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O QUE É SEMIÓTICA

Siméia dos Santos Pedroso


“O universo está em expansão, onde mais
poderia ele crescer senão na cabeça dos
homens?”
C. S. Peirce
1. O QUE VEM A SER SEMIÓTICA?
O primeiro pensamento que temos é “seria uma quase-ótica?”, “uma ótica pela
metade?” Não, não é. Semiótica é a ciência que estuda os signos, não os signos do
horóscopo, mas as linguagens, não a língua que falamos, mas outro tipo de linguagem, aquela
energia que reage e é reagida por você. A energia que move qualquer coisa.
Existem dois tipos de linguagem: aquela que usamos para nos comunicarmos através da
fala e a linguagem da semiótica que usamos para obter conhecimentos.
Existem duas ciências de linguagem, a ciência que estuda a lingüística verbal e a
lingüística da semiótica que estuda a ciência de toda e qualquer linguagem. A lingüística da
língua verbal é a forma de comunicação a que estamos acostumados, tão acostumados que
não percebemos as outras formas de comunicarmos com os outros. Estas outras formas de
comunicação, são as linguagens que somos capazes de produzir, criar, reproduzir,
transformar e consumir, ou seja, ver-ouvir-ler, para que possamos nos comunicar com os
outros.

SANTAELLA (1983) refere-se às linguagens com detalhes afirmando que:

Usamos nossos meios de linguagens com tal distração que não percebemos a pluralidade destas
linguagens. Além da comunicação a que estamos acostumados, nos comunicamos também
através de leitura e/ou reprodução de formas, volumes, massas, interações de força,
movimentos; que somos também leitores e/ou produtores de dimensões e direções de linhas,
traços, cores... Enfim, também nos comunicamos e orientamos através de imagens, gráficos,
sinais, setas, números, luzes... Através de objetos, sons musicais, gestos, expressões, cheiro e
tato, através do olhar, do sentir e do apalpar. Somos uma espécie de animal tão complexa quanto
são complexas e plurais as linguagens que nos constituem como seres simbólicos, isto é, seres
de linguagem.

A crença que temos de que a linguagem que existe é apenas aquela que estamos
acostumados a usar para comunicação escrita e oral, nos foi imposta devido a um
condicionamento histórico. Isto tirou nossa atenção das outras formas de comunicação, as
não-verbais, que são saberes mais sensíveis que as outras linguagens.
As formas de comunicação não-verbais, sempre foram estudadas por grupos de
estudiosos. Estas formas transparecem através dos tempos, desde os desenhos em grutas, que
serviam para a comunicação dos povos com deuses e outros seres. A linguagens verbais de
comunicação não estão apenas no nosso alfabeto, mas também nas formas de comunicação
utilizadas por povos antigos como hieróglifos, pictogramas e ideogramas, que são
comunicação através dos desenhos.
Além da nossa linguagem através do alfabeto, existem outros vários tipos de linguagens
que também se constituem em sistemas sociais e históricos de representação do mundo.
A ciência da semiótica tem por objetivo investigar todas as formas de comunicação
possíveis. O campo de abrangência destes estudos é tão vasto que chega a cobrir o que
chamamos de vida, pois desde a descoberta da estrutura química da genética, a vida passou a
ser mais uma espécie de linguagem, o que significa que a vida depende da existência de uma
comunicação entre nosso sistema biológico.
2. QUEM FOI CHARLES SANDERS PEIRCE?
C. S. Peirce (1839 – 1914) foi um dos pioneiros da ciência que estuda os complexos
caminhos da semiótica. Ele foi um estudioso que teve assombrosa diversidade de campos de
interesses, ele era antes de tudo um cientista, e assim trabalhou a vida toda, tendo produzido
contribuições importantes e originais na matemática e outras ciências até poucos dias antes
da sua morte, a partir de então ele passou a ser considerado um filósofo.
Desde o começo de seu interesse pela lógica, Peirce a concebeu como nascendo dentro
do campo de uma teoria geral dos signos ou Semiótica. Primeiramente, ele concebeu a lógica
propriamente dita como sendo um ramo da Semiótica. No final de sua vida estava
trabalhando num livro que se chamaria Um Sistema de Lógica, considerada como Semiótica.
Segundo SANTAELLA (1983), a semiótica peirceana, longe de ser uma ciência a mais,
é, na realidade, uma Filosofia científica da linguagem, sustentada em bases inovadoras que
revolucionam, nos alicerces, 25 séculos de Filosofia ocidental.
3. O MUNDO COMO LINGUAGEM
Dentro do conjunto do sistema filosófico de Peirce, a Semiótica era apenas mais uma
parte, e como tal, só se torna explicável e definível em função desse conjunto. Dentro deste
conjunto há varias ciências, e entre elas há que se considerar primeiramente as três seguintes:
Ciências da descoberta, Ciências da digestão e Ciências aplicadas. As Ciências das
descobertas são Matemática, Filosofia e Ideoscopia, ou ciências especiais. A Ciência da
digestão é a que digere e divulga as descobertas da Ciência das descobertas. As Ciências
aplicadas se dividem em dois ramos: ciências físicas e psíquicas, que pode ser entendido
como ciências humanas. Estes ramos científicos se desmembram formando várias outras
ciências que vão de ciências gerais até as classificatórias, passando pelas descritivas até
chegar às ciências aplicadas.
4. UNIVERSO EM EXPANSÃO
O que Peirce na realidade postulava, com base do seu pensamento, era a teoria do
crescimento contínuo no universo e na mente humana. “O universo está em expansão”, dizia
ele, “onde mais poderia ele crescer senão na cabeça dos homens?”. (SANTAELLA)
5. EDIFÍCIO FILOSÓFICO PEIRCEANO
5.1 - Fenomenologia
Para Peirce, a primeira instância de um trabalho filosófico é a fenomenologia. A tarefa
precípua de um filósofo é a de criar a Doutrina das Categorias, que tem por função realizar a
mais radical análise de todas as experiências possíveis. A fenomenologia, como base
fundamental para qualquer ciência, meramente observa os fenômenos e, através da análise,
postula as formas ou propriedades universais desses fenômenos. A Fenomenologia é
totalmente independente das ciências normativas.
5.2 - Ciências Normáticas
As ciências normativas se desenvolvem na base da Fenomenologia na seguinte ordem:
Estética, Ética e Semiótica ou Lógica.
5.2.1 Estética
É quando algo foi apenas percebido, sem qualquer interferência. Apenas
perceber.
5.2.2 Ética
É quando se toma uma ação quanto ao que foi percebido. A Ética tem como
base a Estética.
5.2.3 Semiótica ou lógica
É quando pensamos sobre o que foi percebido e reagido. Esta por sua vez, tem
como base a Ética e a Estética.
Para entendermos melhor, vamos citar um exemplo:
Ao vermos uma cadeira na sala de aula. Quando nós simplesmente a vemos, estamos
praticando a Estética. Quando sentamo-nos, estamos em Ética. Quando pensamos sobre ela
estamos em Semiótica.
Portanto, ver algo é Estética, reagir a ele é Ética e pensar sobre ele é Semiótica.
5.3 - Metafísica ou Ciência da realidade
A metafísica é a resultante de toda a filosofia peirceana, exatamente por ser a realidade
independente da fantasia, pois que “vivemos num mundo de forças que atuam sobre nós,
sendo essas forças, e não as transformações lógicas do nosso próprio pensamento, que
determinam em que devemos acreditar”.
6. FENOMENOLOGIA OU SEMIÓTICA
Fenomenologia é qualquer coisa que esteja de algum modo presente à mente, ou seja,
qualquer coisa que aconteça, seja ela externa ou interna, seja real ou não. Fenomenologia
seria, segundo Peirce, a descrição e análise das experiências que estão em aberto para todo o
homem, cada dia e hora, em cada canto e esquina de nosso cotidiano.
Considerando experiência tudo aquilo que se força sobre nós, impondo-se ao nosso
reconhecimento, e não confundindo pensamento com pensamento racional (deliberado e
auto-controlado), Peirce conclui que tudo que aparece à consciência, assim o faz numa
degradação de três propriedades que correspondem aos três elementos formais de toda e
qualquer experiência. Esses três elementos foram denominados: Qualidade, Relação e
Representação, mas mais tarde, para fins científicos, Peirce preferiu fixar-se na terminologia
de Primeiridade, Secundidade, e Terceiridade, por serem palavras novas, livres de qualquer
associação e termos já existentes, na época.
Sobre esta tríade, em 1890, Peirce escreveu: “A importância das categorias chegou à
minha casa originalmente no estudo da lógica, onde eles são responsáveis por partes por
partes tão consideráveis que fui levado a procurá-las na psicologia. Encontrando-as aí,
também, não pude evitar me perguntar se elas não entravam na fisiologia do sistema nervoso.
Orientando-se um pouco sobre hipótese, consegui detectá-las lá... Não tive dificuldades em
seguir o conduto dentro do domínio da seleção natural; e uma vez atravessado esse ponto, fui
irresistivelmente carregado para especulações com respeito à física”. Com isso percebe-se
que para Peirce chegar a essa lúcida adivinhação cosmológica foi uma longa viagem.
Só depois de ter comprovado a universalidade de aplicação das categorias, Peirce se
julgou apto a erigir seu sistema filosófico, cuja base estaria num livro infelizmente
incacabado, Uma Adivinhação para o Enigma (1890), e cujo argumento se desenvolve
através do exame das três categorias aplicadas de um campo a outro: da lógica à psicologia,
desta à fisiologia até o protoplasma ele mesmo, então do domínio da seleção natural até a
física.
Para se ter uma idéia da amplitude e abertura máxima dessas categorias, basta
lembrarmos que, em nível mais geral, a 1° corresponde ao acaso, originalidade irresponsável
e livre, variação espontânea; a 2° corresponde à ação e reação dos fatos concretos, existentes
e reais, enquanto a 3° categoria diz respeito à mediação ou processo, crescimento contínuo e
devir sempre possível pela aquisição de novos hábitos. O 3° depende do 2° e 1°, o 2°
depende do 1° e o 1° é livre. Estas três categorias formam uma tríade.
Elas se tornaram o que podemos chamar de três modalidades possíveis de apreensão de
todo e qualquer fenômeno: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade.
6.1 - Primeiridade
Esta categoria constitui o primeiro contato que temos com alguma coisa. É a ação que
precede toda e qualquer ação, o pensamento que precede todo o pensamento. Antes que
percebamos algo, ele já não existe. É a incapacidade de poder se situar. Pare de pensar nele e
ele já voou.
6.2 - Secundidade
Esta é a fatualidade do existir. Você sabe quem é, porque viu o outro. Você sabe que
não está a céu aberto, porque vê o teto. Na secundidade, é identificando o outro que você tem
a consciência de si mesmo.
6.3 - Terceiridade
Esta categoria consiste em identificar algo que já conhecemos, quando vemos e
sabemos o que é, onde estamos. Para isso nossa mente recebe os signos e vai transformando
em outros signos para que possamos entender da melhor maneira, e esses signos vão sendo
criados em nossa mente de acordo com nossa carga cultural.
7. SIGNOS
Os signos são representações que se valem da informação cultural de cada indivíduo.
Eles podem significar coisas diferentes para pessoas diferentes.
Por exemplo, se eu desenhar um olho, você não poderá dizer “isto é um olho”, pois não
o é, ele é sim a representação de um olho, logo, um signo. Outro exemplo, a palavra casa, a
pintura de uma casa, o desenho de uma casa, a fotografia de uma casa, o esboço de uma casa,
um filme de uma casa, a planta baixa de uma casa, a maquete de uma casa ou até mesmo o
seu olhar para uma casa, são todos signos do objeto casa. Ele não é um objeto, ele apenas
está no lugar do objeto, representando-o.
7.1 - Classificação dos signos
Tomando como base as relações que se apresentam no signo, foram estabelecidas 10
divisões triádicas do signo (tricotomias), de cuja combinatória resultam 64 classes de signos
e a possibilidade lógica de 59 049 tipos de signos.
Em suma, as mais importantes, conhecidas e divulgadas das tricotomias são as três mais
gerais, as quais Peirce se dedicou em explorações minuciosas. São elas: Quali-signo, Sin-
signo e Legi-signo.
O entender desta tríade se assemelha com a tríade da Primeiridade, Secundidade e
Terceiridade, onde Quali-signo é a relação do signo cosigo mesmo, o Sin-signo é a relação
do signo com seu objeto dinâmico e a Legi-signo é a relação do signo com seu interpretante.
Por exemplo, ao vermos uma cor. A cor verde.
• Quali-signo: Ocorre ao vermos a cor em sua pura qualidade. Uma qualidade
não representa nada, ela apenas se apresenta, e como ela não representa nada, logo não
pode ser um signo, por isso chamado de quase-signo: algo que se dá à contemplação.
• Sin-signo: Pensamos, a cor é verde. Ocorre na secundidade, quando sabemos
o que estamos vendo. É qualquer coisa que se apresente diante de você como um
existente singular.
• Legi-signo: A lei do signo. É quando pensamos: “verde lembra a natureza”.
Um signo extrai o poder de representação de um objeto porque é portador de uma lei
que determina, por convenção ou pacto coletivo, que aquele signo represente seu
objeto.

8. OUTROS PIONEIROS DA SEMIÓTICA


Além de C. S. Peirce, existiram outros estudiosos que fincaram seus estudos na ciência
da semiologia. Na União Soviética, no século passado, estes estudos começaram a germinar
através dos trabalhos de dois grandes filólogos, A. N. Viesse-lovski e A. A. Potiebniá, vindo
a explodir de modo efervescente na Rússia revolucionária, época de experimentação
científica e artística que deu nascimento ao estruturalismo lingüístico soviético, aos estudos
de Poética formal e histórica e aos movimentos artísticos de vanguarda nos mais diversos
domínios: teatro, literatura, pintura, cinema, etc.
Outra fonte destes estudos encontra-se no Curso de Lingüística Geral, proferido pelo
lingüista F. de Saussure, na Universidade de Genebra. Esse curso foi transformado em livro e
publicado postumamente a partir das notas de aulas extraídas por alguns alunos.
Em meados do século XX, tanto na União Soviética, quanto na Europa, que os estudos
voltados intencionalmente para a semiótica começaram a se desenvolver, e houve a
convergência das três fontes de estudo da semiótica para a criação de uma ciência única.
Entretanto, essa convergência não pode nos levar a esquecer ou ocultar as distinções nas
bases dessas fontes.
9. REFERÊNCIAS
SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. Brasília: Brasiliense, 1983.

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