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O RPG como prática transdisciplinar entre História, Filosofia e

Eletroeletrônica

Cláudio Henrique Pessoa Brandão1

Guilherme da Silva Lima2

Matheus André da Silva3

Fernanda Taissa Andrade de Araújo4

Luiz Felipe Chaves Flores5

Ezequiel Salém Nunes Souza6

RESUMO

O presente texto objetiva apresentar os resultados de uma pesquisa que


buscou desenvolver práticas transdisciplinares entre história, filosofia e
eletroeletrônica. O resultado se deu, especificamente, na produção de uma
aventura de Role Playing Game (RPG) ou jogo de interpretação de
personagens. O caminho percorrido se deu de maneira teórico-metodológica,

1 Mestre em Educação Tecnológica (CEFET-MG). Professor substituto do IFMG Campus Ribeirão das Neves.
claudiohpb@gmail.com
2 Mestre em Engenharia Elétrica (UFMG). Professor do IFMG Campus Ribeirão das Neves.
guilherme.silva@ifmg.edu.br
3 Estudante do curso técnico integrado em eletroeletrônica do IFMG Campus Ribeirão das Neves. Bolsista de
iniciação científica.
4 Estudante do curso técnico integrado em eletroeletrônica do IFMG Campus Ribeirão das Neves. Pesquisadora de
iniciação científica voluntária.
5 Estudante do curso técnico integrado em eletroeletrônica do IFMG Campus Ribeirão das Neves. Pesquisador de
iniciação científica voluntário.
6 Estudante do curso técnico integrado em eletroeletrônica do IFMG Campus Ribeirão das Neves. Pesquisador de
iniciação científica voluntário.
buscando subsídios conceituais para relacionar as disciplinas em questão.
Nesse sentido, discutimos referenciais da nova história das ciências de
Dominique Pestre (apud ROMERO, 2016), da filosofia da tecnologia de Alberto
Cupani (2013), do próprio conceito de transdisciplinaridade de acordo com
Basarab Nicolescu (1999) e sobre o ensino de ciências por meio das
controvérsias histórico-filosóficas, segundo Marco Braga, Andreia Guerra e
José Cláudio Reis (2004). Concluímos que a pesquisa tem agido no sentido de
proporcionar aos estudantes envolvidos uma formação ética sobre a tecnologia,
entendendo a eletroeletrônica como produto social, da sua dimensão
instrumental aos seus fins.

Palavras-chave: transdisciplinaridade, jogo, RPG

INTRODUÇÃO

A ideia desta pesquisa surgiu, em um primeiro momento, a partir do


encontro de dois professores, um de história e filosofia e o outro de
eletroeletrônica, que viram no diálogo entre essas disciplinas a possibilidade de
oferecer uma formação ampla para o corpo discente do ensino técnico
integrado do IFMG Ribeirão das Neves. Entendemos “formação ampla” como a
possibilidade do diálogo entre as humanidades e os conhecimentos técnicos, de
modo que as duas dimensões se retro alimentem, possibilitando uma formação
cidadã e profissional integrada.

A ideia do jogo de RPG, especificamente, surgiu em um dos encontros do


grupo de estudos, nomeado de “Filosotrônica”, formado pelos professores e
estudantes participantes da pesquisa. Após algumas discussões sobre as
balizas teóricas da pesquisa - que apresentaremos no tópico “Metodologia”
deste texto -, vislumbramos o RPG como possibilidade vivencial e lúdica, que
pudesse ser desenvolvida de modo que história, filosofia e eletroeletrônica
surgissem como constituintes indissociáveis do funcionamento do jogo. Daí,
objetivamos desenvolver o jogo para compor um repertório de possibilidades
didáticas que tivessem como objetivo principal o tratamento transversal das
disciplinas propedêuticas e técnicas que compõe o curso técnico em
eletroeletrônica do IFMG Ribeirão das Neves.

JUSTIFICATIVA

Decidimos realizar essa pesquisa pelo fato de que nos preocupa,


especialmente, trazer à tona a dimensão ética da tecnologia. Por isso, a filosofia,
como forma de questionamento radical do sentido e do significado da tecnologia,
e a história, como possibilidade de entendimento sobre amplos processos
culturais-sócio-políticos que ambientam e podem determinar os rumos dos
saberes científicos e tecnológicos, se revelam como conhecimentos
indispensáveis para situarmos a eletroeletrônica como produto social e não
somente fruto de escolhas que se restringem somente às escolhas técnicas
mais imediatas, circunscritas ao nível instrumental.

Basarab Nicolescu (1999) nos adverte para o cenário de catástrofe


ambiental em que estamos inseridos na atualidade, e que é tributária de um
modo cultural específico de relação com a natureza: a atitude de conceber a
natureza como objeto a ser conquistado, dominado e transformado, tirando da
natureza mais recursos do que ela pode nos fornecer. Essa objetificação da
natureza, filosoficamente, se dá no âmbito de uma concepção materialista da
realidade, estilo de pensamento dominante desde o alvorecer da modernidade.
A objetividade e o materialismo tornam-se o critério supremo da verdade,
segundo Nicolescu.
Porém, na contemporaneidade, a física quântica surge com possibilidade de
questionamento deste modo de conceber a realidade e a natureza: passa-se a
serem questionadas cada vez mais representações sobre a natureza que são
baseadas na ideia de progresso. Surge assim, novas possibilidades de
conhecer a natureza: segundo o que vem sendo discutido no âmbito da física
quântica desde pelo menos o começo do século XX, a física newtoniana
clássica não seria capaz de dar conta da totalidade dos fenômenos naturais. A
realidade quântica, como a realidade do “infinitamente pequeno”, apresenta
modos de funcionamento que não se reduzem nas formas de explicação
lineares e mecanicistas, de causa e efeito, que vem sendo praticadas pela
ciência moderna. Estamos, portanto, diante da possibilidade de conceber a
realidade não somente como passível de explicações em um mesmo nível, mas
como complexa e diversa. Faz-se necessário a abertura epistemológica para
conceber as relações entre os diversos níveis da realidade.

Nicolescu entende as disciplinas como a expressão de “recortes” sobre a


realidade, e nesse sentido a transdisciplinaridade seria a tentativa de conhecer
fenômenos por meio da observação simultânea de vários níveis da realidade,
ou seja, por meio de várias disciplinas. A transdisciplinaridade é a tentativa de
superar visões monoculares do real, colocando em questão a complexidade,
como a expressão de uma realidade polifacetada, de diferentes níveis. Daí,
justifica-se a transdisciplinaridade como possibilidade de ter em conta a
complexidade dos fenômenos que necessariamente devem ser submetidos
simultaneamente a diversos pontos de vista. Todas as tradições disciplinares
devem ser postas em funcionamento dialógico na tentativa de, se retro
alimentando, fornecerem possibilidades de interpretações diversas e complexas
sobre o real.

Entendemos técnica e tecnologia - por enquanto, tidas aqui como sinônimos


- como produtos de processos filosóficos, sociais, políticos, culturais e históricos.
Por isso, faz-se necessário aprofundarmos o entendimento sobre como fazer
dialogar no ensino a dimensão técnica da eletroeletrônica com seus aspectos
filosóficos e históricos, pelo menos. Eis o desafio: superar as barreiras
disciplinares, relacionando esses domínios de maneira transdisciplinar, através
da disciplinas, tentando construir uma noção menos hierarquizada e
esquemática e que parta somente das circunscrições próprias das tradições
disciplinares. O desafio dessa pesquisa foi elaborar uma forma de tratamento
simultâneo dos diversos níveis de realidade por meios dos quais podemos
observar os fenômenos naturais, tecnológicos e sociais.

OBJETIVOS

Geral

 Produzir uma prática de ensino que dialogue de maneira transdisciplinar


história, filosofia e eletroeletrônica

Objetivos específicos

 Investigar teoricamente possibilidades de conexões conceituais entre


história, filosofia e eletroeletrônica

 Pesquisar sobre a história do eletromagnetismo no século XIX

 Produzir um sistema de jogo de RPG que seja exequível no contexto da


sala de aula

METODOLOGIA
Em nosso grupo de estudo, “Filosotrônica”, primeiramente, desenvolvemos
seminários sobre alguns textos que pudessem nos auxiliar a aprofundar sobre
as dimensões histórica e filosófica da ciência e da tecnologia e, mais
especificamente, da eletroeletrônica. Buscamos referências que pudessem nos
fornecer subsídios para criarmos as conexões necessárias entre essas
disciplinas. O caminho teórico-metodológico que percorremos, e que teve como
resultado a criação de um jogo de RPG, teve como referencias as seguintes
noções: (1) a história política da ciência; (2) a tecnologia como produto social; (3)
as controvérsias histórico-filosóficas em torno das ciências e das tecnologias. A
seguir, apresentaremos as (4) interpretações que desenvolvemos sobre cada
um desses referenciais e (5) como nos apropriamos deles para produzir um jogo
de RPG.

1. Nova história das ciências: a importante dimensão da política

Dominique Pestre é físico e um dos historiadores responsáveis pela


renovação dos estudos de história das ciências e das técnicas nas últimas
décadas. Tal renovação refere-se às interpretações que colocam em relevo as
dinâmicas sociais, econômicas e políticas em torno das inovações científicas e
tecnológicas. Desse ponto de vista, as criações e descobertas científicas não
devem ser vistas como simplesmente fruto de um conhecimento cumulativo que
proporciona uma evolução no sentido de um avanço ou progresso do
conhecimento como algo inexorável. Os fatores políticos, por exemplo, podem
ser determinantes para que uma nova criação científica seja tida como
relevante em um certo contexto social.

Pestre nos chama atenção para o funcionamento próprio dos saberes


científicos, pautados pelas suas políticas internas. “As ciências pertencem à
ordem humana, elas são fabricadas por seres humanos de carne e osso, não
pelos deuses” (PESTRE apud ROMERO, 2016, p. 900). Ou seja, a pluralidade
de pontos de vistas dentro das ciências, as lógicas que impulsionam as ciências
(e que não se referem somente às lógicas internas dos laboratórios) e a
dimensão da utilidade prática da ciência, como uma forma de ação e de poder,
são alguns dos pontos que o historiador chama a atenção para um
entendimento político sobre os saberes científicos. A ciência moderna, desse
ponto de vista, é vista também como uma maneira de governar, por isso o
progresso científico nunca é neutro politicamente, mas pautado por fins
ideológicos, relacionado às concepções econômicas, morais e ambientais.

2. Filosofia da tecnologia: a tecnologia como produto das relações sociais

Segundo Alberto Cupani (2013), a tecnologia se expressa materialmente


pelos artefatos, mas também podemos entendê-la como sistemas, processos,
modos de proceder e mentalidades. Ou seja, a dimensão “externa” aos
artefatos, a maneira como a sociedade é organizada econômica, cultural e
politicamente, se expressa na produção dos artefatos. Os artefatos são, pois,
produtos dos processos e procedimentos que também podem ser vistos como
tecnológicos, na medida em que técnicas são utilizadas para dar condições
para a realização desses fins.

Por técnica o filósofo entende como um procedimento sujeito a regras, que


representa a manifestação da capacidade humana de fazer coisas, a
manifestação de um “saber-fazer”. Ainda, o conceito de técnica, como
manifestação de um conhecimento advindo da empiria, se aproxima do conceito
de tecnologia se a entendermos como a relação da empiria com a teoria.
Também é um conceito próximo do que poderíamos entender por conhecimento
científico, que para o autor é o tipo de pesquisa sobre a natureza que combina
observação, experimento, representação e cálculo matemático, ou seja, a
combinação do saber empírico e o saber teórico. Porém, é preciso reconhecer
que a técnica ou a tecnologia não são simplesmente “ciências aplicadas”, pois
têm dinâmicas próprias. A produção dos saberes tecnológico pode se
diferenciar das lógicas de funcionamento da produção dos saberes científicos.

3. As controvérsias histórico-filosóficas em torno do eletromagnetismo

Andreia Guerra, José Cláudio Reis e Marco Braga (2004) se proporam a


desenvolver um projeto de ensino de física interdisciplinar, que objetivou
“salientar as controvérsias científicas, as inquietações filosóficas dos que
construíram a ciência, e também as interfaces entre esta e outras produções
culturais” (2004, p. 226). Ou seja, visaram praticar um ensino de ciências que
tivesse a história e a filosofia como dimensões indissociáveis do fazer científico
em sua dimensão técnica. A ideia destes professores foi a de que as produções
científicas não fossem apresentadas somente como produtos prontos e
acabados aos estudantes, mas que fossem problematizados os próprios
processos de produção do conhecimento, principalmente em seus debates e
controvérsias. Ou seja, essa proposta vai no sentido de colocar em questão o
próprio processo de produção do conhecimento científico. Assim, didaticamente
os professores decidiram colocar em questão, durante o processo de ensino, a
dimensão interna da produção da ciência, as questões políticas em torno dos
sujeitos, as concepções filosóficas que pautaram o próprio processo de
experimentação e das descrições de descobertas de fenômenos
eletromagnéticos.

4. Síntese e apropriação das leituras


Nos inspirando em Guerra, Reis e Braga, escolhemos em nosso projeto de
pesquisa tratar da primeira fase da história do desenvolvimento do
eletromagnetismo, na segunda metade do século XVIII - sendo alguns dos
personagens históricos Schelling, Oersted, Faraday, Ampere. Porém, surgiu o
seguinte problema: qual seria a forma mais apropriada para tratar de maneira
simultânea e transdisciplinar as dimensões da história e da filosofia em torno da
eletroeletrônica? Inspirados nas contribuições de Pestre e Cupani, nos
indagamos: como colocar em questão a política e a sociedade de maneira
indissociável com a tecnologia, com o objetivo de provocar compreensões
complexas da dimensão técnica da eletroeletrônica, sempre em relação aos
fatores históricos e filosóficos?

Guerra, Reis e Braga desenvolveram na ocasião descrita mais acima uma


proposta curricular que entendemos mais como uma “sequência didática”, uma
sequência de encontros com os alunos que variaram de aulas expositivas aos
trabalhos em laboratórios. Buscando um outro caminho, nos interessou mais a
ideia de desenvolver uma estratégia que fosse passível de compor um
repertório de possibilidades didáticas para os professores do curso técnico em
eletroeletrônica. Nesse sentido, buscamos mais o desenvolvimento de uma
prática didática que quebrasse a linear “aula comum”, da simples relação
“emissão-recepção” entre professores e alunos. A ideia foi desenvolver uma
prática que fosse lúdica e significativa para os estudantes e que coubesse na
unidade temporal no máximo 1h50. A ideia seria “quebrar o gelo” da aula
comum e proporcionar um encontro significativo a despeito de ser efêmero.

5. O jogo de RPG como possibilidade de prática transdisciplinar

O meio escolhido para efetivar a transdisciplinaridade foi o jogo de RPG.


Mas, o que é isso? RPG vem de uma sigla em inglês que significa Role Playing
Game, que podemos traduzir por “jogo de representação” ou ainda “jogo de
interpretação de personagens”. Alfeu Marcatto (1996, p. 15) nos informa que
surgiu nos Estados Unidos por volta dos anos 1980 e chegou ao Brasil por meio
da série “Aventuras Fantásticas”, da editora Marques Saraiva. Um jogo de RPG
é composto pelos jogadores e um mestre, que deverá narrar e descrever as
histórias, aventuras e enigmas que os personagens, representados pelos
jogadores, estarão vivenciando. Dessa forma, o mestre serve como mediador,
propondo desafios e informando as variáveis que darão condições para a
realização das escolhas dos jogadores. Daí, os jogadores se fazem atores que
mobilizam seus personagens, escolhendo caminhos, tomando decisões,
questionando. A “crônica”, como é chamada uma aventura de RPG,
praticamente não tem um roteiro previsível, pois os jogadores, na forma dos
personagens, por meio de suas escolhas são capazes de ditar outros rumos
para a aventura.

Tais rumos da aventura sempre são testados pelo mestre, pois os


personagens contam com atributos específicos que são testados durante o jogo.
Para isso o mestre pode utilizar dados de RPG (simples, de 6 lados, ou outros
tipos com mais lados). Por exemplo: se algum personagem estiver em alguma
venda para adquirir alguma ferramenta necessária com o fim de compor seu
laboratório para testes eletromagnéticos, e ele precisar barganhar o preço de tal
artefato, o mestre pode pedir ao jogador para lançar dados para testar tal
habilidade de barganha ou lábia. O mestre vai definir algum nível de dificuldade
de acordo com o contexto: se o vendedor estiver em um “mal dia”, “mal
humorado”, o nível da dificuldade pode ser “5” em um dado de 6 lados. Daí, o
jogador irá lançar o dado, se ele alcançar no mínimo 5 ele terá sucesso na
barganha, caso contrário a sua tentativa não terá sucesso e ele, criativamente,
poderá tentar outras possibilidades. Esse tipo de teste poderá ser feito nas mais
diversas situações e pelos mais diversos motivos e desafios que o mestre
poderá criativamente inventar, porém, no nosso caso, tais invenções deverão
obedecer a coerência do limite histórico e filosófico da ambiência do jogo.

Desse modo, o jogo de RPG nos parece interessante na medida em que é


capaz de relacionar de maneira lúdica e simultânea diversos níveis da realidade,
exatamente o que buscamos com a transdisciplinaridade. No RPG os jogadores
devem mobilizam um repertório diversificado de conhecimentos de acordo com
os desafios que lhes são impostos. A inteligência e a imaginação caminham
lado a lado para encontrar alternativas de resolução para os desafios propostos
pelo mestre. Na mesma medida, o mestre deverá estar munido de informações
diversas para criar as balizas do ambiente em que os personagens estarão
inseridos. A seguir, como resultado da pesquisa, apresentaremos o jogo de
RPG que criamos de acordo com as referências teórico-metodológicas expostas
acima.

RESULTADOS

Título da aventura: “Em busca do eletromagnetismo”

Conteúdo:

 História: “o longo século XIX” (1789-1917), iluminismo, revolução industrial

 Filosofia: metafísica, materialismo/mecanicismo

 Eletroeletrônica: física clássica newtoniana, eletromagnetismo

Contexto:

Estamos na Europa do século XIX. Momento de grandes transformações


advindas da revolução industrial; a industrialização, nesse sentido, é grande
mola propulsora do desenvolvimento científico e tecnológico. Os fenômenos
eletromagnéticos recebem bastante atenção dos filósofos naturais que
apresentam interpretações diversas: de um lado há os defensores de que os
fenômenos naturais são resultado de um eterno conflito de oposições e
polaridades em que entidades metafísicas agem para a unidade natural, esses
são os “filósofos naturais românticos”; de outro, os mecanicistas, acreditam que
os fenômenos naturais são independentes e são explicados principalmente por
entidades materiais. Ambas as correntes filosóficas buscam encontrar
correspondências entre os fenômenos elétricos e magnéticos. Essa busca pode
ter diversas e simultâneas motivações: científicas, tecnológicas, filosóficas,
acadêmicas, comerciais e políticas.

Desafio:

Trata-se de uma corrida científica para a descoberta das relações entre


eletricidade e magnetismo. Os objetivos para essa busca são diversos: podem
ser motivadas por respostas a questões existenciais e religiosas ou até para
benefício financeiro próprio fornecendo novas possibilidades tecnológicas para
a indústria. Os personagens deverão procurar e adquirir os instrumentos
necessários para suas pesquisas científicas e conseguir resolver os problemas
físicos e matemáticos durante essa busca. Dessa forma, circularão por diversos
espaços europeus, em que poderão ou não ter acesso devido à fatores
políticos.

Construção dos personagens:

Para construir os personagens, os jogadores poderão se inspirar nas biografias


dos seguintes filósofos e cientistas, que são alguns dos importantes nomes
associados à descoberta do eletromagnetismo:
 Hans Christian Oersted (1777-1851)

 Michael Faraday (1791-1867)

 Charles-Augustin Coulomb (1736-1806)

 Schelling (1775-1854)

 Humphry Davy (1778-1826)

 Charles Hatchett (1765-1847)

 Charles B. Desormes (1777-1862)

 Baptiste Biot (1774-1862)

 André-Marie Ampère (1775-1836)

Desenvolvimento prático do jogo e regras:

Os personagens são construídos a partir de algumas anotações simples


sobre a sua biografia: sua história pessoal, sua formação, conhecimentos e
habilidades. Essas informações serão imprescindíveis para que o
professor-mestre saiba testar as habilidades dos personagens de acordo com
os desafios da aventura. O teste de habilidades poderá ser feito com dados
simples de seis lados ou com uso de aplicativos de smartphone que
proporcionam dados de RPG de vários lados.

O professor, na posição de mestre do jogo, poderá organizar a sala de aula


em grupos, de modo que cada um deles representem um personagem, dentro
da trama que inclui os personagens dos demais grupos de estudantes. Cada
integrante do grupo assumirá o comando do personagem na medida em que as
rodadas do jogo acontecem. Ou seja, a ideia é que todos os estudantes estejam
na posição de comando, agindo de acordo com o que o grupo definir sobre as
escolhas do personagem. Dessa forma, a sala inteira estará envolvida na
aventura e engajada nas decisões acerca dos seus personagens.
O professor-mestre deverá estimular o encontro entre os vários
personagens e propor desafios a serem solucionados, que tenham como
objetivo a descoberta científica e tecnológica das relações entre eletricidade e
magnetismo. É imprescindível que o mestre sempre traga referencias de
informações históricas, como acontecimentos, fatos, e limites do que poderá ser
realizado naquele tempo - no sentido de evitar anacronismos, pois como a
aventura se passa no século XIX o mestre não poderá permitir que os
estudantes escolham utilizar alguns recurso que seja próprio do século XX, por
exemplo. As dimensões filosóficas, igualmente, deverão dar balizas para as
buscas dos personagens, o professor-mestre poderá estimular os estudantes a
pensar nas questões em torno da metafísica e do materialismo como
possibilidade de levantar hipóteses para as investigações científicas. No
domínio instrumental, mas não dissociado da dimensão histórico-filosófica, o
professor poderá propor problemas físicos e matemáticos a serem resolvidos
pelos estudantes, com o objetivo de avançar nas etapas do jogo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões que levaram ao desenvolvimento do jogo de RPG


proporcionou para nós, professores e estudantes participantes do grupo de
pesquisa, a possibilidade de ampliação do nosso conhecimento sobre a
eletroeletrônica como produto social, histórico e filosófico. Nesse sentido, a
dimensão instrumental do curso técnico em eletroeletrônica pode ser vista como
resultado de amplo processo de produção da própria modernidade. Daí, o papel
profissional dos técnicos em eletroeletrônica é significado como um papel ético,
de seres históricos, que são formados socialmente, mas, em contrapartida,
também são formadores dessa sociedade. Nos resta avaliar a efetividade da
aplicação do jogo de RPG em sala de aula. Essa será a próxima etapa da
pesquisa. Procuramos experimentar o jogo e avaliar em que medida ele será
capaz de gerar aprendizagens significativas.

Outra possibilidade do desenvolvimento dessa pesquisa é no sentido de


aliar a produção teórica do jogo juntamente com a produção de recursos
materiais por meio da fabricação artesanal e digital, no sentido da “cultura
maker”. A Cultura ou Movimento Maker. que é considerada uma extensão com
vertente mais tecnológica e técnica da cultura do Do It Yourself (DIY – Faça
Você Mesmo), em que qualquer pessoa pode construir, consertar, modificar e
fabricar objetos, máquinas, projetos e processos com suas próprias mãos. Por
meio da experimentação direta em busca da resolução de problemas práticos,
para os makers – os adeptos desse movimento – a reflexão tecnológica e
científica não se separa do trabalho manufatureiro e do desenvolvimento de
técnicas artesanais. Procuramos, portanto, a possibilidade de desenvolvimento
de jogos de RPG que não separem o saber do fazer, o intelectual do manual.
Entendemos que essa também é uma importante faceta da
transdisciplinaridade: produzir conhecimento não hierarquizando saber
intelectual e saber manual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CUPANI, Alberto. Filosofia da tecnologia: um convite. Florianópolis: Ed. da


UFSC, 2013.

GUERRA, Andreia. REIS, José Cláudio. BRAGA, Marco. Uma abordagem


histórico-filosófica para o eletromagnetismo no ensino médio. Caderno
Brasileiro de Ensino de Física, v.21, n. 2:p. 224-248, ago. 2004.
MARCATTO, Alfeu. Saindo do quadro. São Paulo: A. Marcatto 2ª edição, 1996.

NICOLESCU, Basarab. O manifesto da Transdiciplinaridade. Triom: São Paulo,


1999.

ROMERO, Mariza. A nova história da ciência: entrevista com Dominique Pestre.


História. Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3. jul.-set.
2016, p. 899-905

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