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§ 15º — Roubo e extorsão

I. — Furto; roubo; extorsão


Caso nº 1 Numa cidade do Norte, J convenceu-se de que poderia conseguir dinheiro assaltando uma
determinada estação de abastecimento de combustíveis. No momento que lhe pareceu azado, entrou
de rompante no escritório da estação e ameaçando o empregado com uma pistola — calibre 9 mm
— de que se munira, carregada e pronta a disparar, forçou-o a entrar num lugar reservado, onde o
amordaçou e amarrou. Todavia, só encontrou uns parcos 25 euros, que era o dinheiro para os trocos
que o empregado trazia consigo, pouco antes, quando entrara de serviço. J descobriu então uma das
fardas que os empregados costumavam usar e vestiu-a. Passou assim a atender os clientes até que
fez cerca de quinhentos euros em notas e moedas, com as quais se retirou, satisfeito. O empregado
veio mais tarde a ser libertado por um cliente que, cansado de esperar, foi espreitar o que se passava
no escritório (cf. Tankstellen-Fall, in Naucke, Strafrecht - Eine Einführung, 7ª ed., 1995, p. 56).
Punibilidade de J ? Não está agora em causa a qualificação da arma.
J, por constrangimento da vítima, empregando, para tanto, violência (crime-meio), subtraiu os
25 euros, coisa móvel alheia, com ilegítima intenção de apropriação (crime-fim). Estando
presentes os indispensáveis momentos subjectivos, há roubo (artigo 210º, nº 1), devendo
investigar-se a existência de qualquer elemento qualificador, nomeadamente, os requisitos
apontados na alínea b) do nº 2, que remete para o artigo 204º. No caso concreto, porém,
deverá sempre averiguar-se se não será de não qualificar a conduta, tratando-se de valor
diminuto (artigos 202º, alínea c), e 204º, nº 4). A matéria de facto integra ainda o crime de
sequestro (artigo 158º, nº 1), com a privação da liberdade do empregado, sabendo-se que um
dos magnos problemas que gravitam nesta área é o de saber se roubo e sequestro se
posicionam em concurso efectivo e, na hipótese afirmativa, se isso acontece sempre. A
subtracção da farda, coisa móvel alheia, pode levantar alguns problemas, por não ser clara a
intenção de apropriação —e o simples uso não é penalmente punível: artigos 203º, nº 1, e 208º,
nº 1. Discutível é também o enquadramento da apropriação do dinheiro apurado com a venda
da gasolina: furto? ou a continuação do roubo, que então nunca resultaria desqualificado em
razão do valor subtraído?

II. — Roubo e extorsão


O roubo e a extorsão têm como elemento comum o facto de o agente constranger outra
pessoa, no roubo por meio de violência, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a
integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir; na extorsão, que contém os exactos
meios da coacção (artigo 154º), por meio de violência ou de ameaça com mal importante. ( ) 1

1 No roubo (artigo 210º), a ameaça é com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ; na
extorsão (artigo 223º), a ameaça é com mal importante. O par típico "violência / ameaça" é elemento doutras

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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Esse elemento comum ao roubo e à extorsão representa um significativo momento da tutela da


liberdade individual, mas o roubo é sem dúvida um crime contra a propriedade, enquanto a
extorsão se situa, ao lado da burla e da infidelidade, no âmbito dos crimes contra o património
em geral.
A norma do artigo 210º, nº 1, conjuga intimamente a defesa da propriedade e a liberdade da pessoa, com
reflexos no sistema concursal. Tratando-se de um crime contra a propriedade, isso o distingue, prima facie, da
extorsão, que é um crime contra o património em geral. O furto, o roubo e a extorsão “varrem” os respectivos
campos de aplicação de forma tão completa que não houve necessidade de prevenir a ocorrência de lacunas com
um tipo intermédio — o que não for roubo nem furto será extorsão. (Cf. Actas, p. 132). A extorsão é uma figura
penal de natureza subsidiária, a qual visa cobrir situações que o roubo e o furto não abrangem, explica José
António Barreiros, p. 197.
O roubo é crime de "tirar" mas também de "fazer entregar". Todavia, nem sempre será fácil
determinar se uma determinada situação fáctica cabe no roubo ou na extorsão. É discutível, por
exemplo, e veremos isso mais adiante, ao tratar da extorsão, se nesta cabe o aproveitamento da
incapacidade de a vítima oferecer resistência. Quanto ao roubo, cremos que tal crime não
existirá quando o agente se aproveita de uma incapacidade de resistir que não provocou.
O ânimo de lucro (“Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento
ilegítimo…”) aproxima a extorsão da burla, mas ambas se distinguem pelos meios que o
agente emprega. No acórdão do STJ de 26 de Fevereiro de 1992, BMJ 414, p. 254, acentua-se
essa semelhança. A diferença reside em que num caso a vítima é levada a essa colaboração pelo
engano; no outro, a "colaboração" dá-se em ambiente coactivo. O elemento típico do roubo é
igualmente o constrangimento do ofendido, “exigindo-se uma relação de causalidade entre a
actuação violenta ou ameaçadora do arguido e a situação de constrangimento, que a leva a
‘colaborar’ na satisfação dos objectivos do agente". Cf. também, com a mesma preocupação de
distinguir a burla da extorsão, o acórdão do STJ de 27 de Outubro 2004, proc. 04P3237, pois
sendo o erro ou engano sobre os factos típico do crime de burla, pode esta resultar da
construção pelo agente de uma ficção enganosa (mise en scène) em que também concorrem
elementos tipicamente aproximados dos meios de uma forma de extorsão, a chantagem (artigo
223º, nº 2), impondo-se por isso "a rigorosa delimitação dos factos em função dos elementos
típicos envolvidos, para permitir a adequada qualificação e integração dos crimes que, em
situação de fronteira, possam estar em causa".
A pena para o crime de roubo simples é de prisão de 1 a 8 anos; a pena normal da extorsão
(artigo 223º, nº 1) é a de prisão até 5 anos, mas o Código prevê igualmente a punição nos
limites de 3 a 15 anos, em correspondência parcial com o que, para o crime de roubo, se
estabelece no artigo 210º, nº 2, alínea a), ou nas alíneas a), f) ou g) do nº 2 do artigo 204º; e
nos limites de 8 a 16 anos, em correspondência com o nº 3 do artigo 210º. Além disso, pune-se
qualificadamente a extorsão (pena de prisão de 6 meses a 5 anos) que consista na ameaça de
revelação, por meio da comunicação social, de factos que possam lesar gravemente a reputação

incriminações, embora com nuances significativas: na coacção sexual (artigo 163º) e na violação (artigo 164º)
acolhe-se a ameaça grave. A ameaça de morte é alternativa típica do crime de tomada de reféns (artigo 161º).
No artigo 72º, nº 2, alínea a), a circunstância de o agente ter actuado sob influência de ameaça grave é
considerada para efeito de atenuação especial da pena.

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da vítima ou de outra pessoa (chantagem). O crime de extorsão de documento (nº 4 do artigo


223º) pune-se com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

III. — O crime de roubo (artigo 210º)


O artigo 210º, nº 1, reproduz o desenho típico do furto: "quem, com ilegítima intenção de
apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, (...), coisa móvel alheia (...)". A subtracção,
ou o constrangimento a que a coisa seja entregue ao ladrão, ocorrem, em alternativa,
- por meio de violência contra uma pessoa,
- de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou
- pondo-a na impossibilidade de resistir.
Para a subtracção de coisa com (ilegítima) intenção de apropriação exige-se uma relação de
meio-fim entre o ataque à pessoa e o ataque à coisa. Deste modo, o emprego da violência ou
ameaça deve ser um meio para conseguir ou para assegurar a subtracção (fim). O ladrão
apodera-se da coisa alheia mas para a conseguir constrange outra pessoa a suportar a
subtracção. A norma dirige-se em primeira linha à tutela da propriedade. E embora se proteja
ao mesmo tempo a liberdade individual, o atentado à liberdade representa apenas o meio para
a realização do crime contra a propriedade. Sendo o roubo um crime autónomo —e não,
simplesmente, um furto agravado pelo emprego da violência—, comete tal ilícito aquele que,
empregando a força contra outra pessoa, lhe tira a coisa que esta tem em seu poder, ainda que
tal coisa seja de valor diminuto.
Segundo a jurisprudência, o roubo é um crime especial em que se juntam, numa unidade
jurídica, o furto (crime-fim) e o atentado contra a liberdade ou a integridade física das pessoas
(crime-meio). Trata-se de um crime complexo: a unidade de infracções é estabelecida pela
própria lei. É um crime complexo, na medida em que o seu autor viola não só um bem jurídico
de carácter patrimonial, mas também um bem jurídico eminentemente pessoal (acórdão do STJ
de 18 de Novembro de 1989, BMJ 39, p. 239). É um crime complexo que, embora se apresente
juridicamente uno, integra na sua estrutura vários factos que podem constituir, em si mesmos,
outros crimes (acórdão do STJ de 19 de Setembro de 1996, processo nº 195, internet). ( ) 2

I. Tipicidade
1. Tipo objectivo
a) Subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia

2 Também no Brasil o roubo se constrói como crime complexo: "Tratando-se de crime complexo, objecto
jurídico imediato do roubo é o património. Tutelam-se, também, a integridade corporal, a liberdade e, no
latrocínio, a vida do sujeito passivo" (Júlio Fabbrini Mirabete). Na Alemanha acentuam-se as características de
crime autónomo (Kindhäuser, Strafrecht, BT II Eigentumsdelikte, p. 211) No nosso Código, assume-se como
crime autónomo o chamado roubo impróprio (artigo 211º), caracterizado pelo emprego da violência depois da
coisa subtraída.

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b) Emprego de meio coactivo: violência contra uma pessoa; ameaça com perigo iminente para a vida
ou para a integridade física; ou pondo (a pessoa) na impossibilidade de resistir
c) Relação meio-fim
2. Tipo subjectivo
a) Dolo
b) Ilegítima intenção de apropriação
3. Ilegitimidade da apropriação intencionada e dolo correspondente.
II. Ilicitude
III. Culpa
(Estrutura do crime de roubo do artigo 210º, nº 1)

2. Tipo objectivo do ilícito


O tipo objectivo do roubo exige a presença de duas acções, uma identifica-se com o furto; a
outra com a prática de um meio coactivo. O tipo objectivo do furto há-de mostrar-se por
inteiro preenchido: o agente subtrai coisa móvel alheia. A mais disso, o crime de roubo implica
a coacção como meio de lesão dos bens patrimoniais que a norma tutela.

a) Violência contra uma pessoa


A lei equipara à utilização da violência a ameaça de um perigo iminente contra a vida ou a
integridade física (ou ainda pondo o agente a vítima na impossibilidade de resistir, quando, por
ex., a hipnotiza). Violência é o emprego de força física adequada para vencer um obstáculo real
ou suposto. No crime de roubo, a violência não tem que ter especial intensidade, basta que seja
idónea para pôr o ofendido num estado de não poder resistir. É qualquer violência física,
mesmo sem danos para a integridade corporal, como a violência moral, com que se procura
criar no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal capaz de paralisar a
reacção contra o agente.
- Violência é, desde logo, a vis corporalis, é o emprego da força física para vencer a
resistência da vítima. Tanto pode ser exercida directamente contra esta, tendo o corpo
como objecto, v. g., amarrá-la, amordaçá-la, como pode recair sobre outra pessoa ou em
coisas que vinculam o sujeito passivo, por exemplo, um animal de estimação, atingindo-o
indirectamente. Há até quem entenda (Rengier, BT I, p. 123; BT II, p. 126) que também há
violência quando o agente, para pilhar uma casa à vontade, previamente inutiliza os pneus
do automóvel, que ele sabia ser o único meio do proprietário regressar do trabalho, pondo-
o assim na impossibilidade de se opor à actuação depredadora. Sucede o mesmo quando o
agente subrepticiamente fecha a porta dum anexo, impedindo quem ali está de sair, para
poder "trabalhar" à vontade no interior da moradia. A doutrina sustenta que pode existir
violência mesmo quando esta não é sentida pela vítima, porque, por ex., esta se encontra
em estado de inconsciência.

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- "A violência não é necessariamente a que causa lesões ou magoa a vítima; não implica
sequer contacto físico com a vítima, bastando o uso da força adequada à subtracção com
afronta, com assalto, é a que ofende a vítima na sua liberdade de determinação, criando a
situação de impossibilidade de resistir" (acórdão do STJ de 12 de Junho de 1997, BMJ 468,
p. 140).
- Integra o conceito de violência o facto de o arguido caminhar atrás da ofendida de 86 anos,
de modo a "aparecer-lhe pelas costas", e ao aproximar-se da mesma puxar o saco que ela
levava numa das mãos, fazendo-o coisa sua (acórdão do STJ de 11 de Março de 1998,
BMJ 475, p. 217.
- É equiparada à violência qualquer maneira ardilosa, subreptícia ou similar pela qual o
agente, embora sem o emprego da força ou incutimento de medo, consegue privar a vítima
do poder de reagir (acórdão do STJ de 19 de Dezembro de 1989, BMJ 339, p. 251).
- Praticam o crime de roubo aqueles que, sendo noite e agindo de comum acordo, obrigam
outrem a entregar-lhes um fio em ouro, mediante a ameaça de que usariam o revólver de
alarme em tudo idêntico a uma verdadeira arma de fogo que, por isso, criou na mente do
ofendido a convicção de que se tratava de uma arma desta natureza (acórdão do STJ de 6
de Outubro de 1993, BMJ 430, p. 241).
- "Ainda que o réu se não encontrasse armado, não tenha exercido violência física, nem tenha
posto em perigo a integridade física da vítima, é de considerar a existência de ameaças para
o efeito qualificativo do crime de roubo se estas forem produzidas em circunstâncias e
condicionalismo histórico susceptíveis de intimidar e coagir uma pessoa normal a proceder
como a vítima procedeu" (acórdão do STJ de 26 de Outubro de 1977 BMJ 270, p. 75).
- "À violência física ou psíquica (ameaça) o artigo 306º, nº 1, do CP-1982 (primitiva
redacção), equipara a violência que se concretiza por qualquer meio que ponha o sujeito
passivo na impossibilidade de resistir, e a que alguma doutrina chama "violência
imprópria". Esta "terceira via pressupõe processos físicos ou psíquicos que coloquem a
vítima em situação de disponibilidade quanto ao agente pela incapacidade de se lhe opor"
(acórdão de 6 de Outubro de 1994, proc. 046309).
- A "ambiência de violência" provocada pelos arguidos constituiu uma causa necessária e
adequada de um estado emocional de medo, na pessoa da vítima (acórdão do STJ de 5 de
Abril de 1995, BMJ 446, p. 38). Os três arguidos entraram mascarados com o automóvel
que os transportava na área de umas bombas de gasolina e, empunhando armas de fogo,
partiram o vidro da porta do gabinete da caixa, ordenaram ao ofendido que abastecesse o
automóvel, apoderaram-se de dinheiro e da gaveta da registadora, enquanto o gasolineiro,
com medo, fugiu e se refugiou numa casa de banho.
Caso nº 2 A, que quer assaltar a moradia de B, encontra este prostrado à entrada da casa, completamente sem
sentidos. Para impedir que o B viesse a reagir quando recuperasse a consciência, arrasta-o para a
garagem do edifício, onde o deixou fechado à chave. Só depois disso, A saiu da moradia com alguns
objectos de valor que aí encontrou.
A conduta de A integra os elementos típicos do crime de furto e do crime de violação de
domicílio. A questão de saber se igualmente preenche os elementos típicos do crime de roubo

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(de modo a fazer recuar as normas que punem o furto e a violação de domicílio) depende de
ter o A usado “violência contra uma pessoa”. A doutrina sustenta que existe violência mesmo
quando esta não é sentida pela vítima.
Vejamos agora a hipótese (para alguns situada na fronteira do furto com o roubo) da força
exercida directamente sobre coisas, quando o ladrão as arrebata, de surpresa, com violência
sobre o braço ou a mão da vítima (sacão, esticão).
Caso nº 3 Roubo por esticão. A, quando na rua se cruza com B, arranca-lhe a carteira que B leva ao ombro e
foge.
Poderá continuar a falar-se em violência contra uma pessoa, quando o ladrão actua
simplesmente por “esticão” ou por “sacão”? Se o ladrão arranca a carteira das mãos da vítima,
houve desde sempre a tendência para qualificar a subtracção como roubo, com o argumento de
que, também num caso destes, a capacidade de reacção da vítima foi impedida ou neutralizada:
trata-se ainda de violência contra a pessoa. O modo subtractivo vulgarmente designado por
“esticão” ou “sacão” tem sido considerado, pela generalidade da jurisprudência, como
integrador da tipicidade do crime de roubo — precisamente porque o seu carácter é moldado
pelo elemento violência (acórdão do STJ de 20 de Maio de 1993, BMJ 427, p. 273). Integra
crime de roubo a subtracção pelo agente, por esticão ou sacão, de uma pulseira de ouro que a
ofendida tinha no pulso (acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Março de 1984, BMJ 342, p.
434).
Caso nº 4 A conseguiu apoderar-se da mala que a ofendida C trazia na mão, o que fez através de um puxão com
força, do qual resultou traumatismo no cotovelo direito daquela, com 3 dias de doença com
incapacidade para o trabalho. Também resulta da factualidade provada que o A conseguiu apoderar-
se, através do mesmo método, da carteira que a ofendida G trazia consigo. No que respeita à
ofendida F, verifica-se que o A, com o intuito de se apoderar de dinheiro que esta trouxesse, a
agarrou num braço e no pescoço e, como esta tentasse libertar-se, deu-lhe um soco e a atirou ao
chão. Não logrou, neste caso, por motivos alheios à sua vontade, apoderar-se de qualquer dinheiro.
Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2002, no proc. nº 02P3168.
“O emprego de força sobre o corpo da vítima é violência física, não sendo necessário - para
que se considere haver violência - que haja dano corporal (Leal-Henriques e Simas Santos,
Código Penal Anotado, 2º vol., p. 494). Estamos perante roubo por esticão, no primeiro e
terceiro casos. No segundo caso, o arguido praticou um crime de roubo (art. 210º, n.º 1) na
forma tentada (art. 22º, n.º 2, c)), já que, tendo procurado manietar a ofendida, não chegou,
face à reacção desta, a apoderar-se de qualquer bem que esta trouxesse consigo.” Note-se que
as ofensas à integridade física das vítimas, por serem simples (e não graves: artigo 210º, nº 2,
alínea a)), são abrangidas pelo desvalor do roubo simples.

b) Ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física


O outro meio típico do roubo, a ameaça ou violência moral (vis compulsiva), supõe que o
agente faça com que a vítima tema um prejuízo iminente para a vida ou para a integridade
física, cuja realização depende da sua vontade. Pode ser uma lesão simples, mas o
comportamento do sujeito activo deve ser apropriado a afastar a resistência da vítima. Para
averiguar se tal é o caso, deverá o intérprete perguntar-se se uma pessoa, colocada na situação

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da vítima (Opfersicht), renunciaria, também ela, a resistir. Por outro lado, não será necessário
que o autor esteja em condições de concretizar um prejuízo para o correspondente bem
jurídico, objecto da ameaça, embora deva agir de forma a fazer crer seriamente na possibilidade
de a tornar efectiva. A ameaça tanto pode dirigir-se contra a pessoa que detém a coisa como
contra quem está encarregado de a guardar, por ex., o caixa. Pode mesmo dirigir-se contra
aquele que vem em socorro de uma dessas pessoas. A ameaça imediata para a vida ou a
integridade física revela-se capaz de quebrar a resistência da vítima e é passível de ser
executada com uma pistola de brinquedo ou uma pistola de alarme, ou com a réplica de uma
pistola para funcionar como isqueiro ou outro objecto de características não concretamente
apuradas, mas em tudo semelhante a uma pistola enquanto arma de fogo.
Caso nº 5 Furto ou roubo? As coisas percebidas como reais são reais nas suas consequências (axioma de
Thomas). A entrou na loja dum posto de abastecimento de combustível e solicitou um maço de
cigarros à empregada. Acto contínuo, o A sacou de um objecto de características não concretamente
apuradas mas em tudo semelhante a uma pistola, apontou-a ao corpo da empregada e, em
disposição imediata de ofender, ordenou-lhe a entrega da quantia que se encontrava na caixa
registadora, o que esta fez com receio do A lhe causar a morte ou lesão física. Seguidamente, o A
abandonou o local, entrou no automóvel em que para ali se deslocara e pôs-se em fuga.
A sustentou ter cometido apenas um crime de furto, mas não o de roubo. Argumentou que os
factos apurados não integram nenhum dos crimes que concorrem com o furto para compor o
crime complexo que é o roubo. E na verdade o A não praticou qualquer agressão na pessoa da
empregada da gasolineira, quer dizer: não se provou o exercício directo da força física sobre o
corpo da pessoa em causa. Não foi a mesma atingida por socos ou pontapés, não foi atirada ao
chão ou sofreu golpes de navalha nem foi alvo de procedimento semelhante. Com o que, nesse
sentido, se não empregou violência material.
No artigo 210º, nº 1, para haver roubo, o autor deverá praticar um furto para que a infracção
resulte consumada. A mais disso, e no que respeita aos meios, o facto de o agente pôr a pessoa
na impossibilidade de resistir constitui uma forma de comissão autónoma paralelamente ao uso
da violência contra uma pessoa e ao da ameaça com perigo iminente para a vida ou para a
integridade física. Ora, igualmente não resulta provado que para quebrar a resistência da vítima
—com o fim de evitar que a subtracção se consumasse— tenham sido utilizados meios como o
hipnotismo ou o emprego de drogas ou do álcool. A fórmula pondo-a na impossibilidade de
resistir supõe a quebra da resistência do visado pela utilização de meios como esses, ainda que
tal não implique que essa impossibilidade de resistir não dure mais do que uns instantes.
O outro meio típico do roubo, a ameaça ou violência moral (vis compulsiva), supõe que o
agente faça com que a vítima tema um prejuízo iminente para a vida ou para a integridade
física, cuja realização depende da sua vontade. Pode ser uma lesão simples, mas o
comportamento do sujeito activo deve ser apropriado a afastar a resistência da vítima. Para
averiguar se tal é o caso, deverá o intérprete perguntar-se se uma pessoa, colocada na situação
da vítima, renunciaria, também ela, a resistir. Por outro lado, não será necessário que o autor
esteja em condições de concretizar um prejuízo para o correspondente bem jurídico, objecto da
ameaça, embora deva agir de forma a fazer crer seriamente na possibilidade de a tornar
efectiva. A ameaça tanto pode dirigir-se contra a pessoa que detém a coisa como contra quem

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está encarregado de a guardar, por ex., o caixa. Pode mesmo dirigir-se contra aquele que vem
em socorro de uma dessas pessoas.
Defende-se ainda o A argumentando com o facto de não ter dito que ia disparar com o objecto
que trazia consigo, e que, além disso, o objecto usado era inidóneo para produzir o resultado
típico da ameaça e o A nunca poderia ter agido com dolo de ameaça nesse sentido, sendo que,
por outro lado, a vítima não ficou impossibilitada de resistir. Se tivesse resistido, provavelmente
fá-lo-ia com sucesso.
Como facilmente se conclui, não consta que o A tivesse gritado “a bolsa ou a vida!” ou coisa
semelhante. E há que dar razão também ao A quanto à falta de aptidão do objecto para
produzir o perigo próprio da ameaça e mesmo para impossibilitar os visados de resistirem. A
réplica da pistola usada não era apta a deflagrar munições, lançando projécteis pelo efeito da
deflagração de uma carga explosiva.
Se a ameaça é ou não realizável, ou se o agente a quer ou não executar, é irrelevante. Decisivo
é apenas que
— o agente, como no caso aconteceu, revele a aparência de estar a agir com
seriedade
— e que a vítima leve a ameaça a sério.
Revestida destas características, não há dúvida de que a ameaça imediata para a vida ou a
integridade física se revela capaz de quebrar a resistência da vítima e é passível de ser
executada com uma pistola de brinquedo ou uma pistola de alarme, ou com a réplica de uma
pistola para funcionar como isqueiro ou outro objecto de características não concretamente
apuradas, mas em tudo semelhante a uma pistola enquanto arma de fogo. Tal modo de chegar
ao alheio configura um dos meios típicos que no artigo 210º, nº 1, servem à subtracção ou ao
constrangimento a que ao ladrão seja entregue coisa móvel que lhe não pertence, agindo este
com intenção de apropriação.
No caso, o A, além de actuar com intenção de apropriação de coisa alheia, actuou igualmente
com consciência e vontade de utilizar um dos meios previsto no citado artigo 210º, nº 1,
concretamente a ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física, não fazendo o
menor sentido proclamar que nunca poderia ter agido com dolo de ameaça. Na perspectiva da
vítima no momento da ocorrência do assalto, o objecto utilizado era perfeitamente idóneo não
só a quebrar a resistência da mesma, mas simultaneamente a fazê-la sentir-se ameaçada na sua
vida e integridade física. Mesmo sem fazer acompanhar os seus procedimentos concludentes de
ameaças verbais, o A, conscientemente, agiu de modo a fazer-se compreender nos seus
propósitos de se apropriar do alheio, fazendo crer que qualquer resistência da parte da visada
seria brindada com um prejuízo imediato para a vida ou para a integridade corporal. O A
simulou a utilização de uma pistola verdadeira. A vítima pensou tratar-se disso mesmo e receou
ser molestada na forma que ficou exposta. É inquestionável a adequação da conduta do A para
intimidar seriamente essa pessoa, fazendo-lhe crer que corria perigo de ofensa iminente e
incutindo-lhe o correspondente temor, por aquela realmente sentido, a ponto de não esboçar
resistência à subtracção que se concretizou. O comportamento do A é o apropriado ao

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afastamento de quaisquer veleidades de resistir e, sempre na perspectiva da vítima, em


disposição de a ofender.
Partindo da ideia simples de que para correcta avaliação do sucedido se deverá perguntar se
uma pessoa, colocada na situação da vítima, renunciaria, como esta fez, a resistir, a resposta só
pode ser afirmativa. Também por isso não tinha o julgador que averiguar se da parte do A havia
ou não a intenção de enganar a vítima por forma a que esta pensasse que se tratava de uma
arma verdadeira. Efectivamente, não interessa a real capacidade da arma para disparar, mas
antes a mera aparência dessa capacidade.

c) Ataque à coisa mediante o ataque à pessoa: a ligação meio - fim


O desenho típico do roubo junta os elementos do furto e da coacção num só crime: crime
complexo, de dois actos, em que o ladrão constrange a sua vítima a ficar sem a coisa de que se
quer apropriar. O atentado contra a liberdade ou a integridade física da pessoa é posto ao
serviço de um fim, como meio de atingir a subtracção e impedir ou neutralizar a reacção do
visado. O roubo é assim ( ) a subtracção de coisa móvel alheia para o agente dela se apoderar
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(= ataque à coisa) mediante o ataque à pessoa. Outro não era o espírito das Ordenações (liv. 5º,
tít. 61º), tratando dos que tomam alguma cousa por força e contra vontade daquele que a tem
em seu poder.

3. Tipo subjectivo do ilícito


Tendo o roubo uma dupla natureza, de furto e de coação, essa estrutura reflecte-se no dolo
enquanto dolo de furto ou dolo de constrangimento. Evidencia-se o relevo desse duplo
conteúdo sobretudo nos casos de co-autoria. A intenção de apropriação (para si ou para outra
pessoa) é necessária no roubo, tanto quanto o é para o furto, e exige-se igualmente a todos os
co-autores, não bastando detectá-la em algum ou alguns deles.
O roubo é de tipo exclusivamente doloso, devendo o agente conhecer a factualidade típica,
relevando por conseguinte a ausência do elemento intelectual do dolo (artigo 16º, nº 1). Pode
acontecer que a actuação seja determinada por um erróneo convencimento de ser a apropriação
legítima, o que exclui o dolo e portanto afasta a existência do furto ou do roubo. Todavia, se
essa actuação se fez acompanhar de qualquer meio coactivo, por ex., violência ou ameaça, o
agente será responsável pelo crime correspondente, de ofensa à integridade física, de amaça ou
de coacção.

4. Causas de justificação
A ilicitude prende-se com a apropriação, que tem de ser ilegítima, quer dizer: sem que o agente
tenha direito a ela, o que, de maneira diferente do furto, parece afastar qualquer situação
justificativa.

3 J. Wessels, AT, p. 79.

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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IV. — O crime de roubo qualificado (artigo 210º, nºs 1 e 2)


Uma das questões mais frequentes está associada ao conceito de "arma" (artigos 4, do Decreto-
Lei n.º 48/95, de 15 de Março; 210º, nºs 1 e 2, alínea b), e 204º, nº 2, alínea f)).

1. Conceito de "arma"; qualificação do crime de roubo


Caso nº 6 A entrou na taberna de B e apropriou-se de quinhentos euros que lhe subtraiu por meio de violência
física e também por meio de ameaça com uma pistola de alarme, levando-a a crer tratar-se de uma
arma de fogo.
Crime de roubo simples ou qualificado?
Já se entendia no domínio do CP de 1886 que um roubo cometido só com um revólver
simulado não podia considerar-se como cometido com arma e assim qualificado. ( ) Ora, uma 4

pistola de alarme ou simulada —utilizada por forma a criar no ofendido a ideia de tratar-se de
uma arma de fogo— será suficiente para integrar a ameaça de perigo iminente, elemento típico
do crime de roubo simples, mas é facto atípico para efeito de qualificação. De resto, as pistolas
simuladas —quer pela sua função quer pelo material em que são feitas— não são armas: estas
têm definição na própria lei, o artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março.
O acórdão do STJ de 27 de Junho de 1996, CJ 1996, tomo II, p. 201, qualificou como “arma”,
para efeitos da verificação do crime de furto qualificado, uma pistola que não estava em
condições de disparar, mas sem que o ofendido soubesse ou devesse saber dessa deficiência.
Entendeu-se que arma “é todo o objecto que tenha a virtualidade de provocar nas pessoas
ofendidas ou nos circunstantes um justo receio de virem a ser lesadas, através da respectiva
utilização, na sua integridade física, mesmo que de facto, e sem que elas o saibam, não possa
cumprir cabalmente tal função”. A qualificativa é, nesta visão das coisas, de ordem subjectiva e
enraíza-se na maior intimidação da vítima, porque o temor resultante da ameaça exercida com
arma, verdadeira ou não, é tal que anula a capacidade de resistência da vítima.
Mas a jurisprudência não se fixou na tese subjectivista, passando a considerar que a
qualificativa é de ordem objectiva por representar uma maior dificuldade de defesa e um maior
perigo para o ofendido e para quem acorra em seu socorro, além de revelar maior perigosidade
do agente. Por exemplo, no caso do acórdão do STJ de 28 de Maio de 1998, BMJ 477, p. 136,
a exibição de uma pistola de alarme não foi considerada, do ponto de vista objectivo, apta a
configurar o conceito de "arma", e, por essa via, a justificar a qualificação do roubo à luz da
circunstância agravativa da alínea f), do n.º 2, do artigo 204. Não se verifica a agravante do art.
204.º, n.º 2, al. f) - trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta -, quando se
apura que os “arguidos eram portadores de uma arma de alarme, sem qualquer poder letal”,
concluiu o acórdão do mesmo STJ de 4 de Maio de 2006, proc. 06P1187. E no acórdão de 10
de Maio de 2006, proc. 06P962 o Supremo entendeu que “tendo-se apenas provado que os
arguidos, na execução do crime de roubo, utilizaram “um objecto similar a uma arma de fogo,
cujas características se desconhecem, mas que aparentava ser uma pistola de pequenas
dimensões e cromada”, não podia o tribunal concluir pelo preenchimento daquela qualificativa;
4 Duarte Faveiro, Código Penal Português anotado, 1952, p. 691.

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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observando ainda que a exibição do mencionado instrumento pelos arguidos, acompanhada


pelas ameaças proferidas, foi decisiva para o desencadear do medo que levou as ofendidas a
não oferecerem resistência à subtracção do dinheiro, e consequentemente integrou a prática de
violência contra as ofendidas, circunstância que apenas releva no âmbito do n.º 1 do artigo
210º.
Quer isto dizer que se o ladrão usa uma pistola sem munições, a questão da perigosidade já se
mostra abrangida pelo delito fundamental do roubo. Acontece, além disso, que o peso da
ameaça de uma pistola de alarme não é significativamente maior do que o do assaltante
decidido, inclusivamente, a estrangular a vítima renitente. Ora, nesta última hipótese, a ameaça
nunca faria inclinar a balança para o lado do roubo agravado.
Não pode assim ter-se como comprovada a utilização de uma arma aparente para efeitos de
qualificação pela indicada via.
A “seringa é uma “arma”? — O conceito de "arma" dado pelo art.º 4, do DL n.º 48/95, de 15 de Março,
abrange apenas os instrumentos que são ou podem ser utilizados como meios eficazes de agressão, ou seja,
aqueles que servem ou podem servir para ofender fisicamente uma pessoa, de forma significativa ou não
insignificante. A visão de uma seringa empunhada contra uma pessoa gera, sem dúvida, um temor que paralisa a
vontade de resistir de quem quer que seja, porque existe a séria possibilidade de que aquela esteja infectada,
nomeadamente com o vírus da SIDA, integrando tal conduta o elemento típico do crime de roubo descrito no
art.º 210, n.º 1, do CP, como "ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física". Mas, se para a
relevância da ameaça, é indiferente que a seringa esteja ou não infectada, o mesmo já não acontece quando está
em causa a qualificação de tal instrumento como "arma". Para este efeito, o que é decisivo não é que a seringa,
na sua aparência, seja adequada a provocar um temor que anule a capacidade de reacção da vítima, mas, sim,
que ela, realmente, seja ou possa ser utilizada como meio eficaz de agressão ou, por outras palavras, que sirva
ou possa servir para ofender fisicamente uma pessoa, de forma significativa ou não insignificante. Deste modo,
resulta claro que uma seringa infectada é uma arma (uma vez que a transmissão de uma doença a uma pessoa
representa, sempre, para esta, uma ofensa física importante) como que o não é uma não infectada ou inócua do
ponto de vista sanitário (uma vez que a simples picada de uma agulha não pode, razoavelmente, considerar-se
um lesão física significativa). Não estando provado que a seringa utilizada pelo arguido, contra a ofendida,
estivesse infectada, aquela não cabe no conceito penal de arma, não se verificando, assim, a circunstância
prevista no art.º 204, n.º 2, al. f), do CP, e, por via dela, o crime de roubo qualificado, p.p. pelo art. 210, n.º 2,
al. b), do mesmo diploma. 20-05-1998 Processo n.º 370/98 - 3.ª Secção.
Acórdão da Relação de Lisboa de 19 de Fevereiro de 2002, CJ 2002 tomo I, p. 150: não estando provado que
uma seringa estivesse infectada com o vírus da sida e desconhecendo-se as respectivas características, a mesma
não pode ser considerada como "arma" para qualificar o crime de roubo.
Acórdão do STJ de 18 de Janeiro de 2007, CJ 2007, tomo I, p. 173: uma seringa não infectada não deve ser
considerada arma para efeito de qualificar o roubo (tem duas declarações de voto).
Acórdão do STJ de 25 de Outubro de 2007, proc. n.º 3247/07-5. A pistola com chumbos de pressão de ar, cabe
na noção de arma do art. 4.º do DL n.º 48/95, de 15 de Março e na Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, sob a
designação de «arma de ar comprimido»: a arma accionada por ar ou outro gás comprimido, com cano de alma
lisa ou estriada, destinada a lançar projéctil metálico [art. 2.º. n.º 1, al. f)], distinguindo-a «arma de ar
comprimido desportiva» [al. g)].e da «arma de ar comprimido de recreio» [al. h)].
Caso nº 7 Crime de roubo agravado pelo emprego da arma e crime de detenção de arma? A dirigiu-se à
farmácia com o intuito de se apropriar das quantias em dinheiro que se encontrassem na posse das
empregadas, mesmo que para o efeito tivesse de as atemorizar, molestar ou até disparar sobre elas.
Para tanto, muniu-se de uma pistola, e, uma vez no interior da farmácia, aproximou-se da

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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empregada B, apontou-lhe a pistola e ordenou-lhe, em tom grave e sério, que lhe entregasse o
dinheiro que estava nas caixas registadoras.
O acórdão do STJ de 14 de Dezembro de 2006, proc. 06P4344, entendeu que o A praticou um
crime de roubo do artigo 210º, nº 2, b), ex vi art.º 204.º, n.º 2, f), e, em concurso efectivo, um
crime de detenção ilegal de arma (na altura previsto e punido pelo artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º
22/97, de 27 de Junho, na redacção dada pela Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto). ( ) 5

Considerou-se que a punição do roubo não abarca a ofensa (autónoma) do bem jurídico
subjacente à incriminação do uso de arma ilegal, pelo que não é legítimo, no caso, falar em
consunção ou exclusão de aplicação desta incriminação, antes havendo concurso real de
infracções: “o arguido, mesmo antes de consumar o crime de roubo, transportou consigo, ao
menos enquanto se deslocou no motociclo, a arma ilegal, e assim criou perigo do seu uso,
portanto, pelo menos, desde o local onde a guardava até ao da consumação do roubo”. O
Supremo, a concluir, teve por “afastado o perigo de violação do princípio com assento
constitucional «ne bis in idem», justamente porque a cada punição corresponde um bem
jurídico ofendido”.
Caso nº 8 A e B subtraíram violentamente o chapéu e a bolsa que C transportava à cintura contendo um
telemóvel e dinheiro ocorrida na carruagem de um comboio de transporte público de passageiros
em trânsito. Acórdão do STJ de 11 de Janeiro de 2007, CJ 2007, tomo I, p. 164.
Integra a agravante qualificativa da alínea b) do n.º 1 do art. 204º do CP a actividade criminosa
perpetrada por A e B, que assim praticaram, em co-autoria. um crime de roubo dos artigos
210º, nºs 1 e 2, alínea b), e 204º, nº 1, alínea b).

4. Roubo agravado pelo resultado (artigo 210º, nº 3)


Caso nº 9 A, para roubar B, agride-o, batendo-lhe na cabeça com uma barra de ferro. A não actuou com dolo
homicida, mas deu-lhe com tanta força que B não resistiu à violência da pancada e morreu.
O artigo 210º, nº 3, é um crime agravado pelo resultado: “se do facto resultar a morte de outra
pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”. O preceito aplica-se se qualquer
dos ladrões, por negligência, causar a morte de outra pessoa, se, por ex., ao puxar da arma para
amedrontar aquele que transporta o dinheiro, provoca um ataque cardíaco na pessoa do idoso
que o acompanhava, e que acaba por morrer. “Outra pessoa”, no sentido em que se exprime o
preceito, será desde logo o visado pelo roubo enquanto sujeito passivo da violência ou ameaça.
Mas poderá ser alguém alheio ao roubo, por ex., um passante que é atingido por uma bala
disparada por um dos assaltantes como forma de colocar a vítima do roubo na impossibilidade
de resistir (aqui o determinante é a unidade da acção). Exclui-se porém a pessoa de qualquer
destes, já que a norma não protege quem, realizando um perigo de vida, se torna responsável
pela sua criação.
Para haver esta agravação, não basta que o roubo tenha sido condição sine qua non do evento
mortal. A mais disso é necessário que a morte resulte do comportamento do ladrão e do
5 Já assim também, por ex., o acórdão do STJ de 4 de Fevereiro de 1993, proc. 043128: Sendo diversos os bens
jurídicos tutelados e não operando, in casu, regras de consumação, existe concurso real de infracções entre os
crimes de detenção de arma proibida e de roubo.

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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específico perigo que lhe está associado. Exemplo: durante um roubo o ladrão envolve-se em
luta com a pessoa assaltada. Um dos tiros então disparados vai ferir mortalmente uma pessoa
que ia a passar e não teve tempo de buscar refúgio. Há quem identifique uma hipótese destas
com a aberratio ictus: tentativa de homicídio na pessoa do visado com o tiro (artigos 22º e
131º) e homicídio negligente do atingido (artigo 137º).
Certo é que tal agravação já não ocorrerá se os ladrões, pondo-se em fuga de carro, acabam
por atropelar mortalmente um peão que atravessava a rua. E se os ladrões se tivessem limitado
a roubar os medicamentos urgentes que P transportava com destino a T (“outra pessoa”), o
qual, por isso, não foi socorrido e morreu?
Considere-se agora o seguinte.
Caso nº 10 A, B e C iniciam, como combinado, um assalto aos escritórios da firma x. Sob a ameaça de armas,
obrigam todos os presentes a recolherem-se num dos compartimentos, que isolam, e começam a
reunir valores para levarem consigo. Porém, como o cofre é demasiado pesado e não conseguem
transportá-lo pelas escadas, atiram-no por uma das janelas, mas ao cair do 5º andar o cofre atinge
P, que por ali passava e que vem a morrer devido às lesões sofridas.
Não será aqui decisivo apreciar a questão do segmento temporal de aplicação do artigo 210º,
nº 3, i. é, saber se na agravação se incluem os casos letais ocorridos depois de conseguida a
subtracção — se a morte, ocorrendo já em momento seguinte ao da disponibilidade do cofre
pelos ladrões, ainda se dá no desenvolvimento deste crime, sem que isso se confunda com a
violência “depois da subtracção”, típica do artigo 211º, a qual vai obrigatoriamente
acompanhada da intenção de conservar ou não restituir as coisas subtraídas. Ainda assim, é
pertinente perguntar se, in casu, o cofre estaria mesmo na disponibilidade dos assaltantes, que
até tiveram necessidade de o atirar pela janela para acederem aos valores lá guardados. Quando
é que afinal se consumou o crime? ou, o que dá no mesmo, como é que se “rouba” um cofre?
No plano objectivo, o evento agravante tem de ser em concreto consequência adequada do
crime-base de roubo (simples), devendo averiguar-se se neste se continha um perigo típico, nos
termos antes definidos. Como também já se acentuou, podem não ser lineares as seguintes
constelações de casos: a morte de “outra pessoa” ocorre por acidente; é devida ao
comportamento de um terceiro (princípio da confiança); é devida ao comportamento da própria
vítima (princípio da auto-responsabilização). Mas não pode ser imputada aos assaltantes a
morte de quem os persegue após o roubo sem qualquer reacção destes; ou de quem morre com
os disparos do polícia que vai em perseguição do ladrão. Também se não dá a agravação deste
crime, no sentido indicado, se um passante é atingido por uma rajada descontrolada do ladrão
que procura a fuga, depois de irremediavelmente frustrada a acção; nem no caso daquele que é
atropelado pela carrinha que transporta o produto do assalto e se despista por excesso de
velocidade.
No caso anterior haverá quem afirme que o crime só poderá ser o do artigo 137º (homicídio
por negligência) em concurso efectivo com um crime de roubo (este eventualmente agravado
em razão do emprego de arma). E com razão, a nosso ver. Com efeito, a vítima morreu por lhe
ter caído o cofre em cima, mas o perigo de isso acontecer não era específico do roubo, podia
surgir dum crime de furto, executado sem violência contra as pessoas, bastando que os ladrões

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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tivessem entrado na casa ou no escritório desertos, numa altura em que ninguém mais ali se
encontrasse, e procedessem de modo idêntico com o cofre.
Não deixa de ser verdade, por outro lado, que a morte do transeunte ocorreu já depois de
empregados os meios coercivos (ameaça com arma de fogo) tendentes a colocar a pessoa
visada pelo roubo na impossibilidade de lhes resistir.
Caso nº 11 A e B fazem um cerco ameaçador a C, quando o encontram sozinho numa zona montanhosa, onde
o frio é intenso e o tempo mostra muito má cara. Pretendem, e conseguem por esse processo, que
este lhes entregue toda a roupa que levava vestida, incluindo um excelente casacão que lhe custara
mais de mil euros na semana anterior. C morre de frio ao fim de algum tempo de exposição às
intempéries.
Num caso destes, relativamente à morte de C, bem difícil seria afastar o dolo (ao menos
eventual). O castigo dos dois ladrões seria então por roubo (simples) e homicídio doloso, em
concurso efectivo: antigo crime de latrocínio — a menos que se possa sustentar diferente
solução com base no exemplo-padrão da alínea c) do nº 2 do artigo 132º, invocando-se a
avidez do ladrão (punição por homicídio qualificado, cujo desvalor consumirá o do roubo), ou
afirmando-se a relevância de qualquer outra circunstância do nº 2 do artigo 132º.
Vamos supor, no entanto, que não houve dolo homicida, ou que este se não provou — e
recordemos que o homicídio negligente só pode resultar do facto, que não poderá ter lugar
como motivo sob pena de configurar um absurdo. Consideremos que a vítima do roubo da
roupa morreu de frio, mas que o mesmo poderia ocorrer com a simples subtracção, como
naquele caso em que alguém toma banho, deixando a roupa descuidadamente à distância, e o
ladrão aproveita para lha levar, vindo o infeliz banhista a morrer num resfriado, por entretanto
se terem alterado profundamente as condições atmosféricas. O perigo do resfriamento da
vítima do roubo não é típico deste, o mesmo poderia ter ocorrido por ocasião dum simples
furto da roupa. Ainda que se possa estabelecer uma relação causal entre a violência empregada
contra C e a subtracção da roupa, cuja falta provocou a morte deste pelo frio, não existe
qualquer relação específica de risco entre os meios coactivos empregados e o evento mortal.
Consequentemente, não aplicaremos o tipo preterintencional do artigo 210º, nº 3. Chegaríamos
a idêntica solução, se o C, ao procurar um caminho de fuga, ou ao pretender chegar à
povoação seguinte o mais depressa possível para fugir duma ameaçadora tempestade, tivesse
caído no abismo por não prestar atenção ao trilho por onde caminhava.

5. Tentativa qualificada pelo resultado?


Caso nº 12 Tentativa qualificada pelo resultado? A, munido de uma pistola municiada e pronta a disparar,
dirigiu-se a B para o roubar, mas não chegou a obter esse resultado porque a arma se disparou
quando o A carregou no gatilho, estando a vítima mortal a cerca de um a dois metros. O gesto
deveu-se a imperícia, inexperiência e falta de conhecimento da forma de manuseamento da arma.
O evento agravante foi produzido através da tentativa de roubo (o roubo não chegou a
consumar-se), que se assume como o delito fundamental doloso. A tentativa é cominada com

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pena: artigos 23º, nº 1, e 210º, n 1. O evento agravante foi produzido por negligência (artigo
18º). O crime por que o A responde é o dos artigos 22º, 23º, 210º, nº 1, e 3. ( ) ( ) 6 7

Considere-se ainda o seguinte


Caso nº 13 Durante um assalto, A dispara com dolo homicida contra o proprietário do estabelecimento, B, que
fica ligeiramente ferido numa perna. Na perseguição que se seguiu, B, não obstante o ferimento na
perna, consegue subir uma escada íngreme mas fá-lo de forma tão desastrada que cai e vem a
morrer devido aos ferimentos produzidos na queda.

6. Roubo com perigo para a vida da vítima (artigo 210º, nº 2, alínea a)).
A "vítima" é aqui o sujeito passivo do delito (Actas, p. 133), em termos de compreender
qualquer pessoa sobre quem recair a ameaça ou violência: é "qualquer pessoa que ofereça
resistência à subtracção ou ao constrangimento à entrega do bem" (Conimbricense II, p. 179),
ou qualquer pessoa que venha em socorro de quem está a ser vítima da subtracção. Ponto é
que relativamente a essa pessoa se produza perigo (concreto e provindo do meio coactivo
empregue) —ou que se lhe inflija, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave
(artigos 210º, nº 2, alínea a), 144º e 148º, nºs 1 e 3).
Caso nº 14 A está a ser roubado mas B vem em seu auxílio e é igualmente agredido, ficando em perigo de vida
(ou sofrendo lesões graves).
Havendo duas vítimas, a solução (Conimbricense II, p. 180) está em punir por concurso de
crimes: roubo simples em relação a A em concurso com ofensas corporais graves em relação a
B. Justificação: o concurso não se faria com o roubo agravado, pois nesse caso haveria uma
duplicação da punibilidade tendo em conta o aspecto patrimonial do crime de roubo.
Tenha-se ademais presente que neste nº 2, alínea a), se incluem apenas as ofensas graves à
integridade física, sendo as ofensas simples abrangidas na valoração contida no nº 1 do artigo
210º (roubo simples).
Caso nº 15 A, para conseguir subtrair um anel valioso que B trazia consigo, conduz B, no seu próprio
automóvel, a um sítio deserto, e força-o aí a entregar-lhe o anel, abandonando-o de seguida, tendo
B ficado em perigo de vida quando se precipitou por uma ribanceira por ser já noite e não atinar
com o caminho.
Aqui, tudo depende de o perigo para a vida (que não é provocado por ofensas à integridade
física produzidas pelo meio coactivo contemporâneo da subtracção do anel) ser imputável ao
ladrão a título doloso ou negligente. A situação de perigo para vida negligente, não provocado
por ofensas à integridade física, fica fora da previsão da presente alínea (alínea a) do nº 2 do
artigo 210º); assim: Conimbricense II, p. 186. Se o perigo para a vida puder ser imputado ao
6 Um caso destes foi julgado pelo STJ (acórdão de 3 de Novembro de 2005, CJ 2005 tomo III, p. 193). O
Tribunal disse que não era necessário, face ao resultado não querido imputável ao arguido a título de negligência
(crime preterintencional) ficcionar a consumação do crime de roubo para punir o respectivo agente, nos termos
do artigo 210º, nº 3, do CP.

7 Imaginemos agora que A, a seguir ao disparo mortal, tinha desistido voluntariamente de levar avante a sua de
roubar a vítima. Seria caso de aplicar as consequência derivadas do artigo 24º quanto à tentativa de roubo?

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agente a título doloso, tal situação seria enquadrável no nº 2 do artigo 210º, "derrogando este
preceito a aplicabilidade do concurso efectivo de crimes — roubo simples em concurso com
crime de exposição ou abandono (artigo 138)".

V. — Um caso de instigação
Caso nº 16 A está decidido a cometer um roubo, mas B convence-o a ir armado. A estava decidido (omnimodo
facturus) a cometer um crime de roubo simples (artigo 210º, nº 1), antes da intervenção de B.
Aconselhado por este, acabou por cometer um roubo agravado ao levar consigo uma pistola
proibida, municiada e pronta a disparar, que exibiu à vítima (artigo 210º, nºs 1 e 2, b ), e 204º, nº 2,
f).
Como castigar B? Pela instigação dum crime de roubo agravado, foi a resposta dos tribunais
alemães: o homem de trás foi além da decisão do ladrão e induziu-o a um crime mais perigoso
na sua forma de execução e cujo conteúdo de ilícito é bem mais elevado. Mas a conclusão foi
muito criticada: o facto de simplesmente se exceder a decisão criminosa não significa
determinar outra pessoa a cometer o crime, por isso se não justifica a condenação pelo roubo
agravado. Como a lei sanciona autonomamente o emprego de arma proibida, a instigação será
ao crime de ameaça (artigo 153º, nº 1) e ao crime do artigo 86º, nº 1, da Lei das Armas.
Objecto de reflexão será, a mais disso, a possibilidade de castigar B por cumplicidade (psíquica)
no roubo (simples).
Na hipótese inversa, a do ladrão que estava decidido a cometer um roubo com arma, que o B
convence a não levar, parece haver uma diminuição do risco, não se justificando a punição de
B. O que se justifica é a aplicação da teoria da imputação objectiva à participação, como se vê
(cf. Kühl, p. 688).

VI. — Um caso de cumplicidade "sucessiva"


A boa compreensão da diferença entre a consumação formal ("típica") e o exaurimento
(esgotamento ou terminação) do facto punível está associada à figura da cumplicidade (artigo
27º). Há quem tenha como possível a cumplicidade "sucessiva", que ocorre quando o crime, já
formalmente consumado (no roubo já ocorreu a subtracção da coisa por meio de violência
sobre a pessoa), ainda não se encontra exaurido, terminado.
Caso nº 17 Para ajudar o ladrão que foge com o produto do roubo, A lança-se à vítima, impedindo-a, como esta
pretendia, de perseguir o criminoso.
A será cúmplice do crime efectivamente cometido, mas só se a decisão do B tiver sido anterior
à consumação típica. ( ) 8

Não será seguramente caso de cumplicidade se o crime está já terminado, i. e, exaurido. Qualquer "auxílio" será
então elemento típico de uma disposição autónoma, ou do crime do artigo 232º (auxílio material), ou do artigo
231º (receptação) ou do artigo 367º (favorecimento pessoal), que é uma forma de "encobrimento". Pense-se no

8 É de roubo impróprio (artigo 211º) a hipótese, de algum modo inversa a esta, de alguém se atirar ao ladrão
para, em flagrante delito de furto, o obrigar a restituir as coisas subtraídas, reagindo este com violência.

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caso em que A, para ser simpático com B, que já lhe prestou favores semelhantes, guarda consigo o cordão de
ouro que este, na manhã desse dia, tinha sacado com violência do pescoço da sua proprietária. Ou quando A,
sabendo que B é autor dum roubo em determinado local, onde, na atrapalhação da fuga, deixou vestígios que
imediatamente o comprometem, trata de eliminar esses vestígios, subtraindo-os à investigação policial.
A admissão da figura da "cumplicidade sucessiva" pode nalguns casos significar um
considerável agravamento da posição de quem presta auxílio, dando lugar, quando for o caso, à
imputação de partes do facto (Zurechnung von Tatteilen) ( ), propondo-se além disso o recuo
9

à fase da "consumação típica" da aplicação dos crimes autónomos do artigo 232º (auxílio
material), ou do artigo 231º (receptação) ou do artigo 367º (favorecimento pessoal),
A solução para o roubo, enquanto crime complexo (com uma dupla natureza, de coacção e
furto), deverá situar-se nos seguintes parâmetros: "se o acto de auxílio deve ter lugar, segundo
o decidido, logo após a vítima ter sido ferida mas antes de ter sido furtada, estaremos face a
uma cumplicidade no roubo; mas já não assim se o acto de auxílio se liga ao autor depois de a
violência estar já consumada: então o cúmplice só deve responder pelo acto parcial em que
efectivamente participou, no caso, pelo furto". ( ) Do que não há dúvida é que se a actividade
10

do cúmplice é accionada antes da consumação, pune-se a colaboração deste no facto alheio nos
termos do artigo 27º, o que igualmente significa que a referência se faz ao roubo agravado, se
for o caso.

VII. — Violência depois da subtracção: artigo 211º


"As penas previstas no artigo 210º são", diz o artigo 211º, "conforme os casos, aplicáveis a quem utilizar os
meios previstos no mesmo artigo para, quando encontrado em flagrante delito de furto, conservar ou não
restituir as coisas subtraídas".
É o chamado roubo impróprio.
Caso nº 18 Depois de se ter apoderado de um casaco de peles na casa de B, onde entrara subrepticiamente com
essa finalidade, A tratou de se pôr em fuga com a coisa furtada quando pressentiu que tinha sido
descoberto. Já no corredor do rés-do-chão que conduzia à saída, A desferiu um violento encontrão
em B, quando este, num derradeiro esforço para recuperar o valioso casaco, estava prestes a deitar-
lhe a mão. B deu com a cabeça num móvel e ficou momentaneamente inconsciente, tendo o A
aproveitado para pôr a presa a bom recato, não lhe passando pela cabeça ficar sem o casaco.
Estão aqui protegidos os mesmos valores do artigo 210º, pelo que, aplicando-se a norma do
artigo 211º, recuam as normas pertinentes ao furto (crime contra a propriedade) e à coacção
(crime contra a liberdade pessoal). A conduta daquele que, por meio de violência (contra uma
pessoa), de ameaça ou colocação na impossibilidade de resistir, ainda actua no sentido de
assegurar para si a coisa furtada, é considerada tão perigosa quanto a do que usa violência para
conseguir subtrair a mesma coisa. Ponto é que o faça em situação de flagrante delito, se assim
não for, o preceito não é aplicável. No caso, A não usou de violência (contra uma pessoa) para
9 As mesmas reservas valem para a chamada "co-autoria sucessiva", K. Kühl AT 4ª ed., p. 822.

10Com esta posição (de Stratenwerth) concorda o Prof. Figueiredo Dias. Formas Especiais do Crime, Textos de
apoio, Coimbra, 2004, p. 7, com outras indicações. Cf. também R. Rengier, BT I, 9ª ed., p. 133; e Jakobs AT, p.
675, a propósito do momento temporal da cumplicidade.

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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deitar a mão ao casaco, mas usou-a no momento da fuga, em que esteve na iminência de o
"perder". E fez isso para o conservar, como acabou por conseguir. São-lhe por isso aplicáveis
as penas previstas para o roubo. O mesmo é dizer que o Código trata o desenvolvimento do
que fora um simples furto como se fosse um roubo do artigo 210º, com base nessa
perigosidade. Daí que também se possa chegar à pena do nº 3 do artigo 210º, se houver
homicídio negligente, se, por ex., no caso anterior, o B em vez de ficar por breves instantes
inconsciente, tivesse morrido, sem que ao A pudesse sequer imputar-se a representação desse
resultado (artigos 15º e 18º).
Na resolução de casos práticos importa sobretudo a correcta delimitação espácio-temporal da
situação tendo-se ainda em atenção que o fim da conduta não pode deixar de ser a conservação
ou a não restituição da coisa subtraída. Se o ladrão usa da força na fuga e logo a seguir à
prática do crime, a actuação, dizem os alemães, ocorre "auf frischer Tat", em situação de
flagrante, dizemos nós. Para além da perseguição à vista ( ), o caso mais evidente será o do
11

ladrão que é encontrado nas imediações do local do crime, logo a seguir a tê-lo cometido, e
com os objectos (alheios) que o comprometem —no sentido de demonstrarem que acabou de o
cometer. Uma boa orientação colhe-se da definição contida no artigo 256º do CPP, que
distingue o flagrante delito, o quase flagrante delito e a presunção de flagrante delito. Em
qualquer destes casos, a actuação do agente aparece como actual e evidente, assegurando que
a proximidade do furto permanece na situação típica do roubo impróprio (Eser, S/S, 25ª ed., p.
1769).
Todavia, se o agente ainda está a subtrair a coisa e usa de meios violentos para acabar de o
fazer, o crime é obviamente o de roubo do artigo 210º. Esta precisão é importante, como
importante é a boa compreensão das teorias sobre a consumação do furto. Recordar-se-á que,
nesta matéria, "nem contrectatio nem illatio"; e que a vitória das doutrinas intermédias vai por
vezes acompanhada da exigência, para a consumação, de um mínimo de tempo que permita
dizer que um efectivo domínio de facto sobre a coisa é levado a cabo pelo agente.
Caso nº 19 A, que acedeu a deslocar-se aos escritórios do supermercado —depois de ter passado a zona das
caixas sem pagar diversos objectos, ali expostos para venda, que momentos antes escondera no
corpo—, pousou tudo o que tinha subtraído, por "já não querer nada disso", e virou-se à pancada
aos funcionários presentes.
Faltando a intenção de conservar ou não restituir as coisas subtraídas, o caso não cai na alçada
do artigo 211º.
Caso nº 20 A e B, mancomunados, deitaram a mão a dois envelopes que se encontravam no balcão da loja de C,
onde tinham entrado com o propósito de levaram o que lhes fosse possível. Ambos conseguiram
abandonar o estabelecimento sem levantar suspeitas e, a uns 200 metros dali, o A começou a
reclamar a sua parte. B, que queria fazer a divisão só quando estivessem bem longe, não convenceu
o companheiro que, irritado, deu duas violentas pancadas no outro abandonando em seguida o
local, a correr, com o produto do furto, garantindo que ia ficar com tudo.
Também aqui se não mostram presentes os necessários elementos do crime do artigo 211º. Já
para nós é duvidoso o caso julgado pelo BGHst 26 95, que negou a necessária proximidade de
11 O facto é tipicamente evidente sempre que o ladrão é apanhado sem que a perseguição tenha sido
interrompida (BGHSt 28, 224, 228).

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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tempo e espaço (flagrante), quando a vítima, a quem um seu companheiro de viagem subtraíra
a carteira do casaco que ia pendurado no interior do autocarro, só se deu conta do furto no
final da viagem, umas horas depois, tendo então o ladrão tentado conservar a carteira alheia
por meios violentos.
Se, em vez do furto, o crime subjacente (Vortat) for o roubo, há algumas dificuldades a
assinalar, nomeadamente no regime concursal. ( ) 12

Caso nº 21 Roubo como facto prévio. A usa de violência para subtrair a carteira a B e, depois, após a
subtracção, usa de novo violência sobre o mesmo B para garantir a conservação da presa,
provocando, desta segunda vez, ofensas à integridade física graves.
Se o ladrão usou violência para subtrair e com as coisas já em seu poder exerce de novo
violência para as conservar, o crime será o de roubo em concurso (efectivo) com o de ofensa à
integridade física (se esta ocorrer, podendo também verificar-se ameaça), evitando-se a
duplicação de punições que aconteceria com a punição pelo crime de roubo subjacente em
concurso com o crime de roubo impróprio. Mas se o facto prévio tivesse constituído um roubo
simples (artigo 210º, nº 1), como no caso anterior, a violência depois da subtracção (a "segunda
violência"), remetendo para as molduras penais do artigo 210º, nº 2, alínea a), consumiria o
(anterior) roubo simples.
Caso nº 22 A usa de violência com B para lhe subtrair um bem e na fuga vira-se à policia, usando novamente
de violência para conservar o que anteriormente tirara e provocando ofensas corporais graves.
Agora, as vítimas são diferentes. Por conseguinte: roubo simples em relação a B e ofensas
corporais em relação ao agente policial.
Vejamos ainda um outro caso, que está ligado à questão de saber se o autor do crime do artigo
211º tem que se identificar com o autor do crime prévio que levou a efeito a subtracção das
coisas.
Caso nº 23 J comete um crime de furto; V, seu amigo, não tem qualquer interesse nas coisas subtraídas, mas
fica de vigia. Ambos são no entanto observados por X, que os persegue. E como o V se desembaraça
melhor que o J, é ele quem se põe em fuga com as coisas furtadas. Quando o X apanha o V, este
vira-se contra ele a murros e pontapés, para poder conservar as coisas para o amigo. Exemplo de
Volker Krey, BT Band 2, p. 98.
V não actuou com intenção de se apropriar das coisas, falta-lhe uma qualidade, própria de
quem furta, é apenas cúmplice do furto previamente cometido por J. Se V não tem qualquer
intenção de se apropriar das coisas subtraídas não se lhe poderá imputar a intenção de as
conservar. Esta intenção só poderá atribuir-se a quem tiver chamado a si a autoria do crime
anterior. Conclusão: a conduta de V apenas seria susceptível de se integrar num crime de ofensa
à integridade física (ou de coacção). A partir desses considerandos, sustentados por uma parte
da doutrina alemã ( ), o Conimbricense conclui que "um cúmplice no furto que venha ajudar o
13

12Geppert Jura 1990, p. 559; Kindhäuser BT II Teilband 1, p. 270; Rengier BT II, p. 160; Conimbricense II, p.
198.

13Eser (S/S 25ª ed., p. 1769) apoia-se em ser o roubo impróprio, tal como o roubo, uma combinação de furto e
coacção, só podendo ser seu autor quem reunir na sua pessoa esses dois elementos e realizar o elemento

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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autor com meios de coacção, para este conseguir a conservação do bem em seu poder, só
poderá ser cúmplice" no subsequente crime de roubo impróprio; "se o autor do furto não reage
e é apenas o cúmplice do furto que actua, então, responderá autonomamente, como autor, pelo
crime que cometer".
Cremos, no entanto, que o desenho típico do artigo 211º não se opõe a uma opinião diversa. ( ) 14

Partindo do princípio, que julgamos correcto, que nele se protegem os mesmos valores que
presidem à incriminação do roubo (tutela da propriedade e da liberdade individual), então,
quem "utilizar os meios" do roubo para defender a detenção (insegura) das coisas ilegalmente
subtraídas por outrem será autor do crime de roubo impróprio, desde que concorram os
restantes pressupostos. Qualquer pessoa pode encontrar-se nessa situação, independentemente
de ter sido reconhecida como o autêntico ladrão das coisas, bastando que o agente se convença
que uma testemunha dos factos o tomou como tal. No nosso caso, V seria autor do crime do
artigo 211º, uma vez que o X era para ele, no momento em que o esmurrou para defender as
coisas furtadas pelo amigo J, um mero obstáculo físico, tal qual uma parede que se interpunha
na sua marcha.

VIII. — O crime de extorsão (artigo 223º)


A extorsão (artigo 223º, nº 1) significa um constrangimento a uma disposição patrimonial que
causa prejuízo com intenção de conseguir enriquecimento ilegítimo para o agente ou para
terceiro. Na sistemática do código é crime patrimonial (para a perfeição exige-se um prejuízo)
em que está em causa a liberdade de disposição.
No nº 3 pune-se qualificadamente a extorsão consistente na ameaça de revelação, por meio da
comunicação social, de factos que possam lesar gravemente a reputação da vítima ou de outra
pessoa (chantagem).
O crime de extorsão de documento aparece desenhado no nº 4, "se [o agente] obtiver, como
garantia de dívida e abusando da situação de necessidade de outra pessoa, documento que
possa dar causa a procedimento criminal". Pretende-se com esta incriminação "coibir os torpes
e opressivos expedientes a que recorrem, por vezes, os agentes da usura, para garantir-se
contra o risco do dinheiro mutuado" (por ex., forjando-se no título de dívida a firma de algum
parente afastado, "de modo que, não resgatada a dívida no vencimento, ficará o mutuário sob a
pressão da ameaça de apropriação indébita ou falsidade"). ( ) 15

I. Tipicidade
1. Tipo objectivo

subjectivo do ilícito que é a intenção de apropriação, própria do furto.

14Veja-se sobretudo Rengier BT I, p. 156; e na resolução dum caso prático Walter Gropp, Georg Küpper e W.
Mitsch, Fallsammlung zum Strafrecht, 2002, p, 254.

15 Leal-Henriques / Simas Santos, em anotação à correspondente incriminação.

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a) Meios de constranger outra pessoa; violência (que não tem de ser necessariamente contra essa pessoa,
podendo mesmo ser contra coisas) ou ameaça com mal importante.
b) Resultado coactivo: uma disposição patrimonial que acarrete prejuízo para o coagido ou para outrem
c) Relação meio-fim
2. Tipo subjectivo
a) Dolo
b) Intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo
3. Ilegitimidade do enriquecimento intencionado e dolo correspondente.
II. Ilicitude
III. Culpa
(Estrutura do crime de extorsão simples do artigo 223º, nº 1)

1. Os meios coactivos da extorsão (artigo 223º, nº 1)

a) São os mesmos com que se tece o artigo 154º: violência ou ameaça com mal
importante.
Já não se utiliza o complemento "ou pondo-a na impossibilidade de resistir", que foi retirado na
revisão de 1995: "falar da redução de uma pessoa à impossibilidade de reagir (a um acto
ilícito), depois de ter falado em violência, era inútil redundância", escreve o Prof. Taipa de
Carvalho, Conimbricense II, p. 344. Para o ilustre comentador, tal apuramento da redacção do
artigo 223º, nº 1, terá contribuído para esclarecer casos como o tratado no acórdão do STJ de
26 de Fevereiro de 1992 BMJ 414, p. 251, de alguém que guiando a mão alheia faz com que
esta, em seu próprio prejuízo, assine cheques de que o sujeito se apodera em seguida. O
Supremo tinha resistido a qualificar como extorsão a conduta de quem se aproveitava de uma
pessoa se encontrar debilitada para a fazer assinar um documento, uma vez que, na época, a
norma incriminadora acrescentava a expressão "ou pondo-a na impossibilidade de resistir" e, no
caso, a vítima já estava impossibilitada de resistir antes da intervenção criminosa. A conduta de
quem guiava uma mão inerte foi enquadrada nos crimes de falsificação e burla, negando-se a
existência quer de furto quer de extorsão, em atenção ao princípio da tipicidade. Hoje parece
(assim, Taipa de Carvalho) que nada obsta à qualificação de uma tal conduta como violência e
consequentemente a enquadrá-la na extorsão.
A nosso ver, o facto de se ter eliminado do artigo 223º, nº 1, a expressão "ou pondo-a na
impossibilidade de resistir" explica-se pela circunstância de no preceito a perfeição do crime
estar dependente de um efectivo prejuízo, mas um prejuízo causado por uma disposição
patrimonial, típica dos crimes contra o património em geral. A extorsão é um crime patrimonial
e um crime de dano do próprio ou de terceiro, mas sempre produzido por uma disposição
patrimonial. Aquele que faz a assinatura "comprometedora" com a mão inerte de outrem,
aproveitando-se da situação da vítima, que lhe não pode resistir, e que com isso consegue
deitar a mão ao alheio, não se encontra "na posição" de quem pratica um acto de disposição.

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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Quem guia a mão de outrem faz dele instrumento das suas ambições. Neste contexto, os meios
coactivos da extorsão reduzem--se, de modo necessário, ao emprego da vis compulsiva.
Atento o relevo do Conimbricense e o enorme e merecidíssimo prestígio da Escola de
Coimbra, só fica bem que, na resolução de casos práticos, se não passe por alto que se trata de
"um crime cuja descrição típica é muito complexa, tornando-se, por vezes, difícil a decisão
sobre a qualificação jurídica de uma conduta como crime de extorsão ou de roubo". Deve
sobretudo compreender-se que a inclusão na extorsão daquele que sofre os efeitos dum
acidente vascular cerebral, mas "dá" a mão a quem faz a assinatura, exige que o
"aproveitamento" dessa impossibilidade de oferecer resistência seja qualificado como
"violência", que efectivamente é elemento típico da extorsão.
Esta posição (que trata a extorsão como uma variante do roubo) não se compromete com o
roubo, por não ser a "disposição patrimonial" (o "objecto da conduta" escreve o Prof. Taipa de
Carvalho) "coisa móvel". Ora, mesmo quando se concorde que a conduta que aqui releva não é
seguramente a da vítima, que não está em posição de dispor do que quer que seja, a posição do
Conimbricense não poderá ser ignorada na resolução de casos e eventualmente perfilhada. Para
isso há um razoável ponto de partida, o de ser a extorsão o complemento natural do roubo,
embora um e outro o sejam também do furto. Parece aliás que isso mesmo se quis consignar
nas Actas. E se assim é, o que não for roubo nem furto deverá, sem violência ao princípio da
legalidade, cair na extorsão. ( ) 16

b) Tal como vemos os dois tipos de ilícito, no roubo a vítima fica sem alternativa
No roubo, a vítima fica sem alternativa se não dá a bolsa, dá a bolsa ... e a vida: cumprindo-se
a ameaça, o ladrão “leva-lhe” as duas. Mas na extorsão, se o delinquente "levar" a vida da
vítima (ou de terceiro), não consegue o seu objectivo principal se a vantagem patrimonial não
for satisfeita. A ameaça do género “a bolsa ou a vida” significa que a vítima tem de escolher
entre a simples perda de uma coisa e perder também a vida. Vendo as coisas na perspectiva do
que havia a perder, para quem foi roubado não ficou qualquer liberdade de escolha. Na
extorsão, a vítima continua com alguma liberdade de escolha, ainda que em medida mínima. Se
alguém tem uma pistola apontada à cabeça e, coagido, não verga, se opta por levar o tiro, já
não fica em condições de assinar. Se o extorsionário não consegue os seus propósitos, porque a
vítima se recusou a assinar e continua viva, o crime não passa da tentativa. Se a vítima "assina"
como mero instrumento do outro que lhe guia a mão, não será de extorsão que se trata mas,
em primeira linha, de falsificação e coacção, eventualmente grave, sem prejuízo de se detectar
ainda um crime contra a propriedade.
Ainda nesta perspectiva, as diferenças entre a extorsão e o roubo não se explicam somente por
na maior parte dos roubos o ladrão fugir com a coisa que é subtraída logo ali, em acto seguido
ou simultâneo ao do emprego da violência. Este modus operandi não é típico da extorsão —
nesta, cedendo o coagido, a vantagem patrimonial vem depois, de tal forma que a vítima como
16 No direito alemão, uma das posições assumidas aceita formas de violência absoluta contra a pessoa. Isso só
acontece porque o preceito correspondente (o § 253) não supõe, entre os correspondentes elementos típicos, uma
disposição patrimonial. Mesmo assim, a solução é altamente discutível (Kindhäuser BT II, p. 274).

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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que colabora com o criminoso. Para a violência fica sempre, obviamente, um papel, basta
pensar no extorsionário que primeiro manda a fábrica do empresário pelos ares e que, em
seguida, põe a vítima perante a alternativa de pagar ou sofrer um mal ainda maior. A lei não
exige que a violência tenha de ser actual, nem o perigo imediato, não tendo igualmente que ser
contra as pessoas. Se a vítima paga (dispondo do seu património), compra com isso o fim da
coacção e, eventualmente, livra-se dela no futuro. Os bens jurídicos protegidos são o
património e liberdade pessoal.

c) Outras particularidades a considerar


Caso nº 23 A enviou a B uma série de cartas e fez telefonemas, tudo sob anonimato, em que ameaçava B da
prática de algum mal importante, conseguindo que este lhe entregasse bens e valores.
Não estamos a ver ninguém a roubar pelo telefone. O elemento que distingue o crime de roubo
do de extorsão é a forma de actuação do agente que tentámos caracterizar. Comete um crime
de extorsão e não de roubo o agente que, por meio do recurso a cartas e telefonemas anónimos
em que ameaça o lesado da prática de algum mal, consegue que este lhe entregue bens ou
valores (acórdão da Relação de Évora de 24 de Março de 1987, BMJ 366, p. 590; CJ, ano XII,
t. 2, p. 315).
Caso nº 24 Os dois agentes da policia no momento em que começam a investigar um acidente em que interveio
o ofendido, logo dele recebem algum dinheiro para não procederem judicialmente, ameaçando-o de
que fariam a participação por esse acidente se ele no dia seguinte não lhes entregasse mais
dinheiro.
Comete o crime de extorsão o agente da PSP que, na sequência de acidente de viação
supostamente provocado pela conduta contravencional de uma pessoa, informa-a de que teria
de ser imediatamente detida e conduzida ao posto policial, colocando-a em estado de grande
embaraço e agitação e, servindo-se do constrangimento criado, exige, em troca da não
concretização dessas medidas, a entrega imediata —conseguida— da quantia de 100 contos.
No crime de extorsão é irrelevante que esse mal seja justo ou injusto, uma vez que, mesmo
quando o agente tenha o direito de infligir o mal ameaçado, essa ameaça, enquanto meio de
praticar um crime, fá-lo cair na alçada deste normativo. No crime de extorsão a ameaça não
tem que ser para a vida ou integridade física, podendo incidir também sobre a honra, a
reputação, o crédito comercial, o nome profissional ou artístico, a tranquilidade familiar ou
pessoal (acórdão do STJ de 10 de Outubro de 1996, CJ 1996, tomo 3, p. 156; e BMJ 46, P.
574). Verifica-se a ameaça causadora de constrangimento do crime de extorsão pela afirmação
dos dois arguidos (feita de modo sério ao ofendido), que o caso era muito grave pois, por
causa dele, teria de ficar sem carta de condução e de ir responder em tribunal, apresentando-se
os arguidos como guardas da PSP em serviço.
Em suma: há afinidades com o roubo, que é o complemento natural da extorsão. Mas os meios
de constrangimento não se identificam necessariamente. Na extorsão, a ameaça pode ser à
honra (Actas, acta nº 9, p. 146) e a violência não tem que ser contra uma pessoa. O núcleo do
tipo é dado pelo verbo constranger, que é aqui empregado no sentido de forçar, coagir e
obrigar a determinada acção, omissão ou inacção, ou a tolerar algo, que tenha as características

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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de uma disposição patrimonial. A violência a que o nº 1 do artigo 223º se refere abrange


qualquer forma, física ou psíquica, mas é também a violência sobre coisas.
Os casos de ameaça (activa) por omissão nem sempre se detectam facilmente. Considere-se o
Caso nº 25 A convence B, que ele sabe estar desempregado, que pode mover empenhos junto de C, pessoa
influente, mas que é preciso "entrar "com 1000 euros. B paga.
Aqui, A não emprega ameaça, limita-se a apontar para uma melhoria da situação de B,
deixando ficar claro que isso só acontecerá se ele pagar. Os 1000 euros não foram conseguidos
por extorsão. O caso mostra como é difícil ameaçar tipicamente com uma omissão. Os dois
policias prometem que contra a paga de 1000 euros não procedem contra o condutor, ficando
entendido que doutro modo não lhe asseguram uma vantagem. Só que esta é proibida, pelo
que a quantia recebida é fruto de extorsão. Se A, comerciante, promete retirar a queixa crime
feita contra a sua empregada por furto, contra o pagamento do prejuízo sofrido, e a empregada
paga, o comportamento não é típico da extorsão. A ameaça consiste em não fazer parar o
processo, o que representa um "não fazer" inteiramente lícito.
Se se produzir perigo para a vida da vítima ou se se lhe infligir, pelo menos por negligência,
ofensa à integridade física grave, ou se do facto resultar a morte de outra pessoa, a extorsão é
qualificada, nos termos do nº 3. Por outro lado, se a violência é contra a pessoa do visado e
determina logo a entrega de uma coisa móvel, o crime será o de roubo—, não ocorre a
disposição patrimonial que é elemento típico do artigo 223º. Tudo depende das circunstâncias.
Pode haver elevada violência contra coisas, por exemplo, a destruição de um estabelecimento
comercial, cujo proprietário se recusou a pagar a “protecção” concedida, ou ameaça com mal
importante que não visa directamente qualquer pessoa, como no caso de fogo posto. Na
violência ou ameaça contra terceiro(s), o visado pode ser ainda uma pessoa por quem o
constrangido se sinta responsável, mas estes casos convocam na maior parte das vezes a
tomada de reféns. O “simples aviso” não se identifica com qualquer forma de constrangimento,
pois o requisito mínimo para que a disposição patrimonial seja consequência necessária da
actuação sobre a vontade da vítima é a ameaça com mal importante.
O tipo subjectivo sobrepõe-se ao da burla comum. Exige-se agora, expressamente, a intenção
de conseguir um enriquecimento ilegítimo. Não havendo essa intenção, e estando reunidos os
restantes elementos típicos, pode haver, por exemplo, um crime de ameaça.

IX. — Outras indicações

1. Emprego de violência e subtracção de coisa alheia / subtracção de coisa alheia e


emprego de violência; emprego de violência e disposição patrimonial que acarreta
prejuízo.
Hipóteses:

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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— A violência que o agente emprega para conseguir a subtracção, batendo na cabeça da


vítima com uma barra de ferro, chegou a pôr em perigo a vida desta.
— A violência que o agente emprega para conseguir a subtracção, batendo na vítima
conscientemente, é de tal ordem que chega até a perfurar-lhe irremediavelmente um dos
olhos.
— Durante o assalto à mão armada a vítima tem um ataque cardíaco e morre.
— O agente assalta a vítima na parte da manhã; o mesmo agente volta a assaltar a mesma
vítima nesse mesmo dia à tarde.
— O agente dá dois murros na vítima para conseguir que esta lhe entregue os 25 euros que
leva consigo.
— O agente mata e depois forma a intenção de se apoderar da coisa (homicídio e furto,
eventualmente qualificados).
— O agente mata para se apoderar da coisa alheia ("latrocínio": roubo acompanhado de
homicídio voluntário).
— O agente que praticou um roubo mata uma testemunha incómoda (outra pessoa): alínea
f) do nº 2 do artigo 132º).
— O agente que praticou um roubo, espontaneamente mata a vítima do roubo para o
encobrir (alínea f) do nº 2 do artigo 132º).
— O agente subtrai a carteira que B tinha em cima de uma mesa e depois, porque não
gosta da cara deste, dá-lhe dois murros
— O agente subtrai a coisa e, para conservá-la, usa os meios do roubo (artigo 211º).
— A usa de violência para subtrair o bem a B e, depois, estando o crime consumado (após
a subtracção), usa de novo violência sobre o mesmo B para garantir a detenção,
provocando, desta segunda vez, ofensas à integridade física graves.
— A usa de violência com B para lhe subtrair um bem e na fuga vira-se à policia, usando
novamente de violência para conservar o que anteriormente tirara e provocando ofensas
corporais graves.
— O agente subtrai primeiro, cometendo depois o homicídio (furto acompanhado de
homicídio).
— O assaltante ameaça a dona e a empregada da loja com uma seringa que diz estar
infectada; quer todo o dinheiro da caixa, que está à guarda das duas.
— O assaltante ameaça o cliente e o dono da loja com uma pistola; quer que este lhe dê o
dinheiro da caixa.
— O assaltante dispara para o tecto para intimidar os empregados do Banco e a bala, por
ricochete, vai matar um cliente: cf. o artigo 210º, nºs 1 e 3.
— O assaltante, de pistola em punho, leva todo o dinheiro da vítima: 50 euros.

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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— A, munido de uma arma, constrange B a assinar-lhe uma declaração de dívida, sem que
esta exista (artigo 223º, nºs 1 e 3, alínea a), e 204º, nº 2, alínea f)).
— A, para conseguir a assinatura de B numa declaração de dívida inexistente, derramou-
lhe na cara um produto com acção corrosiva. Não obstante B ter sido socorrido e
submetido a duas intervenções cirúrgicas, sofreu 200 dias de doença com
impossibilidade para o trabalho e ainda desfiguração grave e permanente (artigo 223º,
nºs 1 e 3, alínea a), e 210º, nº 2, alínea a).
— A sabe perfeitamente que seu tio B é doente cardíaco. Apesar disso, porque quer a
assinatura de B numa declaração de dívida inexistente, aponta-lhe uma pistola à cabeça.
B ainda chega a fazer a sua assinatura, mas no momento seguinte cai no chão,
fulminado: A não previu tal resultado (artigos 223º, nºs 1 e 3, alínea b), 210º, nº 3, 15º e
18º).
— A sabe perfeitamente que seu tio B é doente cardíaco. Apesar disso, porque quer a
assinatura de B numa declaração de dívida inexistente, aponta-lhe uma pistola à cabeça.
B ainda chega a fazer a sua assinatura, mas no momento seguinte cai no chão,
fulminado. A, que previu esse mesmo resultado, conformou-se com a ocorrência do
mesmo (artigos 223º, nº 1, e 131º).

2. Roubo, extorsão, coacção.


Caso nº 26 A inicia viagem no táxi de B. No caminho, A pede ao motorista que pare, sai e aponta-lhe uma
pistola, obrigando-o a largar o táxi. A pega então na viatura e começa a dar voltas com ela até que a
polícia o faz deter-se. A explicou então que não queria apropriar-se do carro mas dar apenas umas
voltas com ele e entregá-lo de novo ao taxista.
A empregou os meios do roubo, mas não tinha intenção de apropriação, que é elemento do
artigo 210º, nº 1. Empregou igualmente os meios da extorsão, mas é duvidoso que o facto de
pegar no táxi para com ele dar uma voltas corresponda a uma disposição patrimonial, no
sentido do artigo 223º, nº 1. Para além do uso do veículo (artigo 208º, nº 1), A terá cometido
unicamente um crime de coacção do artigo 154º, nº 1.

3. Coacção, ameaça, furto, roubo, extorsão, burla.


Caso nº 27 A consegue imobilizar B e viola-a. Depois de a ter violado, A leva todo o dinheiro e objectos de valor
que a mesma transportava consigo.
O emprego da violência teve por objectivo conseguir as condições para A violar B, impedindo-
a de resistir. Para subtrair o dinheiro e os valores, não necessitou A de empregar de novo a
violência. Se pudermos comprovar que desde o início o A tencionava também levar consigo os
pertences de B, ou que o caso reflecte uma violência que permanece até ao último acto, ao

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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crime de violação acresce o de roubo, por haver um claro nexo objectivo entre essa mesma
violência e a subtracção (relação meio-fim). ( ) 17

Caso nº 28 A quer violar uma mulher e para isso dirige-se a uma garagem nos fundos dum prédio de grandes
dimensões, pondo-se à espreita, escondido atrás duma coluna. Quando B se aproxima e se prepara
para abrir o carro, A atira-se a ela, por detrás e de surpresa, derrubando-a. Ata-a, em seguida, de
pés e mãos com uma corda que trazia no bolso e faz-lhe uma mordaça com a gravata — tudo para
conseguir as práticas sexuais que se propusera. Só que, no momento decisivo, repara na carteira de
B, põe-se a revistá-la, mas não encontra dinheiro. Pega, todavia, no cartão multibanco de B, a
quem, com uma navalha nas mãos e as palavras “senão retalho-te a cara”, ordena que lhe dê o
número secreto, ao mesmo tempo que lhe retira ligeiramente a gravata da boca. Logo que consegue
decorar o código, A abandona sem mais a vítima, amarrada e amordaçada, no local, e dirige-se a
um caixa multibanco, apropriando-se aí de 300 euros da conta de B. Por fim, inutiliza o cartão
multibanco e deita-o para o lixo, gastando depois o dinheiro em seu proveito.
Punibilidade de A?
A começou por ofender B, voluntária e corporalmente, derrubando-a, inclusivamente. A ofensa,
prevista no artigo 143º, nº 1, poderá ser qualificada pelo emprego de um expediente insidioso,
como é a espera, a emboscada, o disfarce, a surpresa (artigos 143º, nº 1, 146º, nºs 1 e 2, e 132º,
nº 2, alínea h).
Indicia-se, por outro lado, um crime de violação tentado (artigos 22º, nºs 1 e 2, alínea c), e
164º, nº 1). É verdade que o A nada mais fez para concretizar o seu plano inicial de violação
— mas não é possível sustentar que voluntariamente terá desistido de prosseguir na execução
desse crime. Se A tivesse desistido relevantemente [o que claramente não aconteceu], a
tentativa de violação deixaria de ser punível (artigo 24º, nº 1), não sendo razoável afirmar que
houve uma coacção sexual consumada (artigo 163º, nº 1), pelo que também o agente não seria
punível por este crime.
A tipicidade do artigo 158º, nº 1, mostra-se do mesmo modo preenchida (cf. também o artigo
160º, nº 1, alínea b). A amarrou a mulher, privando-a da liberdade de locomoção (jus
ambulandi), da liberdade física, a liberdade de movimentos — impediu-a, em suma, de se
movimentar, e por um tempo apreciável, com o que o ilícito se consumou.
Terá havido roubo do cartão multibanco? Comprovadamente, houve violência contra uma
pessoa. A subtraiu o cartão multibanco de B, coisa que sabia alheia, com intenção de dele se
apropriar para levantar o dinheiro, e sem intuito de restituição a B ou à instituição que o
emitira. No roubo, todavia, para a subtracção exige-se uma relação de meio-fim entre o ataque
à pessoa e o ataque à coisa, o emprego da violência deve ser um meio para conseguir ou para
assegurar a subtracção (fim) — e isso não terá acontecido no caso em apreço, pois a violência
foi exercida com outras finalidades, não para a subtracção do cartão multibanco. Não se
verifica, por isso, o crime do artigo 210º, nº 1, mas pode afirmar-se o furto do cartão: artigo
203º, nº 1, ainda que se ignore o valor do mesmo. Uma outra hipótese consiste em tratar a
subtracção do cartão multibanco que vai servir para tirar dinheiro do caixa, usando o ladrão o
código secreto, como um acto anterior não punido, de forma idêntica à subtracção da chave de

17Caso contrário, o crime patrimonial só pode ser o de furto, porque então a violência usada não desempenha
qualquer papel na subtracção.

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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uma viatura de que alguém se pretende apropriar ilegitimamente. A solução correcta encontrar-
se-ia no âmbito do concurso aparente de normas, por ser caso de consunção.
Igualmente se mostra preenchida a tipicidade dos artigos 153º, nº 1 (ameaça) e 154º, nº 1
(coacção), pois B foi constrangida a revelar o número secreto, com a ameaça do emprego da
navalha — crime contra a integridade física. Considere-se ainda a hipótese da coacção grave do
artigo 155º, nº 1, na medida em que foi exercida quando B estava particularmente indefesa, por
se encontrar amarrada de pés e mãos. A ameaça do emprego iminente da navalha pode integrar
um crime-meio para o A conseguir a disposição patrimonial (os 300 euros) a seu favor e à custa
da vítima (extorsão agravada: artigos 223º, nºs 1 e 3, a), e 204º, nº 2, alínea f). Ainda assim,
haverá que ponderar se esses factos não se integrarão mais correctamente no crime de roubo
(artigos 210º, nºs 1 e 2, alínea b), e 204º, nº 2, alínea f). A retirada dos 300 euros poderá
entender-se como o exaurimento deste crime.
Finalmente, analise-se ainda o crime de burla informática (artigo 221º, nº 1): o número secreto
e o que consta da banda magnética do cartão são dados, no sentido deste artigo, e o cartão foi
introduzido num sistema informático. A utilizou dados sem autorização, pelo que o crime estará
consumado. A inutilização final do cartão representará um acto posterior co-punido. Veja, a
propósito, entre outros, o acórdão do STJ de 6 de Outubro de 2005 CJ 2005, tomo III, p. 179
(neste caso houve utilização posterior do cartão e do código, após o roubo da carteira onde se
encontravam).
Ficam para resolver, do mesmo modo, os inevitáveis problemas de concurso.

4. Roubo e sequestro em concurso efectivo?


Caso nº 29 A introduziu-se na viatura da ofendida B e esperou cerca de 3 horas pela chegada desta para roubar
o dinheiro que ela tivesse consigo. Quando B colocou o veículo em marcha saiu da mala, abordou-a,
pelas costas, com um gorro na cabeça e empunhando, na sua mão direita, um canivete que lhe
apontou Como B não tivesse dinheiro mas cartões Multibanco, fê-la conduzir o veículo por diversas
localidades para encontrar uma caixa Multibanco e depois passou a conduzir o veículo, amarrando
os pulsos da ofendida atrás das costas tapando-lhe a visão frontal, durante mais de uma hora e
acabando por subtrair o automóvel e a carteira.
Além da punição por roubo deveria neste caso punir-se o A por sequestro? Considere as
seguintes duas perspectivas:
a) Deve concluir-se pela existência de concurso aparente se a duração da privação da liberdade
da locomoção não ultrapassa a medida naturalmente associada à prática do crime-fim uma vez
que como tal é já considerada pelo próprio legislador na descrição típica e na estatuição da
pena; b) O concurso é efectivo quando a privação da liberdade se prolonga ou se desenvolve
para além daquela medida, apresentando-se a violação do bem jurídico em extensão ou graus
tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela incriminação do crime de
roubo.
O STJ vem no entanto entendendo uniformemente (acórdão do STJ de 2 de Outubro de 2003,
publicado na RPCC 15 (2005)) que a violência empregada na subtracção “deve ser adequada e
proporcionada à obtenção do resultado ‘subtracção’; se ela for excessiva, o agente cometerá,

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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para além do crime de roubo e, em acumulação com este, o crime correspondente ao


enquadramento penal do excesso da violência utilizada”. Pode assim existir em acumulação os
crimes de roubo e de sequestro quando o agente, para subtrair diversos bens ao lesado, para
além da agressão física, se socorre de violenta privação da sua liberdade. Haverá concurso
efectivo quando se podia roubar sem tanta violência.
Na “anotação” (Cristina Líbano Monteiro) ao anterior acórdão coloca-se o problema nos
seguintes moldes: “em que momento se ultrapassa a fronteira do crime complexo de roubo e se
torna necessário convocar outro tipo legal para acautelar um bem jurídico que a norma
incriminadora do roubo também protege?”. Ora, “não será suficiente a moldura penal do roubo
para nela encontrar a medida da pena adequada a este tipo de comportamento? Precisamente
por ela própria ser já, de algum modo, uma moldura de concurso, a penalidade do roubo
oferece uma amplitude bastante para distinguir não só entre bens jurídicos atingidos (penso
agora sobretudo nos pessoais, que podem variar), como também entre lesões mais e menos
profundas ou extensas de cada um deles. (Para além de permitir ainda avaliar a gravidade da
‘parte’ patrimonial do delito)”. De qualquer forma, para além dos “casos normais”, a anotadora
não põe de parte a possibilidade de encontrar casos de concurso efectivo entre roubo e
sequestro: “Além das hipóteses de claro desfasamento contextual e daquelas em que há vítimas
diferentes”, outras porventura existirão (roubo praticado durante um sequestro prolongado e já
em curso…).

5. Um roubo? dois roubos?


Caso nº 30 No interior do banco, A sacou de um objecto com a aparência de uma pistola de calibre 6,35 mm e
apontando-o na direcção do peito do primeiro caixa, disse-lhe: "É um assalto! Já para cá o
dinheiro!". Por temer que viesse a disparar contra si, o funcionário acedeu à exigência do A,
entregando-lhe todo o dinheiro em notas que na altura se encontrava nessa sua caixa, no montante
total de € 4.280,00. Após recolher as notas de euro, o arguido dirigiu-se ao outro funcionário da
agência bancária, a quem, apontando-lhe o dito objecto com aparência de uma pistola, ordenou que
lhe entregasse todo o dinheiro existente na sua caixa, o que este veio a fazer por se sentir assustado
com a arma que o A lhe apontava, entregando-lhe toda a quantia que na altura dispunha, no
montante de € 505,00. Depois, o arguido meteu as quantias em dinheiro que lhe foram entregues
dentro de um saco plástico que consigo trazia para esse efeito.
É apenas de um crime de roubo que se trata. Não se pode considerar terem sido cometidos
tantos crimes de roubo quantas as pessoas ameaçadas ou constrangidas. No caso, quem foi
desapossado do dinheiro foi o banco e não cada um dos empregados. Nenhum destes foi
despojado de bens ou valores que lhes pertencessem. O crime de roubo é um só, sob pena de
duplicação da punibilidade, tendo em conta o aspecto patrimonial do roubo. Conclusão donde
derivará, quanto a nós, uma outra: a de que a importância do elemento pessoal no tipo legal do
roubo é susceptível de implicar a autonomização de um dos crimes (crimes - meio) contra a
liberdade pessoal, entrando a concorrer efectivamente com o crime de roubo.

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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6. Furto, roubo, receptação


Caso nº 31 A, ao volante do seu automóvel, dirige-se ao posto de abastecimento à saída de Lavra, tratando ele
próprio de encher o depósito. A deixa a chave na ignição e na recepção estende uma nota de 50
euros ao empregado, E, para pagamento dos 40 euros devidos. E pega na nota e abre a caixa
registadora para aí a depositar e dar o troco ao cliente, retirando uma nota de 10 euros. Porém, no
preciso momento em que E ia entregar o troco ao A, B surge sem se fazer notar por qualquer dos
outros dois, colocando-se na retaguarda de E. Imediatamente, de surpresa, B lança um braço em
torno do pescoço de E, atirando-o ao chão com um empurrão violento. E fica estatelado, sem
conseguir esboçar um gesto de defesa. Aproveitando o facto de E não poder reagir, B, num gesto
rápido, deitou a mão ao maço de notas que se encontravam na gaveta da caixa deixada aberta, num
total de 400 euros, e a um relógio, que lhe pareceu novo e valioso, que se encontrava em cima do
balcão, retirando-se, sem que nenhum dos presentes tivesse reparado que uma nota de 50 euros se
desprendera do maço, ficando no chão do estabelecimento. E, que entretanto se recompusera, deita
a correr em perseguição do B, mas foi em vão. A curta ausência do E deu ao A a oportunidade de
meter ao bolso a nota de 50 euros caída no chão, da qual o A só então se deu conta. Enquanto o E
chamava a polícia, A aproveitou para se retirar de carro, levando consigo a nota de 50 euros, pois
foi para isso mesmo que a apanhou do chão. Já no Porto, B dirigiu-se, primeiro, a um banco,
pedindo ao caixa que lhe trocasse as notas por outras de valor inferior, depois, a um comerciante, C,
seu conhecido, o qual, sempre sem fazer perguntas, desde há uns cinco anos costumava ficar-lhe
com as coisas a que B ia conseguindo deitar a mão, e vendeu-lhe o relógio que apanhara no balcão
da gasolineira por 50 euros, dando a M, mulher com quem vivia, essa quantia, depois de lhe contar
minuciosamente as suas proezas desse dia.
Punibilidade de A, B, C e M ?
Caminhos para a solução:
1. O que aconteceu na gasolineira.
Punibilidade de B.
Roubo: artigo 210º, nº 1.
Tipo objectivo. Tanto as notas contidas na caixa registadora como o relógio são coisas móveis.
Pertencendo aos proprietários da gasolineira, são alheias relativamente a B. Por outro lado, e
na medida em que B deitou o braço ao pescoço do empregado e o atirou ao chão com um
empurrão empregou violência material, exercendo força física directamente sobre o corpo da
pessoa em causa. No artigo 210º, nº 1, do Código Penal, para haver roubo, o autor deverá
praticar um furto para que a infracção resulte consumada. No que respeita aos meios, o facto
de B ter agredido o E, impedindo-o de resistir, significa que foi usada violência contra uma
pessoa para B conseguir, com êxito, a subtracção das notas e do relógio. Deu-se a quebra, por
parte do agente, da posse que sobre tais coisas era exercida pelo seu detentor, verificando-se a
integração delas na esfera patrimonial do B. Esta só foi possível pelo emprego de um dos meios
típicos do roubo.
Tipo subjectivo. B actuou dolosamente: artigo 15º. A mais disso, B queria apropriar-se
definitivamente das notas e do relógio, sabendo que o fazia ilegitimamente, por não ter direito a
elas.
Ilicitude, culpa. O facto de B é ilícito, não estando coberto por qualquer causa de justificação.
Além disso, B agiu culposamente, não se verificando qualquer causa de desculpação.

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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Conclusão. B praticou, como autor material, um crime de roubo do artigo 210º, nº 1. Os


elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito dos artigos 203º, nº 1, e 154º, nº 1,
mostram-se igualmente preenchidos, mas sendo o roubo um crime complexo, que junta os
elementos do furto e da coacção, não se aplicam as citadas normas dos artigos 203º, nº 1, e
154º, nº 1, por ser caso de concurso aparente, o qual as faz recuar perante a norma do artigo
210º, nº 1.
Punibilidade de A.
Furto: artigo 203º, nº 1.
Tipo objectivo. A nota de 50 euros era coisa móvel. E como fora recebida por E de um
qualquer cliente, era alheia, relativamente a A. Acontece que A não empregou violência contra
E, nem usou qualquer outro meio típico do roubo. A simplesmente se aproveitou da breve
ausência de E para meter a nota ao bolso. É certo que anteriormente B tinha exercido violência
contra E, mas não há qualquer elemento comprovativo de ter A comparticipado no facto de B.
A não foi co-autor nem cúmplice, pelo que se lhe não pode imputar um qualquer crime de
roubo. Ainda assim, A subtraiu a nota de 50 euros, dando-se a quebra, por parte do A, da posse
que sobre tal coisa era exercida pelo seu detentor, e a correspondente integração na esfera
patrimonial do A.
Tipo subjectivo. A actuou dolosamente: artigo 14º. A mais disso, fê-lo com intenção de se
apropriar da nota de 50 euros, para passar a exercer sobre ela, definitivamente, os direitos
correspondentes ao proprietário. Ao actuar com intenção de se apropriar de coisa que sabia ser
alheia, o A sabia que o fazia ilegitimamente. É certo que o A tinha direito ao troco de 10 euros,
que não chegara a receber. Contudo, o A não tinha sobre o proprietário uma válida pretensão
ao montante correspondente ao valor da coisa subtraída, pelo que sempre se poderá afirmar
que se quis apropriar de uma parte do valor incorporado na nota, sabendo que o fazia
ilegitimamente. O objecto da apropriação é a própria coisa ou o valor nela incorporado.
Tipicidade, culpa. A agiu ilícita e culposamente, sem qualquer causa de justificação ou de
desculpa.
Conclusão. A praticou, como autor material, um crime de furto do artigo 203º, nº 1.
2. O que aconteceu depois.
Punibilidade de B.
Branqueamento de capitais: artigo 368º-A do CP. Como as notas trocadas no Banco não são
provenientes de nenhum dos crimes de terrorismo, tráfico de armas, extorsão de fundos, etc.,
que legitimam a intervenção da incriminação do branqueamento de capitais, A não cometeu
este crime, não obstante ter tido a preocupação de se desfazer das concretas notas objecto do
roubo na gasolineira, substituindo-as por outras. O roubo não é um dos delitos prévios do
crime de que tratamos. De resto, sempre seria discutível se o autor do facto prévio, de que
deriva o objecto do branqueamento, preenche todos os requisitos para ser punido igualmente
por branqueamento.
Receptação. Artigo 231º.

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O relógio entregue ao comerciante é uma coisa e foi obtido por B mediante facto ilícito típico
contra o património. B entregou o relógio dolosamente ao comerciante, mas não cometeu um
crime de receptação já que só é autor deste crime quem (…) adquirir por qualquer título coisa
que foi obtida por outrem (…). O tipo de receptação exclui da correspondente autoria o que
for autor (material, mediato ou co-autor) do facto prévio.
Punibilidade de C.
Receptação. Artigo 231º.
Tipo objectivo. O relógio entregue ao comerciante é uma coisa e foi obtido por B mediante
facto ilícito típico contra o património. Por outro lado, o agente do facto referencial é pessoa
diversa do receptador.
Tipo subjectivo. C adquiriu o relógio dolosamente: artigo 15º. Sabia que se tratava de coisa
obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património. Fê-lo, ademais, com
intenção de obter para si vantagem patrimonial. C conhecia o verdadeiro valor do relógio,
pagou por ele um preço bem menor, sempre com a consciência de que o proveito assim
auferido era devido à proveniência ilícita do mesmo.
Ilicitude, culpa. Não existe qualquer causa de justificação ou de desculpa pelo que o C agiu
ilícita e culposamente.
Conclusão. C é autor material de um crime do artigo 231º, nº 1.
Punibilidade de M.
Receptação de sucedâneos. Artigos 231º, nº 1, e 233º.
Tipo objectivo. M não recebeu o relógio, mas o produto obtido com a venda do mesmo. Como
se sabe, são equiparados às coisas referidas no artigo 231º os valore sou produtos com elas
directamente obtidos.
Tipo subjectivo. M recebeu o dinheiro sabendo da sua proveniência, agindo portanto
dolosamente: artigo 15º. Sabia que se tratava do produto da venda de coisa obtida por outrem
mediante facto ilícito típico contra o património. É manifesta a intenção de M obter para si
vantagem patrimonial.
Ilicitude, culpa. Não existe qualquer causa de justificação ou de desculpa pelo que a M agiu
ilícita e culposamente.
Conclusão. M é autora material de um crime dos artigos 231º, nº 1, e sem qualquer causa de
justificação ou de desculpa .

7. Roubo, crimes omissivos, legítima defesa


Caso nº 32 F, negociante de sucata, e G, que costuma ter por sua conta algumas raparigas da vida, encontram-
se regularmente no bar Trevo. Ambos costumam sofrer de problemas de dinheiro, pelo que
decidem, em meados de Março de 2006, assaltar o clube nocturno A Boa Vida, sito na praia de
Leça. Conseguem que se lhes junte como condutor H, empregado de bar, cujo Golf GTI é de molde
a assegurar-lhes uma fuga rápida e sem complicações. Igualmente se lhes associa I, um empregado

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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do bar Trevo, indivíduo já com cadastro. Em 22 de Junho de 2006 põem todos mãos ao trabalho.
Reúnem quatro barras de ferros, uma para cada membro do grupo, como tinham combinado, mas
sem que os outros dois saibam, F e H levam ainda, cada um deles, uma pistola carregada e pronta a
disparar, pois podem necessitar delas para vencer a resistência que supõem poderem encontrar. I já
vai tocado com a ingestão de alguns copos, o que se topa imediatamente. F decide por isso que o I
fique em casa, não obstante os protestos deste. I exige uma paga de mil euros do produto do assalto,
que o F generosamente consente em dar-lhe depois do golpe. Pouco antes da meia-noite, F, G e H
entram no clube nocturno de Leça. Logo que à porta lhes aparece o porteiro P, F dá-lhe um golpe
na cabeça com a barra de ferro que empunhava e estende-o sem sentidos por terra, como tinha sido
combinado ainda no carro. F, G e H entram de rompante no interior e exigem dos seis
consumidores presentes que lhes passem todo o dinheiro e objectos de valor que tenham consigo.
Logo que todos se aproximam com ar de quem está disposto a fazer-se obedecer, mostrando as
barras de ferros, e F exibe a pistola, igualmente com maus modos, todos os seis clientes se
apresentam com dinheiro, jóias e relógios. Sem que porém alguém tivesse notado, o porteiro P
recupera os sentidos e dá-se conta do que ocorre. Com medo de perder o emprego se não reagir,
saca da pistola de calibre 9 mm., que transporta consigo e que bem sabe ser uma arma proibida, e
dispara contra as pernas de H, o condutor do Golf, após o que de novo fica sem dar acordo de si.
Apesar de atingido com duas balas, H, ajudado pelos outros dois, que levam consigo o produto do
assalto, consegue abandonar o local. É o F quem agora conduz o carro, directo a um lugar
sossegado, onde poderão dividir o que roubaram. G não consegue porém conter a hemorragia do H,
ficando F e G cientes de que o ferido necessitava de assistência médica. E porque temem que ele
constitua um problema para a sua segurança, resolvem deixá-lo no interior do carro, tratando de
apagar e eliminar todos os vestígios que os pudessem identificar. Estão ambos de acordo em que
com isso não só se incrementam as condições de segurança como, ademais, fica cada um com
maiores vantagens do assalto, que assim são a dividir unicamente por eles. Passadas umas cinco
horas, H acaba por morrer. A posterior autópsia revelou que H poderia ter sido salvo se a
hemorragia tivesse sido estancada por um médico, e para isso tinha havido tempo de sobra, mesmo
depois que F e G abandonaram o companheiro inconsciente.
Punibilidade de F, G, H e I? Não interessa considerar nem o crime de detenção de arma nem o
crime de dano.
1. O assalto ao clube nocturno.
A. Responsabilidade penal de F e G.
I. Roubo qualificado: artigos 204, n.º 2, al. f), e 210, n.º 2, al. b).
F e G cometeram, em co-autoria, 6 crimes de roubo do artigo 210º, nº 1, na medida em que
empregaram um dos correspondentes meios típicos para alcançarem a subtracção do dinheiro e
valores de cada um dos clientes do clube.
A ameaça ou violência moral (vis compulsiva) supõe que o agente faça com que a vítima tema
um prejuízo iminente para a vida ou para a integridade física. Pode ser uma lesão simples, mas
o comportamento do sujeito activo deve ser apropriado a afastar a resistência da vítima. Para
averiguar se tal é o caso, deverá o intérprete perguntar-se se um observador objectivo,
colocado na situação da vítima, renunciaria, também ele, a resistir. Por outro lado, não será
necessário que o autor esteja em condições de concretizar um prejuízo para o correspondente
bem jurídico, objecto da ameaça, embora deva agir de forma a fazer crer seriamente na
possibilidade de a tornar efectiva. A ameaça tanto pode dirigir-se contra a pessoa que detém a
coisa como contra quem está encarregado de a guardar, por ex., o caixa. Pode mesmo dirigir-se
contra aquele que vem em socorro de uma dessas pessoas.

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No caso, cada um dos crimes de roubo pode ser qualificado. A razão de política criminal
fundante da consagração da agravante qualificativa do crime de roubo "trazendo, no momento
do crime, arma aparente ou oculta" (artigos 204, n.º 2, al. f), e 210, n.º 2, al. b)) é uma especial
censura do agente, por o tornar mais audaz e criar maiores dificuldades de defesa da vítima.
Ambos traziam barras de ferro consigo e até as mostraram. As armas têm definição na própria
lei — artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março. Além disso, o F fez uso da pistola
que levava consigo, mas não parece que este facto possa ficar abrangido pelo dolo do G, que
desconhecia que os companheiros, incluindo o falecido H, iam armados de pistolas.
II. Ofensa à integridade física qualificada: artigos 143º, nº 1, 146º, nºs 1 e 2, e 132º, nº 2, alínea
g).
Na medida em que o F, dolosamente, agrediu na cabeça o porteiro com a barra de ferro,
encontra-se preenchido o tipo, objectivo e subjectivo, do crime fundamental contra a
integridade física. Houve tanto uma ofensa do corpo como uma lesão da saúde, de nenhum
modo insignificantes. A qualificação ocorre por via da utilização da barra de ferro, que é
instrumento “particularmente perigoso” nas circunstâncias descritas, sendo a conduta
reveladora da especial censurabilidade do agente. Estão, por outro lado, preenchidos os
requisitos da co-autoria.
B. Responsabilidade de P.
I. Ofensa à integridade física agravada pelo resultado morte: artº 145º, nºs 1, alínea a).
P poderá estar comprometido com a prática deste crime, na medida em que desfechou a pistola
duas vezes sobre B. O resultado “morte” acabou por se verificar na sequência disso, mas o dolo
homicida não se provou ou não há indicadores que apontem nesse sentido, não sendo por isso
caso de sustentar a prática de um crime de homicídio do artigo 131º.
No artigo 145º consta um dos vários crimes qualificados pelo resultado previstos no Código.
Quem voluntariamente mas sem dolo homicida ofender outra pessoa corporalmente e por
negligência lhe produzir a morte (ou uma lesão da integridade física grave: nº 2 do artigo 145º)
comete um só crime, um crime qualificado pelo evento, embora o facto seja subsumível a duas
normas incriminadoras (no caso, a do artigo 143º, nº 1, e a do artigo 137º, nº 1).
A ofensa consumada, na forma dos tiros voluntariamente dados no corpo do H, associada à
hemorragia e consequente natural infecção que se seguiu, foi causa da morte deste. Não basta
porém que a acção do agressor apareça como simples condição do resultado, a aplicação do
artigo 145º supõe ainda um específico nexo de perigo entre o comportamento agressivo e o
evento mais grave. Exige uma boa parte dos autores, por outro lado, que à realização dolosa
do crime fundamental esteja directamente ligado o perigo específico que venha a cristalizar no
evento mortal. Só então existe o especial conteúdo do ilícito que justificará a pena realmente
mais grave, correspondente ao crime agravado pelo resultado. A morte do H está intimamente
relacionada com a descrita conduta do P.
Tal conduta pode no entanto estar justificada por legítima defesa (de 3º): artigos 32º e 31º, nºs
1 e 2, alínea a). Desenvolvia-se ainda uma agressão, que era actual — e ilícita, inclusivamente
para a integridade física dos seis clientes do clube nocturno. O assalto ainda se desenrolava na

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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altura dos disparos. O facto de a arma ser proibida não conduz à irrelevância da eximente por
legítima defesa, cujos requisitos e pressupostos se encontram presentes: há por parte do P
inclusivamente vontade de defesa e o meio empregado na defesa era o necessário. P estava
consciente da actualidade da agressão aos clientes do estabelecimento e quis pôr-lhe termo.
Não desempenha qualquer papel a circunstância de o P temer perder o emprego.
A actuação de P não é ilícita.
C. Responsabilidade de I.
I concordou com o plano mas não participou na sua execução. I nada fez, não chegou sequer a
praticar actos de execução do crime de roubo executado pelos outros três.
2. O que aconteceu depois do assalto ao clube nocturno.
I. Homicídio por omissão: artigos 131º e 10º
F e G podem ser responsabilizados pela morte de H nas indicadas circunstâncias. O facto de F
e G terem deixado ficar o H dentro do carro foi causa da morte deste, o qual, seguramente,
podia ter sido salvo se lhe tivessem sido proporcionados os necessários cuidados médicos.
Discutível é se F e G são garantes da evitação desse resultado (artigo 10º, nº 2). Os deveres de
garante podem surgir, como se sabe, de situações de estreita comunhão de vida ou de estreita
comunhão de perigos. Todavia, é de entender que, ao contrário, por ex., de um grupo de
montanhistas, não se forma uma comunidade de perigos quando alguns se associam num bando
de malfeitores. Pensar outra coisa seria conceder uma alta honra a uma organização de
criminosos.
É igualmente duvidoso que se possa falar de ingerência. No caso de anterior intervenção
geradora de perigos (ingerência) o sujeito é obrigado, como garante, a impedir a produção do
correspondente dano. Quem cria o perigo tem o dever de impedir que este venha a converter-se
em dano. Isso vale, muito especialmente, para os casos em que alguém, com a sua conduta, pôs
a vida de outrem em perigo. Ainda assim, há quem tome posição contra, quem seja anti-
ingerência. A tendência é, aliás, para lhe introduzir limitações: não basta que o perigo seja
adequado, mas é ainda necessário que ele tenha sido ilícita ou inadmissivelmente criado.
Há-de reparar-se contudo que ao levarem o H para um sítio sossegado, simultaneamente F e G
diminuíram as probabilidades de este ser socorrido por terceiros, a mando por ex., da polícia,
que certamente compareceu em acto seguido no local do assalto. Tal comportamento integra
por certo uma situação de ingerência geradora de um dever de garante, pelo que F e G
cometeram o indicado crime.
II. Exposição ou abandono: artigo 138º.
O crime é doloso, estando presente todos os correspondente elementos objectivos e
subjectivos. F e G conduziram o companheiro para “um sítio sossegado” mas que não era o
adequado a tratar do H, que necessitava de cuidados médicos. Tinham portanto, relativamente
a este, um dever de assistência. Ambos sabiam, além disso, que este não tinha defesas. Sabiam,

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por outro lado que ao abandoná-lo colocavam a vida dele em perigo, como aconteceu (o H
chegou mesmo a morrer) e conformaram-se com esse resultado.
III. Omissão de auxílio: artigo 200º
F e G conheciam a situação de perigo para a vida ou de grave perigo para a integridade física
do H, mas não lhe prestaram o auxílio necessário ao afastamento desse perigo.
Há-de ter-se presente a função subsidiária do crime de omissão de auxílio (artigo 200º)
perante os crimes de comissão por omissão: a omissão de auxílio só entra em questão onde não
exista um dever de garante do agente pela não verificação de um resultado típico. A
interpretação do artigo 10º do Código Penal deve fazer-se em si mesma e por si mesma,
independentemente da interpretação que se faça do artigo 200º. E se deste modo os âmbitos
dos dois preceitos em alguma área se cobrirem, deve aí dar-se decidida prevalência ao artigo
10º sobre o artigo 200º. (Cf. F. Dias; tb. Wessels).

X. — Outras indicações de leitura


José António Barreiros, p. 199: Se o sujeito activo for funcionário, o crime pode não ser o de extorsão, mas sim
o de coacção (artigo 155º, nº 1, alínea d)), quando o constrangimento afectar a liberdade pessoal mas não
visa escopo patrimonial de enriquecimento ilegítimo.
Acórdão do STJ de 22 de Fevereiro de 1995, BMJ 444-217: o CP vigente não contém uma disposição
semelhante ao artigo 433º do Código Penal de 1886 (crime de latrocínio), no qual concorriam os elementos
típicos dos crimes de homicídio e roubo. Actualmente, as situações em que o roubo é acompanhado de
homicídio voluntário, sendo distintos os bens jurídicos tutelados, passaram a configurar dois crimes
autónomos, a punir em concurso real (artigo 30º, nº 1).
Acórdão da Relação de Lisboa de 15 de Abril de 1993, CJ. O roubo impróprio compreende as situações em que
a violência contra as pessoas surge ainda durante a execução do furto (“em flagrante delito de furto”); só o
integra a violência cometida depois de o agente se ter apropriado de bens do ofendido (artigo 211º).
Acórdão do STJ de 21 de Dezembro de 2000, proc. nº 01P465. O tipo legal de crime do artigo 211º alcança
autonomia não apenas relativamente ao crime de furto que lhe está subjacente mas ao próprio roubo do
artigo 210º. Daí que os ofendidos com tal infracção possam não ser os proprietários ou detentores dos bens
mas um terceiro que decidiu intervir para evitar que o agente conservasse a posse das coisas subtraídas.
Acórdão do STJ de 1 de Fevereiro de 1996, CJ, ano IV, t. 1 (1996), p. 198: não é subsumível à figura do crime
continuado a comissão de diversos crimes de roubo em que são violados não só bens patrimoniais como bens
eminentemente pessoais e em que são ofendidas pessoas distintas.
Acórdão do STJ de 11 de Dezembro de 1997, BMJ-472-179: afastamento da agravação do roubo; valor do
objecto roubado.
Acórdão do STJ de 11 de Novembro de 1998, BMJ-481: incorre na prática do crime de roubo o agente que,
conduzindo um veículo a uma bomba de gasolina e depois de enchido de combustível o depósito do mesmo,
foge sem pagar, não sem antes agredir fisicamente o funcionário que procedera ao abastecimento.
Acórdão do STJ de 14 de Abril de 1999, CJ, acórdãos do STJ, ano VII, tomo 2, p. 174: verifica-se concurso real
de um crime de homicídio e de dois de roubo quando os arguidos, para se apoderarem do dinheiro que
levava, matam o motorista do taxi e depois o conduzem para local ermo, onde lhe retiram o dinheiro.
Acórdão do STJ de 16 de Junho de 1994, CJ, acórdãos do STJ, ano II (1994), t. II, p. 253. O roubo encerra,
fundidos numa unidade jurídica, o furto (que é o crime-fim) e o atentado contra a liberdade ou a integridade

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física das pessoas (crime-meio). Será sempre necessário, para a determinação do número de crimes de
roubo efectivamente praticados, determinar-se previamente se, e em que medida, o crime contra as pessoas
foi meio para atingir o crime-fim (furto), sendo certo que, se o não foi, pode esse crime ganhar autonomia
(como crime de ameaças, de ofensas corporais, etc.) sem que faça parte do crime de roubo. Por isso é que, no
caso em que um ou mais agentes que irrompem num banco de metralhadoras em punho e de cara tapada e
ameaçam de morte não só os empregados como os clientes que na altura ali se encontram, a todos criando
um forte estado de pavor, não se considera terem sido cometidos tantos crimes de roubo quantas as pessoas
ameaçadas, pois que, designadamente os clientes (a não ser que sejam individualmente despojados de bens
ou que a violência sobre algum deles exercida seja essencialmente determinante da entrega ou da
impossibilidade de resistir à apropriação dos bens objecto da subtracção) nem detêm as coisas objecto do
furto (crime-fim), nem têm interesse directo em resistir à subtracção das coisas, nem os agentes precisam de
vencer essa resistência para atingir o seu objectivo. No caso, tanto a empregada do estabelecimento como a
dona deste tinham à sua guarda o dinheiro contido na caixa registadora; qualquer delas tinha interesse
legítimo em opor-se a qualquer acto de subtracção de tal dinheiro; e a resistência de qualquer delas tinha de
ser vencida para o arguido conseguir fazer entrar na sua esfera patrimonial o respectivo valor. Portanto, a
violência exercida (mediante ameaça de inoculação do vírus da sida) sobre qualquer delas foi crime-meio em
relação ao crime-fim (furto), podendo concluir-se que o arguido praticou, em concurso real, dois crimes de
roubo”.
Acórdão do STJ de 17 de Maio de 1995, CJ-1995, II, p. 206: extorsão para cobrança de dívidas.
Acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 2007: Provando-se que o arguido ameaçou a assistente de divulgação de
fotografias atentatórias da sua imagem social, obtidas contra a vontade desta, de forma a coagi-la, por esse
meio, a entregar-lhe novos quantitativos monetários, o que só não veio a concretizar-se pela resistência da
assistente, estão verificados todos os elementos constitutivos do crime de extorsão, na forma tentada.
Acórdão do STJ de 18 de Março de 2006, proc. 06P1170. A circunstância qualificativa da al. f) do n.º 2 do art.
204.º do CP pressupõe um perigo objectivo emergente das características da arma como instrumento de
agressão, sendo irrelevante que tenha sido ou não criado qualquer receio à pessoa lesada com o crime. É uma
manifestação de perigosidade do agente; a vítima pode nem se aperceber da detenção da arma pela agente,
situação que será até a comum na perpetração dos crimes de furto. Por isso, não importa para efeito de
preenchido da apontada qualificativa a circunstância de o arguido ter utilizado «um objecto com forma, cor e
aspecto de uma arma de fogo verdadeira», embora, no caso, a exibição do referido instrumento pelo arguido
tivesse sido decisiva para o desencadear do medo que levou os ofendidos a não oferecerem resistência à 18
subtracção dos objectos de que foram desapossados. Mas tal releva tão-somente no âmbito do n.º 1 do art.
210.º do CP, como forma de violência contra os ofendidos.
Acórdão do STJ de 21/10/1992, CJ. Violência depois da apropriação para o agente se subtrair à detenção:
furto em concurso real com ofensas corporais.
Acórdão do STJ de 22 de Abril de 1992, Simas Santos - Leal Henriques, Jurisprudência Penal, p. 568. Roubo e
crime correspondente ao enquadramento do excesso da violência utilizada: a violência empregue na
subtracção deve ser adequada e proporcionada à obtenção do resultado “subtracção”; se ela for excessiva, o
agente cometerá, para além do crime de roubo e, em acumulação com este, o crime correspondente ao
enquadramento penal do excesso da violência utilizada
Acórdão do STJ de 23 de Outubro de 1997, BMJ-470-228: a utilização de pistola de alarme não pode
enquadrar-se no conceito de "utilização de arma de fogo".
Acórdão do STJ de 26 de Novembro de 1997, BMJ-471-168: crime de roubo cometido com pistola cujas
restantes características não foram apuradas.
Acórdão do STJ de 27 de Outubro 2004, proc. 04P3237. O crime de extorsão, construído como crime contra o
património e protegendo a liberdade de disposição patrimonial, estabelece, como elemento central, o
constrangimento da vítima por meio de violência ou ameaça de um mal importante. O crime de extorsão
pressupõe uma relação directa entre o meio (a violência ou a ameaça que provoquem constrangimento) e o
resultado (obtenção de uma vantagem patrimonial), sendo sempre necessário que entre o meio e o acto de

M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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disposição patrimonial exista uma relação de adequação. De igual modo, no crime de burla deve existir
também uma atribuição patrimonial com o consequente empobrecimento do burlado, determinada por "erro
ou engano sobre factos que o agente astuciosamente provocou", distinguindo-se do crime de extorsão pela
diferente natureza dos meios utilizados: violência ou ameaça na extorsão; erro ou engano sobre factos na
burla. Porque o erro ou engano sobre os factos, típico do crime de burla, pode resultar da construção pelo
agente de uma ficção enganosa (mise en scène) em que também concorrem elementos tipicamente
aproximados dos meios de chantagem, impõe-se a rigorosa delimitação dos factos em função dos elementos
típicos envolvidos, para permitir a adequada qualificação e integração dos crimes que, em situação de
fronteira, possam estar em causa.
Acórdão do STJ de 27 de Outubro de 1983, BMJ-329-423. Homicídio qualificado e furto qualificado: os três
réus que, com o propósito de se apropriarem dos bens da vítima a agrediram à paulada, e depois se
apossaram de 1.700$00 em dinheiro e de uma telefonia no valor de 100$00, cometem, em concurso real, um
crime de homicídio qualificado e um crime de furto qualificado.
Acórdão do STJ de 3 de Julho de 1996, CJ, ano IV (1996), tomo II, p. 210: A e B ataram as mãos de C atrás das
costas, obrigaram-no a sentar-se no carro e apoderaram-se de diversos valores que fizeram seus,
abandonando depois o local e ficando C amarrado no interior da viatura - roubo e sequestro?
Acórdão do STJ de 3 de Maio de 2000, BMJ 497, p. 118: roubo e sequestro? O sequestro pode concorrer com o
crime complexo de roubo. O concurso será aparente, por uma relação de subsidiariedade, sempre que a
duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática do
crime de roubo, como crime-fim. Constitui, pelo contrário, concurso efectivo quando essa privação da
liberdade se prolongue ou se desenvolva para além daquela medida, apresentando-se a violação desse bem
jurídico em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela incriminação
pelo crime de roubo. Cf. também o acórdão do STJ de 14 de Março de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 222.
Acórdão do STJ de 31 de Maio de 2006, proc. 06P1297. A circunstância de o arguido se haver introduzido
ilegitimamente no prédio onde reside a ofendida, com intenção de furtar, qualifica o crime de roubo pelo
mesmo perpetrado, uma vez que a área ou zona de entrada do prédio deve ser considerada como habitação,
constituindo, em qualquer caso, um espaço fechado - arts. 210.°, n.º 2, al. b), e 204.°, n.º 1, al. f), do CP.
Acórdão do STJ de 4 de Janeiro de 1996, CJ, IV (1996), t. 1, p. 171: crime de roubo; qualificação; conceito de
arma; subtracção de cartão multibanco e revelação do correspondente código.
Acórdão do STJ de 5 de Janeiro de 2005, proc. nº 04P4208. Entre os crimes de roubo e sequestro existe uma
relação de concurso aparente (por uma relação de subsidiariedade) sempre que a privação da liberdade de
locomoção não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática do crime de roubo, como crime-fim; o
concurso é, pelo contrário, efectivo, quando a privação da liberdade se prolongue ou se desenvolva para além
daquela medida, apresentando-se a violação do bem jurídico protegido no crime de sequestro (a liberdade
ambulatória) em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela
incriminação pelo crime de roubo. Se, sempre sob as ordens do arguido e sob a ameaça da arma que lhe era
apontada, o ofendido conduziu o seu veículo, circulando durante cerca de 40 minutos, até junto ao ATM de
uma dependência bancária, e aí, sob ameaça do arguido, o ofendido, fazendo uso de um dos seus cartões
multibanco, que guardava na carteira, efectuou o levantamento da quantia de € 450,00, revela-se
impressivamente uma situação em que a liberdade de circulação do ofendido esteve afectada por acção do
arguido durante um considerável lapso de tempo, muito para além do que pode estar associado ou
finalisticamente determinado à prática de um crime de roubo.
Acórdão do STJ de 6 de Maio de 1998, CJ, ano IV (1998), tomo II, p. 183: pratica um crime de roubo
consumado em concurso real com um crime de coacção o arguido que usando de violência sobre o ofendido
se apropria da quantia de 500$ e de um cartão de crédito, com o qual não conseguiu levantar qualquer
importância visto que, apesar de, também por meio de violência ter obtido do ofendido o respectivo código,
ter sido impedido de o fazer por agente da autoridade quando o tentava.
Acórdão do STJ de 6 de Outubro de 2005, no processo 05P2253: No crime de burla informática do art. 221.º,
do C. Penal, o bem jurídico protegido é não só o património – mas concretamente, a integridade patrimonial

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– mas também os programas informáticos, o respectivo processamento e os dados, na sua fiabilidade e


segurança. Se depois de roubarem uma carteira, os agentes descobrem nela um cartão multibanco e
respectivo código e decidem então utilizá-lo até esgotarem o saldo, o que executam, sem estarem
autorizados, cometem um crime de roubo e, em concurso real, um crime de burla informática. No caso há
igualmente uma autonomia e pluralidade de resoluções que sempre afastaria a consumpção da burla
informática pelo roubo.
Acórdão do STJ de 6 de Outubro de 2005, proc. nº 05P2253: Se depois de roubarem uma carteira, os agentes
descobrem nela um cartão multibanco e respectivo código e decidem então utilizá-lo até esgotarem o saldo,
o que executam, sem estarem autorizados, cometem um crime de roubo e, em concurso real, um crime de
burla informática. No caso há igualmente uma autonomia e pluralidade de resoluções que sempre afastaria a
consunção da burla informática pelo roubo. No crime de burla informática do art. 221.º, do C. Penal, o bem
jurídico protegido é não só o património – mas concretamente, a integridade patrimonial – mas também os
programas informáticos, o respectivo processamento e os dados, na sua fiabilidade e segurança.
Acórdão do STJ de 4 de Novembro de 2004, proc. nº 04P3287. Como não se provou que o arguido trouxesse
uma arma, mas um objecto que pareceu ao ofendido ser uma arma de fogo, o roubo não é qualificado pela
circunstância da al. f) do art.º 204.º do CP, uma vez que "arma aparente" não é o objecto que "aparenta" ser
uma arma, mas aquela que é exibida perante a vista do ofendido (por oposição a "arma oculta").
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