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TARÔ E QABBALAH

Rui Sá Silva Barros


rui.ssbarros@uol.com.br
No final do século 18, Anquetil Duperron e William Jones demonstraram respectivamente,
o parentesco entre o persa, o sânscrito e as línguas européias antigas e modernas. Pesquisas
posteriores confirmaram o parentesco e abriram caminho para estudos sobre Mitologia
comparada (Schelling e os irmãos Grimm).
A percepção de que hindus,
persas e europeus formaram um
só povo na Antiguidade, exaltou
as imaginações trazendo novos
materiais para as teorias racistas,
e por outro lado colocando
novamente em tela a questão da
unicidade da humanidade
primordial.
Este horizonte cultural era o
que faltava para que as
especulações renascentistas sobre
uma Prisca Theologia voltassem
à tona. Esta tarefa entrevista por
Fabre de Olivet foi tomada a
cargo com todo ímpeto por
Eliphas Lévi, o abade Constant.
O parentesco lingüístico
assinalado pelos eruditos
autorizava uma verdadeira
caçada aos equivalentes.
Se os Arcanos menores do
Tarô tinham dez cartas
numeradas e quatro naipes, e os
Maiores, 22 cartas; por que não
aproximar o sistema dos
diagramas cabalísticos com suas
dez sefirot, seus 4 mundos e 22
letras? Foi o que fez Lévi em
Um esquema da Árvore da Vida que aparece em Dogma e Ritual da Alta Magia,
"Les Mysteres de la Kabbale" de Eliphas Levi. publicado em 1856. A partir de
[www.arbredor.com ] então se tornou prática corrente
escrever alguma coisa sobre o
tema e desenhar as letras
hebraicas nas cartas dos Arcanos
Maiores.
Será que esta analogia é fértil?

AS ANALOGIAS IMPRODUTIVAS
O mesmo símbolo pode ser apropriado e usado para diferentes propósitos e com
significados variados; isto depende do período histórico, da base religiosa e da
dimensão de realidade visada.
O núcleo de significados básicos das letras hebraicas não concorda com o das
cartas dos Arcanos maiores. Tomemos um exemplo. A letra Guimel evoca a riqueza ou
pobreza, o planeta Marte, o anjo Samael, o ouvido direito, a ligação entre Binah e
Gevurah. Tudo isto tem pouco a ver com a carta da Imperatriz, a dissonância é tão
grande que G.O.Mebes indica o planeta Vênus como o correspondente, e ao fazê-lo sai
da esfera da Cabala judaica e cria outra coisa.
O mesmo problema acontece na comparação de outras letras e cartas.
Ao abordamos um conjunto, a primeira providência deve ser a verificação da
composição, a estrutura.
No alfabeto hebraico a estrutura básica das letras é 3+7+12:
 três letras-mães dispostas nos três caminhos horizontais da Árvore da Vida:

Aleph Mem Shim


 sete letras duplas dispostas nos caminhos verticais;

Beith Guímel Daleth Caf Pei Reish Tav


 e doze letras elementares dispostas nas diagonais.

Same Tsad
He Vav Zain Het Tet Yod Lamed Nun Ain Qof
c e
Nos arcanos maiores do Tarô não temos nada que lembre remotamente este esquema.
Tal analogia levaria a classificar o Mago, a Morte e o Louco como cartas matrizes, o
que, não me recordo tenha ocorrido.
A Árvore da Vida é um diagrama que resume dois Os caminhos da Ávore e as
milênios de investigações de místicos judaicos e letras, tal como aparecem nos
assinala os aspectos coincidentes nos domínios manuais de Tarô, não
teológico, cosmológico e antropológico, com profundas coincidem com os textos
implicações para a terapêutica, magia cerimonial, artes tradicionais.
mânticas e principalmente, práticas meditativas. Alterar
qualquer coisa no desenho é esterilizar a prática.
Os desenhos da Árvore da Vida que comumente
aparecem nos estudos de Tarô-Cabala, mostram as letras
dispostas em ordem alfabética partindo de cima; neste
caso a letra Aleph liga Kether a Chokmah.
Esta associação entre letras e caminhos da Árvore da
Vida é uma especulação de autores cristãos, pois na
realidade a letra Aleph liga Chesed a Guevurah.
Tomando a Árvore como diagrama no corpo humano
esta região representa o tórax e a letra Aleph o elemento
Ar. Colocar a Aleph no hemisfério direito do cérebro
(Kether-Chokmah) significa que o sujeito pensa ao
sabor da ventania.
Deus o tenha!
“Arcanos menores” é uma designação recente para o
baralho comum, cuja origem podem ser buscada no
Oriente, tendo chegado à Europa pelas mãos dos
mulçumanos, e daí a denominação naibs para os quatro
elementos (estrutura horizontal) o que tem pouco a ver
com os quatro mundos dos cabalistas (estrutura Para ampliar,
vertical). clique sobre a imagem.
As dez sefirot da Árvore da Vida são atributos de
Deus, as três superiores saem da passagem do livro do
Êxodo quando Deus infunde seu Espírito, Sabedoria e
Inteligência, para que Betzalel possa construir o
tabernáculo.
Os nomes das sete inferiores foram tirados do livro das Crônicas quando o rei Davi
profere uma oração consagrando Salomão como seu sucessor. Se a carta 1 não for lida
na perspectiva de Espírito e vontade divina, a 2 na de Sabedoria do Pai Universal e
assim por diante, a aproximação é puramente ornamental.
TARÔ, UMA MANCIA DESPREZADA
Quando Court Gebelin escreveu Le Monde Primitif no final do século 18, o Tarô já
existia como jogo e cartomancia havia 4 séculos. Suas origens não foram registradas e sua
prática confinava-se a curiosos, nobres e pessoas simples. Com este autor tem início uma
corrente esotérica que procura vincular o tarô a uma tradição, em seu caso, egípcia.
Lévi vinculou o Tarô à Cabala e Papus aos ciganos. Somente Oswald Wirth viu com clareza
que as imagens eram européias, medievais e cristãs. Um dos grandes problemas da história do
Tarô é investigar esta cegueira. Propomos aqui um início de discussão.
Depois de 600 anos de movimentos de povos e
destruição, os europeus puderam respirar aliviados no
século XI, experimentando uma revitalização
econômica intensa com diversas conseqüências
benéficas na esfera cultural e religiosa: o novo
movimento monástico (Cluny e Cister), a organização
das ordens militares, a construção das grandes
catedrais românicas e góticas pela confraria
maçônica, o início da poesia trovadoresca e das
Cortes de Amor no Sul da França, e muitos outros.
Paralelamente a isto surgiram crises espirituais que
se tornaram agudas: provas racionais da existência de
Deus (Anselmo), as querelas de Investiduras, as
[http://divinity.library.vanderbilt.edu] heresias e a Inquisição, a subordinação do papado aos
reis franceses (o cativeiro de Avignon) e o extermínio
da Ordem dos Templários em 1310.
O Tarô é um dos tesouros salvos do naufrágio. Algumas das imagens foram copiadas
diretamente das esculturas das Catedrais, como mostra Flournoy em A simbólica dos
arcanos: uma peregrinação da alma.
A quantidade de imagens femininas remete para as Cortes de Amor provençais e os
Fideli d’Amore italianos. Pesquisas na iconografia dos manuscritos alquímicos
poderiam mostrar surpresas, bem como nos trabalhos dos mestres em iluminuras
franceses e de Siena do início do século XIV. Eu arriscaria dizer que o desenho básico
original foi realizado antes de 1348, pois toda a iconografia européia ficou marcada pela
Peste Negra, da qual o Tarô está isento. A crise espiritual não terminou em 1310, ao
contrário, prosseguiu célere com o Cisma (três papas simultâneos no final do século
XIV), a Reforma e o impacto da emergência das ciências experimentais. Cento e
cinqüenta anos depois do extermínio dos Templários, poucos conheciam o patrimônio
esotérico acumulado no Cristianismo e promoveram uma verdadeira orgia eclética, um
patê esotérico formado por fragmentos colhidos em diversas tradições: hermetismo
greco-egípcio, neoplatonismo, pitagorismo, alquimia e magia islâmicas, e cabala
judaica.
Já estamos em pleno Renascimento e os autores
que compunham a biblioteca básica de Lévi (Ficino,
Mirandola, Postel, Reuchlin, Agrippa e outros), não
escreveram uma linha sobre o Tarô. As razões
possíveis: não conheciam a origem, não tomavam o
baralho como material esotérico etc.
Pesquisar a origem do Tarô é embrenhar-se em
assunto complicado: que caminhos tortuosos
levaram os dirigentes cristãos da religião de amor
dos Evangelhos até o canibalismo da primeira
Cruzada e às torturas e fogueiras da Inquisição?
Na realidade o Tarô não precisa legitimar-se com
associações a outras tradições. O núcleo de
significados das cartas consolidou-se ao longo de [http://www.ojm.org/]
séculos e insistir nas associações pode ser um
estorvo.
Um tarólogo em exercício não deve se lembrar que a carta do Eremita corresponde à
letra Theith, ao signo de Leão, à audição, ao rim esquerdo. Se o fizer vai ficar perplexo.

QABBALAH, ESSA DESCONHECIDA


O Sefer Yetzirah foi traduzido por Postel para o latim e impresso em 1552, dez anos
antes da versão hebraica. O livro foi tomado como um manual de filologia, como um
livro sobre os mistérios da criação, como um trabalho de cosmologia e muitos outros
significados. E decerto, ele contém todas estas dimensões. Mas foi preciso esperar até
1990 quando Aryeh Kaplan escreveu um comentário pormenorizado sobre ele, para
sabermos que se trata, antes de mais nada, das práticas meditativas. Os cabalistas
judeus jamais escreveram sobre estes assuntos, a não ser Abraham Abulafia que pôs no
papel alguns comentários sobre a permutação de letras como meio de prática espiritual,
e por isto mesmo foi alvo de críticas na comunidade. Os europeus cristãos só tiveram
acesso à literatura teórica, escrita num estilo especialmente barroco para manter os goim
à distância, especialmente depois do tratamento que receberam na Europa medieval.
Durante 500 anos os ocidentais leram sobre o gosto do pudim sem poder experimentá-lo!
Aqui não há contorno possível: para entrar em contato fértil com o budismo tibetano ou zen,
com a Yoga hindu, com o sufismo islâmico, ou a Cabala judaica é preciso encontrar um
instrutor originário destas tradições, conhecer a respectiva história, os livros sagrados e um
pouco da língua. Isto agora se tornou possível.
É preciso conhecer a história judaica, pois as formas místicas acompanharam as mudanças e
vicissitudes do povo. Podemos rastrear facilmente as influências egípcias e babilônicas (no
léxico, na Torah, na literatura dos Palácios celestiais), persas (a angeologia e a demonologia, o
julgamento final e a ressurreição dos corpos).
Por onde andaram, os judeus absorveram
influências, mas as retrabalharam na matriz
da Torah. E assim, o que chamamos de
Cabala foi o movimento originado na Europa
mediterrânea medieval. O contexto:
fundação da escola filológica de Córdoba no
século X, fanatismo dos governantes
almorávides e almoádas nos séculos XI e XII
– acarretando uma diáspora para os reinos
cristãos do Norte da Espanha – ambivalência
[http://www.jimmyakin.org/]
suprema nesta convivência (guetos e marcas
no vestuário) avanço do racionalismo
aristotélico no judaísmo, escola de tradutores
na Provença e eclosão do movimento dos
cátaros e das Cortes de Amor nesta região.
Quando este contexto é ignorado restam manuscritos barrocos e um punhado de
fórmulas para jogo intelectual. Este primeiro movimento visou, antes mais nada,
explicar a presença do sofrimento e da desordem na criação. A aproximação entre
Tarô e a Qabbalah foi feita por europeus cristãos. Não há registro de um escrito judaico
tratando do Tarô, por dois bons motivos. Os judeus têm sua própria tradição mântica,
antiga e complexa: uma astrologia muito diferente da que praticamos, uma guematria
que deu origem à nossa numerologia, e uma fisiomancia baseada nos sinais da
morfologia humana. O outro motivo é que os judeus levavam a sério o segundo
mandamento, não farás imagens. A idéia de Lévi de desenhos figurativos inscritos nas
pedras no peitoril dos sacerdotes (os Urim e Tumin), como modelo primordial do Tarô,
é muito ingênua, pois isto seria considerado heresia na comunidade judaica. Depois
de um século de extraordinário desenvolvimento, o XIII, a literatura cabalística refluiu.
Novamente a história social em ação: a Inquisição tornou-se mais ativa, a discriminação
contra os judeus idem: a depressão econômica, as más colheitas, a grande epidemia de
Peste Negra que dizimou um terço da população européia ocidental; tudo atribuído aos
deícidas que sofreram os primeiros pogroms. Este processo desembocou na expulsão
dos judeus de Sefarad, a península Ibérica. 60 anos depois o movimento cabalístico
estava baseado em Sefed na Palestina (território então do Império Otomano) com
preocupações nitidamente messiânicas. Foi neste contexto de desastre que Mirandola e
Reuchlin foram procurar judeus para aprender hebraico. Conseguiram e tiveram acesso
aos manuscritos que logo foram traduzidos e impressos. Mas o significado interno do
movimento cabalístico e as práticas que o fundamentavam ficaram perdidas. Nem
sequer do movimento cabalista (séculos XII ao XVI) temos a história completa, pois 3
mil manuscritos foram publicados enquanto 6 mil aguardam sua vez nos museus,
bibliotecas e sinagogas.
A SEQÜÊNCIA DOS ARCANOS MAIORES
Para vincular o Tarô a alguma tradição esotérica era preciso demonstrar que a
seqüência das cartas fazia sentido. Os primeiros baralhos não tinham numeração que só
apareceu no século XVII, portanto resta uma dúvida sobre a intenção dos que criaram os
Arcanos maiores.
Podemos descartar o significado como
sendo uma seqüência da vida biológica
humana, pois a Morte está aproximadamente
no meio da seqüência; e também do
desenvolvimento típico da psicologia humana,
pois este não existe, há somente a história
psicológica do indivíduo sujeita a acidentes
circunstanciais. Resta o trabalho espiritual.
Das muitas interpretações, as mais
consistentes são as de Mebes, que toma a
seqüência das cartas como os passos de
preparação do adepto maçônico para a magia
cerimonial; e a de Valentim Tomberg que toma
a seqüência como os passos de exercícios
espirituais na tradição cristã, matéria vasta,
mas totalmente esquecida atualmente.
Este é um assunto de vida ou morte para o Cristianismo romano. Na reatualização
destas práticas jaz o futuro desta religião no mundo, e nota-se atualmente um grande
interesse pelas práticas meditativas do Cristianismo Oriental que melhor conservou as
tradições práticas. Na cartomancia corrente o problema do significado da seqüência
não está colocado, o tarólogo lida com as demandas do consulente, que geralmente são
concretas e individuais, enquanto a elaboração teórica só pode ser abstrata e geral. Já
que este pequeno ensaio tentou dissipar mal-entendidos arraigados, não custa terminar
com uma observação sobre Eliphas Lévi. Ainda que tenha escrito bastante sobre Magia
e a tenha colocado como a grande Ciência da Antiguidade, ele pouco praticou magia
cerimonial. Quanto às artes mânticas eis o que escreveu no Grande Arcano (1868): “Os
adivinhos, tiradores de cartas e sonâmbulos são todos alucinados que adivinham por
ob” [ob é um termo hebraico que designa uma luz astral expectral]. Eliphas Lévi
percebeu horrorizado o declínio da religião em seu tempo e tudo que escreveu visava
sua revitalização. Católico fiel acatou as restrições que os dirigentes eclesiásticos
fizeram à sua obra e não publicou seus últimos manuscritos, o que ficou a cargo de seus
sucessores franceses.

A simbólica dos arcanos:


uma peregrinação da alma
Texto de Jean-Claude Flornoy
original no www.letarot.com
Tradução de Constantino K. Riemma
A idéia da peregrinação da alma, desde sua encarnação até sua liberação, inspirou
os místicos e buscadores da verdade na Idade Média. A codificação das etapas dessa
peregrinação é muito antiga e podemos entender que o Tarô constitui um sucedâneo
modernizado, no final do século XIV, dessa antiga tradição.
Por volta de 1240, os escultores da Catedral de Chartres, na França, antecipam em
sua obras o que seria o Tarô. Seus grafismos deixam bem clara a fonte de onde se
inspiraram os imagineiros do Tarot. [Nota: O termo traduzido como "imagineiros" refere-se ao francês imagier, que
designa os escultores da Idade Média, companheiros e mestres das corporações de ofícios, criadores de figuras, imagens, baixos-relevos
comos os reproduzidos abaixo]
Cristo, no centro da mandorla, O baixo-relevo da Catedral de Amiens,
Catedral de Chartres, evoca algumas apresenta clara analogia com a carta
figuras dos arcanos maiores 16. A Casa de Deus (Torre)
Muitos historiadores e analistas do Tarô se recusam a estabelecer um nexo entre a
aparição do Tarô – súbita e “do nada” – no norte da Itália, em 1375-77 e a civilização da
Idade Média. A razão para isso, provavelmente, é o elo perdido. Esses analistas de estilo
universitário têm necessidade de pistas escritas irrefutáveis. Isso se torna ao mesmo
tempo sua grandeza e sua fraqueza. Sua grandeza porque nada avança sem provas e, sua
fraqueza porque, no caso de tradição oral, não existem escritos. Desse modo, eles
cortam toda riqueza de ligações com uma tradição que ainda se encontrava viva na
época do aparecimento dos trunfos.
Em situações como essa – a pesquisa sobre origem do Tarô – parece importante
ultrapassarmos tais modos formais de pesquisa e apresentarmos opções e lendas. São os
grafismos e os temas das imagens que estabelecem as ligações, os nexos.

Esculturas da Catedral de Chartres são provas evidentes da similaridade iconográfica


com cartas do Tarô como a 11. Força, 15. O Diabo, 14. A Temperança.
Esse laços nos levam aos companheiros das corporações de ofícios, aos criadores
de imagens das catedrais, aos talhadores de pedras, aos trovadores, aos fiéis do amor.
Referem-se a todo o conjunto da cultura sagrada da Idade Média, que atravessou uma
época sombria, e que nos deixou maravilhas de beleza e de tecnologia inigualáveis. O
tarô nos abre para a alma do povo românico, esse povo que a Inquisição perseguiu
durante quase quatro séculos para tentar sua erradicação.
Os 22 arcanos maiores do Tarô descrevem, em forma de código, o caminho da vida
de um indivíduo, de sua encarnação à sua liberação. É um mapa geográfico que
descreve o itinerário interior do ser através de suas cinco fases de existência.
A organização geral dos arcanos maiores
O Tarô, como peregrinação da alma, decompõe o caminho da vida em cinco fases:
infância, aprendizagem, companheirismo ["compagnonnage", no francês, referindo-se aos companheiros de
ofício], mestria – que apresento formando um “quadrado” – e, por fim, a sabedoria que
ocupa a posição central. Cada fase tem sua “porta”, sua conselheira e sua atmosfera
própria. O Mundo e a “Desculpa” possuem um status especial.

Pri
meiro quadrado: A INFÂNCIA Tempo da infância, da construção do corpo físico, dos
colégios e nações, o “nós”.

Porta: O Mágico (I), a encarnação


Quadra: vovó (II) , mamãe (III), papai (IV) e vovô (V). Segundo quadrado: A
APRENDIZAGEM Tempo da aprendizagem, da construção do corpo mental, o “eu”.
Porta: Os Enamorados (VI), a primeira paixão.
Quadra: brilhar (VII), independência (VIII), Diógenes (VIIII), destruição da estrutura
(X). Terceiro quadrado: O COMPANHEIRO

Tempo do companheirismo, da construção do corpo emocional.

Porta: A Força (XI), a reconstrução com e na matéria.


Quadra: retorno das lágrimas (XII), catarse emocional (XIII), caminho com o coração
(XIIII), crescimento da energia (XV). Quarto quadrado: MESTRIA Tempo da
mestria, construção do corpo de energia.

Porta: a Casa de Deus (XVI), morrer antes de morrer.


Quadra: a obra-prima (XVII), fim do medo (XVIII), de coração à coração (XVIIII),
nascer do ensinamento (XX). Centro (síntese) : REALIZAÇÃO
Tempo da Sabedoria, da construção do corpo glorioso.
A quinta e última fase é a da participação da consciência na alma do
mundo, na Anima Mundi. Representa o Mestre da época.
O arcano XXI. O Mundo, se encontra no centro, como síntese e
conclusão do caminho da vida, da peregrinação da alma.
Os tibetanos do vajrayana diriam que esse estado de realização está
ainda sujeito a uma progressão em graduações que vão até 12 e que
denominam “terras”
O Louco
Ele se desculpa e faz sua reverência; ele
cavalga o instante.
Ele se livra do mundo e vive no aqui e
agora. O passado e o futuro
desapareceram de seu cotidiano.
É o Louco sagrado, o Buda tolo, o Judeu
errante...

Jogos numerológicos
Essa disposição em quatro tem a vantagem de apresentar de modo harmonioso os
conjuntos de fases vividas. Os amantes da numerologia e dos jogos matemáticos têm,
aí, um ponto de encontro.
A base matemática é 4 e o 7 se apresenta, igualmente, com particular importância.
Por exemplo, se somarmos os números das cartas externas ou internas de cada quadra,
teremos:
– primeiro quadrado: 7 = 2 + 5 ou 3 + 4
– segundo quadrado: 17 = 7 + 10 ou 8 + 9
– terceiro quadrado: 27 = 12 + 15 ou 13 + 14
– quarto quadrado: 37 = 17 + 20 ou 18 + 19
Podemos também adicionar as duas cartas que se encontram em linha em dois
quadrados opostos:
17 = Papisa + Diabo; Imperatriz + Temperança; Imperador + Morte...
27 = Carro + Julgamento; Eremita + Lua ...
As etapas e a mensagem
Cada arcano representa uma etapa do caminho da vida, um estágio de realização.
Se os examinarmos um a um, na ordem e por agrupamentos de cada quadra com o seu
respectivo "cabeça", o que “abre a porta”, poderemos sentir em cada um deles a energia
particular que emana dessas imagens. É possível entrar no “jogo da lembrança”. E
poderemos dizer “eu também passei por isso!” No final das contas, talvez,
compreenderemos que o Tarô conta a história de nossas próprias vidas.
Aí está o ensinamento que os Antigos, mestres das imagens e construtores do
românico e, após, das catedrais medievais, quiseram conferir a um jogo de cartas antes
de desaparecerem definitivamente. Trata-se, portanto, de um jogo a dinheiro que se
alastrou como um rastilho de pólvora pelos botequins de toda a Europa. Foi como uma
garrafa lançada ao mar, um conhecimento transmitido, às cegas, para as gerações
futuras, para qualquer finalidade útil...
Uma vez que o suporte era modesto, porque o jogo permitia ganhar dinheiro, porque
falava por imagens e não por palavras e, sem dúvida, ainda por outras razões, a
mensagem chegou até nós.

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