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RBGEA
REVISTA BRASILEIRA DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL
REVISTA BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Publicação Científica da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Editor
Lázaro Valentim Zuquette – USP

Co Editor
Fernando F. Kertzman – GEOTEC

Revisores
Antonio Cendrero – Univ. da Cantabria (Espanha)
Alberto Pio Fiori - UFPR
Candido Bordeaux Rego Neto - IPUF
Clovis Gonzatti - CIENTEC
Eduardo Goulart Collares – UEMG
Emilio Velloso Barroso – UFRJ
Fabio Soares Magalhães – BVP
Fabio Taioli - USP
Frederico Garcia Sobreira - UFOP
Guido Guidicini - Geoenergia
Helena Polivanov – UFRJ
Jose Alcino Rodrigues de Carvalho – Univ. Nova de Lisboa (Portugal)
José Augusto de Lollo - UNESP
Luis de Almeida Prado Bacellar – UFOP
Luiz Nishiyama - UFU
Marcilene Dantas Ferreira - UFSCar
Marta Luzia de Souza – UEM
Newton Moreira de Souza – UnB
Oswaldo Augusto Filho – USP
Reinaldo Lorandi – UFSCar
Ricardo Vedovello – IG/SMA

Projeto Gráfico e Diagramação


Rita Motta - Editora Tribo da Ilha

Foto da Capa
Obras do Rodoanel trecho sul, nas proximidades da represa Billings.,
tirada em 08 de julho de 2008 . Fabrício Araujo Mirandola - IPT

Edição Especial

Circulação: Novembro de 2011

Tiragem: 2.500

ISSN 2237-4590

São Paulo/SP

Novembro/2011
Av. Prof. Almeida Prado, 532 – IPT (Prédio 11) 05508-901 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3767-4361 - Telefax: (11) 3719-0661 - E-mail:abge@ipt.br - Home Page: http://www.abge.com.br

DIRETORIA - GESTÃO 2009/2011


Presidente: Fernando Facciolla Kertzman
Vice-Presidente: Gerson Salviano de Almeida Filho
Diretora Secretária: Kátia Canil
Diretor Financeiro: Luiz Fernando D`Agostino
Diretor de Eventos: Elisabete Nascimento Rocha
Diretor de Comunicação: Marcelo Fischer Gramani

CONSELHO DELIBERATIVO
Elaine Cristina de Castro, Elisabete Nascimento Rocha, Fabio Canzian da Silva, Fabrício Araújo Mirandola, Fer-
nando Facciolla Kertzman, Fernando Ximenes T. Salomão, Gerson Almeida Salviano Filho, Ivan José Delatim,
Kátia Canil, Leonardo Andrade de Souza, Luiz Antonio P. de Souza, Luiz Fernando D’Agostino, Marcelo Fis-
cher Gramani, Newton Moreira de Souza, Selma Simões de Castro.

NÚCLEO RIO DE JANEIRO


Presidente: Nelson Meirim Coutinho - Vice-Presidente: Antonio Queiroz
Diretor Secretário: Eusébio José Gil - Diretor Financeiro: Cláudio P. Amaral
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NÚCLEO MINAS GERAIS


Presidente: Maria Giovana Parizzi - Secretário: Frederico Garcia Sobreira
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Fone: (31) 3559.1600 r 237 Fax: (31) 3559.1606 –

REPRESENTANTES REGIONAIS UF

ROBERTO FERES AC
HELIENE FERREIRA DA SILVA AL
JOSÉ DUARTE ALECRIM AM
CARLOS HENRIQUE DE A.C. MEDEIROS BA
FRANCISCO SAID GONÇALVES CE
NORIS COSTA DINIZ DF
JOÃO LUIZ ARMELIN GO
MOACYR ADRIANO AUGUSTO JUNIOR MA
ARNALDO YOSO SAKAMOTO MS
KURT JOÃO ALBRECHT MT
CLAUDIO FABIAN SZLAFSZTEIN PA
MARTA LUZIA DE SOUZA PR
LUIZ GILBERTO DALL’IGNA RO
CEZAR AUGUSTO BURKERT BASTOS RS
CANDIDO BORDEAUX REGO NETO SC
JOCÉLIO CABRAL MENDONÇA TO
APRESENTAÇÃO

A Revista Brasileira de Geologia de Enge- de investigações, estudos e soluções de problemas


nharia e Ambiental (RBGEA) é uma proposta da de engenharia e ambientais decorrentes da inte-
Associação Brasileira de Geologia de Engenharia ração entre a Geologia e as atividades humanas
e Ambiental (ABGE) no sentido de suprir uma la- - (incluindo aspectos relevantes da Geologia rela-
cuna nacional para publicação de trabalhos cien- cionados à Engenharia Civil, Mineração e Recur-
tíficos técnicos e de exemplos de aplicação da Ge- sos Hídricos, assim como relacionados à previsão
ologia de Engenharia e Ambiental, que venham de eventos perigosos, às áreas contaminadas, aos
agregar conhecimentos aos profissionais, pesqui- processos geológicos, à prevenção e remediação
sadores e comunidade em geral, tanto em nível de áreas degradadas) -, Planejamento Territorial
nacional como internacional. e Ambiental, Banco de Dados e Casos Históricos;
 A frequência será de três números regulares além destes estudos serão também contempla-
por ano, e números especiais, no caso de seleção dos os processos modernos, as novas técnicas de
de trabalhos relacionados a um tema especifico. campo e laboratório e temas científicos de interes-
A RBGEA terá o primeiro número na forma se amplo e caráter original, sempre relacionados
impressa, e, logo que tiver uma sequência defini- com a Geologia de Engenharia e Ambiental e com
da, será uma publicação eletrônica, impressa anu- as ciências da terra de uma forma geral, seja do
almente. Com este periódico espera-se que haja Brasil seja de outros países, publicados na língua
um avanço nas relações entre os profissionais que portuguesa e espanhola.
atuam na formação e pesquisa e aqueles que atuam O primeiro número apresenta artigos his-
nas outras esferas da profissão. Assim, será refor- tóricos de três profissionais que dão nome aos
çada a relação que tornou a atividade de Geólogo Prêmios da ABGE para os destaques de nossa
de Engenharia e Ambiental relevante em diversos categoria: Ernesto Pichler, Lorenz Dobereiner e
países, fazendo com que a profissão ocupe uma Fernando Luiz Prandini, bem como uma série ini-
posição de destaque na sociedade, com questões cial de artigos encomendados pelos Editores. A
relevantes relacionadas ao Planejamento Urbano segunda edição continuará com autores convida-
e as Obras de Infraestrutura e tantos outros. dos pelos Editores; e a terceira edição será um dos
Espera-se que esta publicação atinja seus obje- melhores trabalhos escolhidos no 13º CBGE. Na
tivos e venha subsidiar estudantes e profissionais sequência, haverá publicações digitais reunindo
da Geologia de Engenharia nas suas atividades, os artigos submetidos por diversos autores.
seja nas universidades, nos institutos, nas empre-
sas de economia mista, públicas ou privadas. Boa leitura à todos.
A Revista Brasileira de Geologia de Engenha-
ria e Ambiental (RBGEA) destina-se à divulgação
Lazaro V.Zuquette e
Fernando F. Kertzman
Sumário

9 BOÇOROCAS
Ernesto Pichler (In memorian)

17 CARACTERIZAÇÃO GEOMECÂNICA DO MACIÇO ROCHOSO DE FUNDAÇÃO


DA UHE CACHOEIRA PORTEIRA
Lorenz Dobereiner (In memorian)
Fernando Pires de Camargo
Alarico A. C. Jácomo

29 O BRASIL E A GEOLOGIA NO PLANEJAMENTO TERRITORIAL E URBANO


Fernando Luiz Prandini (In memorian)

41 UM BREVE RELATO SOBRE A GEOLOGIA DE ENGENHARIA


Lazaro Valentin Zuquette

57 INTEGRAÇÃO DE ESTUDOS GEOLÓGICO-GEOTÉCNICOS APLICADOS A


PROJETOS DE ENGENHARIA E À AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS:
ESTAMOS AVANÇANDO?
Omar Yazbek Bitar
Amarilis Lucia Casteli Figueiredo Gallardo
Sofia Julia Alves Macedo Campos
Tânia de Oliveira Braga
Caio Pompeu Cavalhieri

73 GEOLOGIA APLICADA A BARRAGENS: UMA REVISÃO DE PROCEDIMENTOS


Luiz Ferreira Vaz
Magali Dubas Gurgueira
Talita de Oliveira Muzzi

93 CONTRIBUIÇÃO PARA A GEOLOGIA DE ENGENHARIA APLICADA ÀS CIDADES.


EXPERIÊNCIA DE LONGA DURAÇÃO EM BELO HORIZONTE – MG
Edézio Teixeira de Carvalho - GEOLURB

109 GESTÃO DE RISCOS GEOLÓGICOS NO BRASIL


Margareth Mascarenhas Alheiros

123 IMPORTÂNCIA DA GEOLOGIA DE ENGENHARIA E GEOMECÂNICA NA


MINERAÇÃO
Sérgio N. A. de Brito
Paulo R. C. Cella
Rodrigo P. Figueiredo
GEOLOGIA APLICADA A BARRAGENS:
UMA REVISÃO DE PROCEDIMENTOS

Luiz Ferreira Vaz


THEMAG Engenharia – São Paulo/SP - Brasil
Professor visitante – IG/UNICAMP – Campinas/SP - Brasil
vaz@themag.com.br

Magali Dubas Gurgueira


THEMAG Engenharia – São Paulo/SP - Brasil
magali@themag.com.br

Talita de Oliveira Muzzi


THEMAG Engenharia – São Paulo/SP - Brasil
talita@themag.com.br

RESUMO ABSTRACT
A alteração do marco regulatório das concessões para GEOLOGY APPLIED TO DAMS: A REVIEW OF
aproveitamentos hidroelétricos, depois de 1995, levou ao PROCEDURES
encurtamento dos prazos para o projeto e a construção
de barragens para usinas hidroelétricas, afetando a apli- The change in the regulatory framework of concessions
cação da Geologia nesses empreendimentos. Simultanea- for hydroelectric developments in Brazil, after 1995,
mente, a maior parte da exploração do potencial hidroe- led to the shortening of deadlines for the design and
létrico deslocou-se para a região amazônica, enfrentando construction of dams for hydroelectric plants, affecting
the application of geology in these projects. Simulta-
condições geológicas inéditas ou pouco conhecidas. Por
neously, most of the exploitation of hydropower po-
outro lado, novos métodos de investigação e a evolução
tential has shifted to the Amazon region, facing unpu-
dos existentes, forneceram ferramentas atualizadas para blished or little known geological conditions. On the
o estudo e avaliação das condições geológicas. Este arti- other hand, new investigation methods and further de-
go oferece uma revisão de procedimentos da Geologia de velopment of the existing ones, provide updated tools
Engenharia utilizados nos estudos de aproveitamentos for the study and evaluation of geological conditions.
hidroelétricos face aos novos paradigmas. São comen- This paper offers a review of procedures used in engi-
tadas as implicações do modelo atual de concessão nos neering geology studies of hydroelectric developments
trabalhos de investigação geológico-geotécnica e a utili- in relation to new paradigms. The implications of the
zação de novos métodos de prospecção, como a per- current model of concessions on geological and geote-
filagem ótica, incluindo critérios para a interpretação chnical investigations and the use of new exploration
dos resultados. A seleção de eixos de barramento nos methods such as optical profiling, including criteria for
estudos de inventário e outros é discutida, enfatizando the interpretation of results are discussed. The selec-
a interação entre as condições geológicas e o arranjo tion of dam axis at inventory stage and other studies is
geral da obra na escolha do sítio. É também discutida discussed, highlighting the interaction between geolo-
a elaboração de planos de investigação para o estudo gical conditions and the layout on the selection of the
dam axis. The development of investigation plans for
de aproveitamentos hidroelétricos, fornecendo crité-
the study of hydroelectric developments is also discus-
rios para a quantificação de sondagens. São ainda co-
sed, providing criteria for quantifying the drilling. The
mentadas, para o entendimento dos riscos geológicos, understanding of geological risks, uncertainty and the
a incerteza e os imprevistos. Um exemplo de avaliação unpredicted features are also commented. An example
de riscos geológicos é apresentado, discutindo-se os of geological risk assessment is presented, discussing
principais condicionantes e os critérios básicos para a the main constraints and the basic criteria for the pre-
elaboração da avaliação. paration of the assessment.

Palavras-chave: barragem, investigação e risco geológico Keywords: dam, investigation and geological risk

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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

1 INTRODUÇÃO também sondagens sísmicas de refração, além de


estudos sobre a disponibilidade de materiais natu-
No Brasil, os conhecimentos geológicos pas- rais de construção. Mais importante do que isso, os
saram a ser aplicados à construção de barragens eixos dos aproveitamentos eram escolhidos a par-
em princípios da década de 50 do século passado. tir de suas características geológicas e topográficas,
Entretanto, sua utilização sistemática nos projetos tendo em vista o atendimento do arranjo das obras.
de barragens somente veio a se tornar corriqueira Pela primeira vez, os conhecimentos geológicos fo-
depois de meados da década de 60, com os traba- ram utilizados na escolha dos eixos, até então feita
lhos do Comitê de Estudos Energéticos da Região somente com base nos dados topográficos.
Centro Sul – CORESP. L O Comitê, por sua vez, contava com técnicos
O Comitê, como ficou conhecido, foi à con- cedidos pelas empresas estatais de energia elétri-
trapartida brasileira a um financiamento da ONU cas então existentes. No Estado de São Paulo essas
para o levantamento do potencial hidroelétrico da estatais dividiam os rios principais, a CHERP (rios
região centro-sul. Para orientar e conduzir o estudo Pardo e Tietê), a CELUSA (rio Paraná) e a USEL-
foi contratado um consórcio de empresas america- PA (rio Paranapanema). Essa participação dos
nas e canadenses, denominado CANAMBRA. Este técnicos das estatais propiciou a rápida absorção
consórcio contava com a participação das princi- da tecnologia de projeto de usinas hidroelétricas,
pais empresas daqueles países no projeto de usinas levando à contratação de geólogos por todas elas.
hidroelétricas e, portanto, introduziu a tecnologia Em 1967, as empresas de cada bacia hidrográfica
de ponta então disponível, não só em geologia, mas foram unificadas na Companhia Energética do
também em hidrologia e hidráulica, cartografia, es- Estado de São Paulo – CESP, a qual contratou o
tudos energéticos e outras áreas (Vaz, 1998). Instituto de Pesquisa Tecnológicas – IPT para con-
No tocante aos estudos geológicos para os duzir os estudos geológicos de suas barragens (Fi-
estudos de viabilidade, além do mapeamento ge- gura 1). Processo semelhante ocorreu em Minas
ológico detalhado, eram feitas sondagens ao longo Gerais, porém, centralizado nas Centrais Elétricas
do eixo, não somente a percussão e rotativas, mas de Minas Gerais – CEMIG.

Figura 1 – Barragem
de Ilha Solteira,
concluída pela CESP
em 1978. Fonte: Exa-
me.com (2011).

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Geologia aplicada a barragens

Em 1968, o IPT estava presente, com equipes Toda esta tecnologia estava disponível para
de campo, em todas as barragens da CESP em aplicação nas grandes hidroelétricas na década de
construção (Ilha Solteira, Promissão e Capivara) 70 (Itaipu, Tucuruí e Paulo Afonso IV), nas quais
além de prestar assistência a outras barragens foi aperfeiçoada e testada com sucesso. Porém, nas
em fase final de construção (Paraitinga, Jupiá e décadas de 80 e 90 e nos primeiros anos deste sé-
outras). Essas equipes necessitavam de critérios culo, um período de 20 a 25 anos, houve violenta
para seus trabalhos tendo em vista homogeneizar redução nos investimentos em projeto e constru-
suas atividades, já que trabalhavam para o mes- ção de usinas hidroelétricas, com a desagregação
mo cliente. Foram então elaboradas, numa reu- das equipes, das empresas do setor e dos centros
nião em meados de 1968, na Usina de Promissão, de pesquisa.
com a participação dos geólogos Fernando Pires Nos últimos dez anos o mercado de projeto e
de Camargo, Luiz Ferreira Vaz e João Alberto construção de usinas hidroelétricas voltou a ficar
Nery de Oliveira, as especificações técnicas para a aquecido, porém, com usinas de médio porte e só
execução de sondagens e os procedimentos para a recentemente, com as usinas do rio Madeira vol-
classificação de sondagens, definindo-se os graus taram as grandes barragens. Essa retomada acom-
de alteração e de fraturamento dos testemunhos panhou as modificações no sistema de concessão
de sondagem. Esses procedimentos vinham sen- estabelecidas pela Lei 8987 de 1995. O novo mo-
do utilizados pelo IPT nos estudos para a Barra- delo permitiu a entrada de empreendedores pri-
gem de Ponte Nova, desde 1966, porém foram vados, isoladamente ou associados com empresas
unificados e aprovados para uso geral pelo IPT na estatais e introduziu modificações nas fases de
reunião de Promissão. projetos básico e executivo.
Dessa forma, ao final da década de 60, uma A principal alteração ocorreu com a dura-
tecnologia de investigação geológica, adaptada às ção dos serviços de projeto e construção. Esses
condições brasileiras, estava ficando disponível. prazos foram consideravelmente reduzidos, de
Daí para frente, diversos outros métodos e pro- tal sorte que empreendimentos similares, erigi-
cedimentos, tanto de campo como de laboratório dos na década de 70, ocupavam mais de duas
foram desenvolvidos, principalmente pelo IPT e vezes o prazo dos empreendimentos atuais. Em
aplicados ao projeto e construção de barragens, consequência, muitos estudos têm sido poster-
criando uma tecnologia brasileira de grandes bar- gados para a fase de projeto executivo, o que in-
ragens em regiões tropicais. crementa os riscos geológicos e pode conduzir
Dentre esses diversos passos alguns foram a acidentes, além de elevar o custo de constru-
particularmente importantes. O primeiro foi o de- ção. Aparentemente, esses custos não superam
senvolvimento, pelo IPT, da tecnologia pioneira os resultados da geração antecipada dentro da
de estudos de alterabilidade de basaltos, depois engenharia financeira do empreendimento, o
estendida para outras rochas, incluindo os estu- que pode tornar os prazos insuficientes para a
dos sobre a reação álcali-agregado, com a proposi- adequada investigação geológica.
ção de métodos de análise e parâmetros de utiliza- Em segundo lugar, as condições geológicas
ção (Ruiz, 1963). O segundo foi a introdução, pelo dos locais de implantação das novas hidroelétri-
consultor Klaus John, do sistema de classificação cas tornaram-se muito mais desfavoráveis do que
de maciços rochosos para aplicação na liberação e aquelas investigadas na década de 70. Atualmen-
tratamento de fundações da UHE Ilha Solteira. Até te, os empreendimentos concentram-se na região
então, esses serviços baseavam-se na experiência centro-norte, a maioria na Amazônia. Nessas re-
dos profissionais envolvidos, porém, passaram a giões predominam os maciços pré-cambrianos,
ser definidos em função da classificação geológica com extrema variação nas condições litológicas,
do maciço de fundação. Este passo foi de funda- de resistência, de alteração e estruturais. Maciços
mental importância, pois, até então, a geologia era de comportamento geomecânico desconhecido
entendida como necessária apenas durante a fase (Figura 2), constituídos por rochas ígneas, sedi-
de projeto participando apenas eventualmente da mentares, metassedimentares, entre outros, têm
construção (Vaz, 1998). que ser enfrentados.

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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 2 – Exemplos da complexidade geológica a) metassedimentos com intercalações de solo e rocha; b) brecha
vulcânica e c) extensas descontinuidades sub-horizontais alteradas até solo de ocorrência aleatória.

Além disso, ocorrem espessas e extensas co- que podem preencher canalões profundos, como
berturas recentes, mascarando as condições de mostrado na Figura 3. A mudança nas condições
sub-superfície e exigindo novos critérios de clas- geológicas faz com que a tecnologia desenvolvi-
sificação, seja para fundações ou para materiais da para o estudo das barragens sobre basalto, por
de empréstimo. Essas coberturas são de tal monta exemplo, somente seja parcialmente utilizada.

Figura 3 – Modelo esquemático com canalões antigos preenchidos por materiais de cobertura.

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Geologia aplicada a barragens

2 MODELO DE CONCESSÃO E PRAZOS gia Elétrica – ANEEL para empresas privadas


e estatais, inclusive para a Empresa de Planeja-
As etapas de projeto e construção de aprovei- mento Energético – EPE, empresa estatal encar-
tamentos hidroelétricos continuam sendo a fase regada de estudos e do planejamento energético.
de inventário, a viabilidade dos aproveitamentos É possível que, para uma dada bacia hidrográ-
mais atrativos e as fases de projeto básico e proje- fica, duas ou mais concessões sejam concedi-
to executivo. Essas fases e os respectivos estudos das. Essas concessões são válidas apenas para
são definidos no Manual de inventário hidroelétrico os estudos de inventários e seus resultados são
de bacias hidrográficas (Eletrobras, 2007) conforme encaminhados à ANEEL, tornando-se públicos.
mostrado na Figura 4. Os prazos disponíveis para estes estudos não
As concessões para estudos de inventário sofreram muita alteração.
são outorgadas pela Agência Nacional de Ener-

Figura 4 – Etapas
de implantação de
aproveitamentos
hidroelétricos. Fon-
te: Modificado de
Eletrobras (2007).

Porém, para passar à fase seguinte, haverá Entretanto, depois de definido o vencedor da
uma licitação conduzida pela ANEEL. Essa licita- licitação, começa uma corrida contra o relógio, o
ção é feita com base no preço ofertado pelo em- que engloba o prazo para o projeto básico consoli-
preendedor para a venda da energia a ser produ- dado, para o projeto executivo e para a construção.
zida pelo aproveitamento, vencendo aquele que Dessa forma, os prazos têm sido progressivamen-
ofertar o menor preço. Para essa oferta o empreen- te reduzidos, em alguns casos chegando à metade
dedor precisa do planejamento financeiro de toda daqueles que vinham sendo utilizados. Em conse-
a operação, desde o projeto básico até o final da quência dessa redução, várias modificações foram
concessão. Obviamente, a redução no prazo entre necessárias, começando pela ampliação das equi-
a licitação e o início da geração de energia é fa- pes envolvidas no projeto.
tor determinante do custo da energia produzida. Além de implicar maiores esforços de coor-
Dessa forma, prazos de 3 a 4 anos entre o início da denação, a redução dos prazos acarretou mudan-
construção e da geração tornaram-se regra geral. ças na concepção e no desenvolvimento das in-
Para participar dessa licitação, cada uma das vestigações geológicas. Assim, anteriormente, na
empresas interessadas desenvolve suas próprias fase de projeto básico, métodos como os geofísicos
avaliações elaborando estudos de viabilidade avan- eram usualmente aplicados depois de algum co-
çados ou projetos básicos simplificados. Esses traba- nhecimento do sítio por meio de sondagens dire-
lhos podem ou não dispor de prazo satisfatório já tas. Atualmente, já devem ser aplicados de início,
que a data de licitação depende do planejamen- concomitantemente com as sondagens diretas,
to da ANEEL para atendimento da demanda de pois, geralmente, não haverá tempo de executá-
energia elétrica. los mais tarde.

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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Em outras palavras, todas as necessidades Amazônia, cujas limitações de dados cartográficos


de investigação devem ser antecipadas uma vez é bem conhecida, sendo raros os trechos com ma-
que as informações geológicas para ajustes no ar- pas topográficos de escala 1:100.000. Além disso,
ranjo geral das obras e o adequado conhecimento a densa floresta tropical, que domina na região,
do risco geológico devem estar disponíveis antes dificulta a interpretação de fotografias aéreas. Em
da licitação pela ANEEL. Por outro lado não há fases mais avançadas dos estudos de inventário
como exagerar no volume de investigações uma ficam disponíveis levantamentos cartográficos de
vez que os custos da investigação devem ser escala 1: 10.000, em geral utilizando laser. Esses
mantidos dentro de limites aceitáveis e da dispo- levantamentos aerotransportados são feitos com a
nibilidade de prazo. emissão de um feixe de raios laser, considerando
Informações sobre o tipo e as quantidades de que a maior parte deles serão refletidos pela copa
investigações e estudos geológicos são encontra- das árvores, mas, outra parte alcança a superfície
das no Manual de inventário hidroelétrico de bacias do terreno, sendo utilizados. Esses levantamentos,
hidrográficas (Eletrobras, 2007), nas Instruções para apesar de apresentarem suas restrições, permitem
estudos de viabilidade (Eletrobras/DNAEE, 1997) e desconsiderar a cobertura da floresta, a qual con-
nas Diretrizes para o projeto básico de usinas hidroelé- tribuiu para insucessos em barragens na Amazô-
tricas (Eletrobras/Aneel, 1999). nia, como ocorreu com a UHE Balbina (Wittman
Cabe registrar que há empreendedores cons- & Bonilla, 2009).
cientes da importância das investigações geológi- A exatidão dos dados cartográficos deve ser
cas e outros que relutam em alocar recursos para verificada no início dos trabalhos efetuando-se
esses trabalhos. Em geral, os primeiros já tiveram trabalhos de validação dos dados incluindo levan-
alguma experiência desagradável com as condi- tamentos de campo e, principalmente, a verifica-
ções geológicas e com o impacto financeiro da re- ção dos marcos de referência a serem utilizados. A
mediação. Os que não se importam desconhecem experiência de estudos anteriores mostra que são
os riscos associados às condições geológicas, ou frequentes as divergências entre esses marcos na
seja, não sabem que não sabem. região amazônica.
São muitas as condições que controlam a
locação de um eixo de barragem, porém, a mais
3 SELEÇÃO DE EIXOS DE BARRAGENS
importante é a existência de ombreiras favoráveis,
A seleção de eixos de barragens para apro- isso é, que permitam acomodar a altura prevista
veitamentos hidroelétricos é geralmente feita na para a barragem. Ombreiras desfavoráveis são
fase de inventário. A ELETROBRAS editou um aquelas que apresentam fugas no reservatório,
manual, conhecido como Manual de Inventário, exigindo a construção de diques. Maciços rocho-
com os procedimentos para esta fase dos estudos sos com vazios e feições que permitam elevada
(Eletrobras, 2007). A escolha dos sítios é feita, pri- percolação de água devem ser evitados por com-
meiramente, pelos estudos hidráulicos de divisão prometerem a estanqueidade do eixo.
de queda, os quais procuram determinar a melhor Em segundo lugar, estão as condições geoló-
posição dos possíveis eixos de barragem de forma gicas e geomecânicas do maciço rochoso. As bar-
a aproveitar toda ou a maior parte do desnível do ragens sempre necessitam de rochas duras para
rio. Como existe a possibilidade de variar a altura as fundações das estruturas de concreto, nome-
do barramento, dentro de certos limites, é possí- adamente a casa de força e o vertedouro, além
vel reduzir a extensão do reservatório ou aprovei- de, em alguns casos, da eclusa e outras obras.
tar uma queda natural (corredeiras ou cachoeiras) Assim, o eixo deve, se possível, apresentar ro-
para a locação dos eixos. Assim, a locação final do chas duras, usualmente reconhecidas por provo-
eixo pode ser feita em um determinado trecho do carem corredeiras e cachoeiras, numa extensão
rio em função das condições locais o que, usual- apropriada para as estruturas de concreto pre-
mente, é tarefa dos estudos geológicos. vistas. Obviamente, existem barragens com es-
É preciso lembrar que, atualmente, a grande truturas de concreto acomodadas sobre rochas
maioria dos estudos de inventário é realizada na brandas, sendo a mais conhecida delas a UHE

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Geologia aplicada a barragens

Curuá-Una, no Estado do Pará. Porém, o custo obras. Também pode ser mais conveniente, de-
de construção é mais elevado e pode inviabilizar pendendo do comportamento do topo de rocha,
o aproveitamento. substituir parte da barragem de terra por barra-
Em seguida, aparecem outros fatores que gem de concreto compactado a rolo (CCR). Note-
afetam o custo das obras, tais como a extensão do se que o CCR é mais caro do que a barragem de
eixo. Quanto mais curto, desde que seja possível terra e exige fundação em rocha, porém, é mais
acomodar as estruturas de concreto, mais interes- rápido para ser construído e depende menos das
sante é o local. É também necessário que a região condições climáticas.
do eixo disponha de volumes adequados de mate- Atualmente estão sendo utilizadas barragens
riais naturais de construção (solo, areia/cascalho de enrocamento com núcleo asfáltico, principal-
e rocha) aproveitáveis. É possível britar a rocha mente devido ao custo inferior. Da mesma forma
para obter areia artificial, porém, além do custo que os plintos de concreto, é necessário fundação
mais elevado, podem ocorrer dificuldades com a em rocha para o núcleo asfáltico,
trabalhabilidade do concreto, resultando em pra- De forma geral, devem ser preferidos os ei-
zos mais longos. Já a disponibilidade de solo ou xos com baixa cobertura de solo, ou seja, com topo
rocha, a distâncias superiores a 10 km do eixo, de rocha dura na superfície ou próximo (Figura
pode inviabilizar um aproveitamento, dependen- 5). Essa característica vai exigir maior escavação
do dos volumes requeridos. em rocha na casa de força, porém o material será
O local deve ainda permitir acomodar o ar- utilizado como brita ou enrocamento, restringin-
ranjo geral das obras, ou seja, a disposição das do a abertura de pedreiras. Em contrapartida, o
estruturas de concreto e demais obras da barra- vertedouro e a área de montagem, que usualmen-
gem. Atualmente, prefere-se que as estruturas de te têm fundações rasas, não vão requerer concre-
concreto fiquem dispostas na mesma margem, de to de enchimento e a barragem de terra pode ser
forma a evitar a instalação de dois canteiros de substituída por CCR.

Figura 5 – Usina Hidrelétrica


de Furnas com rocha aflorante,
localizada no rio Grande,
Minas Gerais.

Em rios com meandros encaixados, em for- construída na perna jusante da ferradura (Figura
mato de ferradura, como é comum no Sul, as es- 6). Além de facilitar a construção, pela separação
truturas da barragem podem ser construídas se- das obras, há um ganho de desnível entre a barra-
paradamente. Assim, a barragem é construída na gem e a descarga da casa de força, em função do
perna montante da ferradura e a casa de força é percurso do rio.

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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 6 – Usina Hidrelé-


trica de Itá, localizada na
divisa dos Estados do Rio
Grande do Sul e Santa Ca-
tarina aproveitando mean-
dro em forma de ferradura.
Fonte: Site da Secretaria de
Turismo do Rio Grande do
Sul - Setur (2011).

Nem todos esses fatores podem ser devida- O planejamento do sobrevôo é fundamental
mente considerados, por ausência de informações, para seu sucesso. Além de ajustar a rota e altitude
nas fases de inventário e viabilidade. Entretanto, a ser mantida, em conjunto com o piloto no início
cabe à Geologia de Engenharia participar ativa- do sobrevôo, é necessário orientar o vôo. Um dos
mente da análise dos dados e propor os ajustes no geólogos, mais familiarizados com navegação,
arranjo geral das obras e na locação dos eixos. deve orientar o posicionamento da aeronave. Para
Um programa de seleção de eixos para estu- o bom andamento dos trabalhos a equipe deve
dos de inventário inicia-se com a avaliação deta- contar com equipamentos (câmera fotográfica,
lhada dos aspectos fisiográficos e geológicos, utili- gravadores e GPS´s) em duplicata.
zando imagens (principalmente do Google Earth), Como resultado desse trabalho é indicado
mapas, fotografias aéreas e dados bibliográficos. um local preliminar para o desenvolvimento dos
Essas informações devem ser exaustivamente estudos de campo. Para esses estudos é necessário
analisadas, elaborando-se, para cada local, uma um planejamento detalhado, cuja complexidade
ficha e croquis com todas as informações. depende, principalmente, de aspectos logísticos.
A seguir deve ser efetuado um reconheci- Assim, na Amazônia as condições de acesso, co-
mento por via aérea, utilizando avião leve de asa municação e alojamento são determinantes da
alta ou helicóptero, este com a desvantagem do velocidade dos trabalhos. Em outras regiões, com
abastecimento mais frequente. Em geral, nesse acesso mais fácil, o planejamento é menos com-
reconhecimento, além do geólogo, deve ir um plexo, já que alojamento, alimentação e meios de
engenheiro especializado em arranjo, geralmen- transporte estão disponíveis.
te em duplas, para permitir que um observe e o Os trabalhos de campo destinam-se a ajustar
outro registre. A principal função do sobrevôo é o posicionamento do eixo às condições locais efe-
identificar os trechos do rio mais favoráveis para a tivamente encontradas e a definir a disponibilida-
implantação dos aproveitamentos. Além disso, o de de materiais naturais de construção. Para isso,
reconhecimento aéreo é fundamental para a esco- um mapeamento geológico detalhado, apoiado
lha de eixos, principalmente na região amazônica, por sondagens a trado, poços de inspeção e son-
sendo tarefa de rotina nos estudos de inventário. dagens sísmicas de refração fornece os elementos
Neste sobrevôo são identificadas as feições topo- preliminares sobre a posição do topo de rocha e
gráficas e geológicas regionais e, se possível, defi- do nível d´água, a distribuição das unidades e
nidos os eixos. feições geológicas, tanto em superfície como em

80
Geologia aplicada a barragens

subsuperfície e a disponibilidade de materiais na- os ensaios 3D que permitem avaliar a continui-


turais de construção. dade e intercomunicação das estruturas, o tensor
Não raramente, um eixo com condições mais de permeabilidade e a anisotropia da percolação
favoráveis pode ser encontrado com os trabalhos (Tressoldi, 1991).
de campo dada à maior aderência à realidade fi- Nas sondagens diretas foi introduzida a perfu-
sográfica e geológica obtida com esses trabalhos. ração mecanizada nas sondagens a percussão, com
Essas adaptações ou alterações fazem parte do o emprego de trado oco (hollow stem auger) monta-
processo de seleção do eixo, sempre em busca da do sobre caminhão (Figura 7). O sistema inclui um
solução mais favorável. martelo com queda automática para a realização
O eixo do inventário pode ou não permanecer do ensaio SPT, reduzindo sensivelmente o tempo
nas fases seguintes de estudos. Em geral, na fase de execução da sondagem e do ensaio. Equipamen-
pré-licitação, o empreendedor faz uma revisão da tos de sondagens rotativas de alta produtividade,
posição do eixo, considerando os mesmos fatores montados sobre esteiras também já existem. Esses
elencados e utilizando os mesmos procedimentos, equipamentos montados sobre plataformas móveis
isto é, sobrevôo e estudos de campo, porém con- (caminhões, carretas de esteiras, etc) têm aplicação
tando com mais recursos de investigação e ensaios limitada à disponibilidade de acessos nem sempre
de campo, além de levantamentos topográficos e podem ser utilizados nas fases iniciais dos estudos
batimétricos. de barragens quando, em geral, os caminhos limi-
Em síntese, o processo de estabelecimento de tam-se às picadas estreitas.
um eixo de barragem e seu respectivo arranjo é
um processo de aproximações sucessivas, intera-
tivo e multidisciplinar no qual a Geologia de En-
genharia tem papel fundamental.

4 INVESTIGAÇÕES

A redução do prazo para as investigações


geológicas tornou ainda mais importante o ma-
peamento geológico-estrutural de detalhe da área
do empreendimento. O mapeamento deve ser
conduzido após um reconhecimento feito por um
geólogo experiente e a elaboração de um manual
Figura 7 – Equipamento de trado oco com martelo automá-
de mapeamento contendo os critérios e a defini- tico para ensaio SPT.
ção das unidades geológicas. O mapa geológico
deve ser progressivamente atualizado à medida
que novas informações fiquem disponíveis. Mais recentemente tornaram-se disponíveis
De forma geral, os métodos de investigação equipamentos digitais de televisamento de furos
pouco evoluíram nessas últimas décadas. Alguns de sondagens em rocha, conhecidos como perfi-
métodos, como os geofísicos (Souza, 2006) foram lagem ótica (Figura 8). Esses equipamentos traba-
bastante aperfeiçoados pela utilização de instru- lham em furos abertos por sondagens rotativas ou
mentos digitais, o que, por sua vez, permitiu me- por rotopercussão, com perfuração pneumática.
lhorar o processamento dos dados e a interpreta- A perfuração com sondagens rotativas destina-se,
ção de sondagens sísmicas em terra e subaquáticas, principalmente, à aferição das imagens por com-
elétricas e outras. Alguns métodos de ensaio de paração com os testemunhos (Figura 9). Para o te-
campo, como o cone de penetração contínua (deep levisamento, o furo deve ser previamente lavado
sounding) e o ensaio de cisalhamento in situ (vane para a limpeza das paredes.
test) também foram automatizados, facilitando a As imagens são digitalizadas o que permite
interpretação. As informações hidrogeológicas sua exibição em computador, apresentando um
para maciços fissurados foram aperfeiçoadas com testemunho virtual ou desdobrado numa vista de

81
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

360º (Figura 10). Como são imagens digitais, as des- que, não havendo restrições, a operação completa
continuidades e outras feições podem ser identifi- de um furo de 30 a 50m (perfuração, lavagem e
cadas e obtido o estereograma das diversas famí- televisamento) pode ser concluída em dois dias,
lias de fraturas. A perfuração com rotopercussão é permitindo sua aplicação em investigações para a
muito rápida e o televisamento também, de forma liberação de fundação na fase construtiva.

Figura 8 – Câmera para perfilagem


ótica.
Fonte: Fundsolo – Mesa Redonda
ABGE/ABMS (2011).

Figura 9 – Comparação entre testemu-


nho virtual (a); imagem das paredes
desdobrada em 360º (b) e testemunho
convencional (c)
Fonte: Fundsolo – Mesa Redonda
ABGE/ABMS (2011).

82
Geologia aplicada a barragens

Figura 10 – Interpretação estrutural com o uso de softwares.


Fonte: Fundsolo – Mesa Redonda ABGE/ABMS (2011).

Para a interpretação dos resultados devem A interpretação bem sucedida de imagens de


ser definidos critérios específicos para a identifi- televisamento digital requer a prévia identificação
cação das feições de interesse. As fraturas, falhas das feições usuais no maciço rochoso com auxílio
e contatos são claramente visíveis nas imagens e de testemunhos obtidos em sondagens rotativas e
não apresentam dificuldades para a identificação, dados dos mapeamentos da fundação. Para cada
bastando sua atribuição a um dos sistemas ou fa- feição deverá ser definida uma sigla ou número para
mílias previamente identificados. Feições como facilitar a identificação. Posteriormente, no escritó-
vazios ao longo das fraturas podem ser atribuídas rio, a interpretação pode ser revista e preparado um
a preenchimentos de solo ou de rocha muito frag- relatório individual de sondagem. Segundo Baillot
mentada, ambos capazes de ser removidos pela et al. (2004), as imagens podem ser utilizadas para
lavagem do furo com jato d’ água sob pressão. a classificação do maciço rochoso.
Com o recurso de aproximação da imagem (zoom) Uma das principais limitações do televisa-
é possível visualizar a textura da rocha e, em al- mento digital é a limpeza do furo já que a água
guns casos, atribuir graus de alteração em função não pode estar afetada por turbidez. Caso as pare-
do descolorimento dos minerais. des do furo não sejam estáveis, o risco de prender

83
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

a câmera pode impedir a execução dos serviços de 5 PLANOS DE INVESTIGAÇÃO GEOLÓGICA


televisamento. O método também não se aplica a
furos inclinados. A metragem de investigações por sondagens
A grande vantagem do televisamento é a (a percussão e rotativas) aumentou consideravel-
rapidez na obtenção das informações. Sua utili- mente nas últimas décadas. Contribuíram para
zação no detalhamento de informações obtidas isso, a maior conscientização dos empreendedores
com sondagens rotativas convencionais torna-se sobre os benefícios da investigação geológica (prin-
muito útil, principalmente na fase de construção. cipalmente na redução do risco geológico), a maior
Assim, por exemplo, se estiver previsto no plano abrangência dos planos de sondagem em função
de sondagens de uma casa de força, com 500m dos prazos mais reduzidos e a maior complexidade
de extensão total, uma sondagem a cada 50m, as geológica dos sítios dos empreendimentos.
rotativas podem ser feitas a cada 100m e as ro- Para a elaboração de um plano de investiga-
topercussões, com televisamento, nos intervalos. ções, também conhecido como plano de sonda-
Trabalhando com três equipamentos de sonda- gem, para uma usina hidroelétrica diversos fato-
gens rotativas e considerando 40m de profundi- res são considerados, dos quais o mais importante
dade em cada sondagem, teríamos 440m o que é a complexidade geológica da fundação. Um ma-
demandaria cerca de 50 dias para conclusão dos ciço de rocha dura, cristalina, constituído por um
trabalhos utilizando apenas sondagens rotativas. gnaisse com foliação incipiente, pode ser investi-
Com cinco sondagens, a rotopercussão com tele- gado com uma metragem menor de sondagens do
visamento, restariam apenas 240m de sondagens que um maciço de metassedimentos, com foliação
rotativas, o que seria feito em cerca de 30 dias. desenvolvida e várias famílias de fraturas. Se in-
De forma geral, até 30% da metragem total de troduzirmos contatos e falhas, mais sondagens se-
sondagens tem sido executada com rotopercus- rão necessárias, principalmente se os afloramen-
são e televisamento, concentradas nas estruturas tos forem escassos.
de concreto emersas. Em segundo lugar, o plano de sondagens de-
O IPT dispõe de equipamento de perfilagem pende do arranjo do aproveitamento. As estrutu-
acústica que produz imagens digitais da parede ras de concreto, mesmo de baixa altura, requerem
do furo utilizando pulsos sônicos (Birelli et al., sondagens mistas ou rotativas para sua adequada
2004). O instrumento exige a presença de fluido investigação. As barragens de terra e de enroca-
na perfuração, que pode ser água turva ou lama mento com núcleo argiloso, por sua vez, são usu-
bentonítica, porém a resolução é menor do que almente investigadas com sondagens a percussão
a da perfilagem ótica. Perfilagens com cáliper e e algumas sondagens mistas. Barragens de enro-
raios gama podem ser conduzidas simultanea- camento com face de concreto ou núcleo asfáltico
mente com a perfilagem acústica. Instrumentos necessitam de sondagens rotativas e mistas. Para
similares estão sendo importados por outras a investigação de um eixo de barramento, essas
empresas. sondagens devem ser distribuídas ao longo do
Porém, apesar dos avanços nos métodos de eixo e em seções transversais de forma a abranger
investigação, continua sendo necessário apre- todas as estruturas do aproveitamento.
sentar os dados obtidos de forma acessível para A metragem de sondagens para a investiga-
engenheiros e outros profissionais. Shaffner ção de uma barragem para geração de energia elé-
(2011) aponta, em seminário sobre o Projeto de trica depende de vários fatores. Admitindo-se um
Barragens para o Século 21, a necessidade de um aproveitamento com estruturas de concreto e bar-
conjunto de relatórios e desenhos, combinando ragens de terra em região de baixa complexidade
dados geológicos e geotécnicos para a avaliação geológica e na fase de estudo de viabilidade avan-
da segurança de barragens, apresentando vários çada ou projeto básico simplificado, a metragem
exemplos de mapas e seções geológicas. de sondagens está indicada na Tabela 1.

84
Geologia aplicada a barragens

Tabela 1 – Metragem de sondagens para estudos de viabilidade avançada.

ESTRUTURAS DE CONCRETO BARRAGENS DE TERRA


VARIÁVEL
(sondagens rotativas) (sondagens a percussão)

comprimento (m) 400 800

altura máxima (m) 50 55

espaçamento sondagens (m) 100 100

número de sondagens (un) 5 9

profundidade de sondagens (m) *1 40 30

metragem parcial 200 270

Acréscimos:

seções transversais (m) *2 240 240

sondagens rotativas barragem de terra (m) *3 80 -

sondagens de reserva - 2 furos (m) 80 60

sondagem estratigráfica (m) *4 80  

metragem total 680 570


Notas:

*1 – As sondagens devem penetrar no mínimo 10m abaixo da cota de fundação, se não existirem feições subhorizontais

*2 – Três seções transversais nas estruturas de concreto e quatro nas barragens de terra, cada uma com duas sondagens

*3 – Duas sondagens com 40m cada

*4 – Uma sondagem com o dobro da profundidade das demais

Além do tipo e características da barragem, são necessárias apenas sondagens para detalha-
diversos outros fatores devem ser considerados mento de feições localizadas, para a investiga-
na formulação de um plano de investigações, ção de condições geológicas anteriormente não
entre os quais os maciços de fundação, o com- detectadas e para a liberação de fundações. Neste
portamento do topo de rocha, as condições hi- caso deve-se admitir uma metragem de 20% do
drogeológicas e outras específicas do sítio e do total despendido nas fases anteriores de projeto.
arranjo geral. Atualmente, com o desenvolvimento de de-
Para uma região com alta complexidade ge- senhos de projetos com recursos tridimensionais
ológica, a metragem de sondagens poderá ser (3D), um mapa com curvas de contorno do topo
acrescida de 50 a 70%. Nas Instruções para estudos de rocha é essencial para a elaboração desses de-
de viabilidade (Eletrobras/DNAEE, 1997), reco- senhos, o que pode exigir sondagens fora da área
menda-se um espaçamento entre sondagens de da barragem.
50 a 100m ao longo do eixo. Essa variação con- Para a elaboração desse mapa é necessário
templa a complexidade geológica e os requisitos definir o topo de rocha dura (Figura 11), esca-
dos arranjos, sendo compatível com os dados da vável somente com explosivo e, eventualmen-
Tabela 1, baseada em eixos investigados. te, dependendo das características do maciço, o
Para a fase de projeto básico consolidado topo de rocha de escavação comum, sem uso de
será necessário, aproximadamente, a mesma me- explosivos (equivalente à base do solo), resultan-
tragem utilizada na fase de viabilidade avançada, do em dois mapas de contorno. Outros mapas de
desde que o eixo permaneça no mesmo local. contorno podem ser necessários, por exemplo,
Sendo a metragem de sondagens adequada para mostrar as condições geológicas na cota de
nas fases anteriores, durante o projeto executivo fundação das estruturas de concreto.

85
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

Figura 11 – Mapa de contorno do topo rochoso.

As condições de alteração e fraturamento solos residuais e da rocha subjacente, da associa-


usuais nos maciços rochosos, bem como os mate- ção entre o tipo do material e seu respectivo hori-
riais de cobertura (solos residuais, aluviões, terra- zonte de alteração. Para isso é necessário utilizar
ços e coluviões), obrigam à definição de tipos de um perfil de intemperismo associado aos proces-
materiais, usualmente conhecidas como unidades sos de escavação, conforme aquele indicado na
geológicas. Essas unidades resultam, no caso de Figura 12.

Figura 12 – Perfil de intemperismo para regiões


tropicais. Fonte: Vaz (1996).

86
Geologia aplicada a barragens

Tratando-se de um maciço granítico, por bilidade das estruturas da barragem e a de-


exemplo, as unidades geológicas seriam: formabilidade da fundação;
■■ S1Gr - solo eluvial de granito; vii) estudos e projetos de tratamentos de funda-
■■ S2Gr - solo de alteração de granito; ção das estruturas da barragem e instrumen-
■■ R3Gr - granito alterado mole; tação; e
■■ R2Gr - granito alterado dura e viii) disponibilidade e características dos materiais
■■ R1Gr - granito são. naturais de construção.

Os solos transportados são definidos por si- Essas informações devem atender não somen-
glas, como nos exemplos abaixo: te às necessidades do projeto das estruturas da bar-
■■ ALar - aluvião arenoso; ragem, mas também da determinação de volumes
■■ ALag - aluvião argiloso; e quantitativos de serviços de construção.
■■ COag - coluvião argiloso. Finalmente, a apresentação dos dados decor-
rentes dos estudos geológicos deve considerar
Maiores informações sobre a definição de uni- sua utilização por diversos outros profissionais,
dades geológicas podem ser encontradas no artigo os quais podem ou não estar familiarizados com
Classificação genética dos solos e dos horizontes de alte- os conhecimentos geológicos.
ração de rochas em regiões tropicais (Vaz, 1996).
Os critérios de classificação de sondagens de-
6 RISCO GEOLÓGICO
vem ser definidos e registrados em relatório es-
pecífico no início dos serviços. Se necessário, um Antes de discutir os riscos geológicos é con-
treinamento em classificação deve ser oferecido veniente esclarecer a distinção entre imprevisto
aos geólogos responsáveis. Norbury (2010) dis- geológico e imprevisível. Diz-se como imprevis-
cute detalhadamente a descrição de exposições to uma feição conhecida, por exemplo, uma falha
e amostras de solo e rocha para fins de Geologia de empurrão, não detectada por deficiência da
de Engenharia. Apesar de utilizar normas britâni- investigação ou da interpretação dos dados ou
cas e européias, são apresentados procedimentos qualquer outra limitação. Imprevisível aplica-se
para a sistematização e codificação das descrições a feições desconhecidas do meio técnico, situadas
de materiais, alteração, descontinuidades e vários além do estado da arte. São situações muito mais
outros parâmetros geológico-geotécnicos. raras, que podem ser exemplificadas pelo basalto
De forma geral, o plano de investigações deve de baixa densidade (“basalto leve”) encontrado,
responder ou fornecer dados para as seguintes pela primeira vez, na casa de força da UHE Porto
questões: Primavera (Tressoldi et al., 1986). Os imprevistos,
i) posição do topo de rocha na área das estrutu- entretanto, são muito mais comuns, em geral de-
ras de concreto considerando o topo de rocha correntes de investigação insuficiente.
dura (escavável a fogo) e o topo de rocha ade- É também conveniente esclarecer a distin-
quado para fundação; ção entre incerteza geológica e risco geológico.
ii) distribuição em superfície das unidades e fei- A incerteza geológica é a parcela das condições
ções geológicas; geológicas que pode ficar oculta, mesmo após a
iii) distribuição em subsuperfície das unidades aplicação de todos os recursos de investigação.
geológicas, com suas espessuras definidas; Exemplificando, uma falha no maciço rochoso,
iv) caracterização das estruturas com a identifica- coberta por coluviões, poderá não ser detectada,
ção das famílias de fraturas e macro-estrutras; pois, caso a falha seja vertical, dificilmente será
v) caracterização hidrogeológica das unidades e atravessada pelas sondagens, em geral também
estruturas condicionantes da percolação; verticais. Neste caso, a falha somente será revela-
vi) caracterização geomecânica das unidades geo- da quando a cobertura for removida, podendo ou
lógicas e estruturas que condicionam a esta- não vir a se constituir em risco geológico.

87
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

O risco geológico está associado a condições maiores ou mais indefinidos forem esses riscos,
geológicas conhecidas que podem afetar o suces- mais cara será a apólice.
so (custo, prazo e segurança) da obra. Abrange, As construtoras, por sua vez, majoram seus
também, condições geológicas suspeitas ou não serviços e custos por fatores de contingência toda
completamente avaliadas por insuficiência de vez que uma determinada atividade não possa ser
dados. Exemplificando, um sistema de fraturas adequadamente prevista, seja em termos de quan-
transversais ao rio, desde que paralelo às paredes tidades ou de dificuldade de execução. Exempli-
de escavação da casa de força, dependendo do ficando, um desmonte subaquático pode ser con-
mergulho, pode afetar a estabilidade das paredes, venientemente previsto e seu custo é conhecido,
requerendo tratamentos adicionais. Um exemplo porém, a dificuldade para remover o material des-
de feição suspeita é a possibilidade de ocorrer montado, em um “canalão” profundo, constitui-se
uma camada de areia e blocos de rocha no fundo em um risco geológico, pois dificilmente pode ser
de “canalões”, dificultando a vedação de enseca- calculada. Dessa forma, é aplicado um acréscimo
deiras. Dificilmente a camada será detectada com no preço de desmonte subaquático toda vez que
sondagens devido às dificuldades de execução, estiver envolvida a escavação de um “canalão”.
mas há uma elevada probabilidade de sua ocor- As condições geológicas que mais frequente-
rência por tratar-se de rocha dura e existirem blo- mente constituem riscos geológicos são:
cos de rocha na superfície. ■■ variação na posição do topo de rocha dura,
No modelo anterior de construção de aprovei- alterando os volumes de escavação, princi-
tamentos hidroelétricos os eventos então conheci-
palmente aqueles que requerem explosivos;
dos como surpresas geológicas eram suportados pelo
■■ sistemas de fraturas capazes de afetar a esta-
proprietário da obra, o qual arcava com os custos
bilidade das paredes de escavação, requeren-
decorrentes. Na época, as obras eram remuneradas
do tratamentos adicionais;
por preços unitários aplicados às quantidades me-
■■ fraturas abertas requerendo esforço adicional
didas, o que facilitava os ajustes de custos.
de tratamento com injeções;
Com a mudança do setor elétrico e a neces-
■■ canalões e paleocanais preenchidos total ou
sidade de conhecer antecipadamente o custo da
parcialmente;
obra, os contratos com as empreiteiras passaram a
■■ feições geológicas capazes de afetar a estabi-
ser por preço global, sendo as parcelas pagas por
evento, conforme definido no cronograma de cons- lidade das estruturas e a deformabilidade da
trução ou por medição, porém, respeitando o custo fundação;
global ofertado. Essa mudança acarretou a entrada ■■ feições geológicas favoráveis ao desenvolvi-
de novo personagem na construção dos aproveita- mento de processos de piping e
mentos hidroelétricos, o risco geológico, ou mais ■■ insuficiência da investigação geológica.
especificamente, quem responde pelo custo de se-
rem encontradas condições geológicas desfavorá- A avaliação do risco geológico pode ser feita
veis não reveladas no projeto básico utilizado pelo com distintos graus de detalhamento. O exemplo
empreiteiro para a composição de seu preço. apresentado na Tabela 2 constitui um procedi-
Em geral as construtoras são obrigadas, por mento qualitativo baseado no conhecimento das
dispositivo contratual, a contratar apólices de se- condições geológicas e na experiência anterior.
guro para cobrir diversos riscos, entre os quais Contém, entretanto, todos os elementos necessá-
os chamados riscos de engenharia, nos quais se rios para aferir o risco geológico e adotar as medi-
incluem os riscos geológicos. Entretanto, quanto das de contingência apropriadas.

88
Geologia aplicada a barragens

Tabela 2 – Tabela simplificada de riscos geológico-geotécnicos.

Estruturas
Refe- Descrição Processos e Risco
da barragem Intervenções
rên- do Condi- efeitos es- Qualita- Mitigação
possivelmen- necessárias
cia cionante perados tivo
te afetadas
Aumento nos volumes de
Profundidade Aumento do volume
Profundidade concreto na área dos cana-
G1 maior do que a Barragem de CCR Alto de concreto utilizado
dos canalões lões e acréscimo do prazo de
prevista na barragem e prazos
construção
Camadas de
areia com blocos Erosão interna Médio Aumento do volume
de rocha e eleva- Aumento nos volumes das
G2 Ensecadeiras de material utilizado
da condutivida- ensecadeiras
(piping) na ensecadeira
de hidráulica em
canalões
Substituição por areia Considerar uso de areia
G3 Jazidas de areia Não encontradas Concreto e filtros Médio
artificial. artificial.
Adequada para Execução de investi-
Suficiência das Estruturas do
G4 estudos de Baixo gações adicionais nas Programas de investigações
investigações arranjo
viabilidade próximas fases
Sobreescavação Rocha muito Taludes provisó- Plano de fogo ajusta- Acréscimo do volume de
G5 Baixo
em rocha fraturada rios e finais do e fogo cuidadoso concreto
G6 Uso de cimento pozolânico
Reatividade do Reação álcali- Estruturas de Estudos de dosagem
Baixo com custo de transporte
granito agregado concreto do concreto
mais alto.
Barragem de CCR, Tratamento das fra-
Subpressões, Baixo
Fraturas de vertedouro, muros turas com injeções e
recalques e ins- Aumento no volume de
G7 alívio subhori- e outras estruturas drenagem; sobrees-
tabilidade das concreto de enchimento
zontais com fundações cavação ou chavetea-
estruturas
rasas mento da fundação
G8 Barragens e ense- Execução de inves- Ensaios e sondagens con-
Áreas de em- Ensaios insufi-
cadeiras construí- Baixo tigações, estudos e forme programa de inves-
préstimo de solo cientes
das com solo ensaios tigação

Ensecadeiras, Definição do coefi-


Aceleração hori- Dimensionamento das es-
G9 Sismicidade barragem, taludes Baixo ciente de aceleração
zontal elevada truturas
de escavação sísmica

Conforme exemplificado pela Tabela 2,a ava- do impacto no prazo, custo e segurança da obra.
liação do risco geológico compreende as seguintes Essa avaliação é qualitativa atribuindo-se à quali-
etapas, indicadas pelas diversas colunas da tabela: ficação de riscos baixo, médio ou alto. Devem ser
■■ sigla de referência do risco; ainda consideradas as características específicas
■■ descrição do condicionante geológico respon- da obra e das medidas mitigadoras, sendo man-
sável pelo risco; datório o impacto na obra.
■■ processos associados e efeitos esperados de- Assim, uma feição frequente, porém de baixo
correntes do risco; impacto, por exemplo, um sistema de fraturas com
■■ estrutura da obra afetada pelo risco;
atitude desfavorável para a estabilidade das pare-
■■ avaliação qualitativa do risco (baixo, médio
des de escavação pode ser considerado de baixo
e alto);
■■ intervenções necessárias; e risco se o talude for de baixa altura. Esse mesmo
■■ medidas mitigadoras dos efeitos do risco. sistema, num talude elevado, pode tornar-se de ris-
co médio, caso a dificuldade com os trabalhos de
Dos itens acima requerem comentários espe- contenção possa afetar o prazo previsto para tais
cíficos a avaliação do risco e a recomendação de serviços. Finalmente, se a condição da obra permi-
medidas mitigadoras. Os demais itens são auto- tir que o sistema possa afetar a estabilidade de uma
explicativos pela leitura da Tabela 2. estrutura de concreto, o risco pode tornar-se alto.
A qualificação do risco depende da probabili- Para a qualificação do risco e a recomendação
dade de sua ocorrência e dos seus efeitos, ou seja, de medidas mitigadoras, destinadas a reduzir ou

89
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental

eliminar os efeitos das feições geológicas desfavo- Eletrobras 2007. Manual de inventário hidroelé-
ráveis, é necessária uma abordagem multidiscipli- trico de bacias hidrográficas. Eletrobras, Brasília.
nar com a participação de especialistas. Em outros
casos, as medidas mitigadoras podem exigir con- Fundsolo 2011. Perfilagem ótica. In: Mesa Re-
sultas a empresas especializadas em métodos de donda: Sondagens – Método, Procedimentos e
tratamento. Qualidade – Associação Brasileira de Geologia
de Engenharia e Ambiental (ABGE) e Associação
Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia
7 CONCLUSÕES Geotécnica (ABMS). São Paulo, março 2011. Ca-
derno, p.7.
A Geologia de Engenharia (GE) é uma ativi-
dade consolidada no estudo e construção de bar- Lei Nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dis-
ragens. Contribuíram para essa consolidação os ponível em http://www.aneel.gov.br/cedoc/
trabalhos de liberação de fundações, de seleção de blei19958987.pdf. Acessado em 24 jun 2011.
eixos e da avaliação do risco geológico.
A evolução dessas áreas é distinta. A liberação Norbury, D. 2010. Soil and Rock Description in
de fundações é tarefa exclusiva da GE e sua evo- Engineering Practice. Whittles Publishing. Sco-
lução depende essencialmente da própria GE. A tland, UK. 288pp.
seleção de eixos depende da habilidade da GE em
identificar a aderência dos arranjos às condições Revista Exame 2011. Disponível em: http://exa-
locais. Finalmente, a avaliação do risco geológico me.abril.com.br/negocios/ empresas/noticias.
ainda tem muito a evoluir, não só na identificação Acessado em 17 jun 2011.
dos riscos, mas também na busca de métodos de
quantificação. Ruiz, M.D. 1963. Mecanismo de desagregação de
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