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NOVAS
RESUMO
As cidades novas representam um ideal de cidade e evidenciam uma atitude empreendedora, dentro
da visão mercadológica de empreendedores comprometidos com objetivos em grande escala. Na
formação dessas cidades a expressão de cultura e de identidade da região estão representadas nos
edifícios existentes. O intenso processo de Colonização promovido pela CTNP no Norte paraense, a
partir da década de 1930, caracterizou-se pela implantação de mais de sessenta cidades, num
processo rápido de ocupação e construção. As cidades planejadas no chamado Norte Novíssimo,
território que se estende das proximidades do município de Maringá até o rio Paraná e o rio Piquiri em
direção ao Noroeste do Estado, os principais municípios são: Paranavaí, Cianorte e Umuarama. Em
tão pouco tempo as cidades planejadas foram grandes canteiros de obras que resultaram em
experimentações arquitetônicas vernaculares e reproduções de arquétipos nacionais e internacionais.
Entretanto, a valorização do presente se destaca em meio ao turbilhão da cidade em crescimento
onde as antigas construções são substituídas ou modificadas num fluxo contínuo. As cidades novas
vieram substituír um sistema complexo de organização espacial e funcional voluntário. Há que se
considerar, portanto que o panorama das cidades planejadas deve ter variantes de valor do
patrimônio em outras cidades, nascidas da formação espontânea. Considera-se que as práticas no
período de implantação das cidades novas ocorreram transformações radicais, e que as contradições
formais inerentes ao sistema de produção (divisão de espaços e justaposição tecno-prática)
constituíram a infraestrutura visível de uma imagem física da cidade moderna. A questão do tempo e
das transformações em cidades novas é um aspecto importante no que se refere à preservação, pois
a expressão de cultura e identidade da região estão representadas nos edifícios existentes e que é
preciso ser avaliada para que o patrimônio local seja identificado, valorizado e preservado.
Contexto
No contexto paranaense de 1930 e 1960, a venda de terras ocorreu através de vinte e seis
companhias imobiliárias loteadoras que promoveram a expansão imobiliária e a colonização
agrícola. Entre essas, a Companhia de Terras Norte do Paraná – CTNP, companhia de
origem inglesa que posteriormente foi vendida para brasileiros.
O objetivo era formar uma rede de cidades implantadas a cada cem quilômetros, ligadas
através da rede ferroviária, de modo a facilitar o escoamento da produção, e entre estas a
cada 10 ou 15 km ficariam os patrimônios, centros comerciais e abastecedores
intermediários. (LUZ, 1997. STEINKE, 2007. DALBERTO, 2009). A vasta área entre
Londrina e Cianorte foi loteada e vendida a milhares de colonos até pelo menos o fim da
Segunda Guerra quando a Companhia de Terras Norte do Paraná – CTNP foi vendida à
empresários brasileiros e deu origem a Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná
(CMNP).
As reflexões apresentadas nesse artigo fazem parte das investigações de 2015 a 2017 para
dissertação de mestrado “ A Igreja Matriz Nossa Senhora de Fátima edificada em madeira
em Cianorte: patrimônio cultural e arquitetônico, além de ser um exemplar da construção
arquitetura em madeira por sua cobertura em arco parabólico, o edifício é um exemplar da
disseminação da arquitetura moderna na região, fenômeno que ocorreu em diversas partes
do território brasileiro. Durante a pesquisa o edifício foi inventariado e analisado no contexto
de cidades novas.
Para compreensão de cidades novas, o termo aqui utilizado para tratar do fenômeno de
construção de núcleos urbanos, “novas cidades”, refere-se de forma geral a comunidades
“planificadas e criadas conscientemente em resposta a objetivos claramente formulados”,
pressupondo, “a existência de uma autoridade ou organização suficientemente efetiva para
assegurar o lugar, reunir os recursos necessários e exercer um controle contínuo até que a
cidade alcance um tamanho viável”. (Galantay, 1977: 15).
Para a compreensão do conjunto de circunstâncias à volta do que se conhece sobre cidades
novas (CNs), cita-se a contribuição conceitual de Trevisan:
Coulon (1993, p. apud TREVISAN) afirma que as Cidades Novas estão inscritas, numa
produção espaço-temporal, como testemunhas físicas da evolução das práticas num
período de transformações radicais, e que as contradições formais inerentes ao sistema de
produção (divisão de espaços e justaposição tecno-prática) constituíram a infraestrutura
visível de uma imagem física da cidade moderna.
A urbanização do Norte do Paraná deu-se no 1º período da Revolução Industrial no Brasil
(1930-1956), Santos (1993) destaca que ocorre uma verdadeira distinção entre um Brasil
urbano e um Brasil agrícola, o que resultou em “áreas agrícolas contendo cidades
adaptadas às suas demandas e (...)”. Moura (2004) afirma que o Brasil e o Paraná deixaram
de ser uma população tipicamente rural se transformando em urbana até os anos 50, onde
as cidades foram expandidas ou construídas para abrigar contingentes de pessoas atraídas
“pelas perspectivas acenadas pelos setores produtivos urbanos ou involuntariamente
destituídos da possibilidade de permanência num campo tecnificado – e a qualidade
auferida pelo modo de vida urbano”.
A crise mundial de 1929 causou impactos no cenário econômico brasileiro e desdobramento
diferenciado no Paraná, pois nesse período o governo brasileiro procurou deter o plantio de
café para que não aumentasse o estoque do produto. Foi um período em que as plantações
de café foram interditadas em vários estados que tinham mais de cinquenta milhões de pés
de café. (FREITAS; SEIXAS; DALBERTO, 2016).
O intenso processo de Colonização promovido pela Companhia Melhoramentos Norte do
Paraná, a partir da década de 1930, caracterizou-se pela implantação de mais de sessenta
cidades no território paranaense, num processo rápido de ocupação e construção. As
cidades planejadas no chamado Norte Novíssimo, território que se estende das
proximidades do município de Maringá até o rio Paraná e o rio Piquiri em direção ao
Noroeste do Estado, os principais municípios são: Paranavaí, Cianorte e Umuarama.
O quadro da colonização do estado paranaense mostra o auge do plantio do café, abrange
os projetos de áreas novas de povoamento e a construção da ferrovia que proporciona
pontos de escoamento das safras. A Companhia Melhoramentos Norte do Paraná – CMNP,
foi construindo uma imagem desbravadora e pungente, na afirmação da capacidade de
solucionar as questões sociais das cidades através de seus empreendimentos, entretanto,
Souza (2015, p. 47) discorda quando afirma que havia uma dualidade entre o discurso e
ação da CMNP, enquanto agente do capitalismo, pois a estratégia de vendas era a imagem
da realização de um povoamento com foco social, mas o interesse era executar um projeto
de forma disciplinada para obter lucros nas etapas do processo de colonização.
A partir de 1930, o Norte do Paraná passou por um processo de regionalização resultando
em três subterritórios: o Norte Velho – desde a divisa com São Paulo até o rio Tibagi, o
Norte Novo – da região do rio Tibagi passando por Londrina, até as margens do rio Ivaí, e o
Norte Novíssimo – ao longo do rio Ivaí e do Piquiri. Entre os autores que citam essa divisão,
Suzuki (2007) afirma que “é primordial observar que a forma e o tempo de desenvolvimento
do norte do Paraná deram-se diferentemente das outras regiões do país, ocorreu em
etapas”. Conforme Cancian (1981, p.50) a cafeicultura paranaense processou-se nas três
fases, sendo a primeira correspondente à ocupação do Norte Velho – a partir do século XlX
e início do século XX, culminando com a crise de 1929. A segunda fase a partir de 1930,
ocorrida de forma lenta até o fim da Segunda Guerra Mundial e depois acelerando. A
terceira, entre as décadas de 1940 e 1960, quando encerrada a expansão da cafeicultura
paranaense. Durante as etapas desenvolveu-se uma arquitetura local.
As cidades de Londrina, Maringá, Cianorte e Umuarama (Figura 8), planejadas pela CTNP -
Companhia de Terras Norte do Paraná formam um eixo e constituem quatro polos
centralizadores de cidades menores à sua volta, segundo o plano de ocupação proposto
para as Regiões Norte e Noroeste do estado, essa é a ocupação do chamado Norte
Novíssimo, iniciada na década de 1950. O avanço foi planejado pela CMNP, expandindo na
década de 1960, quando houve aumento considerável populacional de imigrantes em busca
pela “terra roxa”, repercutindo em surgimento de novos municípios. Segundo Fonseca
(2006), isso ocorreu devido a ascensão da economia cafeeira na região houve abertura das
frentes de povoamento.
A ligação entre as cidades foi estratégica, Seixas et al (2017) afirma que Cianorte seria um
dos pontos de conexão, a fim dessa rede a fim de escoar a produção agrícola e
posteriormente industrial:
O interior do Brasil passa a ser visto como marco da identidade necessária para a
construção ideológica nacional, “a busca de variantes estéticas projetou cidades e
elementos do poder metropolitano (militar, religioso e burguês) e valorou o local na
perspectiva exógena produzida no território colonial “ (COSTA; SUZUKI, 2012).
Para Luz (1997), o sistema rodoferroviário teve um papel crucial na implantação das cidades
novas do Paraná, incluindo Cianorte. A forma com que as cidades polo e as demais no norte
do Paraná foram distribuídas, criando uma rede de cidades ligadas à ferrovia, demonstra
características de concepção inglesa do town and country planning, ou seja, do ideário
Garden city como se viu anteriormente. Esta característica é peculiar à região e difere do
planejamento de outras áreas brasileiras de colonização.
A autoria do Plano urbano original de Cianorte é do engenheiro Jorge Macedo Vieira (1894-
1978), o projeto de 1955, última cidade por ele planejada. Macedo Vieira também participou
nos projetos de Londrina, Maringá, Pontal do Sul e Águas de São Pedro. Seus projetos
apresentam características de ideias urbanísticas circulantes na época. Conforme afirmação
de Seixas:
Embora Macedo Vieira não tenha vindo a Cianorte, o anteprojeto contempla o cuidado com
a topografia. Seixas et al (2017) destaca algumas soluções inovadoras como “prioridade ao
eixo monumental, áreas verdes preservadas permeando a cidade em um sistema
hierárquico de vias intercalado a praças, proporcionando fluidez ao tráfego”. Com relação ao
traçado da malha e a sobreposição de características dos movimentos cidade-jardim e city
beautiful, Bonfato (2008) denomina de hibridismo, enquanto que Dalberto (2009, p.46)
afirma que “a boa forma alcançada no plano original de Cianorte é fruto do desenvolvimento
de um pensamento que buscava a qualidade do espaço urbano”.
Segundo Freitas, Seixas e Dalberto (2016), a inauguração da cidade de Cianorte em 1953,
seguindo a estratégia de propaganda da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, foi
divulgada em jornais e revistas, onde a cidade nova abriu-se aos interessados em plantar
café nas férteis terras da região, atraídos pela imagem de credibilidade da Companhia.
Kohhepp (1991, p.79) destaca esse processo como “avanço especulativo da fronteira
cafeeira”.
A divulgação ocorreu em diversos jornais regionais, como “ Folha de Londrina” e “ A Hora”,
respectivamente veículos de informação de Londrina e Maringá (Figura 1). Entre os vários
artigos da “Folha de Londrina”, cabe destacar o de 7 de agosto de 1953 entilulado:
1º Simpósio Cientifico ICOMOS Brasil
Belo Horizonte, de 10 a 13 de maio de 2017
“Cianorte, hino de fé no destino grandioso do Paraná” , com subtítulo “ Cometimento que
confirma a decisão inabalável da gente do Setentrião em continuar sua obra ciclópica e
extraordinária – A Selva estuante”, qualificando a cidade como “ terra das melhores entre as
melhores...”, finaliza pedindo para Melhoramentos “fazer nascer mais cidades”, para mais
gente “que virá acudindo ao chamado da terra gorda e rocha que espera acolhe-la com a
mesma maternidade, seja ela dos países distantes ou seja de outros quadrantes da nossa
pátria mesmo”.
Conforme aponta Babkov (1998), o essencial num projeto da cidade era: Praça Principal,
Comércio, Praça da Igreja, Escola e Cemitério, que constituíam o centro e limite imaginário.
Para Yamaki (2000), existem referenciais dos planos das Cidades Jardins Inglesas
passíveis de serem observados: “O anteprojeto de Maringá e o projeto de Cianorte,
evidenciam na localização da Praça Central um platô alto, o eixo de ligação, entre a Estação
e a Praça, “enclousure “ das Praças, a otimização do sítio natural, vegetação e caminhos
existentes, a relação formal-informal do traçado”.
Figura 3 – Dia de demolição da Casa União de Ferragens, na Av. Souza Naves, Cianorte (2017)
Fonte: Eleutério Langowiski
Portanto, Cianorte encontra-se disposta nesta rede de cidades, com o traçado urbano
planejado, como parte desta porção planejada de forma inédita no país até então sua
implantação em 1953, coincidiu com a última década da expansão cafeeira, com declínio a
partir de 1960” (STEINKE, 2002).
Os estudos e levantamentos à cerca da morfologia urbana das cidades novas e o processo
de implantação dos projetos da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná foram
registrados e inventariados por vários autores como REGO (2009) e YAMAKI (2000),
STEINKE (2007), ROSANELI (2009), CORDOVIL (2008 e 2010), ANDRADE (2000).
Entretanto, Fernandes e Gomes (2004) refutam que os processos de transformação urbana
e urbanística das cidades brasileiras no século XX ainda não foram problematizadas
enquanto campo teórico, revelando uma constituição ainda fraca dessa área dos estudos
urbanos e que em grande parte são descritivos, esses trabalhos continuam a elencar um
conjunto de dados e informações cuja formulação e construção conceitual permanecem
como instigante e complexo desafio aos pesquisadores da área e ponderam:
A fim de aprofundar tal tema, em 1999, o livro “Urbanismo no Brasil: 1895-1965”, de Maria
Cristina da Silva Leme, aprofunda o tema trazendo relato e análise crítica das ideias do
século XX para a cidade brasileira, da concepção à materialização, através de artigos de
pesquisadores que abordam o tema em oito cidades no Brasil. Bonduki (1999) afirma a
participação de oito capitais e suas correspondentes universidades, estimulou e reforçou a
pesquisa nessa área, consolidando fontes e acervos de pesquisa e publicações pertinentes
à produção referente sobretudo à primeira metade do século XX.
Dento dos campos de influência citados por Fernandes e Gomes (2004) a morfologia das
cidades novas constituem base para o estudo da produção arquitetônica e a linguagem
construtiva de suas edificações, um fio de análise importante para entendimento da
circulação de ideias e no sentido da identificação do patrimônio cultural. As primeiras
edificações dessas cidades foram estabelecidas com rapidez, considerando que nas
práticas do período de implantação das cidades novas ocorreram transformações radicais, e
que as contradições formais inerentes ao sistema de produção (divisão de espaços e
justaposição tecno-prática) constituíram a infraestrutura visível de uma imagem física da
cidade moderna. Ao longo do tempo, à medida da implantação das cidades novas e a
consolidação de ocupação das terras loteadas, a paisagem urbana modificou-se
rapidamente, portanto os primeiros edifícios, seus autores e suas formas marcam um tempo
importante na construção da identidade local. Alguns permanecem na paisagem como
A apropriação dessas influências culturais impregnou-se na construção civil local, que era
predominantemente em madeira, produzindo uma arquitetura popular com traços de
tradição e originalidade, ou seja, com caraterísticas próprias. O conhecimento da arquitetura
vernacular em madeira não foi ensinado em escolas, portanto foi desaparecendo, e, ao
longo do tempo, outros métodos construtivos foram inseridos no contexto global das cidades
novas.
No Paraná existem pesquisas sobre a arquitetura em madeira já desenvolvidas por autores
como Zani (2003), Berriel (2011), Yamaki (2000), Kohlrausch (2007), Hoffmann (2016), são
estudos históricos e reflexão sobre sua preservação no Paraná.
Sobre a arquitetura em madeira trazida por imigrantes, há um acervo bibliográfico
importante com temas pesquisados em outros locais, que são referências e apoio científico
para essa pesquisa. Obras como Arquitetura em Madeira na região de Londrina, pesquisada
por Zani (2003 e 2005); a Casa Eslavo-Paranaense, objeto de estudo de Larocca Júnior,
Larocca e Lima (2008) e as Igrejas Ucranianas, pesquisadas por Batista, Imaguirre e Corrêa
(2009). As capelas em madeira de Maringá são inventariadas por Hoffmann (2016). Porém,
na região do norte e noroeste paranaense há muito a ser levantado e inventariado.
Referências Bibliográficas
LUZ, France. O fenômeno urbano numa zona pioneira: Maringá. Maringá: Prefeitura
Municipal, 1997.
MAFHUZ 2002. O clássico, o poético e o erótico, e outros ensaios. Editora Ritter dos Reis.
2002. Porto Alegre.
STEINKE, Rosana. Ruas Curvas versus Ruas Retas: a trajetória do urbanista Jorge de
Macedo Vieira. Maringá: EDUEM, 2007.
TREVISAN, Ricardo. Cidades novas. 2009. iii, 314, [11] f., il. Tese (Doutorado em
Arquitetura e Urbanismo)—Universidade de Brasília, Brasília, 2009.