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RESUMO
A Literatura Comparada, como parte dos Estudos Comparativos Interculturais, como classifica
o CNPq, tem levado obras ao conhecimento de leitores de diversos países através das
relações estabelecidas entre produções literárias distintas. Esse campo da Teoria Literária,
atento à multiplicidade da literatura mundial, tem, portanto, frequentemente se deparado com
novas demandas literárias e culturais. Dessa maneira, esse artigo se propõe a uma breve
explanação sobre o campo de Estudos Literários nomeado por Literatura Comparada, tendo
em vista a sua relação com a literatura mundial.
1. INTRODUÇÃO
1
Dessa maneira, as publicações na área de Literatura Comparada dizem
respeito, dentre outras questões, a relações literárias entre tradições e outras
características, isto é, comumente notamos como produções da área “Artigos
comparativos (...) de estudos entre autores e relações literárias na e entre a
tradição ocidental”2 [e/ou oriental]. De certa forma, é compreensível a falta de
ênfase a esse tipo de estudo nas academias, visto ser necessário ao
especialista em tal área, para além de um conhecimento de obras literárias as
mais diversas, um conhecimento linguístico profundo dos termos das obras a
serem analisadas. Nesse sentido, além de conhecer literaturas dos mais
variados países, seja da Índia, das Coreias, da China, da Rússia, do Irão, da
Noruega, do México, de Angola, da Austrália – e de tantos outros -, faz-se
necessário o conhecimento de certos termos que, tendo de origens culturais
muito específicas, apresentam-nos certas condições culturais que dão um teor
único, peculiar, às obras. Como bem diz Bassnett: [No campo da Teoria
Literária, infere-se que] “a maioria das pessoas não começam pela Literatura
Comparada, mas terminam com ela de alguma maneira ou outra (...)” 3
2 Original: “Comparative articles about (…) studies between authors and literary relations within
and beyond the Western tradition”, [tradução nossa]. BEEBEE, O. Thomas. Comparative
Literature Studies. Disponível em: http://www.psupress.org/journals/jnls_cls.html
3 Original: "Most people do not start with comparative literature, they end up with it in
some way or other". BASSNETT, Susan. Comparative literature: a critical
introduction. Oxford: Blackwell, 1993.
2
apresentada imensuráveis vezes com a proposta de que fosse possível
valorizar os autores nacionais, nesse caso, evidentemente, de maneira
imprudente, como sustenta a narrativa do livro do filho do também escritor
Thomas Mann, Klaus, em Mephisto4.
4 Ver MANN, Klaus. Mephisto, Roman einer Karriere. Reinbek: Rowohlt, 1981.
3
parte de Israel, e compreender que o “Dollarman” estão em mais lugares que
apenas na Austrália.
Pensando em como tanto Potiki quanto Tenda dos milagres podem ser
classificadas como Literatura Mundial, é possível, assim, aplicar tópicos e
temas comparativos dando espaço tanto às especificidades das obras quanto
às suas semelhanças, em um trabalho de comparação entre que surge destas
àquelas. Esse tipo de estudo nasce, assim, de características que unem obras
aparentemente de poucas conexões, como uma sobre nativos neozelandeses
e uma sobre a cidade brasileira considerada a mais negra do mundo, cujos
estudos possibilitam uma imersão cultural no que diz respeito aos âmbitos das
produções literárias escolhidas para além do óbvio: apresenta-se a Nova
Zelândia aos brasileiros e o Brasil à Nova Zelândia, ou, ainda, ambos ao
Mundo.
Essa literatura chegou com temas diversos e com o passar dos anos e
através de suas leituras, tornaram-se bases para versos cantados. Leandro
4
Gomes de Barros, um dos mais importantes cordelistas brasileiros, reelaborou
Donzela Teodora, intitulando o seu folheto por História da Donzela Teodora
(1891):
da história da donzela
5
Entretanto, o próprio campo de estudo tem dado ênfase às questões que
mais afligem e se evidenciam na nossa época, e, desta maneira, nota-se o
destaque que a Literatura Mundial tem nessa compreensão de possibilidades
da Literatura Comparada. A CLCWeb: Comparative Literature and Culture se
faz primordial para compreender esse processo. Se buscarmos a edição de
Setembro de 2015, encontraremos vinte e duas produções textuais acadêmicas
cujo tema central é Life Writing and the Trauma of War (2015). Ainda que,
certamente, o tema Guerra tenha perpassado, e ainda o faça, a condição
humana por todos os tempos, o artigo Women Writing for Other Women in
Colombia’s Current Armed Conflict, de María Mercedes Andrade, compara Las
mujeres en la guerra (2000), de Patricia Lara e Las viudas del conflicto armado
en Colombia: Memorias y relatos (2006), de Patricia Tovar, cujas produções,
uma com foco em uma maior popularização, fundindo literatura a alguns relatos
recolhidos, enquanto a outra, com um público bem mais acadêmico, tem
escritos que refletem sobre as implicações no mercado editorial, têm, como se
nota, diferenças evidentes . Ainda assim, “Andrade argumenta que ambos os
textos são valiosas tentativas de representar as experiências de mulheres
colombianas em tempos de guerra.” 5 Evidenciando, portanto, similaridades
entre as produções, bem como distinções, peculiaridades.
5 Original: “Andrade argues that both texts are valuable attempts to represent the
experiences of Colombian women in wartime.” ANDRADE, María Mercedes. Women
Writing for Other Women in Colombia’s Current Armed Conflict. Literature and Culture
17.3 (2015): Disponível em: http://dx.doi.org/10.7771/1481-4374.2680
6
inclusive atuais, muito diz sobre os coreanos. Nesse sentido, é possível
destacar que:
6 Because of the war as many as ten million Koreans were displaced and separated from their
families and they struggle with war trauma. [tradução nossa]. KIM, Won-Chung. The Korean
War, Memory, and Nostalgia. CLCWeb: Comparative Literature and Culture 17.3 (2015):
http://dx.doi.org/10.7771/1481-4374.2786
7 Original: “[Kunst] gehöre wie alles Gute der ganzen Welt an und könne nur durch
allgemeine freie Wechselwirkung aller zugleich Lebenden, in steter Rücksicht auf das,
was uns vom Vergangenen übrig und bekannt ist, gefördert warden.” [tradução nossa].
7
Fernand Baldensperger e Paul Hazard, veremos que, na
época, os estudos comparados seguiam duas orientações
básicas e complementares. A primeira era a de que a validade
das comparações literárias dependia da existência de um
contato real e comprovado entre autores e obras ou entre
autores e países. A identificação de tais contatos abria caminho
para os estudos de fontes e de influências; com isso, as
investigações que se ocupavam em estabelecer filiações e em
determinar imitações ou empréstimos recebiam grande
impulso. Ao mesmo tempo, crescia o interesse pelo
acompanhamento do destino das obras, a "fortuna crítica"
delas fora do país de origem. Multiplicavam-se as publicações
do tipo "Goethe na França", "Taine e a Inglaterra". A segunda
orientação determinava a definitiva vinculação dos estudos
literários comparados com a perspectiva histórica. Nesse
contexto, a literatura comparada passa a ser vista como um
ramo da história literária. Tal vinculação se deve ao fato de a
nova disciplina ter atraído de pronto a atenção de historiadores
literários, como Ferdinand Brunetièrc. Este, ao ministrar um
curso de literatura comparada cm 1890-1891, lança os
pressupostos de uma história dos grandes movimentos
literários no mundo ocidental com base na comparação entre
eles. Outro conhecido historiador literário francês, Gustave
Lanson, investiga, na mesma época, a influência da literatura
espanhola nas letras clássicas francesas e Emile Faguct, ao
dirigir a Revue Latine, de 1902 a 1908, adotará, como subtítulo
da publicação, "journal de Littérature Comparée". ( 2006. P. 14)
8
No prefácio da obra referência para os estudos da área que aqui
destacamos, Comparative Literature: Theory, Method, Application, de Steven
Tötösy de Zepetnek, Elizabeth Dahab informa que o livro possui mais de
seiscentas obras, tanto literárias quanto teóricas, citadas. Ao fazermos o
download da obra de Tötösy pela plataforma do CLCWeb, a informação dada
pelas estatísticas do google foi de que, ao mesmo instante, alguém também o
fazia na Finlândia.
Figur
a 1: Estatísticas de downloads do CLCWeb
Por outro lado, ainda que saibamos que os “escritores africanos, sul-
americanos e asiáticos têm sido lidos em todo o mundo, muitos deles são
migrantes e estão no exílio, como Chinua Achebe, Wole Soyinka, Ngugi wa
Thiong’o, ou o Nobel chinês que vive na França, Gao Xingjian.” (GNISCI, 2010,
p. 09). Deixando à parte a própria questão política do Nobel, é possível dizer
9
que essas arbitrariedades são parte do lado obscuro que a globalização
carrega consigo, fruto, em verdade, dos próprios seres humanos, o que nos faz
pensar que “descolonizar e mundializar as mentes torna-se a única prática civil
que podemos contrapor a essa nova forma de ‘vontade de potência’”. (Ibid., p.
10)
9 “Father, we are in front of the gate. Be careful not to trip up on the step. This is the yard. Mind
that jagged rock. This is the patio. Take off your shoes.” [Tradução nossa]. (Ibid. p. 21)
11
Dada a indagação, e toda a abordagem anterior sobre literatura mundial,
é possível destacar que a estranheza é, provavelmente, o primeiro sentimento
que surge ao nos depararmos com diferenças culturais tão notórias. Contudo,
as leituras de obras dessas naturezas possibilitam-nos um contato primeiro,
não significando prontamente que o respeito surgirá, mas, surtem, certamente,
efeitos, quiçá positivos, nesse espaço intercultural.
4. CONCLUSÃO
Como evidenciamos, não é por acaso que a Teoria Literária tem estado
profundamente relacionada à Literatura Mundial nos últimos anos, inclusive
12
porque os próprios meios e as novas narrativas midiáticas têm se apresentado
como sendo necessárias novas conjecturas – e a Literatura Mundial sempre,
ao passar das produções, as abarca. Ainda que o termo Weltliteratur tenha sido
cunhado por Goethe há mais de dois séculos, a própria globalização tem dado
um entorno muito peculiar às novas literaturas, e, atentas às mudanças, as
Literaturas Comparada e Mundial fazem-se mais que necessárias nesse
complexo e cotidiano cenário pós-moderno de extrema globalização, mas
também de desconhecimento das culturas alheias e de xenofobia.
13
REFERÊNCIAS
Diamond Sutra Recitation Group. Chung Hyo Ye: Tales of filial devotion,
loyalty, respect and benevolence from the history and folklore of Korea. Seul:
Diamond Sutra Recitation Group, 2010.
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Contracorrente: o melhor da New Left Review em 2000. Trad. Maria Alice
Máximo et al. São Paulo: Record, 2001.
SATRAPI, Marjane. Persépolis. Trad. Paulo Wernek. São Paulo: Cia das
Letras, 2007.
IMAGENS
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