– horror às distâncias interpessoais e até no campo espiritual;
– O rigor do rito se afrouxa e se humaniza.
Capítulo 6 – Novos Tempos
Nossa conduta denuncia um apego singular aos valores da personalidade configurada pelo
recinto doméstico. Cada indivíduo afirma-se ante os seus semelhantes indiferente à lei geral,
onde esta lei contrarie suas afinidades emotivas.
Só raramente nos aplicamos de corpo e alma a um objeto exterior a nós mesmos. E quando
fugimos à norma é por simples gosto de retirada, descompassado e sem controle, jamais
regulados por livre iniciativa. Somos notoriamente avessos às atividades morosas e
monótonas em que o sujeito se submeta deliberadamente a um mundo distinto dele: a
personalidade individual dificilmente suporta ser comandada por um sistema exigente e
disciplinador.
No trabalho não buscamos senão a própria satisfação, ele tem o seu fim em nós mesmos e
não na obra. As atividades profissionais são, aqui, meros acidentes na vida dos indivíduos.
Novos bacharéis só excepcionalmente farão uso na vida prática dos ensinos recebidos.
Inclinação geral para as profissões liberais. Prestígio das profissões liberais. No vício do
bacharelismo ostenta-se nossa tendência para exaltar a personalidade individual como valor
próprio. A sedução exercida pelas carreiras liberais vincula-se ao nosso apego quase
exclusivo aos valores da personalidade. Não é outro o motivo da ânsia pelos meios de vida
definitivos, que dão segurança exigindo um mínimo de esforço pessoal (empregos públicos).
Amor pronunciado pelas formas fixas e pelas leis genéricas, prestígio da palavra escrita, da
frase lapidar, do pensamento inflexível, o horror ao vago, ao hesitante, ao fluido, que obrigam
à colaboração, ao esforço, a certa dependência e abdicação da personalidade, tem
determinado nossa formação espiritual. Tudo quanto dispense qualquer trabalho mental
fatigante, as idéias claras, lúcidas, definitivas, que favorecem uma espécie de atonia da
inteligência, parecem-nos constituir a verdadeira essência da sabedoria.
O sucesso do positivismo entre nós explica-se por esse repouso que permite ao espírito as
definições do sistema de Comte. A importância deste sistema prende-se à sua capacidade de
resistir à fluidez e à mobilidade da vida. Não inspiraram qualquer sentido positivo aos nossos
negócios públicos. As virtudes que ostentavam não eram forças com que lutassem contra
políticos.
Trouxemos de terras estranhas um sistema complexo e acabado de preceitos, sem saber até
que ponto se ajustam às condições da vida brasileira e sem cogitar das mudanças que tais
condições lhe imporiam.
O liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós. Só assimilamos esses princípios
até onde coincidiram com a negação de autoridade confirmando nosso horror às hierarquias
e permitindo tratar com familiaridade os governantes.
A democracia entre nós sempre foi um mal entendido. Aristocracia rural e semifeudal
importou-a e tratou de acomodá-la aos seus direitos e privilégios (os mesmos privilégios que
tinham sido na Europa o alvo da luta da burguesia contra a aristocracia). Assim puderam
incorporar à situação tradicional alguns lemas que pareciam os mais acertados para a época
e exaltados nos livros e discursos.
Os movimentos aparentemente reformadores no Brasil (independência, conquistas liberais,
idéia republicana) partiram quase sempre de cima para baixo, vieram quase sempre de
surpresa, o povo recebeu-os com displicência ou hostilidade.Não emanavam de uma
maturidade plena do povo que ficou indiferente a tudo.
Migração da família real portuguesa em 1808 acarretou: persistência dos os velhos padrões
coloniais ameaçada; crescimento dos centros urbanos que abriu novos horizontes que iriam
perturbar antigos deleites da vida rural. Muitos não souberam adaptar-se às mudanças.
Começou a patentear-se a distância entre o elemento “consciente” e a massa brasileira.
Transição do convívio no campo para as cidades provavelmente estimulou crise em nossos
homens.
O amor às letras não reagiu contra a nossa realidade cotidiana, não tratou de corrigi-la;
esqueceu-a, detestou-a. Mostrou indiferença ao conjunto social. Nossos homens de idéias em
homens de palavras e livros; não saiam de si mesmos, de seus sonhos e imaginações. Era o
modo de não nos rebaixarmos, de não sacrificarmos nossa personalidade no contato de coisas
mesquinhas e desprezíveis. Acabaríamos assim por esquecer o que realmente interessava
para nos dedicarmos a motivos que davam status: à palavra escrita, à retórica, etc.
Com o declínio do mundo rural e de seus representantes, essas novas elites estariam indicadas
para o lugar vago. Nenhuma classe achava-se tão aparelhada para o mister de preservar o teor
aristocrático de nossa sociedade tradicional como a das pessoas de imaginação cultivada e de
leituras.
Existiam alguns traços por onde nossa intelectualidade revelava sua missão conservadora e
senhorial. Entre eles a tendência para se distinguir no saber um instrumento capaz de elevar
seu portador acima do comum dos mortais (a classe estudada, privilegiada apenas se gabava
de seu conhecimento, mas não o usava para a transformação da realidade que a cercava!).
Quanta inútil retórica se tem esperdiçado para provar que todos os nossos males ficariam
resolvidos se estivessem amplamente difundidas as escolas primárias e o conhecimento do
ABC. A simples alfabetização em massa não constitui talvez um benefício sem par.
Desacompanhada de outros elementos fundamentais da educação, que a completem, não tem
nenhum valor.
Invencível desencanto em face das nossas condições reais. Quando se fez a propaganda
republicana, julgou-se introduzir, com o novo regime, um sistema mais acorde com as
supostas aspirações da nacionalidade. Na realidade, porém, foi ainda um incitamento negador
o que animou os propagandistas: o Brasil devia entrar em novo rumo, porque se
“envergonhava” de si mesmo, de sua realidade biológica.
Nossa República foi além do Império. Neste, o principio do Poder Moderador corrompeu-se
bem cedo, graças à inexperiência do povo, servindo de base para nossa monarquia tutelar,
compreensível onde dominava um sistema agrário patriarcal. A divisão política em dois
partidos, menos representativos de idéias do que de pessoas e famílias, satisfazia nossa
necessidade fundamental de solidariedade e luta. O Parlamento tinha uma função a cumprir
dentro do quadro da vida nacional, dando a imagem visível dessa solidariedade e luta.

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