Professional Documents
Culture Documents
1
Quando o que nos interessa resolver com emergência é o problema de
transcendermos nossa atual consciência limitada pelas cargas do passado e pelo
medo, pouco nos importa qualquer sistema de resolvê-lo. Quando, DE FATO, o
que nos interessa é o problema da mutação total de nosso mental-emocional,
não nos interessa saber "como" efetuá-la. Nunca perguntamos "como?", porque
o "como" é o método, e o método significa crença nos fatores tempo, esforço,
prática e conhecimento prévio de resultado final; portanto, esse resultado final
não é nenhuma mutação, pois está ainda na esfera da consciência que trabalha
por imaginação, conjectura, vontade pessoal. Assim, o que podemos fazer é,
TÃO-SÓ, nos tornarmos totalmente percebidos da função da vontade pessoal e
completamente INDIFERENTES a ela; não teremos de batalhar contra ela, mas
devemos ter a PLENA PERCEPÇÃO de sua falsidade. Então, só nos interessará o
problema central: promover o depurador insight integrativo com sua criativa
revolução total. E quando esse depurador insight integrativo nos interessar no
mais alto grau, quando nada estiver diante dele, veremos que ele se realizará,
independentemente de nossa vontade.
2
Uma das colunas que sustentam nossa atual e limitada consciência, está em
nossas incompletas experiências do passado, as quais nos deixaram profundas
marcas psicológicas, estejamos delas conscientes ou não. Quando não reagimos
totalmente a uma situação, ela deixa marcas memoriais. Quando reagimos com
a totalidade de nosso coração, de nossa mente, com todo nosso ser, fica
pouquíssima memória. É só quando não reagimos completamente a uma
situação, que há dor, confusão, luta. A luta, a confusão, a dor ou o prazer,
constituem a base da memória psicológica (não estamos falando da memória
técnica). Essas memórias psicológicas se conservam e se acrescentam
continuamente e são elas que reagem às novas situações que se nos
apresentam. Por conseguinte, o pensamento, sendo resultado da memória, é
sempre velho, e está sempre projetando o velho naquilo que é novo, desse
modo, adulterando-o. Portanto, pela força do pensamento, nunca podemos nos
ver plenamente livres de nosso limitante fundo psicológico. Portanto, isso que
chamam "liberdade de pensamento" é puro disparate, mais uma das ilusões
criadas pela velha consciência com base no medo. A memória psicológica reage
de forma mecânica, sem a nossa solicitação, interferindo nas nossas relações e
atividades, portanto, a memória psicológica é nociva, perigosa, pois nos
impossibilita ver a realidade da vida, sem a adulteração de nossas velhas
imagens. Para que possa ocorrer a explosão de um depurador e libertário
insight integrativo, a mente deve estar em silêncio, não tolhida pelo mecânico
movimento da memória.
Como podemos ver ao nosso redor, devido o avanço tecnológico, nosso viver
está se tornando cada vez mais mecânico, cada vez mais rotineiro, e nossas
relações, cada vez mais superficiais. Em vista disso, nos perguntamos: Há
alguma possibilidade real de efetuarmos uma radical e significativa revolução
em nossa vida? Não estamos falando de paliativas modificações momentâneas,
3
circunstanciais. Estamos perguntando se podemos jogar fora tudo aquilo que
forçosamente colhemos ao longo dos anos, por força da propaganda familiar-
religiosa-cultural, para efetuar uma mutação total, não intelectualmente, porém
realmente. Eis o que somos, sem nada de original, nada de verdadeiro, somos
entes humanos copistas, imitadores, seres de "segunda mão". Essa é a nossa
vida. Ora bem, o que podemos fazer no sentido de operar uma significativa
mutação radical desse infeliz e limitado estado de ser? Como posso eu, que sou
o resultado das marcas do meu passado - esteja consciente delas ou não -, que
fui condicionado pela força disfuncional das circunstâncias ambientes a pensar,
sentir e agir de determinado padrão, padrão que condicionou e limitou a minha
mente, que me insensibilizou, que fez de mim uma mera simulação e não um
ente humano real, como posso operar uma revolução total, na qual eu possa
saber o que é liberdade, criação e amor? Como posso mudar a totalidade desta
limitada e separatista consciência?
5
A totalidade de nossa atual consciência com base no medo, embora a
chamemos de "superior" ou "inferior", é registro de experiências incompletas, é
memória psicológica. Nesse campo, que é a atual consciência, nada há de novo,
nada há de 100% original. Mesmo nossa pessoal concepção de Deus, de um "Eu
Superior", encontram-se na esfera dessa limitada consciência, portanto, não
passam de velhos pensamentos. E o pensamento é memória, é resultado de
incompleta experiência, de resposta inadequada aos acontecimentos da vida. O
pensamento é memória pessoal, interpessoal e transgeracional, é fruto de
propaganda milenar. Tudo que o pensamento sugere como forma de revolução,
é tão somente perpetuação de seu estado de inquietante conflito, em celas de
diferentes cores. O pensamento é tanto o carcereiro-prisioneiro como o
prisioneiro; por si só, não tem como saber o que é a verdadeira liberdade do
espírito humano.
Nossa maior trave de tropeço está no nosso modo fragmentado de dar atenção
a algo; não sabemos o que é um estado de atenção plena, por isso nossa vida é
tão superficial, tão rotineira. Sem um estado de natural e plena atenção,
atenção que não é resultante de calculada vontade, torna-se impossível a plena
compreensão da atual e limitada estrutura mental pela qual pensamos,
sentimos e reagimos (nesse estado mental, não há como ocorrer uma ação real,
ação que não perpetue a separatista energia de atrito). Para se ter a plena
atenção de que falamos, não deve haver qualquer barreira entre o observador e
a coisa observada. Do contrário, não há a mínima possibilidade da ocorrência de
uma integrativa percepção libertária. Para poder observar, preciso livrar-me de
todos os preconceitos, minhas impressões, minhas tendências, meus achismos,
me libertar das pressões circundantes, etc; devo livrar-me de tudo isso,
totalmente, para poder saber o que é o estado de real atenção, onde se dá a
percepção plena, totalmente livre de qualquer adulteração de fundo pessoal.
Para poder observar, o medo não pode estar nos afetando. Enquanto existir
observador e coisa observada, pensador e coisa pensada, tem de haver medo,
incerteza, confusão. Observar a velha estrutura mental é o que nos dá a
possibilidade de nos abrirmos, pela primeira vez, para a plenitude da vida e de
suas relações.
7
Na plena percepção da morte está a observação da vida. Nós não damos a plena
atenção ao viver, nem somos capazes de observar a morte. Quando sabemos
observar o viver, com todas as suas complexidades, com todos os seus temores,
agonias, dolorosa aflição, sentimento de insuficiência psicológica, solidão, tédio,
várias formas de apego, quando sabemos olhar o nosso viver (independente se
dele gostamos ou não, se nos dá prazer ou desprazer; trata-se apenas de
observar sem resistência alguma), seremos então capazes de observar a morte.
Porque então não mais haverá medo da morte, pois morrer é viver. Mas, nós
não sabemos como morrer para o nosso passado, não sabemos morrer para
tudo, todos os dias — para tudo o que aprendemos, para todas as coisas que
acumulamos, tais como o caráter, etc. Em qualquer coisa que existe
continuamente no tempo, não há nada de novo, por isso nosso constante
sentimento de insignificante rotina. Nós temos um enorme medo de colocar fim
a tudo o que conhecemos; findar, sem racionalizações, sem discussão, sem
verbalização (tal como acontecerá quando a morte física chegar, pois com a
morte não se discute). Só quando morrermos para o nosso passado, aqui e
agora, é que a morte passa a ter uma nova significação para nós, pois, só na
morte se encontra a beleza, se encontra o amor. A morte psicológica é uma
coisa maravilhosa, é o único fator pela qual podemos saber o que é liberdade
real. Morte psicológica significa renovação, mutação total, na qual AS IMAGENS
DO PENSAMENTO NÃO MAIS INTERFEREM, NÃO MAIS IMPULSIONAM AS
INCONSEQUENTES E DÉBEIS REAÇÕES EMOTIVAS, que tanto conflitos nos
causaram. Quando há a morte psicológica, quando há a morte com relação a
velha identificação com o movimento mecânico do pensamento, HÁ UMA COISA
TOTALMENTE NOVA, UMA COISA DE UMA DESCONHECIDA DIMENSÃO. Nesse
8
desconhecida e nova dimensão, a mente se encontra totalmente vazia, em
silêncio, sempre se renovando, se revigorando, independente de quaisquer
circunstâncias; nessa dimensão ela é sempre criativa, uma coisa luminosa,
incorruptível, e há nela uma alegria que não é prazer. Só nessa desconhecida
dimensão, sabemos de fato, o que significam as palavras liberdade, felicidade,
amor e comunhão; fora dessa dimensão, são apenas, palavras.
A maioria de nós teme a morte, tanto a morte física, como a morte psicológica
para o que nos é conhecido. Por conseguinte, um dos nossos problemas é este:
Como nos libertarmos totalmente do medo, e não da morte. Porque a morte
deve ser uma coisa tão extraordinária como a vida. Quando se sabe viver,
quando nosso pensar e sentir não é mais adulterado pelas imagens do medo, a
vida é maravilhosa. Mas, como não sabemos viver, como não sabemos nos
desidentificar do conteúdo mecânico de nosso fundo psicológico, projetado
como pensamento, não sabemos o que é a morte. Em consequência, tememos
o viver e tememos o morrer, e por causa desse medo inventamos tantas teorias,
sistemas, crenças, programações. A questão, pois é esta: Temos possibilidade
de nos libertarmos totalmente do medo? Temos como morrer para a
inconsciente e mecânica identificação reativa-emotiva ao fluxo dos
pensamentos, os quais são memórias projetadas? Temos que morrer para a
identificação com o pensamento, pois é do pensamento, que surge toda
manifestação de medo. É por causa do medo que o pensamento busca por
prazer imediato, o qual por sua vez, alimenta o medo. Para que tal morte possa
ocorrer temos de estar PLENAMENTE, VIGOROSAMENTE ATENTOS. E não se
pode estar atento quando existe o observador, com suas imagens, as próprias e
as criadas pelas circunstâncias, pelas tendências, manias, inclinações, desejos e
9
aversões, etc. Enquanto existir a identificação com tais imagens, das quais
emana o pensamento, o pensamento haverá sempre de criar medo.
10
Como já sabemos, nossa maior trave de tropeço está na qualidade de nossa
atenção, a qual nunca é plena, mas sim, fragmentada. Não vemos a totalidade,
só vemos em partes. Não pode haver o bem-aventurado e libertário estado de
atenção plena, quando há qualquer espécie de luta, de resistência, de forçosa
vontade. Se me esforço para prestar atenção, minha energia se gasta nesse
esforço e, portanto, não há ocorrer o estado de plena atenção. Não há atenção
plena quando de alguma maneira se tentar moldar a atenção, restringi-la, forçá-
la a tomar uma determinada direção de preferência pessoal. E não há atenção
quando o pensamento está funcionando de acordo com as inclinações pessoais,
o condicionado prazer, o desejo ou o temperamento, ou é impelido pelas
circunstâncias; vale dizer, se há qualquer espécie de imagem, não pode haver o
bem-aventurado estado de atenção plena e, sem ela, não é possível a explosão
da percepção integrativa e libertária; sem ela, continuamos prisioneiros de
nossa limitada consciência com base no medo. Assim, só pode haver o estado
de plena atenção, quando na observação, não mais ocorre a identificação
reativa-emocional com o fluxo de imagens que emergem do mecânico
pensamento, o qual é memória projetada, a qual é tempo. O tempo é um
processo de pensamento dentro do campo da limitada consciência, e a limitada
consciência é, ela toda, resultado do tempo e do pensamento; portanto, entre
os estreitos limites da atual consciência com base no medo, não é possível o
bem-aventurado estado de plena atenção. No extraordinário estado de plena
atenção, não há afetação de imagem, nem de tempo, nem de pensamento.
Nesse estado — que é meditação — não há observador nem coisa observada.
11
O medo, de modo algum, é imanente ao ser humano. O que é o medo? O medo
não pode existir por si, mas só em relação com alguma coisa. Nós somos o
resultado do tempo, oriundos do animal ainda vivo em nós, em forma de medo.
É possível nos libertarmos imediatamente, plenamente, dessa herança animal
em forma de medo, sem a necessidade de nenhum método, nenhum sistema,
nenhuma programação? Para se conseguir tal mutação, o que precisamos é de
um estado de plena atenção, a começar por nós mesmos, porque nós mesmos
somos o resultado de todo esforço humano, de toda aflição humana, de todo
sofrimento humano; somos o resultado de nosso passado psicológico — o
passado da comunidade, o passado da espécie humana. Temos de observar a
nós mesmos, observar como falamos com os demais, observar e conhecer o que
pensamos e os motivos desse modo de pensar; observar a maneira como
tratamos os demais, nosso hábito alimentar, nossa maneira de andar, de olhar
outro ser humano, observar como olhamos e lidamos com a natureza; observar,
estar plenamente apercebidos de tudo isso, sem escolha, resistência ou
racionalização. Em virtude desse extraordinário estado de observação — se
formos capazes de levá-lo até o fim — veremos surgir um depurador e libertário
insight integrativo, com sua criativa mutação, o qual vem sem o sentirmos e
longe de qualquer conjectura pessoal.
14
a acreditar que a energia se efetua mediante esforço no tempo, isto é,
acreditamos que quanto mais nos esforçamos, mais energia adquirimos.
Temos que colocar a totalidade de nossa energia para prestar plena atenção ao
nosso sofrimento, a nossa ansiedade, aos nossos medos, ao nosso estado de
contradição, nosso sentimento de culpa e de insuficiência psicológica, nossos
apegos, frustrações, aflição, tédio infinito.
Não podemos prestar inteira atenção ao nosso sofrimento se desejamos que ele
seja resolvido de uma certa maneira, em conformidade com um certo padrão;
então, essa exigência de que ele seja resolvido de determinada maneira — que
é uma forma de condicionamento —, é um desperdício de energia. Mas, se
ficarmos simplesmente observando o fluxo do conteúdo que se processa em
nossa mente e coração, observando atenta e minuciosamente, sem reservas ou
reativa identificação emotiva, veremos então, por nós mesmos, através de uma
integrativa percepção libertária, que o problema, antes tão formidável, se
15
tornará insignificante. Isso é o insight depurador, no qual se apresenta o estado
de inteireza do ser que somos. Essa própria atenção plena é a energia que
resolve todos os nossos problema e que nos liberte de um estado de
consciência estruturada no medo.
Temos que considerar como podemos acumular a energia que é necessária para
dissolver a atual estrutura mental com base no medo, da qual decorrem todos
os nossos conflituosos problemas. Temos muitos problemas, e não apenas um
problema pontual. E cada problema está relacionado com outro problema. Se
pudermos resolver o problema do qual surgem todos os demais problemas — a
a atual estrutura mental-emocional —, veremos que seremos capazes de
enfrentar outros problemas e de resolvê-los facilmente. A falta de atenção é
que é nociva e não a atenção. E quando sabemos que estamos desatentos, isto
é estar atento. Quando não percebemos que estamos desatentos, começam as
tribulações e as aflições inerentes ao problema. Precisamos descobrir como se
faz a acumulação da energia que não é gerada por meio de estímulo; há várias
formas de estimulação, tanto externas como internas. Mas, estamos nos
referindo à energia que não depende de nenhum estímulo. Porque, no
momento em que dependemos de alguma coisa, de alguém, de alguma
programação ou instituição, já estamos desperdiçando energia, uma vez que
estamos nos permitindo ao processo de condicionamento e ajustamento. Todos
nós temos dependido de doações psicológicas de terceiros, mas por meio delas,
não chegamos a nenhum lugar; continuamos no mesmo estado de inquietude,
ansiedade, insegurança e solidão; continuamos a sofrer da silenciosa dor
causada pelo sentimento de insuficiência psicológica e incapacidade de manter
uma genuína intimidade com outra forma de vida. É por causa de nosso atual
estado de consciência com base no medo, que dependemos psicologicamente
16
das pessoas, e de outras formas de estímulo. E, no momento em que existe um
estimulante, seja psicológico, seja físico, esse estimulante nos embota a mente,
impede-nos de usar o nosso cérebro com 100% de suas células.
17
Desde a mais tenra idade, nossa vida é conflito, competição, esforço, desde a
atenção dos pais entre os nossos irmãos, na escola, até os dias de colégio e
universidade. E, mais tarde, quando se tem que arrumar um emprego, há
conflito para se obter um emprego melhor, competição para alcançar uma
determinada posição, e melhorar cada vez mais essa posição. Do começo ao
fim, andamos em constante conflito, a lutar e lutar, tanto emocional como
intelectualmente. Tal esforço, que, como todo esforço, representa atrito, não
torna a mente sutil e capaz de funcionar livremente. Todo esforço deforma a
mente, corrompe o coração. Só quando cessa o esforço, temos ilimitada energia
interior, tornando-se nossa mente límpida como cristal e capaz de enfrentar e
resolver qualquer problema humano. Quando nossa mente funciona em sua
totalidade, não existe para ela, tal coisa como "problemas", mas sim,
oportunidades de amorosa e criativa ação integrativa. Assim, para que essa
total energia cerebral se torne existente, temos de compreender o
transgeracional condicionamento da necessidade de esforço. Se
compreendermos a natureza e a estrutura do esforço, possuiremos então a
energia necessária para dissolver a atual estrutura mental causadora de
problemas, ou para fazermos muito mais assertivamente o que temos que
fazer.
19
inteiramente vazios — embora repletos de um fundo de memórias de
experiências incompletas, com suas lembranças de prazeres e traumas —, tudo
do passado, cinzas frias de vivências ou experiências pretéritas. E porque
estamos vazios, tememos esse vazio e andamos perpetuamente empenhados
em "vir a ser alguma coisa"; alguma coisa pela qual possamos alcançar poder,
reconhecimento e prestígio. Mas, se dispensamos a totalidade de nossa atenção
ao nosso vazio, veremos que somos capazes de transcendê-lo. E, então, não
haverá mais esforço para ser alguma coisa. Saberemos então o que significa
viver sem exigência, sem expectativa alguma. Esse viver iluminará a si próprio.
Para saber o que é a realidade do amor, antes de tudo, é preciso saber como
renunciar os transgeracionais condicionamentos do mundo. Renunciar ao
mundo é ter a plena percepção do mundo, e, não, fugir dele. Para ter a plena
percepção do mundo, temos de OBSERVAR com muita lucidez.
21
Quando vemos com lucidez, amamos. Nós não temos amor no coração, ainda
que discursemos sobre o amor. Não havendo amor no coração, só nos resta a
sedução, o flerte, o romantismo, o prazer, o sexo, os quais confundimos como
sendo o amor. Para saber o que é a realidade do amor, temos que libertar a
nossa mente, temos que libertá-la do medo, de onde surgem os conceitos, os
sistemas, as programações. Não tenhamos medo, pois somos entes humanos e
não um rebanho, que vai para onde é tocado. Com essa liberdade, todas as
coisas se revestem de beleza e incontaminada energia e nada se converte em
problema.
O que tem significação É O QUE É, e não o que pensamos que deveria ser. A
plena percepção do que É exige liberdade para olhar, tanto exterior como
interiormente. Na realidade, não existe a divisão de exterior e interior. Trata-se
de um processo único; é a mente com base no medo que divide a vida em
fragmentos, que cria a ideia de exterior e interior. Em vista de tantas
complicações, tanta confusão e aflição, e do enorme esforço humano
22
despendido para construir uma sociedade que está se tornando cada vez mais
complexa e insensível, cada vez mais violenta e separatista, há possibilidade de
vivermos neste mundo totalmente livres de confusão e contradição e, portanto,
livres do medo oriundo de nossas marcas psicológicas do passado? A mente que
teme não pode, evidentemente, deixar de ser uma mente neurótica, não tem
como ter paz e adquirir a capacidade de saber o que é o amor.
Uma das maiores traves de tropeço, que nos impede de saber o que é o amor,
está na violência, não só exterior, como no interior. A violência não é apenas
física, pois toda a estrutura da nossa atual psique está baseada no medo que
produz violência. Esse esforço incessante para "vir a ser algo ou alguém", esse
constante ajustamento a um padrão, a incessante busca de prazer imediato e,
por conseguinte, o neurótico desejo de evitar tudo o que causa dor — o que
impede a capacidade de observar e compreender o que é — tudo isso faz parte
do medo e da violência. A agressividade, a competição, a constante comparação
entre O QUE É e o que pensamos que deveria ser — tudo isso são produtos do
medo, o qual gera várias formas de violência. Por causa do medo, andamos
sempre ansiosos, em constante estado de conflito, tanto com nós mesmos,
como com os demais. É possível a mente ficar totalmente livre desse medo
produtor de violência? Nós necessitamos de paz, tanto externa como
internamente, mas a paz não é possível sem liberdade, se não nos livramos
completamente dessa atitude agressiva perante a vida.
23
Se estamos plenamente apercebidos de nosso processo mecânico de pensar,
sentir e reagir, observamos por nós mesmos que estamos a enganar-nos, a
mover-nos de um campo para outro, realizando meras fugas geográficas, mas
sempre levando conosco, a mesma limitada e separatista consciência. A
consciência é sempre limitada porque, nela, existe sempre o OBSERVADOR. O
observador, o censor, onde quer que esteja, causa a limitação da consciência,
impede o cérebro de funcionar em sua totalidade, consequentemente, impede
a explosão da libertária percepção integrativa, com sua dimensão de amorosa
lucidez.
Em vista disso, nossa questão é: Como podemos criar um novo estado mental-
emocional? Só poderemos criá-lo, se ocorrer uma revolução total em nós
mesmos, por nós mesmos; quando não tivermos medo, por termos
compreendido a natureza exata, a estrutura, o significado do medo; por termos
entrado diretamente em contato com ele, por termos nos permitido SENTI-LO
em cada célula do nosso ser, que é uma coisa que não deve ser evitada, porém
plenamente compreendida. Isso é possível? É possível compreendermos a
inteira estrutura do pensamento, que está sempre gravitando em torno de um
limitadíssimo centro; compreendermos a totalidade do mecanismo do pensar,
que é resultado da memória e, portanto, a causa da limitação da consciência? É
possível determos por completo o fluxo do mecânico e não solicitado
pensamento, funcionarmos completamente livres das marcas psicológicas de
nosso passado de experiências incompletas — conscientes delas ou não —, tal
como atualmente funciona nossa mente?
26
Precisamos ter a plena percepção de que a natureza exata de nosso estado de
contradição é a ideia e o fato — o que é. Se não houver nenhuma ideia, nenhum
conceito, nenhuma crença, nenhum dogma, nenhuma amanhã (que é sempre
uma idealização, uma ilusória conjectura), poderemos ter a percepção libertária
referente ao que é. Para termos a plena percepção do que é, não necessitamos
de ideias; só temos que observar. Nossa trave de tropeço é que fizemos da ideia
algo muito importante; agimos, funcionamos com base nas ideias, nos
conceitos, nas fórmulas, nos sistemas, nos métodos e nas programações, quase
sempre oriundas de doações psicológicas de terceiros. Todas as nossas
atividades derivam de ideias e, por conseguinte, há contradição entre ação e a
ideia. Temos uma ideia, um ideal, uma crença, e atuamos em conformidade
com ela, ou a ela ajustamos nossa "reação" (nesse modo de ser, nunca agimos
de fato). A ação libertária e criativa nunca pode ser ideia. A ideia, por ser
produto do tempo, é irreal; só a ação, que não depende do tempo, é real. Toda
ideia é puramente teoria. Assim, nos perguntamos: É possível agir sem ideia?
28
Precisamos de um estado de quietude mental, não provocado pela vontade
pessoal. Podemos disciplinar a mente e torná-la quieta, podemos forçá-la,
controlá-la, porque temos uma ideia de que a ente deve ficar quieta, pois
esperamos nessa quietude, alcançar alguma coisa, ganhar ou realizar alguma
coisa, experimentar alguma coisa; isso não passa de ação calculista, a qual
somente perpetua o atual estado de consciência, limitada em seu
autocentramento. Essa quietude calculada, provocada, portanto, é uma coisa
estéril. Mas, a quietude é algo inteiramente diferente; esse silêncio vem
naturalmente, quando há compreensão e não há esforço algum.
29
A questão de se é possível a mente aquietar-se tem de ser examinada em todas
as suas facetas, em todos os seus aspectos, com a totalidade de nosso ser e não
apenas por meio da limitada lógica e razão. É possível a mente aquietar-se, não
ser afetada pela carga do passado, deter seu mecânico e não solicitado
movimento de imagens e conceitos? É possível deixar de ficar tagarelando
perpetuamente? Para compreender isso, temos de examinar a questão do
pensamento e verificar se a mente, que inclui também o cérebro, pode tornar-
se quieta, apesar de suas reações.
Por meio do limitado intelecto, temos tentado todos os meios para fugir dos
nossos problemas, evitá-los ou encontrar algum pretexto para não resolvê-los.
Falta-nos provavelmente a capacidade, a energia, o impulso necessários para os
resolvermos e, tão habilmente preparamos as nossas vias de fuga, que não
percebemos sequer que estamos a fugir. Mostra-se necessária uma mudança
total, uma radical revolução de nossa capacidade de uso da totalidade da
estrutura cerebral, revolução que não seja uma "continuidade modificada" da
velha estrutura adulterada pela ação do medo, porém uma total mutação
psicológica que liberte as células cerebrais, de todo, de sua sujeição ao tempo;
que as tornem capazes de ultrapassarem a limitada estrutura do pensamento,
não para ingressarem numa certa idealizada região metafísica, porém, sim,
numa real, lúcida e impessoal dimensão atemporal, onde as células cerebrais
não mais estarão fechadas em sua adulterada estrutura e seus problemas.
Percebemos essa absoluta e emergencial necessidade de uma mudança
completa de nossa capacidade de uso cerebral.
30
Temos tentado muitos meios de superar nossa atual limitação da capacidade
cerebral: LSD, crenças, dogmas, sistemas de crença organizada, rituais com uso
de estimulantes, métodos de meditação, forçosas disciplinas e programações. E,
ao cabo de tudo isso, a mente tem permanecido exatamente a mesma: vulgar,
estreita, limitada, ansiosa, ainda que tenha passado por "lampejos de
iluminação", "flashes de lucidez". É isso o que anda fazendo a maioria de nós,
em nosso esforço para alcançarmos uma certa visão, um estado de lucidez, algo
que não seja produto do inseguro e confuso pensamento — somente para
voltarmos ao mesmo estado de inquietude, confusão e doloroso sentimento de
insuficiência psicológica. A verdadeira liberdade do espírito humano, nos parece
inexistente. Não sabemos o que significa liberdade, felicidade, comunhão, amor.
Só somos capazes de formar uma imagem, uma ideia, uma conjectura, uma
conclusão, a respeito desses estados de ser. Para experimentarmos tais estados,
os encontrarmos realmente, temos que deixar os estreitos limites cridos pelo
intelecto discursivo, e mergulhar num profundo exame, com muita penetração
do nosso processo pensante. Temos que nos perguntar: é possível nos
libertarmos totalmente, imediatamente — psicologicamente? Libertar nossa
mente do medo, do condicionamento da necessidade de esforço, de toda
espécie de ansiedade? Essa libertação deve ser inconsciente, isto é, não deve
ser deliberadamente provocada.
31
Nossa mente está agrilhoada, condicionada pela sociedade, por nossas
experiências incompletas, nossa herança racial, enfim, por todas as influências
que o homem está sujeito. Podemos nos libertar de tudo isso e, por nós
mesmos, descobrir um estado mental inteiramente incontaminado pela carga
psicológica colhida no tempo? Afinal, é isso o que todos nós estamos buscando.
Estamos cansados das diárias e superficiais experiências da vida, de seu tédio,
de sua trivialidade, desejamos alcançar, através da experiência, um estado
muito superior de consciência.
Como pode a mente tão condicionada pela experiência diária, pelo limitado
conhecimento, pelas influências sociais e econômicas — como pode essa mente
promover uma revolução total, uma mutação em si mesma? Porque, se isso não
for possível, estaremos condenados a permanecer na aflição, na ansiedade, na
“culpa”, no desespero, na superficialidade daquilo que pensamos ser relações e
32
no agonizante sentimento de insuficiência psicológica. Portanto, aquela é uma
pergunta válida e para ela teremos de achar uma resposta correta, não uma
resposta intelectual, verbal, uma conclusão, uma ideação, uma conjectura;
temos de achar a integrativa percepção libertária e “nela viver”.
33
Mudança, para a maioria de nós, significa um movimento em direção ao
conhecido. Ora, isso não é uma mudança real, porém uma continuação do que
era, num padrão superficialmente modificado. Todas as revoluções sociais se
baseiam nessa espécie de mudança, cuja essência é “imitação”. Quando falamos
em mudança, não se trata de mudança ou mutação de o que ERA para o que
DEVERIA SER. Temos a necessidade não só de mudança, mas também da
libertação total dos nossos limitantes condicionamentos, dos nossos temores,
as ansiedades, a total solidão e a monotonia da vida. Precisamos descobrir se
essa limitada estrutura de herança animal, pode ser totalmente demolida, para
que possa tornar-se existente um novo, qualitativo e lúcido estado mental. Esse
novo estado mental não pode ser preconcebido; se o é, trata-se meramente de
um conceito, de uma ideia; e uma ideia nunca é o real.
34
Para que ocorra uma significativa mutação em nosso atual estado de
consciência, temos que compreender a indevida importância que temos dado
ao prazer. Se não compreendermos o modo como lidamos com o prazer, a
mudança ficará sempre na dependência do prazer e da dor, da recompensa ou
da punição. O que todos queremos é prazer, cada vez mais prazer e não a
realidade do amor transpessoal. Queremos o prazer físico, do sexo, das posses,
do luxo, etc. — o qual é muito fácil de se compreender e de rejeitar — ou o
prazer psicológico, no qual estão baseados todos os nossos valores morais,
éticos, espirituais. Todas as nossas relações se assentam nessa base. O animal
só deseja o prazer e há muito do animal em nós. A menos que compreendamos
a exata natureza e estrutura do prazer, a mudança ou a mutação será uma mera
forma de continuidade do prazer, no qual está sempre contida a dor.
Porque buscamos com tanta persistência essa coisa chamada prazer? Por prazer
entendo o sentir-nos psicologicamente superiores, a violência e sei oposto, a
não violência. A violência proporciona grande prazer. Há enorme prazer em
adquirir, em dominar, em controlar; e, psicologicamente, no sentimento de
possuir uma certa capacidade, de ter alcançado algum objetivo importante, no
sentimento de se ser inteiramente diferente de outras pessoas. Nesse princípio
do prazer estão baseadas as nossas relações; nele se alicerçam nossos valores
morais e éticos. O supremo prazer não é só o sexo, porém a ideia de termos
descoberto Deus, de termos descoberto algo totalmente novo. Estamos
constantemente nos esforçando por alcançar esse prazer supremo. Nunca
refletimos sobre o que é o prazer, sobre se, psicologicamente, existe um estado
REAL de prazer. Por meio do pensamento concebemos ou formulamos o prazer
e desejamos alcançar e perpetuar esse prazer. O prazer, pois, nasce do pensar.
35
Cumpre compreender tudo isso muito profundamente, perceber com o máximo
de lucidez a estrutura inteira do prazer, em vez de tratarmos de nos livrar dele,
o que demonstra total ausência de maturidade, do modo como o fazem os
monges. Seria bastante absurdo e insincero, de nossa parte, dizermos não estar
em busca de prazer imediato. Todos o estão buscando. Só podemos nos libertar
da dependência do prazer, quando compreendemos plenamente a estrutura do
pensar e também a estrutura do mecanismo da memória, pois são eles que
criam, alimentam e perpetuam a busca do prazer. Em vista disso, surge a
pergunta: Como é possível uma ação que atinja a estrutura do prazer e que não
seja inspirada pelo desejo de mais prazer?
Ver-se completamente livre de vínculos é uma das coisas mais difíceis que há.
Nos comprometemos porque pensamos que tal compromisso nos conduzirá a
uma certa lucidez, uma certa facilidade de ação. E quando nenhum
compromisso temos, nos sentimos como que perdidos, desorientados, como
um estrangeiro, porque todos em volta de nós estão inconscientemente
comprometidos; todos estão presos nesta rede.
A mente confusa que busca pela lucidez de uma percepção libertária, só pode se
confundir cada vez mais, porque uma mente confusa não pode achar a lucidez
de tal bem-aventurada percepção. Está confusa; que pode fazer? Toda busca de
sua parte só levará a maior confusão. Não parecemos ter a plena percepção
disso. Quando a mente está confusa, devemos nos deter, deter toda e qualquer
atividade, e essa própria detenção é o começo do novo, o qual apresenta a
verdadeira liberdade do espírito. Tudo isso implica que deve haver um profundo
autoconhecimento — conhecimento de toda a estrutura de nosso pensar-sentir,
dos motivos, dos temores, das ânsias, da "culpa", do desespero. Para
conhecermos a totalidade do movimento de nossa mente, temos de estar
EXTREMAMENTE VIGILANTES, identificando o que nela passa mas, SEM SE
IDENTIFICAR com o que nela é observado; temos que observar sem resistência,
condenação ou reativa identificação emotiva, sem prazer ou desprazer, sem
aprovação nem reprovação — apenas observar e SENTIR. Essa qualidade de
observação produz, de forma natural, a negação da identificação com a velha e
disfuncional estrutura mental-emocional. Por conseguinte, o autoconhecimento
que surge pela retomada da plena sensibilidade, da capacidade de sentir, é o
começo da autossuficiência psicológica, da qual desponta a real sabedoria que
não é acumulo da carga do tempo. Nessa sabedoria está o findar de toda
42
dependência psicológica e seu decorrente sofrimento. O autoconhecimento não
pode ser adquirido num livro, nem por procurarmos um psicólogo, um
sacerdote, um guru. O autoconhecimento é a plena percepção verdadeira do
que é — o que há de fato em nós: dores, apegos, ânsias; vê-lo sem nenhuma
desfiguração. Desse pleno percebimento explode o integrativo e depurador
insight, do qual surge aquela dimensão de amorosa lucidez.
45
A menos que resolvamos a questão fundamental referente a superação da velha
e disfuncional estrutura mental-emocional, a mente estará condenada a
deteriorar-se, a permanecer em seu estado de imaturidade. É possível deter
essa continua onda de deterioração, não só da mente e do coração, mas
também a deterioração proveniente da falta de zelo, de ardor, de paixão?
Não existe AGORA, por si só, porque a vida é um movimento total, infinito, que
dividimos, psicologicamente, em ontem, hoje e amanhã e, consequentemente,
inventamos o processo gradual para alcançarmos a realização da suprema
libertação do espírito humano. Isso é fazer como o homem que fuma ou bebe:
gradualmente abandonará o vício; para tanto precisará de tempo. Há isso
chamamos “evolução”. A mente, o cérebro, a estrutura inteira, só
compreenderá o estado mental em que a afetação do tempo não existe, após
50
ter compreendido a natureza exata da memória e do pensamento. Poderemos
então encarar de frente e compreender a natureza e a beleza da morte, aqui e
agora, não uma coisa que está distante, “lá longe” e que dela temos que fugir
ou inventar teorias.
Você já experimentou morrer para um prazer, para qualquer coisa que você
anseia, sem o impulso de reação emocional, sem MOTIVO, sem discussão:
morrer, simplesmente, para tudo aquilo? Se for capaz de fazê-lo, saberá o que
significa a morte, aqui e agora: esvaziar a mente, totalmente, de todas as coisas
do passado. Isso pode e deve ser feito. Essa é a única maneira de saber o que é
a plenitude do viver, pois a realidade do amor é isso, não?
Não sabemos o que amor; o que temos por amor, é uma "transação", na qual
temos garantido o prazer sexual e o alívio do medo do desamparo e da solidão.
Todos participamos desse jogo multigeracional, o qual é uma herança de nossa
51
animalidade. Temos muito do animal em nós. Se realmente soubéssemos o que
é o amor, não mais nos preocuparíamos com essa coisa chamada "sexo", não a
discutiríamos tão apaixonadamente como se tratasse de algo novo.
Conhecemos o amor apenas como apetite sexual, com sua carnalidade, suas
exigências, frustrações, desesperos, ciúmes, apegos e todos os tormentos da
mente humana, sempre rodando em círculos atrás dessa coisa chamada "amor".
O amor não é pessoal; não tem absolutamente nada a ver com a fórmula
idealizada pelo pensamento, e ele só pode nascer quando a memória, como
lembrança e projeção, como pensamento, com todas as suas exigentes
dependências e prazeres, morre psicologicamente. O amor é então coisa
inteiramente diferente. Não podemos falar a respeito do amor; não podemos
escrever livros, sem cessar, e "categorizá-lo" — como o fazem alguns ditos
religiosos —, tais categorias não existem, são resultantes de mentes confusas,
ansiosas, inquietas, que nunca souberam o que é a realidade do amor. Para
alcançarmos a suprema realização dessa coisa chamada amor, não só devemos
estar plenamente livres do medo, mas também deve se verificar a morte da
afetação do movimento na ponte do tempo e, por conseguinte, a plena
percepção da vida. Essa coisa que chamamos "viver" é ansiedade, silencioso
desespero oriundo de nossa insuficiência psicológica, da qual deriva o
sentimento de culpa, o desejo material e sexual, o sentimento de
separatividade, o enorme e rotineiro campo de batalha que conhecemos.
Quando morremos totalmente para essa "SIMULAÇÃO" de viver, não
parcialmente ou para certos fragmentos dessa simulação — então sabemos o
que é a plenitude do viver. A morte e o viver "coexistem"; e para que a morte e
a vida continuem a coexistir, temos que morrer para tudo todos os dias,
52
momento por momento. A mente se torne então fresca, nova, inocente,
LÚCIDA. Essa lucidez não vem por nenhum droga ou ritual, nenhuma
experiência estimulada. Ela paira acima de toda e qualquer experiência oriunda
do condicionado pensamento. O que a si próprio ilumina não necessita de
nenhum estímulo, de nenhuma experiência.
Não existe um método para se morrer todos os dias para tudo aquilo que
carregamos na memória. Temos que saber, por nós mesmos, se é possível viver
tão completamente cada dia, que não haja ontem e nem amanhã. Isso requer
muita meditação e percebimento interior. Não é questão de concordar nem de
discordar, nem de perguntar "como é que se morre de momento a momento?".
Ninguém pode nos dizer nada a esse respeito. A coisa exige extraordinária
energia e vigilância, discernimento, compreensão, percebimento, e a mais alta
sensibilidade — a qual não se deixa levar pelo inconsciente e inconsequente
impulso emocional reativo —, a qual é lúcida inteligência. Certas drogas tornam
a pessoa momentaneamente sensível num determinado fragmento do vasto
campo da vida. No resto do campo ela permanece insensível, embotada; e pelo
fato de tornar-se altamente sensível numa dada área, vendo cores, visões, e
tendo "experiências psicodélicas", a pessoa supõe que isso representa toda a
substância da vida. Mas, para compreender a totalidade da vida, ela tem de ser
totalmente sensível, física e psicologicamente. Pensa-se que se pode ser
altamente sensível, psicologicamente, porém, fisicamente, brutal, embotado e
insensível. A vida não pode ser dividida em fragmentos, cada fragmento em
conflito com os demais. Só conhecemos esse conflito, esse incessante esforço
até a morte. Na família, no trabalho, mesmo nos momentos tranquilos de nossa
vida, nunca há um instante de incausado silêncio, um estado isento de esforço.
Simulamos ser entes altamente civilizados, sofisticados, mas, o sofrimento é
53
nossa sina, e para terminarmos o sofrimento, temos que fazer o tempo morrer;
temos de compreender a natureza e a beleza da morte. Onde há amor, não há
sofrimento, para o próximo, para o homem ao nosso lado ou à nossa frente.
Onde está o amor — que nada tem de pessoal —, está terminado o sofrimento,
não há adoração do sofrimento.
Muitos de nós, pensamos que para alcançarmos uma nova maneira de viver,
precisamos praticar, forçosamente, algum tipo de programação. Uma nova vida
baseada numa ideologia não pode ser uma nova vida; é tão somente o velho,
superficialmente modificado. O que se faz necessário é uma mente nova, e não
a observância de uma técnica, de um novo método, uma nova programação,
uma nova filosofia, ou uma nova droga. E essa mente nova não nascerá se não
soubermos morrer para o apego a tudo o que é velho, morrer completamente,
psicologicamente, esvaziar a mente da totalidade do que ela adquiriu no
passado. Então, não necessitaremos de nome nenhuma para aquela coisa; nós a
estaremos vivendo plenamente; saberemos então o que é a bem-aventurança,
o que é a verdadeira liberdade do espírito humano. Neste mundo em que
estamos vivendo, tão cheio de caos, só a mente inocente, plenamente livre da
mecânica afetação de sua carga do passado, é capaz de resolver o problema do
viver, e não a mente técnica, complicada, confusa.
55
ALCANÇANDO 100% DA RENOVAÇÃO MENTAL
É fato notório que, embora a parte mecânica do cérebro esteja se
desenvolvendo rapidamente, se está processando uma deterioração no
restante das células cerebrais, o que impede que o cérebro funcione em sua
totalidade. Com a influência tecnológica, nossas relações estão se deteriorando,
estão se tornando cada vez mais superficiais. Há uma deterioração moral e ética
em todos os segmentos da sociedade, onde se vê cada vez mais corrupção. Isso
está acontecendo no mundo inteiro. Portanto, urgentemente temos que saber
se é possível deter a deterioração cerebral, a desintegração de uma mente
dotada de tão notáveis aptidões. Já levamos anos e anos cultivando o lado
mecânico-tecnológico da vida, mas não investimos na investigação, quanto a
possibilidade da mente funcionar totalmente livre do medo, totalmente livre da
carga psicológica do passado e, portanto, manifestar a suprema realização de
sua capacidade criativa-integrativa. Os problemas tecnológicos temos
conseguido resolver facilmente, mas o mesmo não podemos dizer quanto aos
problemas psicológicos que tanto nos afligem.
Pela vida toda ficamos perpetuando ou fugindo de nossos problemas, com eles
nos conformamos e morremos, sem saber o que é a plenitude do viver, a
realidade do amor e da comunhão. É possível a mente se libertar totalmente de
todos os seus problemas e funcionar em 100% de sua capacidade? São os
problemas que ficam sem solução os causadores da limitação, da destruição, da
deterioração da mente. É possível resolver cada problema ao surgir, sem lhe
proporcionar a oportunidade de criar dolorosas e confusas raízes na mente?
56
Quanto mais desses problemas formos levando conosco, tanto mais pesado se
torna o nosso fardo e tanto mais evidente é que a mente e a totalidade de
nossa humana existência se tornam mais e mais complexas, confusas e
conflituosas. Naturalmente, o cérebro, assim como a totalidade da mente —
que é a consciência em seu todo — se deterioram. Podemos viver neste mundo
de tantas influências, resolvendo todos os nossos problemas de maneira
assertiva, lúcida, amorosa? Os problemas só existem quando a resposta é
inadequada, quando é resultante de inconsequente e emotivo impulso reativo,
de outra maneira, quando há plena percepção libertária, não há problemas.
Quando somos incapazes de ter a libertária percepção integrativa, pela qual
podemos resolver plenamente nossos problemas, então, devido ao inadequado
impulso emotivo reativo, perpetuamos nossos problemas. A esses problemas,
que são sempre novos, reagimos mecânica e inconsequentemente ou com a
acumulação de incompletos conhecimentos ou experiências, de modo que
nunca temos uma lúcida e amorosa ação direta.
O homem sempre tentou ultrapassar seus problemas, quer fugindo deles, por
meio de vários métodos, quer inventando crenças que ele espera possam
renovar a mente que está sempre se deteriorando. Procura passar por várias
experiências, esperando encontrar uma que transcenda todas as outras que se
mostraram insatisfatórias e que lhe dê a total compreensão da plenitude do
viver. Experimenta tantos meios diferentes — drogas, meditação, devoção,
flerte, sedução, sexo, saber, poder — e, todavia, malgrado todos esse métodos,
não parece ele capaz de dissolver o fator central, responsável pela deterioração
das células cerebrais: a constante afetação do medo. É possível esvaziar de todo
a mente, para que cotidianamente se renove e já não crie problemas para si;
para que seja capaz de enfrentar cada desafio de maneira tão completa e total,
que dele não fique resíduo algum, nenhuma marca psicológica, que se torne em
outro problema? É possível passar por todas as experiências que temos e, no
fim do dia, não restar um único resíduo, nenhuma imagem, nenhuma cicatriz
psíquica, para ser levado para o dia seguinte, salvo o conhecimento técnico?
Não confundamos as duas coisas. Se isso não for possível, então, naturalmente,
as células cerebrais se deteriorarão; outra coisa não lhes acontecerão senão se
desintegrarem. A questão é: pode a mente, que é resultado do tempo, da
experiência, de todas as influências, da cultura, do condicionamento social,
econômico, climático, alimentar, libertar-se e ficar sem nenhum problema,
sempre nova, sempre capaz de enfrentar imediatamente todo desafio que se
lhe apresenta? Se disso não formos capazes, morreremos em estado de conflito.
58
Nós não resolvemos de modo assertivo as nossas aflições; jamais satisfazemos
verdadeiramente os nossos apetites; jamais nos vemos livres de nosso doloroso
sentimento de insuficiência psicológica; estamos sempre presos a essa ilusória
roda de preenchimento e frustração; nossa vida, por causa de nossa atual
consciência com base no medo, foi sempre um campo de batalha. Temos de
encontrar solução para esta questão, não por meio de alguma programação ou
filosofia, porque, naturalmente, nenhuma delas pode resolvê-la com plena
lucidez, embora possa fornecer explicações. Resolvê-la é libertar-se de todos os
problemas e tornar as a totalidade das células cerebrais sumamente sensíveis,
ativas, em plena comunicação entre si. Nessa própria atividade, a mente é capaz
de liquidar todos os problemas que surgem.
Uma das nossas traves de tropeço está na ilusória crença do fator tempo, como
sendo algo necessário para que possa ocorrer um depurador insight libertário.
Dependemos da experiência colhida no tempo, como meio de promover a
emergencial revolução no nosso atual estado de consciência. Pode alguma
experiência, que é produto do tempo, colocar fim na afetação do tempo, e
libertar em sua totalidade a capacidade das células cerebrais? É por nossas vidas
serem tão vazias, tão superficiais, tão monótonas, que acreditamos que
precisamos de "mais" experiências. Tivemos experiências sexuais; frequentamos
templos, igrejas, mesquitas; lemos dúzias e mais dúzias de livros; fizemos
maratonas de filmes, séries e vídeos; fizemos centenas de coisas que
acreditávamos serem necessárias, mas que se mostraram sem nenhuma
significação; e desejamos agora uma experiência suprema que venha dissipar
toda esta confusão causada por uma mente afetada pelo tempo, uma mente
com base no medo. Precisamos ter a plena percepção, por nós mesmos, do por
que ansiamos tanto por uma suprema experiência; uma experiência que se
mostre agradável, deleitável, que supere nosso atual e triste viver. Todas as
experiências estão sempre no passado, nunca no momento presente, e toda
experiência é reconhecível, pois, do contrário, não seria uma experiência. Se a
reconhecemos, ela já é conhecida, já é da limitada dimensão do tempo; do
contrário, não poderíamos conhecê-la. Agora, se é da dimensão do tempo,
como pode a experiência, não perpetuar o conflito? A mente que exige
experiência como meio de promover uma revolução radical na psique está
61
apenas pedindo uma perpetuação DO QUE FOI; por conseguinte, não há nada
de novo, nada de original, na experiência; a experiência, portanto, não pode
tornar a mente inocente.
Para que a mente possa alcançar seus níveis mais profundos, “tocar sua exata
natureza”, precisa estar livre da palavra, sendo a palavra o símbolo, o conceito,
com tudo o que o encerra — conhecimento, tempo, etc. Para ter a plena
percepção, a totalidades das células cerebrais devem estar em silêncio, não
64
sendo afetadas pelo impulso reativo emotivo que clama por prazer imediato; ao
contrário, como é possível olhar alguma coisa? Esse silêncio das células
cerebrais ou pode ser produzido por um objeto tão imenso que torna a mente
silenciosa; ou ele resulta de que a mente compreende que, para olhar qualquer
coisa, tem de se aquietar; permanecer num natural estado de “não-saber”, de
“não-buscar”, num lúcido estado de “não-reação”. Para que a mente possa
observar seus níveis mais profundos, seus movimentos mais sutis, necessita de
liberdade e silêncio; não deve estar mais sendo tocada por doações psicológicas
de terceiros, por mais racionais e lógicas que estas sejam. Nesse estado de
liberdade e silêncio, não há interpretação, por parte do observador, daquilo que
está em si observando — sendo o “observador” todas as ideias, memórias,
experiências, que impedem a percepção plena, o depurador insight integrador.
Só a mente que está toda em silêncio, não por meio de forçosa disciplina ou
controle, oriundos de algum sistema ou programação, ou por causa da exigência
de experiências extraordinárias, pois tudo isso são futilidades — só a mente que
está toda em silêncio, pode conhecer a natureza exata de um estado mental
livre do medo. Só o silêncio total produzirá a revolução da totalidade das células
cerebrais — não o esforço, nem o controle, nem o processo gradual no tempo,
nem a doação psicológica de alguma autoridade. Esse silêncio é
extraordinariamente ativo; não é mero silêncio estático, resultante de alguma
forma de calculo autocentrado. A análise, a psicanálise, não dá liberdade, nem
produz silêncio, tanto mais porque requer tempo. Esse desejo de encontrar a
Verdade, de descobrir se é possível uma revolução radical na mente, só será
compreendido quando houver liberdade total e, por conseguinte, não houver
medo. Só há dependência de alguma forma de autoridade quando há medo.
65
Com a compreensão do medo, da autoridade e da rejeição de todos os desejos
de experiência — e essa é realmente a plenitude da maturidade — as células
cerebrais se tornam completamente silenciosas. Só nesse silêncio que é
SUMAMENTE ativo, pode se verificar a depuração e a integração da totalidade
das células cerebrais, e a suprema realização de seu estado de lúcida
criatividade amorosa. Só então a mente está apta para criar uma nova ordem
mundial com base no amor.
Só conhecemos o espaço que existe por causa do centro observador, que está a
criar espaço ao redor de si. Ora, o centro pode expandir esse espaço por meio
da meditação, da concentração, etc. e tal; mas o espaço é sempre criado pelo
objeto. Enquanto existir o centro observador, ele criará espaço ao redor de si. O
expandir da consciência, um dos truques mais fáceis, fica sempre dentro do
limitado raio que o centro observador cria. Em tal espaço não há nenhum
liberdade. Não sou livre. Só há liberdade e, por conseguinte, um espaço
imensurável, quando não existe um centro observador.
66
A erudição e o conhecimento profundo de diferentes filosofias e ideias não
resolvem de maneira nenhuma nossas imensas complexidades e problemas
psicológicos. Para compreendermos tais problemas, requer-se uma série
intenção de examinar com toda a atenção tudo aquilo que está ocorrendo na
totalidade de nosso ser, para isso, é preciso silêncio do conteúdo da memória, a
qual adultera a plena percepção. Necessitamos de atenção que não seja
forçada, cultivada, "exercitada", pois este tipo de atenção, só perpetua conflito.
A plena atenção só se torna possível quando há liberdade, e quando não há
nenhum motivo. O motivo projeta sempre suas próprias exigências e, por
conseguinte, não há atenção, só conflito. A atenção também não é interesse. Se
há interesse, então a atenção se torna concentração, e a concentração nos
mantém fechados, limita nossa ação, impede a "explosão" da percepção
libertária. Só podemos ter a “percepção libertária” referente aos nossos
problemas, quando a concentração de pensamentos se detém por completo.
Essa própria observação não afetada pelo pensamento é, então, um catalisador
da percepção libertária.
67
A radical revolução da consciência requer plena e silenciosa observação dos
movimentos do pensar e do sentir, nunca aceitando, rejeitando e sem nos
deixar desanimar ou entusiasmar por aquilo que vemos. Se não conhecermos,
se não observarmos, em sua totalidade, nossos íntimos movimentos, cada
movimento de pensamento, de sentimento, nossas palavras e gestos, e o que se
esconde atrás das palavras e pensamentos — se não observarmos a totalidade
dessa estrutura psicológica pela qual funcionamos, não teremos nenhuma base
para a explosão da integrativa percepção libertária com sua lúcida ação criativa.
O que teremos será sempre, unicamente, a inevitável continuidade do limitante
e conflituoso passado. Mas, ao compreendermos toda essa estrutura, a
significação de nós mesmos, está então lançada, profundamente, essa base e
podemos, então, prosseguir, na descoberta de nossa exata natureza, totalmente
livre da afetação do tempo, portanto, livre do medo.
68
A radical revolução da consciência requer autoconhecimento: o conhecimento
alcançado por nós mesmos e não por meio de doações psicológicas de outrem.
Temos de reaprender a nos conhecer. Aprender não é um movimento de
conhecimentos acumulados. O aprender só pode ocorrer no presente ativo; não
é guardarmos o que aprendemos através da incompleta experiência, de nossas
atividades anteriores, da memória. Se estamos meramente acumulando, não há
o verdadeiro autoconhecimento, não podemos ver a nós mesmos, tal como
realmente somos. Se assim não o fizermos, a ação será produto de idealização
resultante do passado, portanto, nunca poderá apresentar algo novo. Separa-se
a ação da ideia, e daí a perpetuação de uma consciência conflitada, inquieta,
que sempre ajusta sua ação à ideia, ao padrão.
69
Buscamos, porque estamos descontentes, corroídos pela trivialidade, pela
insignificância de nossa existência (afora os conhecimentos técnicos de que
necessitamos para custear nossa existência e ter algum dinheiro, nossa
existência nada tem de significativo, ao ponto de poder ser compartilhado com
as futuras gerações). Há em nós esse enorme vazio, essa solidão, esse doloroso
e desesperador sentimento de insuficiência psicológica; e a fim de preenchê-lo,
buscamos. Mas, como estamos confusos, o que encontramos em meio de nossa
busca, é perpetuação de nossa confusão. Essa confusa busca é algo terrível,
porquanto, não conduz a parte alguma; não dissolve nossa limitada consciência
com base no medo. Portanto, a primeira coisa que devemos fazer, é ter a plena
percepção que temos que morrer psicologicamente para a busca de qualquer
espécie. Esta é uma pílula difícil de engolir, porque já estamos acostumados e
condicionados para buscar por doações psicológicas de terceiros. A busca se
torna um outro meio de fuga ao fato real — impede a libertária percepção
daquilo que realmente somos. É decisivo a plena compreensão disso. Temos
que vestir luto para o nosso buscar, temos que morrer para qualquer busca
psicológica. Só então teremos a possibilidade de saber o que é a liberdade da
autossuficiência psicológica.
70
Temos que morrer para toda forma de busca por doações psicológicas de
terceiros. Porque todo movimento de busca nos dá a ideia de que realmente
estamos nos movendo em direção de algo profundo e significativo; mas o que
acontece de fato é que não estamos em movimento, absolutamente. O que está
ocorrendo, quando buscamos, é um ilusório processo mental, do qual
esperamos resultados satisfatórios. O buscar é um limitante estado estático;
não é um libertário estado ativo. O estado real é essa solidão, esse vazio, esse
doloroso sentimento de insuficiência psicológica, esse incessante desejo de
felicidade, de real contato e comunhão, de descobrir uma realidade
permanente, a natureza exata de tudo que é. O buscar é próprio da mente que
tem medo de si mesma — daquilo que é. O homem que está ativo, o homem
inteiramente sem medo, é uma luz para si mesmo; não tem nenhuma
necessidade de buscar.
71
A radical revolução da consciência requer, em primeiro lugar, a plena percepção
da total superficialidade de nossas vidas; temos de perceber a insignificância de
frequentar um escritório por quarenta anos, e lutar e lutar, até o fim, até à
morte; ou de preencher os esporádicos momentos em que não estamos
ocupados em ganhar dinheiro, a nos entreter com filosofias, crenças ou ideias;
ou, se temos dinheiro, de viajar para certos lugares, para aprender a meditar,
conforme o método de algum guru, e a estar vigilante. Tudo isso é muito
insignificante e infantil! Mas, nós temos de investigar; temos que descer nas
profundezas de nós mesmos; temos de descobrir, de fazer contato, com algo de
verdadeiramente significativo, não inventado pela mente. Para ocorrer a
suprema realização disto, tem de findar o buscar, para enfrentarmos o que
somos, tal como somos — o que HÁ realmente em nós.
72
Essa atenção não se conquista pela forçosa prática — que se torna um ato
mecânico. Com a plena atenção percebemos, por nós mesmos, a total futilidade
do que estamos fazendo e a superficialidade de nossas relações. Percebemos
que os meios maravilhosos que o homem tem inventado, e propagandeado em
coloridas mídias, para fugir de si próprio, e que o impedem de olhar a si mesmo
— ouvir concerto, visitar museus, caras viagens, etc. — não constituem toda a
substância da vida, não nos brinda com a liberdade e a plenitude do viver. A
consciência é sempre limitada, por mais que possamos ou esperamos expandi-
la, por meio de drogas lícitas ou ilícitas, pela prática de certas disciplinas,
sistemas ou programações. Existe sempre o centro observador; e onde existe
um centro de onde parte a observação, a expansão será sempre limitada. O
observador está sempre criando espaço ao redor de si, sendo esse o único
espaço que conhece. Dentro desse limitado espaço, tudo faz para fugir da prisão
que ele mesmo criou. Mas o observador é a coisa observada e, por conseguinte,
as experiências que ele busca, ficam sempre dentro dos estreitos limites
daquele espaço criado por ele próprio, não podem deixar de perpetuar
limitação e conflito. Só quando a mente percebe plenamente, compreende
totalmente a natureza exata do observador e da coisa observada, é que termina
a limitação e o conflito; e a cessação do conflito é essencial para que a mente se
torne completamente tranquila, livre, amorosa, criativa e integrativa. Podemos
então descobrir, “tocar” a essência da existência; não antes disso, não quando
somos imaturos, ambiciosos, invejosos, aquisitivos, apegados, quando estamos
buscando por mais e mais experiências. A mente que examinou e compreendeu
plenamente a ilusão da busca, está livre do medo e, consequentemente, há nela
completa quietação, tranquilidade, silêncio na totalidade das células cerebrais.
A meditação então se torna uma reveladora e maravilhosa atividade.
73
A mente agitada, a mente que tem problemas, a mente que está sempre e
incansavelmente buscando, indagando, criticando e forcejando para não
criticar, essa mente termina quando o observador, que está criando e
alimentando esse movimento, percebe que o buscador é a coisa que ele está
buscando. Esse processo, em seu conjunto, é uma espécie de meditação — sem
auto-hipnose, sem nenhuma exigência de resultado ou desejo. Só então
podemos encontrar, “tocar” aquilo que o homem vem buscando há séculos e
séculos, e que não tem que ver com crença, programação ou religião organizada
— com nenhuma dessas infantilidades. Naturalmente, para poder “tocar” e ser
“tocado” por essa coisa maravilhosa, é preciso existir a transpessoalidade do
amor; o amor que não é prazer, nem desejo.
76
A vida, em seu todo, tem significação, importância, quando, livres plenamente
do medo, tocamos aquela coisa de outra dimensão, a qual o homem tem
buscado. De contrário, nada significa. Não podemos tocar aquela coisa de outra
dimensão, se a mente está inquieta, confusa, se está em guerra consigo mesma.
Que efeito pode ter a revolução radical da mente humana, a plena depuração e
integração das células cerebrais de uma só pessoa, em toda a raça humana? O
indivíduo é a entidade "localizada", a entidade local, condicionada, atual. O ente
humano é muito mais velho, é transgeracional. Se ocorrer uma mutação da
mente da entidade localizada, essa mutação influirá na consciência total, não só
do indivíduo, mas na totalidade da espécie humana? Vemos que a corrupta
sociedade precisa ser alterada, mas como? Percebendo-se os "direitos
adquiridos" dos políticos, dos militares, dos sacerdotes, dos homens de negócio,
é possível essa alteração? Nós somos a sociedade, psicologicamente falando. A
estrutura psicológica da sociedade é o que, psicologicamente, nós criamos. Não
é uma coisa diferente de nós. Nós temos medo, conflito e buscamos por poder,
o que faz de nossa vida, de nossa existência diária, um verdadeiro campo de
batalha. Dizemos: "Quero alterar tudo isso". Podemos fazer essa alteração, ou
devemos nos interessar pelo ente humano total, esse ente humano que vive há
dez mil ou há dois milhões ou há não sei quantos anos? Se for possível a
mutação nele, tudo então estará certo. A mera alteração de uma entidade local,
do indivíduo, não terá muita influência. Se nos limitarmos a cultivar o nosso
quintal, pouca coisa será feita. Mas, se nos interessamos pelo ente humano
total, então, essa mutação da psique — resultante do contato com aquela coisa
de uma dimensão não resultante do pensamento —, influirá sem dúvida na
qualidade de vida da sociedade.
77
Há tantos milhões de entes humanos a se debater na confusão e a viver
materialisticamente, que parece haver pouca esperança de que apareçam
pessoas esclarecidas em número suficiente para mudarem a atual e drástica
rota da consciência humana com base no medo. Mas, não devemos nos
preocupar com a multidão. Nós somos os responsáveis pela descoberta de
novos rumos, pela suprema realização de uma nova maneira de viver, pois
fomos nós que criamos este mundo de conflito, corrupção e violência, com os
nossos pensamentos, sentimentos, crenças e tradições. O ente humano total,
que é cada um de nós, tem de mudar, tem de passar por uma radical e
significativa transformação; precisa descobrir um modo de despertar a
totalidade criativa de suas células cerebrais. Não temos que nos preocupar com
números: temos que ser o “um” na frente do zero. Já se tem feito propaganda
demais. Propaganda nunca é verdade: é mentira! Quando houver amor,
saberemos por nós mesmos, quais são as verdadeiras relações com os homens.
Sem sermos uma manifestação ética de amor, queremos promover uma
mutação na sociedade; queremos mudar o homem; queremos prestar “bons
serviços”; queremos desfraldar bandeiras. Quando formos uma manifestação
ética de amor, não haverá problema algum. Faremos o que quisermos, e
nenhum mal advirá.
78
Não há nenhum guia, nenhum filósofo, nenhum instrutor; ninguém pode nos
guiar, no que diz respeito ao resgate de uma mente original, nova, que funcione
com a totalidade criativa das células cerebrais. Isso já foi tentado em vão. Têm
existido instrutores, gurus, sistemas, programações, salvadores, sacerdotes,
pequenos chefes sectários, com suas idiossincrasias e filosofias infantis; e,
dentre todos esses confusos homens, nenhum resolveu os problemas humanos
relativos ao resultado de todo tipo de adulteração de uma mente com base no
medo: a guerra, a nossa diária aflição, nosso desespero, nosso doloroso
sentimento de insuficiência psicológica, nossas íntimas agonias e inconfessável
solidão. O máximo que nos proporcionaram foram diferentes meios de fuga,
narcóticos que em nós fazem surgir vagas esperanças ou visões de uma nova
maneira de viver; entretanto, nenhuma mudança realmente significativa se
operou ainda; nenhum desses sistemas, métodos, rituais ou programações
conseguiu alterar fundamental e radicalmente a estrutura das células cerebrais,
a qualidade da mente humana.
79
Evidentemente, precisamos nos libertar de nossa tendência de buscar por
recursos externos, para que se torne possível a fundamental e radical
transformação mental-emocional. Isto significa estar livre de toda e qualquer
ligação, intelectual ou de outra natureza, livre de toda e qualquer filosofia,
sistema, método, programação, dogma, para que a mente possa OLHAR. Porque
a mente só está apta para olhar, para explorar, quando não se acha cercada por
seus próprio problemas ou esperanças, vinculada a nenhuma filosofia, nenhum
dogma, nenhuma igreja, a nenhuma ideia pessoal de “deus”. E esta me parece
uma das coisas mais difíceis. O olharmos nossos problemas atentamente, como
entes humanos, requer não só liberdade, mas também um extraordinário
estado de plena atenção.
80
Cabe somente a nós a enorme tarefa de descobrir como depurar a totalidade
das células cerebrais, visto que a maioria não deseja — DE FATO — resolver os
seus problemas resultantes de uma consciência adulterada pela afetação do
medo. Temos que descobrir — e não meramente ficar a tecer achismos
concordantes ou discordantes —, se é possível aos entes humanos libertarem-
se completamente de seu desespero, que dizer, libertarem-se totalmente do
medo e viverem, assim — agora e não num futuro idealizado — uma vida não
limitada pela crença pessoal, pelo tempo; se é possível libertar a mente dos
incontáveis séculos de condicionamento pela propaganda das igrejas, das
religiões, das programações, da família, da sociedade, das insinuações dos
outros, das revistas, dos jornais, dos políticos, dos sacerdotes, dos analistas: ter
uma mente livre. Do contrário, o homem estará condenado a uma eternidade
de ilusões, de penas, aflições e sofrimento.
81
pelas circunstâncias, pela família, pela sociedade, pois uma mudança forçada
pelo externo, não é mudança alguma.
Cabe a nós a emergencial tarefa de investigar, sem busca por qualquer forma de
estímulo externo, se é possível termos o nosso olhar depurado por um insight
integrativo, o qual nos liberte da afetação da carga do passado, da afetação do
medo. Quem precisa de estímulo está na dependência psicológica de outrem,
está vinculado e, consequentemente, não pode saber que o que é liberdade,
portanto, já deixou de investigar. Temos medo de, por nós mesmos, investigar
os nossos problemas, de examiná-los, porque daí poderá resultar uma
revolução totalmente diferente daquela que desejamos. Assim, se desejamos
criar uma nova maneira de viver, dotada daquela região de amorosa lucidez (e
temos que criá-la, pois é a única esperança que resta ao homem), precisamos
de uma mente diferente, uma mente capaz de observar tudo isso, de observar
como vivemos de forma separatista, calculista e autocentrada; capaz de
observar tudo isso e rejeitar total e definitivamente esse antigo modo de viver,
porque só então é possível viver em liberdade, felicidade e amor transpessoal.
82
Precisamos urgentemente descobrir uma nova maneira de viver, um viver onde
nossa sensibilidade se encontra plenamente desperta, assim como o amor, o
qual é a única luz que, uma vez acesa, nunca se apaga. É bem evidente que os
políticos e os religiosos, nunca fora capazes de ascender essa chama em nossa
mente e coração. Eles falam de uma nova ordem mundial, mas nunca foram
capazes de realizá-la. Devemos nos interrogar, não por simples curiosidade,
porém do fundo de nosso desespero, ansiedade e doloroso sentimento de
insuficiência psicológica, qual a significação de tudo isso que o homem acreditar
ser vida. Precisamos nos indagar quanto a direção que estão seguindo os seres
humanos, que tipo de sociedade estamos criando para as futuras gerações.
Temos feito esta pergunta a várias pessoas eminentes, porém elas não possuem
resposta para ela. Todos têm uma fórmula, estão presos numa crença, numa
programação especulativa, numa certa esperança; mas, não se pode construir
uma nova sociedade, uma nova maneira de viver não calculista, não separatista,
não autocentrada, com base em esperanças, fórmulas, crenças, sistemas e
programações. Uma nova sociedade só pode ser edificada por um pequeno
grupo de pessoas dedicadas, não persuadidas pelo medo, pela ambição, pela
avidez, pela busca de prazer imediato. Precisamos encontrar uma resposta para
esta pergunta — não uma resposta sustentada em nossos "achismos", não uma
resposta especulativa, não uma resposta baseada na esperança ou num certo
mito fantástico: É possível a suprema realização de um depurador insight
integrativo, pela qual possamos viver e agir com a totalidade de nossas células
cerebrais, sem que as mesmas sejam adulteradas pela energia do medo e do
atrito?
83
É possível a fazer germinar a semente de uma nova cultura, de uma nova
sociedade, de uma nova mente, não moldada no velho padrão de ajustamento,
o qual se sustenta na ilusão da crença, na autoridade e no atrito? É possível um
novo estado mental que não pertença a religião alguma, a nenhum grupo,
classe, seita, isento das infantilidades que a mente confusa hoje pratica? Não sei
se você já se fez essa pergunta; a maioria de nós provavelmente anda tão
ocupada com seus próprios problemas, seus insignificantes projetos, ou está
presa na armadilha da tradição, a dar voltas e mais voltas, sem ter tempo para
momentos de ócio criativo, momentos de "lazer não condicionado", nem
vigorosa vontade de investigar. Essa é a triste situação da maioria de nós,
portanto, sem a capacidade para responder esta pergunta emergencial. Estará
tudo perdido? Já estará a consciência humana em declínio, sem nunca sequer
ter amadurecido? Bem me parece que os entes humanos, em todo o mundo, já
não tem fé em coisa alguma — nem nos deuses que o homem confuso e
amedrontado criou, nem nos neuróticos cientistas e filósofos, nem nos
corruptos políticos, nem nos livros, nem nos teólogos com seus pensamentos
condicionados. Como não se pode ter mais fé em ninguém, como,
fundamentalmente, também não temos fé em nós mesmos, porque andamos
tão confusos e incertos, tão atormentados por inumeráveis desejos; e como,
enfim, de modo nenhum devemos nos deixar guiar por alguém — cada um de
nós deve ser uma luz para si mesmo, como ente humano. O problema é muito
maior do que a mente pessoal que está tentando resolvê-lo. O desafio é
imenso: encontrar um estado mental, totalmente livre da crença na autoridade,
seja neste mundo ou num outro mundo possível (se é que de fato ele existe).
Temos de enfrentar esse desafio com a compreensão da totalidade deste
84
conturbado mundo humano. Se não encontrarmos uma resposta real,
significativa, nossas vidas continuarão no estado que se encontram agora:
vazias, sem valor e sem nenhum significado.
86
Toda paixão que tem um “motivo pessoal” chega necessariamente a seu fim. E,
para compreender plenamente aquela outra dimensão de amorosa lucidez,
necessitamos daquela intensa e vigorosa paixão que não provém do intelecto
discursivo e tampouco da neurótica emoção ou do confuso sentimento; que não
pode ser despertada pela devoção a uma determinada norma de ação ou
pertencer a um certo grupo político ou religioso. Isso poderá com efeito,
momentaneamente proporcionar uma certa intensidade, um certo ardor, uma
certa impulsão, mas nos referimos a uma paixão mais difícil de se alcançar;
porque a paixão que se requer para qualquer ação assertiva deve ser sem
“motivo pessoal”. Em geral buscamos por satisfação pessoal, intelectual,
emocional, física, e o conforto, em várias formas. Ideológica ou
psicologicamente, exigimos essa satisfação, a qual, enquanto nos preenche, nos
desperta uma certa intensidade. Mas essa intensidade rapidamente declina e
tem de ser renovada, estimulada, impulsionada por doação psicológica de
terceiros, de modo que estamos sempre em busca de uma finalidade, uma certa
continuidade da paixão. Uma vida sem esse intenso ardor, sem essa paixão sem
causa, é inteiramente sem sentido. Pode haver alguma ocasião rara em que a
mente funciona sem “motivo pessoal”, sem desejo de reconhecimento, sem
desejo de satisfação, mas nossa vida e nossa conduta se baseiam, pela maior
parte, no desejo e na busca da continuidade do prazer imediato. A mente que
se acha presa nessa armadilha, condicionada por esse “princípio do prazer
imediato”, não pode descobrir o verdadeiro, não pode estabelecer contato com
aquela imaculada energia amorosa, que é de incondicionada beleza, que é a
essência una de tudo que É.
87