Professional Documents
Culture Documents
Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/19.217/7028
Cabe notar a essa altura o esforço feito pelos engenheiros locais em procurar
nos grandes centros do país e do mundo, quer através de viagens, quer através
de publicações e outros meios de comunicações, as últimas soluções da técnica
e do progresso, no sentido de dotar Belém de novas construções onde a
estética e a função viessem a caminhar de mãos dadas.
Miranda, Carvalho e Tutyia (8) observam que a formação dos primeiros arquitetos
era pautada pela ideologia modernista, inspirada nos preceitos da Bauhaus, numa
apropriação pragmática, que buscava a pureza formal e a leitura explícita da
verdade dos materiais. Os autores destacam ainda a predominância de conteúdos
acerca do método projetual e da composição, em detrimento de textos conceituais
e sobre temas da História da Arquitetura. O entendimento do arquiteto com
profissional da criação tende a ser uma marca distintiva em relação aos
profissionais da engenharia; ademais, a ele são atribuídas funções de solucionar
problemas espaciais, de modo a garantir o conforto, a saúde e a felicidade de
seus usuários (9).
A despeito do funcionalismo modernista, as apostilas do curso enfatizam o caráter
emocional e artístico da arquitetura. Tomando de empréstimo a definição de Lucio
Costa: “Pode-se, assim, definir Arquitetura como construção concebida com uma
determinada INTENÇÃO PLÁSTICA, em função de uma determinada época, de um
determinado meio, de um determinado material, de uma determinada técnica e de
um determinado programa” (10).
Com relação ao programa das aulas superiores, não foi possível encontrar
variedade, o que se explica pelo método de ensino em atelier, dado por um único
mestre que orientava pequeno número de alunos, tal como acontecia nas academias
de Paris e Itália. Reuniam-se alunos de níveis diferentes que requisitavam do
professor atenção individual, o que dificultava a sistematização dos programas
de ensino.
Nota-se, além, que a partir de início do século 21, emergem discussões sobre o
ensino de projeto. Segundo Penafort “o ensino de projeto e o contexto atual em
que é desenvolvido passam por crises nos paradigmas vigentes, e as tecnologias
atuaram como catalizadores do pensamento sistêmico e ofereceram a possibilidade
de operacionalizá-lo dentro do projeto, criando diversas possibilidades
pedagógicas” (13). Dentre as alternativas, destaca-se a construção do pensamento
sistêmico a partir de revisão de atitudes próprias do pensamento tradicional,
proporcionando maior abertura à mudança. Este novo paradigma propõe uma ampliação
do pensamento crítico do formando, em que “a aceitação da complexidade e
incompletude das soluções e com posturas que questionem as visões reducionistas,
verdadeiras e fragmentadas dos problemas” e com a criação de bases propícias
para a experimentação: preparação anterior do aluno para que este saiba o que
deve buscar e observar (14).
Trapixe do Carmo, Projeto Paulo André Dantas, Izabella de Melo e Bianca Barbosa
Foto divulgação [Belém Fluxos, 2015, p. 91]
Neste sentido, pode-se destacar atividades realizadas na FAU UFPA que buscam
reforçar a interdisciplinaridade como caminho necessário para a formação do
Arquiteto, sendo a mais significativa o Workshop Trapixe 2014 (15). O workshop
contou com a participação de professores da área de projeto de arquitetura e
urbanismo, juntamente com pós-graduandos e graduandos do IAU-USP e UFPA, sendo
realizados um seminário introdutório, seguido de visitas técnicas à orla da
cidade e da ilha do Combú, com entrevistas com residentes, registradas em vídeo,
áudio e fotos, capacitação no uso de programas computacionais paramétricos e
discussão de parâmetros, princípios de concepção e pressupostos de produção. O
resultado final abrangeu propostas elaboradas em equipe para o Trapiche do Porto
do Sal, que integraram o livro “BelémFluXos: a orla como interface”, além de
discussões e avaliação de resultados em consonância com a comunidade acadêmica
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA (16).
Em maio de 2017 foi realizado o seminário “Arquitetura na Amazônia: Construindo
Processos e Desconstruindo Mitos” (17), organizado pelo Grupo História, memória
e projeto de arquitetura no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo
(PPGAU/UFPA) iniciado com o projeto institucional PROCAD 2012-2015. Esta
iniciativa pautou-se pela discussão em torno de um pensamento crítico sobre a
arquitetura na região, desconstruindo matrizes passadistas, progressistas ou
regionalistas, de modo a avançar na produção e ensino de arquitetura com base
na pesquisa científica.
Porém,
O perfil discente aponta maioria de declarados como pardos ou mulatos, com renda
familiar oscilando entre 1,5 salário mínimo e dez salários mínimos, sendo que
cerca de 80 % declarou ser ajudado pela família para se manter estudando. Em
2002, quando realizamos pesquisa com alunos, constatamos que, apesar das
limitações econômicas dos pais, a maioria dos alunos pesquisados (84,3%) depende
financeiramente destes.
Considerações finais
As respostas dos discentes ao Questionário do Enade permitem vislumbrar as
fragilidades do Curso em relação a formação, que incide prioritariamente na
questão das disciplinas, nas carências de organização didática (via Planos de
Ensino), de articulação entre teoria e prática e da visibilidade da inversão dos
conteúdos na atividade profissional. Estas carências persistem, ao fazermos um
paralelo com as respostas dos alunos em 2002, muito embora as questões não tenham
sido as mesmas.
Trapixe do Carmo, Projeto Paulo André Dantas, Izabella de Melo e Bianca Barbosa
Imagem divulgação [Belém Fluxos, 2015, p. 91]
Diante dos imensos desafios propostos pelas cidades amazônicas, urge discutir
qual o papel do Ensino na formação do Profissional Arquiteto no contexto latino-
americano, invocando o conhecimento científico como base para a formação não
mais de técnicos, mas de graduados capazes de refletir criticamente e criar
soluções que melhorem a qualidade do espaço construído.
notas
1
PEREIRA, Juliano Aparecido. Desenho industrial e arquitetura no ensino da FAU USP
(1948-1968). Orientador Renato Luiz Sobral Anelli. Tese de Doutorado em Arquitetura
e Urbanismo. São Carlos, Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São
Paulo, 2009.
2
Ver DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da imagem: questão colocada aos fins de uma
história da arte. São Paulo, Editora 34, 2013.
3
BARÃO, Ana Luísa. Teoria e Crítica de Arte em Portugal na primeira metade do século
XIX. Uma Exposição. Uma Análise. Seminários de Estudos de Arte: Estados da Forma
I. Évora, Edições Eu é que sei/Centro de História da Arte e Investigação Artística,
Universidade de Évora, 2007.
4
MIRANDA, Cybelle Salvador; CARVALHO, Ronaldo Marques de; TUTYIA, Dinah Reiko. Uma
Formação em curso: esboços da graduação em Arquitetura e Urbanismo. Belém,
Universidade Federal do Pará, v.1, 2015, p. 182.
5
Idem, ibidem.
6
GRAEFF, Edgar, CARTA de Atenas. [196-?]. (Publicação, n.1). Apostila da disciplina
Introdução à Arquitetura II do Departamento de Arquitetura da UFRGS apud MIRANDA,
Cybelle Salvador; CARVALHO, Ronaldo Marques de; TUTYIA, Dinah Reiko. Op. cit., p.
65.
7
LA ROCQUE SOARES, A Arquitetura e a comunidade (196-?) apud MIRANDA, Cybelle Salvador;
CARVALHO, Ronaldo Marques de; TUTYIA, Dinah Reiko. Op. cit., p. 66.
8
MIRANDA, Cybelle Salvador; CARVALHO, Ronaldo Marques de; TUTYIA, Dinah Reiko. Op.cit.
9
CONCEITUAÇÃO geral de Arquitetura: Ponto nº I. apud MIRANDA, Cybelle Salvador;
CARVALHO, Ronaldo Marques de; TUTYIA, Dinah Reiko. Op. cit.
10
TEORIA Geral: Conceito de Arquitetura (196-?). Apostila da disciplina Introdução à
Arquitetura do Curso de Arquitetura da Universidade do Pará apud MIRANDA, Cybelle
Salvador; CARVALHO, Ronaldo Marques de; TUTYIA, Dinah Reiko. Op. cit., p. 68.
11
LISBOA, Maria Helena. As Academias e Escolas de Belas Artes e o Ensino Artístico
(1836-1910). Lisboa, Colibri, 2007.
12
Idem, p. 9.
13
PENAFORT, Ana Carolina Vaz. Workshop Trapixe em Belém (PA): pensamentos tradicional
e sistêmico no ensino do projeto de arquitetura. Orientadora Ana Kláudia Perdigão.
Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo. Belém, PPPGAU UFPA, 2016, p. 142.
14
PANET BARROS, Amelia de Farias. Permanências e Perspectivas no Ensino de Projeto de
Arquitetura no Brasil: uma análise a partir da produção científica dos seminários
UFRGS (1985) e Projetar (2003-2011), 2013 apud PENAFORT, Ana Carolina Vaz. Op. cit,
p. 143.
15
Segundo Tramontano, Perdigão e Nojimoto “O workshop resultou de um trabalho de
pesquisa a área de Projeto de Arquitetura e Urbanismo desenvolvido conjuntamente por
pesquisadores dos Programas de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (www.iau.usp.br) e do
Instituto Tecnológico da Universidade Federal do Pará, no âmbito de dois projetos de
pós-graduação e pesquisa - PROCAD e Edital Universal -, ambos financiados pelo CNPq”.
TRAMONTANO, Marcelo; PERDIGÃO, Ana Klaudia; NOJIMOTO, Cynthia. TrapiXe: o local como
parâmetro In: SIGRADI 2014 Design in Freedom; Blucher Design Proceedings, dez 2014,
v.1, n. 8, p. 502. Disponível in <www.proceedings.blucher.com.br/evento/sigradi2014>.
16
TRAMONTANO, Marcelo; PERDIGÃO, Ana Klaudia; NOJIMOTO, Cynthia. Op cit., p. 502-504.
17
Organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU tendo à
frente os Laboratórios de Historiografia da Arquitetura e Cultura Arquitetônica –
LAHCA, coordenado pela professora Drª Celma Chaves Pont Vidal; Memória e Patrimônio
Cultural – LAMEMO, sob coordenação da Profa. Drª Cybelle Salvador Miranda, e pelo
Laboratório Espaço e Desenvolvimento Humano – LEDH, coordenado pela Profa. Drª Ana
Klaudia Perdigão. Apontando para a internacionalização do PPGAU, o evento contou com
a participação do Prof. Phd Fernando Luiz Lara, professor licenciado da Universidade
do Texas e titular na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Ver MIRANDA,
Cybelle Salvador; Pont Vidal, C.C. S.; PERDIGAO, A. K. V. Seminário Arquitetura na
Amazônia: construindo processos e descontruindo mitos. Drops, São Paulo, 2017, v.1,
p.1.
18
MIRANDA, Cybelle Salvador, CARVALHO, Ronaldo Marques de. A Construção do fazer do
Arquiteto. Tecnotícia. Belém, 2003, p. 4-5; MIRANDA, Cybelle Salvador, CARVALHO,
Ronaldo Marques de. Pequenas lições de como fazer um TFG. Belém, Gráfica da
Universidade Federal do Pará, 2004, v.1, p. 69.
19
MIRANDA, Cybelle Salvador, CARVALHO, Ronaldo Marques de. Op.cit., p. 4.
20
ENADE 2014. Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes. Relatório de Curso.
Arquitetura e Urbanismo. Belém, Universidade Federal do Pará, p.22. Disponível in
<http://enadeies.inep.gov.br/enadeIes/enadeResultado/>.
21
Idem, ibidem.
22
Idem, ibidem.
sobre a autora
Arquiteta e Urbanista pela UFPA (1997), Doutora em Antropologia pela UFPA (2006),
Pós-doutorado em História da Arte Universidade de Lisboa (2015). Professora da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo da UFPA, onde coordena o Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural
(LAMEMO). Coautora de "Uma Formação em curso: esboços da graduação em Arquitetura e
Urbanismo". Belém: Universidade Federal do Pará, 2015.