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Alice Brito Pereira - RA00159200

Giuseppe Caci - RA00170192


Paulo Meirelle - RA00155161

Hezbollah: além do mito do “Terrorismo Islâmico”

Introdução

Neste trabalho, procuramos fazer uma análise geral sobre o grupo terrorista libanês
Hezbollah. Durante o desenvolvimento, tentamos, ao máximo, nos afastar de vieses que
pudessem alterar nossa visão desse grupo, trazendo assim, uma análise mais neutra e teórica.
Vamos analisar as questões telúricas da guerra, fazendo uma conexão entre os autores
estudados em aula e as novas informações que conseguimos arrecadar ao redor do tema.
Faremos um breve histórico da organização (relataremos seus objetivos, suas
motivações, sua formação, etc.), analisaremos seu objetivo estratégico e faremos, também,
uma análise estatística sobre os ataques e sobre os terroristas.
Por se tratar de um tema tão controverso onde existem muitas informações
divergentes disponíveis, vamos nos basear no site da Chicago Project on Security & Threats
para manter essa análise o mais concisa o possível.

Desenvolvimento

1) Histórico
O Hezbollah surge no sul do Líbano em 1982 em um período extremamente
conturbado da história do país, que havia acabado de mergulhar em uma guerra civil e de ter
parte de seu território ocupado pelo exército israelense nos anos de 1978 e 1982. Para
entender a construção deste momento histórico e o consequente surgimento do grupo é
necessário considerar a história do Líbano, e a constituição demográfica de algumas regiões
do país que possuem uma maioria de muçulmanos xiitas.
No início do século XX, ao final da primeira guerra mundial, a região se torna
protetorado francês, com seu território unido à Síria, devido a queda do Império Turco
Otomano e da assinatura do acordo Sykes-Picot e da Conferência de San Remo, em 1916 e
1920, respectivamente. O domínio francês durou até o ano de 1943 e a saída completa das
tropas francesas aconteceu em 1947. Como legado importante deste período fica o chamado
“Pacto Nacional” que resultou na divisão de cargos administrativos entre os principais grupos
religiosos do país, ficando definido que, aos cristãos maronitas, caberia a escolha do
presidente, já aos muçulmanos sunitas, a escolha do primeiro ministro e, aos muçulmanos
xiitas, a escolha do presidente do parlamento.
Durante o período desde a independência até os anos 1970, o sul do país se tornou
uma região com grande concentração de refugiados palestinos fugidos dos confrontos com
Israel a partir da guerra árabe-israelense de 1948. Em 1970, devido a um combate entre o
exército jordaniano e as forças da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), em um
conflito denominado “Setembro Negro”, as lideranças da organização também migraram para
o Líbano, e passaram a exercer bastante influência nas regiões que possuem maioria xiita.
Estas regiões também correspondem às partes mais pobres do país.
A forte presença da OLP em algumas regiões e o governo libanês sendo controlado
pelos cristãos maronitas ocasionou uma escalada de tensões no país que levou em 1975 ao
início de uma guerra civil entre os dois grupos, após uma sequência de ataques que atingiram
ambos os lados. Em um primeiro momento, a OLP e o exército sírio combateram as forças
das lideranças cristãs até 1978 quando ocorre uma intervenção internacional no conflito e a
assinatura de um cessar-fogo.
Em 1982, um braço do Fatah denominado Abu Nidal realizou um ataque que tinha
como alvo o embaixador israelense em Londres à época. Esse episódio levou a uma escalada
no conflito, que por fim levou a chamada “​Operation Peace for Galilee​”, por meio da qual
Israel ocupou parte do território libanês com o objetivo de destruir bases de operações da
OLP. Este é o contexto no qual surge o Hezbollah, como uma amálgama de vários grupos da
região que passam a combater a invasão israelense no sul do país e a presença de tropas
ocidentais no Líbano.
O Irã passou também a apoiar o grupo, inclusive o deixando na tutela da guarda
nacional. Em 1983, o grupo realiza ataques contra bases pertencentes a países ocidentais.
A guerra civil no Líbano chega ao fim nos anos 90 com o Acordo de Taif, que foi
responsável por acertar as bases para uma reforma política e a saída das tropas sírias que
permaneceram na região durante quase todo o conflito. Este acordo também previa a
desmilitarização de todas organizações guerrilheiras combatendo no país, porém, o Hezbollah
foi a única organização que ainda pôde continuar com os seus armamentos.
Apesar do fim da guerra civil, Israel continuava ocupando os territórios ao sul do
Líbano, e portanto, os conflitos ainda continuavam na região, estes que atingiram seu ápice
em 1996 com a operação “​Grapes of Wrath​” onde militares israelenses realizaram ataques
aéreos e terrestres contra alvos do Hezbollah e acabaram por atingir um centro de refugiados
em Qana matando 108 pessoas. Durante este período também ocorreram ataques importantes
realizados pelo grupo em regiões fora do Oriente Médio, sendo eles em Buenos Aires, um
responsável pela morte de 81 pessoas, e outro em Londres.
Israel acaba deixando o território libanês em 2000, o que significou uma vitória do
Hezbollah liderando a resistência na região. O grupo se torna uma força política bem
consolidada no Líbano, tendo entrado pela primeira vez nas eleições em 1992 e sempre
mantendo representação no congresso.
Em 2005 ocorre o assassinato do ex-Primeiro Ministro, Rafiki Hariri, que havia sido
responsável pela reestruturação da cidade de Beirute e que era apoiado pela Arábia Saudita. A
autoria foi creditada aos sírios, e o episódio acabou levando a novos conflitos entre grupos
fiéis a Hariri, grupos apoiados pelos Sauditas e o Hezbollah apoiado pelo Irã e Síria.

2) Objetivo estratégico (Objetivo Telúrico)


A aplicação do conceito “telúrico” às guerras e conflitos foi primeiro utilizado dentro
da teoria de guerras irregulares, no que se refere às guerrilhas, por Carl Schmitt, em seu livro
“Teoría del Guerrillero”. Assim, “telúrico” é a conexão com a terra existente na guerra
irregular, o que ajuda, tanto estrategicamente, os grupos guerrilheiros (proporcionando
conhecimento do território), quanto traz uma ideia de autodeterminação do território, que
estaria sendo invadido e dominado. Além disso, o autor fala do elemento ​partisan do
guerrilheiro, que é a existência de uma causa patriota.
Em suma, o caráter telúrico está presente em uma guerra fundamentalmente defensiva
frente à uma nação estrangeira e, necessariamente, engloba motivações políticas, ou seja, não
se trata de um mero ato criminoso comum.
Pode-se dizer que o caráter telúrico está presente não só no guerrilheiro desenvolvido
por Schmitt, mas também no terrorista suicida estudado por Robert Pape. Em sua pesquisa
sobre o terrorismo suicida moderno, Pape demonstra que a causa de tais atos não é, como
antes considerado, o fundamentalismo islâmico, mas sim a tentativa de instaurar ou manter a
autodeterminação de um país, assim como indicado no caráter telúrico de Schmitt. Dessa
forma, as invasões constantes que ocorrem no Oriente Médio, atacando a autonomia dos
Estados locais, são, de fato, o que torna o terrorismo suicida comum no local, e não a religião.
Um exemplo de grupo terrorista que realizou ataques suicidas com o objetivo de
adquirir independência política para seu país e, foi taxado como fundamentalista religioso, é
o próprio Hezbollah.
Analisando os dados coletados pelo Chicago Project on Security and Terrorism
(CPOST), seis dos oito ataques realizados pelo grupo no Líbano foram contra Israel (os
outros consistindo de ataques a tropas Norte-Americanas e Francesas e o outro em um ataque
isolado contra o primeiro ministro libanês). Todos esses ataques foram realizados, não
coincidentemente, em momentos em que o país estava ocupado por Israel (1987-1999).
Montando uma linha do tempo, podemos ver claramente a ordem dos eventos: ​após a
invasão israelense em 1978, e sua retirada, a segunda invasão total ocorrerá em 1982,
motivada pela tentativa de assassinato do embaixador israelense. Já em 1983 há o caso
emblemático do atentado suicida em Beirute que, no QG americano, matou 63 pessoas e, na
sede dos peacekeepers da ONU, matou 241 norte-americanos e 58 franceses, fazendo as
tropas da ONU se retirarem do território em 1984 e demonstrando a eficiência tática e os
resultados do terrorismo suicida, o qual, a partir desse ano, passa a se multiplicar.
Assim, em 1985, Israel se retira para uma “zona de segurança” no Sul do Líbano e de
1987 até 1989 o Hezbollah realiza três atentados suicidas contra Israel, tentando retirá-los do
país. Mesmo após 1990, quando a Guerra Civil do Líbano termina, Israel não cede o
território. Mais uma vez, em 1995 e em março de 1996, o Hezbollah conduz mais dois
atentados, os quais são retalhados pela operação “​Grapes of Wrath​”, realizada em abril do
mesmo ano, na qual Israel bombardeia as bases do Hezbollah no Sul do Líbano, Sul de
Beirute e Bekaa Valley. Finalmente, com mais um atentado conduzido pelo grupo terrorista,
Israel finalmente se retira do Líbano em 2000, com seis meses de antecedência do que havia
sido anunciado.
Utilizamos de uma notícia, publicada pela BBC, para exemplificar o caráter telúrico
dos ataques do Hezbollah no Líbano - “2000: Hezbollah celebrates Israeli retreat”. Nela, é
reproduzida a fala do líder do Hezbollah da época (​Sheikh Hassan Nasrallah​) sobre como as
terras e os prisioneiros tomados por Israel teriam de ser devolvidos, afirmando que o
Hezbollah considera que todo território libanês invadido deve ser restaurado. As
comemorações realizadas pelo grupo uma vez que Israel se retirou, assim como a exigência
de devolução das terras, mostram a conexão que o grupo (e a população libanesa) tem com
seu território e sua autodeterminação, e como essa conexão serviu de motivação em seus
ataques contra Israel.

3) Estatísticas, gráficos e análises a partir do banco de dados do CPOST


Antes de analisar os dados fornecidos pela CPOST, é importante ressaltar que a
própria organização faz algumas observações sobre a natureza da classificação e coleta dos
dados. Algumas das informações relevantes notadas pela CPOST são, primeiramente, o que é
considerado um ataque suicida, que, segundo a organização, é um ataque no qual o agente
tenta e consegue cometer suicídio na intenção de matar outras pessoas. Atentamos para o fato
de que a CPOST considera apenas atores não-estatais nessas estatísticas.
Além disso, a CPOST categoriza três diferentes alvos: alvos de segurança, alvos
políticos e alvos civis. Na primeira categoria estão inclusos policiais, militares, forças de
inteligência e suas estruturas de suporte, milícias e grupos militantes. Na segunda, incluem-se
políticos e oficiais públicos (eleitos e não-eleitos e domésticos ou estrangeiros), de todos os
níveis de governo, além de seus escritórios e estruturas de apoio. Na terceira categoria,
incluem-se apenas civis não-vinculados com estruturas políticas ou de segurança.
Para a classificação, a CPOST leva em consideração qual foi o alvo selecionado pelo
agente, informação que eles coletam de, pelo menos, duas fontes independentes. Mesmo na
ocasião da morte de muitos civis, se o alvo inicial for militar, o ataque será classificado como
de segurança.
Levando essas colocações em consideração, segundo os dados fornecidos pela
CPOST, o grupo Hezbollah, analisado neste relatório, cometeu 10 ataques, sendo o primeiro
deles registrado em 1987, 5 anos depois de seu surgimento oficial. Em 1987, foram
registrados dois ataques suicidas, ambos no Líbano. Um deles foi parte da Campanha contra
Israel e outro da Campanha contra os EUA e a França. As ações foram uma resposta direta à
invasão israelense no Líbano em 1982. No primeiro ataque, contabilizou-se 6 mortos e 73
feridos. No segundo, foram 7 mortos e 37 feridos. Ambos os ataques foram considerados de
alvos civis, sendo o primeiro deles em um terminal de ônibus e o segundo em um hospital
universitário.
Nos anos seguintes, foram registrados outros dois ataques: um em 1988 e outro em
1989, ambos no Líbano. Ambos estavam dentro da Campanha contra Israel e ambos foram
dirigidos a alvos de segurança. No total foram mortas 7 pessoas e 17 feridas, somando os dois
ataques. No segundo ataque não houve mortos, mas 6 feridos.
O grupo voltou com um ataque desvinculado de campanhas específicas e
geograficamente distante de seu lugar de origem, mas com a maior mortalidade de seu
histórico. O ataque em questão ocorreu em 1994, no AMIA (Associação Mutual Israelita
Argentina), em Buenos Aires, somando 85 mortos e 200 feridos. O alvo foi classificado como
“civil”. O país conta com a maior comunidade judaica na América Latina e o sexto maior do
mundo fora de Israel.
Outros ataques ocorreram em 1995 e 1996, ambos no Líbano, ambos parte da
Campanha contra Israel e ambos com alvos de segurança. O primeiro não contabilizou
mortos, mas 30 feridos. O segundo contabilizou 1 morto e 8 feridos.
O grupo não realizou ataques suicidas novamente até 1999, quando praticou outra
ação suicida no Líbano, matando 7 pessoas e ferindo 14. Assim como os anteriores, o ataque
de 1999 estava inserido na Campanha contra Israel e seu alvo foi de segurança.
A partir de 2005, quando o grupo realizou outro ataque, as ações suicidas se
desvincularam da Campanha contra Israel. A de 2005, realizada no Líbano, matou 21 pessoas
e feriu 120. Pela primeira vez, o alvo foi categorizado como político, contra o primeiro
ministro libanês Rafik Hariri.
O último ataque suicida registrado data de 2012 e ocorreu na Bulgária. A ação deixou
6 mortos e 32 feridos. Seu alvo foi classificado como civil.
Ao todo, o Hezbollah realizou 10 ataques ao longo de 32 anos de existência,
totalizando 531 feridos e 140 mortos. Em média, são 14 mortos e 53.1 feridos por ataque.
É interessante notar que apenas 80% dos ataques foram realizados no território
Libanês e que 60% dos ataques foram vinculados com uma campanha específica. Isso indica
que, de alguma forma, os ataques do Hezbollah eram motivados por questões políticas
específicas além de ideologia. Porém, o fato de existirem 3 de 10 ataques não vinculados com
campanhas mostra que o uso da violência como forma de promover a ideologia não é
descartado pelo grupo -- e chama a atenção o fato de os ataques “isolados” corresponderem a
75% das mortes e mais de 50% dos feridos pelas ações suicidas do Hezbollah.
É interessante notar que metade dos alvos do Hezbollah eram classificados como de
segurança, mas apenas 10.7% dos mortos pelo grupo eram dessa categoria, em contraponto
aos civis, que representavam 40% dos alvos, mas 74.3% dos mortos. Quanto aos alvos
políticos, que representavam 10% do total dos ataques, pode-se dizer que são os dados menos
discrepantes, já que representam 15% dos mortos.

Conclusão
Partindo da análise dos dados do CPOST, dos nossos conhecimentos sobre a história
recente do Líbano e de conhecimentos teóricos adquiridos por meio de leituras e aulas ao
longo da graduação, concluímos que o Hezbollah comprova, de certa forma, questões
colocadas por Robert Pape sobre as motivações do terrorismo. Em contraponto à narrativa
dominante, que traça um perfil de terrorismo vinculado ao islamismo, gerando reações de
intolerância religiosa generalizadas em diversos países, os dados analisados sugerem que a
maioria das ações do Hezbollah não está vinculada com questões religiosas, mas com
questões estratégicas e políticas.
Observamos que 60% dos ataques foram reações de protesto à invasão israelense do
território libanês -- uma questão política clara e pontual. Além disso, o fato de que 80% dos
ataques suicidas vinculados ao Hezbollah ocorrerem no Líbano e grande parte durante o
período da ocupação israelense do território. Isso remonta ao caráter telúrico da ação violenta
colocado por Schmitt, que fala sobre a ação civil violenta como tentativa de instaurar ou
preservar a autodeterminação de um país.
É claro que optamos por analisar mais profundamente os ataques inseridos na
Campanha contra Israel, não apenas por representarem a maior parte dos ataques da
Hezbollah, mas pelo fato de comporem a narrativa de uma vitória desse tipo de ação. De
qualquer forma, não deixa de chamar a atenção o fato de 2 dos 10 ataques cometidos pelo
grupo terem ocorrido fora do território libanês, o que indica que, embora motivado pela
questão da ocupação israelense no Líbano, o grupo não se limita a essa campanha, mas
aumenta seus horizontes sem comprovar o clichê do terrorismo religioso.
Bibliografia

BBC. 2000: Hezbollah celebrates israeli retreat. BBC. Disponível em:


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PAPE, Robert. Morrir para Ganar. Paidós Ibérica. 2006.
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