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NOS CUMES DO MITO DE

SISIFO

Um dialogo Cioran-Camus Sobre


o Absurdo e o Suicidio

Thiago Félix
O absurdo em Camus não é um conceito abstrato, não é algo sobre o qual
especulasse em salas vazias e empoeiradas dos becos filosóficos; a própria existência é
absurda e não é errado admitir que esta é uma experiência cotidiana. Todos os dias,
como Sisifo, que é obrigado a exercer um trabalho inútil, assim também o homem é
lançado numa existência que se demonstra esvaziada de sentido.

O absurdo é inefável, pois se houvesse uma forma de explicá-lo logicamente


deixaria de ser absurdo. Como um ser imerso no tempo, o homem vive uma constante
contradição, ao passo que planeja seu futuro, o futuro é incerto, pois ante a ele temos a
inescapabilidade da morte.

Viver uma existência em que inegavelmente vamos morrer é a prova da


densidade do absurdo; o homem vive como um estrangeiro jogado no tempo, num
espaço que ele nasce, porém é incapaz de compreender sua amplitude. Através da razão
chegamos ao entendimento de que nos é impossível definir com clareza o sentido do
mundo e da vida em função do conflito existencial advindo da consciência. Viver é estar
numa constante contradição entre o fato de que podemos conhecer até certo ponto as
coisas, mas estamos presos no limiar da nossa própria limitação, como seres limitados,
fronteiriços, percebemos que a realidade nos escapa. Não viveremos o suficiente para
entender a complexidade do mundo, mas vivemos. O absurdo é o silêncio avassalador
do mundo

Não há possibilidade de separar o absurdo do


nascimento da lucidez, pois a consciência da inocência
de um olhar é capaz de captar o absurdo, ou seja, de
fazer emergir o desejo por unidade e explicação para os
questionamentos trazidos pela clareza da razão. O
homem então passa a compreender o absurdo como
algo único e inapreensível, assim esbarra com os
“muros absurdos” que o circundam. É nessa busca por
compreensão que ele sempre encontra o
incompreensível.
(BISPO E SAVIO, O MITO DE SÍSIFO: A DECISÃO
DE VIVER OU SUPRIMIR A VIDA)

Neste aspecto, apesar de não haver em Cioran o termo, suas falas em Nos
Cumes do Desespero parece-nos suscitar o mesmo sentimento; “Solitários na vida, nós
perguntamo-nos se a solidão da agonia não é o próprio símbolo da existência humana.”,

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ele nos diz logo no inicio de seu livro, em “como tudo é longe!”; o sentimento da
experiência do absurdo pode ser lido em cada uma de suas páginas, seu relato é o relato
de alguém que encontra diante de si a inexorabilidade da morte, a ineficácia da crença
no destino e a impotência humana diante do universo paradoxal, que nos esmaga ao
mesmo tempo em que nos permitiu viver.

“Sinto-me a ponto de explodir com tudo o que me


oferecem a vida e a perspectiva da morte. Sinto-me
morrer de solidão, de amor, de ódio e de todas as
coisas deste mundo. Tudo isto parece fazer de mim
um balão prestes a estourar. Nestes momentos
extremos, realizo uma conversão ao Nada. Dilato-me
interiormente até a loucura, para além de todas as
fronteiras, à margem da luz, quando esta já foi
extirpada da noite, em direção ao excesso em que um
turbilhão selvagem projetando-me direto ao nada. A
vida cria uma plenitude e o nada, exuberância e
depressão; o que somos diante da vertigem que nos
consome até o absurdo?”
(CIORAN, Nos Cumes do Desespero)

O desespero presente nas palavras de Cioran é o desespero de um homem que


se depara com a situação da absurdidade da vida. Seu caminho é peripatético, sua
literatura nos arrasta por entre os vales da desesperança a caminho de seus sinuosos
cumes.
Nos primeiros textos de seu livro, o autor nos evoca uma personagem que será
importante No Mito de Sisifo, de Camus: a figura do suicida. Raramente, Cioran cita o
suicídio de forma direta, mas o tema paira por toda a obra, como a ave negra de Poe que
constantemente evoca fantasmas em sua repetição. Cioran nos revela: “O que, então,
não nos concede uma razão para morrer? Morremos tanto de tudo o que é, quanto de
tudo o que não é. Toda a experiência torna-se, imediatamente, um salto no nada”.
Ainda podemos ver no texto a renúncia, uma passagem cujo tema do suicídio é,
de fato, suscitado diretamente. Claramente pode-se perceber que o eu lírico possui uma

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espécie de tendência suicida, se não tanto, uma espécie de flerte com o estado da
angustia suicida. Um sentimento de abandono de si que corrói toda a obra.

“Mas como renunciar? Onde ir para não abandonar


Tudo de uma só vez (ainda que esta seja a única
renúncia verdadeira)? Não podemos mais encontrar
deserto exterior; falta-nos a decoração (aparência) da
renúncia. Incapazes de viver livres sob o sol sem
outro pensamento que não seja o da eternidade...,
como poderíamos nos tornar santos ao abrigo? É um
drama eminentemente moderno não poder renunciar
de outra forma que não pelo suicídio. Mas, se nosso
deserto interior pudesse materializar-se, sua
imensidade não nos oprimiria?”
(CIORAN, Nos Cumes do Desespero)

Para Camus, em O Mito de Sisifo, o suicídio é o único tema realmente


importante para a filosofia. Diante do entendimento do absurdo e sua densidade na vida
cotidiana, parece ser este o caminho mais lógico a ser seguido. A vida não possui
sentido em si mesma, não conseguimos compreendê-la em sua totalidade, o universo
parece nos esmagar constantemente, o mundo é vasto e apavorante; resta-nos apenas o
suicídio como formula de escape.
Camus discordará; para ele, apesar do suicídio parecer em um primeiro
momento a saída logica para o escape da absurdidade, é necessário recorrer a outro tipo
de logica: a lógica absurda. “Camus entende que a ausência de significado da existência
humana é na realidade um incentivo à vida, não o oposto”, dirá BISPO E SAVIO. É a
uma responsabilidade humana enfrentar este absurdo, fugir do enfrentamento não é a
solução, pois, no fundo, isto é o que o suicídio é: um escapismo.
Antes de ser uma condenação moral, a filosofia de Camus é um incentivo à
vida, uma lógica do enfrentamento do absurdo através de uma existência heroica,
heroica no sentido que o individuo tem a total consciência da existência da morte e
escolhe viver. — não à toa, o total oposto do suicida é justamente o condenado a morte.
Ele dirá:

“a última conclusão do raciocínio absurdo é, na


verdade, a rejeição do suicídio e a manutenção desse
confronto desesperado entre a interrogação humana

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e o silêncio do mundo. O suicídio significaria o fim
desse confronto, e o raciocínio absurdo considera
que ele não poderia endossá-lo sem negar suas
próprias premissas. Tal conclusão, segundo ele, uma
fuga ou liberação. Mas fica claro que ao mesmo
tempo, esse raciocínio admite a vida como único
bem necessário porque permite justamente esse
confronto, sem o qual a aposta não encontraria
respaldo. Para dizer que a vida é absurda, a
consciência precisa estar viva.”
(CAMUS, O homem revoltado)

Neste sentido, parece ao leitor que a forma de vencer a força do esmagamento


da absurdidade é a potencialização da vida, isto é: vive-la ao máximo, vive-la
heroicamente. É na luta diária pela manutenção da vida que está a própria afirmação da
mesma.
Camus evoca-nos a figura de Sisifo, segundo o mito o homem mais inteligente
de toda a terra, condenado a fazer um trabalho braçal inútil e desesperador: rolar uma
pedra para vê-la cair e novamente recomeçar o trabalho num ciclo infinito. Para Camus,
o homem deve ser como esta figura mitológica, tão agarrada à vida que engana a morte
duas vezes! E, na interpretação de Camus, uma figura que não se desespera e continua
agarrado a vida mesmo em meio ao trabalho hercúleo e inútil. É preciso ver Sisifo feliz.
Cioran não aposta na potencia de vida, seu flerte com o suicídio é isto: um
flerte. Ele aposta na permanência da vida, pois a morte também lhe parece enjoativa. É
uma constante revolta ante a vida que em certos aspectos se aproxima sim de uma figura
Sicifica.
“Por que eu não me suicido? Porque a morte me
enoja tanto quanto a vida. Não tenho a menor ideia
da minha razão de ser aqui no mundo. Sinto, neste
momento, uma imperiosa necessidade de gritar, de
soltar um uivo que espante o universo. Cresce em
mim um rugido sem precedentes - e pergunto-me
por quê ele não explode, para esvaziar este mundo,
que eu engoliria em meu vazio.”

A atitude de Cioran ante a absurdidade da vida não é enxergar esta como algo
no qual devemos derramarmo-nos, mas ainda assim é uma atitude de revolva ante o
absurdo que o mantém vivo. É o asco da morte que o mantem na vida. Cioran parece-
nos gritar que não é preciso imaginar Sisifo feliz, ao menos, não trazer para si esta carga
de otimismo. Sisifo vive e isso nos basta.

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BIBLIOGRAFIA:

CAMUS, Albert. O Estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, 2006.


____________. O mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Guanabara, 1942.
____________. O homem revoltado. Lisboa: Livros do Brasil.
CIORAN, Emil. Nos Cumes do Desespero, São Paulo, Hedra, 2008
BISPO, Mirlene Fonte de Menezes; ROSA, Roberto Savio; O mito de Sisifo: a decisão
de viver ou suprimir a vida in FILOSOFANDO: REVISTA DE FILOSOFIA DA
UESB, Bahia, JULHO-DEZEMBRO DE 2013

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