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1 No roubo (artigo 210º), a ameaça é com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ; na
extorsão (artigo 223º), a ameaça é com mal importante. O par típico "violência / ameaça" é elemento doutras
M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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incriminações, embora com nuances significativas: na coacção sexual (artigo 163º) e na violação (artigo 164º)
acolhe-se a ameaça grave. A ameaça de morte é alternativa típica do crime de tomada de reféns (artigo 161º).
No artigo 72º, nº 2, alínea a), a circunstância de o agente ter actuado sob influência de ameaça grave é
considerada para efeito de atenuação especial da pena.
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I. Tipicidade
1. Tipo objectivo
a) Subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia
2 Também no Brasil o roubo se constrói como crime complexo: "Tratando-se de crime complexo, objecto
jurídico imediato do roubo é o património. Tutelam-se, também, a integridade corporal, a liberdade e, no
latrocínio, a vida do sujeito passivo" (Júlio Fabbrini Mirabete). Na Alemanha acentuam-se as características de
crime autónomo (Kindhäuser, Strafrecht, BT II Eigentumsdelikte, p. 211) No nosso Código, assume-se como
crime autónomo o chamado roubo impróprio (artigo 211º), caracterizado pelo emprego da violência depois da
coisa subtraída.
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b) Emprego de meio coactivo: violência contra uma pessoa; ameaça com perigo iminente para a vida
ou para a integridade física; ou pondo (a pessoa) na impossibilidade de resistir
c) Relação meio-fim
2. Tipo subjectivo
a) Dolo
b) Ilegítima intenção de apropriação
3. Ilegitimidade da apropriação intencionada e dolo correspondente.
II. Ilicitude
III. Culpa
(Estrutura do crime de roubo do artigo 210º, nº 1)
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- "A violência não é necessariamente a que causa lesões ou magoa a vítima; não implica
sequer contacto físico com a vítima, bastando o uso da força adequada à subtracção com
afronta, com assalto, é a que ofende a vítima na sua liberdade de determinação, criando a
situação de impossibilidade de resistir" (acórdão do STJ de 12 de Junho de 1997, BMJ 468,
p. 140).
- Integra o conceito de violência o facto de o arguido caminhar atrás da ofendida de 86 anos,
de modo a "aparecer-lhe pelas costas", e ao aproximar-se da mesma puxar o saco que ela
levava numa das mãos, fazendo-o coisa sua (acórdão do STJ de 11 de Março de 1998,
BMJ 475, p. 217.
- É equiparada à violência qualquer maneira ardilosa, subreptícia ou similar pela qual o
agente, embora sem o emprego da força ou incutimento de medo, consegue privar a vítima
do poder de reagir (acórdão do STJ de 19 de Dezembro de 1989, BMJ 339, p. 251).
- Praticam o crime de roubo aqueles que, sendo noite e agindo de comum acordo, obrigam
outrem a entregar-lhes um fio em ouro, mediante a ameaça de que usariam o revólver de
alarme em tudo idêntico a uma verdadeira arma de fogo que, por isso, criou na mente do
ofendido a convicção de que se tratava de uma arma desta natureza (acórdão do STJ de 6
de Outubro de 1993, BMJ 430, p. 241).
- "Ainda que o réu se não encontrasse armado, não tenha exercido violência física, nem tenha
posto em perigo a integridade física da vítima, é de considerar a existência de ameaças para
o efeito qualificativo do crime de roubo se estas forem produzidas em circunstâncias e
condicionalismo histórico susceptíveis de intimidar e coagir uma pessoa normal a proceder
como a vítima procedeu" (acórdão do STJ de 26 de Outubro de 1977 BMJ 270, p. 75).
- "À violência física ou psíquica (ameaça) o artigo 306º, nº 1, do CP-1982 (primitiva
redacção), equipara a violência que se concretiza por qualquer meio que ponha o sujeito
passivo na impossibilidade de resistir, e a que alguma doutrina chama "violência
imprópria". Esta "terceira via pressupõe processos físicos ou psíquicos que coloquem a
vítima em situação de disponibilidade quanto ao agente pela incapacidade de se lhe opor"
(acórdão de 6 de Outubro de 1994, proc. 046309).
- A "ambiência de violência" provocada pelos arguidos constituiu uma causa necessária e
adequada de um estado emocional de medo, na pessoa da vítima (acórdão do STJ de 5 de
Abril de 1995, BMJ 446, p. 38). Os três arguidos entraram mascarados com o automóvel
que os transportava na área de umas bombas de gasolina e, empunhando armas de fogo,
partiram o vidro da porta do gabinete da caixa, ordenaram ao ofendido que abastecesse o
automóvel, apoderaram-se de dinheiro e da gaveta da registadora, enquanto o gasolineiro,
com medo, fugiu e se refugiou numa casa de banho.
Caso nº 2 A, que quer assaltar a moradia de B, encontra este prostrado à entrada da casa, completamente sem
sentidos. Para impedir que o B viesse a reagir quando recuperasse a consciência, arrasta-o para a
garagem do edifício, onde o deixou fechado à chave. Só depois disso, A saiu da moradia com alguns
objectos de valor que aí encontrou.
A conduta de A integra os elementos típicos do crime de furto e do crime de violação de
domicílio. A questão de saber se igualmente preenche os elementos típicos do crime de roubo
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(de modo a fazer recuar as normas que punem o furto e a violação de domicílio) depende de
ter o A usado “violência contra uma pessoa”. A doutrina sustenta que existe violência mesmo
quando esta não é sentida pela vítima.
Vejamos agora a hipótese (para alguns situada na fronteira do furto com o roubo) da força
exercida directamente sobre coisas, quando o ladrão as arrebata, de surpresa, com violência
sobre o braço ou a mão da vítima (sacão, esticão).
Caso nº 3 Roubo por esticão. A, quando na rua se cruza com B, arranca-lhe a carteira que B leva ao ombro e
foge.
Poderá continuar a falar-se em violência contra uma pessoa, quando o ladrão actua
simplesmente por “esticão” ou por “sacão”? Se o ladrão arranca a carteira das mãos da vítima,
houve desde sempre a tendência para qualificar a subtracção como roubo, com o argumento de
que, também num caso destes, a capacidade de reacção da vítima foi impedida ou neutralizada:
trata-se ainda de violência contra a pessoa. O modo subtractivo vulgarmente designado por
“esticão” ou “sacão” tem sido considerado, pela generalidade da jurisprudência, como
integrador da tipicidade do crime de roubo — precisamente porque o seu carácter é moldado
pelo elemento violência (acórdão do STJ de 20 de Maio de 1993, BMJ 427, p. 273). Integra
crime de roubo a subtracção pelo agente, por esticão ou sacão, de uma pulseira de ouro que a
ofendida tinha no pulso (acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Março de 1984, BMJ 342, p.
434).
Caso nº 4 A conseguiu apoderar-se da mala que a ofendida C trazia na mão, o que fez através de um puxão com
força, do qual resultou traumatismo no cotovelo direito daquela, com 3 dias de doença com
incapacidade para o trabalho. Também resulta da factualidade provada que o A conseguiu apoderar-
se, através do mesmo método, da carteira que a ofendida G trazia consigo. No que respeita à
ofendida F, verifica-se que o A, com o intuito de se apoderar de dinheiro que esta trouxesse, a
agarrou num braço e no pescoço e, como esta tentasse libertar-se, deu-lhe um soco e a atirou ao
chão. Não logrou, neste caso, por motivos alheios à sua vontade, apoderar-se de qualquer dinheiro.
Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2002, no proc. nº 02P3168.
“O emprego de força sobre o corpo da vítima é violência física, não sendo necessário - para
que se considere haver violência - que haja dano corporal (Leal-Henriques e Simas Santos,
Código Penal Anotado, 2º vol., p. 494). Estamos perante roubo por esticão, no primeiro e
terceiro casos. No segundo caso, o arguido praticou um crime de roubo (art. 210º, n.º 1) na
forma tentada (art. 22º, n.º 2, c)), já que, tendo procurado manietar a ofendida, não chegou,
face à reacção desta, a apoderar-se de qualquer bem que esta trouxesse consigo.” Note-se que
as ofensas à integridade física das vítimas, por serem simples (e não graves: artigo 210º, nº 2,
alínea a)), são abrangidas pelo desvalor do roubo simples.
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da vítima (Opfersicht), renunciaria, também ela, a resistir. Por outro lado, não será necessário
que o autor esteja em condições de concretizar um prejuízo para o correspondente bem
jurídico, objecto da ameaça, embora deva agir de forma a fazer crer seriamente na possibilidade
de a tornar efectiva. A ameaça tanto pode dirigir-se contra a pessoa que detém a coisa como
contra quem está encarregado de a guardar, por ex., o caixa. Pode mesmo dirigir-se contra
aquele que vem em socorro de uma dessas pessoas. A ameaça imediata para a vida ou a
integridade física revela-se capaz de quebrar a resistência da vítima e é passível de ser
executada com uma pistola de brinquedo ou uma pistola de alarme, ou com a réplica de uma
pistola para funcionar como isqueiro ou outro objecto de características não concretamente
apuradas, mas em tudo semelhante a uma pistola enquanto arma de fogo.
Caso nº 5 Furto ou roubo? As coisas percebidas como reais são reais nas suas consequências (axioma de
Thomas). A entrou na loja dum posto de abastecimento de combustível e solicitou um maço de
cigarros à empregada. Acto contínuo, o A sacou de um objecto de características não concretamente
apuradas mas em tudo semelhante a uma pistola, apontou-a ao corpo da empregada e, em
disposição imediata de ofender, ordenou-lhe a entrega da quantia que se encontrava na caixa
registadora, o que esta fez com receio do A lhe causar a morte ou lesão física. Seguidamente, o A
abandonou o local, entrou no automóvel em que para ali se deslocara e pôs-se em fuga.
A sustentou ter cometido apenas um crime de furto, mas não o de roubo. Argumentou que os
factos apurados não integram nenhum dos crimes que concorrem com o furto para compor o
crime complexo que é o roubo. E na verdade o A não praticou qualquer agressão na pessoa da
empregada da gasolineira, quer dizer: não se provou o exercício directo da força física sobre o
corpo da pessoa em causa. Não foi a mesma atingida por socos ou pontapés, não foi atirada ao
chão ou sofreu golpes de navalha nem foi alvo de procedimento semelhante. Com o que, nesse
sentido, se não empregou violência material.
No artigo 210º, nº 1, para haver roubo, o autor deverá praticar um furto para que a infracção
resulte consumada. A mais disso, e no que respeita aos meios, o facto de o agente pôr a pessoa
na impossibilidade de resistir constitui uma forma de comissão autónoma paralelamente ao uso
da violência contra uma pessoa e ao da ameaça com perigo iminente para a vida ou para a
integridade física. Ora, igualmente não resulta provado que para quebrar a resistência da vítima
—com o fim de evitar que a subtracção se consumasse— tenham sido utilizados meios como o
hipnotismo ou o emprego de drogas ou do álcool. A fórmula pondo-a na impossibilidade de
resistir supõe a quebra da resistência do visado pela utilização de meios como esses, ainda que
tal não implique que essa impossibilidade de resistir não dure mais do que uns instantes.
O outro meio típico do roubo, a ameaça ou violência moral (vis compulsiva), supõe que o
agente faça com que a vítima tema um prejuízo iminente para a vida ou para a integridade
física, cuja realização depende da sua vontade. Pode ser uma lesão simples, mas o
comportamento do sujeito activo deve ser apropriado a afastar a resistência da vítima. Para
averiguar se tal é o caso, deverá o intérprete perguntar-se se uma pessoa, colocada na situação
da vítima, renunciaria, também ela, a resistir. Por outro lado, não será necessário que o autor
esteja em condições de concretizar um prejuízo para o correspondente bem jurídico, objecto da
ameaça, embora deva agir de forma a fazer crer seriamente na possibilidade de a tornar
efectiva. A ameaça tanto pode dirigir-se contra a pessoa que detém a coisa como contra quem
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está encarregado de a guardar, por ex., o caixa. Pode mesmo dirigir-se contra aquele que vem
em socorro de uma dessas pessoas.
Defende-se ainda o A argumentando com o facto de não ter dito que ia disparar com o objecto
que trazia consigo, e que, além disso, o objecto usado era inidóneo para produzir o resultado
típico da ameaça e o A nunca poderia ter agido com dolo de ameaça nesse sentido, sendo que,
por outro lado, a vítima não ficou impossibilitada de resistir. Se tivesse resistido, provavelmente
fá-lo-ia com sucesso.
Como facilmente se conclui, não consta que o A tivesse gritado “a bolsa ou a vida!” ou coisa
semelhante. E há que dar razão também ao A quanto à falta de aptidão do objecto para
produzir o perigo próprio da ameaça e mesmo para impossibilitar os visados de resistirem. A
réplica da pistola usada não era apta a deflagrar munições, lançando projécteis pelo efeito da
deflagração de uma carga explosiva.
Se a ameaça é ou não realizável, ou se o agente a quer ou não executar, é irrelevante. Decisivo
é apenas que
— o agente, como no caso aconteceu, revele a aparência de estar a agir com
seriedade
— e que a vítima leve a ameaça a sério.
Revestida destas características, não há dúvida de que a ameaça imediata para a vida ou a
integridade física se revela capaz de quebrar a resistência da vítima e é passível de ser
executada com uma pistola de brinquedo ou uma pistola de alarme, ou com a réplica de uma
pistola para funcionar como isqueiro ou outro objecto de características não concretamente
apuradas, mas em tudo semelhante a uma pistola enquanto arma de fogo. Tal modo de chegar
ao alheio configura um dos meios típicos que no artigo 210º, nº 1, servem à subtracção ou ao
constrangimento a que ao ladrão seja entregue coisa móvel que lhe não pertence, agindo este
com intenção de apropriação.
No caso, o A, além de actuar com intenção de apropriação de coisa alheia, actuou igualmente
com consciência e vontade de utilizar um dos meios previsto no citado artigo 210º, nº 1,
concretamente a ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física, não fazendo o
menor sentido proclamar que nunca poderia ter agido com dolo de ameaça. Na perspectiva da
vítima no momento da ocorrência do assalto, o objecto utilizado era perfeitamente idóneo não
só a quebrar a resistência da mesma, mas simultaneamente a fazê-la sentir-se ameaçada na sua
vida e integridade física. Mesmo sem fazer acompanhar os seus procedimentos concludentes de
ameaças verbais, o A, conscientemente, agiu de modo a fazer-se compreender nos seus
propósitos de se apropriar do alheio, fazendo crer que qualquer resistência da parte da visada
seria brindada com um prejuízo imediato para a vida ou para a integridade corporal. O A
simulou a utilização de uma pistola verdadeira. A vítima pensou tratar-se disso mesmo e receou
ser molestada na forma que ficou exposta. É inquestionável a adequação da conduta do A para
intimidar seriamente essa pessoa, fazendo-lhe crer que corria perigo de ofensa iminente e
incutindo-lhe o correspondente temor, por aquela realmente sentido, a ponto de não esboçar
resistência à subtracção que se concretizou. O comportamento do A é o apropriado ao
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(= ataque à coisa) mediante o ataque à pessoa. Outro não era o espírito das Ordenações (liv. 5º,
tít. 61º), tratando dos que tomam alguma cousa por força e contra vontade daquele que a tem
em seu poder.
4. Causas de justificação
A ilicitude prende-se com a apropriação, que tem de ser ilegítima, quer dizer: sem que o agente
tenha direito a ela, o que, de maneira diferente do furto, parece afastar qualquer situação
justificativa.
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pistola de alarme ou simulada —utilizada por forma a criar no ofendido a ideia de tratar-se de
uma arma de fogo— será suficiente para integrar a ameaça de perigo iminente, elemento típico
do crime de roubo simples, mas é facto atípico para efeito de qualificação. De resto, as pistolas
simuladas —quer pela sua função quer pelo material em que são feitas— não são armas: estas
têm definição na própria lei, o artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março.
O acórdão do STJ de 27 de Junho de 1996, CJ 1996, tomo II, p. 201, qualificou como “arma”,
para efeitos da verificação do crime de furto qualificado, uma pistola que não estava em
condições de disparar, mas sem que o ofendido soubesse ou devesse saber dessa deficiência.
Entendeu-se que arma “é todo o objecto que tenha a virtualidade de provocar nas pessoas
ofendidas ou nos circunstantes um justo receio de virem a ser lesadas, através da respectiva
utilização, na sua integridade física, mesmo que de facto, e sem que elas o saibam, não possa
cumprir cabalmente tal função”. A qualificativa é, nesta visão das coisas, de ordem subjectiva e
enraíza-se na maior intimidação da vítima, porque o temor resultante da ameaça exercida com
arma, verdadeira ou não, é tal que anula a capacidade de resistência da vítima.
Mas a jurisprudência não se fixou na tese subjectivista, passando a considerar que a
qualificativa é de ordem objectiva por representar uma maior dificuldade de defesa e um maior
perigo para o ofendido e para quem acorra em seu socorro, além de revelar maior perigosidade
do agente. Por exemplo, no caso do acórdão do STJ de 28 de Maio de 1998, BMJ 477, p. 136,
a exibição de uma pistola de alarme não foi considerada, do ponto de vista objectivo, apta a
configurar o conceito de "arma", e, por essa via, a justificar a qualificação do roubo à luz da
circunstância agravativa da alínea f), do n.º 2, do artigo 204. Não se verifica a agravante do art.
204.º, n.º 2, al. f) - trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta -, quando se
apura que os “arguidos eram portadores de uma arma de alarme, sem qualquer poder letal”,
concluiu o acórdão do mesmo STJ de 4 de Maio de 2006, proc. 06P1187. E no acórdão de 10
de Maio de 2006, proc. 06P962 o Supremo entendeu que “tendo-se apenas provado que os
arguidos, na execução do crime de roubo, utilizaram “um objecto similar a uma arma de fogo,
cujas características se desconhecem, mas que aparentava ser uma pistola de pequenas
dimensões e cromada”, não podia o tribunal concluir pelo preenchimento daquela qualificativa;
4 Duarte Faveiro, Código Penal Português anotado, 1952, p. 691.
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empregada B, apontou-lhe a pistola e ordenou-lhe, em tom grave e sério, que lhe entregasse o
dinheiro que estava nas caixas registadoras.
O acórdão do STJ de 14 de Dezembro de 2006, proc. 06P4344, entendeu que o A praticou um
crime de roubo do artigo 210º, nº 2, b), ex vi art.º 204.º, n.º 2, f), e, em concurso efectivo, um
crime de detenção ilegal de arma (na altura previsto e punido pelo artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º
22/97, de 27 de Junho, na redacção dada pela Lei n.º 98/2001, de 25 de Agosto). ( ) 5
Considerou-se que a punição do roubo não abarca a ofensa (autónoma) do bem jurídico
subjacente à incriminação do uso de arma ilegal, pelo que não é legítimo, no caso, falar em
consunção ou exclusão de aplicação desta incriminação, antes havendo concurso real de
infracções: “o arguido, mesmo antes de consumar o crime de roubo, transportou consigo, ao
menos enquanto se deslocou no motociclo, a arma ilegal, e assim criou perigo do seu uso,
portanto, pelo menos, desde o local onde a guardava até ao da consumação do roubo”. O
Supremo, a concluir, teve por “afastado o perigo de violação do princípio com assento
constitucional «ne bis in idem», justamente porque a cada punição corresponde um bem
jurídico ofendido”.
Caso nº 8 A e B subtraíram violentamente o chapéu e a bolsa que C transportava à cintura contendo um
telemóvel e dinheiro ocorrida na carruagem de um comboio de transporte público de passageiros
em trânsito. Acórdão do STJ de 11 de Janeiro de 2007, CJ 2007, tomo I, p. 164.
Integra a agravante qualificativa da alínea b) do n.º 1 do art. 204º do CP a actividade criminosa
perpetrada por A e B, que assim praticaram, em co-autoria. um crime de roubo dos artigos
210º, nºs 1 e 2, alínea b), e 204º, nº 1, alínea b).
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específico perigo que lhe está associado. Exemplo: durante um roubo o ladrão envolve-se em
luta com a pessoa assaltada. Um dos tiros então disparados vai ferir mortalmente uma pessoa
que ia a passar e não teve tempo de buscar refúgio. Há quem identifique uma hipótese destas
com a aberratio ictus: tentativa de homicídio na pessoa do visado com o tiro (artigos 22º e
131º) e homicídio negligente do atingido (artigo 137º).
Certo é que tal agravação já não ocorrerá se os ladrões, pondo-se em fuga de carro, acabam
por atropelar mortalmente um peão que atravessava a rua. E se os ladrões se tivessem limitado
a roubar os medicamentos urgentes que P transportava com destino a T (“outra pessoa”), o
qual, por isso, não foi socorrido e morreu?
Considere-se agora o seguinte.
Caso nº 10 A, B e C iniciam, como combinado, um assalto aos escritórios da firma x. Sob a ameaça de armas,
obrigam todos os presentes a recolherem-se num dos compartimentos, que isolam, e começam a
reunir valores para levarem consigo. Porém, como o cofre é demasiado pesado e não conseguem
transportá-lo pelas escadas, atiram-no por uma das janelas, mas ao cair do 5º andar o cofre atinge
P, que por ali passava e que vem a morrer devido às lesões sofridas.
Não será aqui decisivo apreciar a questão do segmento temporal de aplicação do artigo 210º,
nº 3, i. é, saber se na agravação se incluem os casos letais ocorridos depois de conseguida a
subtracção — se a morte, ocorrendo já em momento seguinte ao da disponibilidade do cofre
pelos ladrões, ainda se dá no desenvolvimento deste crime, sem que isso se confunda com a
violência “depois da subtracção”, típica do artigo 211º, a qual vai obrigatoriamente
acompanhada da intenção de conservar ou não restituir as coisas subtraídas. Ainda assim, é
pertinente perguntar se, in casu, o cofre estaria mesmo na disponibilidade dos assaltantes, que
até tiveram necessidade de o atirar pela janela para acederem aos valores lá guardados. Quando
é que afinal se consumou o crime? ou, o que dá no mesmo, como é que se “rouba” um cofre?
No plano objectivo, o evento agravante tem de ser em concreto consequência adequada do
crime-base de roubo (simples), devendo averiguar-se se neste se continha um perigo típico, nos
termos antes definidos. Como também já se acentuou, podem não ser lineares as seguintes
constelações de casos: a morte de “outra pessoa” ocorre por acidente; é devida ao
comportamento de um terceiro (princípio da confiança); é devida ao comportamento da própria
vítima (princípio da auto-responsabilização). Mas não pode ser imputada aos assaltantes a
morte de quem os persegue após o roubo sem qualquer reacção destes; ou de quem morre com
os disparos do polícia que vai em perseguição do ladrão. Também se não dá a agravação deste
crime, no sentido indicado, se um passante é atingido por uma rajada descontrolada do ladrão
que procura a fuga, depois de irremediavelmente frustrada a acção; nem no caso daquele que é
atropelado pela carrinha que transporta o produto do assalto e se despista por excesso de
velocidade.
No caso anterior haverá quem afirme que o crime só poderá ser o do artigo 137º (homicídio
por negligência) em concurso efectivo com um crime de roubo (este eventualmente agravado
em razão do emprego de arma). E com razão, a nosso ver. Com efeito, a vítima morreu por lhe
ter caído o cofre em cima, mas o perigo de isso acontecer não era específico do roubo, podia
surgir dum crime de furto, executado sem violência contra as pessoas, bastando que os ladrões
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tivessem entrado na casa ou no escritório desertos, numa altura em que ninguém mais ali se
encontrasse, e procedessem de modo idêntico com o cofre.
Não deixa de ser verdade, por outro lado, que a morte do transeunte ocorreu já depois de
empregados os meios coercivos (ameaça com arma de fogo) tendentes a colocar a pessoa
visada pelo roubo na impossibilidade de lhes resistir.
Caso nº 11 A e B fazem um cerco ameaçador a C, quando o encontram sozinho numa zona montanhosa, onde
o frio é intenso e o tempo mostra muito má cara. Pretendem, e conseguem por esse processo, que
este lhes entregue toda a roupa que levava vestida, incluindo um excelente casacão que lhe custara
mais de mil euros na semana anterior. C morre de frio ao fim de algum tempo de exposição às
intempéries.
Num caso destes, relativamente à morte de C, bem difícil seria afastar o dolo (ao menos
eventual). O castigo dos dois ladrões seria então por roubo (simples) e homicídio doloso, em
concurso efectivo: antigo crime de latrocínio — a menos que se possa sustentar diferente
solução com base no exemplo-padrão da alínea c) do nº 2 do artigo 132º, invocando-se a
avidez do ladrão (punição por homicídio qualificado, cujo desvalor consumirá o do roubo), ou
afirmando-se a relevância de qualquer outra circunstância do nº 2 do artigo 132º.
Vamos supor, no entanto, que não houve dolo homicida, ou que este se não provou — e
recordemos que o homicídio negligente só pode resultar do facto, que não poderá ter lugar
como motivo sob pena de configurar um absurdo. Consideremos que a vítima do roubo da
roupa morreu de frio, mas que o mesmo poderia ocorrer com a simples subtracção, como
naquele caso em que alguém toma banho, deixando a roupa descuidadamente à distância, e o
ladrão aproveita para lha levar, vindo o infeliz banhista a morrer num resfriado, por entretanto
se terem alterado profundamente as condições atmosféricas. O perigo do resfriamento da
vítima do roubo não é típico deste, o mesmo poderia ter ocorrido por ocasião dum simples
furto da roupa. Ainda que se possa estabelecer uma relação causal entre a violência empregada
contra C e a subtracção da roupa, cuja falta provocou a morte deste pelo frio, não existe
qualquer relação específica de risco entre os meios coactivos empregados e o evento mortal.
Consequentemente, não aplicaremos o tipo preterintencional do artigo 210º, nº 3. Chegaríamos
a idêntica solução, se o C, ao procurar um caminho de fuga, ou ao pretender chegar à
povoação seguinte o mais depressa possível para fugir duma ameaçadora tempestade, tivesse
caído no abismo por não prestar atenção ao trilho por onde caminhava.
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pena: artigos 23º, nº 1, e 210º, n 1. O evento agravante foi produzido por negligência (artigo
18º). O crime por que o A responde é o dos artigos 22º, 23º, 210º, nº 1, e 3. ( ) ( ) 6 7
6. Roubo com perigo para a vida da vítima (artigo 210º, nº 2, alínea a)).
A "vítima" é aqui o sujeito passivo do delito (Actas, p. 133), em termos de compreender
qualquer pessoa sobre quem recair a ameaça ou violência: é "qualquer pessoa que ofereça
resistência à subtracção ou ao constrangimento à entrega do bem" (Conimbricense II, p. 179),
ou qualquer pessoa que venha em socorro de quem está a ser vítima da subtracção. Ponto é
que relativamente a essa pessoa se produza perigo (concreto e provindo do meio coactivo
empregue) —ou que se lhe inflija, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave
(artigos 210º, nº 2, alínea a), 144º e 148º, nºs 1 e 3).
Caso nº 14 A está a ser roubado mas B vem em seu auxílio e é igualmente agredido, ficando em perigo de vida
(ou sofrendo lesões graves).
Havendo duas vítimas, a solução (Conimbricense II, p. 180) está em punir por concurso de
crimes: roubo simples em relação a A em concurso com ofensas corporais graves em relação a
B. Justificação: o concurso não se faria com o roubo agravado, pois nesse caso haveria uma
duplicação da punibilidade tendo em conta o aspecto patrimonial do crime de roubo.
Tenha-se ademais presente que neste nº 2, alínea a), se incluem apenas as ofensas graves à
integridade física, sendo as ofensas simples abrangidas na valoração contida no nº 1 do artigo
210º (roubo simples).
Caso nº 15 A, para conseguir subtrair um anel valioso que B trazia consigo, conduz B, no seu próprio
automóvel, a um sítio deserto, e força-o aí a entregar-lhe o anel, abandonando-o de seguida, tendo
B ficado em perigo de vida quando se precipitou por uma ribanceira por ser já noite e não atinar
com o caminho.
Aqui, tudo depende de o perigo para a vida (que não é provocado por ofensas à integridade
física produzidas pelo meio coactivo contemporâneo da subtracção do anel) ser imputável ao
ladrão a título doloso ou negligente. A situação de perigo para vida negligente, não provocado
por ofensas à integridade física, fica fora da previsão da presente alínea (alínea a) do nº 2 do
artigo 210º); assim: Conimbricense II, p. 186. Se o perigo para a vida puder ser imputado ao
6 Um caso destes foi julgado pelo STJ (acórdão de 3 de Novembro de 2005, CJ 2005 tomo III, p. 193). O
Tribunal disse que não era necessário, face ao resultado não querido imputável ao arguido a título de negligência
(crime preterintencional) ficcionar a consumação do crime de roubo para punir o respectivo agente, nos termos
do artigo 210º, nº 3, do CP.
7 Imaginemos agora que A, a seguir ao disparo mortal, tinha desistido voluntariamente de levar avante a sua de
roubar a vítima. Seria caso de aplicar as consequência derivadas do artigo 24º quanto à tentativa de roubo?
M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
16
agente a título doloso, tal situação seria enquadrável no nº 2 do artigo 210º, "derrogando este
preceito a aplicabilidade do concurso efectivo de crimes — roubo simples em concurso com
crime de exposição ou abandono (artigo 138)".
V. — Um caso de instigação
Caso nº 16 A está decidido a cometer um roubo, mas B convence-o a ir armado. A estava decidido (omnimodo
facturus) a cometer um crime de roubo simples (artigo 210º, nº 1), antes da intervenção de B.
Aconselhado por este, acabou por cometer um roubo agravado ao levar consigo uma pistola
proibida, municiada e pronta a disparar, que exibiu à vítima (artigo 210º, nºs 1 e 2, b ), e 204º, nº 2,
f).
Como castigar B? Pela instigação dum crime de roubo agravado, foi a resposta dos tribunais
alemães: o homem de trás foi além da decisão do ladrão e induziu-o a um crime mais perigoso
na sua forma de execução e cujo conteúdo de ilícito é bem mais elevado. Mas a conclusão foi
muito criticada: o facto de simplesmente se exceder a decisão criminosa não significa
determinar outra pessoa a cometer o crime, por isso se não justifica a condenação pelo roubo
agravado. Como a lei sanciona autonomamente o emprego de arma proibida, a instigação será
ao crime de ameaça (artigo 153º, nº 1) e ao crime do artigo 86º, nº 1, da Lei das Armas.
Objecto de reflexão será, a mais disso, a possibilidade de castigar B por cumplicidade (psíquica)
no roubo (simples).
Na hipótese inversa, a do ladrão que estava decidido a cometer um roubo com arma, que o B
convence a não levar, parece haver uma diminuição do risco, não se justificando a punição de
B. O que se justifica é a aplicação da teoria da imputação objectiva à participação, como se vê
(cf. Kühl, p. 688).
Não será seguramente caso de cumplicidade se o crime está já terminado, i. e, exaurido. Qualquer "auxílio" será
então elemento típico de uma disposição autónoma, ou do crime do artigo 232º (auxílio material), ou do artigo
231º (receptação) ou do artigo 367º (favorecimento pessoal), que é uma forma de "encobrimento". Pense-se no
8 É de roubo impróprio (artigo 211º) a hipótese, de algum modo inversa a esta, de alguém se atirar ao ladrão
para, em flagrante delito de furto, o obrigar a restituir as coisas subtraídas, reagindo este com violência.
M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
17
caso em que A, para ser simpático com B, que já lhe prestou favores semelhantes, guarda consigo o cordão de
ouro que este, na manhã desse dia, tinha sacado com violência do pescoço da sua proprietária. Ou quando A,
sabendo que B é autor dum roubo em determinado local, onde, na atrapalhação da fuga, deixou vestígios que
imediatamente o comprometem, trata de eliminar esses vestígios, subtraindo-os à investigação policial.
A admissão da figura da "cumplicidade sucessiva" pode nalguns casos significar um
considerável agravamento da posição de quem presta auxílio, dando lugar, quando for o caso, à
imputação de partes do facto (Zurechnung von Tatteilen) ( ), propondo-se além disso o recuo
9
à fase da "consumação típica" da aplicação dos crimes autónomos do artigo 232º (auxílio
material), ou do artigo 231º (receptação) ou do artigo 367º (favorecimento pessoal),
A solução para o roubo, enquanto crime complexo (com uma dupla natureza, de coacção e
furto), deverá situar-se nos seguintes parâmetros: "se o acto de auxílio deve ter lugar, segundo
o decidido, logo após a vítima ter sido ferida mas antes de ter sido furtada, estaremos face a
uma cumplicidade no roubo; mas já não assim se o acto de auxílio se liga ao autor depois de a
violência estar já consumada: então o cúmplice só deve responder pelo acto parcial em que
efectivamente participou, no caso, pelo furto". ( ) Do que não há dúvida é que se a actividade
10
do cúmplice é accionada antes da consumação, pune-se a colaboração deste no facto alheio nos
termos do artigo 27º, o que igualmente significa que a referência se faz ao roubo agravado, se
for o caso.
10Com esta posição (de Stratenwerth) concorda o Prof. Figueiredo Dias. Formas Especiais do Crime, Textos de
apoio, Coimbra, 2004, p. 7, com outras indicações. Cf. também R. Rengier, BT I, 9ª ed., p. 133; e Jakobs AT, p.
675, a propósito do momento temporal da cumplicidade.
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deitar a mão ao casaco, mas usou-a no momento da fuga, em que esteve na iminência de o
"perder". E fez isso para o conservar, como acabou por conseguir. São-lhe por isso aplicáveis
as penas previstas para o roubo. O mesmo é dizer que o Código trata o desenvolvimento do
que fora um simples furto como se fosse um roubo do artigo 210º, com base nessa
perigosidade. Daí que também se possa chegar à pena do nº 3 do artigo 210º, se houver
homicídio negligente, se, por ex., no caso anterior, o B em vez de ficar por breves instantes
inconsciente, tivesse morrido, sem que ao A pudesse sequer imputar-se a representação desse
resultado (artigos 15º e 18º).
Na resolução de casos práticos importa sobretudo a correcta delimitação espácio-temporal da
situação tendo-se ainda em atenção que o fim da conduta não pode deixar de ser a conservação
ou a não restituição da coisa subtraída. Se o ladrão usa da força na fuga e logo a seguir à
prática do crime, a actuação, dizem os alemães, ocorre "auf frischer Tat", em situação de
flagrante, dizemos nós. Para além da perseguição à vista ( ), o caso mais evidente será o do
11
ladrão que é encontrado nas imediações do local do crime, logo a seguir a tê-lo cometido, e
com os objectos (alheios) que o comprometem —no sentido de demonstrarem que acabou de o
cometer. Uma boa orientação colhe-se da definição contida no artigo 256º do CPP, que
distingue o flagrante delito, o quase flagrante delito e a presunção de flagrante delito. Em
qualquer destes casos, a actuação do agente aparece como actual e evidente, assegurando que
a proximidade do furto permanece na situação típica do roubo impróprio (Eser, S/S, 25ª ed., p.
1769).
Todavia, se o agente ainda está a subtrair a coisa e usa de meios violentos para acabar de o
fazer, o crime é obviamente o de roubo do artigo 210º. Esta precisão é importante, como
importante é a boa compreensão das teorias sobre a consumação do furto. Recordar-se-á que,
nesta matéria, "nem contrectatio nem illatio"; e que a vitória das doutrinas intermédias vai por
vezes acompanhada da exigência, para a consumação, de um mínimo de tempo que permita
dizer que um efectivo domínio de facto sobre a coisa é levado a cabo pelo agente.
Caso nº 19 A, que acedeu a deslocar-se aos escritórios do supermercado —depois de ter passado a zona das
caixas sem pagar diversos objectos, ali expostos para venda, que momentos antes escondera no
corpo—, pousou tudo o que tinha subtraído, por "já não querer nada disso", e virou-se à pancada
aos funcionários presentes.
Faltando a intenção de conservar ou não restituir as coisas subtraídas, o caso não cai na alçada
do artigo 211º.
Caso nº 20 A e B, mancomunados, deitaram a mão a dois envelopes que se encontravam no balcão da loja de C,
onde tinham entrado com o propósito de levaram o que lhes fosse possível. Ambos conseguiram
abandonar o estabelecimento sem levantar suspeitas e, a uns 200 metros dali, o A começou a
reclamar a sua parte. B, que queria fazer a divisão só quando estivessem bem longe, não convenceu
o companheiro que, irritado, deu duas violentas pancadas no outro abandonando em seguida o
local, a correr, com o produto do furto, garantindo que ia ficar com tudo.
Também aqui se não mostram presentes os necessários elementos do crime do artigo 211º. Já
para nós é duvidoso o caso julgado pelo BGHst 26 95, que negou a necessária proximidade de
11 O facto é tipicamente evidente sempre que o ladrão é apanhado sem que a perseguição tenha sido
interrompida (BGHSt 28, 224, 228).
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tempo e espaço (flagrante), quando a vítima, a quem um seu companheiro de viagem subtraíra
a carteira do casaco que ia pendurado no interior do autocarro, só se deu conta do furto no
final da viagem, umas horas depois, tendo então o ladrão tentado conservar a carteira alheia
por meios violentos.
Se, em vez do furto, o crime subjacente (Vortat) for o roubo, há algumas dificuldades a
assinalar, nomeadamente no regime concursal. ( ) 12
Caso nº 21 Roubo como facto prévio. A usa de violência para subtrair a carteira a B e, depois, após a
subtracção, usa de novo violência sobre o mesmo B para garantir a conservação da presa,
provocando, desta segunda vez, ofensas à integridade física graves.
Se o ladrão usou violência para subtrair e com as coisas já em seu poder exerce de novo
violência para as conservar, o crime será o de roubo em concurso (efectivo) com o de ofensa à
integridade física (se esta ocorrer, podendo também verificar-se ameaça), evitando-se a
duplicação de punições que aconteceria com a punição pelo crime de roubo subjacente em
concurso com o crime de roubo impróprio. Mas se o facto prévio tivesse constituído um roubo
simples (artigo 210º, nº 1), como no caso anterior, a violência depois da subtracção (a "segunda
violência"), remetendo para as molduras penais do artigo 210º, nº 2, alínea a), consumiria o
(anterior) roubo simples.
Caso nº 22 A usa de violência com B para lhe subtrair um bem e na fuga vira-se à policia, usando novamente
de violência para conservar o que anteriormente tirara e provocando ofensas corporais graves.
Agora, as vítimas são diferentes. Por conseguinte: roubo simples em relação a B e ofensas
corporais em relação ao agente policial.
Vejamos ainda um outro caso, que está ligado à questão de saber se o autor do crime do artigo
211º tem que se identificar com o autor do crime prévio que levou a efeito a subtracção das
coisas.
Caso nº 23 J comete um crime de furto; V, seu amigo, não tem qualquer interesse nas coisas subtraídas, mas
fica de vigia. Ambos são no entanto observados por X, que os persegue. E como o V se desembaraça
melhor que o J, é ele quem se põe em fuga com as coisas furtadas. Quando o X apanha o V, este
vira-se contra ele a murros e pontapés, para poder conservar as coisas para o amigo. Exemplo de
Volker Krey, BT Band 2, p. 98.
V não actuou com intenção de se apropriar das coisas, falta-lhe uma qualidade, própria de
quem furta, é apenas cúmplice do furto previamente cometido por J. Se V não tem qualquer
intenção de se apropriar das coisas subtraídas não se lhe poderá imputar a intenção de as
conservar. Esta intenção só poderá atribuir-se a quem tiver chamado a si a autoria do crime
anterior. Conclusão: a conduta de V apenas seria susceptível de se integrar num crime de ofensa
à integridade física (ou de coacção). A partir desses considerandos, sustentados por uma parte
da doutrina alemã ( ), o Conimbricense conclui que "um cúmplice no furto que venha ajudar o
13
12Geppert Jura 1990, p. 559; Kindhäuser BT II Teilband 1, p. 270; Rengier BT II, p. 160; Conimbricense II, p.
198.
13Eser (S/S 25ª ed., p. 1769) apoia-se em ser o roubo impróprio, tal como o roubo, uma combinação de furto e
coacção, só podendo ser seu autor quem reunir na sua pessoa esses dois elementos e realizar o elemento
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autor com meios de coacção, para este conseguir a conservação do bem em seu poder, só
poderá ser cúmplice" no subsequente crime de roubo impróprio; "se o autor do furto não reage
e é apenas o cúmplice do furto que actua, então, responderá autonomamente, como autor, pelo
crime que cometer".
Cremos, no entanto, que o desenho típico do artigo 211º não se opõe a uma opinião diversa. ( ) 14
Partindo do princípio, que julgamos correcto, que nele se protegem os mesmos valores que
presidem à incriminação do roubo (tutela da propriedade e da liberdade individual), então,
quem "utilizar os meios" do roubo para defender a detenção (insegura) das coisas ilegalmente
subtraídas por outrem será autor do crime de roubo impróprio, desde que concorram os
restantes pressupostos. Qualquer pessoa pode encontrar-se nessa situação, independentemente
de ter sido reconhecida como o autêntico ladrão das coisas, bastando que o agente se convença
que uma testemunha dos factos o tomou como tal. No nosso caso, V seria autor do crime do
artigo 211º, uma vez que o X era para ele, no momento em que o esmurrou para defender as
coisas furtadas pelo amigo J, um mero obstáculo físico, tal qual uma parede que se interpunha
na sua marcha.
I. Tipicidade
1. Tipo objectivo
14Veja-se sobretudo Rengier BT I, p. 156; e na resolução dum caso prático Walter Gropp, Georg Küpper e W.
Mitsch, Fallsammlung zum Strafrecht, 2002, p, 254.
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a) Meios de constranger outra pessoa; violência (que não tem de ser necessariamente contra essa pessoa,
podendo mesmo ser contra coisas) ou ameaça com mal importante.
b) Resultado coactivo: uma disposição patrimonial que acarrete prejuízo para o coagido ou para outrem
c) Relação meio-fim
2. Tipo subjectivo
a) Dolo
b) Intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo
3. Ilegitimidade do enriquecimento intencionado e dolo correspondente.
II. Ilicitude
III. Culpa
(Estrutura do crime de extorsão simples do artigo 223º, nº 1)
a) São os mesmos com que se tece o artigo 154º: violência ou ameaça com mal
importante.
Já não se utiliza o complemento "ou pondo-a na impossibilidade de resistir", que foi retirado na
revisão de 1995: "falar da redução de uma pessoa à impossibilidade de reagir (a um acto
ilícito), depois de ter falado em violência, era inútil redundância", escreve o Prof. Taipa de
Carvalho, Conimbricense II, p. 344. Para o ilustre comentador, tal apuramento da redacção do
artigo 223º, nº 1, terá contribuído para esclarecer casos como o tratado no acórdão do STJ de
26 de Fevereiro de 1992 BMJ 414, p. 251, de alguém que guiando a mão alheia faz com que
esta, em seu próprio prejuízo, assine cheques de que o sujeito se apodera em seguida. O
Supremo tinha resistido a qualificar como extorsão a conduta de quem se aproveitava de uma
pessoa se encontrar debilitada para a fazer assinar um documento, uma vez que, na época, a
norma incriminadora acrescentava a expressão "ou pondo-a na impossibilidade de resistir" e, no
caso, a vítima já estava impossibilitada de resistir antes da intervenção criminosa. A conduta de
quem guiava uma mão inerte foi enquadrada nos crimes de falsificação e burla, negando-se a
existência quer de furto quer de extorsão, em atenção ao princípio da tipicidade. Hoje parece
(assim, Taipa de Carvalho) que nada obsta à qualificação de uma tal conduta como violência e
consequentemente a enquadrá-la na extorsão.
A nosso ver, o facto de se ter eliminado do artigo 223º, nº 1, a expressão "ou pondo-a na
impossibilidade de resistir" explica-se pela circunstância de no preceito a perfeição do crime
estar dependente de um efectivo prejuízo, mas um prejuízo causado por uma disposição
patrimonial, típica dos crimes contra o património em geral. A extorsão é um crime patrimonial
e um crime de dano do próprio ou de terceiro, mas sempre produzido por uma disposição
patrimonial. Aquele que faz a assinatura "comprometedora" com a mão inerte de outrem,
aproveitando-se da situação da vítima, que lhe não pode resistir, e que com isso consegue
deitar a mão ao alheio, não se encontra "na posição" de quem pratica um acto de disposição.
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Quem guia a mão de outrem faz dele instrumento das suas ambições. Neste contexto, os meios
coactivos da extorsão reduzem--se, de modo necessário, ao emprego da vis compulsiva.
Atento o relevo do Conimbricense e o enorme e merecidíssimo prestígio da Escola de
Coimbra, só fica bem que, na resolução de casos práticos, se não passe por alto que se trata de
"um crime cuja descrição típica é muito complexa, tornando-se, por vezes, difícil a decisão
sobre a qualificação jurídica de uma conduta como crime de extorsão ou de roubo". Deve
sobretudo compreender-se que a inclusão na extorsão daquele que sofre os efeitos dum
acidente vascular cerebral, mas "dá" a mão a quem faz a assinatura, exige que o
"aproveitamento" dessa impossibilidade de oferecer resistência seja qualificado como
"violência", que efectivamente é elemento típico da extorsão.
Esta posição (que trata a extorsão como uma variante do roubo) não se compromete com o
roubo, por não ser a "disposição patrimonial" (o "objecto da conduta" escreve o Prof. Taipa de
Carvalho) "coisa móvel". Ora, mesmo quando se concorde que a conduta que aqui releva não é
seguramente a da vítima, que não está em posição de dispor do que quer que seja, a posição do
Conimbricense não poderá ser ignorada na resolução de casos e eventualmente perfilhada. Para
isso há um razoável ponto de partida, o de ser a extorsão o complemento natural do roubo,
embora um e outro o sejam também do furto. Parece aliás que isso mesmo se quis consignar
nas Actas. E se assim é, o que não for roubo nem furto deverá, sem violência ao princípio da
legalidade, cair na extorsão. ( ) 16
b) Tal como vemos os dois tipos de ilícito, no roubo a vítima fica sem alternativa
No roubo, a vítima fica sem alternativa se não dá a bolsa, dá a bolsa ... e a vida: cumprindo-se
a ameaça, o ladrão “leva-lhe” as duas. Mas na extorsão, se o delinquente "levar" a vida da
vítima (ou de terceiro), não consegue o seu objectivo principal se a vantagem patrimonial não
for satisfeita. A ameaça do género “a bolsa ou a vida” significa que a vítima tem de escolher
entre a simples perda de uma coisa e perder também a vida. Vendo as coisas na perspectiva do
que havia a perder, para quem foi roubado não ficou qualquer liberdade de escolha. Na
extorsão, a vítima continua com alguma liberdade de escolha, ainda que em medida mínima. Se
alguém tem uma pistola apontada à cabeça e, coagido, não verga, se opta por levar o tiro, já
não fica em condições de assinar. Se o extorsionário não consegue os seus propósitos, porque a
vítima se recusou a assinar e continua viva, o crime não passa da tentativa. Se a vítima "assina"
como mero instrumento do outro que lhe guia a mão, não será de extorsão que se trata mas,
em primeira linha, de falsificação e coacção, eventualmente grave, sem prejuízo de se detectar
ainda um crime contra a propriedade.
Ainda nesta perspectiva, as diferenças entre a extorsão e o roubo não se explicam somente por
na maior parte dos roubos o ladrão fugir com a coisa que é subtraída logo ali, em acto seguido
ou simultâneo ao do emprego da violência. Este modus operandi não é típico da extorsão —
nesta, cedendo o coagido, a vantagem patrimonial vem depois, de tal forma que a vítima como
16 No direito alemão, uma das posições assumidas aceita formas de violência absoluta contra a pessoa. Isso só
acontece porque o preceito correspondente (o § 253) não supõe, entre os correspondentes elementos típicos, uma
disposição patrimonial. Mesmo assim, a solução é altamente discutível (Kindhäuser BT II, p. 274).
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que colabora com o criminoso. Para a violência fica sempre, obviamente, um papel, basta
pensar no extorsionário que primeiro manda a fábrica do empresário pelos ares e que, em
seguida, põe a vítima perante a alternativa de pagar ou sofrer um mal ainda maior. A lei não
exige que a violência tenha de ser actual, nem o perigo imediato, não tendo igualmente que ser
contra as pessoas. Se a vítima paga (dispondo do seu património), compra com isso o fim da
coacção e, eventualmente, livra-se dela no futuro. Os bens jurídicos protegidos são o
património e liberdade pessoal.
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— A, munido de uma arma, constrange B a assinar-lhe uma declaração de dívida, sem que
esta exista (artigo 223º, nºs 1 e 3, alínea a), e 204º, nº 2, alínea f)).
— A, para conseguir a assinatura de B numa declaração de dívida inexistente, derramou-
lhe na cara um produto com acção corrosiva. Não obstante B ter sido socorrido e
submetido a duas intervenções cirúrgicas, sofreu 200 dias de doença com
impossibilidade para o trabalho e ainda desfiguração grave e permanente (artigo 223º,
nºs 1 e 3, alínea a), e 210º, nº 2, alínea a).
— A sabe perfeitamente que seu tio B é doente cardíaco. Apesar disso, porque quer a
assinatura de B numa declaração de dívida inexistente, aponta-lhe uma pistola à cabeça.
B ainda chega a fazer a sua assinatura, mas no momento seguinte cai no chão,
fulminado: A não previu tal resultado (artigos 223º, nºs 1 e 3, alínea b), 210º, nº 3, 15º e
18º).
— A sabe perfeitamente que seu tio B é doente cardíaco. Apesar disso, porque quer a
assinatura de B numa declaração de dívida inexistente, aponta-lhe uma pistola à cabeça.
B ainda chega a fazer a sua assinatura, mas no momento seguinte cai no chão,
fulminado. A, que previu esse mesmo resultado, conformou-se com a ocorrência do
mesmo (artigos 223º, nº 1, e 131º).
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crime de violação acresce o de roubo, por haver um claro nexo objectivo entre essa mesma
violência e a subtracção (relação meio-fim). ( ) 17
Caso nº 28 A quer violar uma mulher e para isso dirige-se a uma garagem nos fundos dum prédio de grandes
dimensões, pondo-se à espreita, escondido atrás duma coluna. Quando B se aproxima e se prepara
para abrir o carro, A atira-se a ela, por detrás e de surpresa, derrubando-a. Ata-a, em seguida, de
pés e mãos com uma corda que trazia no bolso e faz-lhe uma mordaça com a gravata — tudo para
conseguir as práticas sexuais que se propusera. Só que, no momento decisivo, repara na carteira de
B, põe-se a revistá-la, mas não encontra dinheiro. Pega, todavia, no cartão multibanco de B, a
quem, com uma navalha nas mãos e as palavras “senão retalho-te a cara”, ordena que lhe dê o
número secreto, ao mesmo tempo que lhe retira ligeiramente a gravata da boca. Logo que consegue
decorar o código, A abandona sem mais a vítima, amarrada e amordaçada, no local, e dirige-se a
um caixa multibanco, apropriando-se aí de 300 euros da conta de B. Por fim, inutiliza o cartão
multibanco e deita-o para o lixo, gastando depois o dinheiro em seu proveito.
Punibilidade de A?
A começou por ofender B, voluntária e corporalmente, derrubando-a, inclusivamente. A ofensa,
prevista no artigo 143º, nº 1, poderá ser qualificada pelo emprego de um expediente insidioso,
como é a espera, a emboscada, o disfarce, a surpresa (artigos 143º, nº 1, 146º, nºs 1 e 2, e 132º,
nº 2, alínea h).
Indicia-se, por outro lado, um crime de violação tentado (artigos 22º, nºs 1 e 2, alínea c), e
164º, nº 1). É verdade que o A nada mais fez para concretizar o seu plano inicial de violação
— mas não é possível sustentar que voluntariamente terá desistido de prosseguir na execução
desse crime. Se A tivesse desistido relevantemente [o que claramente não aconteceu], a
tentativa de violação deixaria de ser punível (artigo 24º, nº 1), não sendo razoável afirmar que
houve uma coacção sexual consumada (artigo 163º, nº 1), pelo que também o agente não seria
punível por este crime.
A tipicidade do artigo 158º, nº 1, mostra-se do mesmo modo preenchida (cf. também o artigo
160º, nº 1, alínea b). A amarrou a mulher, privando-a da liberdade de locomoção (jus
ambulandi), da liberdade física, a liberdade de movimentos — impediu-a, em suma, de se
movimentar, e por um tempo apreciável, com o que o ilícito se consumou.
Terá havido roubo do cartão multibanco? Comprovadamente, houve violência contra uma
pessoa. A subtraiu o cartão multibanco de B, coisa que sabia alheia, com intenção de dele se
apropriar para levantar o dinheiro, e sem intuito de restituição a B ou à instituição que o
emitira. No roubo, todavia, para a subtracção exige-se uma relação de meio-fim entre o ataque
à pessoa e o ataque à coisa, o emprego da violência deve ser um meio para conseguir ou para
assegurar a subtracção (fim) — e isso não terá acontecido no caso em apreço, pois a violência
foi exercida com outras finalidades, não para a subtracção do cartão multibanco. Não se
verifica, por isso, o crime do artigo 210º, nº 1, mas pode afirmar-se o furto do cartão: artigo
203º, nº 1, ainda que se ignore o valor do mesmo. Uma outra hipótese consiste em tratar a
subtracção do cartão multibanco que vai servir para tirar dinheiro do caixa, usando o ladrão o
código secreto, como um acto anterior não punido, de forma idêntica à subtracção da chave de
17Caso contrário, o crime patrimonial só pode ser o de furto, porque então a violência usada não desempenha
qualquer papel na subtracção.
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uma viatura de que alguém se pretende apropriar ilegitimamente. A solução correcta encontrar-
se-ia no âmbito do concurso aparente de normas, por ser caso de consunção.
Igualmente se mostra preenchida a tipicidade dos artigos 153º, nº 1 (ameaça) e 154º, nº 1
(coacção), pois B foi constrangida a revelar o número secreto, com a ameaça do emprego da
navalha — crime contra a integridade física. Considere-se ainda a hipótese da coacção grave do
artigo 155º, nº 1, na medida em que foi exercida quando B estava particularmente indefesa, por
se encontrar amarrada de pés e mãos. A ameaça do emprego iminente da navalha pode integrar
um crime-meio para o A conseguir a disposição patrimonial (os 300 euros) a seu favor e à custa
da vítima (extorsão agravada: artigos 223º, nºs 1 e 3, a), e 204º, nº 2, alínea f). Ainda assim,
haverá que ponderar se esses factos não se integrarão mais correctamente no crime de roubo
(artigos 210º, nºs 1 e 2, alínea b), e 204º, nº 2, alínea f). A retirada dos 300 euros poderá
entender-se como o exaurimento deste crime.
Finalmente, analise-se ainda o crime de burla informática (artigo 221º, nº 1): o número secreto
e o que consta da banda magnética do cartão são dados, no sentido deste artigo, e o cartão foi
introduzido num sistema informático. A utilizou dados sem autorização, pelo que o crime estará
consumado. A inutilização final do cartão representará um acto posterior co-punido. Veja, a
propósito, entre outros, o acórdão do STJ de 6 de Outubro de 2005 CJ 2005, tomo III, p. 179
(neste caso houve utilização posterior do cartão e do código, após o roubo da carteira onde se
encontravam).
Ficam para resolver, do mesmo modo, os inevitáveis problemas de concurso.
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O relógio entregue ao comerciante é uma coisa e foi obtido por B mediante facto ilícito típico
contra o património. B entregou o relógio dolosamente ao comerciante, mas não cometeu um
crime de receptação já que só é autor deste crime quem (…) adquirir por qualquer título coisa
que foi obtida por outrem (…). O tipo de receptação exclui da correspondente autoria o que
for autor (material, mediato ou co-autor) do facto prévio.
Punibilidade de C.
Receptação. Artigo 231º.
Tipo objectivo. O relógio entregue ao comerciante é uma coisa e foi obtido por B mediante
facto ilícito típico contra o património. Por outro lado, o agente do facto referencial é pessoa
diversa do receptador.
Tipo subjectivo. C adquiriu o relógio dolosamente: artigo 15º. Sabia que se tratava de coisa
obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património. Fê-lo, ademais, com
intenção de obter para si vantagem patrimonial. C conhecia o verdadeiro valor do relógio,
pagou por ele um preço bem menor, sempre com a consciência de que o proveito assim
auferido era devido à proveniência ilícita do mesmo.
Ilicitude, culpa. Não existe qualquer causa de justificação ou de desculpa pelo que o C agiu
ilícita e culposamente.
Conclusão. C é autor material de um crime do artigo 231º, nº 1.
Punibilidade de M.
Receptação de sucedâneos. Artigos 231º, nº 1, e 233º.
Tipo objectivo. M não recebeu o relógio, mas o produto obtido com a venda do mesmo. Como
se sabe, são equiparados às coisas referidas no artigo 231º os valore sou produtos com elas
directamente obtidos.
Tipo subjectivo. M recebeu o dinheiro sabendo da sua proveniência, agindo portanto
dolosamente: artigo 15º. Sabia que se tratava do produto da venda de coisa obtida por outrem
mediante facto ilícito típico contra o património. É manifesta a intenção de M obter para si
vantagem patrimonial.
Ilicitude, culpa. Não existe qualquer causa de justificação ou de desculpa pelo que a M agiu
ilícita e culposamente.
Conclusão. M é autora material de um crime dos artigos 231º, nº 1, e sem qualquer causa de
justificação ou de desculpa .
M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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do bar Trevo, indivíduo já com cadastro. Em 22 de Junho de 2006 põem todos mãos ao trabalho.
Reúnem quatro barras de ferros, uma para cada membro do grupo, como tinham combinado, mas
sem que os outros dois saibam, F e H levam ainda, cada um deles, uma pistola carregada e pronta a
disparar, pois podem necessitar delas para vencer a resistência que supõem poderem encontrar. I já
vai tocado com a ingestão de alguns copos, o que se topa imediatamente. F decide por isso que o I
fique em casa, não obstante os protestos deste. I exige uma paga de mil euros do produto do assalto,
que o F generosamente consente em dar-lhe depois do golpe. Pouco antes da meia-noite, F, G e H
entram no clube nocturno de Leça. Logo que à porta lhes aparece o porteiro P, F dá-lhe um golpe
na cabeça com a barra de ferro que empunhava e estende-o sem sentidos por terra, como tinha sido
combinado ainda no carro. F, G e H entram de rompante no interior e exigem dos seis
consumidores presentes que lhes passem todo o dinheiro e objectos de valor que tenham consigo.
Logo que todos se aproximam com ar de quem está disposto a fazer-se obedecer, mostrando as
barras de ferros, e F exibe a pistola, igualmente com maus modos, todos os seis clientes se
apresentam com dinheiro, jóias e relógios. Sem que porém alguém tivesse notado, o porteiro P
recupera os sentidos e dá-se conta do que ocorre. Com medo de perder o emprego se não reagir,
saca da pistola de calibre 9 mm., que transporta consigo e que bem sabe ser uma arma proibida, e
dispara contra as pernas de H, o condutor do Golf, após o que de novo fica sem dar acordo de si.
Apesar de atingido com duas balas, H, ajudado pelos outros dois, que levam consigo o produto do
assalto, consegue abandonar o local. É o F quem agora conduz o carro, directo a um lugar
sossegado, onde poderão dividir o que roubaram. G não consegue porém conter a hemorragia do H,
ficando F e G cientes de que o ferido necessitava de assistência médica. E porque temem que ele
constitua um problema para a sua segurança, resolvem deixá-lo no interior do carro, tratando de
apagar e eliminar todos os vestígios que os pudessem identificar. Estão ambos de acordo em que
com isso não só se incrementam as condições de segurança como, ademais, fica cada um com
maiores vantagens do assalto, que assim são a dividir unicamente por eles. Passadas umas cinco
horas, H acaba por morrer. A posterior autópsia revelou que H poderia ter sido salvo se a
hemorragia tivesse sido estancada por um médico, e para isso tinha havido tempo de sobra, mesmo
depois que F e G abandonaram o companheiro inconsciente.
Punibilidade de F, G, H e I? Não interessa considerar nem o crime de detenção de arma nem o
crime de dano.
1. O assalto ao clube nocturno.
A. Responsabilidade penal de F e G.
I. Roubo qualificado: artigos 204, n.º 2, al. f), e 210, n.º 2, al. b).
F e G cometeram, em co-autoria, 6 crimes de roubo do artigo 210º, nº 1, na medida em que
empregaram um dos correspondentes meios típicos para alcançarem a subtracção do dinheiro e
valores de cada um dos clientes do clube.
A ameaça ou violência moral (vis compulsiva) supõe que o agente faça com que a vítima tema
um prejuízo iminente para a vida ou para a integridade física. Pode ser uma lesão simples, mas
o comportamento do sujeito activo deve ser apropriado a afastar a resistência da vítima. Para
averiguar se tal é o caso, deverá o intérprete perguntar-se se um observador objectivo,
colocado na situação da vítima, renunciaria, também ele, a resistir. Por outro lado, não será
necessário que o autor esteja em condições de concretizar um prejuízo para o correspondente
bem jurídico, objecto da ameaça, embora deva agir de forma a fazer crer seriamente na
possibilidade de a tornar efectiva. A ameaça tanto pode dirigir-se contra a pessoa que detém a
coisa como contra quem está encarregado de a guardar, por ex., o caixa. Pode mesmo dirigir-se
contra aquele que vem em socorro de uma dessas pessoas.
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No caso, cada um dos crimes de roubo pode ser qualificado. A razão de política criminal
fundante da consagração da agravante qualificativa do crime de roubo "trazendo, no momento
do crime, arma aparente ou oculta" (artigos 204, n.º 2, al. f), e 210, n.º 2, al. b)) é uma especial
censura do agente, por o tornar mais audaz e criar maiores dificuldades de defesa da vítima.
Ambos traziam barras de ferro consigo e até as mostraram. As armas têm definição na própria
lei — artigo 4º do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março. Além disso, o F fez uso da pistola
que levava consigo, mas não parece que este facto possa ficar abrangido pelo dolo do G, que
desconhecia que os companheiros, incluindo o falecido H, iam armados de pistolas.
II. Ofensa à integridade física qualificada: artigos 143º, nº 1, 146º, nºs 1 e 2, e 132º, nº 2, alínea
g).
Na medida em que o F, dolosamente, agrediu na cabeça o porteiro com a barra de ferro,
encontra-se preenchido o tipo, objectivo e subjectivo, do crime fundamental contra a
integridade física. Houve tanto uma ofensa do corpo como uma lesão da saúde, de nenhum
modo insignificantes. A qualificação ocorre por via da utilização da barra de ferro, que é
instrumento “particularmente perigoso” nas circunstâncias descritas, sendo a conduta
reveladora da especial censurabilidade do agente. Estão, por outro lado, preenchidos os
requisitos da co-autoria.
B. Responsabilidade de P.
I. Ofensa à integridade física agravada pelo resultado morte: artº 145º, nºs 1, alínea a).
P poderá estar comprometido com a prática deste crime, na medida em que desfechou a pistola
duas vezes sobre B. O resultado “morte” acabou por se verificar na sequência disso, mas o dolo
homicida não se provou ou não há indicadores que apontem nesse sentido, não sendo por isso
caso de sustentar a prática de um crime de homicídio do artigo 131º.
No artigo 145º consta um dos vários crimes qualificados pelo resultado previstos no Código.
Quem voluntariamente mas sem dolo homicida ofender outra pessoa corporalmente e por
negligência lhe produzir a morte (ou uma lesão da integridade física grave: nº 2 do artigo 145º)
comete um só crime, um crime qualificado pelo evento, embora o facto seja subsumível a duas
normas incriminadoras (no caso, a do artigo 143º, nº 1, e a do artigo 137º, nº 1).
A ofensa consumada, na forma dos tiros voluntariamente dados no corpo do H, associada à
hemorragia e consequente natural infecção que se seguiu, foi causa da morte deste. Não basta
porém que a acção do agressor apareça como simples condição do resultado, a aplicação do
artigo 145º supõe ainda um específico nexo de perigo entre o comportamento agressivo e o
evento mais grave. Exige uma boa parte dos autores, por outro lado, que à realização dolosa
do crime fundamental esteja directamente ligado o perigo específico que venha a cristalizar no
evento mortal. Só então existe o especial conteúdo do ilícito que justificará a pena realmente
mais grave, correspondente ao crime agravado pelo resultado. A morte do H está intimamente
relacionada com a descrita conduta do P.
Tal conduta pode no entanto estar justificada por legítima defesa (de 3º): artigos 32º e 31º, nºs
1 e 2, alínea a). Desenvolvia-se ainda uma agressão, que era actual — e ilícita, inclusivamente
para a integridade física dos seis clientes do clube nocturno. O assalto ainda se desenrolava na
M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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altura dos disparos. O facto de a arma ser proibida não conduz à irrelevância da eximente por
legítima defesa, cujos requisitos e pressupostos se encontram presentes: há por parte do P
inclusivamente vontade de defesa e o meio empregado na defesa era o necessário. P estava
consciente da actualidade da agressão aos clientes do estabelecimento e quis pôr-lhe termo.
Não desempenha qualquer papel a circunstância de o P temer perder o emprego.
A actuação de P não é ilícita.
C. Responsabilidade de I.
I concordou com o plano mas não participou na sua execução. I nada fez, não chegou sequer a
praticar actos de execução do crime de roubo executado pelos outros três.
2. O que aconteceu depois do assalto ao clube nocturno.
I. Homicídio por omissão: artigos 131º e 10º
F e G podem ser responsabilizados pela morte de H nas indicadas circunstâncias. O facto de F
e G terem deixado ficar o H dentro do carro foi causa da morte deste, o qual, seguramente,
podia ter sido salvo se lhe tivessem sido proporcionados os necessários cuidados médicos.
Discutível é se F e G são garantes da evitação desse resultado (artigo 10º, nº 2). Os deveres de
garante podem surgir, como se sabe, de situações de estreita comunhão de vida ou de estreita
comunhão de perigos. Todavia, é de entender que, ao contrário, por ex., de um grupo de
montanhistas, não se forma uma comunidade de perigos quando alguns se associam num bando
de malfeitores. Pensar outra coisa seria conceder uma alta honra a uma organização de
criminosos.
É igualmente duvidoso que se possa falar de ingerência. No caso de anterior intervenção
geradora de perigos (ingerência) o sujeito é obrigado, como garante, a impedir a produção do
correspondente dano. Quem cria o perigo tem o dever de impedir que este venha a converter-se
em dano. Isso vale, muito especialmente, para os casos em que alguém, com a sua conduta, pôs
a vida de outrem em perigo. Ainda assim, há quem tome posição contra, quem seja anti-
ingerência. A tendência é, aliás, para lhe introduzir limitações: não basta que o perigo seja
adequado, mas é ainda necessário que ele tenha sido ilícita ou inadmissivelmente criado.
Há-de reparar-se contudo que ao levarem o H para um sítio sossegado, simultaneamente F e G
diminuíram as probabilidades de este ser socorrido por terceiros, a mando por ex., da polícia,
que certamente compareceu em acto seguido no local do assalto. Tal comportamento integra
por certo uma situação de ingerência geradora de um dever de garante, pelo que F e G
cometeram o indicado crime.
II. Exposição ou abandono: artigo 138º.
O crime é doloso, estando presente todos os correspondente elementos objectivos e
subjectivos. F e G conduziram o companheiro para “um sítio sossegado” mas que não era o
adequado a tratar do H, que necessitava de cuidados médicos. Tinham portanto, relativamente
a este, um dever de assistência. Ambos sabiam, além disso, que este não tinha defesas. Sabiam,
M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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por outro lado que ao abandoná-lo colocavam a vida dele em perigo, como aconteceu (o H
chegou mesmo a morrer) e conformaram-se com esse resultado.
III. Omissão de auxílio: artigo 200º
F e G conheciam a situação de perigo para a vida ou de grave perigo para a integridade física
do H, mas não lhe prestaram o auxílio necessário ao afastamento desse perigo.
Há-de ter-se presente a função subsidiária do crime de omissão de auxílio (artigo 200º)
perante os crimes de comissão por omissão: a omissão de auxílio só entra em questão onde não
exista um dever de garante do agente pela não verificação de um resultado típico. A
interpretação do artigo 10º do Código Penal deve fazer-se em si mesma e por si mesma,
independentemente da interpretação que se faça do artigo 200º. E se deste modo os âmbitos
dos dois preceitos em alguma área se cobrirem, deve aí dar-se decidida prevalência ao artigo
10º sobre o artigo 200º. (Cf. F. Dias; tb. Wessels).
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física das pessoas (crime-meio). Será sempre necessário, para a determinação do número de crimes de
roubo efectivamente praticados, determinar-se previamente se, e em que medida, o crime contra as pessoas
foi meio para atingir o crime-fim (furto), sendo certo que, se o não foi, pode esse crime ganhar autonomia
(como crime de ameaças, de ofensas corporais, etc.) sem que faça parte do crime de roubo. Por isso é que, no
caso em que um ou mais agentes que irrompem num banco de metralhadoras em punho e de cara tapada e
ameaçam de morte não só os empregados como os clientes que na altura ali se encontram, a todos criando
um forte estado de pavor, não se considera terem sido cometidos tantos crimes de roubo quantas as pessoas
ameaçadas, pois que, designadamente os clientes (a não ser que sejam individualmente despojados de bens
ou que a violência sobre algum deles exercida seja essencialmente determinante da entrega ou da
impossibilidade de resistir à apropriação dos bens objecto da subtracção) nem detêm as coisas objecto do
furto (crime-fim), nem têm interesse directo em resistir à subtracção das coisas, nem os agentes precisam de
vencer essa resistência para atingir o seu objectivo. No caso, tanto a empregada do estabelecimento como a
dona deste tinham à sua guarda o dinheiro contido na caixa registadora; qualquer delas tinha interesse
legítimo em opor-se a qualquer acto de subtracção de tal dinheiro; e a resistência de qualquer delas tinha de
ser vencida para o arguido conseguir fazer entrar na sua esfera patrimonial o respectivo valor. Portanto, a
violência exercida (mediante ameaça de inoculação do vírus da sida) sobre qualquer delas foi crime-meio em
relação ao crime-fim (furto), podendo concluir-se que o arguido praticou, em concurso real, dois crimes de
roubo”.
Acórdão do STJ de 17 de Maio de 1995, CJ-1995, II, p. 206: extorsão para cobrança de dívidas.
Acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 2007: Provando-se que o arguido ameaçou a assistente de divulgação de
fotografias atentatórias da sua imagem social, obtidas contra a vontade desta, de forma a coagi-la, por esse
meio, a entregar-lhe novos quantitativos monetários, o que só não veio a concretizar-se pela resistência da
assistente, estão verificados todos os elementos constitutivos do crime de extorsão, na forma tentada.
Acórdão do STJ de 18 de Março de 2006, proc. 06P1170. A circunstância qualificativa da al. f) do n.º 2 do art.
204.º do CP pressupõe um perigo objectivo emergente das características da arma como instrumento de
agressão, sendo irrelevante que tenha sido ou não criado qualquer receio à pessoa lesada com o crime. É uma
manifestação de perigosidade do agente; a vítima pode nem se aperceber da detenção da arma pela agente,
situação que será até a comum na perpetração dos crimes de furto. Por isso, não importa para efeito de
preenchido da apontada qualificativa a circunstância de o arguido ter utilizado «um objecto com forma, cor e
aspecto de uma arma de fogo verdadeira», embora, no caso, a exibição do referido instrumento pelo arguido
tivesse sido decisiva para o desencadear do medo que levou os ofendidos a não oferecerem resistência à 18
subtracção dos objectos de que foram desapossados. Mas tal releva tão-somente no âmbito do n.º 1 do art.
210.º do CP, como forma de violência contra os ofendidos.
Acórdão do STJ de 21/10/1992, CJ. Violência depois da apropriação para o agente se subtrair à detenção:
furto em concurso real com ofensas corporais.
Acórdão do STJ de 22 de Abril de 1992, Simas Santos - Leal Henriques, Jurisprudência Penal, p. 568. Roubo e
crime correspondente ao enquadramento do excesso da violência utilizada: a violência empregue na
subtracção deve ser adequada e proporcionada à obtenção do resultado “subtracção”; se ela for excessiva, o
agente cometerá, para além do crime de roubo e, em acumulação com este, o crime correspondente ao
enquadramento penal do excesso da violência utilizada
Acórdão do STJ de 23 de Outubro de 1997, BMJ-470-228: a utilização de pistola de alarme não pode
enquadrar-se no conceito de "utilização de arma de fogo".
Acórdão do STJ de 26 de Novembro de 1997, BMJ-471-168: crime de roubo cometido com pistola cujas
restantes características não foram apuradas.
Acórdão do STJ de 27 de Outubro 2004, proc. 04P3237. O crime de extorsão, construído como crime contra o
património e protegendo a liberdade de disposição patrimonial, estabelece, como elemento central, o
constrangimento da vítima por meio de violência ou ameaça de um mal importante. O crime de extorsão
pressupõe uma relação directa entre o meio (a violência ou a ameaça que provoquem constrangimento) e o
resultado (obtenção de uma vantagem patrimonial), sendo sempre necessário que entre o meio e o acto de
M. Miguez Garcia. Direito penal.— Parte especial, § 15º (roubo; extorsão), Porto, 2007
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disposição patrimonial exista uma relação de adequação. De igual modo, no crime de burla deve existir
também uma atribuição patrimonial com o consequente empobrecimento do burlado, determinada por "erro
ou engano sobre factos que o agente astuciosamente provocou", distinguindo-se do crime de extorsão pela
diferente natureza dos meios utilizados: violência ou ameaça na extorsão; erro ou engano sobre factos na
burla. Porque o erro ou engano sobre os factos, típico do crime de burla, pode resultar da construção pelo
agente de uma ficção enganosa (mise en scène) em que também concorrem elementos tipicamente
aproximados dos meios de chantagem, impõe-se a rigorosa delimitação dos factos em função dos elementos
típicos envolvidos, para permitir a adequada qualificação e integração dos crimes que, em situação de
fronteira, possam estar em causa.
Acórdão do STJ de 27 de Outubro de 1983, BMJ-329-423. Homicídio qualificado e furto qualificado: os três
réus que, com o propósito de se apropriarem dos bens da vítima a agrediram à paulada, e depois se
apossaram de 1.700$00 em dinheiro e de uma telefonia no valor de 100$00, cometem, em concurso real, um
crime de homicídio qualificado e um crime de furto qualificado.
Acórdão do STJ de 3 de Julho de 1996, CJ, ano IV (1996), tomo II, p. 210: A e B ataram as mãos de C atrás das
costas, obrigaram-no a sentar-se no carro e apoderaram-se de diversos valores que fizeram seus,
abandonando depois o local e ficando C amarrado no interior da viatura - roubo e sequestro?
Acórdão do STJ de 3 de Maio de 2000, BMJ 497, p. 118: roubo e sequestro? O sequestro pode concorrer com o
crime complexo de roubo. O concurso será aparente, por uma relação de subsidiariedade, sempre que a
duração da privação da liberdade de locomoção não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática do
crime de roubo, como crime-fim. Constitui, pelo contrário, concurso efectivo quando essa privação da
liberdade se prolongue ou se desenvolva para além daquela medida, apresentando-se a violação desse bem
jurídico em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela incriminação
pelo crime de roubo. Cf. também o acórdão do STJ de 14 de Março de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 222.
Acórdão do STJ de 31 de Maio de 2006, proc. 06P1297. A circunstância de o arguido se haver introduzido
ilegitimamente no prédio onde reside a ofendida, com intenção de furtar, qualifica o crime de roubo pelo
mesmo perpetrado, uma vez que a área ou zona de entrada do prédio deve ser considerada como habitação,
constituindo, em qualquer caso, um espaço fechado - arts. 210.°, n.º 2, al. b), e 204.°, n.º 1, al. f), do CP.
Acórdão do STJ de 4 de Janeiro de 1996, CJ, IV (1996), t. 1, p. 171: crime de roubo; qualificação; conceito de
arma; subtracção de cartão multibanco e revelação do correspondente código.
Acórdão do STJ de 5 de Janeiro de 2005, proc. nº 04P4208. Entre os crimes de roubo e sequestro existe uma
relação de concurso aparente (por uma relação de subsidiariedade) sempre que a privação da liberdade de
locomoção não ultrapasse a medida naturalmente associada à prática do crime de roubo, como crime-fim; o
concurso é, pelo contrário, efectivo, quando a privação da liberdade se prolongue ou se desenvolva para além
daquela medida, apresentando-se a violação do bem jurídico protegido no crime de sequestro (a liberdade
ambulatória) em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar-se abrangida pela
incriminação pelo crime de roubo. Se, sempre sob as ordens do arguido e sob a ameaça da arma que lhe era
apontada, o ofendido conduziu o seu veículo, circulando durante cerca de 40 minutos, até junto ao ATM de
uma dependência bancária, e aí, sob ameaça do arguido, o ofendido, fazendo uso de um dos seus cartões
multibanco, que guardava na carteira, efectuou o levantamento da quantia de € 450,00, revela-se
impressivamente uma situação em que a liberdade de circulação do ofendido esteve afectada por acção do
arguido durante um considerável lapso de tempo, muito para além do que pode estar associado ou
finalisticamente determinado à prática de um crime de roubo.
Acórdão do STJ de 6 de Maio de 1998, CJ, ano IV (1998), tomo II, p. 183: pratica um crime de roubo
consumado em concurso real com um crime de coacção o arguido que usando de violência sobre o ofendido
se apropria da quantia de 500$ e de um cartão de crédito, com o qual não conseguiu levantar qualquer
importância visto que, apesar de, também por meio de violência ter obtido do ofendido o respectivo código,
ter sido impedido de o fazer por agente da autoridade quando o tentava.
Acórdão do STJ de 6 de Outubro de 2005, no processo 05P2253: No crime de burla informática do art. 221.º,
do C. Penal, o bem jurídico protegido é não só o património – mas concretamente, a integridade patrimonial
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