Professional Documents
Culture Documents
University Press.
Matsuzawa, T. (1990). Form perception and visual acuity in a chimpanzee. Nada há nada que seja tão transparente e tão claro quanto o fato d
Folia Primatologica, 55, 24-32. termos consciência. Kõhler propunha que a Psicologia, como outras ciência .
Matsuzawa, T. (1991). The visual world of a chimpanzee (Japanese text). tomasse como ponto de partida "o mundo tal como o encontramos, ingênuament
Tokyo, Japan: University ofTokyo Press. e sem critica" (p. 7). Este mundo imediato coloca como existentes, ao mesm
Pineda, 1. A., & Nava, C. (1993). Event-related potentials in macaque monkey tempo, as coisas e mim-mesmo que as contempla. No caso de Kõhl r
during passive and attentional processing of faces in a priming paradigm. (escrevendo os primeiros parágrafos de sue livro Gestalt Psychology, 1947),
Behavioural Brain Research, 53, 177-187. imagem incluia, fora a paisagem de um lago cercado de florestas e a rocha qu
Rarnachandran, V. S. (1988). Perceiving shape from shading. Scientific lhe servia de assento, o papel sobre o qual escrevia, e suas mãos, no ato d
American, 259, 76-83. escrever. Também para mim, que escrevo noutro momento histórico, possui fort
hepard, R. N., & Cooper, L. A. (1982). Mental images and their mental existência a tela de meu micro-computador e seu teclado que meus dedo
rotations. MIT Press. percorrem, exercendo pequenas pressões. Do lado de fora de meu escritório, I
Tomonaga, M. (1993). Upright face with inverted body: Further evidence for que há um extenso gramado e, ouvindo seu grito peculiar, sei que os dois gaviõc
inversion effect in face recognition by Japanese monkeys (Macaca juscata). caracará, que sempre freqüentam a região, estão pousando, em algum lugar.
Primate Research, 9, 277. (Japanese abstract only). Este aspecto indubitável de estar consciente de fez com que, duran
Tomonaga, M. (1994). How laboratory-raised Japanese monkeys (Macaca muito tempo, a Psicologia se definisse como a ciência dos fenômenos conscient
fusca/a) perceive rotated photographs of monkeys: Evidence for an inversion e tomou natural que, ao considerar os animais como objeto de pesquisa, fo
effect in face perception. Primates, 35, 155-165. efetuada a tentativa de entender-lhes a consciência, ainda mais quando veio
Tomonaga, M., Itakura, S., & Matsuzawa, T. (1993). Superiorityofown-species teoria darwinista trazer fortes argumentos a favor da continuidade entre a
faces and loss of inversion effect in face perception by a chimpanzee (Pan animais e o ser humano. O que está em jogo, não é minha consciência dos grito
troglodytesy. Folia Primatologica, 61, 110-114. dos gaviões, mas a que eles próprios possam ter, enquanto se preparam a pousar
Tomonaga, M., & Matsuzawa, T. (1992). Perception of complex geometric E muito significativo que, desde o começo, consciência e mente tenham
figures in chimpanzees (Pan troglodytes) and humans (Homo sapiens): sido tomadas como conceitos ligados, cada qual remetendo ao outro. A
Analyses of visual similarity on the basis of choice reaction time. JournaJ of consciência era entendida como a percepção interna através da qual alguém se
Comparative Psychology, 106,43-52. conta das operações e estados de sua mente, um acompanhante necessário d
funcionamento desta. De outro lado, sendo o único acesso, ou um ace o
privilegiado à mente, ela passava a definí-Ia e seus contéudos eram tomad
como conteúdos da mente. Esta implicação mútua, clara e distintamente exp t
por Descartes, fez com que consciência e mente fossem - ainda hoje, muit
vezes - usadas uma pela outra, quase como se fossem sinônimos. Trata-s ,
meu ver, de conceitos distintos: há muito mais no funcionamento mental do qu
confusão que tentarei corrigir, no presente artigo.
Um aspecto relevante de minha consciência é que ela se coloca como til'
mesma natureza que a das outras pessoas. Embora me pareça evidente que pto
diretamente minha consciência, enquanto tenho de usar de certa sagacidad p r
entender, ou pensar entender, a dos outros, atribuo comumente aos que en t
.ap z até de ser usado numa discussão teórica sem que o interlocútor nos propriedade sistêmica, estaremos finalmente livres da herança cartesiana e d , u
IIIt rrompa ou critique, mas que se revela múltiplo,' por pouco que submetido a dualismo explícito.
x ime. Começo por explorar - relatando alguns dados de pesquisa sobre quanto
limites de atribuição de consciência e de capacidades cognitivas a animais-
upo, Atribuição de afeto e cognição aos animais: um estudo empírico
Tento mostrar em seguida que têm pouca chance de nos levar a um
m Ihor conhecimento do jeito de ser do animal abordagens que: (1) Busquem O quanto são propensas as pessoas a atribuir características men~is.'
"espiar dentro da consciência do. animal", ou que procuram recanstituí-la, consciência em particular, aos animais é uma pergunta etnoetológic
nquanto consciência, a partir de sinais externos. Esta dificuldade em captar a interessante, pois além de orientar nossa curiosidade para aspectos da cultura qu
consciência animal, definida como se fosse uma coisa, é análoga à dificuldade remontam a concepções muito antigas acerca da relação entre o hom~m e o
que há, para um ser humano, em conhecer a consciência alheia. As qualidades animais, nos prepara para compreender as posições teóricas dos estudi0..s0s ~
subjetivas, que os filósofos chamam de qualia, escapam à observação direta de comportamento. Gosto de colocar em oposiç~o Montai~e~ que nao VI
quem não as esteja vivenciando. problemas em atribuir aos animais as nossas mais caras aptld~: e pescart
(2) Utilizem a consciência humana como degrau analógico necessário que os entendia como peças de maquinaria desprovidas de consciencra. Talvez
para a compreensão dos animais. O valor da analogia, é verdade, dependerá do sobrevivam posições semelhantes, tanto nos cientistas como nas pe.ssoas comuns,
animal que esteja em exame, de sua proximidade filogenética ao ser humano. O Eddy, Gallup e Povinelli (1993), numa pe~~lsa sobre o
modelo da subjetividade humana tem sido útil, como abordagem inicial, para antropomorfismo do senso comum, verificaram que seus sujeitos, estudante
definir problemas de investigação relevantes, no comportamento de espécies, universitários, atribuiam funções cognitivas "superiores" de acordo com a
principalmente de primatas, cuja organização social e cujos mecanismos categoria taxonôrnica dos animais considerados, num~ ord~m. cres~nte d
cognitivos se aproximam das nossas. O que pode ser questionado, no entanto, é a invertebrados para primatas, passando por peixes, anfíbios, répteis, pas~ar~s
generalidade desta abordagem e seu valor como algo mais do que um primeiro mamíferos. Também verificaram que a semelhança percebida entre os ammais
recorte. o homem atuava como base de julgamento: quanto mais um animal
Defendo a idéia de que o conhecimento de um animal decorre de uma assemelhasse ao ser humano, maior a capacidade mental que teria.
reconstrução, como também o conhecimento de outro ser humano ou até de mim- Seguindo o mesmo caminho de indagação, André Meller de Souza e u
mesmo. Se não posso captar, diretamente, a qualidade subjetiva, posso buscamos levantar as atitudes de alunos universitários da cidade de São Paulo
reconstituir - a partir da observação paciente de como um animal se orienta em acerca da mente animal. Interessava-nos, além da cognição, a vida afetiva do
u ambiente, dos objetos que procura ou que o incomodam e dos quais foge, do animais, tal como vista pelas pessoas. Uma hipótese que nos parecia 'pla~sív I
modo como lida com outros indivíduos da mesma espécie, com ameaças de era de que seria mais fácil às pessoas atribuir afetos e emoções ~os arumars, do
predação, etc. Este conhecimento além de permitir que eu preveja pormenores que atribuir-lhes inteligência, uma vez sendo ,que o ~or. mtelectual .é
da vez mais sutis do comportamento deste animal, me oferece meios de cuidar caraterística distinguidora de Homo sapiens. Quenamos, alem disso, des~b.."r
d le e interagir com ele adequadamente. A atribuição de características de a opção acadêmica dos sujeitos, na medida em que expressa uma visao d
sciência a outrem não precisa ser feita em decalque da informação que, como mundo, estaria associada a opiniões especificas. Burghardt (1985) relata t r
tribuidor, possuo acerca de mim-mesmo. A atribuição estrutura-se assimilando aplicado um questionário curto em contextos sociais diversos: eram, entre outro.
o aspectos do outro que, inicialmente, desafiam minha compreensão. O alunos de graduação em etologia, participantes de um congresso sobr
conhecimento do animal depende de uma "deceotração" do olhar, consiste em comportamento animal, e participantes de um debate s~br
ultrapassar a analogia antropomórfica, que provém do senso comum e das criacionismo/evolução patrocinado por uma entidade religiosa fundamentalist
propostas, já envelhecidas, de Romanes e dos primeiros darwinistas. Os participantes do debate fundamentalista eram, de todos, os menos propen
Um dos principais (e metafisicos) problemas com o conceito de em acreditar numa continuidade, afetiva ou intelectual, entre o homem
ciência, seja aplicado aos animais, seja ao ser humano, é ela ser tomada animais, os mais propensos, portanto, a negar-lhe aspectos da consciên I
mo "coisa", como fator independente, ao invés de ser tida como uma humana. Quarenta de nossos sujeitos eram alunos de Psicologia, os outr
cterística de como o animal ou ser humano se situam no mundo. Quando quarenta, alunos de Biologia, na mesma universidad~. Imagináv~os qu
I) r mos tomar a consciência de forma não-substantiva, mas como uma alunos de Biologia, por causa de seu contato com a teona da evoluçao e p 10 u
~~- ---- ~-=--~= ---
14
'o"
o:
'I\V Ivimento em causas conservacionistas, tenderiam a ser mais generosos na
unbuição de consciência aos animais.
'z"
-c
o:
Os sujeitos tinham de indicar, numa escala de 0-10, o quanto achavam -c -c
qu animais (chimpanzé, mico, golfinho, cachorro, gato, peixe, cobra, borboleta,
-c
o: ã:
CJ
-<
IX
'"
o
W
m
o
, Ianha) se assemelhavam ao ser humano em aspectos de razão e de afeto; o x -s -l
« w
X
'w o
o
quanto eram capazes de aprender o caminho de um labirinto, de reconhecerem-se Q.
...J
Q.
o !f
110 espelho ou de raciocinar para resolver um problema; o quanto eram capazes ãi I- III
Z
d sentir alegria, dor ou saudade. Perguntava-se também aos sujeitos sobre o W
(j)
I
quanto gostavam de cada tipo deanirnal e em que casos achavam que deveria -s W
u, o
o o u,
xistir uma lei que regulamentasse o tratamento dos animais por seres humanos. ...J
o o~ w o
...J
e
O primeiro aspecto a ressaltar, na análise dos resultados, foi a
.Cl
o o
:I:
~
UJ
« :I:
f
o ~
Q.
~
borboleta e pela aranha (urna regularidade que confirma os dados de Eddy et ai, :I:
o
:I:
o
1993). O que nos pareceu especialmente digno de nota foi que a ordem em que os _1 __ -.l__ "_
~
UJ w
~
V N o~ o~
animais eram classificados era praticamente a mesma, quer se tratasse da :I: :I:
capacidade de sentir emoções como das aptidões cognitivas como das afetivas.
Ela também era a mesma no grupo de biólogos e no de psicólogos. Vê-se, na
Figura I, que as curvas relativas às opiniões destes dois grupos ou correm 'o"
o: 'o"
o:
ª
)(
Q.
W ...J
O Q.
o ãi o
L UJ
ãi «
-l
UJ
O if.
o L
::::>
« o
t( s
o- o
o
o a: u,
oo w
...J
z o o
-c u,
...J
éii z
o
I o :I:
-l o Q.
w ~
W a:
a, o
L « o
w o
(j) 2
o Q.
.~ :::!
~ x
o
:::!
_ J __ .-.L... __ •• -....1.__ J w
~ 00 ~ ~ N o~
d 1 animais envolvidos tendia a se re-aproximar do outro e a exibir IltI mo necessárias para uma verificação objetiva: "a história natural, n
c mportamentos afiliativos, como esticar o braço com mão estendida ou beijar o I I pções, intuições e sentimentos, descrições comportamentais cuidado
utro na boca. Este desempenho, que parece desmentir a idéia de que conflitos rd ntificação com o animal, modelos de otimização, estudos previam 11
afastam os contendores um do outro, foi chamado "reconciliação" por De Waal, 1 lizados e assim por diante" (p. 73). Nesta epistemologia em que tudo entr ,
111 rência antropomórfica assume um papel ocasional e preparatório.
porque análogo ao comportamento de seres humanos que põem fim a uma briga,
reatando o contato através de palavras e comportamentos de apaziguamento. O O antropomorfismo tem por limite, em segundo lugar, a semelhan
termo reconciliação não carrega necessariamente conotações introspectivas, cio animais considerados com o ser humano. Disso, Romanes já se dava con
refere-se a uma categoria social descritiva, de uso corrente, apta a ser embasada "quanto menor a semelhança, menor o valor de qualquer analogia fundada n
cm critérios empíricos, etogramáticos, precisos, como o próprio De Waal, m Ihança, e, portanto, a inferência de que uma formiga ou uma abelha sin m
cautelosamente, argumenta (De Waal, 1992). unpatia ou cólera não é tão válida quanto a inferência semelhante no caso d um
Os termos descritivos do senso comum - especialmente quando se • o ou de um macaco." Contudo, acrescenta que: "apesar disso, ainda é um
referem às variedades da interação humana - podem representar uma abordagem mf rência e, como tal, uma inferência válida - pois é, na realidade, a úni <
InICIO/ ~eressante ao jeito animal de ser. Não ferem o espírito científico só por mf rência possível."(l882, p. 569). E deveras curioso este movimento do espírit
terem Sl~O emprestado ao repertório "humano". Designam fenômenos a respeito Itr. vés do qual a validade de uma proposição decorre de ser a única possível'
dos quais temos uma longa experiência social e a respeito dos quais possuimos zumbido das abelhas e seu vôo desordenado ao redor da colméia perturbada,
esquemas ou scripts culturais que poderiam ajudar a estrutura r o fluxo de piem ser interpretados como, digamos, cólera (porque sentimos cólera quando
comportamentos e interações de animais, em determinados contextos. Se (o 11 perturbam ou ameaçam), mesmo que a distância entre nossa cólera e a da
exemplo, novamente, é de .De Waal, 1992) vejo um chimpanzé adulto rb lhas seja enorme e mesmo que a comparação soe como bastante vaga!
sistematicamente ameaçar ou agredir dois outros machos, interrompendo o Dentre as muitas formas de animais, os invertebrados surgem com
ataque logo que estes se afastam um do outro, posso inferir que esteja em jogo pccialmente opacos à nossa empatia. Como saber o que sente uma anêmon •
algo semelhante à estratégia humana de "dividir para governar". O agressor d -mar quando agita seus mil tentáculos, de forma elegantemente caótica, ou o
poderia estar evitando a formação de uma coalizão e de futuras ameaças à sua b • ouro macho que, montado na fêmea, esfrega-lhe os flancos com movimento
própria posição no grupo. da patas, ou ainda, o macho do louva-a-deus cuja cabeça está sendo ingerid
O recurso a termos de grau inferior de abstração, mais estreitamente e p Ia fêmea, em plena cópula? (não há equivalentes para esta última situação, no
reducionisticamente ligados a aspectos empíricos, a linguagem dos padrões aso humano , que possam servir de suporte para o pensamento analógico
motores mínimos, como "arreganhar os dentes", "emitir a vocalização x", "ter f lizmente !). Premack (1986) escreve que "a expressão de Griffin "etologu
pelo arrepiado", etc. pode por a perder a percepção de uma gestalt global, que cognitiva''. .. quando aplicada aos invertebrados, é uma designação equivocada
vem ao mesmo tempo como apreensão do que está ocorrendo e hipótese a pitoresca, mais ou menos como a "Noruega equatorial" ou a "selva náutica" (p
Iespeito do que poderia estar acontecendo, isto é, ponto de partida para testes I 7).
ulteriores. Não há porque rejeitar, a priori, o emprego desta intuição Ocasionalmente, podemos sentir falhar nossa interpretação, mesm
org~izadora que Waal coloca como "a principal influência implícita; a fonte de diante de vertebrados. Lembro-me dos crocodilos que, quando criança via n
muitas de nossas melhores idéias" (1992, p. 315). zoológico do Cairo, tomando sol, horas a fio, feito estátuas, a boca enorm
O problema é saber até onde pode nos levar o antropomorfismo na aborta com seu interior alaranjado à vista. Não estavam dormindo, pois s
co~pr~são e no conhecimento dos animais. Tendo levantado o embargo perturbássemos, lançando qualquer coisa em sua direção, podiam mergulhe
apnonstico contra este modo "empático" de investigação (ver também as análise imediatamente no tanque. O que podia passar pela sua cabeça, nesta postura, n
d Burghardt, 1990 e Fisher, 1992), preciso apontar-lhe três (de)limitações. deixava bastante intrigados.
A primeira tem a ver com o papel que intuições antropomórficas Em suma, o segundo problema com a abordagem antropomórfica
d sempenham na produção de conhecimento. Servem (como já adiantei) como deixar fora de seu âmbito um sem número de animais e de desemp ho
quadro estruturador inicial e fonte de idéias e hipóteses, funcionam como interessantes. Uma posição possível é afirmar que nestes animais e ne t
tnstrumento heuristico, mediador, mais do que como descrição completa e desempenhos, simplesmente não há consciência ou participação da m t
ugorosa. Entende-se que Burghardt, ao definir seu "antropomorfismo critico" Dicotomiza-se o domínio dos processos cornportamentais, traçando uma linh ,
11 I mescle várias fontes de informação, especialmente as que normalmente são muito mais nitida do que se poderia de fato traçar, entre o automático o
}