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Métodos concretistas de interpretação constitucional:

contribuições de Viehweg, Hesse, Müller e Häberle

» Marcio Scarpim de Souza

RESUMO: O presente artigo apresenta um estudo sobre os métodos


concretistas de interpretação constitucional (tópico-problemático, hermenêutico-
concretizador, normativo-estruturante e método concretista da Constituição
aberta), a partir das contribuições trazidas por Theodor Viehweg, Konrad Hesse,
Friedrich Müller e Peter Häberle. Diferentemente dos métodos sistemáticos
(jurídico e científico-espiritual), os métodos concretistas adotam um raciocínio
aporético, partindo da reflexão sobre o problema a ser resolvido e não sobre o
sistema normativo. Serão abordadas as premissas de cada método e as principais
críticas doutrinárias. Tais métodos se inserem no estudo da hermenêutica
constitucional, que parte da constatação da insuficiência dos elementos clássicos
de interpretação previstos por Savigny para a compreensão do conteúdo e alcance
das normas da Constituição em casos concretos.

Palavras-chave: Constitucional. Hermenêutica. Métodos de Interpretação.


Concretista. Aporético. Tópico-problemático. Hermenêutico-concretizador.
Normativo-estruturante. Constituição aberta. Viehweg. Hesse. Muller. Haberle.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DESENVOLVIMENTO. 2.1. Método


tópico-problemático. 2.2. Método hermenêutico-concretizador. 2.3. Método
normativo-estruturante. 2.4. Método concretista da Constituição aberta. 3.
CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

1. INTRODUÇÃO

Segundo Carlos Maximiliano, interpretar é “explicar, esclarecer; dar o


significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um
pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão;
extrair, de frase, sentença ou norma, tudo que na mesma se contém”[1].
Interpretar uma norma jurídica significa buscar atribuir-lhe sentido e alcance.
Nesse sentido, cada método hermenêutico abrange uma série de premissas por
meio das quais se busca realizar a interpretação de forma mais efetiva. Dessa
forma, a interpretação da Constituição também tem por objetivo a compreensão
do significado de suas normas.

Todavia, em virtude da estrutura normativa própria das Constituições, as


quais possuem regras e princípios que buscam proteger valores e ideologias por
vezes conflitantes, os elementos tradicionais de interpretação sistematizados pelo
jurista alemão Savigny[2] (gramatical, histórico e sistemático, sendo
posteriormente acrescido o elemento teleológico[3]) se mostram insuficientes
para solucionar, no caso concreto, conflitos entre bens jurídicos tutelados na
Constituição, conferindo às normas constitucionais eficácia e aplicabilidade.
Dessa forma, a doutrina e a jurisprudência desenvolveram métodos próprios de
hermenêutica constitucional.

Não se pode olvidar, entretanto, que os métodos de interpretação


tradicional e constitucional são reciprocamente complementares, conforme lição
de J.J. Gomes Canotilho[4] e Inocêncio Mártires Coelho[5].

Nesse contexto, o objeto de estudo do presente artigo abrange os métodos


concretistas (ou aporéticos) de interpretação constitucional (tópico-problemático,
hermenêutico-concretizador, normativo-estruturante e método concretista da
Constituição aberta), a partir das contribuições trazidas por Theodor Viehweg,
Konrad Hesse, Friedrich Müller e Peter Häberle. Diferentemente dos métodos
sistemáticos (jurídico e científico-espiritual), os métodos concretistas adotam um
raciocínio aporético, partindo da reflexão sobre o problema a ser resolvido e não
sobre o sistema normativo. Não se fala em interpretação da norma, mas em
concretização, ou seja, na sua aplicação para resolver problemas concretos. Não
se pode interpretar a norma sem considerar atentamente os dados concretos a
respeito do problema sobre o qual se pretende aplicá-la.

No desenvolvimento, haverá uma seção dedicada a cada um dos métodos


que compõem o objeto de estudo deste artigo. Serão apresentadas as visões dos
autores alemães supramencionados, da doutrina brasileira e do autor deste artigo
acerca das premissas metodológicas e das principais críticas dirigidas a cada
método.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Método tópico-problemático

O método tópico-problemático foi desenvolvido por Theodor Viehweg


(1907-1988), em sua obra Topik und Jurisprudenz (Tópica e Jurisprudência), de
1953[6]. Viehweg retomou a tópica no meio jurídico, reagindo ao juspositivismo
que predominava no século XX[7]. Apesar de o método tópico ter sido
concebido por Viehweg no âmbito do direito civil, suas premissas metodológicas
repercutiram em outros ramos do direito[8].

Diferentemente do método hermenêutico clássico, o tópico-problemático


está centrado no problema e não na norma jurídica ou no sistema normativo. A
técnica de interpretação sugerida por Viehweg se fundamenta em considerações
pragmáticas a partir do problema a ser resolvido no caso concreto. O intérprete
verifica os diversostopoi (pontos de vista) a respeito daquele problema,
analisando-os a fim de obter a solução normativa adequada ao caso.
Enquanto os demais métodos hermenêuticos adotam o modelo dedutivo,
partindo da norma em direção ao problema, o pensamento tópico-problemático
trilha em sentido oposto, ou seja, do particular (problema) para o geral (norma),
adotando o modelo indutivo[9]. Dessa forma, a tópica considera o problema em
primazia sobre a norma. Conforme salienta Daniel Sarmento, a solução do
problema apresentado se torna o objetivo central do intérprete, cujo compromisso
com o sistema jurídico deixa de ser absoluto[10]. A Constituição é concebida
como um sistema aberto de princípios e regras a serem selecionados pelo
intérprete segundo critérios de conveniência e oportunidade para alcançar a
solução mais justa para o problema concreto a ser enfrentado[11].

A tópica por Viehweg possui conteúdo assistemático (concretista),


caracterizando-se por três elementos:

“(...) por um lado a tópica é, do ponto de vista de seu objeto,


uma técnica do pensamento problemático; por outro lado, do
ponto de vista do instrumento com que opera, o que se torna
central é a noção de topos ou lugar-comum; finalmente, do ponto
de vista do tipo de atividade, a tópica é uma busca e exame de
premissas: o que a caracteriza é ser um modo de pensar no qual a
ênfase recai nas premissas, e não nas conclusões”[12].

Tema de suma importância para o método tópico-problemático é definição


de topos, uma vez que o intérprete se baseia em raciocínios decorrentes de
premissas formuladas a partir de opiniões amplamente aceitas, dotadas de
verossimilhança. Os topoi consistem de argumentos sobre os quais recaem
opiniões contrárias e favoráveis, em um processo de busca pela interpretação
mais adequada ao caso concreto. Segundo Daniel Sarmento,

“os topoi (plural de topos) são diretrizes que podem


eventualmente servir à descoberta de uma solução razoável para o
caso concreto. Eles não são certos ou errados, mas apenas mais
ou menos adequados para a solução do problema; mais ou menos
capazes de fornecer uma resposta razoável para o caso, que se
mostre persuasiva à comunidade de intérpretes. Dentre
os topoi podem figurar elementos heterogêneos como o texto
normativo, princípios morais, tradições compartilhadas
etc.[13]”.

Os topoi abrangem formas de argumentação (raciocínio), pontos de vista,


esquemas de pensamento ou “lugares-comuns”, que emergem dos princípios
gerais, da moral, da jurisprudência, das opiniões comuns, dos usos e costumes.
Os topoi “orbitam” em torno da discussão a respeito do caso concreto a ser
solucionado, influenciando e auxiliando o pensamento do intérprete diante do
problema em estudo[14]. São classificados por Viehweg[15] em duas categorias:

a) topoi gerais: aplicáveis genericamente a qualquer problema, formulados


por pensadores como Aristóteles e outros; e

b) topoi especiais: são empregados em um conjunto delimitado de


problemas inerentes a determinado ramo do Direito.

Nesse sentido, cada ponto de vista não é aprioristicamente verdadeiro ou


falso, fornecendo ao aplicador da norma mero parâmetro não vinculante que pode
conduzir à obtenção de uma solução adequada para o problema concreto.
Conforme o caso a ser enfrentado, a utilização de um ou mais topoi será mais ou
menos conveniente, a depender do entendimento prevalecente entre os intérpretes
que se debruçam na busca da resposta para o problema.

Dessa forma, a tópica “pura”[16] considera o sistema jurídico como


um topos entre os demais a serem ponderados pelo intérprete da norma diante de
um problema concreto. Ao lecionar sobre o tema, Luiz Roberto Barroso conclui
brilhantemente que “a tópica representa a expressão máxima da tese segundo a
qual o raciocínio jurídico deve orientar-se pela solução do problema, e não pela
busca de coerência interna para o sistema”[17]. Todavia, é justamente essa
premissa metodológica que suscita críticas ao método.
A crítica mais relevante à tópica consiste no risco de esse método conduzir
a hermenêutica a um casuísmo sem limites, resultando em insegurança jurídica
para os destinatários da norma, bem como a uma maior facilidade de o intérprete
adotar uma norma que solucione o problema concreto da forma mais conveniente
para atender seus interesses pessoais, uma vez que a coerência do sistema
jurídico não é prioridade, sendo, no máximo, um topos a ser (des)considerado.
Quando se fala em hermenêutica constitucional, os potenciais danos são mais
profundos e podem comprometer a própria estabilidade do sistema jurídico,
enfraquecendo a força normativa da Constituição[18] e contaminando o
“sentimento constitucional”[19] da sociedade.

Outra crítica doutrinária relevante ao método tópico-problemático,


conforme alerta Marcelo Novelino[14], reside na potencial falta de compromisso
do intérprete com a jurisprudência formada em torno daquele problema, o que
compromete a coerência que se espera do sistema judicial.

2.2. Método hermenêutico-concretizador

Konrad Hesse (1919 – 2005), defensor do Constitucionalismo normativo,


desenvolveu o método hermenêutico-concretizador a partir da premissa de que a
interpretação da Constituição deve considerar tanto o texto constitucional quanto
a realidade em que será aplicada a norma, em um processo de concretização[20].
Não existe interpretação desvinculada do problema concreto. Inspirado na
doutrina de Theodor Viehweg sobre o método tópico-problemático, Hesse
assevera que a realidade a ser ordenada deve ser considerada no processo de
busca pelo conteúdo plurissignificativo da Constituição. O teor da norma só se
completa no ato interpretativo diante de um caso real a ser solucionado. Assim, o
intérprete constitucional não pode estar alheio ao problema concreto, uma vez
que interpretação e aplicação integram um processo unitário de concretização da
norma[21].

Entretanto, diferentemente do método tópico-problemático, Gilmar


Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco enfatizam que a hermenêutica
concretizadora de Hesse confere primazia não ao problema, mas ao texto
constitucional[22]. A interpretação para Hesse parte da concretização da norma
constitucional para a solução do problema concreto. A atividade hermenêutica é
provocada a partir de um problema concreto, mas, para solucioná-lo, o intérprete
deve observar as possibilidades que o texto constitucional comportar. Dessa
forma, o método de Hesse não autoriza a interpretação livre, baseada
exclusivamente nos conceitos prévios do intérprete[23].

Para concretizar o conteúdo e o alcance da norma, o intérprete utiliza sua


pré-compreensão (pressuposto subjetivo) sobre o enunciado positivado,
influenciado pelo contexto social e histórico concreto (pressuposto objetivo). Ele
atua como mediador entre o texto e o problema prático sobre o qual a norma
incidirá. Canotilho observa que a “relação entre o texto e o contexto com a
mediação criadora do intérprete [transforma] a interpretação em ‘movimento de
ir e vir’ (círculo hermenêutico)” [24].

Esse método orbita ao redor de três elementos-base: a norma que será


concretizada, a pré-compreensão do aplicador e o problema a ser resolvido no
caso concreto[25]. Conforme destaca Marcelo Novelino, a hermenêutica
concretizadora demanda do intérprete uma compreensão prévia justificada e
consciente. Para Hesse, a teoria da Constituição fornece parâmetros objetivos de
interpretação cujo domínio pelo aplicador é condição necessária para o
entendimento da norma e do problema[26]. Assim, não poderá ser considerado
um intérprete legítimo da Constituição quem não conhece a teoria da
constituição. Essa premissa de Hesse é um elemento diferenciador marcante para
o método concretista de Häberle da Constituição aberta, o qual será objeto de
estudo na seção 2.4 deste artigo. O paradigma clássico da interpretação se
fundamenta na premissa de que o círculo de intérpretes das normas
constitucionais e legais é fechado, limitado.

Para auxiliar na utilização do método hermenêutico-concretizador,


Hesse desenvolveu princípios de interpretação, que são verdadeiras balizas que
conferem maior objetividade ao trabalho do intérprete, mitigando o casuísmo
desarrazoado. Conforme lição de Kelly Susane Alflen da Silva[27], os princípios
propostos por Hesse são: a) força normativa da Constituição; b) unidade da
Constituição; c) concordância prática; c) efeito integrador; e d) exatidão
funcional.

As críticas ao método hermenêutico-concretizador, assim como aos


demais métodos concretistas, dizem respeito ao fato de se levar com
consideração circunstâncias do problema concreto na atividade interpretativa da
Constituição, comprometendo a força normativa e a unidade do ordenamento
constitucional. Para Ernest-Wolfgang Böckenförde[28], o método hermenêutico-
concretizador[29] apresenta uma grave falha metodológica por não delimitar um
critério objetivo, claro e vinculante para que o intérprete esteja efetivamente
limitado pelas possibilidades semânticas do texto constitucional. O ilustre jurista
alemão alerta que

“(...) o problema da interpretação constitucional deriva, por


inteiro, da multiplicidade e da indeterminação, da concisão
lapidar e da fragmentação da literalidade das normas
constitucionais. Obter daí um texto de norma claro e com
conteúdo certo é função mesma – função preferencial – da
interpretação. Mas, como pode a interpretação estar vinculada ao
que ela mesma deve produzir antes de mais nada? Na medida em
que a norma é indeterminada, e somente com a interpretação se
obtém um conteúdo (...), ela não pode ser ao mesmo tempo
elemento de vinculação da interpretação"[30].

2.3. Método normativo-estruturante

Friedrich Müller (1938) desenvolveu o método normativo-estruturante (ou


concretista-estruturante) a partir do aprofundamento metodológico da
hermenêutica concretizadora de seu mestre Konrad Hesse[31]. Müller estabelece
que o processo de interpretação das normas constitucionais deve seguir
uma estrutura de concretização que abrange os elementos tradicionais de
Savigny e outros acrescidos por ele. Esses elementos de interpretação são
organizados da seguinte forma[32]:

a) Elementos metodológicos strictu sensu: abrangem: os elementos


clássicos (gramatical, histórico, genético, sistemático e teleológico); os princípios
de interpretação da Constituição; os subcasos das regras tradicionais de
interpretação (praticabilidade, interpretação a partir do nexo da história das
ideias, critério da aferição do efeito integrante, unidade da Constituição, quadro
global de direito pré-constitucional, concordância prática e força normativa da
Constituição); e problemas da axiomatização do direito constitucional e da lógica
formal. Segundo Müller, não há hierarquia normativa entre esses elementos;

b) Elementos do âmbito da norma: não abrange a mera soma de fatos, mas


um “nexo formulado em termos de possibilidade real de elementos estruturais
que são destacados da realidade social na perspectiva seletiva e valorativa do
programa da norma e estão, via de regra, conformados de modo ao menos
parcialmente jurídico” [33];

c) Elementos dogmáticos: englobam a jurisprudência e doutrina, os quais


devem ser interpretados em decorrência de sua estrutura linguística;

d) Elementos de técnica de decisão: a partir da tópica, reúnem pontos de


vista problematizados a fim de se compreender o tipo de argumentação e
estrutura no texto da decisão, devendo funcionar como meios auxiliares, sem
levar o intérprete a um resultado contrário ou à revelia da norma;

e) Elementos teóricos: envolvem teorias do Direito, da Constituição e do


Estado e filosofia do Direito, qualificando as pré-compreensões do intérprete; e

f) Elementos de política constitucional: consideram as consequências da


aplicação da norma constitucional ao problema, auxiliando o intérprete com
diversos pontos de vista a serem utilizados na ponderação de valores e dos
possíveis resultados da interpretação.
O método normativo-estruturante enfatiza que a estrutura de uma norma
resulta da conjunção entre o programa normativo, que é texto positivado (a
forma pela qual a norma se expressa), e o domínio normativo, que representa a
porção da realidade social sobre a qual a norma incide, é o caso “concreto”
tratado no texto. É indispensável, na metódica proposta por Müller, que o
intérprete considere essa realidade social em sua atividade hermenêutica[34]. O
programa da norma é tão-somente a “ponta do iceberg” do problema de
interpretação. O intérprete deve ainda delimitar o âmbito da norma que será
concretizada. Não há identidade entre o texto da norma e a norma jurídica. Esta
passa a existir após a aplicação e interpretação do texto, ou seja, após a
sua concretização. A norma jurídica a ser aplicada ao caso (“norma de decisão”)
não é um juízo hipotético, mas o produto final de um processo de interpretação
concretizante, fruto da conjugação entre o programa e o domínio ou âmbito
normativo[35].

Em suma, no método normativo-estruturante, a interpretação do texto da


norma é a primeira fase do processo de concretização[36], sendo fundamental por
definir o programa normativo, o qual circunscreverá o conteúdo normativo da
decisão final para o caso concreto[37]. A delimitação do programa da norma se
dá por meio dos elementos de interpretação organizados conforme a estrutura de
concretização proposta por Müller. Na segunda fase do método, passa-se à
identificação empírica do domínio ou âmbito normativo, o qual abrange os fatos
juridicamente relevantes que sejam compatíveis com o programa normativo[38].
Essa identificação resulta da utilização de dados das ciências sociais, políticas,
econômicas e outros dados exigidos pelo âmbito normativo da prescrição
concretizada.

Müller define um conjunto de critérios para solução de conflitos entre os


diversos elementos de concretização, de modo racionalizar o processo de
interpretação. Para o eminente jurista alemão, por exemplo, há equivalência
hierárquica entre os elementos de interpretação do texto e os elementos do
âmbito da norma. Contudo, quanto à definição do limite de resultados permitido
ao final do processo de concretização, prevalecem os elementos de interpretação
textual. Os limites da decisão são balizados pelos elementos sistemático e
gramatical, com a prevalência deste.

A crítica ao método normativo-estruturante é comum aos métodos


concretistas: seu emprego pode comprometer a força normativa do texto
constitucional, quebrando a unidade da Constituição. Apesar da preocupação
metodológica de Müller em racionalizar o processo de concretização, a fim de
mitigar o excesso de discricionariedade do intérprete, juristas como Daniel
Sarmento consideram que Müller não obteve êxito em sua busca por definir
critérios seguros de hierarquização dos elementos de concretização das normas
constitucionais[39]. Böckenförde alerta, ainda, para a fragilidade do método em
razão do não estabelecimento de um critério preciso para nortear a correlação a
ser estabelecida entre o programa normativo e o âmbito normativo, deixando a
atividade do intérprete sem um parâmetro de controle objetivo e racional[40].

2.4. Método concretista da Constituição aberta

O método concretista da Constituição aberta se refere à contribuição de


Peter Häberle[41] (1934) à hermenêutica constitucional, conforme lições de
Paulo Bonavides[42] e Inocêncio Mártires Coelho[43], entre outros. Marcelo
Novelino[44], todavia, entende que o eminente jurista alemão não tratou
propriamente de um método hermenêutico, mas de uma teoria acerca dos sujeitos
legitimados para interpretar a Constituição.

Enquanto a doutrina hermenêutica clássica (especialmente Konrad Hesse)


assevera que a interpretação legítima da Constituição é atividade de um círculo
restrito (fechado) de intérpretes, Peter Häberle desenvolve sua teoria rompendo
com esse paradigma, defendendo um círculo aberto de intérpretes (ou sociedade
aberta de intérpretes), abrangendo todos os cidadãos e grupos sociais que vivem
a Constituição.

Considerando que as normas constitucionais se dirigem não somente ao


Estado, mas a toda a sociedade, é inevitável admitir que esta possa interpretar a
Constituição para aplicá-la. A interpretação constitucional deve ser
democratizada. Härbele assevera que esse procedimento democrático deve
permear tanto a criação quanto a interpretação da Constituição[44].

O método concretista da Constituição aberta se desenvolve em torno de


três premissas: a) a abertura do círculo de intérpretes das normas constitucionais;
b) a concepção de que o processo interpretativo é essencialmente público e
aberto; e c) a correlação desse processo público e aberto com a construção da
realidade constitucional. Quanto mais plural for determinada sociedade, mais
abertos devem ser os critérios de interpretação constitucional.

A doutrina aponta a realização de audiências públicas (art. 9º, § 1º, Lei


no 9.868/99) e a figura do amicus curiae (art. 7º, § 2º, Lei no 9.868/99) como
meios de publicização do processo de interpretação constitucional no Brasil,
viabilizando o direito de participação democrática no controle de
constitucionalidade no direito brasileiro. A ampliação da participação da
sociedade pluraliza o debate constitucional, elevando o grau de legitimidade
democrática nas decisões do STF.

A principal crítica[44] à sociedade aberta de intérpretes diz respeito ao


risco de quebra da unidade da Constituição e mitigação de sua força normativa,
em decorrência de divergência de entendimentos nesse círculo ampliado de
intérpretes. Para Häberle, os cidadãos são pré-intérpretes, sendo a interpretação
final da Constituição realizada pelo Tribunal Constitucional. Nesse sentido, os
pré-intérpretes conferem legitimidade aos intérpretes definitivos, auxiliando-os
no processo de concretização da Constituição.

Conforme alerta Paulo Bonavides, o sucesso desse método em


determinada sociedade depende de instituições sólidas, uma cultura desenvolvida
politicamente e uma democracia madura. Tais requisitos, na visão do eminente
jurista, são “sem dúvida difíceis de achar nos sistemas políticos e sociais de
nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento [...]. Até mesmo para a
Constituição dos países desenvolvidos sua serventia e torna relativa e
questionável, com um potencial de risco manifesto[45]”.
3. CONCLUSÃO

Foi apresentado no presente artigo um estudo sobre os métodos


concretistas de interpretação constitucional (tópico-problemático, hermenêutico-
concretizador, normativo-estruturante e método concretista da Constituição
aberta), a partir das contribuições trazidas por Theodor Viehweg, Konrad Hesse,
Friedrich Müller e Peter Häberle. Diferentemente dos métodos sistemáticos
(jurídico e científico-espiritual), os métodos concretistas adotam um raciocínio
aporético, partindo da reflexão sobre o problema a ser resolvido e não sobre o
sistema normativo.

Em síntese, pode-se concluir que:

a) o método tópico-problemático, de Theodor Viehweg, está centrado no


problema e não na norma. O intérprete verifica os diversos topoi (pontos de vista)
a respeito do problema, analisando-os a fim de solucionar o caso. Esse método é
criticado pelo casuísmo exagerado e insegurança jurídica, uma vez que a
coerência do sistema jurídico é apenas um topos a ser ponderado;

b) o método hermenêutico-concretizador, de Konrad Hesse, assevera que a


interpretação da Constituição deve considerar tanto o texto quanto a realidade em
que será aplicada a norma, em um processo de concretização. O intérprete utiliza
sua pré-compreensão (pressuposto subjetivo) sobre o enunciado positivado,
influenciado pelo contexto social e histórico concreto (pressuposto objetivo).
Diferentemente do método tópico, Hesse confere primazia não ao problema, mas
ao texto constitucional;

c) o método normativo-estruturante, de Friedrich Müller, estabelece que a


estrutura de uma norma resulta da conjunção entre o programa normativo, que é
texto positivado (a forma pela qual a norma se expressa), e o domínio normativo,
que representa a porção da realidade social sobre a qual a norma incide. Não há
identidade entre o texto da norma e a norma jurídica. Esta passa a existir após a
aplicação e interpretação do texto, ou seja, após a suaconcretização. O processo
de interpretação das normas constitucionais deve seguir uma estrutura de
concretização, considerando diversos elementos metodológicos; e

d) o método concretista da Constituição aberta, de Peter Häberle, se


desenvolve em torno de três premissas: i) a abertura do círculo de intérpretes das
normas constitucionais (sociedade aberta de intérpretes); ii) a concepção de que
o processo interpretativo é essencialmente público e aberto; e ii) a correlação
desse processo público e aberto com a construção da realidade constitucional.
Quanto mais plural for determinada sociedade, mais abertos devem ser os
critérios de interpretação constitucional.

As críticas aos métodos concretistas dizem respeito ao risco de


comprometimento da força normativa da Constituição e quebra de sua unidade. A
valorização exacerbada de pontos de vista extrajurídicos, de dados empíricos do
problema e do subjetivismo do intérprete pode conduzir o processo de
interpretação a um casuísmo desarrazoado.

Por fim, é oportuno ressaltar que há consenso na doutrina de que não


existe um método de interpretação constitucional com primazia absoluta sobre os
demais. Mesmo os elementos tradicionais de interpretação não podem ser
considerados ultrapassados pelos métodos modernos criados pela hermenêutica
constitucional.

REFERÊNCIAS

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NOTAS

[1] MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit. p.21.

[2] SAVIGNY, Friedrich Carl von. Sistema del diritto romano


attuale, 1886, v. 1, cap. 4, p. 225 e ss. A edição original alemã, de 1840, tinha
como título Das System des heutigen römischen Rechts.

[3] BARROSO, Luiz Roberto. Op. Cit. p. 290.

[4] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. Cit. p. 1.136.

[5] COELHO, Inocênio Mártires. Op. Cit. 2015. p. 89.

[6] VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência, 1979 (a 1ª edição do


original Topik und Jurisprudenz é de 1953).

[7] BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 446.

[8] CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e


argumentação, p. 148.

[9] LEITE, Georges Salomão. Op. Cit. p. 68.

[10] SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Op. Cit. cap.
10.5.2.

[11] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. Cit.
p. 103.

[12] LEITE, Georges Salomão. Op. Cit. p. 65.


[13] SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Op. Cit. p.
420.

[14] NOVELINO, Marcelo. Op. Cit. Cap. 8.2.1.

[15] VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência, 1979. p. 37.

[16] Segundo Daniel Sarmento, “é como ‘tópica pura’ que Hesse denomina a
metodologia jurídica de Viehweg. Cf. HESSE, Konrad. Elementos de direito
constitucional da República Federal da Alemanha, p. 65. Na obra de Hesse, bem
como na de Friedrich Müller, a tópica sofrerá certas correções de ordem
normativa; será, portanto, uma tópica mitigada.” (SARMENTO, Daniel; SOUZA
NETO, Claudio Pereira de. Direito Constitucional: Teoria, história e métodos
de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012. cap. 10.5.2).

[17] BARROSO, Luiz Roberto. Op. Cit. p. 279.

[18] SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Op. Cit. p.
421: “No domínio constitucional, estes problemas são ainda mais agudos, pois a
não vinculação do intérprete à norma ou ao sistema põe em risco a força
normativa da Constituição, ao reduzir os seus comandos a meros argumentos de
caráter não obrigatório”.

[19] VERDÚ, Pablo Lucas. O sentimento constitucional: aproximação ao


estudo do sentir constitucional como de integração política; tradução e prefácio
Agassiz Almeida Filho. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p.127-152.

[20] SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Op. Cit. cap.
5.2.7.

[21] HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República


Federal da Alemanha, p. 62.

[22] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. Cit.
p. 92.
[23] PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Op. Cit. p. 115.

[24] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. Cit. p. 214.

[25] BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 482.

[26] NOVELINO, Marcelo. Op. Cit. cap. 8.2.4.

[27] SILVA, Kelly Susane Alflen da. Op. Cit. p. 365-368.

[28] BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Op. Cit. p. 32.

[29] Assim como os demais métodos concretistas.

[30] BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Op. Cit. p. 32.

[31] SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Op. Cit. cap.
5.2.7.

[32] MÜLLER, Friedrich. Op. Cit. p. 59-90.

[33] MÜLLER, Friedrich. Op. Cit. p. 58.

[34] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. Cit.
p. 93.

[35] MÜLLER, Friedrich. Op. Cit. p. 59.

[36] MÜLLER, Friedrich. Op. Cit. p. 45.

[37] MÜLLER, Friedrich. Direito, linguagem, violência: elementos de


uma teoria constitucional, p. 44. No mesmo sentido: MÜLLER,
Friedrich. Concepções modernas e a interpretação dos direitos humanos. In:
CONFERÊNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL,
15, p. 104.
[38] MÜLLER, Friedrich. Direito, linguagem, violência: elementos de
uma teoria constitucional, p. 43.

[39] SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Op. Cit. cap.
5.2.7.

[40] BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang. Op. Cit. p. 34.

[41] HÄBERLE, Peter. Op. Cit.

[42] BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 509.

[43] COELHO, Inocêncio Mártires. Op. Cit.

[44] NOVELINO, Marcelo. Op. Cit. cap. 8.4.

[45] BONAVIDES, Paulo. Op. Cit. p. 516.

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