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NÃO ADIE O SEU ENCONTRO COM A ESPIRITUALIDADE por Mario Sergio Cortella

22/07/16

Religião as pessoas podem ter ou não. Já a religiosidade é um elemento estruturante da


existência

Na juventude, o filósofo Mario Sergio Cortella experimentou a vida monástica em um convento


da Ordem Carmelitana Descalça. Durante três anos, aprendeu a viver em comunidade, a não ter
propriedades, a guardar silêncio. Abandonou a perspectiva de ser monge – mas não a
espiritualidade – para seguir a carreira acadêmica. Hoje, com 55 anos, é professor universitário
de educação, conferencista em instituições públicas, empresas e ONGs, comentarista em vários
órgãos da mídia e autor de 10 livros, que prefere chamar de “provocações filosóficas” – José
Tadeu Arantes – Revista Claudia – 12/2009

Sempre é tempo de balanço, de rever trajetórias, de refazer escolhas. Fim de ano nos chama
especialmente para isso. Em meio à correria das compras, dos encontros, dos comes e bebes,
conseguimos um intervalo para a reflexão? Para nos perguntar: afinal, o que estamos fazendo
nesta vida? O filósofo Mario Sergio Cortella tem levado esse tema a vários ambientes. Professor
da Pontifícia Universidade Católica e da Fundação Getulio Vargas, ambas em São Paulo, e da
Fundação Dom Cabral, em Belo Horizonte, ele foi discípulo do educador Paulo Freire e atuou
como secretário municipal de Educação de São Paulo. “Minha pretensão não é dar respostas,
mas elementos para as pessoas formularem melhor suas perguntas”, disse no início da
entrevista.

Em época de Natal, a sensação é de que há algo a mais na atmosfera. Para uns, é encantamento,
elevação. Para outros, apenas nervosismo, que se traduz em febre de consumo, excessos
alimentares e conflitos interpessoais. Existe lugar para a espiritualidade em meio a tanta
agitação?

Em algumas situações, aquilo que chamamos de espírito de Natal” é algo cínico, que agrega os
indivíduos em torno de festividades de conveniência. Mas há muitas pessoas que,
independentemente de serem cristãs ou não, têm, nesta época do ano, uma verdadeira
experiência do “comemorar”. Gosto dessa palavra porque “comemorar” significa “lembrar
junto”. E do que nós lembramos? De que estamos vivos, partilhamos a vida, de que a vida não
pode ser desertificada.

Há uma pulsão de vida.

Claro que, a todo instante, está colocada também a possibilidade de que a vida cesse. Somos o
único animal que sabe que um dia vai morrer. Aquele gato, que dorme ali, vive cada dia como se
fosse o único. Nós vivemos cada dia como se fosse o último. Isso significa que você e eu, como
humanos, deveríamos ter a tentação de não desperdiçar a vida. Escrevi um livro chamado Qual
É a Tua Obra?, que começa com uma frase de Benjamin Disraeli, primeiro-ministro britânico no
século 19. Ele disse: “A vida é muito curta para ser pequena”.

Como não apequenar a vida?

Dando-lhe sentido. A espiritualidade ou religiosidade é uma das maneiras de fazê-lo. A


religiosidade, não necessariamente a religião. Religiosidade que se manifesta como convivência,
fraternidade, partilha, agradecimento, homenagem a uma vida que explode de beleza. Isso não
significa viver sem dificuldades, problemas, atribulações. Mas, sim, que, apesar disso tudo, vale
a pena viver. Meu livro Viver em Paz para Morrer em Paz parte de uma pergunta: “Se você não
existisse, que falta faria?” Eu quero fazer falta. Não quero ser esquecido.

Fale mais da diferença entre religiosidade e religião.

Religiosidade é uma manifestação da sacralidade da existência, uma vibração da amorosidade


da vida. E também o sentimento que temos da nossa conexão com esse mistério, com essa
dádiva. Algumas pessoas canalizam a religiosidade para uma forma institucionalizada, com ritos,
livros – a isso se chama “religião”. Mas há muita gente com intensa religiosidade que não tem
religião. Aliás, em minha trajetória, jamais conheci alguém que não tivesse alguma religiosidade.
Digo mais: nunca houve registro na história humana da ausência de religiosidade. Todos os
primeiros sinais de humanidade que encontramos estão ligados à religiosidade e à ideia de
nossa vinculação com uma obra maior, da qual faríamos parte.

De onde vem essa ideia?


Existe uma grande questão que é trabalhada pela ciência, pela arte, pela filosofia e pela religião.
A pergunta mais estridente: “Por que as coisas existem? Por que existimos? Qual é o sentido da
existência?” Para essa pergunta, há quatro grandes caminhos de reposta: o da ciência, o da arte,
o da filosofia e o da religião. De maneira geral, a ciência busca os comos”. A arte, a filosofia e a
religião buscam os “porquês”, o sentido. A arte, a filosofia e a religião são uma recusa à ideia de
que sejamos apenas o resultado da junção casual de átomos, de que sejamos apenas uma
unidade de carbono e de que estejamos aqui só de passagem. Como milhões de pessoas no
passado e no presente, acho que seria muito fútil se assim fosse. Eu me recuso a ser apenas algo
que passa. Eu desejo que exista entre mim e o resto da vibração da vida uma conexão. Essa
conexão é exatamente a construção do sentido: eu existo para fazer a existência vibrar. E ela
vibra em mim, no outro, na natureza, na história.

Existe também a religiosidade que quer beber diretamente na fonte, que busca a relação sem
mediações com o divino.

O divino, o sagrado, pode ganhar muitos nomes. Pode ser Deus no sentido judaico-cristão-
islâmico da palavra; pode ser deuses; pode ser uma vibração, uma iluminação.
Independentemente de como o denominamos, há algo que reconhecemos como transcendente,
que ultrapassa a coisificação do mundo e a materialidade da vida, que faz com que haja
importância em tudo o que existe. Desse ponto de vista, não basta que eu me conecte com os
outros ou com a natureza. Preciso fazer uma incursão no interior de mim mesmo, em busca da
vida que vibra em mim e da fonte dessa vida. É essa fonte que alguns chamam de Deus. A
conexão com essa fonte é aquilo que os gregos chamavam de sympatheia, que significa
simpatia. Trata-se de buscar uma relação simpática com o divino.

Como você busca essa relação?

De várias maneiras. Às vezes, na forma de um agradecimento. Às vezes, na forma de um pedido.


Às vezes, por meio de uma oração consagrada pela tradição – porque, como dizia Mircea Eliade,
o maior especialista em religião do século 20, “o rito reforça o mito”. Às vezes, recorrendo a um
gesto espontâneo. Outro dia, eu estava em uma cidade litorânea, onde iria palestrar. Em frente
ao hotel, havia uma praia. Caminhando descalço sobre a areia, às 5 e meia da manhã, sentindo o
sol que nascia, me veio um forte sentimento de gratidão e rezei, em silêncio, uma oração, das
consagradas. Já ontem, eu estava reunido com a família em volta da mesa. Diante da cena dos
meus filhos com as esposas, novamente senti gratidão. Ergui a taça de vinho e brindei em
agradecimento por aquele momento. Nem sempre a minha relação é de gratidão. Às vezes, é de
apelo. Na crença, verdadeira para mim, de que a fonte de vida pode reforçar a minha
capacidade de viver, eu peço.

Existe, hoje, um maior impulso para a espiritualidade ou trata-se apenas de mais uma onda
passageira?

Guimarães Rosa disse que “o sapo não pula por boniteza, pula por precisão”. De acordo com o
headhunter e professor de gestão de pessoas Luiz Carlos Cabrera, a grande virada no mundo
empresarial brasileiro ocorreu, de fato, no dia 31 de outubro de 1996 às 8h15, quando um avião
da TAM, com 96 pessoas a bordo, todos eles executivos, exceto a tripulação, caiu sobre a cidade
de São Paulo. Perdi dois amigos de infância nesse acidente. Aquele foi um momento de inflexão
no mundo corporativo. Eu compartilho dessa opinião. As pessoas começaram a pensar: eu podia
estar naquele voo e o que eu fiz até agora? Toda a ânsia que caracteriza o mundo corporativo,
focada no lucro, na competitividade, na carreira, começou a ser relativizada.

Mas existem também fatores de fundo, que afetam o mundo.

É claro. Um fator, talvez o principal, foi que o século 20, apostando na ciência e na tecnologia,
nos prometeu a felicidade iluminada e ofereceu angústia. Em prol da propriedade, sacrificou-se
a vida, a convivência, a consciência. O stress tornou-se generalizado, afetando adultos, jovens e
até as crianças. Há uma grande diferença entre cansaço e stress. O cansaço resulta de um
trabalho intenso, mas com sentido; o stress, de um trabalho cuja razão não se compreende. O
cansaço vai embora com uma noite de sono; o stress fica.

Há uma forte cultura da pressa e da distração.

A tecnologia nos proporcionou a velocidade. Mas, em vez de usá-la apenas para fazer as coisas
rapidamente, nós passamos a viver apressadamente. Assim como existe uma grande diferença
entre cansaço e stress, existe também entre velocidade e pressa. Eu quero velocidade para ser
atendido por um médico, mas não quero pressa durante a consulta. Quero velocidade para ser
atendido no restaurante, mas não quero comer apressadamente. Quero velocidade para
encontrar quem eu amo, mas não quero pressa na convivência. Tempo é uma questão de
prioridades. Muita gente argumenta não ter tempo para a espiritualidade, para cuidar do corpo.
E segue nesse ritmo apressado até sofrer um infarto. Se não for fatal, o infarto funciona como
um sinal de alerta. O dia continua a ter 24 horas, mas quem sobrevive passa a acordar uma hora
mais cedo para caminhar e se exercitar. O impulso espiritual também é um sinal de alerta. Não
há pressa em segui-lo. Mas cuidado: é muito arriscado adiar indefinidamente para o ano que
vem.

https://groups.google.com/forum/#!topic/seara-espirita/Pxfxdy66hwc

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