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Frank Marcon
Hippolyte Brice Sogbossi
(Organizadores)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Reitor
Josué Modesto dos Passos Subrinho
Vice-reitor
Angelo Roberto Antoniolli
capa
Escultura de Nzinga Mbandi
Foto de Frank Marcon, Luanda - Angola, 2003
revisão
Everaldo José Freire
Frank Marcon
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Ela queria sair para um outro mundo, eu
queria desembarcar numa outra vida. Farida
queria sair de África, eu queria encontrar
um outro continente dentro de África.
(MIA COUTO)
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 09
I PARTE - ESTUDOS
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APRESENTAÇÃO
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social, às relações familiares, às características regionais, às relações de trabalho,
bem como, às próprias auto-referências étnicas, raciais e culturais de identificação
e diferença.
Este livro é parte materializada do resultado de algumas das reflexões
realizadas no decorrer das nossas atividades como pesquisadores colaboradores
do NEAB, como professores do curso UNIAFRO e como seus monitores e
alunos.
A relação entre educação e práticas de ensino voltadas para a construção
da cidadania e da alteridade, aliados ao conteúdo de historia da África e das
populações afro-brasileiras foram priorizadas como ponto de convergência e
coerência entre os diferentes capítulos aqui desenvolvidos. Na primeira parte,
denominada “estudos”, os capítulos foram escritos por professores que já vêm
há tempos desenvolvendo algum tipo de pesquisa sobre a relação entre ensino e
estudos das populações africanas no Brasil. Na segunda parte, denominada
“reflexões e relatos”, os capítulos foram escritos a partir de alguns exercícios de
monitores, professores e alunos do curso UNIAFRO, sobre algumas realidades
escolares em Sergipe ou, ainda, com o intuito propositivo de pensar e articular
conteúdos sobre a realidade social, cultural e a história local dos afro-descendentes
à prática pedagógica, fornecendo subsídios para usos didáticos. Na terceira
parte, que denominamos “documentos”, incluímos o texto da Lei 10.639/03 e
alguns trechos da resolução do Conselho Nacional de Educação co-relacionados
a ela, que consideramos leitura obrigatória aos professores que desejam iniciar
qualquer tipo de aproximação com o tema. Com esta publicação, intentamos
tornar acessíveis, ao maior número possível de professores da rede básica escolar
e do ensino superior, o conteúdo de nossas experiências conjuntas sobre o assunto.
É importante mencionar que durante todo o curso de aperfeiçoamento
estivemos preocupados em considerar as singularidades regionais do estado de
Sergipe e a procedência dos nossos alunos. O curso contou com o apoio da
secretaria de educação do governo do estado e das secretarias municipais de
Itabaiana e Aracaju, possibilitando a participação de professores da capital e de
cidades do interior. Aproveitamos para agradecer às referidas secretarias, bem
como, ao MEC/SESU pelo financiamento, através do edital UNIAFRO/2006.
Aos professores do curso, já nominados anteriormente, agradecemos
pelo engajamento e pela qualidade do trabalho desenvolvido sem remunerações
extras e em horários de finais de semana, alheios às suas obrigações regulares
como docentes. Também agradecemos aos alunos do curso, que depois de
jornadas semanais extenuantes em suas escolas, compareceram sempre
estimulados aos nossos encontros de atividades intensivas, às sextas-feiras e
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sábados. E, principalmente, agradecemos aos monitores Alan Max Vieira dos
Santos, Christiane Falcão, Edmilson Suassuna, Isabel Cristina de Sousa Menezes
e Martha Sales Costa, pela presteza, dedicação, ética e paixão com que nos
auxiliaram nas atividades didático-pedagógicas, sempre atentos, também, a
participação efetiva nas atividades relacionadas aos conteúdos ministrados. Que
a leitura deste livro possibilite usos pedagógicos práticos e novas reflexões sobre
a relação entre o ensino e os estudos sobre as populações africanas e cultura a
afro-brasileira.
Frank Marcon e
Hippolyte Brice Sogbossi
Coordenadores do projeto
UNIAFRO (NEAB/UFS)
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I PARTE
ESTUDOS
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Mediação pedagógica, a Lei 10.639/03 e
a experiência UNIAFRO/UFS
Frank Marcon1
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Doutor em Antropologia Social, pela UFSC, e professor Adjunto da Universidade Federal de
Sergipe (UFS).
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religiosas e sociais; e da África dos trânsitos, do tráfico, das diásporas e dos diálogos
contemporâneos com o Brasil.
Para tanto, por um lado, é necessário reconhecermos que a historiografia colonial
africana é extremamente eurocêntrica e, por outro lado, reconhecermos que a
historiografia africana pós-colonial tende a elaborações nacionalistas. Além do mais, no
Brasil, também foram dadas diferentes ênfases, pela produção sociológica e historiográfica,
sobre as influências e contribuições das culturas e da população negra ou afro-descendente
à sociedade brasileira, a depender, muitas vezes, de concepções influenciadas pelo discurso
racializado, hierarquizador e nacionalista, com base em estereótipos a partir do corpo,
do parentesco, da moral, da cultura ou da origem social, a depender da época, dos
interesses e das concepções em jogo.
Com a experiência de ter compartilhado com outros colegas do NEAB/UFS a
autoria e a coordenação do Curso de aperfeiçoamento UNIAFRO, bem como ter
ministrado dois dos seus módulos, o primeiro denominado Africa: cultura e política e o
segundo Metodologia do ensino de estudos sobre a África e cultura afro-brasileira gostaria de
apontar para algumas reflexões e relações entre a prática pedagógica e as proposições da
Lei 10.639/03. Neste capítulo, concentro-me numa análise sobre a “mediação” como
postura pedagógica, procurando ao mesmo tempo realizar algumas observações sobre
a troca de experiências entre os professores, os monitores e os alunos durante o Curso.
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interativos mediadores da aprendizagem (professor – aluno – pedagogo – comunidade),
através de conhecimentos necessários à formação do cidadão. Fontana (1996) nos diz
que é esta a escola que devemos priorizar. Neste sentido, as noções do senso comum
apreendidas na vida comunitária devem ser desmistificadas pela aquisição de conceitos
mais elaborados, que a escola tem como função sistematizar e tornar acessíveis ao aluno,
sempre respeitando as diferentes experiências de cada um. A informação e o conteúdo
tornam-se aqui mediados por um processo cognitivo que é de responsabilidade da
comunidade escolar. A questão é: como realizar esta mediação numa perspectiva da
cidadania, em que todos estejam incluídos, sejam ouvidos e respeitados? A mediação,
neste sentido, é uma postura pedagógica e devemos levar em consideração que ela está
articulada à ordem dos discursos, ao campo das linguagens, como processos
comunicativos que engendram poder.2 No caso específico, aqui em questão, estas são
reflexões sobre como incluir aí os estudos sobre culturas e populações negras ou afro-
descendentes no Brasil, bem como, são reflexões sobre a problematização das formas
de racismo e exclusão nas escolas e na sociedade brasileira, para que possamos tornar
eficazes nossos objetivos de superação, promoção e respeito à cidadania plena, às
diferenças, à integração e acessibilidade de todos.
Durante o curso UNIAFRO, as duas turmas de professores-alunos, de Aracaju
(SE) e Itabaiana (SE), apesar de suas especificidades, foram nos apresentando algumas
características comuns no que diz respeito à identificação de problemas escolares relativos
ao tratamento do conteúdo de história da África, cultura afro-brasileira e a questão do
racismo. A maioria diagnosticou a invisibilidade do conteúdo ou um tratamento
aparentemente superficial e maniqueísta, ao mesmo tempo em que nos descreviam a
presença significativa de afro-descendentes em suas salas de aula. A partir do
reconhecimento de tais problemas, eles começaram a construir suas reflexões propositivas
sobre o assunto. Para sistematizar aqui algumas de suas contribuições, que resultaram
em seus artigos de conclusões do Curso, estarei dividindo o conjunto dos seus trabalhos
em blocos temáticos, que considero os mais significativos. 1) Reflexões sobre a relação
entre historiografia e conteúdo. 2) Reflexões sobre metodologias e currículo escolar. 3)
Reflexões sobre o livro didático. 4) Reflexões sobre o racismo na escola.
No primeiro bloco, sobre “a relação entre historiografia e conteúdo”, os textos
de Aldenize Santos da Paz, Ana Rita Ribeiro, Anderson Tavares dos Santos, Acácia da
Silva, Bruna Mota de Jesus, Daniela Santos, Elialda Menezes, Gilmara Santana Santos,
Ivaneide Oliveira, Ivanira Amaral, Kátia Mendonça, Mara Lima, Marizete Cunha e outros3
2
Sobre a relação entre linguagem, discurso e poder, ver: Roland Barthes, Mikhail Bakhtin,
Michel Foucault e Vigotsky.
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Ana Lígia de Farias, Bruno Abud, Cleones dos Santos, Edson Oliveira, Elisângela Reis, Gilza
Silva, José Nascimento, Josineire Menezes, Kelton Abreu, Luís dos Santos, Maria Helena
Santos, Marizete Sousa, Mateus Santos e Tiago Santos.
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fizeram revisões bibliográficas críticas a alguns conteúdos de história da África colonial
e de história dos africanos no Brasil; Rildo Mendonça e Sandra Santos foram mais
específicos, priorizaram principalmente discussões sobre a importância da inclusão da
oralidade como fonte para os estudos de história da África e dos africanos no Brasil,
ressaltando duas temáticas: o mundo lúdico e religioso dos afro-descendentes e a
memória oral sobre a escravidão e os primeiros anos após ela (ambos no sentido de
priorizar situações locais).
No segundo bloco, sobre “metodologias e currículo escolar”, os textos de Maria
Adenilza Santana e Maria Gorett Silva Santos fizeram críticas aos entraves da inclusão
efetiva do conteúdo de história da África no currículo escolar, Anderson Tavares, Elenilde
dos Santos, Flávio de Oliveira e Margareth de Menezes destacaram metodologias de
histórias de vida e memória oral como alternativas necessárias à inclusão desse conteúdo;
Isabella Corrêa, Joselita Guimarães, Maria Cândida Sampaio e Marta Helena Sampaio
destacaram metodologias de visitação aos museus, às cidades e às festas tradicionais,
como espaços de interação e integração com os universos locais da cultura dos
descendentes de africanos; Bárbara Lima de Souza e Paulo Andrade trabalharam com a
proposta da utilização de músicas carnavalescas, como narrativas contemporâneas sobre
o passado, elaboradas pelas populações negras no Brasil; Rosilene Souza Mártires
apontou para possibilidade do uso de objetos e símbolos do cotidiano das crianças na
construção de um processo de auto-identificação, deles próprios, com elementos do
conteúdo; Silvana Silva Souza trabalhou criticamente com as possibilidades de uso da
imagem em sala de aula, seus problemas e desafios. Na maioria dos casos deste bloco,
a questão do trabalho com “conceitos” esteve transversalmente presente.
No terceiro bloco, “reflexões sobre os livros didáticos”, Aline Ferreira da Silva,
Vanderson de Góis Santos, Daniela Bezerra, Iranilse Gomes de Jesus, José Gicelmo
Albuquerque, Jucinara de Almeida Santos, Maria das Graças Albuquerque, Mony Santos,
Thaís Paixão Francisco e outros analisaram alguns livros didáticos de ensino fundamental
e médio na área de artes, geografia, história, língua portuguesa (literatura) e sociologia.
Na maioria dos casos, com raras exceções, apesar de os livros serem de edições recentes
(após a publicação da Lei 10.639/03), as análises destacaram o problema da invisibilidade
do negro ou mesmo que os livros estão carregados de formas de tratamentos pedagógicos
inadequados, que perpetuam estereótipos hierarquizadores e visões negativas sobre a
África contemporânea, a história, a cultura e a população afro-brasileira, bem como, que
não discutem a fundo o racismo, nem trazem uma perspectiva contemporânea sobre
direitos humanos e acesso à cidadania. O que é mais grave, é que nenhuma das diferentes
áreas das licenciaturas escapou a este problema e alguns dos livros utilizados nas análises
têm uma inserção hegemônica em várias escolas públicas e privadas.
No último bloco, sobre “o racismo na escola”, Betânia Tavares, Carmem Lúcia
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Pereira, Deleides Santana, Maria Cristina de Melo, Maria Paes Santana, Maria de Fátima
Santana, Maria Rizo dos Santos, Maria Sônia Menezes, Rita de Cássia Santos e Telma
Reis Vieira, demonstraram como o espaço escolar, em Sergipe, também reproduz o
racismo, mesmo sem percebê-lo, e que este espaço está repleto de situações
discriminatórias, onde diretores, psicólogos, professores e funcionários maus preparados
legitimam hierarquias sociais e étnico-raciais, bem como, impõem valores religiosos,
morais e cívicos aos alunos, sem prestar atenção as suas especificidades e contextos
sociais.
Destaco aqui, que o exercício de reflexão destes professores-alunos sobre suas
práticas e o cotidiano escolar, foi fundamental para que eles pudessem compreender que
uma postura pedagógica mediadora é interventora ativa no processo ensino-
aprendizagem. Além do mais, os exemplos e a criatividade das reflexões, também
estimuladas pela mediação de debates conjuntos sobre os temas de seus interesses,
durante o Curso, corroboraram para um aprendizado mútuo.
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a metodologia e a justificativa de relevância da pesquisa. Trabalhar o conteúdo da
escravidão, da África, do racismo, das diferenças culturais e sociais, da cidadania, da
religiosidade, do lúdico, do trabalho, do político, entre outros, através da elaboração de
projetos de pesquisa em conjunto com os alunos, possibilita a articulação do conteúdo
ao estímulo e à relativização do que é relevante coletivamente para o aprendizado.
Como propostas metodológicas de pesquisa, podemos utilizar entrevistas sobre
histórias de vida, sobre a memória de grupos sociais, religiosos, rurais, urbanos, etários,
étnicos, políticos e de classe, o trabalho de observação de campo do espaço da rua, do
bairro ou da cidade, as pesquisas em jornais e revistas antigas ou atuais, as pesquisas em
arquivos públicos e privados, além do uso da imagem, como: fotografia, filmes e artes
plásticas, assim como outras expressões narrativas: romances, artigos científicos, letras
de música, etc. Mas, para tanto, é preciso aprender a dominar algumas destas técnicas de
pesquisa para que possamos envolver com responsabilidade os alunos. Isto só se
adquire na capacitação, no domínio bibliográfico e na experimentação.
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religiosidade e sobre suas criações culturais são invisibilizadas. Nos livros didáticos, as
ilustrações se tornam os ícones que reforçam a idéia do texto e muitas destas imagens
repetidas tornam-se imagens padrão, ícones ligados a conceitos-chaves de nossa vida
social, intelectual e moral. É necessário, portanto, abstrairmos do documento e da
imagem o caráter autoritário e absolutista de informação que a sociedade em que vivemos
lhe atribuiu. De onde vem esta imagem? Quem a fez e quais seus valores? Quem são os
protagonistas da cena? Com que objetivos ela foi elaborada? Tais questões devem ser
realizadas como parte da tarefa de mediação do professor em sala de aula.
Cabe ressaltar que as imagens são portadoras de, no mínimo, duas
temporalidades, como qualquer outra forma de linguagem, e é preciso levar em
consideração os aspectos da produção da imagem e dos seus usos em determinados
contextos didáticos. Não há, pois, como resgatar o passado ou “demonstrar” o presente
sem dar novos sentidos às imagens que nos chegam. Elas são sempre impressões de
um grupo ou de um indivíduo sobre um tempo, um lugar ou uma situação. Por isto,
é importante conhecermos os diferentes suportes da comunicação, aprendermos as
dinâmicas de cada linguagem (vídeo, tv, fotografia, desenho), nos aproximarmos
criticamente dos sentidos da reprodução de algumas imagens canônicas, percebermos
que as imagens são ao mesmo tempo o recurso didático (enquanto suporte) e a
linguagem que utilizamos (enquanto comunicação).
Antes de utilizarmos imagens na educação é imprescindível, como parte do
planejamento das aulas, que façamos o exercício de respondermos a nós mesmos
algumas perguntas. Qual o tema de estudos ou problemática a ser estudada a partir do
uso de um filme, fotografias, gravuras, desenhos ou pinturas? Qual a relação de interesse,
de proximidade e distanciamento destas imagens com meus alunos? Que objetivos
claros espero alcançar? Tenho um roteiro bem planejado e definido de trabalho? Quais
os fatores positivos e negativos (os resultados enfrentam sempre esta dicotomia) deste
uso? Como farei a avaliação? Se estas questões tiverem respostas satisfatórias, não
estaremos obedecendo a uma ditadura da imagem no processo contemporâneo de
cognição, mas abrindo possibilidades para uma leitura crítica, construtora de significados
em que os próprios alunos sejam os seus sujeitos.
Provocações finais
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professores alunos no Curso.4 Além disto, o problema é que quando escritos, tais
projetos e planos são engavetados e quase nunca retomados durante o ano para reflexões
mais aprofundadas e avaliações sobre o andamento das atividades, bem como, quase
nunca são discutidos amplamente com o grande grupo de docentes e a partir das
contribuições de toda a comunidade escolar. Outro problema é que as metodologias
são aplicadas seguindo modismos pedagógicos e de forma a ignorar a coerência com os
próprios objetivos propostos na formalidade dos planos de ensino que dificilmente
logram êxito. Neste sentido, a Lei Federal 10.639/03, o parecer CNE 03/04 e a resolução
CNE 01/04 não encontram um contexto adequado para sua absorção, debate e aplicação.
Uma coisa é a formalidade da Lei, outra coisa muito diferente é a sua absorção em
situações reais e adequadas.
Eu diria que para aqueles que estão convencidos de que é importante começarmos
por algum lugar para mudarmos tal quadro, um caminho interessante são as posturas
pedagógicas da mediação e, neste sentido, uma proposta de atividade mais imediata
para a escola e para os professores é a de que se reúnam, leiam e estudem a Lei 10.639/
03 e os textos dos pareceres do CNE, bem como, estudem alguma bibliografia pertinente,
apresentem alguns problemas da sua realidade escolar, relativos ao tema, atribuam a
eles questões de fundo conceituais e produzam coletivamente planos de ação, destacando
problemas, objetivos e estratégias. Não há como tornar eficiente o disposto na Lei
10.639/03, sem a sensibilização da comunidade escolar, o esforço coletivo e sua efetiva
participação no processo.
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pictórica como recurso pedagógico. In: História Ensino, Londrina, v. 5, out. 1999.
CAVALLEIRO, Eliane dos Santos et all. Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei
4
Generalizo esta experiência para outras além dos alunos do curso em Sergipe. Por exemplo,
no ano de 2005 ministrei cursos sobre a mesma temática em algumas cidades do interior do
estado de Santa Catarina e as observações por parte dos professores quanto aos problemas
com o planejamento e os projetos eram muito semelhantes.
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SCHWARCZ, Lília Moritz e QUEIROZ, Renato da Silva (orgs.). Raça e diversidade. São
Paulo: Edusp, 1996.
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Movimento negro e educação: alguns subsídios históricos
Petrônio Domingues5
5
Doutor em História/USP. Professor Adjunto da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Colaborador do NEAB/UFS.
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Por meio de decreto, ficou estabelecido que “nos cursos noturnos poderão matricular-
se, em qualquer tempo, todas as pessoas do sexo masculino, livres ou libertos, maiores
de quatorze anos”. Porém, o benefício do decreto não se estendia aos escravos (PERES,
1995; CUNHA, 1999, p. 90). A distância entre o dispositivo legal e a prática era um
outro problema. Muitos negros “livres” e “libertos” continuaram sendo proscritos da
educação pública. Esse quadro só foi alterado com a abolição da escravatura, em 1888, e
a implantação da República, em 1889.
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Foi o caso, por exemplo, da Feliz Esperança, de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Desde
o final da década de 1880, essa associação era considerada um “baluarte da representação
negra”, condição que vai manter até sua extinção, por volta de 1917 (LONER, 1999).
Emergiram também associações negras que abriram escolas. Uma delas foi a
Sociedade Amigos da Pátria, de São Paulo. A escola chamava-se Progresso e Aurora.
Fundada no dia 13 de maio de 1908, era dirigida por Salvador Luís de Paula, um negro
ex-ativista do movimento abolicionista. Não se têm maiores detalhes de sua dinâmica
interna. Com efeito, sabe-se que Progresso e Aurora foi o estabelecimento de ensino
voltado para a “população de cor” de maior longevidade nas primeiras décadas do
século XX. Por dificuldades financeiras, fechou suas portas em 1929.6
De 1926 a 1929, o Centro Cívico Palmares cerrou fileiras nas lides contra o
“preconceito de cor”. Uma de suas principais iniciativas foi a instituição de uma escola
que, à luz das demais do gênero, tinha uma estrutura pedagógica um pouco mais sólida.
Funcionando na sede da associação, as aulas ocorriam no período diurno e noturno.
Ensinava-se a ler, escrever e contar, bem como Gramática, Geografia, História, Aritmética,
Geometria, entre outras disciplinas (DOMINGUES, 2004, p. 353). Mantendo ainda
uma biblioteca e sediando palestras de cunho cultural, o Centro Cívico Palmares
reverberou o amadurecimento dos movimentos sociais do meio negro em São Paulo,
tendo sido o embrião da Frente Negra Brasileira.
Das associações de recorte racial dessa fase, a Frente Negra Brasileira (1931-1937)
foi a que amealhou maior grau de organização e estruturação, sendo, sem sombra de
dúvida, a mais importante. Ela se destacou pelo tempo em que permaneceu ativa, pelo
número de adeptos, pelas realizações e, também, pela quantidade de atividades que
desenvolveu. A Frente Negra Brasileira (FNB) se expandiu em ritmo acelerado, reunindo
no seu apogeu mais de sessenta “delegações” (sucursais) distribuídas pelo interior de
São Paulo e por outros Estados, como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo,
além de inspirar a criação de entidades homônimas em Pelotas (no Rio Grande do Sul),
Salvador e Recife. Sua organização político-administrativa era complexa e diversificada.
Havia centralização do poder e predominava uma rígida estrutura hierárquica
(FERNANDES, 1978; PINTO, 1993; DOMINGUES, 2005). Para impulsionar os
projetos específicos, a FNB instituiu vários departamentos, sendo o maior e mais
importante o de Instrução, também chamado de Departamento de Cultura ou Intelectual;
responsável pela área educacional da agremiação.
Convém observar que o conceito de educação articulado pelo movimento negro
naquela fase era amplo, compreendendo tanto a escolarização quanto a formação cultural
e moral do indivíduo. A palavra “educação” era usada freqüentemente com esses dois
sentidos. Já a palavra “instrução” tinha um sentido mais específico: de alfabetização ou
6
Progresso. São Paulo, 26/09/1929, p. 7.
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escolarização.
A “instrução” foi uma das questões mais pautadas da FNB. Em quase todas as
edições do jornal da FNB, A Voz da Raça, encontra-se alusão ao quadro de carência
educacional da população negra e à necessidade de ela se instruir. Em editorial o jornal
alardeava: “Oh pais! Mandai vossos filhos ao templo da instrução intelectual – ‘a escola’,
não os deixeis analfabetos como dantes”.7
O primeiro grande projeto do departamento de Instrução foi a criação de um
curso de alfabetização, em 1932. Era, em princípio, destinado a todos os negros
(“menores e adultos”), associados ou não à entidade, no período noturno. A partir de
1934, a FNB passou a oferecer também o curso primário. Francisco Lucrécio informa
que o curso primário estava organizado em três séries distintas, com cada sala de aula
correspondendo a uma série. Já Marcelino Felix (2001, s/p) sugere que o curso tinha
duração de três anos, adotava um sistema multisseriado, qual seja, várias séries
funcionando dentro de uma mesma sala mista (de meninos e meninas) - fato incomum
para a época. Não se sabe qual era o número exato de salas de aula, bem como o de
alunos atendidos. Em agosto de 1936, tem-se referência a “mais de 200 alunos” nas
escolas primárias e no curso de “Formação Social”.8 Aliás, este foi um outro curso
oferecido pela FNB. Tudo indica que ele não era regular e constava de conferências a
respeito de assuntos da atualidade, questões históricas, sociais, e, principalmente, moral
e cívica.
Ainda que de maneira pouco articulada, as lideranças frentenegrinas começaram
a forjar um posicionamento crítico em face do sistema de ensino, não só em relação ao
tratamento que os professores e a escola davam aos alunos negros, mas também quanto
aos conteúdos escolares. Conforme nota Regina Pahim Pinto (1993, p. 251), as lideranças
frentenegrinas não realizaram críticas sistemáticas, mas revelaram que tinham uma noção
de que as escolas da rede de ensino eram pouco receptivas ao alunado negro e que os
professores tinham uma postura discriminatória.
Um outro projeto da FNB no terreno educacional foi a organização de uma
biblioteca. Os livros eram adquiridos principalmente por meio de doações dos associados.
Os dirigentes frentenegrinos ainda cogitaram formar um centro de estudo e um “Clube
dos Intelectuais”. As atividades educacionais da FNB não ficaram circunscritas à cidade
de São Paulo. Várias sucursais mantiveram escolas ou cursos de alfabetização. No caso
de Muzambinho, em Minas Gerais, ocorreu algo excepcional: a “escola primária” da
delegação da Frente Negra foi reconhecida oficialmente e municipalizada em 1937.
Vale assinalar que a FNB não era a única organização do movimento negro que
mantinha projetos educacionais na década de 1930. O Clube Recreativo 28 de Setembro,
7
A Voz da Raça. São Paulo, 17/06/1933, p. 3.
8
A Voz da Raça. São Paulo, 08/1936, p. 4.
28
da cidade de Jundiaí, por exemplo, mantinha em suas dependências uma escola, chamada
“Cruz e Souza”. Por sua vez, o Centro Cívico José do Patrocínio, da cidade de São
Carlos, criou “escolas de alfabetização e de instrução profissional”. Nessa mesma cidade,
o Grêmio Recreativo Flor de Maio também abriu uma escola, disponibilizando cursos
de ensino primário (atual primeiro ciclo do ensino fundamental).
Raul Joviano Amaral asseverava que as “Sociedades Beneficentes” ou “Clubes
da gente de cor” levava a efeito seu trabalho de “instrução” em condições precárias de
instalação, ressentindo-se da falta de “apoio material”; as aulas eram ministradas em
“salinhas acanhadas, com bancos toscos e mesas de caixão, isso mesmo custeado por
bolsa de particulares”. Por essa razão, ele considerava necessário o “auxílio do governo”.9
Em 10 de novembro de 1937, com o apoio das Forças Armadas, Getúlio Vargas
determinou o fechamento do Congresso Nacional e anunciou em cadeia de rádio a
outorga de uma nova Constituição da República. A “polaca”, como ficou conhecida, foi
inspirada nas constituições fascistas da Itália e da Polônia. A partir de sua vigência, ficou
praticamente regulamentada a ditadura do Estado Novo; foram suprimidos direitos
civis e muitas das liberdades individuais. Em 2 de dezembro de 1937, um decreto
aboliu todas as organizações dos movimentos sociais, declarando-as ilegais. Como
conseqüência, a FNB encerrou suas atividades, alguns meses antes das comemorações
dos cinqüenta anos da Abolição, em 1938.
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas pela escola frentenegrina, sua
experiência histórica constitui um capítulo de resistência da população negra ante sua
exclusão (ou inclusão marginal) no sistema de ensino das primeiras décadas do período
republicano. Nessa primeira fase do movimento negro, é possível perceber como os
vários grupos enfatizavam, senão priorizavam sua atuação na esfera educacional.
Acreditava-se que os negros, à medida que progredissem no campo educacional, teriam
mobilidade social, seriam respeitados, reconhecidos e valorizados pela sociedade mais
abrangente. A educação também teria assim o poder de anular o preconceito racial e, em
última instância, de erradicá-lo.
29
nível econômico, e intelectual das pessoas de cor em todo o território nacional, para
torná-las aptas a ingressarem na vida social e administrativa do país, em todos os
setores de suas atividades” (apud SILVA, 2005, p. 177).
A UHC era constituída de uma complexa estrutura organizativa. Chama a atenção
sua escalada expansionista. Na segunda metade de 1940, ela abriu sucursal ou teve
representantes em dez Estados da Federação (Minas Gerais, Santa Catarina, Bahia,
Maranhão, Ceará, Rio Grande do Sul, São Paulo, Espírito Santo, Piauí e Paraná), estando
presente em inúmeros municípios do interior. Somente no Estado do Paraná, a UHC
mantinha contato com vinte e três cidades, em 1948. Em linhas gerais, sua atuação era
marcada pela promoção de debates na imprensa local, publicação de jornais próprios,
serviços de assistência jurídica, médica e participação em campanhas eleitorais.
Uma outra importante área de atuação da UHC foi a educacional, pois já no
estatuto essa questão era pautada. Na sessão intitulada “Nossas Reivindicações”, ficou
consignado: “3o. – Enquanto não for tornado gratuito o ensino em todos os graus,
sejam admitidos brasileiros de cor como pensionistas do Estado, em todos os
estabelecimentos de ensino superior do país, inclusive estabelecimentos militares” (Idem,
p. 178). Tudo leva a crer que essa foi a primeira vez que uma organização do movimento
negro reivindicou por parte do Estado brasileiro a adoção daquilo que posteriormente
ficou conhecido como políticas de ações afirmativas.
Em entrevista publicada no jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre, de 31 de
janeiro de 1946 - e republicada no jornal Quilombo - o presidente da UHC, João Cabral
Alves, declarava que uma das finalidades da organização era “manter moços e moças em
cursos superiores, concedendo-lhes roupa, alimentação, etc, para que possam concluir
os estudos”.10 Portanto, a preocupação da UHC não era apenas com o acesso, mas
também com a permanência das “pessoas de cor” no ensino superior. A organização
medrou múltiplas campanhas de alfabetização no meio negro, constando, inclusive,
que ela tenha conseguido realizar o sonho de construção de uma escola, em Porto
Alegre.
Embora sem o mesmo grau de penetração que a UHC teve na “população de
cor”, o Teatro Experimental do Negro (TEN) foi um outro grupo importante dessa
fase. Fundado no Rio de Janeiro, em 1944, tinha Abdias do Nascimento como sua
principal liderança. A proposta inicial era formar um grupo teatral apenas com atores
negros, mas paulatinamente o TEN adquiriu uma dimensão maior: publicou um
jornal, Quilombo, organizou conferência, congresso, promoveu concursos de beleza,
inaugurou um centro de pesquisa e um museu. A educação não foi esquecida pelo
grupo. Pelo contrário, ela cumpriu um papel relevante na sua estratégia de luta contra o
“preconceito de cor” (MULLER, 1994; 1999; NASCIMENTO, 2003, p. 289-292;
10
Quilombo. Rio de Janeiro, dezembro de 1948, p. 3.
30
ROMÃO, 2005). Uma liderança feminina do TEN, Maria Nascimento, discorria:
Uma outra atividade levada a cabo pelo TEN foi justamente o curso de
alfabetização, transcorrido entre outubro de 1944 e meados de 1946. Além de atacar o
analfabetismo, um problema crônico da população negra, o curso visava a proporcionar
qualificação mínima para a participação do indivíduo na companhia teatral, afinal, havia
a necessidade de se saber ler para decorar e encenar as peças.
As aulas aconteciam em salas cedidas pela União Nacional dos Estudantes
(UNE), localizada no bairro do Flamengo. A coordenação do curso ficou nas mãos de
Ironides Rodrigues, um então estudante de Direito. Ministravam-se aulas de Português,
História, Aritmética, Educação Moral e Cívica, História e Evolução do Teatro, alternando
com lições sobre “folclore afro-brasileiro” e história do negro.
O TEN tinha noção dos problemas espinhosos com os quais os negros se
deparavam na vida educacional do País. Uma ativista do grupo, Guiomar Ferreira de
Mattos, escreveu um artigo na revista Forma, apontando a presença de preconceitos
raciais nos “livros escolares”, particularmente nos de histórias infantis (MATTOS, 1966,
p. 136-137). Haroldo Costa, por seu turno, denunciava os “educandários” que não
permitiam o ingresso de alunos “de cor”. Essa prática também incidiria nos
estabelecimentos de ensino mantidos pela Igreja Católica e nas instituições oficiais:
“ninguém desconhece os tremendos obstáculos que encontra o jovem negro quando se
inscreve para prestar exame vestibular ao Instituto Rio Branco (Ministério das Relações
Exteriores); ou no exame de admissão às escolas militares superiores”. Costa
argumentava que, mesmo vencendo a barreira da linha de cor, o negro não era bem
acolhido pelas escolas:
11
Quilombo. Rio de Janeiro, 01/1950, p. 11.
31
Independentemente do fato de Haroldo Costa ter exagerado quando afirmou
que existia uma espécie de conspiração dos diretores na rede de ensino para vetar ou
obstaculizar o progresso educacional do contingente negro, o fato é que o “preconceito
de cor” fazia parte do universo escolar, sob vários aspectos: desde professores e colegas
de turma que tratavam os alunos negros de maneira diferenciada, passando pelo material
didático e paradidático, os quais veiculavam uma série de estereótipos raciais, até a
existência de um currículo de orientação eurocêntrica, o que emasculava, pois, a
possibilidade de discussão a respeito da história e cultura afro-brasileiras.
Em 1951, veio ao lume a Associação José do Patrocínio, em Belo Horizonte.
Seu fundador, Antonio Carlos, era um ativista remanescente das organizações negras
paulistas (GONÇALVES, 2000, p. 338). Um dos objetivos da agremiação era
proporcionar “instrução” para as “pessoas de cor”. Com esse espírito, oferecia em sua
sede aulas de Português, Matemática; disponibilizava uma biblioteca de assuntos “afro-
brasileiros” e realizava palestras periódicas.
Em 1954, um grupo de afro-paulistas formou a Associação Cultural do Negro
(ACN). Localizada no centro de São Paulo, teve Geraldo Campos de Oliveira como
primeiro presidente. Sua direção era composta de uma Diretoria Executiva, com sete
membros e um Conselho Superior, presidido inicialmente por José Correia Leite. No
auge, a ACN reuniu em seus quadros cerca de 700 pessoas. Publicou um jornal, O
Mutirão, editou os “Cadernos de Cultura”, patrocinou um ciclo de conferências batizado
de “Os Encontros de Cultura Negra”, montou uma biblioteca e articulou um projeto
educacional. A agremiação abrigava vários departamentos, sendo o mais importante
deles o de “Educação e Cultura”. Segundo Clóvis Moura (1983, p. 59), a ACN chegou
a abrir uma escola que ministrava cursos de “alfabetização e madureza”.
A partir desse apanhado geral da segunda fase do movimento negro, verifica-se
como a educação, muitas vezes, foi concebida como a panacéia para todos os males que
afetavam a população de ascendência africana no Brasil. Além de principal arma na
“cruzada” contra o “preconceito de cor”, a escolarização era tida como instrumento de
qualificação do negro para o mercado de trabalho e pleno exercício da cidadania, visto
que o direito ao voto era uma prerrogativa exclusiva das pessoas alfabetizadas.
32
sobre a questão racial ficou arrefecida. A reorganização política do protesto negro somente
aconteceu no final da década de 1970, no bojo da ascensão dos movimentos populares,
sindicais, feministas, gays e estudantis. Um marco desse processo foi o nascimento do
Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial, em 1978. Já nesse ano a organização
aprovou estatuto, carta de princípio e programa de ação. No ano seguinte, realizou o
Primeiro Congresso, reunindo delegados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Espírito
Santo, de São Paulo, Minas Gerais e da Bahia. Nesse Congresso seu nome foi alterado
para Movimento Negro Unificado (MNU). Na carta de princípios, conclamava-se pela
“defesa do povo negro em todos os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais”.
Com a perspectiva de unificar a luta anti-racista em escala nacional, o nascimento
do MNU significou um marco na história do protesto negro. Uma das preocupações da
entidade foi a de intervir na esfera educacional. Já no seu programa de ação, preconizava-
se uma educação voltada para os interesses do “povo negro e de todos os oprimidos”.
Em Salvador, um grupo de mulheres – que depois contribuiu na fundação da seção
local do MNU – empreendeu um trabalho de alfabetização de adultos pelo método
Paulo Freire, no bairro da Fazenda Grande do Retiro. Uma das integrantes do grupo,
Arani Santana, relata: “nós tínhamos consciência do que éramos capazes. Que era através
da educação que poderíamos fazer alguma coisa” (apud SILVA, 1988, p. 14). Contudo, a
principal bandeira desfraldada pelo MNU e pelo conjunto do movimento negro brasileiro
nessa fase foi a da inclusão de conteúdos programáticos referentes à história da África e
da cultura afro-brasileira nos currículos das escolas.
A partir de uma reflexão teórica, o sociólogo e ativista negro, Manoel de Almeida
Cruz, lançou de forma pioneira as bases de uma “pedagogia interétnica”. Em 1979, o
Núcleo Cultural Afro-Brasileiro, do qual Manoel Cruz fazia parte, organizou o I Seminário
Experimental de Educação Interétnica, nas dependências do Instituto Cultural Brasil-
Alemanha, em Salvador. No ano seguinte, o Núcleo promoveu o II Seminário de
Educação Interétnica. Como resultado, formou-se uma comissão que elaborou um
currículo escolar multicultural, sendo adotado no “pré-primário” de uma escola no Vale
das Pedrinhas, um bairro da periferia de Salvador. Várias atividades desse projeto
pedagógico experimental procuravam incorporar a cultura afro-brasileira por meio da
música, da dança, da modelagem, do teatro e dos contos (CRUZ, 1989, p. 85).
Em Porto Alegre, foram realizados o I e o II Encontro Nacional sobre a
“Realidade do Negro na Educação”, em 1984 e 1985, respectivamente. Depois da
redemocratização política do País, em meados da década de 1980, iniciou-se uma tendência
de atomização do movimento negro. Emergiram dezenas, quiçá, centenas de grupos
por todo o País. Além da introdução de disciplinas fundamentadas na história e na
cultura do negro nos currículos escolares, esses grupos passaram a reivindicar do governo
cursos para os professores se qualificarem, numa prática de ensino multirracial e
33
poliétnica, e uma revisão dos livros didáticos, a fim de eliminar deles a veiculação de
idéias e imagens negativas acerca do negro (CUNHA JR., 1996; SILVA, 1997; JESUS,
1997). Foi nesse contexto que floresceram alguns projetos pedagógicos alternativos,
como o do Ilê Aiyê, em Salvador, baseado no “patrimônio cultural africano”
(SIQUEIRA, 1996, p. 158).
Na década de 1990, o MNU entrou em crise e perdeu muito de sua força política.
Simultaneamente, muitas das múltiplas organizações negras espargidas pelo país se
especializaram, acentuando a tendência de incidirem em frentes específicas. Um exemplo
disso foi o Núcleo de Estudos Negros (NEN), de Florianópolis. Embora nascendo
com o propósito de militar em vários domínios, foi na educação que o grupo enfatizou
suas ações, impulsionando debates, oficinas e encontros com educadores, negros e
brancos. Em parceria com a Secretaria de Educação da cidade de Rio do Sul, em Santa
Catarina, o NEN colaborou num projeto com os professores da rede de ensino municipal
durante nove meses. O projeto incluía a discussão sobre a falta de referências bibliográficas
e didático-pedagógicas acerca do negro, a necessidade de uma prática de ensino que
levasse em conta a pluralidade racial, o reconhecimento de posturas discriminatórias no
espaço escolar e as formas de combatê-las (LIMA, 1997, p. 87-88).
Também apareceram aquelas organizações negras com um caráter eminentemente
educacional, como a Associação Afro-Brasileira de Educação Cultural e Preservação da
Vida (1990), em São Paulo; a Cooperativa Steve Biko (1992), em Salvador; o Educafro
(1993), no Rio de Janeiro. Nessa fase, ocorreu uma outra mudança: o movimento negro
assumiu de modo crescente a política de focalizar o acesso à universidade. Em função
disso, o dilema colocado passou a ser: como aumentar o índice de estudantes negros na
universidade? Uma das alternativas experimentadas foi a de montar cursos pré-
vestibulares para negros e carentes. Em São Paulo, o primeiro deles foi o do Núcleo de
Consciência Negra (NCN) da Universidade de São Paulo (USP). Criado em 1994, o
curso iniciou-se com uma turma de 140 alunos, dos quais no mínimo 70% eram
“negros ou mestiços”. As aulas ocorriam de segunda à sexta-feira, no período noturno.
Como a finalidade não era tão-somente preparar os alunos para serem aprovados no
vestibular, mas também conscientizá-los das questões raciais, nos sábados eram
ministradas palestras por professores da USP ou convidados do movimento negro, no
espaço de uma disciplina denominada Cidadania e Consciência Negra (DOMINGUES,
2002, p. 223).
A partir do final da década de 1990 e início da década posterior, as atenções do
movimento negro foram canalizadas para o debate em torno das ações afirmativas,
sobretudo na sua versão mais polêmica, o programa de cotas para negros nas
universidades públicas. Um marco desse processo foi a aprovação pela Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, em 2002, da reserva de 40% das vagas para
34
alunos negros no vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da
Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Não obstante, o fato de maior
impacto referente ao tema do negro e educação, no início desse terceiro milênio, foi a
sanção por parte do Presidente da República da Lei 10.639, em 9 de janeiro de 2003,
instituindo a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos
estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Em 10 de março de 2004, o Conselho
Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Depois de décadas de ativismo dessa terceira fase, o movimento negro conseguiu que o
Estado brasileiro atendesse uma de suas reivindicações precípuas na esfera educacional.13
Resta agora saber se a Lei 10.639 será implementada concretamente nas escolas ou não
passará de letra morta. Isso, porém, só a história revelará.
Na estratégia de luta do movimento negro, a educação - tanto como sinônimo
de instrução (ou seja, de escolaridade), quanto no sentido amplo, incluindo as
manifestações de conotação cultural - ocupou um papel de destaque. Ela foi vista, ora
como um mecanismo capaz de equiparar os negros aos brancos, conferindo-lhes
oportunidades iguais no mercado de trabalho, ora como uma condição básica para a
integração e conseqüente mobilidade social, ora como “instrumento de conscientização
por meio do qual os negros aprenderiam a história de seus ancestrais, os valores e a
cultura de seu povo, podendo a partir deles reivindicar direitos sociais e políticos, direitos
à diferença e respeito humano” (GONÇALVES, 2000, p. 337).
Em outros termos, a educação sempre foi considerada o caminho mais eficaz
para a redenção dos problemas da população de ascendência africana. Na primeira e
segunda fase de existência no pós-Abolição, o movimento negro abriu pequenas escolas,
realizou trabalhos de alfabetização, devotando atenção especial ao ensino fundamental.
Já na terceira fase, o movimento preconizou políticas públicas educacionais específicas
em benefício do segmento negro; hodierno, ele pugna por uma escola mais sensível à
diversidade racial e pela democratização do acesso ao ensino superior, mediante as ações
afirmativas (cursos pré-vestibulares para negros, cotas, etc.).
Referências bibliográficas
13
Ao avaliar a aprovação da Lei 10.639, de 2003, Sales Augusto dos Santos (2005, p. 34)
afirma: “Os movimentos sociais negros, bem como muitos intelectuais negros engajados na
luta anti-racismo, levaram mais de meio século para conseguir a obrigatoriedade do estudo da
história do continente africano e dos africanos, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra
brasileira e do negro na formação da sociedade nacional brasileira”. Trata-se de uma avaliação
equivocada, pois foi só a partir de sua terceira fase (1978-?) que o movimento negro brasileiro
passou a esposar a inclusão nos currículos escolares de uma disciplina específica para tratar das
questões raciais Portanto, essa reivindicação não tinha “mais de meio século” em 2003.
35
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39
40
Práticas pedagógicas e identidades Étnicas: apontamentos de
um estudo com crianças no cotidiano escolar14
No encontro das cores, pode surgir uma série de sentimentos e impressões, mas nunca
a indiferença, pois esta só é possível entre iguais. Entre diferentes, o que há é respeito
ou desprezo. Qualquer neutralidade será, basicamente, forjada. (FRENETTE, 2000,
p.31).
Este texto traz uma reflexão sobre a participação das práticas didático-pedagógicas
na forma como as crianças dos anos iniciais de escolaridade vivenciam e expressam suas
identidades étnicas. Para isso, inicialmente apresento um panorama conceitual com
algumas das concepções de identidades étnicas; em seguida, apresento um breve
levantamento das pesquisas sobre o tema das identidades étnicas e dos preconceitos
nos anos iniciais de escolaridade, de modo especial na educação infantil. E, para finalizar,
apresento algumas das práticas observadas no campo da pesquisa que originou este
trabalho e as contribuições que essas práticas trazem para a ampliação da perspectiva
anti-racista na educação.
Ter os conceitos de infância, identidade étnica (na perspectiva afrodescendente) e
práticas escolares como eixos temáticos do trabalho, me levou a pensar na infância na
perspectiva do ser descendente de africano no Brasil. Essa criança como sujeito de uma
infância específica, como criança afrodescendente. Uma infância que desde cedo vivencia,
conforme demonstram os dados estatísticos, uma predominância de dificuldades e
precariedade nas condições concretas de vida (PAIXÃO, 2000; KAPPEL, 2003), bem
como em relação à agressão simbólica nas relações estabelecidas nos diversos espaços
sociais, inclusive na educação (GONÇALVES, 1985; CAVALLEIRO, 2000; LOPES,
1987 e outros/as).
Nas duas últimas décadas têm-se ampliado os debates sobre a infância e suas
problemáticas, sendo que as crescentes mazelas sociais, entre elas: as desigualdades
sociais, o agravamento da violência e a complexidade nas relações evidenciam, cada vez
14
Este texto faz parte da Tese de Doutoramento em Educação, da autora, defendida em 11/
04/2006, pela PUC-Rio, sob a orientação da Profª Sônia Kramer. A referida reflexão parte de
pesquisa realizada entre agosto de 2004 e agosto de 2005 em uma escola do Município de
Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.
15
Profª Adjunta da Universidade Federal de Sergipe, membro do NEAB-SE e do Projeto
Diálogo entre Povos (RJ) / Drª em Educação Brasileira pela PUC-Rio, Mestre em Educação
pela UERJ-RJ.
41
mais, a centralidade da infância no campo desses debates. Também as identidades e
suas dinâmicas têm se fortalecido como foco de crescente problematização. Ambas as
temáticas são mediadas pelas novas formas culturais vividas entre o global e o local.
Amplia-se a discussão sobre a formação identitária da população nos aspectos étnico, de
gênero, regionalidade, entre outros. Debates apontam para a importância da escola
como espaço de formação dessas identidades, já que nela as crianças passam parte do
seu tempo interagindo numa relação de aprendizagem. Suas práticas, vivenciadas pelos
diferentes sujeitos (crianças e adultos) são espaços de interação e produção sócio-cultural.
Foi a partir dessa compreensão que busquei entender o papel das práticas da escola na
formação identitária das crianças a partir das interações entre os sujeitos (crianças e
crianças/ crianças e adultos) e com os artefatos em uso nesse espaço.
A pesquisa, um estudo de caso, foi realizada numa escola que atendia ao último
ano da educação infantil, os três anos do ciclo de alfabetização e a 3ª. e 4ª. séries, tendo
como foco o último ano da educação infantil e os anos do ciclo de alfabetização. Aí
foram observadas as relações das crianças entre si e destas com os adultos, principalmente
as professoras e as dirigentes e atendentes de turno. Foram acompanhadas de forma
direta três turmas – uma da educação infantil/1º ano do ciclo, uma do 1º/2º ano do ciclo
e outra do 2º/3º ano do ciclo16 -, sendo que essas observações se deram tanto no
contexto mais amplo da escola (recreio, corredores e murais, refeitório, entrada e saída,
etc.) como nas atividades em sala de aula (propostas pelas professoras e/ou pela
pesquisadora). Também foram tomados como dados da pesquisa as produções “das”
e “para as” crianças, bem como as dinâmicas realizadas com as crianças, além de cinco
entrevistas coletivas e oito entrevistas individuais com as crianças e entrevistas a nove
adultos que convivem com essas crianças (as três professoras das turmas observadas
nessa fase, a professora da sala de leitura, uma auxiliar administrativa, uma auxiliar de
turno, uma orientadora pedagógica, uma orientadora educacional e a diretora).
Para discutir as práticas tomei como referencial os trabalhos de Bakthin (1992),
e Certeau (2002) como autores que permitem pensar sobre o lugar de onde se fala e se
escuta, como também sobre as possibilidades das práticas como espaço de formação, de
reprodução e de transformação das relações sociais. Para discutir as concepções de
identidades e identidades étnicas utilizei principalmente os aportes teóricos de Menezes
(1982), Sodré (1983, 1999) e Munanga (1999), além de Banton (1998, 2000), Cashmore
(2000), Guimarães (1999) e Ferreira (2000). Metodologicamente, articulei a contribuição
do campo sócio-histórico com as contribuições da antropologia buscando compreender
“a totalidade que se revela na particularidade” (KRAMER, 2003), a partir do diálogo
16
A indicação de duas turmas de anos diferentes no mesmo espaço deve-se ao fato da pesquisa
ter sido desenvolvida em anos letivos diferentes (2004/2005), portanto a turma de educação
infantil em 2004 tornou-se de 1º ano do ciclo em 2005 e assim sucessivamente.
42
com as práticas, sentidos, composições e recomposições do micro-espaço em que se
constitui o cotidiano (CERTEAU, 2002, p. 42). A partir do referencial teórico-
metodológico fundamentado, principalmente em Bakhtin na perspectiva histórico-
social e Geertz e Ginzburg como suportes metodológicos de cunho antropológico,
busquei conhecer o objeto de estudo, situando-o no contexto das práticas como espaço
político de negoci(ação) dos sujeitos, onde são tecidos os fios das transformações mais
amplas. As hipóteses centrais do trabalho consistiam em acreditar que: o fato de uma
instituição educacional inserir a pluralidade cultural como eixo da sua proposta curricular
poderia implicar em um avanço significativo na convivência com as diferenças em suas
práticas; e que as micro-práticas desse espaço poderiam contribuir para políticas
institucionais mais amplas, tanto em nível de escola quando de rede escolar. Os estudos
realizados mostraram as possibilidades de efetivação de tais hipóteses pela ação concreta
dos sujeitos da pesquisa.
Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém: fundo sem fundo. Uma
parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão. Uma parte de mim pesa,
pondera: outra parte delira. Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta.
Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente. Uma parte de mim
é só vertigem: outra parte, linguagem. Traduzir uma parte na outra parte — que é uma
questão de vida ou morte — Será arte?17
43
e espaço articulado a uma configuração social de grupo.
Para Sodré (1983, 1999) as identidades afrodescendentes são construções
múltiplas, complexas, social e historicamente (re)construídas com base nos dispositivos
de matrizes africanas; dispositivos processados nas relações sócio-culturais, políticas e
históricas que se deram a partir do seqüestro dos nossos ancestrais africanos para o
Brasil. Desse modo, as identidades são imbricadas na semelhança, na identificação com
o outro e estão no contexto das relações sociais, sendo continuamente construídas a
partir de repertórios culturais históricos de matrizes africanas, na vivência em sociedade.
Sua existência tem as marcas das relações processadas ao longo dos séculos.
As formulações de Sodré (1999, p. 34), explícitas na citação abaixo, completam a
percepção de identidade:
44
a necessidade de expressão por intermédio de um grupo, ele é sempre uma reação às
condições; b) o grupo étnico também pode ser impulsionado pela necessidade de
ocupar espaços políticos, surgindo assim fortes organizações políticas que defendem e
representam os interesses de seus grupos; c) a etnia nunca está desvinculada dos fatos
de classes, embora contemporaneamente ela esteja sempre mais adquirindo relevância
na sociedade; d) a constatação de que a força da etnia está no valor subjetivo que ela
possui entre os membros do grupo, assim, a etnia é tão real quanto os indivíduos que
desejam que ela seja18; e) o crescimento étnico pode se dar como mecanismo de defesa
ou como uma nova construção no interior do grupo; f) a consciência étnica pode ser
avivada com o objetivo de servir à propósitos imediatos, como instrumento para fins
explicitamente definidos (é o caso, por exemplo, do movimento chicano, onde vários
grupos de mexicanos tomaram consciência de sua condição comum19).
Desse modo, o conceito de etnia centra-se numa consciência das diferenças nas
relações e interações de determinados grupos culturais ou raciais com membros de
outros grupos20. E o seu uso, bem como o uso dos conceitos de afrodescendência e de
identidade afrodescendente, se dá sem perder de vista o conceito de raça como categoria
historicamente engendrada na relação com a afrodescendência e do racismo como
instrumento de desigualdade nos diversos espaços e âmbitos da sociedade brasileira.
Afrodescendência e etnia são conceitos político-culturais, elaborados a partir da relação
histórica de uma ascendência africana diversa; ascendência marcada pela trajetória de luta
e exploração no âmbito do escravismo e do racismo e pelos referenciais processados
nessa trajetória, demarcada pelas raízes históricas, sócio-culturais e políticas e pelas relações
estabelecidas tanto nas ancestralidades distantes como nas vivências contemporâneas.
(CUNHA JR., 1998; SODRÉ, 1983, 1999).
A raça, por sua vez, é definida por Guimarães (1999) como “um conceito que
denota tão-somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa
frente a certos grupos sociais”; portanto, segundo este autor, existe como conceito
sociológico e não biológico. Entretanto, entendo que a referência de raça social apresenta
dificuldades, pois tem o limite da avaliação do legado africano, ou seja, não basta o
reconhecimento de que uma idéia de raça constitui o racismo, mas ter a visão de que a
18
Um exemplo típico desta característica da etnia é o movimento rastafari (surgiu na Jamaica,
em 1930, com o líder Marcus Garvey), cujos vínculos que os mantém unidos funda-se na
concepção de uma antiga África, unida e gloriosa. “O fato de que muitas das idéias defendidas
pelos rastas possam estar equivocadas não enfraquece de modo algum os vínculos étnicos,
uma vez que eles os consideram significativos e estruturam sua vida cotidiana em torno desses
vínculos” (CAHSMORE, 2000, p. 200).
19
No movimento chicano, um dos destaques foi o líder César Chavez (1927-1993), que
incitou os trabalhadores agrícolas a criar uma forte união de trabalho embasada na etnia
(CAHSMORE, 2000, p. 199).
20
Carvalho, 1999, p. 83, a partir da definição de etnia de Sandra Wallman.
45
história da população afrodescendente é muito mais ampla do que este racismo.
Estando as identidades relacionadas, não só ao conhecimento, mas também ao
reconhecimento social, elas são elementos políticos e históricos, constituídas a partir do
passado de escravizados e nos dias atuais com os repertórios de base africana dessa
população. Identidades cujas vivências foram e são mediadas pelas condições sociais
concretas que inseriram e mantiveram a maioria dessa população entre os pobres,
miseráveis, subempregados, desempregados, analfabetos e despossuídos em geral;
quadro que indicia que no campo das relações étnicas, no Brasil, há uma política de não-
representatividade da população afrodescendente, o que implica em identidades não-
manifestas, em benefícios negados e em dignidade aviltada. Como argumenta Cunha
Jr. (1998, p. 52):
Falar sobre a relação das identidades étnicas com os preconceitos na escola implica
contextualizar a vivência das crianças em interação com outras crianças e adultos, com
situações e materiais. Faz-se necessário contextualizar o que significam historicamente
essas identidades no contexto das relações étnicas brasileiras. E, para isso, é pertinente
nos apropriarmos do que se tem produzido nesse campo de estudo.
Destaco como marco inicial no campo do cotidiano escolar do ensino
46
fundamental, o trabalho de Gonçalves (1985) “O silêncio, um ritual pedagógico a favor
da discriminação racial: um estudo da discriminação racial como fator de seletividade na
escola pública de 1ª a 4ª série”, no qual o autor aponta a omissão do professor sob a
forma do silêncio como instrumento de reprodução da discriminação. Para o autor esse
ritual do silêncio se dá em duas vias: na negação dos valores ligados à história e à cultura
de base africana e na postura de não-intervenção nas agressões e/ou isolamentos em
relação às crianças.
Silva (1987)21 também é pioneira no campo do cotidiano ao realizar um estudo
sobre “A discriminação do negro no livro didático”, apontando como a ideologia do
branqueamento e da democracia racial influi e se manifesta na prática em sala de aula, e
quão negativo isso se torna como empecilho para uma educação democrática,
emancipatória, desconstrutora das desigualdades historicamente sedimentadas. Ao
reproduzir as concepções minorizantes dos repertórios culturais afrodescendentes
(referenciais e fatos históricos, manifestações culturais e religiosas, referências lingüísticas,
potencial e produção intelectual, imagem dos (as) afrodescendentes) essa prática educativa
destrói a auto-estima e despotencializa as possibilidades de alunos(as) afrodescendentes.
Em 1987 foi publicado o caderno 63, da Fundação Carlos Chagas, com o tema
Raça Negra e Educação. O Caderno foi um marco nos estudos sobre a afrodescendência
e educação, pois abordou diversos aspectos da temática, com vários trabalhos sobre
infância e adolescência (ROSEMBERG, 1987; GONCALVES, 1987; CUNHA JR., 1987;
PEREIRA, 1987; LOPES, 1987).
Os “Cadernos do Núcleo de Estudos Negros (NEN)”, de Santa Catarina, com
oito volumes publicados entre 1997 e 2002, também trazem trabalhos sobre
afrodescendência, educação e práticas referentes à diversidade brasileira (étnica, regional
e de gênero) em várias áreas disciplinares.
Destaco a seguir alguns desses trabalhos que enfocam especificamente a educação
infantil:
Pereira (1987) aponta as desigualdades de atendimento da demanda e da qualidade
do atendimento para crianças afrodescendentes da educação infantil e do ciclo inicial do
ensino fundamental. Articula o fator étnico ao fator econômico, salientando que mesmo
quando este segundo é superado, o espaço escolar ainda teria empecilhos para a criança
afrodescendente, seja dificultando o seu ingresso nesses espaços educacionais com
estruturas mais qualificadas, seja na forma de lidar com essa criança no cotidiano.
O trabalho de Cavalleiro (2000) versa sobre racismo, preconceito e discriminação
na educação infantil. Realizado em uma escola de educação infantil da cidade de São
21
Essa obra é fruto da dissertação de Mestrado em Educação da autora que no ano de 2001
defendeu tese de doutorado re-avaliando a questão da afrodescendência no livro didático e
apontando os avanços que a questão apresenta.
47
Paulo, o estudo aponta como elementos expressivos desse racismo na escola: o material
pedagógico, negadores e deturpadores das identidades, da representação e dos valores
culturais da população afrodescendente; o universo semântico pejorativo e a distribuição
desigual de afeto em relação à criança afrodescendente; entre outros. Segundo a autora,
o racismo ainda predomina nas relações do espaço escolar, sendo que as crianças
identificadas como negras recebem menor atenção e expressão de afeto por parte dos
professores e professoras, bem como vivenciam situações de inferiorização por parte
das crianças consideradas brancas, sendo que segundo ela: “as crianças estão tendo
infinitas possibilidades para a interiorização de comportamentos e atitudes
preconceituosas e discriminatórias contra o negro” (p. 97).
Godoy (1996) que em sua pesquisa de mestrado A representação étnica por crianças
pré-escolares – um estudo de caso à luz da teoria piagetiana analisa, por meio da linguagem
verbal e do desenho, a forma como crianças entre 5 anos e 6 anos e 11 meses se vêem
etnicamente e como elas vêem outras crianças, sendo que o foco do estudo, nesse caso,
foi a percepção e relação das crianças com as identidades negras. O estudo apontou que
o papel do educador e da educadora é fundamental para que a criança consiga desenvolver
sua identidade étnica mediada por uma valorização positiva tornando-se um adulto
isento de preconceitos em relação aos outros e a si mesmo.
Valente (1995) enfatiza no seu trabalho Proposta metodológica de combate ao racismo
nas escolas a importância da educação infantil como base da formação dos conceitos que
embasam o desenvolvimento do ser humano em suas diferentes dimensões, inclusive
na construção e vivência da identidade étnica. A autora analisa tal relação a partir de
trabalhos desenvolvidos em escolas de educação infantil de Campo Grande (MS), nos
quais a auto-estima das crianças é trabalhada a partir de atividades de valorização das
diferenças.
Outra experiência positiva é descrita por Machado (2002). Trata-se de um trabalho
que analisa o papel da experiência pedagógica do Ilê Opô Afonjá, de Salvador-BA, na
formação de conceitos identitários das crianças e de convivência com a alteridade.
Néri da Silva (1999) analisa os mecanismos de construção e sustentação de
ideologias racistas e sexistas que se processam no cotidiano das relações sociais entre
educadoras de creches do município de Niterói-RJ e as crianças com as quais trabalham.
A partir dessa análise ela aponta como, nessas interações, os estereótipos constituídos
no imaginário social das profissionais acabam por balizar ações inferiorizantes em relação
às crianças.
Kappel (2003), por sua vez, em um estudo sobre a situação da criança no quadro
sócio-demográfico brasileiro, analisa, a partir de dados da PNAD (Pesquisa Nacional
por Amostra Domiciliar) e dos resultados dos censos escolares, as desigualdades nos
aspectos da saúde, da situação econômica e, de modo especial, no atendimento da
48
criança na educação infantil. A autora aponta, ao tratar sobre a taxa de escolarização das
crianças de zero a seis anos, a menor incidência desse atendimento para a população
afrodescendente, tanto no grupo de zero a três anos, como no grupo de quatro a seis
anos. Tece ainda, a partir dos dados utilizados, considerações que vão de encontro à
imagem de infância romantizada, indicando que lugar esta criança ocupa e que perspectiva
tem na sociedade atual, com suas contradições. Essas contradições apontam para a
especificidade da criança afrodescendente nesse contexto.
Esses trabalhos compõem apenas uma parcela do que o conjunto de pesquisas
sobre a temática afrodescendente tem indiciado: a existência de um rico conjunto de
repertórios culturais afrodescendentes silenciados, negados e ignorados na educação
escolar dos diversos estados brasileiros, práticas que têm sustentado a cultura do racismo
e dificultado o desenvolvimento educacional e social dos afrodescendentes. Mas também
apontam as possibilidades que se abrem a partir das experiências positivas que se ampliam
pelo Brasil afora pela ação de sujeitos históricos adultos e crianças em suas práticas
cotidianas.
49
trajetória dessa relação:
Eu sei... até porque eu tenho um aluno à tarde que eu chamei para conversar. E eu
não sabia que isso machucava tanto porque... foi até o meu aluno Pablo...
Ele falou com os olhos cheios d’ água: Ah, professora, eu bati nele porque ele me
chamou de macaco e eu não gostei. Aí eu conversei com a turma, que as pessoas
nascem e são diferentes fisicamente, mais claras, mas escuras, com a pele assim,
assada. Mas que isso não quer dizer que ela seja melhor ou pior. Eu conversei e
conversei sobre tudo isso, sobre as diferenças e a importância do respeito, de ter que
respeitar o outro acima de qualquer coisa. Seja homem, mulher, criança, idoso, tem
que se respeitar, se dar o respeito e respeitar o outro... (ANETE, entrevista individual,
22/03/2005, p. 4, grifo meu).
22
(Equipe Técnico - Pedagógica e Administrativa)
50
como a da Mirella que o pai foi embora (Júnior);
_ Mas quem ‘tá’ longe também não é da família, tia?
_O que é que vocês acham? (Profª Anete)
_ Acho que é... ah, eu acho que sim. (Carlos)
_ Não, tem que tá junto. (Luci)
_ Meu pai tá lá em outro lugar e é meu pai, é da minha família.
_ O meu tá longe, mas não é da família. Ele nem liga prá gente... (Pablo).
_ (...)
_ É tia. Eu sei de uma... Tem a Tatá, da minha rua. A mãe dela, de verdade morreu e
o pai era traficante lá no morro. Aí a vó dela deu ela quando era novinha para a mãe
e o pai dela de agora.
_ Pois é, então: tem várias formas de família... Como nós podemos ver nos trabalhos
de vocês. Tem famílias grandes, pequenas, com mãe, com pai, com avós, com tios,
muitas formas e todas muito boas. Nós temos que aprender a amar todas elas, gostar,
se ajudar, isso sim que é importante. Isso que faz das pessoas que se juntam para viver,
uma família; certo? (Profª Anete).
(Turma da Profª Anete, DC23, abril de 2005, p. 149)
Este foi um trabalho com o tema família a partir da exploração dos desenhos
das famílias realizados pelas crianças de educação infantil/1º ano do ciclo. Um debate se
estabeleceu durante a exploração coletiva do cartaz com os trabalhos, levando as crianças
a refletirem sobre as diversas organizações familiares de uma forma bem contextualizada.
A condução da professora foi bastante sensível em relação à questão, apontando para as
diversas perspectivas colocadas pela vivência.
23
Diário de Campo.
51
_ E como elas estão? _ Muito brabas!
_ Essa tá muito feia! (Refere-se à mãe da menina). (Raiane)
_ Por que ela tá feia?
_ Porque ela é feia! Tem uma cara assim e um cabelo feio! (Faz uma careta!).
(Raiane)
(Turma da Profª Anete, DC, maio de 2005, p. 157).
_ Essa aqui parece inteligente... _ Ela também é bonita. _ Pode ser sabida! Bonita
não! Ela é assim...
_ Acho ela bonita! Ela parece com tia Mabel. E a tia Mabel é bonita! _ Mas essa outra
24
Segundo Sodré (1983), a questão do racismo brasileiro, direcionado aos afrodescendentes,
não se vincula apenas ao estético (físico), mas se concentra em um sentido estésico, vinculado
ao sentido negativo atribuído a tudo que tem relação com a África. O que ilustra nossa
percepção do sentido de cultura menor, de conhecimentos menores, atribuídos aos repertórios
afrodescendentes.
52
já é bonita! Ela pode ser elegante! (Turma da Profª Anete, DC, nov. 2004, p. 127 )
53
considero a pertinência de pensar, também, em como essas práticas compõem o currículo,
tendo os sujeitos e suas identidades como elementos que fazem parte desse contexto,
já que, como disse Silva (2004, p. 150),
Algumas considerações
Tem que ensinar para o colega que não pode fazer isso. Ninguém é melhor ou pior por
ser branco ou ser preto. As pessoas são diferentes. Todas as cores são bonitas, todas as
pessoas são boas ou ruins e às vezes é boa numa hora e faz uma coisa errada depois.
Tem que ensinar isso, tem que perguntar se ele gostaria que as pessoas implicassem
com ele. (...) E também pode trazer coisas dos negros para a gente aprender, porque
todo mundo acha que só precisa aprender coisas dos brancos. E o negro tem muita
54
coisa também. (Abayomi, DC, 10 nov. 04, p. 118).
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58
II PARTE
REFLEXÕES E
RELATOS
59
60
A cultura afro-brasileira na escola através de projeto:
limites e possibilidades
Marcelo Santos25
61
conhecimentos sobre a cultura afro-brasileira, as situações não previstas nos textos
normativos podem ser identificadas pelo “faro” do professor e utilizadas para que,
dentre outras coisas, ele reflita sobre sua prática pedagógica. “A escola não é o lugar da
rotina e da coação e o professor não é agente de uma didática que lhe seria imposta de
fora” (JULIA, 2001, p. 33).
Historicamente as ações do Estado voltadas para a escolarização da população
negra foram insatisfatórias. “Não é preciso muito esforço para constatar a precariedade
da situação educacional desse segmento étnico”26. Da mesma forma é fácil constatar que
a discriminação racial e social sofrida por negros e negras é uma das características do
Estado brasileiro. Neste texto, dispensamos a utilização de tabelas e gráficos que apontam
a situação desigual em que vive a maioria dos afro-descendentes no Brasil27.
Para combater as desigualdades étnicas e sociais no Brasil, existe uma série de
dispositivos normativos que recomendam ou determinam de forma direta ou indireta
o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira. A Constituição Federal de
1988, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação, os Parâmetros Curriculares Nacionais e
a Lei 10.639/03, são alguns dos exemplos.
A Constituição do Brasil, no seu artigo 242, inciso primeiro, determina que “o
ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e
etnias para a formação do povo brasileiro”28. A LDB no artigo 26, inciso quatro, estabelece
que “O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes
culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena,
africana e européia”29. Finalmente a lei 10.639/03, no seu artigo 26-A, torna obrigatório
o ensino de história da África e cultura afro-brasileira30.
Os dispositivos normativos elencados não surtiram, até o momento, os efeitos
desejados pelo poder público, isto porque “no momento em que uma nova diretriz
redefine as finalidades atribuídas ao esforço coletivo, os antigos valores não são, no
entanto, eliminados como por milagre, as antigas visões não são apagadas, novas
26
Apesar da existência de algumas iniciativas do Estado no sentido de promover a escolarização
da população negra, no geral, elas foram, durante o Império e boa parte da República,
insatisfatórias , levando alguns setores da sociedade a suprir parte das deficiência no setor.
Ver: GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira. Negros e Educação no Brasil. In: LOPES, Eliane
Marta e GALVÃO, Ana Maria de Oliveira.
História da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p.325-346
27
Diversos são as instituições que constam a presença do preconceito étnico ou racial no
Brasil. O IBGE, é uma dessa instituições.
28
OLIVEIRA, Cláudio Brandão de (org). Constituição da República Federativa do Brasil. Rio de
Janeiro: Roma Victor, 2002. p.154.
29
CARNEIRO, Moacir Alves. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva: artigo a artigo. Petrópoles:
Vozes, 1998. p. 91.
30
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira. Brasília. 2005. p 35
62
restrições somam-se simplesmente às antigas” (JULIA, 2001, p. 23). Isso significa dizer
que a eficácia dos textos normativos que estabelecem a igualdade entre negros e brancos,
por exemplo, é limitada pelo preconceito racial construído ao longo dos séculos na
história do Brasil. Entretanto, não queremos menosprezar as ações afirmativas propostas
pelo Estado brasileiro, mas, temos que observá-las enquanto provocadoras de um
debate necessário em busca de soluções duradouras que, no entanto, estão na sua fase
inicial. É mais fácil mudar as leis do que modificar práticas culturais.
A escola, segundo a legislação educacional, tem um papel fundamental no
combate aos vários tipos de preconceito e na formação dos cidadãos. Seguindo essa
orientação e com o propósito de promover a valorização da cultura afro-brasileira,
realizamos o projeto “I mostra da cultura afro-brasileira do colégio Izabel Siqueira”, no
mês de novembro de 2006. A execução das etapas deste projeto evidenciou, como
veremos adiante, uma série de questões e de “indícios” que nos forçou a refletir com
maior profundidade sobre a problemática do ensino da cultura afro-brasileira.
A “Escola Municipal Izabel Siqueira Santos” está situada no Povoado Bomfim,
município de Divina Pastora, estado de Sergipe, e atende aos alunos do Ensino
Fundamental. Em média as turmas têm 25 alunos. O projeto teve como público
prioritário as turmas entre 5ª e 8ª séries.
Situada na Bacia do rio Cotingüiba, que outrora desenvolveu intensa atividade
de plantação de cana-de-açúcar, baseada no trabalho escravo (DINIZ, 1991), Divina
Pastora é carente de estudos sobre a sua história cultural. Sendo assim, são louváveis
todas as ações que iluminem parte da história cultural de seu povo, principalmente dos
homens e mulheres negras, descendentes dos escravos que trabalharam nos canaviais e
engenhos deste município.
Vejamos algumas situações interessantes que ocorreram durante a execução do
projeto e que ilustram os dilemas enfrentados pelos professores ao trabalharem na “I
mostra da cultura afro-brasileira da Escola Izabel Siqueira”.
Com passos decididos a mãe de uma aluna se dirige à coordenadora da escola e
pergunta: “por que vocês permitem que o professor de História ensine coisas do demônio
aos alunos?”. Um dia depois, aparece, na mesma escola, uma senhora negra com uma
criança no colo, solicitando a um filho–de-santo uma reza, que aliviasse o sofrimento de
sua netinha. Dias antes, o professor de Português narra a dificuldade de encontrar uma
aluna que interpretasse a personagem “Pretinha” e alunos que interpretassem o papel
de escravos na peça “Escrava Isaura”. Em outro momento, numa sala de aula, ao
expormos a necessidade de conhecermos a cultura afro-brasileira, um aluno afirmou
que não era negro e sim “moreninho”, portanto, alegava que a discussão não lhe
interessava.
A partir das situações elencadas no parágrafo anterior, é possível levantarmos
63
uma série de questões: 1) Quais foram as “coisas” ensinadas pelo professor que causaram
uma situação de reprovação da mãe de uma aluna? 2) O que chamou a atenção de uma
avó na escola? 3) Por que alguns alunos se negaram a representarem determinados
personagens numa atividade escolar? 4) Por que a recusa do aluno em assumir uma
identificação negra?
Antes de esboçarmos respostas para as questões formuladas, descreveremos as
fases de elaboração do projeto e sua execução.
Nas nossas aulas, eu, que sou professor de História da escola em questão, e o
professor de Língua Portuguesa observamos algumas brincadeiras desagradáveis e
preconceituosas de alguns alunos em relação aos colegas negros, que são a grande
maioria dos que compõem a comunidade escolar. O mais grave é que muitos alunos
não se reconheciam enquanto negros. Insatisfeitos, pensamos numa forma de puxar a
discussão sobre o preconceito racial e tentarmos desenvolver atividades que
contribuíssem para a elevação da auto-estima dos discentes. A forma encontrada foi
através da realização de um projeto.
Como esse projeto poderia motivar os alunos e alcançar nossos propósitos?
Pensamos que a saída estava na diversificação de atividades que contemplassem e
estimulassem as habilidades dos educandos. Assim, decidimos adotar como atividades:
procedimentos de leitura e discussões de textos, pesquisas bibliográficas, debates, estudos
dirigidos, elaboração de exposições, dramatizações, visitas técnicas e atividades relativas
à dança.
Dividimos o projeto em três temas e definimos as atividades que seriam
desenvolvidas em cada um dos momentos. No primeiro tema intitulado “a fé: religião
afro-brasileira”, priorizamos as atividades de apresentação de dança africana, candomblé,
confecção de uma exposição sobre as religiões afro-brasileiras e comidas típicas afro-
brasileiras. O tema seguinte foi denominado de “capoeira: luta e diversão”, aqui as
atividades foram de elaboração de uma peça sobre o mestre “Pastinha” (ANSELMO e
MARTINS, 1998), apresentação de grupo de capoeira, elaboração de uma maquete de
um engenho, confecção de uma exposição sobre a capoeira e a história do Brasil e uma
apresentação de grupos de capoeira formados por pessoas da comunidade e alunos.
Finalmente, o último tema foi chamado de “Preconceito versus igualdade” e contava
duas dramatizações das peças “Escrava Isaura”31 e “Pretinha”32, juntamente com algumas
palestras.
Sabemos que o sucesso de um projeto na escola começa pela sua elaboração.
Esta deve ser feita, preferencialmente, envolvendo a comunidade escolar, partindo das
suas necessidades e de acordo com o “projeto político-pedagógico” da escola. Mas, o
31
Baseada na obra A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães.
32
Baseada no texto de Júlio Emílio Braz, Pretinha, Eu.
64
que fazer quando a escola ainda não tem seu projeto-político definido? A comunidade
escolar “naturaliza o convencional”, ou seja, parece entender o preconceito como algo
natural e a cultura afro-brasileira como um apêndice da cultura brasileira?
Entendemos que os professores como agentes mais experientes no processo de
ensino-aprendizagem devem tomar determinadas iniciativas, como identificar ou criar
momentos privilegiados de estudo sobre o tema. Nesta perspectiva, os professores de
História, Arte e Língua Portuguesa da escola em questão decidiram elaborar o referido
projeto, definir estratégias de ação e apresentá-lo à comunidade escolar. Obviamente, ao
concebermos o projeto não o fizemos de forma a colocá-lo numa “camisa de força”.
Deixamos à possibilidade de modificá-lo, de acordo com os interesses dos agentes
envolvidos e das condições materiais disponíveis.
Pensamos o projeto em dois momentos: o da execução das atividades e da sua
culminância com a Semana da Consciência Negra. O primeiro momento teve início no
mês de setembro e terminou em novembro, o outro, foi realizado nos dias 21 e 22 de
novembro33 com a apresentação dos trabalhos pelos envolvidos. A avaliação foi feita a
cada fase do projeto com o propósito de observarmos o desenvolvimento dos alunos
e definirmos as ações seguintes34. Em cada uma das fases procuramos dar atenção às
“falas”, às “atitudes” e às “ausências” dos alunos ao se depararem com velhas e novas
situações.
Na fase inicial, da elaboração e apresentação do projeto, observamos como os
diferentes agentes se apropriaram da “idéia”. Aparentemente35, os alunos, os professores
e a equipe técnica ficaram entusiasmados, porém, quando da sua execução, alguns
professores não realizaram determinadas atividades alegando falta de tempo, a direção
fez alguns cortes de material afirmando que certos gastos eram “desnecessários”36 e
33
Pensamos como data inicial da culminância do projeto o dia 20, que iria coincidir com o Dia
da Consciência Negra, mas por questões operacionais, decidimos transferir o evento para o
dia seguinte.
34
O modelo de avaliação adotado foi o defendido por Cipriano Luckesi. Este defende uma
avaliação denominada de “diagnóstica”. Esta consiste em “um instrumento de compreensão
do estágio de aprendizagem em que se encontra o aluno, tendo em vista tomar decisões
suficientes e satisfatórias para que possa avançar no seu processo de aprendizagem.”.
(LUCKESI, 1995, p.81).
35
Boa parte das afirmações feitas neste texto são baseadas nas impressões do autor, ancoradas
na experiência docente e nas observações diretas dos fenômenos ocorridos durante a realização
do projeto, estão, dessa forma, na sua maioria, desprovidas de um rigor científico. O texto tem
um caráter meramente exploratório, conseqüentemente, muitas das suas conclusões são, em
sua maior parte, conjecturas.
36
Alguns cortes de material comprometeram a realização das exposições e execução de
algumas atividades. Confesso que em alguns momentos chegamos a ficar desanimados, assim,
compreendemos determinadas justificativas que os professores apresentam ao se recusarem a
trabalhar com projetos nas escolas públicas. Às vezes, para a “coisa” funcionar, quando não é
de interesse político de determinados gestores, os docentes e discentes fazem determinados
sacrifícios, inclusive, apoiando financeiramente projetos e eventos da escola. Talvez, se
65
alguns alunos se negaram a executar determinadas tarefas37.
Inicialmente, desenvolvemos atividades referentes às primeiras informações
sobre os temas selecionados a partir da leitura de textos e debates. Os textos trabalhados
foram retirados de duas obras: 12 faces do preconceito, organizado por Jaime Pinsky
(2006) e Áfricas no Brasil, de Kelly Cristina Araújo (2003). Selecionamos alguns textos e
solicitamos a sua reprodução para os alunos. Claro que existem outras opções de textos
próprios para o nível dos nossos leitores, mas era o que no momento estava a nossa
disposição, pois nem a escola, nem o povoado têm biblioteca.
Durante o projeto, após a leitura dos textos, realizamos uma visita de estudo à
cidade de Laranjeiras (SE). Nosso propósito foi levar o aluno aos museus, principalmente
ao Museu Afro-Brasileiro de Sergipe e a um terreiro de candomblé38. A visita foi
supervisionada pelos professores, seguindo um roteiro definido a partir de uma visita
que fizemos dias antes à cidade, sem os alunos. Pensamos, na ocasião, que a visita
supervisionada favoreceria a compreensão dos alunos sobre a presença da cultura afro-
brasileira no estado de Sergipe. Porém algumas questões deixaram de ser trabalhadas
anteriormente com os alunos de forma mais esclarecedora, por exemplo, por que visitar
museus? O que é patrimônio cultural? Como os patrimônios culturais referentes aos
afro-descendentes são vistos? Eles existem? Para falar de patrimônio da cultura dos
afro-descendentes é necessário sair do povoado?39. Estas perguntas foram formuladas
quando da avaliação efetuada pelos professores e pelos alunos ao retornarmos à sala de
aula. Com esse exercício, percebermos que muitos “indícios” foram dispensados, nosso
“faro” não funcionou de forma adequada na ocasião.
“Por que vocês permitem que o professor de História ensine coisas do demônio
aos alunos?”. Esta pergunta foi feita à coordenadora da escola pela mãe de uma das
alunas que se recusara a desenvolver atividades relacionadas ao candomblé, no momento
em que um grupo de alunos estava ensaiando uma cerimônia específica do candomblé
para ser apresentada na culminância do projeto, com o auxílio de um convidado de um
terreiro de Aracaju (SE).
A coordenadora explicou à senhora que aquela atividade estava inserida num
66
projeto que, dentre outras coisas, visava a proporcionar aos alunos um maior
conhecimento da cultura afro-brasileira e o respeito à pluralidade cultural. A resposta foi
ignorada pela mãe da aluna que se sentiu bastante incomodada com aquela situação.
Após este episódio e levando em consideração os comentários de alguns alunos
ao afirmarem que certos pais não permitiriam que seus filhos participassem “daquele
negócio”, outros questionamentos eram levantados por nós, professores, a partir destas
modalidades de dados “aparentemente irrelevantes”. Pensávamos, será que esclarecemos
de forma adequada a presença da religião de matriz africana, ou seja, do candomblé, na
sociedade brasileira 40? Falamos sobre seu funcionamento, sua história, sua
institucionalização e expansão no território sergipano? Será que se levássemos um
sacristão ou um obreiro para a escola as críticas a esta atividade seriam tão fortes?
Para nossa surpresa, apenas uma das alunas envolvidas na atividade se recusou,
por pressão da família, a se apresentar no dia da culminância do projeto. Com o passar
do tempo, diminuíram as manifestações contrárias às atividades do projeto.
Certamente este foi um dos pontos que nos chamou mais atenção.
Principalmente, quando uma senhora negra foi à escola, com sua neta no colo, solicitar
ao filho-de-santo uma reza que diminuísse ou retirasse o sofrimento da sua netinha41.
A situação acima descrita demonstra a existência de duas questões que em outra
oportunidade precisam ser analisadas mais detidamente: o preconceito religioso na
escola e a relação escola-família-comunidade.
Agora, apresento duas outras situações que nos inquietaram. A primeira foi
quando um aluno negro afirmou que era “moreninho” e que por isso não iria discutir
questões relacionadas à cultura afro-brasileira. A outra foi a recusa de alguns alunos em
representar personagens negros nas peças “Pretinha” e “Escrava Isaura” organizadas
pelo professor de Português. Na verdade, no início ficarmos surpresos com a recusa
dos alunos e nos fizemos a seguinte indagação: como é possível um aluno negro não
reconhecer-se enquanto tal? De acordo com a cor da sua pele e morando num povoado
erguido numa área em que outrora se concentravam muitos engenhos de açúcar e cuja
mão-de-obra utilizada foi predominantemente e sabidamente a escrava, o que faz com
que a criança negue ser negra?
Se levarmos em consideração que os alunos estão submetidos a um tipo de
cultura a qual denominamos “cultura escolar” e a concebermos enquanto “um conjunto
40
Destacamos o candomblé como um dos elementos presentes na cultura religiosa dos
brasileiros, não esquecendo das irmandades negras. Estas, entretanto, não foram objetos da
nossa mostra.
41
A senhora foi atendida nas suas solicitações, porém, não deixamos de esclarecer que a pessoa
que estava me auxiliando, apesar de ser um filho-de-santo, estava na condição de convidado
e a decisão de atendê-la ou não era inteiramente dele. Da nossa parte, apenas questionamos se
a criança estava tendo um acompanhamento médico.
67
de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar”, além de “um
conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação
desses comportamentos” (JULIA, 2001, p. 10), teremos que lembrar que a escola brasileira
fez, por muito tempo, uso de estratégias e de práticas culturais preconceituosas que
visavam, dentre outras coisas, desvalorizar, por vários motivos, a história e a cultura de
milhões de homens e mulheres negras, aí compreenderíamos as posições da mãe da
aluna, da negra com a sua netinha de colo e dos alunos que eram solicitados a
representarem determinados papéis e se recusavam.
A partir destas experiências, será que ainda deixamos escapar “indícios” e
“fragmentos” para análise? Talvez ainda não seja possível respondermos imediatamente
a algumas questões, mas certamente devemos avançar com os alunos no debate sobre
o que é ser negro, sobre quais os elementos constitutivos da identidade cultural de um
povo, sempre problematizando estas questões e a forma como apresentamos a cultura
dos afro-descendentes na sala de aula.
Cabe salientar que os questionamentos que povoaram esse texto foram
formulados com maior precisão a partir de um “olhar diferenciado” que construímos
nos últimos meses sobre a história da África e da cultura afro-brasileira. Parte da percepção
que tivemos sobre estes temas podem ser atribuídas às discussões, aos debates e às
leituras de textos realizados durante o curso de aperfeiçoamento em “Estudos africanos,
história e cultura afro-brasileira”, oferecido pelo NEAB/UFS, em 2006. A partir daí foi
que começamos a pensar de maneira crítica sobre como apresentamos a história da
África e dos afro-descendentes aos nossos alunos. Que África é esta? À qual cultura
afro-brasileira estamos nos referindo? O que é ser negro no Brasil, em Sergipe e no
Povoado Bonfim? Na nossa perspectiva, as respostas para estas e outras questões
poderão ser encontradas quando entendermos a importância de o professor procurar
compreender a pluralidade cultural e a diversidade étnica existentes na África e no Brasil.
De qualquer forma, o trabalho com projetos é uma das estratégias das quais os professores
podem lançar-se mão para o trabalho no manejo com conteúdo de história e cultura
afro-brasileiras.
Por último, vale dizer que poderíamos ter avançado em outros aspectos. Entre
eles, por que não ter solicitado aos alunos a produção de uma História em Quadrinhos
a partir dos temas discutidos? Por que não ter incentivado nossos alunos a recolher
depoimentos de pessoas idosas negras? Qual o motivo de não termos solicitado aos
alunos a elaboração de uma pesquisa sobre o preconceito racial e a situação sócio cultural
dos afro-descendentes moradores do povoado, podendo comparar os resultados com
pesquisas feitas nas esferas municipal, estadual e federal? Tais questões só emergiram
após a conclusão do projeto e apontam para outras possibilidades de trabalho,
demonstrando como a prática pedagógica através do projeto tem um caráter crítico,
68
dinâmico e auto-renovador.
Referências bibliográficas
69
70
O passado que teima em ser presente: uma abordagem sobre
o livro didático no trato da questão quilombola
42
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Sergipe e monitor, em 2006,
do curso de aperfeiçoamento em estudos africanos, história e cultura afro-brasileira, NEAB/
UFS.
71
didáticas transmitem estereótipos e valores dos grupos dominantes, generalizando
temas, como família, criança, etnia, de acordo com os preceitos da sociedade branca
[...] (BITTENCOURT, 1997, p. 72).
Remanescentes de quilombos
72
dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida à propriedade definitiva,
devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”.
No intuito de nortear e orientar o conceito de “comunidade remanescente de
quilombo”, dirimindo confusões e imprecisões quando o conceito histórico de quilombo
é utilizado normativamente da mesma forma que o era nos tempos da escravidão, a
Associação Brasileira de Antropologia, em 1994, emitiu o seguinte parecer:
43
Disponível em: <http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/oque/
home_oque.html+quilombola+conceito&hl=pt-BR>. Acesso em: 01.set.06.
73
comunidade”. Através deste procedimento evita-se a elaboração do laudo antropológico,
que somente será constituído em caso de contestação judicial da condição quilombola
da comunidade.
Muitos escravos que fugiam de seus senhores escondiam-se nas matas. Ali, fundavam
quilombos (povoações, na língua banto). O maior e mais importante deles foi o
Quilombo dos Palmares. Foi lá que nasceu Zumbi, o último líder do quilombo.
Palmares ficava no atual estado de Alagoas e chegou a reunir cerca de 30 mil pessoas.
Resistiu por mais de 100 anos a várias tentativas de destruição. Começou a ser
formado no final de 1590 e só foi derrotado em 1694. (MARSICO, 2005, p.99).
Os negros foram escravizados no Brasil pos mais de 300 anos. Durante esse período,
eles lutaram muito contra a escravidão. Muitos fugiram das fazendas de café no
Nordeste e formaram esconderijos chamados de quilombos. O nome quilombo é
originário do idioma banto e significa acampamento, local escondido, conjunto de
povoações em que se abrigavam escravos fugidos. Existiram quilombos em vários
lugares do Brasil e, ainda hoje, há remanescentes dessas povoações. (MARSICO,
2005, p. 47)
É justamente a última frase que resume todo o estereótipo que recai atualmente
sobre as comunidades remanescentes de quilombos, quando se afirma que “ainda hoje,
74
há remanescentes dessas povoações”. Voltando à 3ª série, da mesma coleção, os autores
prosseguem:
Promova um debate sobre as condições de vida nos engenhos de açúcar para que os
alunos compreendam as fugas e a organização dos quilombos como forma de resistência
ao trabalho escravo. A atividade favorece um momento importante para trazer o
debate sobre o tema para os dias de hoje. (VESENTINI, 2005, p. 64)
Os autores poderiam propor uma abordagem mais clara sobre como seria este
“debate para os dias de hoje”, pois são muitos os exemplos de abordagens sobre os
quilombos na época da escravidão, ao longo dos livros da coleção, faltando indicativos
para o professor de que esta questão sofreu mudanças conceituais ao longo do tempo.
Pelo menos que se destaque em algum momento que atualmente se tem uma nova
visão sobre o que vem a ser uma comunidade quilombola.
Na coleção Agora eu sei!, dos mesmos autores da coleção Marcha criança, não
encontramos nenhuma abordagem sobre remanescentes de quilombos, já que o tema
não foi colocado nos livros da referida coleção, detendo-se apenas numa breve citação
sobre o Quilombo dos Palmares.
Neste procedimento de análise dos livros didáticos, o destaque ficou por conta
75
da coleção Pensar e viver, que aborda o conceito de remanescente quilombola mais próximo
das reflexões sobre o conceito na atualidade, principalmente no livro apresentado para
a 3ª série.
Você sabia que existem comunidades negras em nosso país que tiveram origem em
quilombos? São as “comunidades quilombolas”. Geralmente seus habitantes descendem
dos escravos que ali viveram. Hoje as comunidades quilombolas estão presentes em
diversos estados brasileiros, como Bahia, Pernambuco, Santa Catarina e São Paulo.
Os quilombolas lutam pelo reconhecimento de sua história, pela posse legal de suas
terras e por melhores condições de vida. (CHIANCA, 2006, p. 50).
Reflexões
O importante nesta abordagem é ficar claro para o leitor que muito embora os
livros didáticos aparentem contemplar a Lei Federal 10.639/03, é importante um olhar
apurado sobre as questões atuais que envolvem o tema. Para isso, é fundamental a
análise das propostas contidas nos livros didáticos, pois uma visão deturpada da realidade
pode trazer conseqüências futuras irremediáveis e perversas, inclusive despertando novos
preconceitos e formas de discriminação. O fato de os livros didáticos, desde 2003,
estarem mais atentos às questões da história dos africanos no Brasil, história da África
e cultura afro-brasileira, não significa que eles tenham absorvido as principais discussões
contemporâneas sobre o assunto.
Conforme estabelecem os Parâmetros Curriculares Nacionais, para história e geografia
do ensino fundamental (p. 31):
76
realidade presente, relacionando-a e comparando-a com momentos significativos
do passado. Didaticamente, as relações e as comparações entre o presente e o
passado permitem uma compreensão da realidade numa dimensão histórica,
que extrapola as explicações sustentadas apenas no passado ou só no presente
imediato.
O principal propósito aqui foi alertar aos professores que, assim como a questão
quilombola, outros conteúdos e suas formas de abordagem nos livros didáticos precisam
ser analisados à luz das reflexões mais aprofundadas das áreas da Antropologia, do
Direito, da Educação, da História e da Sociologia sobre temas da atualidade e, assim,
verificar como os autores dos livros didáticos estão dialogando com o presente. Afinal,
o livro didático está sempre rondando o cotidiano escolar com a aura de autoridade
sobre o conhecimento. É preciso relativizarmos o seu uso e sua presença em sala de
aula, buscando outros materiais de apoio e lembrando sempre que por trás do livro
didático existem percepções de vida elaboradas por sujeitos concretos sobre o mundo.
Além do mais, o livro didático não pode ser visto como livro do professor, ele é uma
ferramenta de uso em sala de aula e deve ser utilizado ao lado de outras. O exercício de
análise sobre o uso do livro didático por parte dos professores deve ser diariamente
acompanhado da sua autocrítica para que possamos, assim, transformar a educação
numa possibilidade de luta pelo respeito à diversidade sociocultural entre as pessoas.
77
série. São Paulo: Scipione, 2006.
MARSICO, Maria Teresa et al. Marcha criança. História e Geografia: ensino fundamental:
1ª série. São Paulo: Scipione, 2005.
MARSICO, Maria Teresa et al. Marcha criança. História e Geografia: ensino fundamental:
2ª série. São Paulo: Scipione, 2005.
MARSICO, Maria Teresa et al. Marcha criança. História e Geografia: ensino fundamental:
3ª série. São Paulo: Scipione, 2005.
MARSICO, Maria Teresa et al. Marcha criança. História e Geografia: ensino fundamental:
4ª série. São Paulo: Scipione, 2005.
VESENTINI, José Willian et al. Vivência e construção. História: ensino fundamental: 1ª
série. São Paulo: Ática, 2005.
VESENTINI, José Willian et al. Vivência e construção. História: ensino fundamental: 2ª
série. São Paulo: Ática, 2004.
VESENTINI, José Willian et al. Vivência e construção. História: ensino fundamental: 3ª
série. São Paulo: Ática, 2004.
VESENTINI, José Willian et al. Vivência e construção. História: ensino fundamental: 4ª
série. São Paulo: Ática, 2005.
Referências bibliográficas
78
cultural, orientação sexual. Brasília: MEC/SEF, 1997.
DIAGNÓSTICO SÓCIO-ECONÔMICO-CULTURAL DAS COMUNIDADES
REMANESCENTES DE QUILOMBOS. Brasília: Fundação UnB, 2004.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
MOURA, Clóvis. Quilombos – Resistência ao escravismo. São Paulo: Ática, 1987. (Série
Princípios)
MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil de hoje. São Paulo:
GLOBAL, 2006. – (Coleção para entender).
79
80
Religiões afro-brasileiras e africanas:
experiências de ensino
UFS.
81
Brasil. Nesta lógica, o curso teve como objetivos: estudar a contribuição de Nina
Rodrigues, Arthur Ramos, Ruth Landes e Roger Bastide nos estudos das religiões
chamadas de afro-brasileiras; analisar e discutir a questão das identidades de gênero
nessas religiões e, finalmente, estudar e comentar as principais contribuições de caráter
sociológico e antropológico no desdobramento atual das religiões no Brasil. A questão
da memória coletiva e do sincretismo religioso teve destaque e esteve presente em todas
as discussões em Itabaiana e São Cristóvão.
A língua profana e a língua ritual são duas manifestações da cultura de um povo.
O português falado no Brasil, além da presença do latim, do grego, do árabe e das
línguas faladas pelos primeiros donos do país e, talvez, de mais outras oriundas do
ocidente, tem uma presença significante de africanismos incorporados no cotidiano,
gerando uma língua original que continua marcando diferenças com outras expressões
lingüísticas oriundas dos países da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa).
Comecei por Itabaiana, onde estive nos dias 13 e 14 de outubro de 2006,
cumprindo a metade do módulo, e nos dias 20 e 21 do mesmo mês, completando o
tempo restante. Em São Cristóvão o módulo foi dado durante o mês de novembro.
Primeiro, fiz algumas considerações breves sobre a história e a geografia da
África, me auxiliando do mapa político do continente. No caso específico das línguas
africanas, expliquei o problema ainda não resolvido da sua classificação. Uma explicação
sobre a identificação e fundamentação da presença de elementos lingüísticos e culturais
de origem bantu e de origem kwa, a partir dos estudos realizados por Yeda Pessoa de
Castro, permitiu aos alunos saber que palavras como abadá, axé, acué, abacá, abará, abicú,
angu, afoxé, amalá, amassim, axexê, babalaô, agogô, bagunça, caçula, cachimbo, candonga, calundu,
encabular (de cabula), moleque, roncó, mocambo, maconha, mondongo, muvuca, muzenza, bunda,
cochilar etc... etc..., encontradas tanto na linguagem popular quanto na linguagem do
povo-de-santo, além de todos os processos gramaticais de derivação e composição,
como é no caso de amolecar, molecada, bagunceira, bundada, encalungar, enquizilar, encabular;
e também de construção léxico-semântica, como é no caso de “nascer com a bunda para a
lua” (ter muita sorte, nascer empelicado), “ganhar fogo na bunda” (não ser recompensado
como esperava), “quem nasceu pra quebrar licuri, morre com a bunda na pedra”(não progredir
na vida) “debaixo desse angu tem caroço em carne” (a coisa não é tão limpa como parece),
“entornar o angu” (ter malogro, contratempo, plano desmanchado), “barriga de angu”
(barrigudo), são de origem africana. Nesse primeiro bloco, os próprios alunos, em
ocasiões, pronunciavam espontaneamente o resto da frase ou provérbio, o que indica
que há um conhecimento e um interesse sem par no tema.
Já quando abordamos os blocos referentes ao Roger Bastide e às religiões
africanas, à questão do parentesco, do gênero e da Religião, à questão da “impureza” e da
“pureza” dos cultos e, finalmente à do sacerdócio, da sociedade e da política, o peso das
82
leituras por parte da turma de Itabaiana fez-se perceber. Os alunos de Itabaiana mal
conseguiam ler os textos indicados, e, muitas vezes, atribuídos a alguns deles. O nível
de assimilação dos conteúdos foi razoável, mas não o desejável, devido à falta de
acompanhamento das leituras por parte dos alunos. Por exemplo, a participação dos
alunos era mais sobre curiosidades de como era isso e aquilo na minha terra (o Benin).
Algumas vezes, alunos faziam perguntas dispersas que não tinham a ver com o conteúdo
ministrado no momento. Outros tinham mais interesse em receber o certificado ou
qualquer declaração, do que se dedicar ao curso, pois inventavam casamentos, problemas
de distância, dificuldades de transporte na volta para casa e outros.
No caso de São Cristóvão, o curso era para professores da capital, ou seja,
Aracaju, mas também havia professores de Barra dos Coqueiros e de Estância. As
desculpas para se ausentar ou sair mais cedo eram parecidas. Não obstante, a participação
dos discentes foi satisfatória. Se em Itabaiana, praticamente todo o conteúdo foi dado
por mim sem apresentação de texto (só foram duas apresentações), já os professores de
Aracaju e áreas adjacentes expressaram um grande interesse em apresentar os textos
indicados. A participação tornou-se mais ativa, mais animada. Distribuí algumas fotos
de cerimônias vodun do Benin. Criativo foi um professor que pesquisou sobre a Lavagem
da Conceição, em Aracaju. Este apresentou um vídeo da Lavagem que, como disse a
minha monitora Christiane “...trouxe a temática religiosa para mais perto daqueles que
desconheciam as expressões da Cultura Brasileira que descendem diretamente das
matrizes africanas”.
No final, a discussão em ambas as cidades tornou-se mais dinâmica quando os
alunos puderam ler artigos sobre sacerdócio, política e poder no candomblé, onde é
discutida a questão da participação de políticos nas religiões de origem africana no Brasil,
a sua interação com a comunidade em geral e a questão da legitimidade dos terreiros. De
maior interesse foi o artigo de Reginaldo Prandi e Antônio Flávio Pierucci sobre religião
pagã, conversão e serviço, onde as religiões evangélicas não foram poupadas.
Houve uma confissão geral por parte de vários alunos que se resume no seguinte:
“nós não sabíamos que as religiões africanas e afro-brasileiras eram tão complexas, tão
ricas e para o bem; enfim tão humanas. A imagem que é dada a nós é de coisas caóticas,
de magia negra, de feitiçaria e crueldades de todos tipos”. A opinião é de várias pessoas,
inclusive de evangélicos. Foram observando também quão limitada é a oferta de
informações sobre a cultura africana e afro-brasileira nos livros didáticos adotados por
eles, nos ensinos infantil e fundamental. Reconhecem que é importante aprender sobre
história africana e a cultura afro-brasileira, pois, é só assim que vamos nos livrar
progressivamente dos preconceitos espalhados pela sociedade sobre uma cultura que
participou da gestação de uma outra: a brasileira.
Gostaria de terminar esta reflexão com um fato que aconteceu comigo no dia 26
83
de janeiro de 2007. Enquanto caminhava, ao redor das 6 horas e meia da manhã, com
um senhor de 60 anos que acabei de conhecer no calçadão da “13 de julho”, em Aracaju,
este, para orgulho dele de saber que sou natural do Benin, país africano, portanto país
irmão do Brasil, e professor na Universidade Federal de Sergipe, decide me apresentar a
dois conhecidos seu da mesma faixa de idade. O primeiro, que logo fez uma intervenção,
disse mais ou menos nessas palavras:
- Africano..., da raça ou da cor mesmo?
- Do Benin, país africano, respondo.
- Nascido na África?
- Na África.
- Pois é, lá é um horror... Há guerras tribais o tempo todo. Guerras tribais...
Aquele povo não se ama. É um desastre. Gente matando gente e não se entendendo.
- ....
- Aquele povo e os do Oriente Médio não são gentes. São miseráveis e não têm
futuro..., [prossegue].
Tentei explicar que há “donos” e “policiais” do mundo que incentivam conflitos
em determinados lugares do mundo, mas pareceu-me que ele não ouviu.
De repente, a conversação é interrompida pela tentativa de agressão de um
cachorro que passava ao lado dele. Salvou o seu cachorro recolhendo-o... Continuamos
caminhando, meu amigo e eu. Expliquei para ele que decidi não dar continuidade à
conversa por causa do respeito que eu tinha por ele, e que aquele seu amigo tinha sido
indelicado, pelo fato de não conhecer o mundo, por ignorância com relação aos fatos de
que falávamos. Este reconheceu e fez entender que nem o pai de uma juíza, como ele é,
é livre de preconceitos.
Enfim, cenas como essa, nos colocam numa incógnita: como é que um senhor,
em pleno século 21, pode acreditar ainda em tudo o que ouve sobre a África, sem o
mínimo de espírito crítico. Será que esta postura continuará existindo num mundo
globalizado, apesar de todos os esforços realizados para tentar vencer o racismo e
preconceitos de todos tipos?
Referências bibliográficas
84
PESSOA DE CASTRO, Yeda Falares Africanos na Bahia. Um vocabulário Afro-Brasileiro.
Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras-Topbooks, 2001, 366 p.
PIERUCCI, Antônio Flavio & PRANDI, Reginaldo A Realidade Social das Religiões no
Brasil.São Paulo: Editora HUCITEC, 1996
RAMOS, Arthur. O Negro Brasileiro. 2a. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1940, 434 p (Brasiliana, 188), Vol. 1.
RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Brasiliense, 1977.
85
86
Apontamentos para o estudo das religiosidades
afro-brasileiras na escola
O principal foco de irradiação dos negros para a América foi a África Ocidental.
“Do Golfo do Guiné (Costa do Ouro e Costa dos Escravos) e, em menor escala, do
Senegal e do Congo, saíram as principais remessas de escravo para o Novo Mundo”
(VALENTE, 1977, p.4). A disseminação pelo Brasil se fez ao longo da costa, desde o
Maranhão até o Rio de Janeiro, sendo os escravos posteriormente levados para o interior,
no qual foram aproveitados para a agricultura e mineração.
Segundo Artur Ramos apud Valente (1977), existiram três padrões de cultura
negra na América:
- A cultura FANTI-ACHANTI (originária da Costa do Ouro)
- A cultura FON (originária do Benin-daomeano)
- A cultura IORUBA (oriunda da Nigéria e com influências banto)
45
Genésio José dos Santos é professor do curso de Geografia na UFS, colaborador do NEAB
e foi professor do curso UNIAFRO, 2006. Martha Sales Costa é aluna do curso de Ciências
Sociais, da UFS e monitora do NEAB no projeto UNIAFRO, 2006.
87
preservar as religiões. Segundo Valente (1977) a manifestação de vida espiritual persiste
e é capaz de resistir mais do que qualquer outra à obra de esfacelamento e dissolução
imposta, por vezes, pelos conflitos entre culturas.
A religiosidade negra
O cerne da origem de várias das culturas africanas trazidas para o Brasil esteve no
fundamento de suas crenças religiosas: para muitos destes africanos que preservaram a
religiosidade, a vida só é possível por conta do equilíbrio de energias (axé) obtidas
através da tríade: mundo visível, mundo invisível e forças da natureza, que se
complementam. É, portanto, estabelecida uma relação de reciprocidade entre estas forças.
Ou seja, embora possuam funções distintas no que se refere à manutenção da vida, são
forças interdependentes.
É através da relação velho/novo, que se estabelece o princípio da restituição. “O
princípio da ancianidade assegura a continuidade, a estabilidade e a permanência política
social das instituições que garante os valores de lealdade, cooperação, ajuda mútua e
liderança” (LUZ, 2000).
Sabemos que o negro trazido para o Brasil provinha de diversos pontos da
África: principalmente do Congo, Angola, Benin, Nigéria, entre outros; sabemos, ainda,
que possuíam formas de organização política e social diferentes, pois a sociedade africana
se organizava em reinos independentes. Assim, suas formas de cultuar os orixás (forças
da natureza) também eram distintas, embora com uma base ideológica semelhante, ou
seja, o equilíbrio entre os mundos visível, invisível e as forças da natureza. Porém,
quando escravizados e trazidos para o Brasil, os negros foram confinados a um mesmo
lugar e obrigados a conviver com as suas diferenças. Para resistir ao processo de exploração
eles precisavam de algo que lhes desse identidade. Foi, portanto, através da religião que
muitos se identificaram como africanos.
88
ligação Orum (céu) e Aiyê (terra). Os orixás representam as forças da natureza, respeitando
ainda os elementos que regem o mundo que são a Água, o Fogo, o Ar e a Terra.
Segundo o que foi colocado anteriormente, a organização social africana se
constituía de uma fragmentação territorial por conta dos diversos reinos que possuíam
características próprias. Portanto, a forma de cultuar os orixás também era distinta nos
diferentes reinos da África pré-colonial. Após a ocupação do território africano pelos
árabes e depois pelos europeus, a religião sofreu a influência muçulmana na região
norte-nordeste da África e no restante do continente sofreu a influência das religiões
católicas e protestantes. Significa dizer que quando os negros foram trazidos para o
Brasil já existira o contato entre estas diferentes manifestações religiosas, aqui acentuadas
com o processo escravocrata brasileiro.
No Brasil, negros de famílias diferentes eram confinados nas mesmas senzalas.
Mas, sua organização política e social e sua forma de cultuar os orixás eram diferentes a
depender de suas regiões de origem. Mesmo assim, para resistir ao processo explorador
do senhor da terra era necessário algum elemento que os identificassem, já que possuíam
também dialetos diferentes. Essa identidade de resistência foi marcada principalmente
pela música, pela dança e pela religião. Podemos então concluir que a religião africana, no
Brasil, não pode, por isto, ser considerada como “pura”.
Os escravos, vindos de diferentes partes da África, contribuíram para o
surgimento de diferentes nomenclaturas e práticas religiosas, a depender do local onde
tenham se instalado no território brasileiro: candomblé, na Bahia; xangô, em Alagoas,
Pernambuco e Paraíba; tambor, no Maranhão; macumba, em São Paulo; umbanda e
quimbanda, no Rio de Janeiro. Além disto, o culto aos orixás foi levado para o sul e o
sudeste do Brasil também através da migração interna.
No que diz respeito à umbanda, por exemplo, existem posicionamentos
diferentes quanto a sua origem, ou seja, há quem afirme que é uma religião genuinamente
brasileira, enquanto outros a defendem como de origem africana: origem banto (grupo
etno-lingüístico da região meridional da África). Para Helena Teodoro Lopes a umbanda
é a “religião de maior expressão no Rio de Janeiro e apresenta similaridades com as
religiões tradicionais africanas”. Porém, segundo Fernando Aguiar (Babalaxé do terreiro
Abaçá São Jorge da Iyalorixá Marizete Lessa, filha-de-santo de “Nanã”, em Sergipe), a
umbanda branqueou a religião africana, fazendo alguns cortes nos rituais originais, pois
não realiza, por exemplo, o batuque e a dança.
Comunidade-terreiro
89
de complementação, ou seja, restituição de axé. Onde a relação velho/novo estabelece
um mútuo de respeito e gratidão. Dentro desta comunidade, o conhecimento está
imbricado pelo poder. Poder que é adquirido com a experiência que advém com o
tempo de vivência. Todavia, este poder significa obrigação, ao passo que quando se
atinge um degrau mais elevado na hierarquia do terreiro, maior, também, é o seu
número de obrigações.
Para lidar com o axé, força que dinamiza os dois mundos, é necessário preparo
e sabedoria. Portanto, essa função é dos mais velhos (sacerdotes) e cabe a eles passarem
os ensinamentos para os mais novos, que na comunidade são tratados como irmãos.
“As hierarquias são preenchidas de acordo com o poder de axé, inerente a cada membro,
desenvolvida em meio aos valores da tradição” (LUZ, 2000). Essa condição de poder
não significa, essencialmente, status de privilégios. No culto aos orixás, o poder que lhe
é atribuído vem embutido de obrigações, ou seja, quanto maior for seu cargo dentro
das comunidades, maiores são as normas que diminuem a esfera de comportamentos
possíveis. “Na obrigação, o indivíduo, através da oferenda, e da participação ritual dos
mais velhos, estabelece a restituição de axé, necessário ao fortalecimento do pleno
desenvolvimento do seu destino” (LUZ, 2000).
90
biológica ou de natureza cósmica. Ou seja, se o orixá de cabeça tiver o gênero oposto ao
do seu filho, é aceitável que desempenhe funções masculinas e femininas, atribuindo-se
a ele maiores poderes nesta comunidade. Portanto, nestes casos, a homossexualidade
e/ou heterogeneidade é encarada como ponto positivo, não como sacrilégio. Talvez por
esta razão seja tão comum observarmos a presença de homossexuais dentro destas
comunidades-terreiro.
Linguagens e entidades
É bom que não nos esqueçamos de evidenciar que o candomblé não é uma
religião, ou mesmo, o nome da religião afro-brasileira. O candomblé é a dança e a
música, estudadas nos terreiros (onde se pratica o culto dos orixás).
Seguindo o princípio da ancianidade, é através da palavra que é feita a transmissão
do conhecimento dos mais velhos para os mais novos, que serão tanto melhores
quanto maior for sua capacidade de aprendizado e obediência.
Os orixás representam as forças da natureza, respeitando as 4 forças que regem
o universo: o fogo, o ar, a água e a terra. Os orixás são figuras míticas que representam,
por exemplo, a energia que emana da Terra.
Os vegetais no ritual
91
sair. A colheita é feita pelos homens. Na entrada da mata deixam-se algumas moedas e
pede-se ao guardião para entrar e fazer a colheita. Durante este tempo é preciso estar
cantando para o guardião e para o orixá. Deve ser retirado da erva apenas o necessário.
Ainda relacionado ao fator horário, caso seja necessário realizar uma colheita noturna, as
folhas terão que ser acordadas (cada folha é colocada na palma da mão dando três
tapinhas dizendo “acorda”). Um outro aspecto relacionado ao horário é que a depender
“a espécie muda de senhor: algumas folhas de Ogum, quando passa do meio-dia,
passam a ser de Exu” (BARROS, 1993, p. 40).
As ervas têm de ser colhidas de modo especial para que não percam o seu axé
(poder). Segundo afirma Barros, elas não devem ser cultivadas, devem ser encontradas
dispersas na natureza. Natureza esta que deve ser um componente imprescindível para
o terreiro, sendo ela própria sua extensão. Mas, a especulação imobiliária, principalmente
na área urbana, torna cada vez mais rara a existência destes espaços naturais, sendo assim
permitido o cultivo dos vegetais, com a ressalva de que o procedimento seja o mesmo
para qualquer situação.
Oralidade e classificação
92
É bom ressaltar que há um encadeamento das cantigas, uma puxa a outra,
mesmo que o nome da categoria não seja explicitado, todo o seu contexto faz referência
a ela. “As cantigas são cantadas em resposta ao pai ou mãe-de-santo que as iniciam e
estipulam a ordem desejada. A cerimônia do Ossãnyn geralmente é restrita aos membros
do terreiro, momento para transmitir o saber” (BARROS, 1993, p. 122).
Considerações finais
Os navios negreiros que chegaram entre os séculos XVI e XIX traziam mais do
que africanos para trabalhar como escravos no Brasil Colônia. Em seus porões, viajava
também uma religião estranha aos portugueses. Considerada feitiçaria, pelos
colonizadores, ela se transformou, pouco mais de um século depois da abolição da
escravatura, numa das religiões mais populares do país.
Não existem estatísticas que dêem o número exato de seus fiéis no país. Os
dados variam. Segundo o Suplemento sobre Participação Político-Social da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), em 1988, 0,6% dos chefes de família (ou cônjuges) seguiam cultos afro-
brasileiros. Um levantamento do Instituto Gallup de Opinião Pública, no mesmo ano,
indicou que o candomblé ou a umbanda era a religião de 1,55% da população total do
país.
São índices muito pequenos se comparados à multidão que lota as praias na
passagem de final de ano, para homenagear Iemanjá, a orixá dos mares e oceanos. O
principal fator destes índices é o preconceito que está inserido na sociedade, pois os
próprios fiéis evitam assumir sua religião, por receio de serem vítimas de preconceitos.
A mais célebre mãe-de-santo do Brasil, Menininha do Gantois, falecida em 1986, declarou
certa vez ao pesquisador do IBGE que era católica apostólica romana.
O quadro religioso no Brasil de hoje caracteriza-se por um processo de conversão
complexo e dinâmico, com a incorporação e mesmo criação de algumas novas religiões,
às vezes com a passagem de um converso por várias possibilidades de adesão.
Segundo Valente (1977), desde o início as religiões afro-brasileiras se formaram
em sincretismo com o catolicismo e em grau menor com religiões indígenas. O culto
católico aos santos, numa dimensão popular politeísta, ajustou-se como uma luva ao
culto dos panteões africanos. A umbanda acrescentou-se às contribuições do kardecismo
francês, especialmente a idéia de comunicação com os espíritos dos mortos, através do
transe, com a finalidade de se praticar a caridade entre os dois mundos, pois os mortos
devem ajudar os vivos sofredores, assim como os vivos devem ajudar os mortos a
encontrar, sempre pela prática da caridade, o caminho da paz eterna, segundo a doutrina
de Alan Kardec. A umbanda perdeu parte de suas raízes africanas, se espalhou por
93
todas a regiões do país, sem fronteiras entre classe, raça e cor. Mas, não interferiu na
identidade do candomblé, do qual se descolou, conquistando sua autonomia. O
candomblé também mudou. Até 20 ou 30 anos atrás, o candomblé era religião de
negros e mulatos, confinado, sobretudo, à Bahia e a Pernambuco, e aos reduzidos
grupos de descendentes de escravos, cristalizados aqui e ali, em distintas regiões do país.
No rastro da umbanda, a partir dos anos 1960, o candomblé passou a se oferecer como
religião também para segmentos da população de origem não-africana.
O processamento religioso afro-brasileiro abriga, assim, um patrimônio humano
e cultural que se estende para os campos da música, da dança, da indumentária, do
folclore, da cultura popular, da culinária, da relação com a natureza e com a ecologia. O
conjunto dessas manifestações está repleto de elementos simbólicos necessários às
reflexões sobre a história do negro e da cultura afro-brasileira nas escolas. Neste sentido,
é preciso desenvolver práticas lúdico-pedagógicas pertinentes em sala de aula. Em
conclusão, notamos que a história do candomblé não é só a história de uma religião,
mas também de um povo. A história do candomblé se confunde com a história do
Brasil.
Referências bibliográficas
BARROS, José Flávio. O segredo das folhas: sistema de classificação de vegetais no candomblé jêje-
nagô do Brasil. RJ: Pallas, UERJ, 1993.
LUZ, Marco Aurélio de Oliveira. Agadá, dinâmica da civilização africano-brasileira. 2° edição,
Bahia:EDUFBA, 2000.
LOPES, Helena Theodoro. A força vital. In: Humanidades, Consciência Negra. Ed. UNB
n° 47 de dezembro de 1999.
PRANDI, Rerinaldo. Deuses africanos no Brasil contemporâneo. In Humanidades,
consciência negra. Ed. UNB n° 47, dezembro de 1999.
Revista Super Interessante, janeiro ano 9 n° 1 de1999, pg. 18-31.
Revista Super Interessante, janeiro de 1995.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Cia das Letras,
1995.
VALENTE, Waldemar. Sincretismo Religioso Afro-brasileiro. São Paulo: Nacional, 1977.
Sites Consultados:
· www.ileaiye.com.br
· www.portalorixas.com.br
· www.candomble.com.br
94
Afro-brasilidade, educação básica e a lei 10.639/03:
vozes veladas, veludosas vozes....
46
Aluno do curso UNIAFRO, 2006. Professor do ensino básico da rede pública estadual.
47
Elaborado pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR)
95
na modalidade oral (gênero sócio-discursivo entrevista), e que constituem objeto de
análise deste texto. As entrevistas foram gravadas em áudio, transcritas e vistas na
amplitude do processamento textual. Essa dinâmica da coleta de dados foi orientada
por mim no contexto da disciplina Produção de Texto III, na Universidade Federal de
Sergipe, no segundo semestre deste ano, e, embora sejam os mesmos dados utilizados
para outras reflexões, a análise no contexto desse artigo é bastante diferente e segue a
tendência de análise para outros recortes de formações discursivas (FREIRE, 2005).
As entrevistas foram individuais, realizadas com quatro professores –
reconhecidos aqui pelas suas iniciais com letras maiúsculas – que atuam nas redes pública
e privada de Sergipe. Suas falas serão analisadas em consonância com Mondada (1997, p.
59), a qual critica a concepção de entrevista como veículo mais ou menos transparente de
informações e defende uma concepção intersubjetiva e praxeológica da linguagem.
Optei pela quadrangularização das formações discursivas, as quais são analisadas
neste texto seguidos dos pressupostos de Dominique Maingueneau e Michel Foucault
(explicitados dentro da análise e discussão dos resultados para que o leitor não dissocie
o aparato de análise da fundamentação teórica, que embora pertinente, apenas norteia
nosso ponto de vista em relação à temática), os quais tratam o discurso como parte das
ideologias dos seus enunciadores.
A quadrangularização citada anteriormente diz respeito à disposição das
formações discursivas em quatro tabelas distintas tendo em vista as quatro seções que
foram formuladas seguindo os seguintes critérios: (i) abordagem da situação do negro
na atualidade, (ii) práticas pedagógicas que englobam alguma atividade que esteja de
acordo com o parecer do CNE 03/04 e atenda aos ditames da Lei, (iii) a relação da escola
com a temática e (iv) a importância de iniciativas como a Lei 10.639/03 para a formação
de afro-brasileiros e brasileiros que não se auto-declaram negros.
(i)
96
“Aqui na escola eu não vejo ter discriminação porque é uma escola de classe média e
baixa, então, a maioria dos alunos que você pode observar são alunos morenos e
negros, pelo menos em escola pública, e nessa aqui, eu não vejo a prática de
discriminação”. (CSPS)
“/.../ Olhe, eu vejo que o negro desempenha o papel dele muito bem, e na sala eu não
acho que o negro esteja desmembrado do branco /.../” (JDM) ou “Vejo como
outro aluno normal.” (EAAL)
Já GC assevera que “nas escolas particulares de classe média alta você ser ou não
ser negro não faz diferença, pelo menos isso não é notável /.../” e aponta que a
situação do negro é uma questão social.
Não é próprio, para o aparato da análise do discurso, tecer comentários positivos
ou negativos na emersão dos discursos acerca dos assuntos abordados. Tão somente
nos é apropriado reconstruir as marcas discursivas e apontar possíveis caminhos pelos
quais essas formações tenham se instaurado, ou seja, os Outros discursos e os discursos
dos Outros. Neste sentido, para os professores entrevistados não há preconceito na sala
de aula.
(ii)
Perguntados se conhecem e/ou realizam atividades que contemplam a Lei
10639/03, embora JDM afirmasse não conhecê-la, disse:
97
geral, objetivo, e que o parecer do CNE 03/04, como documento norteador, seja o mais
elaborado, mas, também, o menos conhecido e menos trabalhado pelos professores e
a comunidade escolar. Como no caso do entrevistado, a Lei é conhecida, o Parecer, não.
É um equívoco pensar que saber da existência da Lei é conhecê-la e uma vez ter tido
contato com a Lei (o documento), seja o suficiente para colocar em prática as questões
pertinentes a ela.
(iii)
O velamento discursivo, perceptível pelas marcas emersas nos discursos
subjacentes à relação da “escola” com a temática da afro-brasilidade, é comparável aos
apanhados que faz J. M. Marandin (apud MAINGUENEAU, 1997), ao explorar as
tendências semânticas da língua, que ao examinar os empregos do termo camponês num
texto escrito, escreve o seguinte: “o conjunto de enunciados com que são construídas
estas seqüências parece ser idêntico ao conjunto de enunciados com que é construído o
verbete ‘camponês’ no Grand Robert e no Grand Larousse de la langue français. (...)”
A evocação do discurso de Marandin passa a fazer sentido neste nosso contexto
com afirmações como esta: “/.../ A inclusão social é que é urgente, não a cultural
porque com isso o negro não tem problema, basta ver os pagodeiros, os artistas, os
atletas, eles gozam de muito prestígio. Não tem a ver com a cor da pele, a questão é a
inclusão social /.../ (GC)
“Eu acho que não havia necessidade (da Lei) porque antes de existir essa Lei, esse
assunto do negro se abordava sem nenhum problema.” (JDM) Seria redutor, como
vimos, afirmar que é uma “relação que passa sobretudo pela questão econômica e
social.” (CG) “/.../ Os alunos, como muitos são negros, questionam isso, a questão
da discriminação /.../” (CSPS)
Estas afirmações revelam ambigüidades acerca da relação entre discriminação e
racismo no entendimento dos professores. Eles alegam que não existe racismo, mas
concordam que existe discriminação social, e que esta afeta os negros, opinando que o
conteúdo da Lei não resolve o problema. Fica claro, aqui, o desconhecimento das
discussões contidas no Parecer do CNE 03/04, que problematiza conceitualmente tais
questões e o entrelaçamento destas (a racial e a social) no Brasil.
(iv)
Outro indício do que venho tentando dizer é demonstrado na importância
dada pelos professores às iniciativas de políticas públicas, como a Lei 10.639/03: “A
meu ver não sei se tem tanta importância porque o negro é importante sempre,
mesmo sem a Lei, existindo ou não a Lei pra mim ele é importante sempre. Por isso eu
nunca dei muita importância à Lei, porque ele sempre executou o papel dele tal qual o
98
branco.” (JDM)
Os demais sujeitos não têm dúvidas a respeito da importância da iniciativa do
atual governo federal em relação à Lei: “Importante porque todos nós brasileiros
temos um pouco de cada raça, são várias culturas.” (EAAL) “Desde que as pessoas
saibam [das iniciativas como a Lei 10639/03] e que elas sejam cumpridas, eu acho
importante” (CSPS) “Contribuir com a auto-estima é gostar de ser negro, gostar de
saber sua história, exigir seus direitos, exigir ser respeitado /.../” (GC)
Embora, quando esclarecidos sobre a Lei, os professores reconheçam à sua
importância, eles continuam fazendo afirmações pelo desmerecimento de uma
intervenção local, justificando que aos seus “olhos o negro sempre teve uma condição
estável.” (EAAL).
Para finalizar, gostaria de dizer que são afirmações e incoerências como estas que
ainda travam transformações mais velozes e dinâmicas com relação à aceitação e à prática
de um currículo escolar que inclua conteúdos de história da África, cultura afro-brasileira
e relações étnico-raciais, mesmo que passados quatro anos de sancionada a Lei. Os
tentáculos silenciosos do racismo à brasileira, arraigados nas mais profundas esferas do
social, não deixaram a escola impune às suas influências, que teimam em resistir como
o principal entrave às iniciativas de dar-lhe visibilidade como estratégia para combatê-lo.
Referências bibliográficas
99
LEI 10.639/2003 de 9 de janeiro de 2003.
MACHADO, Ana Maria. Menina bonita do laço de fita. São Paulo: Ática, 1997.
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. 3. ed. Pontes/
Ed. da Unicamp: Campinas-SP, 1997.
MONDADA, Lorenza. A entrevista como acontecimento interacional: abordagem lingüística e
conversacional. Rua: Campinas, 1997.
MUNANGA, Kabenguele. Discriminação positiva. Revista do Brasil, novembro 2006,
pp. 20-23.
NOGUEIRA, O. “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão
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PARECER CNE/CP 3/2004, aprovado em 10/3/2004.
SABINO, Fernando. A companheira de viagem. São Paulo: Editora Record, 1965.
SANTOS, Gersiney Pablo. Os negros, as escolas e a lei 10.639/2003: análise de sua implementação
nas salas de aula das redes pública e particular de Sergipe. Monografia apresentada à
disciplina Produção de Texto III na Universidade Federal de Sergipe. UFS/
DLE, 2006.
VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
100
III PARTE
DOCUMENTOS
101
102
Lei Federal 10639/03, de 09 de janeiro de 200348
§ 3o (VETADO)”
“Art. 79-A. (VETADO)”
“Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia
Nacional da Consciência Negra’.”
48
Retirado do endereço eletrônico http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/2003/
L10.639.htm#art1. Acesso em 25 de janeiro de 2007.
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Trechos da Resolução nº 1, de 17 de junho de 200449
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Trechos retirados do endereço eletrônico http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/003.pdf
Acesso em 25 de janeiro de 2007. (O parecer 003/2004, do CNE, também pode ser encontrado
na íntegra no mesmo endereço.)
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respectivos sistemas.
Art. 3° A Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e
Cultura Afro-Brasileira, e História e Cultura Africana será desenvolvida por meio de
conteúdos, competências, atitudes e valores, a serem estabelecidos pelas Instituições de
ensino e seus professores, com o apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades
mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações, recomendações e
diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP 003/2004.
§ 1° Os sistemas de ensino e as entidades mantenedoras incentivarão e
criarão condições materiais e financeiras, assim como proverão as escolas, professores e
alunos, de material bibliográfico e de outros materiais didáticos necessários para a educação
tratada no “caput” deste artigo.
§ 2° As coordenações pedagógicas promoverão o aprofundamento de
estudos, para que os professores concebam e desenvolvam unidades de estudos, projetos
e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares.
§ 3° O ensino sistemático de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
na Educação Básica, nos termos da Lei 10639/2003, refere-se, em especial, aos
componentes curriculares de Educação Artística, Literatura e História do Brasil.
§ 4° Os sistemas de ensino incentivarão pesquisas sobre processos
educativos orientados por valores, visões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros,
ao lado de pesquisas de mesma natureza junto aos povos indígenas, com o objetivo de
ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a educação brasileira.
Art. 4° Os sistemas e os estabelecimentos de ensino poderão estabelecer
canais de comunicação com grupos do Movimento Negro, grupos culturais negros,
instituições formadoras de professores, núcleos de estudos e pesquisas, como os Núcleos
de Estudos Afro-Brasileiros, com a finalidade de buscar subsídios e trocar experiências
para planos institucionais, planos pedagógicos e projetos de ensino.
Art. 5º Os sistemas de ensino tomarão providências no sentido de garantir
o direito de alunos afrodescendentes de freqüentarem estabelecimentos de ensino de
qualidade, que contenham instalações e equipamentos sólidos e atualizados, em cursos
ministrados por professores competentes no domínio de conteúdos de ensino e
comprometidos com a educação de negros e não negros, sendo capazes de corrigir
posturas, atitudes, palavras que impliquem desrespeito e discriminação.
Art. 6° Os órgãos colegiados dos estabelecimentos de ensino, em suas
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finalidades, responsabilidades e tarefas, incluirão o previsto o exame e encaminhamento
de solução para situações de discriminação, buscando-se criar situações educativas para o
reconhecimento, valorização e respeito da diversidade.
§ Único: Os casos que caracterizem racismo serão tratados como crimes
imprescritíveis e inafiançáveis, conforme prevê o Art. 5º, XLII da Constituição Federal
de 1988.
Art. 7º Os sistemas de ensino orientarão e supervisionarão a elaboração
e edição de livros e outros materiais didáticos, em atendimento ao disposto no Parecer
CNE/CP 003/2004.
Art. 8º Os sistemas de ensino promoverão ampla divulgação do Parecer
CNE/CP 003/2004 e dessa Resolução, em atividades periódicas, com a participação das
redes das escolas públicas e privadas, de exposição, avaliação e divulgação dos êxitos e
dificuldades do ensino e aprendizagens de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
e da Educação das Relações Étnico-Raciais.
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