You are on page 1of 110

EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ


VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD

Coleção Educação a Distância


Série Livro-Texto

Làla Catarina Lenzi Nodari

PSICOLOGIA
E EDUCAÇÃO

Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil


2009
1

EaD
2009, Editora Unijuí Làla C at arina Lenzi Nodari
Rua do Comércio, 1364
98700-000 - Ijuí - RS - Brasil
Fone: (0__55) 3332-0217
Fax: (0__55) 3332-0216
E-mail: editora@unijui.edu.br
www.editoraunijui.com.br
Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Designer Educacional: Liane Dal Molin Wissmann
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)

Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí

N761p Nodari, Làla Catarina Lenzi.


Psicologia e educação / Lála Catarina Lenzi Nodari. –
Ijuí : Ed. Unijuí, 2009. – 110 p. – (Coleção educação a
distância. Série livro-texto).
ISBN 978-85-7429-804-7
1. Psicologia. 2. Educação. 3. Desenvolvimento huma-
no. 4. Aprendizagem. 5. Psicanálise. 6. Behaviorismo. I.
Título. II. Série.
CDU : 159.9
159.9:37

2
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Sumário

CONHECENDO A PROFESSORA ...............................................................................................5

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ......................................................................................7

UNIDADE 1 – A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA .....................................................................9

Seção 1.1 – A Psicologia entre os gregos ................................................................................... 10

Seção 1.2 – A Psicologia na Roma antiga ................................................................................. 12

Seção 1.3 – A Psicologia no Renascimento .............................................................................. 14

Seção 1.4 – A Psicologia como ciência ...................................................................................... 15

Seção 1.5 – Escolas psicológicas ................................................................................................ 17

Seção 1.6 – Teorias atuais ............................................................................................................ 18

UNIDADE 2 – O DESENVOLVIMENTO HUMANO ............................................................. 21

Seção 2.1 – Psicanálise ................................................................................................................. 24

2.1.1 – Psicanálise: alguns conceitos ............................................................................. 29

2.1.2 – A sexualidade infantil .......................................................................................... 33

Seção 2.2 – Epistemologia Genética .......................................................................................... 34

2.2.1 – Períodos da obra ................................................................................................... 37

2.2.2 – Conceitos fundamentais ...................................................................................... 40

2.2.3 – O Desenvolvimento do conhecimento ............................................................... 42

2.2.4 – Pesquisas e pesquisadores atuais ....................................................................... 44

UNIDADE 3 – AS TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUA VISÃO


SOBRE A APRENDIZAGEM ............................................................................ 49

Seção 3.1 – A Psicologia Sócio-Histórica .................................................................................. 49

3.1.1 – Conceitos principais ............................................................................................. 51

3.1.2 – Resumo das idéias principais de Vygostsky ...................................................... 54

Seção 3.2 – A Psicanálise ............................................................................................................. 55

3.2.1 – Resumo das principais idéias de Freud ............................................................. 57

3
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Seção 3.3 – A teoria piagetiana da aprendizagem ....................................................................58

3.3.1 – Resumo das principais idéias de Piaget .............................................................61

Seção 3.4 – Behaviorismo .............................................................................................................63

3.4.1 – Resumo das principais idéias do behaviorismo .................................................65

REFERÊNCIAS ..............................................................................................................................69

ANEXOS .........................................................................................................................................71

A) PARA LER VYGOTSKI: Recuperando Parte da Historicidade Perdida ................................ 71

B) CONHECIMENTO E APRENDIZAGEM ................................................................................ 83

C) PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO:
Pensando a Relação Professor-Aluno a Partir do Conceito de Transferência ............................ 89

D) TEORIAS DE APRENDIZAGEM E O ENSINO/APRENDIZAGEM DAS CIÊNCIAS:


Da Instrução à Aprendizagem ............................................................................................... 94

E) O QUE ACONTECEU COM O BEHAVIORISMO? .............................................................. 104

4
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Conhecendo a Professora

Làla Catarina Lenzi Nodari

Sou professora na Unijuí desde quando ela era ainda Fafi-


Fidene, no ano de 1978. Minha primeira turma de alunas era de
futuras pedagogas. Foram bons tempos e belas experiências, ensi-
nando e aprendendo, trocando e interagindo. Cresci nesses anos
todos e tive ao longo destes 30 anos muitos alunos e muitos cole-
gas. Bons alunos e bons colegas.

Fiz especialização em “Metodologia do Ensino Superior ” no


fim da década de 70. Na década de 80 cursei meu Mestrado em
“Psicologia educacional”, na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. O Doutorado em “Educação”, iniciado no “presente sécu-
lo”, também fiz na Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
concluído em 2007.

Meu primeiro departamento foi o Departamento de Pedago-


gia, no qual ajudei a formar muitas pedagogas, novas professoras
para atuar no ensino básico, médio, administração, orientação e
supervisão em nossas escolas.

Com a criação do curso de Psicologia, que ajudei a estruturar,


passei a atuar em novo departamento, o Departamento de Filoso-
fia e Psicologia, que congrega os cursos de Filosofia e Psicologia.
Atuo no curso de Psicologia, em componentes curriculares como a
Epistemologia Genética, área em que me especializei e realizei
minha tese de Doutoramento. Venho também atuando nos cursos
de formação de professores há 30 anos, com os componentes do
chamado Núcleo Comum das Licenciaturas, com Psicologia e Edu-
cação. Trabalho também com pesquisa, extensão e orientação de
trabalhos de conclusão de curso no curso de Psicologia.

Nos cursos na modalidade Educação a Distância venho tra-


balhando desde sua instituição na Unijuí. É uma nova forma de
atuação e a cada vez que oriento uma nova turma, realizo novas
aprendizagens acerca do ato de ensinar, o que muito me agrada,
pela possibilidade de poder compartilhar o conhecimento.

5
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Considerações Introdutórias

Este Componente Curricular (C.C.), denominado Psicologia e Educação está presente


nos cursos de formação de professores da Unijuí com o objetivo de levar os alunos à reflexão
sobre o que significa ser professor de crianças e adolescentes e isso é feito quando nossa meta
de discutir as questões sobre o desenvolvimento e aprendizagem se consubstancia neste Pla-
no de Ensino, que ora passamos a apresentar. A ementa do C.C prevê o “Estudo da Psicologia
do desenvolvimento humano e dos processos de aprendizagem nas diferentes abordagens teó-
ricas: o behaviorismo, a epistemologia genética, a teoria sócio-histórica e a psicanálise”.1

Neste C.C. apresentaremos idéias introdutórias, questões de ordem geral no campo de co-
nhecimento da Psicologia, com o objetivo de nos localizarmos na ciência psicológica, seu objeto
de estudo, aspectos de sua história e os principais temas que vêm sendo tratados nessa área.

Passaremos num segundo momento a discutir focos específicos, ou seja, o desenvolvi-


mento e a aprendizagem, pois a compreensão do modo como ocorrem esses processos nos
permite conhecer o ser humano em suas múltiplas facetas e explicar a maneira pela qual o
homem se desenvolve, toma conhecimento do mundo (espaço-tempo), inserindo-se nele e
tornando-se sujeito de sua própria história e da história de seu grupo social.

Na discussão sobre o aprender é importante apresentar um conceito que define de


modo amplo o significado desse processo, que envolve o homem e o meio social mais amplo:

Aprendizado ou aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habili-


dades, atitudes, valores a partir do contato com a realidade, o meio ambiente, as outras pessoas.
É um processo que se diferencia dos fatores inatos (...) e dos processos de maturação do organis-
mo, independentes da informação do ambiente (...) (Oliveira, 1995).

A aprendizagem, portanto, é um processo fundamental no desenvolvimento do ser


humano e quando estamos nos referindo à importância da aprendizagem para o homem,
temos de necessariamente abordar a educação e o ensino, uma vez que são processos inti-
mamente ligados.

A Psicologia, ao estudar a aprendizagem, tem trazido contribuições significativas no


aspecto teórico em si e na prática pedagógica, pois da compreensão do processo de aprendi-
zagem, da análise de diferentes explicações psicológicas desse processo, algumas conver-
gentes e outras divergentes entre si, é que dependerão a escolha do método de ensino, a
organização dos programas e objetivos e, principalmente, uma postura profissional coeren-
te, fundamentada cientificamente e necessária à mudança que se exige diante das condi-
ções de ensino-aprendizagem em nossa realidade.

1
Ementa conforme registrada no Plano Político-Pedagógico dos cursos de formação de professores da Unijuí.

7
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Premissa Os estudos e pesquisas realizados pelos psicólogos acerca


Do latim praemissa. Uma da aprendizagem resultaram no surgimento de diferentes concei-
proposição que permite a
chegar a uma conclusão.
tos e definições, conforme as diversas teorias, uma vez que cada
uma explica de forma peculiar a natureza dos processos e meca-
nismos em jogo na aprendizagem.

Estudaremos as principais teorias psicológicas que tratam


da questão da aprendizagem. Sua análise nos permitirá discutir
os processos de aprender e de ensinar.

A teoria comportamentalista é a mais clássica teoria psico-


lógica sobre a aprendizagem. Seu principal representante é
Burrhus Frederic Skinner. Para este autor, o comportamento e a
aprendizagem são resultantes de estímulos ambientais. Sua teo-
ria se fundamenta no poderoso papel da recompensa ou reforço e
parte da premissa de que toda ação que produza satisfação ten-
derá a ser repetida e aprendida.

A teoria piagetiana, ou Epistemologia Genética, é aquela


que é popularmente conhecida nos meios pedagógicos como
construtivismo. O seu autor é Jean Piaget. Segundo ele, o desen-
volvimento do conhecimento é a base onde se assenta a aprendi-
zagem. Esta é um conjunto de modos próprios que o homem cons-
trói para se adaptar aos novos conhecimentos. Ocorre como um
processo de contínua construção.

A contribuição de Lev Semenovich Vygotsky é uma reflexão


acerca dos processos histórico-sociais na aprendizagem. Para este
autor, o que possibilita o despertar dos processos internos do in-
divíduo se dá a partir do ambiente sociocultural. Sua principal
idéia sobre a aprendizagem passa pela atuação do professor na
Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).

A Teoria Psicanalítica foi pensada por Sigmund Freud. Na


sua concepção, o processo do aprender depende da razão que
motiva a busca do conhecimento. O ato de aprender pressupõe
sempre uma relação com outra pessoa, a que ensina. Não há en-
sino sem professor. Aprender é aprender com alguém.

Como já referido, os estudos e pesquisas realizados pelos


psicólogos acerca da aprendizagem resultaram no surgimento de
diferentes conceitos e definições da aprendizagem, conforme as
diversas teorias, posto que cada uma explica de forma peculiar a
natureza dos processos e mecanismos em jogo na aprendizagem.

8
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Unidade 1

A PSICOLOGIA COMO CIÊNCIA Etimológica

Refere-se à etimologia (do


grego antigo ετιµολογια,
Vejamos inicialmente o que é a Psicologia a partir de sua composto de ετιµο - origem
(das palavras) + λογια -
defini ção etimo ló gica . E la se refe re ao e studo da alma
”logia”), a parte da gramática
(psyche+logos=mente+ conhecimento). que trata da história ou origem
das palavras e da explicação do
Durante muitos séculos a Psicologia foi pensada pelos filó- seu significado por meio da
análise dos elementos que a
sofos como o saber acerca da alma. Tratar-se-ia de uma realidade
constituem. Em outros termos,
metafísica, ou seja, uma realidade fora do alcance dos nossos é o estudo da composição dos
vocábulos e das regras de sua
sentidos, que não pode ser objeto de qualquer experiência ou
evolução histórica.
vivência. Esta definição não parece plenamente satisfatória, pois
Veja mais em:
a palavra “alma” tem significados muito diversos, contudo sem- <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Etimologia>.
pre se colocaram questões ao homem sobre si próprio e sobre o
que popularmente se designa de alma.

Todo o período anterior ao século 19 caracterizou-se por


ser uma fase preponderantemente especulativa, em que a Psico-
logia era um campo acessível a filósofos, médicos e romancistas.

Imagem de psychè e cupido, museu do Louvre,


escultura de Antonio Canova Disponível em:
<http://aterceiramargemdosena.blogspot.com/2008/07/eplogo-ou-o-
prefcio-de-vida.html>. Acesso em: 28 maio 2009.

9
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Quando estudamos a Psicologia necessário se faz também que realizemos um breve


percorrido em sua constituição indo às raízes primeiras, a Filosofia.

Como as demais ciências, também a Psicologia surgiu a partir das necessidades cultu-
rais de entendimento do ser humano, buscando corresponder ao desejo do homem de com-
preender a si mesmo.

A seguir você vai conhecer um pouco da história da Psicologia na Grécia e Roma anti-
gas e no Renascimento. Você entenderá como a Psicologia tornou-se ciência. Poderá fazer
um breve percorrido pelas principais escolas psicológicas, tema aprofundado nas unidades
posteriores, e finalmente as teorias psicológicas atuais.

Seção 1.1

A Psicologia Entre os Gregos

Os primeiros dados histórico-filosófico-científicos da Psicologia estão na Grécia anti-


ga. Desse período destacamos as concepções de Sócrates, Platão e Aristóteles.

Sócrates viveu de 469 a 339 a.C, em Atenas. Seu postulado central era a razão como
principal característica humana, e afirmava ser ela a possibilitar aos homens sobrepujar os
instintos.

Imagem de Sócrates

Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/


escola/academia/platao.htm> – Acesso em: 28 maio 2009

10
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Platão viveu de 427 a 347 a. C. e avança seu pensamento definindo a cabeça como o
lugar da razão, enquanto a medula estabeleceria a ligação entre a alma e o corpo. Segundo
ele, com a morte a matéria desaparecia e a alma teria liberdade para habitar outro corpo.

Imagem de Platão

Disponível em: <http://www.pucsp.br/pos/cesima/schenberg/platao.htm>


Acesso em: 28 maio 2009.

Aristóteles nasceu em 384 e morreu em 322 a.C. Estudou Medicina e História da Filo-
sofia. Afirmava que a observação é a forma de explicação dos eventos naturais. Assegurava
que a psychè é o princípio ativo da vida e que tudo que nasce, cresce e se alimenta possui
então, alma. Até mesmo animais e vegetais, que possuiriam alma vegetativa. Os animais
teriam essa mesma alma acrescida de uma sensitiva. No homem, encontraríamos além des-
tas a alma racional, que lhe daria a função de pensar. Ele dissocia alma e corpo.

Imagem de Aristóteles

Disponível em: <http://filosofiagrega.zip.net/>


Acesso em: 28 de maio de 2009.

11
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Como você pode perceber, muito tempo antes da ciência psicológica os gregos já havi-
am formulado teorias sobre o homem: a teoria de Platão, que postulava a imortalidade da
alma, separada do corpo, e a de Aristóteles, que definia a alma em sua relação com o corpo.

Seção 1.2

A Psicologia na Roma Antiga

No Império Romano a Psicologia liga-se à religião na medida em que essa época se


caracteriza pelo surgimento e desenvolvimento do cristianismo. A religião assume o status
de ciência. Destacamos Santo Agostinho, que viveu de 354 a 430 a. C. e São Tomás de
Aquino, que viveu bem mais tarde, entre 1225 e 1274 d. C.

Imagem de Santo Agostinho

Disponível em: <http://www.feparana.com.br/biografia.php?cod_biog=255>


Acesso em: 28 maio 2009.

Santo Agostinho comunga das idéias de Platão, acreditando que a alma encontra-se
separada do corpo. Ela é a manifestação de Deus no homem, o que permite que este se torne
imortal. Por considerar a alma o lugar do pensamento, a Igreja quer compreendê-la. Na
alma existiriam três faculdades: a memória, a inteligência e a vontade, sendo esta a mais
importante pelo fato de participar dos atos do espírito e tornar-se o centro da personalidade
no homem.

São Tomás de Aquino viveu no período de transição e ruptura da Igreja Católica. Sur-
ge, então, o protestantismo. A partir dessa crise a Igreja passa a se perguntar acerca dos
conhecimentos que vem produzindo.

12
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Psiquismo

Do grego antigo πσψχηε +


ισµο. Conjunto de característi-
cas psicológicas de um
indivíduo ou o conjunto de
fenômenos psíquicos e
processos mentais.

Veja mais em:


<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Psiquismo>.

Imagem de Tomás de Aquino

Disponível em:<http://www.diocesefranca.org.br/boletim/jan2006/
bd-materia2.html> –
Acesso em: 28 maio 2009.

A visão de Tomás de Aquino sobre o ser humano é de que os


seres vivos seriam agentes e pacientes de suas ações. Para ele, a
alma é anterior ao corpo e o anima, lhe dá vida. A alma é consti-
tuinte do ser.

Ele inspira-se em Aristóteles e estabelece distinção entre


essência e existência e lhe dá caráter religioso. Deus seria, então,
o caminho para unir essas duas qualidades, por meio da procura
da perfeição, que se daria pela busca de Deus. Segundo Bock, ele
“encontra argumentos racionais para justificar os dogmas da Igre-
ja (...) garantindo para ela o monopólio do estudo do psiquismo”
(1999, p. 35).

Estudava-se ainda o comportamento do homem em relação


à questão da educação na Academia de Platão, no Liceu de
Aristóteles e no Museu de Alexandria.

13
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Seção 1.3

A Psicologia no Renascimento

O Renascimento, que como seu nome indica, buscava ilustrar uma fase de “chegada
de novas coisas”. É um período riquíssimo de avanços no conhecimento humano. Novas
terras são descobertas e riquezas são produzidas e acumuladas. Formam-se nações como a
França, Espanha, Itália e Inglaterra. O capitalismo emerge e com ele novas formas de orga-
nização humana do ponto de vista da economia e da sociedade. O homem passa a ser visto
de forma diferente e se torna mais valorizado.

Uma geração envelhece, enquanto a outra cresce. No meio de tudo isso, a história segue
seu curso... antiguidade é a infância da Europa. Depois vem a longa Idade Média, o período
escolar da Europa já passou. E agora, o Renascimento. O longo período escolar já passou e a
jovem Europa quer finalmente se lançar à vida (Gaarder, 1985).

Nas artes, surgem novos artistas inigualáveis, como Dante Allighieri e sua “Divina
Comédia”, Rembrandt com sua obra em destaque e caracterizadora desse novo tempo, “Li-
ção de Anatomia”. É o período de Leonardo da Vinci e Michelângelo. Na Filosofia, Maquiavel
cunha sua obra clássica sobre política, “O Príncipe”.

Imagem de Dante com a Divina Comédia

Disponível em: <http://www.stelle.com.br/pt/domenico.html> Acesso em: 28 maio 2009.

A ciência avança de modo impressionante e podemos destacar ainda o pensamento de


Copérnico, que afirma que a Terra não é o centro do Universo em sua obra Sobre as Revolu-
ções das Esferas Celestes. Galileu Galilei, polêmico à época, afirma, a partir de seus estudos
de Física, que a Terra se move.

14
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

O filósofo René Descartes postula a separação entre alma (mente, numa linguagem
psicológica) e corpo. Estabelece-se o dualismo mente-corpo, o que torna possível os primei-
ros estudos do corpo humano morto, o que antes não ocorria por que a Igreja sacralizava o
corpo. Essa nova possibilidade é retratada por Rembrandt em Lição de Anatomia. O estudo
de Anatomia e Fisiologia, propiciado por essa visão, permite que também a Psicologia avan-
ce como conhecimento mais específico acerca do homem.

Imagem de Lição de Anatomia

Disponível em: <http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/pinturas.html>


Acesso em: 28 maio 2009.

Seção 1.4

A Psicologia como Ciência

A partir do século 19, a ciência passa a se tornar a forma por excelência de conheci-
mento, sendo convocada a explicar as inovações surgidas.

A Psicologia, como campo de conhecimento, transforma-se, cresce e avança vertigino-


samente. Isso faz com que ocorra um distanciamento da Filosofia, embora sem negar a
importância fundamental do pensamento filosófico no estudo do homem, porém necessário
se fazia a produção do conhecimento do campo específico, a partir das possibilidades de
comprovação que a ciência aponta.

15
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

O objetivo primeiro passa a ser a definição de um objeto de estudo para a Psicologia,


seu campo de investigação e seus métodos, o que permitirá a construção de teorias consis-
tentes para o conhecimento do homem. Os temas e problemas da Psicologia passam a ser
estudados pela Medicina, pela Fisiologia e Neurofisiologia, Neuroanatomia e Psicofísica,
com foco no sistema nervoso central. Segundo Bock, “para conhecer o psiquismo humano
passa a ser necessário compreender os mecanismos e o funcionamento da máquina de pen-
sar do homem – seu cérebro” (1999, p. 39).

Em torno de 1850, Fechner e Weber formulam uma lei que passou a ser conhecida
como “lei de Fechner-Weber ”1 e que consiste na relação entre um estímulo e uma sensação,
permitindo com isso sua mensuração.

Grande contribuição ao avanço da Psicologia, como ciência também, é o trabalho de


Wilhelm Wundt (1832-1926), com a criação do laboratório de Psicofisiologia, na Universida-
de de Leipzig (Alemanha), em 1879. Em virtude de seus estudos ele foi considerado o “pai”
da Psicologia Científica.

Imagem do primeiro laboratório de Psicologia, Wundt e seus colaboradores

Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Wilhelm_Wundt>. Acesso em: 28 maio 2009.

1
Pierre Bouguer (1760) e depois Ernst Heinrich Weber (1831) estudaram a menor variação perceptível para determinados estímulos.
Para isso apresentaram estímulos variáveis a diversos indivíduos para determinar o funcionamento quantitativo de diversos tipos de
percepção. A lei de Bouguer-Weber estipulava que o limiar sensorial (a menor diferença perceptível entre dois valores de um estímulo)
aumenta linearmente com o valor do estímulo de referência. O médico Gustav Fechner (inventor do termo psicofísica) modificou essa
lei para que ela se tornasse válida aos valores extremos do estímulo: “a sensação varia como o logaritmo da excitação”. Esta lei pode
ser aplicada a diversas formas de percepção. Não se sabe ao certo a causa neurológica dessa lei, mas ela pode ser percebida em diversos
fenômenos da percepção (<http://pt.wikipedia.org/wiki>).

16
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Ele define a Psicologia como uma ciência da consciência e desenvolve estudos sobre o
“paralelismo psicofísico”, que consiste no entendimento de que fenômenos mentais/psíqui-
cos correspondem a fenômenos orgânicos. Seu método é denominado de método
introspectivo2 .

Por intermédio dos estudos que passam a se tornar mais aprofundados, define-se o
objeto de estudo da Psicologia como sendo o comportamento, a consciência e a vida psíqui-
ca. O campo de estudos é, então, delimitado. Novos métodos passam a ser elaborados ao
mesmo tempo que novas teorias são formuladas, o que permite o avanço e o estabelecimen-
to definitivo da Psicologia. Fundam-se escolas psicológicas, que serão apresentadas a se-
guir, sucintamente.

Seção 1.5

Escolas Psicológicas

São três as principais escolas da Psicologia:

a) O funcionalismo, fundado por William James (1842-1910) nos Estados Unidos. O funci-
onalismo dá ênfase à natureza dinâmica e mutável da atividade mental: descobre como o
pensamento, as emoções e outros processos satisfazem às necessidades do organismo e
como este se ajusta ao meio ambiente. Procura dar uma abordagem genética aos proble-
mas psicológicos.3 Resumindo, essa escola estabelece como objeto de estudo para a Psi-
cologia a “consciência”, buscando compreender seu modo de funcionamento.

b) O estruturalismo é estabelecido especialmente por Titchner (1867-1927). O termo estru-


turalismo tem origem no Cours de linguistique générale, de Ferdinand de Saussure (1916),
que se propunha a abordar qualquer língua como um sistema no qual cada um dos ele-
mentos só pode ser definido pelas relações de equivalência ou de oposição que mantém
com os demais elementos. Esse conjunto de relações forma a estrutura.4 Essa escola, por-
tanto, parte da análise dos sistemas ou estruturas, investigando as relações e as funções
dos elementos que os constituem.

2
Tal método permite o estudo das emoções pela observação e reflexão por parte do próprio sujeito acerca de suas emoções, sendo
ao mesmo tempo sujeito e objeto de estudo num processo de auto-observação.
3
Disponível em: <http://penta.ufrgs.br/~luis/Funcionalismo.html>. Acesso em 19 abr. 2009.
4
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Estruturalismo>. Acesso em 19 abr. 2009.

17
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

c) O associacionismo, representado por Edward Lee Thorndike (1874– 1949). As leis da


associação surgem com Locke, mas são mais tarde formuladas com mais exatidão por
David Hume, considerado o expoente máximo desta teoria. Segundo Hume, o conheci-
mento humano está constituído exclusivamente por impressões e idéias. Para ele, estas
associam-se principalmente quando existe entre elas uma proximidade espacial, quando
são semelhantes e sempre que se possa estabelecer uma relação de causa-efeito entre os
acontecimentos que elas representam. As impressões seriam os dados primitivos recebidos
através dos sentidos, enquanto as idéias seriam as cópias que a mente recolhe dessas
mesmas impressões. Assim, o conhecimento tem origem nas sensações e nada do que
tange ao conhecimento poderia conter informação que não houvesse sido recolhida previ-
amente pelos sentidos. As sensações não têm valor em si mesmas. O núcleo central dessa
teoria psicológica baseia-se no princípio de que o conhecimento é alcançado mediante
associações, seguindo os princípios de semelhança, continuidade espacial e temporal e
causalidade 5. Nesse sentido, essa escola trata da possibilidade de que a aprendizagem
ocorra por um processo de “associação de idéias”, partindo-se das simples para chegar às
complexas. A aprendizagem ocorreria, então, por uma cadeia de associações.

São estas escolas que deram origem às teorias psicológicas, assim como as conhece-
mos atualmente.

Seção 1.6

Teorias Atuais

Destacamos a seguir as principais teorias psicológicas do século 20.

a) A Psicanálise: que trataremos nas Unidades “2” e “3”. Esta teoria foi desenvolvida por
Sigmund Freud (1856-1939). É um método de investigação cujo objeto principal é o “in-
consciente”, sendo também a denominação dada ao tratamento ou prática clínica, subsi-
diada pela teoria e pela investigação.

b) O Behaviorismo: esta teoria será abordada na Unidade “3” . Seu fundador foi John
Watson (1878-1958). Ele afirmava que o comportamento é o objeto de estudo da ciência
psicológica e o qualifica como observável e mensurável, o que permitiria experimentos em
situações diversas, mantendo sempre o caráter de objetividade científica acerca do objeto
de estudo.

5
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Estruturalismo>. Acesso em: 19 abr. 2009.

18
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

c) A Gestalt: é um termo alemão de difícil tradução. Em português essa teoria é denomina-


da de teoria da “forma ou configuração”. Seus fundadores foram Kurt Koffka (1886-1941)
e Max Wertheimer (1880-1943).

Além da Psicanálise e do Behaviorismo estudaremos ainda a Epistemologia Genética,


fundada pelo suíço Jean Piaget (1896-1980), e as idéias de Lev S. Vygostsky (1896-1934).
Essas últimas são teorias que passaram a ser mais bem conhecidas e estudadas no Brasil a
partir da década de 80.

PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO


BOCK, Ana M. B. et al. Psicologias: uma introdução ao estudo da
Psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999.

GAARDER, J. O mundo de Sofia: Romance da História da Filoso-


fia. São Paulo: Companhia das Letras, 1985.

PENNA, Antonio Gomes. Introdução à história da Psicologia con-


temporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

SCHULTZ, Duane. História da Psicologia Moderna. São Paulo:


Cultrix, 1981.

BARBOSA, Jorge Nunes. Psicologia Cognitiva: História da Psicolo-


gia Científica. Disponível em: <http://homepage.mac.com/jbarbo00/
.Public/PsicCognitivaHist-.Mac.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2009.

SÍNTESE DA UNIDADE
Nesta Unidade você pôde conhecer as principais questões iniciais
para um estudo da Psicologia. De modo breve abordamos a defini-
ção do termo Psicologia e depois traçamos seu movimento históri-
co. Estudamos então como a Psicologia foi sendo pensada e
investigada através dos tempos, com destaque para os períodos
grego e romano, na Antiguidade. Passamos pelas descobertas do
Renascimento, que tiveram grande influência no desenvolvimento
desta ciência, chegando finalmente a descrever todos os movimen-
tos teóricos que ocorreram a partir do século 19, e que foram deci-
sivos para construir a ciência psicológica como a conhecemos nos
dias de hoje.

19
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Unidade 2

O DESENVOLVIMENTO HUMANO
O desenvolvimento do ser humano constitui uma área do conhecimento da Psicologia
que tem como objetivo central a busca por compreender o homem em todos os seus aspectos,
desde os períodos iniciais de vida, ou seja, desde o nascimento, até o momento de maturidade.
Existem muitas teorias que tratam do tema e conforme as diferentes metodologias e pontos de
vista vamos encontrar diversos entendimentos acerca do que seja o desenvolvimento, pois há
uma diversidade de condições de produção da representação do mundo e de vinculações com
conceitos de mundo e homem dominantes em cada momento histórico da sociedade.

Observamos que o estudo da criança é relativamente recente na História da humani-


dade. Até próximo do século 20, as crianças eram vistas como pequenas miniaturas de adul-
to. Eram cuidadas quando muito novas e a partir dos 3 ou 4 anos passavam a participar e a
realizar as mesmas atividades dos adultos, fossem violentas ou não.

Menino trabalhando

Disponível em: <http://www.baciadasalmas.com/2006/a-conturbada-historia-da-familia/>


Acesso em: 28 maio 2009.

A partir do século 17, a Igreja defende que a criança deve ser preservada e afirma que
a vivência com adultos em quaisquer atividades pode causar efeitos danosos a sua formação
moral e de caráter. Foi uma atitude importante, pois começa a mostrar as diferenças entre
adultos e crianças.

21
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

No século 19 e início do século 20 ocorre uma preocupação maior com o estudo sobre
a criança e seu processo educacional, embora ela fosse ainda abandonada e a disciplina
familiar e escolar ainda eram bastante violentas e funcionavam por meio do castigo e do
espancamento.

Somente no século 20 inicia-se o estudo mais científico da criança e começa a se


delinear uma ciência do comportamento infantil, descrevendo inicialmente comportamen-
tos característicos de determinadas fases e organizando escalas de desenvolvimento. Gesell,
nos Estados Unidos, foi pioneiro nesse estudo e realizou uma descrição detalhada e total do
desenvolvimento da criança, realçando com base em pesquisas rigorosas e sistemáticas o
papel do processo de maturação no desenvolvimento. Binet e seu colega Pierre Simon cria-
ram um instrumento para a identificação de crianças com retardamento intelectual que, no
futuro, viesse a prejudicar as chances das mesmas no ensino formal. Pensavam com isso
caracterizar o processo de desenvolvimento da inteligência em função dos problemas lógi-
cos que a maioria das crianças seria ou não capaz de resolver numa determinada idade,
estabelecendo seqüência de tarefas com dificuldades variadas, desde as muito fáceis, que
mesmo crianças muito jovens poderiam realizar, até as mais complexas. Com base nessa
seqüência eles desenvolveram o conceito da Idade Mental de um indivíduo (criança) como
sendo aquela em que a maioria das crianças poderia resolver a tarefa mais complexa que o
indivíduo sendo avaliado era capaz de resolver. Assim, se uma criança resolvesse tarefas
esperadas em sujeitos de 10 anos de idade, sua Idade Mental seria de 10 anos, independen-
temente da sua idade cronológica.

Também Sigmund Freud, a partir de suas descobertas, constata que acontecimentos


vividos na infância marcavam a personalidade adulta. Segundo ele, o curso do desenvolvi-
mento seria fundamental para determinar o futuro do sujeito no que tange a sua saúde
mental e a sua adaptação ao social “normal” ou a uma patologia.

Outro pesquisador de grande relevância do desenvolvimento humano é Jean Piaget,


que investiga por longos anos e constrói uma teoria acerca do desenvolvimento cognitivo.
Nessa teorização ele apresenta o processo cognitivo como uma evolução das formas mais
simples até as mais complexas do conhecimento, ou seja, do conhecimento inicial sim-
ples, direto, sensorial, até o conhecimento complexo, que se apresenta como reflexivo e
científico.

As teorias do desenvolvimento, hoje, permitem que por meio delas possamos estudar
as crianças, bem como adolescentes e adultos, pelas inúmeras possibilidades de aplicação
na clínica, na escola e nas instituições da sociedade mais ampla.

22
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Imagem alusiva ao desenvolvimento humano. Oslo, Noruega

Disponível em:
<http://outofbadluck.wordpress.com/2006/12/08/god-jul/>.
Acesso em: 28 maio 2009.

PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO:


Ariès, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Ja-
neiro: Guanabara, 1981.

______. História da vida privada. São Paulo: Cia da Letras, 1991.

(Trata-se de uma coleção que apresenta um amplo panorama do


século 19 – a época por excelência das concepções sobre a esfera
privada que norteiam ainda hoje a vida social nos países ociden-
tais. Aborda o avanço acelerado da industrialização, a mobilização
dos trabalhadores, a redefinição dos papéis sociais de mulheres e
crianças, e outras transformações profundas desencadeadas pela
Revolução Francesa. As análises estendem-se até a Primeira Guer-
ra Mundial, evento que marcou a precipitação, o bloqueio e o des-
vio da modernidade da qual somos herdeiros diretos).

Conheça a seguir as principais teorias sobre o desenvolvimento humano, com ênfase


para a Psicanálise e à Epistemologia Genética.

23
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Seção 2.1

Psicanálise

Nesta seção você vai estudar alguns conceitos centrais da Psicanálise e saber porque
a sexualidade infantil é tão importante nesta teoria. Antes disso, no entanto, é preciso co-
nhecer um pouco da vida de seu fundador.

Imagem de Freud

Disponível em: <http://www.rodrigues.psc.br/>.


Acesso em: 28 maio 2009.

Sigmund Freud nasceu em 6 de maio de 1856 em Freiberg, Morávia. Recebeu de seu


pai o nome de “Schlomo Sigismund”, e em 1877, passa a se chamar Sigmund.

Mapa do local de nascimento de Freud

Disponível em: <http://www.geocities.com/mhrowell/freudmapa.html>.


Acesso em: 28 maio 2009.

24
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Foi fundador da Psicanálise, ou teoria psicanalítica, campo Patológico

Do grego antigo πατο + λογια.


de estudo sobre o funcionamento e desenvolvimento da mente
Refere-se à doença, tanto física
no homem. Interessa-se tanto pelo funcionamento mental nor- quanto psíquica.
mal quanto pelo patológico. Sua obra anterior aos textos sobre
Psicanálise, compreendendo o período de 1877 a 1886, é com-
posta de 21 artigos sobre diversos temas: neurologia, medicina,
histologia, cocaína. Sua obra sobre Psicanálise compreende 24
livros (dois dos quais com Josef Breuer e um com a colaboração
de William Bullitt) e 123 artigos, além de comentários e prefácios.
Sua obra foi traduzida para cerca de 30 línguas.

Freud era o filho mais velho do terceiro casamento de Jacob


Freud, comerciante de tecidos. Jacob e Amália Freud teriam ain-
da mais sete filhos. A situação econômica da família era difícil e
após um ano em Leipzig, resolveram mudar-se para Viena, na
Áustria. Ali Jacob Freud se estabeleceu com comércio de tecidos,
no bairro judeu de Leopoldstrasse.

Nessa época, Freud passa a trabalhar no Hospital Geral de


Viena acabou por interessar-se pelo caso de uma paciente, que
lhe foi relatado por Josef Breuer, um especialista em doenças ner-
vosas e também adepto da hipnose. A paciente de Breuer chama-
va-se Berta Pappenheim (Anna O.). Na seqüência, algumas ano-
tações sobre o caso.

QUADRO GERAL

• Adoeceu aos 21 anos;

• Inteligente e com dotes poéticos e imaginativos aliados a


um bom senso;

• Não sugestionável, apenas por argumentos;

• Obstinada e solitária;

• Oscilação de humor – exagero na alegria e na tristeza;

• Noção de sexualidade, aparentemente não desenvolvida;

• “Teatro particular ” – devaneios.

25
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

CURSO DA “DOENÇA”

• Incubação latente (1880):

Pai adoeceu e ela o cuidava. Anna O. adoece lentamente, apresenta debilidade, ane-
mia, aversão a alimentos, impossibilidade de cuidar do pai (proibição), tosse (tussis
nervosa típica) motivo/queixa da 1ª consulta com Breuer.

• “Doença” manifesta: Parafasia (utilização de uma palavra por outra) , estrabismo


convergente, graves perturbações da visão, paralisias (contraturas). Trauma psíqui-
co – morte do pai (metade do tratamento).

• Sonambulismo, sintomas crônicos até 1881.

• Cessação gradual dos sintomas até 1882.

SENTIDO DO SINTOMA

TARDE – Necessidade excessiva de repouso.

ANOITECER – Sono

NOITE – Excitação

DEZEMBRO/1880 a ABRIL/1881. Permaneceu de cama.

• Dor de cabeça, estrabismo e queixa de que as paredes do quarto estariam vindo


abaixo, perturbação da visão e paresia (disfunção de movimentos) do pescoço. Re-
sistência da paciente. Sentimento de angústia. Reconhecia o ambiente, melancóli-
ca e angustiada. Alucinações, confusão e lacunas de pensamento (“absences”).

RESISTÊNCIA E TRANSFERÊNCIA

• Oposição tenaz a qualquer esforço terapêutico.

Dissociação. escuridão na cabeça, impossibilidade de pensar, ficar cega e surda, ter


dois eus – um real e um mau.

• Regressão infantil. Desorganização funcional da fala e mutismo.

• Imposição do médico para que falasse. Inibição desapareceu.

Passou a falar apenas o inglês – língua materna, alemão.

• 5/4/1881 – Morte do adorado pai. Dificuldade em reconhecer as pessoas, necessida-


de de fazer um trabalho de reconhecimento.

26
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

• Transferência – Breuer era a única pessoa que Anna O. reconhecia prontamente.

• Permitia que o médico a alimentasse.

• Sob hipnose contava histórias que retratavam uma menina no leito de um pai doen-
te e após a morte do pai as mesmas se tornaram ainda mais trágicas. Alívio ao falar
sobre suas representações para Breuer.

• Cura pela fala – “talking cure”. Transferência abrindo espaço para as associações-
livres. Limpeza de chaminé.

• “Quando me achava presente, esse estado era de euforia, mas em minha ausência
era altamente desagradável e caracterizado por angústia e excitação”.

• Viagem de Breuer impede que haja a “cura pela fala”, pois “foi impossível persuadi-
la a confiar o que tinha a dizer a qualquer pessoa senão eu”.

• Ab-reação – “Seu estado moral era uma função do tempo decorrido desde a última
expressão oral”

• Paciente sente raiva de Breuer.

DISSOCIAÇÃO PSÍQUICA

• 1º momento: Dia x Noite

• 2º momento: Noite – Vivia no inverno de 1881-1882

Dia/Anoitecer – Vivia no inverno de 1880-1881. Esquecia do que ocorrera.

Obs.: O que permanecia consciente era a morte do pai.

Disponível em: <http://psicanalisesaudemental.blogspot.com/2009/02/teoria-do-inconsciente-


caso-anna-o.html>. Acesso em: 7 abr. 2009.

Anna O. tornou-se famosa na obra freudiana. Com 21 anos, era depressiva e hipocon-
dríaca (um quadro na época denominado “histeria”); ela se acreditava paralítica em algu-
mas ocasiões, ou não conseguia beber água mesmo estando com sede, e se sentia incapaz
de falar seu próprio idioma, o alemão, recorrendo ao francês ou inglês para se comunicar.
Breuer submeteu-a à hipnose e ela relatou casos de sua infância, e essa recordação fazia
com que se sentisse bem após o transe hipnótico.

27
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Imagem de Anna O.

Disponível em: <viafreud.blogspot.com/


2007_11_27_archive.html>.
Acesso em: 28 maio 2009.

Profundamente interessado no que ocorria com a pessoa em estado hipnótico, Freud


obtém em 1885 uma bolsa de estudos e passa algumas semanas no Hospital Salpetrière, em
Paris, onde aprendeu a técnica com o psiquiatra Jean Charcot, que realizava experiências
com doentes mentais utilizando a hipnose como método.

Imagem do Hospital Salpetrière

Disponível em: <http://www.alzheimermed.com.br/m3.asp?cod_pagina=1067>


Acesso em: 28 maio 2009.

Freud casou-se com Martha Bernays em 1886. O casal teve seis filhos (Mathilde, 1887;
Jean-Martin, 1889; Olivier, 1891; Ernst, 1892; Sophie, 1893; e Anna, 1895). Inicia, então,
seu trabalho clínico, em consultório próprio, e a partir daí a Psicanálise passa a se constituir
e torna-se seu projeto de vida.

28
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

2.1.1 – PSICANÁLISE: ALGUNS CONCEITOS Topológico

Do grego antigo τοπο + λογια.


1 Em Psicanálise está referido a
O conceito de inconsciente é o suporte da teoria e da prá-
um conceito psicanalítico.
tica psicanalítica. Tem uma dimensão de inatingível e nos impõe Aparece em Freud, em sua
primeira teoria sobre o
permanentemente a questão dos avanços teóricos que se desen-
psiquismo humano.
volvem em torno dele. Freud instituiu o conceito de inconscien-
te. Definiu seu estatuto principalmente em três obras: 1) A Inter-
pretação dos Sonhos; 2) A Psicopatologia da Vida Cotidiana; 3)
Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente. Afirmou em A Inter-
pretação dos Sonhos que o sonho era o caminho para o inconsci-
e nte . Ne sta me sma obra apre senta o pri me i ro esquema
topológico , conhecido também como “a primeira tópica” do apa-
relho psíquico.

Freud “descobre” o inconsciente por intermédio dos estudos


de Breuer, que ocorrem por sua experiência clínica, e também
com o trabalho de Berheim sobre sugestão pós-hipnótica. Obser-
va que existe esse processo inconsciente paralelamente a um que
denomina de consciente.

O trabalho com Anna O. é fundamental para a história do


conceito de inconsciente na Psicanálise. Ela apresentava diver-
sas manifestações físicas, como paralisias, tosses, cegueira, recu-
sa de beber água, mesmo com muita sede. Tinha alterações psí-
quicas que Breuer denominou de “estados de ausência” quando
falava de modo incoerente. Seu quadro foi diagnosticado como
de histeria. Breuer, o primeiro a tratá-la, emprega a hipnose para
acalmá-la durante as sessões. Ele diz palavras que ela própria
teria expresso e a faz associá-las com outras expressões que lhe
viessem à mente, sem censura. Então, a lembrança consciente
do “trauma” que originou tal comportamento histérico descarre-
ga-se emocionalmente e os sintomas desaparecem.

Freud, ao explicitar este primeiro modelo “tópico” (como já


tratado anteriormente), empregou a palavra “aparelho” para ca-
racterizar uma organização psíquica dividida em sistemas, ou
instâncias psíquicas, com funções específicas para cada uma de-
las, que estão interligadas entre si, ocupando um determinado

1
Os conceitos e termos mais importantes estarão sublinhados na primeira vez que forem apresentados.

29
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Atávicos
lugar na mente. A noção de “aparelho psíquico” é, então, um
Do latim atavu. Refere-se à
conjunto articulado de lugares – virtuais. Nesse modelo tópico o
hereditariedade, naquilo que
concerne a características aparelho psíquico é composto por três sistemas: o inconsciente, o
físicas e psíquicas, oriunda de
pré-consciente e o consciente
ascendentes remotos.

O sistema consciente tem a tarefa de receber informações


provenientes do exterior e do interior, que ficam registradas qua-
litativamente de acordo com o prazer ou desprazer que causam,
porém ele não retém esses registros e representações como depó-
sito ou arquivo deles. Assim, a maior parte das funções perceptivo-
cognitivas-motoras – como as de percepção, pensamento, juízo
crítico, evocação, antecipação, atividade motora, etc. – proces-
sam-se no sistema consciente, embora este funcione intimamen-
te conjugado com o sistema inconsciente, com o qual quase sem-
pre está em oposição.

O sistema pré-consciente foi concebido como articulado com


o consciente e trabalha “selecionando” o que pode, ou não, pas-
sar para o consciente. Funciona ainda como um pequeno arqui-
vo de registros, cabendo-lhe sediar a fundamental função de con-
ter as representações de palavra, conforme foi conceituado por
Freud em 1915.

O inconsciente designa a parte mais arcaica do aparelho


psíquico. Por herança genética, existem pulsões, acrescidas das
respectivas energias e “protofantasias”, como Freud denominava
as possíveis fantasias atávicas que também são conhecidas por
“fantasias primitivas, primárias ou originais”. As pulsões estão
reprimidas sob a forma de “ repressão primária” ou de “repressão
secundária”.

É o conteúdo ausente e está no centro da teoria psicanalí-


tica. O adjetivo inconsciente é por vezes aplicado para exprimir o
conjunto dos conteúdos não presentes no campo efetivo da cons-
ciência.

É constituído de conteúdos recalcados aos quais foi recu-


sado o acesso ao sistema pré-consciente/consciente pela ação do
recalque originário e recalque a posteriori. Freud acentuou desde
o início que o sujeito modifica a posteriori os acontecimentos

30
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

passados e que essa alteração lhes confere um sentido e mesmo uma eficácia ou um poder
patogênico. Os seus “conteúdos” são regidos pelos mecanismos específicos do processo pri-
mário, principalmente a condensação e o deslocamento.2

Então, o inconsciente é

... aquilo que escapa da consciência. É constituído por conteúdos reprimidos que não têm acesso
aos sistemas pré-consciente/consciente pela ação de censuras internas. É um sistema do aparelho
psíquico regido por leis próprias de funcionamento (Bock, 1999, p. 65).

Podemos afirmar que os processos inconscientes não conhecem tempos como pas-
sado, presente e futuro. São, portanto, atemporais. Substituem a realidade externa pela
realidade psíquica, que é a realidade “interior ” de cada um, a subjetividade de cada ser
humano.

Freud elabora ainda outros conceitos produzindo a segunda tópica3 ou teoria sobre o
aparelho psíquico. Encontramos aqui o conceito de “id” (isso) . Nessa teorização aparecem
também os conceitos de “ego” (eu) e “superego” (supereu). É importante ressaltar que a
constituição desta “segunda teoria” não anula, não se iguala e nem se sobrepõe à teoria do
insconsciente. Doravante ambas serão consideradas como forma de explicar o aparelho psí-
quico de modo mais completo e complexo.

2
Um dos modos essenciais do funcionamento dos processos inconscientes. Uma representação única representa por si só várias
cadeias associativas (de pensamentos – desejos), em cuja interseção ela se encontra. Do ponto de vista econômico, é então
investida das energias que, ligadas a estas diferentes cadeias, se adicionam nela (Verbete Condensação, in Laplanche; Pontalis,
1987, p. 87).
Fato de a importância, o interesse, a intensidade de uma representação ser suscetível de se destacar dela para passar a outras
representações originariamente pouco intensas, ligadas à primeira por uma cadeia associativa. (...) A teoria psicanalítica do deslocamento
apela para a hipótese econômica de uma energia de investimento suscetível de se desligar das representações e de deslizar por caminhos
associativos (Laplanche; Pontalis, 1987, p. 116).
3
A representação “tópica” exposta no capítulo VII de “A interpretação dos sonhos” fixa a ordem de coexistência das diferentes regiões
do aparelho psíquico, entre cujas extremidades – sensível e motora – se desenrolam os processos.Em nota introduzida numa edição
posterior, contudo, Freud ressalta a insuficiência do esquema anteriormente construído. “O desenvolvimento posterior deste esquema
desdobrado linearmente”, escreve ele então, “deverá levar em conta esta suposição de que o sistema que sucede ao pré-consciente é
aquele a que devemos atribuir a consciência”.
A primeira tópica foi inspirada pela análise do sonho e da histeria. Será sucedida, após 1920, por uma segunda tópica, elaborada em
resposta aos problemas da psicose, que abrange o id, o ego, e o superego. Da primeira, Freud dizia que tinha um valor descritivo, ao passo
que na segunda reconhecemos um valor sistemático. Insatisfeito com o “modelo topográfico”, porquanto este não conseguia explicar
muitos fenômenos psíquicos, em especial aqueles que emergiam na prática clínica, Freud vinha gradativamente elaborando uma nova
concepção, até que, em 1920, mais precisamente a partir do importante trabalho metapsicológico “Além do princípio do prazer”, ele
estabeleceu de forma definitiva a sua clássica concepção do aparelho psíquico, conhecido como modelo estrutural (ou dinâmico), tendo
em vista que a palavra “estrutura” significa um conjunto de elementos que separadamente têm funções específicas, porém são
indissociados entre si, interagem permanentemente e influenciam-se reciprocamente. Ou seja, diferentemente da Primeira Tópica, que
sugere uma passividade, a Segunda Tópica é predominantemente ativa, dinâmica. Essa concepção estruturalista ficou cristalizada em
“O ego e o id”, de 1923, e consiste em uma divisão tripartite da mente em três instâncias: o id, o ego e o superego. Disponível em:
<http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 07 abr. 2009

31
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

O “id”4 é caracterizado como uma instância psíquica que contém o inconsciente e os


desejos. Entende-se que é regido pelo “princípio do prazer ”, e o quer a todo custo, sem
espera e sem limites.

O ego 5 é compreendido como a instância responsável pelo “princípio da realida-


de”. Incumbido da busca do equilíbrio entre o “id” e o “superego”, administrando os
conflitos.

O “superego”6 é o processo de internalização das normas, das proibições, da moral,


dos ideais e exigências sociais e culturais. É regido pelo “princípio da moralidade”. Há o
entendimento de que a formação do superego se dá em duas fases. A primeira é a fase
identificatória, em que o ego se apodera dos investimentos do id, toma-os para si para de-
pois projetá-los nos objetos e, em seguida, introjeta-os pela identificação. A segunda fase

4
Este foi um termo introduzido por Georg Groddeck em 1923 e conceituado por Sigmund Freud no mesmo ano, a partir do pronome
alemão neutro da terceira pessoa do singular (Es), para designar uma das três instâncias da segunda tópica freudiana, ao lado do ego (eu)
e do superego (supereu). O id (isso) é concebido como um conjunto de conteúdos de natureza pulsional e de ordem inconsciente.
Uma das três instâncias diferenciadas por Freud na sua segunda teoria do aparelho psíquico, o id constitui o pólo pulsional da
personalidade. Os seus conteúdos, expressão psíquica das pulsões, são inconscientes, por um lado hereditários e inatos e, por outro,
recalcados e adquiridos. Do ponto de vista “econômico”, o id é, para Freud, o reservatório inicial da energia psíquica. Do ponto de vista
“dinâmico”, ele abriga e interage com as funções do ego e com os objetos, tanto os da realidade exterior quanto aqueles que,
introjetados, estão habitando o superego, com os quais quase sempre entra em conflito, porém, não raramente, o id estabelece alguma
forma de aliança e conluio com o superego. Do ponto de vista “genérico”, são as suas diferenciações. Do ponto de vista “funcional”,
ele é regido pelo princípio do prazer; logo pelo processo primário. Disponível em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/
segundatopica.html>. Acesso em: 7 abr. 2009.
5
É um termo empregado na Filosofia e na Psicologia para designar a pessoa humana como consciente de si e objeto do pensamento.
Retomado por Sigmund Freud, esse termo designou, num primeiro momento, a sede da consciência. O ego (eu) foi então delimitado num
sistema chamado primeira tópica, que abrangia o consciente, o pré-consciente e inconsciente. A partir de 1920 o termo mudou de
estatuto, sendo conceituado por Freud como uma instância psíquica, no contexto de uma segunda tópica que abrangia outras duas
instâncias: o superego e o id. O ego tornou-se então, em grande parte, inconsciente.
Essa segunda tópica (id, ego, superego) deu origem a três leituras divergentes da doutrina freudiana: a primeira destaca um eu concebido
como um pólo de defesa ou de adaptação à realidade Do ponto de vista tópico, o ego está numa relação de dependência tanto para com
as reivindicações do id quanto para com os imperativos do superego e exigências da realidade. Embora se situe como mediador,
encarregado dos interesses da totalidade da pessoa, a sua autonomia é apenas relativa. Do ponto de vista dinâmico, o ego representa
essencialmente, no conflito neurótico, o pólo defensivo da personalidade; põe em jogo uma série de mecanismos de defesa, estes
motivados pela percepção de um afeto desagradável (sinal de angústia). Do ponto de vista econômico, o ego surge como um fator de
ligação dos processos psíquicos; mas, nas operações defensivas, as tentativas de ligação da energia pulsional são contaminadas pelas
características que especificam o processo primário: assumem um aspecto compulsivo, repetitivo, desreal.
A teoria psicanalítica procura explicar a gênese do ego em dois registros relativamente heterogêneos, quer vendo nele um aparelho
adaptativo, diferenciado a partir do id em contato com a realidade exterior, quer definindo-o como o produto de identificações que
levam à formação no seio da pessoa de um objeto de amor investido pelo id. Relativamente à primeira teoria do aparelho psíquico, o
ego é mais vasto do que o sistema pré-consciente consciente, na medida em que as suas operações defensivas são em grande parte
inconscientes.Freud descreveu o ego como uma parte do id, que por influência do mundo exterior, ter-se-ia diferenciado. Disponível
em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 7 abr. 2009.
6
É uma das instâncias da personalidade tal como Freud a descreveu no quadro da sua segunda teoria do aparelho psíquico: o seu papel é
semelhante ao de um juiz ou de um censor relativamente ao ego. Freud vê na consciência moral, na auto-observação, na formação de
ideais, funções do superego.Classicamente, o superego é definido como herdeiro do complexo de Édipo; constitui-se por interiorização
das exigências e das interdições parentais. Alguns psicanalistas recuam para mais cedo a formação do superego, vendo esta instância em
ação desde as fases pré-edipianas (Melanie Klein) ou pelo menos procurando comportamentos e mecanismos psicológicos muito
precoces que seriam precursores do superego. Disponível em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html, Acesso
em: 7 abr. 2009.

32
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

compreende a resolução do complexo de Édipo,7 quando surge a instância superegóica pro-


priamente dita, com a internalização da lei paterna e o aparecimento do sentimento incons-
ciente de culpa.

2.1.2 – A SEXUALIDADE INFANTIL

Este tema é central na obra freudiana e ele surge a partir do trabalho clínico, apontando
elementos da sexualidade na produção de sintomas em pacientes adultos, portanto, emoções ou
traumas vividos na infância se expressavam por meio de sintomas. Os elementos de sua clínica
apontam, então, para o reconhecimento da sexualidade como elemento a ser considerado desde a
infância e isso permite que ele desenvolva sua teoria sobre a sexualidade infantil. Se a sexualida-
de infantil ainda não era referida nos discursos, ela de alguma forma já se fazia notar por meio de
ameaças práticas; a primeira, pela negação pura e simples da existência de uma sexualidade na
infância e a segunda pela amnésia que incide sobre os primeiros anos da infância. Recusando
estes conceitos, está-se negando os próprios impulsos sexuais infantis. Nesse sentido, sua propo-
sição sobre a sexualidade infantil escandaliza a sociedade da época, porém Freud “acreditava que
o padrão de personalidade do adulto era estabelecido no começo da vida, estando quase comple-
tamente formado por volta dos cinco anos” (Freud, apud Schultz, 1981, p. 346).

PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO


Ψ – Há uma produção cinematográfica de 1964, dirigida por John
Huston, que trata da vida e obra de Freud, denominada “Freud
além da alma”. É um “filme acadêmico, inteligente e instigante,
que permite uma melhor compreensão da teoria freudiana sobre o
funcionamento do Inconsciente humano e o modo como o pensa-
mento psicanalítico irrompeu na sociedade vienense e depois no
mundo” (Análise do Curitiba Cineclube).

7
O complexo de Édipo é um conceito fundamental para a Psicanálise e caracteriza-se por sentimentos contraditórios de amor e
hostilidade. Metaforicamente, este conceito é visto como amor à mãe e ódio ao pai, mas esta idéia permanece, apenas, porque o mundo
infantil resume-se a estas figuras parentais ou aos representantes delas. A idéia central do conceito de complexo de Édipo inicia-se na
ilusão de que o bebê tem de possuir proteção e amor total, o que é reforçado pelos cuidados intensivos que o recém-nascido recebe por
sua condição frágil. Esta proteção é relacionada, de maneira mais significativa, à figura materna. Mais ou menos aos três anos, a criança
começa a entrar em contato com algumas situações em que sofre interdições. Estas interdições são facilmente exemplificadas pelas
proibições que começam a acontecer nesta idade. A criança não pode mais ter certos comportamento, deve agora sentar de forma
correta e controlar o esfíncter. Neste momento, a criança começa a perceber que não é o centro do mundo e precisa renunciar ao mundo
organizado em que se encontra e também à sua ilusão de proteção e amor total. O complexo de Édipo é muito importante porque
caracteriza a diferenciação do sujeito em relação aos pais. A criança começa a perceber que os pais pertencem a uma realidade cultural
e que não podem se dedicar somente a ela porque possuem outros compromissos, como é o caso do trabalho, de amigos e de todas as
outras atividades. A figura do pai representa a inserção da criança na cultura, é a ordem cultural. A criança também começa a perceber
que o pai pertence à mãe e por isso dirige sentimentos hostis a ele. Estes sentimentos são contraditórios porque a criança também ama
esta figura que hostiliza. A diferenciação do sujeito é permeada pela identificação da criança com um dos pais. Com o aparecimento do
complexo de Édipo, a criança sai do reinado dos impulsos, dos instintos, e passa para um plano mais racional.

33
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Seção 2. 2

Epistemologia Genética

JEAN PIAGET

Disponível em:
<http://famous-relationships.topsynergy.com/
Jean_Piaget/Motivation.asp>.
Acesso em: 28 maio 2009.

Nesta seção você vai ser apresentado a Piaget e sua teoria: a Epistemologia Genética.
Vai conhecer alguns fatos que o levaram à pesquisa que originou esta teoria do desenvolvi-
mento e seus conceitos fundantes. Também vai saber como Piaget entendia e organizava o
desenvolvimento do conhecimento e concluir que sua obra está mais viva do que nunca,
sendo alvo de pesquisas pelo mundo afora.

Jean Piaget, fundador da Epistemologia Genética, nasceu em Neuchâtel, Suíça, no


dia 9 de agosto de 1886, e morreu em Genebra em 16 de setembro de 1980. Na infância
revelava grande curiosidade pela mecânica, fósseis e zoologia, o que o levou a uma forma-
ção acadêmica em Biologia. Concluindo seus estudos de Ensino Médio, atuou voluntaria-
mente no Laboratório do Museu de História Natural, de Neuchâtel, dirigido por Paul Godet,
um especialista em moluscos (malacologia), classificando-os. Esta atividade o faz perceber
a plasticidade e a possibilidade adaptativa dos seres vivos, o que mais tarde o inspiraria em
seu trabalho na busca de respostas pelo processo de modificação do conhecimento humano,
quando descobre que a estruturação cognitiva ocupa-se da função adaptativa, porém de
uma forma particular e especialíssima. Trabalhando nesse laboratório escreveu vários tex-
tos, alguns publicados pelo Museu de História Natural de Genebra, na Lamarck Collection
e na Revue Suisse de Zoologie.

Com a formação científica em Biologia,8 interessou-se também pela Filosofia e por


intermédio de seu padrinho, Samuel Cornut, aos 16 anos aproximou-se da obra de Henri
Bergson, dedicando-se especialmente ao estudo de “A Evolução Criadora” (L’Evolution
Créatrice, de 1905), a qual veio a influenciar sua futura obra na Epistemologia Genética. A

8
“A despeito de seu duplo interesse pela ciência natural e pela filosofia e a formação que adquiriu nestes domínios (em particular no
primeiro) Jean Piaget não se tornou biólogo (...) nem filósofo.” (Montangero; Maurice-Naville, 1998. p. 19).

34
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Filosofia bergsoniana contribui com sua formação teórica, con- Apriorismo e Inatismo

Do latim apriori + ismo, e


ci li ando sua e ducação ci e nt í fi ca com suas di sposi çõe s
i+nato + ismo, em que o “i”
especulativas. No campo da Filosofia estuda também Immanuel significa negação. Trata das
explicações que admitem a
Kant,9 Herbert Spencer e Auguste Comte. Na área da Psicologia
existência de idéias anteriores
interessa-se por William James, Pierre Janet e James Baldwin, (ao nascimento do homem,
por exemplo).
este um dos primeiros psicólogos a trabalhar conceitos afiliados
à Psicologia Genética.10 Sua formação no campo da Lógica e da
Matemática está ligada a Arnold Reymond, André Lalande, Léon
Brunschvicg e Poincaré. Em Sociologia, interessou-se pela obra
de Durkheim e Gabriel Tarde, esta última relacionada à noção de
totalidade, o que influenciará seus primeiros trabalhos na área
da epistemologia.

Atuando como professor, ensinou Filosofia e História das


Ciências na divisão de ciência da Universidade de Neuchâtel. Re-
cebeu em 1918 o título de doutor em Ciências. Em Zurique estu-
dou nos laboratórios de Psicologia de Lipps e estagiou na clínica
psiquiátrica de Bleuler, quando tomou contato com as obras de
Sigmund Freud e Carl Gustav Jung.

Ingre ssou na Sorbonne em 1919, onde e studou


Psicopatologia com Henri Piéron e Henri Delacroix. Simultanea-
mente, estagiou no hospital psiquiátrico de Saint’ Anne e foi reco-
mendado por Theodore Simon para trabalhar no laboratório de
Psicologia Experimental de Alfred Binet. Trabalhou também com
crianças portadoras de deficiência mental, no hospital Salpetrière.
Os estudos sobre estes testes de inteligência levaram-no a se ques-
tionar a respeito das questões da determinação apriorista da inte-
ligência, ao mesmo tempo em que se indagava sobre a importân-
cia do erro na realização dos testes. Essas angústias foram impor-
tantes na fundação da Epistemologia Genética, e ao fazê-lo ele
critica e se coloca contra as posições aprioristas e inatistas, como
também contra as posturas empiristas na descrição dos processos
de inteligência e conhecimento.

9
De Kant, em sua obra Piaget conservará as questões relativas ao racionalismo. A classificação kantiana dos conhecimentos em
categorias estará presente na pesquisa piagetiana sobre os conhecimentos da criança.
10
O termo refere-se à gênese e não à gene. Essa diferenciação é crucial para comprovar o interesse piagetiano pelas questões do
desenvolvimento do conhecimento.

35
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Em 1923 assumiu a direção do Instituto Jean Jacques Rousseau, de Genebra, passan-


do a estudar, sistematicamente, a inteligência. Desde 1921 lecionou em várias universida-
des da Europa, além de ministrar conferências nos Estados unidos, onde foi agraciado com
o título de doutor. Recebeu semelhante título da Universidade de Paris, onde lecionou.

Esteve no Brasil, no Rio de Janeiro, em 1949, na qualidade de professor-conferencista,


recebendo também o título de Doutor. Em 1955 fundou em Genebra, em colaboração acadê-
mica e científica com pesquisadores de vários campos do saber, o Centro Internacional de
Epistemologia Genética, que viria a ser um local de fecundas investigações sobre as ques-
tões centrais da epistemologia e da interdisciplinaridade.

Imagem de Piaget em sua mesa de trabalho

Disponível em: <http://sergioflima.pro.br/blogs/media/blogs/sergio-blog//piaget_mesa.jpg>.


Acesso em: 28 maio 2009.

Os estudos realizados no Centro Internacional de Epistemologia Genética começam


a mostrar que determinadas verdades da experiência intelectual não podem ser examina-
das pelo pensamento reflexivo, que explica o que é o conhecimento em si. Sua origem
deverá ser atribuída a um universo de ação/atuação do sujeito, tendo, portanto, origem no
subjetivo. Rompe, de um certo modo, com a Filosofia, embora reconheça dever sua proble-
mática de origem a ela. As investigações necessitam então lançar-se a um outro campo de
conhecimento, quando então a Psicologia e seu método clínico se mostram fecundos. Por
isso, o objeto de investigação da Epistemologia Genética já não será o estudo crítico dos
conhecimentos em sentido absoluto, mas se tornará o estudo do aumento dos conheci-
mentos, perseguidos pela via de como o sujeito o constrói. Para descobrir como é possível

36
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

conhecer o mecanismo que envolve a estruturação do pensamento, ele cria a Psicologia


Genética (Psicogênese), que é o estudo do processo que resulta na formação das estrutu-
ras cognitivas.11

2.2.1 – PERÍODOS DA OBRA

Há um apanhado geral da obra piagetiana em Montangero e Maurice-Naville organi-


zado em períodos, desde os primeiros trabalhos até as publicações póstumas, revelando a
importância e as características próprias de cada um dos períodos. Vamos a eles:

a) O primeiro período, anos 20 e início dos 30

Piaget busca a natureza específica do pensamento da criança. Um dos conceitos tra-


balhados nesse período é o de egocentrismo, que se manifesta na linguagem, no raciocínio
e explicação dos fenômenos físicos e no julgamento moral. Há uma preocupação maior em
explicar os limites do raciocínio da criança do que as estruturas do pensamento ou os pro-
cessos que produzem o pensamento lógico. Discorre, entretanto, sobre a passagem do pen-
samento egocêntrico a um pensamento mais evoluído, lógico, objetivo e capaz de conceber
as normas morais. Trata do fator social12 e discute as trocas individuais por meio da coope-
ração, e define a “ razão” como um produto coletivo, embora não renuncie à sua tese segun-
do a qual a lógica é própria da atividade do sujeito. Sobre a noção de estágio, nos textos
deste período há uma certa relatividade, ou seja, o conceito não está firmemente definido
ainda.

O método era o da entrevista verbal,13 sem manipulações de objetos pela criança ou


pelo entrevistador.

As obras mais importantes desse período são: 1) A linguagem e o pensamento na


criança (1923); 2) O julgamento e o raciocínio na criança (1924); 3) A representação do
mundo na criança (1926); 4) A causalidade física na criança (1927; 5); O juízo moral na
criança (1932).

11
Este conceito será tratado com maior profundidade adiante. À guisa de introdução, podemos afirmar que as estruturas cognitivas
representam as possibilidades de cada sujeito, enquanto ser cognoscente, num dado momento de suas relações com o mundo e estas
comportam uma formação progressiva, que pode ser estudada nas teorias do desenvolvimento cognitivo, propostas por Piaget, teoria
esta produzida na sua pesquisa, com o Método Clínico, com crianças e adolescentes.
12
O social é um processo de relações entre os indivíduos.
13
A exceção é em A causalidade física na criança, de 1927.

37
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

b) O segundo período, meados dos anos 30 a 1945.

A principal característica dessa fase é a explicação do conceito de adaptação. Piaget


recorre ao conceito de adaptação biológica e investiga o desenvolvimento intelectual da
criança em termos de interação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. O fator social
não é mais tão requerido nesse período, com o conhecimento sendo visto como resultante
da intervenção dos mecanismos de assimilação e acomodação.

O método não é verbal, pois o estudo das condutas centra-se nos bebês, transforman-
do-se então em observação minuciosa das atividades da criança.

As obras mais importantes do período são: 1) O nascimento da inteligência na criança


(1936); 2) A construção do real na criança (1937); 3) A formação do símbolo na criança
(1945).

c) O terceiro período, fim dos anos 30 ao fim dos anos 50

O modelo explicativo desse período consiste na formalização das estruturas. Piaget


desenvolve a idéia de estrutura mental que esclarece o poder organizador e explicativo do
raciocínio cada vez que este atinge determinado grau de equilíbrio (estágio). Aparece tam-
bém o conceito de equilíbrio, termo tomado de empréstimo da Lógica e da Matemática.
Desaparece a ênfase sobre as interações sujeito-objeto, e centra-se no modo de organização
das atividades cognitivas, ou operações mentais.14 É o período de dominância estruturalista
da obra e em conseqüência disso, retorna fortemente a idéia de estágio, ou seja, a definição
de um tipo de estrutura é critério para explicar os estágios de construção do pensamento
lógico.

O método, além da observação e da entrevista verbal, passa a incluir tarefas que se


apóiam em material experimental.

As obras mais importantes do período: 1) A gênese do número na criança (1941); 2) O


desenvolvimento das quantidades físicas na criança (1941); 3) A gênese das noções cinemáticas;
4) O desenvolvimento da noção de tempo na criança; 5) As noções de movimento e velocidade
na criança (1946); 6) O desenvolvimento do conhecimento do espaço; 7) A representação do
espaço na criança; 8) A geometria espontânea na criança (1948); 9) A gênese da idéia de
acaso na criança (1951); 10) Da lógica da criança à lógica do adolescente (1955); 11) A
gênese das estruturas lógicas elementares na criança (1959).

14
Operação é o elemento da estrutura que dá conta do caráter lógico do pensamento. “Estrutura é um sistema de transformações que
comporta leis, enquanto sistema (por oposição às propriedades dos elementos) e que se conserva ou se enriquece pelo jogo mesmo de
suas transformações, sem que estas conduzam para fora de suas fronteiras ou invoquem elementos exteriores. Em resumo, uma
estrutura compreende os caracteres de totalidade, de transformações e auto-regulação” (Piaget, 1979, p. 8).

38
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

d) Período de transição

Aparece a noção de sujeito epistêmico, com uma preocupação centrada no aspecto


universal de todos os sujeitos de determinado período de desenvolvimento, embora não sur-
jam novos conceitos teóricos, porque temos a referência das pesquisas do período anterior e
são feitos anúncios dos temas que vão marcar o último período. Na transição, Piaget trata
das funções figurativas do conhecimento, como a percepção, a imagem mental e a memória
e a relação entre os aspectos figurativos (conhecimento dos estados) e operativos (conheci-
mento das transformações).

Publica Estudos de Epistemologia Genética 15 entre 1957 e 1968. Em alguns desses es-
tudos aborda o tema das “funções constituintes”, sem aprofundamentos. O estudo dessas
funções permitiria a ligação entre o conceito de estrutura e os aspectos funcionais da ação.

Em alguns textos desse período Piaget começa a se dedicar ao problema dos mecanis-
mos de transformação das estruturas elementares em estruturas mais complexas. Anuncia
também os primeiros estudos sobre a equilibração, que considera necessários para explicar
a aquisição das estruturas operatórias.

As obras do período são: 1) Estudos de Epistemologia Genética; 2) A imagem mental na


criança (1966); 3) Biologia e Conhecimento (1967); 4) Memória e Inteligência (1968); 5) O
Estruturalismo (1968).16

e) O quarto período: década de 70

O ponto central da maior parte dos textos deste período final de sua obra é o cuidado
em explicar como os conhecimentos novos podem ocorrer sem serem pré-determinados no
espírito do sujeito nem retirados tais quais do meio, revelando uma preocupação mais
interacionista e dialética.

Foca seu estudos nos processos de construção de “estruturas de preferência”.17 Para


dar conta deste estudo trabalha os conceitos de equilibração, abstração reflexionante e abs-
trações empíricas.

Conduz também pesquisas que visam a corrigir e melhorar sua teoria da lógica opera-
tória. Aparecem os trabalhos sobre correspondências ou morfismos e sobre a lógica das sig-
nificações com a noção de implicação significante.

15
Ao longo de todos os períodos da obra, publica 37 volumes de Estudos de Epistemologia Genética, em colaboração com vários autores.
16
Sobre este livro, ele o teria publicado respondendo a uma demanda acadêmica do momento, de acordo com Montangero; Maurice-
Naville, 1998.
17
Nível de preferência substitui o termo estágio e serve para caracterizar as etapas de desenvolvimento de um conhecimento dado. Surge
a tríade dialética intra-inter-trans. A primeira refere-se às operações e coordenações do próprio sujeito, a segunda se dá na coordenação
entre operações semelhantes e a terceira produz o conhecimento num patamar superior, mais avançado. Ao chegar a esta etapa
reinicia-se o ciclo, transformando-se em intra (operacional, figural ...) num nível mais alto.

39
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

O método transforma-se para dar conta dos temas em estudo. Trata-se agora de ob-
servar estratégias de construção ou resolução de problemas de preferência ao juízo das
crianças.

Algumas das publicações do período são: 1) A epistemologia genética (1970); 2) A


tomada de consciência; 3) Fazer e compreender (1974); 4) Estudos sobre a abstração
reflexionante (1977); 5) Formas Elementares da Dialética (1980); 6) O possível e o necessário;
7) Psicogênese e História das Ciências (1983); 8) Por uma lógica de significações (1987); 9)
Morfismos e Categorias (1990).

2.2.2 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Piaget iniciou suas pesquisas junto de um zoólogo (Godet) e se habituou a observar a


natureza, suas regularidades, e a estudar as leis normativas da vida animal e vegetal. Na
adolescência apaixonou-se pela Filosofia, e especialmente pelas teorias do conhecimento.
Seu objetivo primordial era o de solucionar a questão do conhecimento. Perguntava-se:
Como é possível alcançar o conhecimento? Formulada a questão, surge de imediato outra:
Conhecimento de quê? ... do mundo em que vivemos, do meio que nos circunda. Para ele, no
entanto, a palavra “meio” não se limita a designar os objetos que nos rodeiam, mas abrange
desde a natureza, os objetos construídos, as idéias e também os valores.

Conhecimento? Para Piaget a palavra não tem o significado que o senso comum lhe
dá. Para ele o termo “conhecer ” tem sentido claro: organizar, estruturar e explicar a partir
do vivido, do experenciado. Conhecer é o que se dá a partir da vivência e da ação sobre o
objeto do conhecimento.

Para Piaget, não há conhecimento sem conceitos e o conhecimento parte da ação de


uma pessoa sobre o meio em que vive, ocorrendo, então, com a estruturação do vivido.
Coisas e fatos adquirem significação18 para o ser humano quando inseridos numa estrutura.
É o que Piaget denomina de assimilação.

Se o objeto do conhecimento é o meio, abrangendo os aspectos físicos e culturais, qual


é o sujeito do conhecimento? Não é o indivíduo, nem o eu psicológico, mas o sujeito epistêmico,
um sujeito ideal, universal, que não corresponde a ninguém em particular, embora sintetize
as possibilidades de cada uma das pessoas e de todas elas ao mesmo tempo. Para Piaget, o
sujeito epistêmico é o sujeito do conhecimento. É o sujeito da sua epistemologia. E o que é
a epistemologia? Esta é classicamente definida como estudo crítico do conhecimento cientí-
fico. E sendo o “estudo crítico” do conhecimento científico, Piaget ao observar e questionar

18
Piaget trata deste tema em uma obra póstuma, publicada em 1987: Por uma lógica das significações.

40
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

a criança e refletindo em termos genéricos a respeito do conhecimento e, em termos particu-


lares, a respeito do conhecimento alcançado na Física,19 conclui que a criança e o cientista
conhecem o mundo da mesma forma. Piaget defende que há uma analogia entre a forma
como a criança constrói a sua realidade, estruturando a sua experiência vivida, e a forma
pela qual o cientista constrói a Física. As diferenças entre um tipo de conhecimento e outro
expressariam níveis diferentes da capacidade humana de conhecer. Então, de acordo com
Piaget, explicar como é possível o conhecimento, de maneira geral, é o mesmo que explicar
como é possível o conhecimento científico. Esta é a razão pela qual Piaget denomina de
“epistemologia” a sua teoria do conhecimento.

E genética? A razão está em que Piaget não se limita a explicar como é possível o
conhecimento de um adulto, ele discute as condições necessárias ou geradoras para que a
criança chegue ao conhecimento possível.20

De acordo com Piaget, há três tipos de estruturas presentes no organismo humano.


Em primeiro lugar, as estruturas totalmente programadas, como as do aparelho reprodutor,
que nos capacitam a prever determinados comportamentos que se manifestam em determi-
nadas épocas. Em segundo lugar, as estruturas parcialmente programadas, como as do sis-
tema nervoso, cujo desenvolvimento e construção dependem já em grande parte do meio.
Em terceiro lugar, teríamos o que Piaget chama de estruturas nada programadas e que seri-
am chamadas estruturas mentais,21 específicas para o ato de conhecer. Ele acredita que
existem estruturas específicas para o ato de conhecer; as estruturas mentais, sendo orgâni-
cas, aparecem como fruto da interação organismo-meio, colocando assim uma terceira pos-
sibilidade (interacionismo) que elimina a “contradição” presente na idéia do organismo
como algo oposto ao meio. No que se refere às estruturas mentais, o organismo já pressupõe
o meio.

Essa interação organismo-meio ocorre pelo processo de adaptação com os seus dois
pólos: assimilação-acomodação. Ela se dá em diferentes níveis, desde os mais elementares
(manipulação de objetos) até os mais elaborados, como nas trocas simbólicas (Artes, Filoso-
fia, Ciência). Em um primeiro momento a palavra “adaptação”, até chegar ao conceito-
adaptação, recebe o sentido que lhe é próprio na Biologia, lembrando um fluxo irreversível.
Em um segundo momento, explica-se em termos de equilíbrio progressivo (equilíbrio
majorante) e em um terceiro estágio explica-se em termos de uma “abstração reflexiva” que

19
Física está mencionada como um exemplo de área de conhecimento. Poderíamos ter citado qualquer outro campo.
20
Conhecimento possível, pois a capacidade de conhecer é fruto das trocas sujeito-meio. Essas trocas são responsáveis pela construção
da própria capacidade de conhecer.
21
Os termos sublinhados neste texto são conceitos fundamentais da Epistemologia Genética. Não serão amplamente explicitados por
serem objeto de estudo e aprofundamento na disciplina Psicologia Genética.

41
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Objetos Cognoscíveis permite a interiorização do processo dialético, por meio do qual o


São todos os elementos,
ser humano cresce, se socializa, conhece e se autodetermina (o
dados, fenômenos, objetos
físicos, idéias abstratas, conhecimento não pode ser tratado como um fato absoluto, dado
informações, etc... que existem
pronto ou pré-determinado, mas como um processo). A adapta-
e que são passíveis de serem
conhecidos. Objetos do ção ao meio realiza-se mediante a ação. A ação é um elemento
conhecimento.
nuclear na teoria de Piaget, possível pela construção de esque-
mas motores e responsável pela interação sujeito-meio.
Animismo

Do latim anima + ismo. 1.


Teoria que considera a alma
simultaneamente princípio da
2.2.3 – O DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO
vida orgânica e psíquica. 2.
Aquilo que é próprio da alma. A concepção de desenvolvimento em Piaget passa pela “des-
coberta” de que o conhecimento se faz/constrói pelas trocas, nas
quais um organismo e um sujeito adaptam-se ao meio por inter-
médio das estruturas que possuem e de sucessivas equilibrações,
em que os cognoscíveis se inserem num sistema de relações e
significações.

O conceito que inicialmente aparece marcando o primeiro


período na história da Psicologia Genética e que vem a dar conta
da idéia de desenvolvimento é o de estágio.22 Do ponto de vista
da categorização das condutas observadas (por meio das pesqui-
sas piagetianas) em crianças, caracteriza-se uma relatividade do
conceito, conforme o domínio de conhecimento estudado (obje-
to, espaço, tempo, causalidade). O desenvolvimento é dividido
em três ou quatro estágios. No que concerne às idades, estas es-
tão disseminadas. Aponta ainda a pesquisa que uma atitude pró-
pria de um estágio (p. ex. o animismo) não é necessariamente
sua característica central. Então o conceito aparece nos textos
de um modo relativo, ou seja, não está firmemente definido ain-
da, embora encontremos, nessa fase de sua obra, uma certa defi-
nição de alguns estágios: o de pensamento pré-lógico ou pré-cau-
sal e mais tarde o do pensamento lógico. Ele faz referências ain-
da à possível existência de um estágio de pensamento mais for-
malizado.

22
Os primeiros autores que tratam da idéia de estágio são W. Freyer (1882) e J. M. Baldwin (1894), que consideram o desenvolvimento
cognitivo como uma passagem por etapas ou períodos, fundados na concepção evolucionista. Para Baldwin, a evolução psicológica
passa por quatro períodos, que têm semelhanças com as descrições clássicas dos estágios, mais tarde apontadas por Piaget.

42
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

No segundo período, de 1930 a 1945, o conceito central é o de adaptação, que permi-


te estudar o desenvolvimento intelectual mediante a interação entre o sujeito e os objetos
cognoscíveis, o que leva o processo a um movimento de adaptação sempre crescente.

O terceiro período, anos 30 a 50, é de dominância estruturalista e em conseqüência


disso retorna fortemente a idéia de estágio, ou seja, a definição de um tipo de estrutura é
critério para definir os estágios de construção do pensamento lógico. Surge o conceito de
operação mental, entretanto ainda não é possível encontrar muitos trabalhos, nesse mo-
mento, que expliquem o funcionamento dos mecanismos que permitem a passagem de uma
estrutura a outra, embora estejam disponíveis definições de etapas (estágios) referentes a
um domínio estudado, por exemplo, as classificações de quantidades. A respeito da impor-
tância desse período para a idéia do desenvolvimento cognitivo assim se manifestam
Montangero e Maurice-Naville:

Piaget e seus colaboradores produziram desenvolvimentos teóricos e descobertas experimentais


que marcaram profundamente a Psicologia do desenvolvimento cognitivo. _ A embriogênese dos
conhecimentos – que o jovem Piaget queria estudar, encontra-se, do berço à adolescência, ilustra-
da por comportamentos específicos e inscrita em um quadro teórico preciso, (...) que sublinha as
novidades irredutíveis às formas de conhecimento anteriores, que aparecem a cada grande está-
gio de desenvolvimento. (...) a teoria estabelece ainda uma continuidade entre essas etapas, já
que cada uma produz os elementos que serão reestruturados em um novo plano na etapa seguinte
(1998, p. 61)

No final de 1950, período de transição, os estudos passam a se centrar, então, mais


decididamente, nos processos de transformação de estruturas simples em estruturas comple-
xas, por meio do conceito de equilibração.

Na década de 70, último estágio, Piaget foca suas pesquisas nos processos de constru-
ção de “estruturas de preferência”. O nível de preferência substitui, então, o termo estágio, e
serve para caracterizar as etapas de desenvolvimento de um conhecimento dado. Surge a
tríade dialética intra-inter-trans. A primeira refere-se às operações e coordenações do próprio
sujeito, a segunda se dá na coordenação entre operações semelhantes e a terceira produz o
conhecimento num patamar superior, mais avançado. Ao chegar a esta etapa reinicia-se o
ciclo, transformando-se em intra (operacional, figural ...) num nível mais alto. Esse processo
produz espirais, nas quais os avanços em uma dada estrutura conduzem a reorganizações de
outra estrutura, que por sua vez refletem-se no início de todo o processo. As estruturas de
preferência estariam indicando um corte do próprio autor à idéia inicial de estágio. Piaget não
pôde avançar em suas pesquisas a respeito dessa nova forma de conceituação acerca do modo
como se processa o conhecimento, as quais vão ser reveladas em suas últimas obras, algumas
publicadas postumamente, entre as quais destacam-se: Psicogênese e História das Ciências
(1983); Por uma lógica de significações (1987); e Morfismos e Categorias (1990).

43
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Essa nova visão sobre o processo de desenvolvimento do conhecimento é uma aproxi-


mação triádica, na qual Piaget assinala uma natureza dialética do desenvolvimento inte-
lectual.

2.2.4 – PESQUISAS E PESQUISADORES ATUAIS

No Brasil

Existe na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Faculdade de Educação, um


núcleo importante com várias linhas de pesquisa que têm na Epistemologia Genética o
referencial teórico da investigação. Entre outros pesquisadores, podemos citar: o professor
Fernando Becker, que conduz e orienta pesquisas sobre o núcleo teórico da Epistemologia
Genética e tem publicado várias obras e traduzido livros de Jean Piaget; a professora Maria
Luiza Rheingantz Becker, que tem trabalhado na pesquisa e na difusão da obra piagetiana
e nas questões de educação e psicopedagogia associadas; além dos professores Léa da Cruz
Fagundes; Sérgio Roberto Kieling Franco e Tânia Beatriz Iwaszko Marques.

Na Universidade de São Paulo alguns pesquisadores que devemos citar são: a profes-
sora Zélia Ramozzi-Chiarottino, que investiga questões relativas ao núcleo da teoria; o pro-
fessor Lino de Macedo, que estuda os temas da moralidade e da Psicopedagogia; o professor
Yves de La Taille, do Instituto de Psicologia, que desenvolve pesquisas acerca das relações
entre a Epistemologia Genética e a Psicanálise; o professor Adrian Dongo Montoya, que
investiga como o meio social influi no desenvolvimento cognitivo.

Na Universidade de Campinas citamos alguns pesquisadores, como as professoras Luci


Banks Leite, que trabalha com as questões da teoria, associadas às educacionais; Orly
Mantovani de Assis, que investiga questões sobre o desenvolvimento infantil e a escola
fundamental e Maria Teresa Eglér Mantoan, que estuda temas como o conhecimento nos
sujeitos portadores de deficiência mental e as questões da inclusão.

No exterior

Na Argentina: José Antonio Castorina, professor da Faculdade de Psicologia, e a pro-


fessora Delia Lerner, do Departamento de Ciências da Educação, da Universidade de Buenos
Aires. A professora e pesquisadora Emília Ferreiro, argentina, que realizou Doutorado na
Universidade de Genebra sob a orientação de Jean Piaget e atualmente é professora-pesqui-
sadora do Centro de Pesquisas e Estudos Avançados da Universidade do México, sendo
criadora da Psicogênese da Língua Escrita.

44
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Na Alemanha, o professor Thomas Kesselring, do Instituto de Filosofia da Universida-


de Livre de Berlim, e o professor Fernando Vidal, do Instituto Max Planck de Berlim.

Na Suíça: na Universidade de Genebra, os professores Jean-Jacques Ducret, Daniel


Hameline, Fernando Vidal e Pierre Mounoud. Nos Arquivos do Estado de Neuchâtel e Universi-
dade de Neuchâtel: Jean-Marc Barrelet, Marie-Jeanne Liengme Bessire, Denis Zittoun, entre
outros. Na Universidade de Leiden, René Van der Veer e na Universidade de Tilburgo, John Rijsman.

Na França: o professor de Psicologia da Université René Descartes (Paris V) e Institut


Universitaire de France, Olivier Houdé; a psicóloga Claire Meljac, do Hôpital Sainte-Anne
em Paris; a professora da Université Charles-de-Gaulle (Lille III), Jacqueline Bideaud, e Roger
Lécuyer, professor de Psicologia da Université René Descartes.

No Canadá: os professores de Psicologia Thérèse Gouin Décarie e Marcelle Ricard, da


Universidade de Montreal.

Na Inglaterra, o professor de Psicologia da Cambridge University, James Russel.

Nos Estados Unidos, o professor de Psicologia Jerome Bruner, da New York University;
o professor John Flavell, da Stanford University, e Renée Baillargeon, da University of Illinois.

Os temas que estão atualmente sendo investigados pelos autores citados anterior-
mente tem tratado de questões em torno do núcleo teórico. No Brasil a pesquisadora mais
conhecida é a professora Zélia Chiarottino, da USP.

São conhecidos vários estudos de difusão e recepção da obra piagetiana, no Brasil e


no exterior, os quais têm seu foco em Educação, como o trabalho de Emília Ferreiro em
Psicogênese da Leitura e da Escrita e em Psicopedagogia, a partir da teoria piagetiana.
Investiga-se ainda as questões do desenvolvimento da moralidade e, nessa área, o pesquisa-
dor mais conhecido no Brasil é o professor Yves de La Taille.

Encontramos ainda pesquisadores da História da Epistemologia Genética e do percur-


so teórico de Jean Piaget, entre os quais: Jean-Marc Barrelet e Anne-Nelly Perret-Clermont,
assim como Jean-Pierre Jelmini, Maurice de Tribolet, Anne-Françoise Scheller-Jeanneret,
Jean-Paul Schaer, Marie-Jeanne Liengme Bessire, Sylvie Béguelin, Fernando Vidal, Charles
Thomann, Carlo Grandpierre, Tania Zittoun, John Rijsmann, Jürgen Oelkers, Jean-Jacques
Ducret e Renée Van de Veer, entre outros

Atualmente estão sendo realizadas pesquisas sobre as novas competências dos bebês,
por franceses (Lécuyer), americanos ( Baillargeon) e canadenses (Décarie e Ricard).

A pesquisas sobre concepções atuais do desenvolvimento cognitivo, que revisitam a


Epistemologia Genética e trazem referências de outros autores, estão ocorrendo no Brasil
(Oliveira e outros), nos Estados Unidos (Flavell e Bruner), na França (Houdé), na Suíça
(Mounoud) e também na Bélgica (Richelle).

45
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Dessa forma, caso queira aprofundar um desses temas você já tem


referências suficientes para uma pesquisa. De maneira genérica,
recomendo os seguintes textos e autores:

BANKS-LEITE, Luci (Org.) Percursos piagetianos. São Paulo: Cortez Ed., 1997.

BARRELET, Jean-Marc; PERRET-CLERMONT, Anne-Nelly. Jean Piaget: aprendiz e


mestre. Trad. Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

FLAVELL, John H. A Psicologia do desenvolvimento de Jean Piaget. São Paulo: Pionei-


ra, 1988.

FERREIRO, Emilia. Atualidade de Jean Piaget. Trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: ArtMed,
2001.

KESSELRING, Thomas. Jean Piaget. Trad. Antônio Estevão Allgayer e Fernando Becker.
Petrópolis: Vozes, 1993.

MONTANGERO, Jacques; MAURICE-NAVILLE, Danielle. Piaget ou a inteligência em


evolução. Trad. Tania Beatriz I. Marques e Fernando Becker. Porto Alegre: ArtMed,
1998.

PIAGET, J. Seis Estudos de Psicologia. Trad. Maria Alice Magalhães d‘Amorim e Paulo
Sérgio Lima Silva. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978.

SÍNTESE DA UNIDADE
Nesta Unidade nosso objetivo foi o de apresentar a você duas im-
portantes teorias que lhe permitirão compreender o conceito de de-
senvolvimento humano, que trata do homem em todos os seus as-
pectos, desde os períodos iniciais de vida até seus níveis superiores.

É uma concepção fundamental na medida em que, como profes-


sor, você trabalhará com sujeitos em desenvolvimento e as carac-
terísticas dos sujeitos nesse processo deverão estar presentes em
seu planejamento pedagógico. Na próxima Unidade, que traba-
lhará o foco específico do processo de aprendizagem, você esturará
de modo mais detalhado o porquê o nível de desenvolvimento de
um aluno deve ser considerado. Trabalhamos, portanto, a partir da
relação entre desenvolvimento e aprendizagem.

Para que você possa seguir adiante e estudar a terceira unidade,


então, existem alguns conceitos fundamentais que devem ser do-
minados.

46
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Na teoria psicanalítica destacamos a importância da compreen-


são da:

– primeira tópica sobre a estruturação psíquica, que abrange os


conceitos de inconsciente, de pré-consciente e inconsciente.

– segunda tópica, que trata da dinâmica psíquica e compreende os


conceitos de id, ego e superego.

Destacamos ainda a importância da sexualidade infantil.

Na teoria piagetiana o destaque deverá se dar no estudo:

– dos períodos da obra deste autor;

– na concepção de conhecimento;

– no conceito de estrutura cognitiva.

– no conceito de adaptação (assimilação-acomodação);

– no conceito de equilibração e

– na idéia de estágio ou período.

47
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Unidade 3

AS TEORIAS PSICOLÓGICAS
E SUA VISÃO SOBRE A APRENDIZAGEM
Nesta unidade temos o objetivo de apresentar a você quatro teorias psicológicas que
lhe permitirão estudar o processo de aprendizagem de um modo amplo, tornando também
possível a realização de uma “escolha” teórica como sua base de trabalho quando estiver
planejando o processo de ensino-aprendizagem de seus futuros alunos.

Seção 3.1

A Psicologia Sócio-Histórica

Lev S. Vygostsky (1896-1934), seu idealizador, nasceu e viveu na Rússia, porém mor-
reu muito jovem, com apenas 38 anos.

Imagem de Vygostsky

Disponível em: <http://www.ginux.ufla.br/%7Ekacilene/educacao/vygotsky.html>.


Acesso em: 28 maio 2009.

Vygostsky estruturou um sistema de pensamento tendo por base o desenvolvimento do


indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel da lingua-
gem e da aprendizagem nesse desenvolvimento. Sua questão central é a aquisição de co-
nhecimento pela interação do sujeito com o meio.

49
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

As concepções de Vygostsky sobre o funcionamento do cérebro humano colocam-no


como a base biológica e suas peculiaridades definem limites e possibilidades para o desen-
volvimento humano. Ele afirma que 1 a redução de reações biológicas é uma condição prévia
para o surgimento de fenômenos psicológicos. Vygotsky e Luria explicam isto na área da
percepção: a criança no início de sua vida tem apenas sensações orgânicas – tensão, dor,
calor –, principalmente nas áreas mais sensíveis. Quando deixa de sofrer influência desses
processos biológicos, ela passa a perceber a realidade. A percepção da realidade requer pro-
cessos biológicos como determinantes de experiência, permitindo que seu organismo passe
a ser afetado por fatores externos. Evidentemente só a realidade dos fatores externos não
determina completamente essa percepção. A informação de que esses processos biológicos
estão disponíveis no organismo é definido pela própria criança mediante a experiência soci-
al e cultural. A criança passa a ver o mundo pela sua própria ótica, administrando-o sob
seu ponto de vista. Essas concepções fundamentam a idéia de que a criança nasce dotada
apenas de funções psicológicas elementares, como os reflexos e a atenção involuntária, pre-
sentes em todos os animais mais desenvolvidos. Com o aprendizado cultural, no entanto,
parte dessas funções básicas transforma-se em funções psicológicas superiores, como a cons-
ciência, o planejamento e a deliberação, características exclusivas do homem. Essas con-
cepções fundamentam sua idéia de que as funções psicológicas superiores (linguagem, me-
mória) são construídas ao longo da história social do homem, em sua relação com o mundo.
Desse modo, essas funções referem-se a processos voluntários, ações conscientes, mecanis-
mos intencionais e dependem de processos de aprendizagem.

Imagem de um cérebro

Disponível em: <http://


www.psiquiatriageral.com.br/cerebro/
cerebro_e_a_linguagem.htm>. Acesso em:
28 maio 2009.

1
Conforme Argento, Heloisa. Disponível em: <http://www.robertexto.com/archivo1/socio_construtivista.htm>. Acesso em: 20 abr.
2009.

50
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

3.1.1 – CONCEITOS PRINCIPAIS

A Mediação é uma idéia central para a compreensão das concepções de Vygotsky


sobre o desenvolvimento humano como processo sócio-histórico. Esse conceito parte do
pressuposto de que no processo de conhecimento o indivíduo não tem acesso direto aos
objetos, os quais são mediados pelos recortes do real, operados pelos sistemas simbólicos de
que dispõe, portanto enfatiza a construção do conhecimento como uma interação mediada
por várias relações, ou seja, o conhecimento se dá pela mediação com outros indivíduos. O
outro social pode apresentar-se por meio dos muitos e variados objetos de conhecimento, da
organização do ambiente, do mundo cultural que rodeia o indivíduo.

Imagem de um grupo de crianças

Disponível em:
<http://obrigadoaeducareeducadoparainstruir.
blogspot.com/>.
Acesso em: 28 maio 2009.

Nesse sentido, cabe salientar que a linguagem 2 é o sistema simbólico dos grupos hu-
manos e representa um salto qualitativo na evolução da espécie. É ela que fornece os con-
ceitos, as formas de organização do real, a mediação entre o sujeito e o objeto do conheci-
mento. É por meio dela que as funções mentais superiores são socialmente formadas e cul-
turalmente transmitidas, portanto sociedades e culturas diferentes produzem estruturas de
pensamento diferenciadas.

Também a cultura fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação da


realidade, ou seja, o universo das significações que permite construir a interpretação do
mundo real. Ela constitui o local de negociações no qual seus membros estão em constante
processo de recriação e reinterpretação das informações, conceitos e significações.

Por sua vez o processo de internalização é fundamental para o desenvolvimento psico-


lógico humano. A internalização envolve uma atividade externa que deve ser modificada
para se tornar uma atividade interna. Inicia-se interpessoal e se torna intrapessoal.

2
O instrumento lingüístico e a interação social são decisivos para o desenvolvimento.

51
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Vygostsky, contudo, emprega também a expressão função mental para se referir


aos processos de pensamento, memória, percepção e atenção. Afirma que o pensamen-
to tem origem na motivação, no interesse, na necessidade, no impulso, no afeto e na
emoção.

Em conseqüência da internalização, existem pelo menos três níveis de desenvolvi-


mento identificados por Vygostsky. O primeiro é denominado nível de desenvolvimento real
e se refere aos conhecimentos já adquiridos ou formados e referem-se àquilo que o indivíduo
é capaz de fazer por si próprio. O segundo ele chamou de nível de desenvolvimento potenci-
al, e seria a capacidade de um indivíduo demonstrar aqueles conhecimentos não totalmente
formados e que lhe dão capacidade para aprender com outra pessoa.

A aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo abertura nas zonas de


desenvolvimento proximal. Segundo Vygotsky, esta é a distância3 entre aquilo que o indiví-
duo faz sozinho e o que é capaz de realizar com a intervenção do outro, um professor, por
exemplo. Nesse processo, as interações sociais são fundamentais, Entre a aprendizagem e o
desenvolvimento há uma inter-relação que tem como conseqüência no campo pedagógico o
entendimento para o professor de que trabalhar com um conceito específico da área requer
que a criança tenha um grau de experiência anterior.

O desenvolvimento cognitivo é produzido pelo processo de internalização da


interação social com materiais fornecidos pela cultura. Esse é um processo que se dá de
fora para dentro. Na concepção de Vygostsky, a atividade do sujeito refere-se ao domínio
dos instrumentos de mediação e todas as transformações decorrentes da atividade men-
tal. Para ele o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e
se constitui a partir de relações intra e interpessoais. É na troca com outros sujeitos e
consigo próprio que se vão internalizando os conhecimentos, papéis e funções sociais, o
que permite, além da constituição do conhecimento, a própria consciência do sujeito.
Trata-se , portanto, de um proce sso que cami nha no plano soci al, das relaçõe s
interpessoais, para o plano interno, das relações intrapessoais. E a escola é o lugar por
excelência para que essas relações aconteçam, desencadeadas pela intervenção pedagó-
gica intencional.

3
É a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial.

52
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Crianças na escola assistindo uma peça de teatro

Disponível em: <http://www.cm-sintra.pt/NoticiaDisplay.aspx?ID=3225>.


Acesso em: 28 maio 2009.

Nesse sentido, o professor tem um papel explícito de interferir no processo, diferente-


mente de situações informais, nas quais a aprendizagem se dá por imersão em um ambiente
cultural. É função do professor, portanto, provocar avanços nos alunos e isso se torna pos-
sível com sua interferência na zona de desenvolvimento proximal.

Entendemos ainda como fator relevante para a educação, a partir da ótica de


Vygostsky, a importância da atuação dos outros membros do grupo social na mediação
entre a cultura e o indivíduo. Aí pode ocorrer, então, uma intervenção deliberada, o que é
essencial para o processo de desenvolvimento. Isso mostra que os processos pedagógicos
devem ser intencionais, deliberados, sendo o objeto dessa intervenção a construção de
conceitos.

O aluno não é tão-somente o sujeito da aprendizagem, mas aquele que aprende junto
ao outro o que seu grupo social produz, tal como valores, linguagem e o próprio conheci-
mento.

A formação de conceitos espontâneos ou cotidianos desenvolvidos no decorrer das


interações sociais diferencia-se dos conceitos científicos adquiridos pelo ensino que faz par-
te do sistema organizado de conhecimentos.

53
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

3.1.2 – RESUMO DAS IDÉIAS PRINCIPAIS DE VYGOSTSKY

– Seu trabalho foi influenciado por postulados marxistas.

– Os signos ? instrumentos da atividade psicológica.

– Os sistemas simbólicos e o processo de internalização ? marcas externas que se transfor-


mam em processos internos.

– As relações entre o pensamento e a linguagem ? intercâmbio social e pensamento


generalizante, significado das palavras, discurso interior e fala egocêntrica.

– Estudo das funções psicológicas superiores ? mecanismos complexos, exclusivos do ser


humano e que envolvem controle consciente do comportamento, ação intencional, liber-
dade do sujeito em relação ao tempo e espaço.

– Homem ? constitui-se a partir de seu ambiente sócio-histórico.

– Ressalta a importância do uso de instrumentos ligando-os ao trabalho e a formação da


sociedade como processo básico e característico do ser humano.

– Palavras-chave: mediação, sociedade, trabalho, instrumentos, signos, linguagem, apren-


dizado, níveis de desenvolvimento ? real, potencial, proximal.

– Aplicações pedagógicas ? Idéia de interação entre alunos e destes com o professor. O


processo de ensino-aprendizagem (aprendizado) como forma de permitir a elaboração das
funções psicológicas superiores. A importância da intervenção do professor e a relevância
da pesquisa.

– APRENDIZAGEM é o processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades,


atitudes e valores a partir do contato com a realidade, o meio e as outras pessoas. A ênfase
nos processos sócio-históricos define a aprendizagem pela interação entre os indivíduos

– Você pode assistir ao filme A guerra do fogo, que apresenta o processo de interação entre
os indivíduos e o meio na socialização e produção dos conhecimentos.

Para saber mais sobre o trabalho de Vygosty você pode pesquisar na bibliografia indicada:

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvi-


mento, um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1995.

VYGOSTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins


Fontes, 1987.

54
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

______; LEONTIEV; LURIA. Linguagem, desenvolvimento e apren-


dizagem. São Paulo: Ícone, 1988.

Seção 3.2

A Psicanálise

Já estudamos um pouco da Psicanálise na Unidade 2. Nesta seção, porém, traremos


informações e conceitos desta teoria que nos permitem discutir o processo de aprendizagem,
objetivo desta unidade.

No entendimento de Freud, a aprendizagem está totalmente enlaçada a um


determinante psíquico, que leva o sujeito a tornar-se desejante de saber.

Ao tratar deste tema, ele entende que é fundamental perguntar por aquilo que faz com
que alguém queira aprender algo, pois o processo de aprender depende da razão ou das
causas que motivam o sujeito na busca do conhecimento.

Um dos importantes momentos para pensar como se processa a aprendizagem pela via
psicanalítica remonta à base da descoberta da diferença sexual anatômica, quando as cri-
anças descobrem que o mundo é feito de homens e mulheres, seres humanos com e sem
pênis. É quando a criança pergunta os porquês de “tudo”, interessada em descobrir como se
nasce e por que se morre, querendo saber sua origem e seu “destino”.

As crianças percebem cedo essas diferenças biológicas, mas nessa fase elas passam a
interpretar esse “saber ”. Os meninos pensam que se as meninas não são iguais a eles, têm a
possibilidade de ser quando crescerem. Nesse momento a criança do sexo feminino compre-
ende que lhe está faltando algo. Há uma angústia que provém da compreensão de antigas
perdas à luz desse novo sentimento. É chamada de angústia da castração, que se manifesta
com o complexo de Édipo. Essa angústia faz com que queira saber, por isso, para Freud, as
primeiras investigações são sempre de ordem sexual, pois a criança precisa descobrir e defi-
nir seu lugar no mundo e a princípio este é um lugar sexual.

O lugar sexual é situado inicialmente em relação aos pais ou àquilo que eles esperam
que a criança seja. Essa é razão da pergunta “De onde viemos?”, que se equivale à busca de
saber “Qual a minha origem em relação ao desejo de vocês?”; “Quais suas expectativas?”;
“O que esperam que eu seja?” O que é esperado é que no final do conflito edipiano a inves-

55
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

tigação de ordem sexual seja reprimida. É sublimada4 em desejo de saber, que se associa ao
ato de dominar, ver, buscar, investigar. Então, as investigações são deixadas de lado por
uma necessidade característica da constituição psíquica, que permite o deslocamento dos
interesses sexuais para os não-sexuais, mas que mantém a criança atenta e predisposta a
fazer perguntas sobre várias situações e acontecimentos, para poder continuar pensando
nas coisas fundamentais. Ali se encontra o prazer pela investigação, o interesse na observa-
ção da natureza, o gosto pela leitura, o prazer em viajar, etc. Freud defende que a mola
propulsora do desenvolvimento intelectual é, portanto, sexual.

Esses elementos são alguns dos determinantes que levam um sujeito a querer apren-
der, porém ele não aprende por si mesmo, precisa de alguém. Na escola, esse alguém é o
professor. Na visão psicanalítica, não importa qual é o conteúdo que está sendo ensinado.
Os critérios para definir um bom conteúdo estão com o próprio professor, pois ele só pode ser
“ouvido” por seus alunos quando estes o revestem de uma especial importância. Isso estabe-
lece entre professor e aluno um campo no qual a aprendizagem passa a ser possível. Freud
denominou este campo de transferência.

A transferência é uma manifestação do inconsciente, que ocorre nas diferentes rela-


ções entre as pessoas, estabelecidas no decorrer da vida. Ela pode ser dirigida a qualquer
pessoa e encontra-se presente também na relação professor-aluno.

Relação professor-aluno

Disponível em:
<http://deolhonofuturoatividades.blogspot.com/
2008/04/relao-professor-e-aluno-uma-
reviso.html>. Acesso em: 28 maio 2009.

Na escola, por intermédio da transferência, os acontecimentos psíquicos ganham vida


como uma relação atual com a pessoa do professor, que pode tornar-se a figura a quem são
endereçados os interesses dos alunos. O que se transfere são experiências vividas primitiva-
mente com os pais. Na relação professor-aluno ela ocorre quando o desejo de saber do aluno
liga-se fortemente a um elemento particular, à figura do professor. Instalada a transferência,

4
Refere-se à sublimação, o mais eficaz dos mecanismos de defesa, na medida em que o sujeito canaliza os impulsos libidinais (de origem
sexual) para uma postura socialmente útil e aceitável.

56
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

o professor torna-se depositário de algo que pertence ao aluno e fica “carregado” de impor-
tância especial, o que lhe dá “poder” sobre o aprendiz e este se dirige ao professor, atribuin-
do-lhe um sentido, e passando, o professor, a fazer parte do cenário inconsciente do aluno.
Isso explica, em parte, o fato de que alguns professores aparentemente “comuns” acabam
imprimindo marcas importantes no desenvolvimento intelectual de seus alunos. O professor
não percebe que está em um lugar de destaque para alguns de seus alunos e estes não
querem que o professor saiba disso, até porque isso é inconsciente. Todo aluno quer que o
professor “suporte” estar nesse lugar em que ele o colocou. Então, para produzir boas apren-
dizagens, o professor em sua prática “deveria” aceitar o lugar em que o coloca seu aluno e
com isso, levá-lo a superar essa grande importância, o que permitiria ao educando tornar-se
autônomo e construtor de seu próprio conhecimento.

3.2.1 – RESUMO DAS PRINCIPAIS IDÉIAS DE FREUD

– A pergunta freudiana sobre o que habilita a criança para o conhecimento ? determinantes


psíquicos que levam alguém a ser um “desejante de saber ”.

– A diferença sexual anatômica ? a interpretação dada a esse fato ? a descoberta de que falta
algo, “angústia de castração” ? esta angústia faz querer saber.

– Investigações sexuais infantis/as perguntas/os porquês ? o desejo de saber é carregado na pergunta.

– A sublimação e a repressão das investigações de ordem sexual por uma necessidade


constitutiva do sujeito ? pulsão de domínio/curiosidade (Segunda Freud, a mola propul-
sora do desenvolvimento intelectual é sexual).

– A criança aprende com alguém ? O ato de aprender pressupõe uma relação com quem
ensina ? os critérios de verdade são assentados pelo próprio professor, que é ouvido por
seu aluno quando este o reveste de importância especial ? ênfase nas relações afetivas.

– Transferência ? campo que se estabelece entre professor e aluno e que determina as condi-
ções para o aprender ? a transferência se produz quando o desejo de saber do aluno se
aferra a um elemento particular, que é a pessoa do professor.

– O professor é um sujeito marcado pelo seu desejo inconsciente e é esse desejo que o impul-
siona para a função de mestre.

Para saber mais a respeito da teoria freudiana da aprendizagem,


leia e pesquise no livro de Kupfer, Maria Cristina. Freud e a Edu-
cação. São Paulo: Scipione, 1989, p. 78-94.

57
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Seção 3. 3

A Teoria Piagetiana da Aprendizagem

Nós já abordamos a teoria piagetiana. Na Unidade 2 ela é apresentada em seus prin-


cipais conceitos e leva à discussão acerca do processo de desenvolvimento cognitivo do ser
humano. Para este Piaget, o desenvolvimento está intimamente relacionado ao processo de
aprendizagem, portanto é da ótica do aprender que enfocarei este autor na presente Unidade.

Piaget, ao investigar acerca do desenvolvimento cognitivo, não tinha como objetivo


principal de seu trabalho propor uma teoria de aprendizagem. Nesse sentido Coll (1992),
um estudioso de Piaget, escreve que “ao que se sabe, ele nunca participou diretamente nem
coordenou uma pesquisa com objetivos pedagógicos”. Apesar disso, sua teoria veio a de-
sempenhar papel importantíssimo no campo da aprendizagem escolar.

Jean Piaget,5 ao tratar desta questão, afirma ser importante tornar clara a diferença
entre dois problemas: o problema do desenvolvimento em geral e o problema da aprendiza-
gem. Esclarece ele que estes problemas são muito diferentes, ainda que algumas pessoas
não façam esta distinção. Ele nos mostra que o desenvolvimento é um processo espontâneo
e diz respeito ao desenvolvimento do corpo, do sistema nervoso e das funções mentais. No
caso do desenvolvimento do conhecimento nas crianças, esse crescimento físico só se con-
clui na vida adulta. É um processo de desenvolvimento total que deve ser re-situado no
contexto geral biológico e psicológico. Ou seja, o desenvolvimento é um processo que se
relaciona com a totalidade de estruturas do conhecimento. Com a aprendizagem ocorre o
oposto. Ela é, geralmente, provocada por situações de sala de aula, quando o professor traz
a referência a algum ponto didático ou a uma situação externa. Então, ele afirma que o
desenvolvimento explica a aprendizagem, constituindo um processo essencial, no qual cada
elemento da aprendizagem ocorre como uma função do desenvolvimento total.

Voltando ao que afirmava Coll acerca da aplicação da Epistemologia Genética na


aprendizagem, observa ele que ocorreram muitas e variadas tentativas. A essa aplicação foi
dado o nome de construtivismo.6 Esta forma de ensinar tem como base que o aprender (bem
como o ensinar) significa construir um novo conhecimento, descobrir uma nova forma para
significar algo, baseado em experiências e conhecimentos preexistentes.

5
Idéias sobre o ato de aprender que encontram no texto: Conhecimento e aprendizagem. Piaget, Jean. Development and learning. In:
Lavatelly; Stendler, 1972.
6
“Entendemos que construtivismo na Educação poderá ser a forma teórica ampla que reúna as várias tendências atuais do pensamento
educacional. Tendências que têm em comum a insatisfação com um sistema educacional que teima (ideologia) em continuar essa forma
particular de transmissão que é a escola, que consiste em fazer repetir, recitar, aprender, ensinar o que já está pronto, em vez de fazer
agir, operar, criar, construir a partir da realidade vivida por alunos e professores, isto é, pela sociedade – a próxima e, aos poucos, as
distantes. A educação deve ser um processo de construção de conhecimento ao qual ocorrem, em condição de complementaridade, por
um lado, os alunos e professores e, por outro, os problemas sociais atuais e o conhecimento já construído (Acervo cultural da
Humanidade) (Fernando Becker. Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/dea_a.php?t=011>.

58
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

O construtivismo difere da escola tradicional porque ele estimula uma forma de pensar
em que o aprendiz, ao invés de assimilar o conteúdo passivamente, reconstrói o já existente,
dando um novo significado – o que resulta em novo conhecimento. Com base nisso é impor-
tante que a dinâmica de uma sala de aula privilegie o raciocínio dos alunos, a dedução, a
demonstração e outras formas de investigação.

Isso gera também o entendimento (aprendizado) do presente, que por sua vez é base-
ado no passado e dá ao futuro nova construção. Nessa aprendizagem o aluno reconstrói a
abordagem de seus conhecimentos, o que faz com que todo o saber esteja em constante
ampliação, elaboração e reconstrução.

No Brasil essa forma de ensino começou a ser introduzida nas escolas a partir da
década de 70, quando a teoria de Jean Piaget começava a fazer parte dos ambientes educa-
cionais. Com a escola construtivista, o aluno passa a ser o sujeito da sua aprendizagem, ele
é um sujeito ativo que participa do processo metodológico. Piaget pode ser definido como
precursor da visão construtivista, em razão de que é um dos traços distintivos por excelência
da epistemologia genética, que enfatiza a explicação da gênese do pensamento racional
como o resultado de um processo de construção que tem sua origem na lógica das ações do
sujeito sobre o meio (objeto, cultura, outros homens...).

Pode-se concluir que a Epistemologia Genética, e em especial os quatro princípios


explicativos sobre o funcionamento do psiquismo humano, que são “competência”, “capa-
cidade de aprendizagem”, “atividade mental construtiva” e a “equilibração das estruturas
cognitivas”, os pontos de partida para a elaboração de uma concepção construtivista do
ensino e da aprendizagem escolar.

Nesta teoria o sujeito (aluno) é um ser ativo que estabelece relação de troca com o
meio-objeto (físico, pessoa, conhecimento) num sistema de relações vivenciadas e significa-
tivas. A aprendizagem desse sujeito ativo exige sempre uma atividade organizadora na
interação estabelecida entre ele e o conteúdo a ser aprendido, além de sua aprendizagem
estar vinculada ao grau de desenvolvimento já alcançado.

Piaget defende a idéia de que então, antes da aprendizagem, é necessário o desenvol-


vimento das funções psicológicas, ou seja, ao preparar determinada aula o professor deve
estar consciente sobre o estágio de desenvolvimento em que o aluno se encontra, pois so-
mente conhecendo a realidade é possível atuar sobre ela.

Resumidamente apresentamos as questões mais importantes a se considerar quando


refletimos acerca do processo ensino-aprendizagem, na perspectiva piagetiana. Nesse senti-
do, o ato de aprender implica respostas dadas a um desafio relativo a uma estrutura
significante, que permite assimilar o “objeto” à estrutura de desenvolvimento já elaborada/

59
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

construída pelo sujeito. Assimilar significa, nesse contexto, aprender/ser ativo, o que é uma
característica fundamental no entendimento de Piaget sobre aprendizagem. Disso decorrem
implicações pedagógicas.

Estas implicações permitem que saibamos que à medida que a criança constrói e re-
constrói esquemas/ações de conhecimento agindo sobre o meio, El se estrutura mentalmen-
te. Ao falar de suas ações e experiências a criança inscreve-se num quadro conceitual, per-
tencente ao meio sociocultural em que vive. A linguagem ocorre em função dos símbolos
individuais e coletivos (significantes) e dos objetos que ela elabora (significado). A função
simbólica, por meio da linguagem, permite o estabelecimento de relações com o meio. A
capacidade de aprender manifesta-se, então, em ações e na linguagem.

Outra importante implicação decorrente é a de que se aceitarmos a importância do


meio na construção das estruturas mentais pelas ações do indivíduo compensando as per-
turbações desse mesmo meio, é possível obter-se aí uma nova teoria da aprendizagem. Com
isso, destacamos as seguintes questões:

APRENDIZAGEM E CONHECIMENTO – Existem dois movimentos básicos:

• fase exógena, de constatação e imitação

• fase endógena, de explicação e compreensão

Aprender implica estruturação, no sentido da assimilação do dado à ação do sujeito


(que dá significado ao objeto). A aprendizagem só ocorre quando o aluno, por si próprio,
elabora seu conhecimento.

Em estreita relação com o ato de aprender está o ato de ensinar, que sob o ponto de
vista piagetiano tem a função específica de propiciar que o sujeito construa seu conheci-
mento.

ENSINO – são aspectos importantes:

• a atividade do sujeito

• formas diversas no decurso do desenvolvimento. O modo como o aluno aprende


depende da estrutura presente, ou seja, a consideração dos diferentes tipos de ação intelec-
tual em desenvolvimento. Por exemplo, uma criança que tem como modo de ação intelectu-
al a busca dos objetos para conhecer, mediante a atividade direta e aberta (uso dos senti-
dos), não compreenderá uma explicação abstrata;

• Diferentes tipos de ação:

– AÇÃO como conteúdo

60
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Epistemológica
– AÇÃO como percepção
Refere-se à Epistemologia ou
– AÇÃO como operação mental imediata teoria do conhecimento (do
grego episthem (conhecimento
– AÇÃO como operação mental enquanto experimentação e de- ou verdade) + logos (discur-
so). Na Filosofia, é um ramo
dução. que trata dos problemas
filosóficos relacionados à
• Que o ensino seja baseado na pesquisa, investigação e solução crença e ao conhecimento.

de problemas. Veja mais em:


<http://pt.wikipedia.org/wiki/
CABE AO PROFESSOR Epistemologia>.

• criar situações que propiciem condições de reciprocidade inte-


lectual e cooperação moral (trabalho de grupo)

• evitar rotina, fixação de respostas e hábitos

• provocar desequilíbrios

• oportunizar desafios

• oferecer oportunidades para o desenvolvimento da autonomia.

SOBRE O TRABALHO EM GRUPOS

É importante porque permite que se dê a fase exógena, em


que os sujeitos atuam juntos compartilhando idéias e informa-
ções, responsabilidades e decisões. Pelo trabalho em grupo é pos-
sível a superação do egocentrismo e isto se concretiza quando há
o conflito proveniente de interesses diferentes entre os sujeitos.

3.3.1 – RESUMO DAS PRINCIPAIS IDÉIAS DE PIAGET

– Pesquisa sobre o conhecimento é de natureza epistemológica


e não psicológica.

– Homem: ativo Û interativo.

– Conhecimento/aprendizagem/desenvolvimento (ênfase na ação/


interação do sujeito com o mundo)

– Desenvolvimento, processo de construção contínua produzido


pelo próprio sujeito (no mundo) e que se inicia no nascimento,
passando da produção/construção de esquemas/estruturas sim-
ples e progride sempre até estruturas cada vez mais complexas.

61
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

– O processo de desenvolvimento de estruturas aparece em sua teoria dos estágios na idéia


de equilibração e na explicação do processo de abstração reflexiva, como a forma mais
elaborada do pensamento humano. O modo como raciocina o cientista, por exemplo.

– Aplicações pedagógicas

Muitos autores da área da educação têm escrito a respeito das aplicações pedagógicas
da epistemologia piagetiana.

• Emilia Ferreiro, baseada na teoria de Jean Piaget, construiu uma teoria sobre a alfabetiza-
ção. É a psicogênese da lingua escrita. Importante conhecer as experiências de emprego
da teoria desta autora. Temos experiências bem-sucedidas e outras nem tanto, devido às
interpretações e leituras nem sempre adequadas sobre esta proposta teórica.

• Todas as aplicações da teoria piagetiana, transformadas em construtivismo pedagógico


merecem ser discutidas

1) APRENDIZAGEM, segundo Piaget, introduz o conceito de equilibração, como condição


prévia de toda aprendizagem no sentido estrito. No sentido amplo, verifica-se a submis-
são da aprendizagem propriamente dita ao processo de desenvolvimento. Então, “uma
aprendizagem não parte jamais do zero, quer dizer que a formação de um novo hábito
consiste sempre numa diferenciação a partir de esquemas anteriores; mais ainda, se essa
diferenciação é função de todo passado desses esquemas, isso significa que o conheci-
mento adquirido por aprendizagem não é jamais nem puro registro, nem cópia, mas o
resultado de uma organização na qual intervém em graus diversos o sistema total dos
esquemas de que o sujeito dispõe” (Piaget, 1973, p. 32)

Se você se interessar por saber mais sobre este autor, sua teoria e
suas implicações educacionais, consulte as referências indicadas
a seguir.

– PIAGET, Jean. Construtivismo e seus problemas. In: Problemas


de Psicologia Genética. Rio de Janeiro: Forense, 1973.

– <www.fae.ufmg.br/abrapec/revistas/v1n1a5.pdf>.

– <www.scielo.br/scielo.php/>

– O que futuros professores de história gostariam de saber: Dispo-


nível em: <www.educ.fc.ul.pt/recentes/mpfip/pdfs/sarabahia.pdf>.
Acesso em: 25 abr. 2009.

62
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Seção 3.4

Behaviorismo

Behaviorismo é um termo que vem da palavra inglesa “behavior ”, que significa com-
portamento. Temos então uma teoria psicológica que se desenvolveu a partir da definição
do objeto de estudo “comportamento”, daí behaviorismo ou comportamentalismo. Seu obje-
to é, portanto, o comportamento tanto animal quanto humano, definido objetivamente como
válido se for observável e mensurável.

A aprendizagem é definida como um processo de condicionamento, distinto em dois


tipos básicos. O primeiro, denominado respondente, se processa pelas respostas produzidas
por estímulos ambientais que lhes são antecedentes. Temos o esquema (E → R),7 sendo E –
estímulo e R – resposta. Os comportamentos respondentes são reflexos incondicionados, que
combinados com estímulos eliciadores (que podem provocar as respostas) produzem respostas
condicionadas. O segundo, chamado de operante, trata de um conjunto de atividades que
produzem efeito sobre o mundo. A aprendizagem ocorre, então, por uma ação do organismo e
seu efeito sobre o ambiente. Temos aqui um esquema (R → r),8 sendo que R – resposta operante
e r – estímulo reforçador. Os reforçadores ou reforços têm as denominações de positivo (+) e
negativo (-), sendo positivo todo evento que aumenta a probabilidade de novas respostas. Já
o negativo consiste no evento que aumenta a probabilidade de uma resposta por remoção.

O condicionamento operante, para levar à modificação comportamental, serve-se dos


esquemas de diferentes categorias de reforçamento,9 que são empregadas de modo planeja-
do e especial, dependendo da situação e do comportamento que se quer condicionar. Pode-
se dividir os esquemas de reforçamento em duas categorias maiores, o esquema de
reforçamento contínuo e o esquema de reforçamento intermitente, e suas subcategorias. No
Esquema de Reforçamento Contínuo toda vez que uma dada resposta for emitida ela será
reforçada. Dessa forma, o aprendizado ocorre mais rápido.

7
Um exemplo do esquema (E – R) foi desenvolvido pelo fisiologista russo Ivan Pavlov numa experiência com um cão, uma campainha
e um pedaço de carne. Ele percebeu que quando o cão via o pedaço de carne ele salivava, o que foi chamado de reflexo não-condicionado.
Pavlov também começou a tocar a campainha (estímulo neutro) quando ia mostrar o pedaço de carne. Rapidamente o cão passou a
associar a carne com a campainha, salivando também toda vez que ela era tocada. Essa reação a um estímulo neutro foi chamada de
reflexo condicionado, importante no sentido de explicar a associação de um estímulo a outro.
8
O exemplo mais conhecido do condicionamento operante (R – r) – resposta-reforço, foi desenvolvido por B. F. Skinner. Ele criou a
“caixa de Skinner”, na qual era colocado um rato privado de alimento. Naturalmente, o rato emitia vários comportamentos (operantes)
aleatoriamente e quando ele se aproximava de uma barrinha perto da parede, Skinner introduzia uma gota d’água na caixa através de
um mecanismo e o rato a bebia. As próximas gotas eram apresentadas quando o rato se aproximava um pouco mais da barra. As outras
quando o rato encostava o nariz na barra, depois as patas, e assim em diante até que o rato estava pressionando a barra dezenas de vezes
até saciar completamente sua sede. Foi observado que os comportamentos do rato que eram seguidos de um estímulo reforçador (a água)
aumentavam de freqüência.
9
Na seqüência será incluído um quadro das categorias de reforçamento.

63
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

No Esquema de Reforçamento Intermitente, somente algumas respostas serão reforça-


das. Estes esquemas dividem-se em esquemas de reforçamento em razão e esquemas de
reforçamento de intervalo.

1) Esquemas de
reforçamento contínuo

razão fixa
esquemas de razão
razão variável

2) Esquemas de intervalo fixo


reforçamento intermitente esquemas de intervalo
intervalo variável

Nos Esquemas de Reforçamento em Razão o reforço é apresentado após um determi-


nado número de respostas. O critério para apresentação do reforço é o número de respostas
emitido pelo organismo. Eles subdividem-se em esquema de razão fixa, quando o reforço é
apresentado após um número fixo de respostas. Geralmente este esquema é representado
colocando-se o número de respostas exigidas para apresentação do reforço, após a sigla FR.
Por exemplo: FR-10 significa que a cada 10 respostas emitidas pelo organismo é apresenta-
do o reforço. Este esquema de reforçamento tem como resultado uma freqüência alta e cons-
tante de respostas e uma pausa após a apresentação do reforço. A duração desta pausa
dependerá da razão: quanto maior a razão, maior será a pausa após o reforçamento.

Em uma esquema de razão variável o reforço é apresentado após um número variável


de respostas. Geralmente este esquema é representado colocando-se o número médio de
respostas exigidas para apresentação do reforço. Por exemplo: VR-10 significa que a cada
10 respostas, em média, é apresentado o reforço. Este esquema tem como resultado uma
freqüência alta de respostas, sem gerar pausas após a apresentação do reforço.

Temos ainda os esquemas de reforçamento de intervalo, que acontecem quando a apre-


sentação do reforço depende tanto da passagem do tempo quanto da emissão da resposta
após esse intervalo de tempo. A disponibilidade limitada é fator que pode ser acrescentado
aos esquemas de reforçamento de intervalo, descrevendo que o reforço está disponível após
a passagem de tempo, mas somente por um determinado período.

Nos esquemas de reforçamento de intervalo fixo, o reforço é apresentado se o organis-


mo emitir pelo menos uma resposta após um intervalo fixo de tempo. Comumente, este es-
quema é representado colocando-se o valor específico do intervalo fixo. Por exemplo: FI-1
hora significa que o reforço é apresentado após 1 hora e somente para a primeira resposta
emitida. Este tem como resultado uma freqüência baixa de respostas no início do intervalo,
aumentando conforme o final do intervalo se aproxima.

64
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Encontramos ainda o esquema de reforçamento de intervalo variável, em que o reforço


é apresentado se o organismo emitir pelo menos uma resposta após um intervalo variável de
tempo. Normalmente este esquema é representado colocando-se o tempo médio do interva-
lo variável. Por exemplo: VI-10min significa que o reforço é apresentado após em média 10
minutos e somente para a primeira resposta emitida. Ele tem como resultado uma freqüên-
cia alta de respostas.

Esta teoria tem aplicações no ensino e na educação, especialmente no que diz respei-
to à aprendizagem. Podemos citar como exemplos de aplicação o método de ensino progra-
mado, o controle e a organização das situações de aprendizagem pelo emprego de esquemas
de reforçamento e a tecnologia de ensino, que atualmente utiliza o computador na escola.

3.4.1 – RESUMO DAS PRINCIPAIS IDÉIAS DO BEHAVIORISMO

– Homem “tabula rasa”.

– A importância da experiência (repetição).

– Conhecimento/aprendizagem/desenvolvimento (ênfase no ambiente exterior).

– Comportamento/condicionamento respondente → comportamento reflexo, involuntário;


→ (E ⇒ R), estímulos ambientais específicos eliciam respostas do organismo.

– Comportamento/condicionamento operante → o estímulo é operado pelo organismo e o


ambiente exterior proporciona reforços quando a resposta operada ocorre pela primeira
vez → (R ⇒ r).

– Reforços:

· Positivo, evento que aumenta a probabilidade das futuras respostas (“corretas”).

· Negativo, uma vez removido o evento aversivo, há probabilidade da ocorrência da respos-


ta desejada.

· Primário, relacionado às necessidades fundamentais do organismo.

· Secundário, são aqueles que se consolidam pelo pareamento com os primários.

– Extinção → não-reforçamento de resposta leva a sua não-ocorrência.

– Punição → leva à supressão temporária da resposta (“indesejada”). Não é eficiente para a


aprendizagem efetiva.

– Generalização → o estímulo adquire controle sobre a resposta devido ao reforço na presen-


ça de estímulo semelhante. Amplia a aprendizagem de conceitos básicos.

65
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

– Aplicações (algumas, para o ensino)

· Materiais para estimulação precoce.

· Textos e materiais para ensino em todos os níveis: instrução programada, máquinas de


ensinar, computadores (software).

– APRENDIZAGEM é o condicionamento comportamental obtido pela repetição intensa do


organismo dos estímulos ambientais reforçados externamente.

A terceira e última Unidade deste livro apresentou uma série de teorias psicológicas
que focalizam e refletem acerca do processo de aprendizagem.

Tratamos inicialmente da teoria Sócio-histórica, idealizada por Lev Semenovich


Vygostsky, na Rússia à época da Revolução Socialista. Sua grande contribuição deveu-se
ao seu trabalho de investigação e instituição de uma “nova educação”, baseada nas idéias
marxistas, que entende que a aprendizado é o que possibilita o despertar dos processos
internos do indivíduo e ocorre a partir do ambiente sociocultural. Sua principal idéia sobre
a aprendizagem passa pela atuação do professor na zona de desenvolvimento proximal (ZDP).

Também você teve a oportunidade de ler e estudar os princípios da Psicanálise e suas


contribuições para a educação e a aprendizagem. Seu fundador, Sigmund Freud, defendia
que a aprendizagem é um processo que depende da razão, que motiva a busca do conheci-
mento O ato de aprender pressupõe sempre uma relação com outra pessoa, aquela que
ensina com a que aprende, ou seja, não há ensino sem professor, pois aprender é inevitavel-
mente aprender com alguém.

Sobre essa mesma questão – o ato de aprender – é possível verificar que as concepções
do suíço Jean Piaget, com sua Epistemologia Genética, relacionam o processo de desenvol-
vimento do conhecimento com a aprendizagem. Ele entende ainda que a base da aprendi-
zagem é o próprio desenvolvimento, pois ela é um conjunto de modos próprios que o homem
constrói continuamente para se adaptar ao novos conhecimentos.

Finalmente, nesta Unidade você estudou o behaviorismo, representado especialmente


por B. F. Skinner. Ler sobre esta teoria lhe permitiu compreender que a aprendizagem e o
comportamento do indivíduo são resultantes de estímulos ambientais. Sua teoria funda-
menta-se no poderoso papel da recompensa ou reforço e parte da premissa de que toda ação
que produza satisfação tenderá a ser repetida e aprendida, ou seja, aprender é estar condici-
onado a determinados sinais presentes no meio em que vivemos.

Os elementos teóricos aqui apresentados tiveram o objetivo de levá-lo a conhecer as


questões importantes da Psicologia, propiciando que você possa refletir acerca do papel e do
lugar do estudante em uma sala de aula. De certo modo, conhecer a Psicologia ao longo de

66
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

sua história, aos processos mais pontuais sobre o desenvolvimento humano e sobre o ato de
aprender, pode levá-lo a uma compreensão sobre o modo como aprendemos todos, o que vai
ajudá-lo a resolver determinadas questões de ordem pedagógica que lhe serão postas como
professor.

Creio ainda ser importante, à guisa de conclusão deste livro-texto, proceder a algu-
mas reflexões finais acerca do processo de “educar-ensinar-aprender ”, que é o grande obje-
tivo de todos nós nesse processo pedagógico que vem acontecendo, ou seja, a formação de
professores na modalidade de ensino a distância. Ao refletir sobre a Educação nos reporta-
mos a um conceito clássico sobre esse processo, disponibilizado pelo pensamento de Emile
Durkheim, que nos ensina que a educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre
aquelas que ainda não estão maduras para a vida social. Tem por objetivo suscitar e desen-
volver na criança desde estados físicos, intelectuais e também morais que a sociedade em
que ela está inserida exige e especialmente seu meio sociocultural especial.10

Ao promover esse processo os adultos esperam que os jovens se tornem como eles, trans-
mitindo-lhes crenças, condutas, medos, valores, esperanças. O processo educativo é realizado
de várias formas, na família, na rua, na escola. Por meio do contato com o outro nos impreg-
namos das influências sociais, adquirindo características comuns a todos os homens: aquelas
características que consideramos humanas, próprias de uma nação, cidade, classe social, gru-
po ou família. Como é possível perceber, então, os homens vão sendo educados, fazem “expe-
riências” e aprendem a partir das relações com o outro. Isso constitui a cultura própria, parti-
cular, de cada sujeito e de cada grupo sociocultural. Um conceito de aprendizagem que privi-
legia essa visão de processo e que envolve o homem e o meio social mais amplo nos é apresen-
tado por Marta Kohl de Oliveira. Ela ressalta que a aprendizagem é um processo no qual o
sujeito adquire informações, habilidades, valores e atitudes. Isso ocorre no contato com a
realidade em que está inserido, seu meio e as pessoas com quem convive.11

Assim sendo, a compreensão do modo como se dá esse processo permite conhecer o ser
humano em suas múltiplas facetas e explica a maneira pela qual o homem se desenvolve,
toma conhecimento do mundo (espaço-tempo), inserindo-se nele e tornando-se sujeito de
sua própria história e da história de seu grupo social. No processo educativo ocorre o que se
pode denominar de ensino-aprendizagem. Então, quando discorremos sobre a importância
da aprendizagem para o homem, você percebe que estamos tratando de uma “via de duas
mãos”, ou seja, o processo educacional abrange sempre e necessariamente esses elementos
que são intimamente ligados, são complementares e solidários.

10
Durkheim, apud Buisson, 1911.
11
Oliveira, 1995.

67
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Creio ser importante acrescentar ainda que a Psicologia, ao estudar a educação, o


ensino e a aprendizagem, tem trazido contribuições significativas no aspecto teórico em si e
também para a prática pedagógica. Podemos dessa forma perceber que da compreensão
desses processos e da análise de suas diferentes explicações – algumas convergentes e ou-
tras divergentes – é que dependerá a escolha do método de ensino, a organização dos pro-
gramas e objetivos e principalmente a postura profissional coerente, fundamentada cientifi-
camente e necessária à mudança que se exige diante das condições de ensino-aprendiza-
gem em nossa realidade.

68
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Referências

ARGE NTO, He loi sa. Di sponí v e l e m: <http://ww w.robe rtexto.com/ archi vo1/
socio_construtivista.htm>. Acesso em: 20 abr. 2009.

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

______. História da vida privada. São Paulo: Cia da Letras, 1991.

BANKS-LEITE, Luci (Org.). Percursos Piagetianos. São Paulo: Cortez Ed., 1997.

BARRELET, Jean-Marc; PERRET-CLERMONT, Anne-Nelly. Jean Piaget: aprendiz e mestre.


Trad. Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

BECKER, Fernando. A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. Petrópolis: Vozes,


1993.

BOCK, Ana M. B. et al. Psicologias: uma introdução ao estudo da Psicologia. São Paulo:
Saraiva, 1999.

CASTORINA, José Antonio et al. Piaget e Vygotsky: novas contribuições para o debate.
Trad. Claudia Schilling. São Paulo: Ed. Ática, 1998.

COLL, C. As contribuições da Psicologia para a Educação: Teoria genética e aprendizagem


escolar. In: LEITE, L. B. (Org.). Piaget e a Escola de Genebra. São Paulo: Editora Cortez,
1992.

DURKHEIM, E. In: BUISSON, F. Educación. Nuevo Diccionario de Pedagogia. Paris:


Hachette, 1911.

FLAVELL, John H. A Psicologia do desenvolvimento de Jean Piaget. São Paulo: Pioneira,


1988.

FERREIRO, Emilia. Atualidade de Jean Piaget. Trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: ArtMed,
2001.

GAARDER, J. O mundo de Sofia: romance da História da Filosofia. São Paulo: Companhia


das Letras, 1985.

HOUDÉ, Olivier; MELJAC, Claire (Orgs.). O espírito piagetiano: homenagem internacional


a Jean Piaget. Trad. Vanise Dresch, com consultoria e supervisão de F. Becker. Porto Alegre:
ArtMed, 2002.

KESSELRING, Thomas. Jean Piaget. Trad. Antônio Estevão Allgayer e Fernando Becker.
Petrópolis: Vozes, 1993.

KUPFER, Maria Cristina. Freud e a educação. São Paulo: Scipione, 1997.

69
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

LAPLANCHE; PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Livraria Martins Fontes,


1987.

LAVATELLY, C. S.; STENDLER, F. Reading in child behavior and development. New York:
Hartcourt Brace Janovich, 1972.

MACEDO, Lino de (Org.). Cinco estudos de educação moral. São Paulo: Casa do Psicólogo,
1996.

MONTANGERO, Jacques; MAURICE-NAVILLE, Danielle. Piaget ou a inteligência em evo-


lução. Trad. Tania Beatriz I. Marques e Fernando Becker. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-


histórico. São Paulo: Scipione, 1995.

PENNA, Antonio Gomes. Introdução à história da Psicologia contemporânea. Rio de Janei-


ro: Zahar, 1980.

PIAGET, Jean. O estruturalismo. Trad. Moacir Renato de Amorim. São Paulo: Difel, 1979.

______. Problemas de Psicologia Genética. Rio de Janeiro: Forense, 1973.

______. Psicologia da Inteligência. Trad. Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar Ed.,
1983.

______. Seis Estudos de Psicologia. Trad. Maria Alice Magalhães d‘Amorim e Paulo Sérgio
Lima Silva. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978.

______; GARCIA, Rolando. Psicogênese e história das ciências. Trad. Maria Fernanda de
Moura Rebelo Jesuíno. Lisboa: Dom Quixote, 1987.

RAPPAPORT, Clara e outros. Teorias do desenvolvimento: conceitos fundamentais. São Pau-


lo: EPU, 1981. (Capítulo 2, Modelo Psicanalítico).

SCHULTZ, Duane. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Cultrix, 1981.

VYGOSTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

______; LEONTIEV; LURIA. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone,


1988.

70
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Anexos

Nestes anexos constam cinco textos que permitem leitura e reflexão e estão relaciona-
dos às idéias teóricas sobre a aprendizagem, tratadas especialmente na Unidade 3.

A) PARA LER VYGOTSKI: Recuperando Parte da Historicidade Perdida

Silvana Calvo Tuleski1

Partindo do pressuposto de que é no campo próprio da batalha humana que as idéias, os


conceitos ou teorias encontram seu pleno significado histórico, e que o campo concreto da batalha
em que se transformou a sociedade russa pós-revolucionária para tornar-se diferente do que era,
está vivo nas linhas e entrelinhas das idéias, dos conceitos, enfim, da teoria de Vygotski, a hipó-
tese desse trabalho é de que a teoria transladada para um outro campo, sem considerar o campo
que a fez germinar, sofre um processo de assepsia neutralizadora que autoriza sua vulgarização
sem ameaça ou suspeita. Diante disso pergunta-se: o que de fato fez com que a teoria revolucio-
nária de Vygotski fizesse tantos adeptos, fosse tão vulgarizada entre psicólogos e pedagogos e tão
divulgada sem contestação? Que significado tinha para a sociedade russa e que significado tem
para a sociedade contemporânea ? Essas e outras questões derivadas delas nortearam os estudos
realizados sobre o tema da pesquisa que, por sua vez, resultaram na dissertação de mestrado da
autora e que procurar-se-á sintetizar no presente texto.

A leitura contemporânea de Vygotski

Constatou-se, preliminarmente, com base na revisão da literatura estudada, existir entre os


autores mais similaridades do que diferenças entre as interpretações sobre o pensamento de
Vygotski. Tal similaridade começa pelas fontes de pesquisa, ou seja, a grande maioria dos estudos
publicados sobre a teoria de Vygotski tem por base duas de suas obras: Pensamento e Linguagem
e A Formação social da mente, sendo ambas de tradução norte-americana. Além disso, não são
traduções literais do original em russo, mas sim um “resumo” de suas idéias principais ou uma
“coletânea” organizada por tradutores e editores. No prefácio de Pensamento e Linguagem os
próprios tradutores advertem que “uma tradução literal não faria justiça ao pensamento de
Vygotsky”. Assim, chegaram ao consenso de que a repetição excessiva de “certas discussões po-
lêmicas” teria pouco interesse para o leitor contemporâneo e “deveriam ser eliminadas, em favor
de uma exposição mais clara”. Explicam, ainda, que a simplificação teve o objetivo de tornar mais
claro o estilo de Vygotski e que, embora a tradução compacta possa ser encarada como uma versão
simplificada do original, no entender dos tradutores, a condensação aumentou a clareza e
legibilidade do texto.

1
A autora é professora da Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Psicologia
e este artigo é encontrado em: <www.boletimef.com.br/biblioteca>. Acesso em: 25 abr. 2009.

71
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

No livro A Formação Social da Mente encontra-se a mesma situação em relação à fidelidade da


tradução. No Prefácio, os organizadores explicam como a fizeram, reunindo diversos textos do
autor, acrescentando materiais provindos de fontes adicionais e “omitindo matérias aparentemen-
te redundantes”, com o objetivo de tornar mais claro o significado do texto: “(...)Temos, ainda,
perfeita noção de que ao mexer nos originais poderíamos estar distorcendo a história; entretanto,
acreditamos também que, deixando claro nosso procedimento e atendo-nos o máximo possível
aos princípios e conteúdos dos trabalhos, não distorcemos os conceitos originalmente expressos
por Vygotsky” (Vygotsky, 1989, p. X).

A preocupação em não “distorcer a história” é relegada em nome da “clareza” dos conceitos,


principalmente quando se leva em consideração a importância que o próprio Vygotski deu, em seus
trabalhos, ao significado das palavras em relação ao seu contexto. Para ele, as palavras são constru-
ções históricas, seu significado não é abstrato e eterno, mas varia conforme variam as relações entre
os homens. Os conceitos científicos devem ser entendidos no conjunto das obras do referido autor e
em relação ao momento histórico vivido por ele, condições postas por Vygotski e que parecem estar
sendo ignoradas pela contemporaneidade, já a partir da tradução de suas obras.

Sève (1989) afirma que os cortes realizados atingiram principalmente as reflexões marxistas de
Vygotski, como se elas tivessem importância secundária para a compreensão de seus conceitos.
Em conseqüência disso, as traduções se apresentam “assépticas”, “limpas” do que parece ser
considerada a “ideologia comunista”. Esta “limpeza”, realizada pelos tradutores em relação às
reflexões marxistas, deu margem à polêmica existente de ser Vygotski marxista ou não. A idéia
equivocada de alguns autores contemporâneos de que existia uma imposição ideológica desde a
revolução, que obrigava os cientistas a adotarem o materialismo dialético em todos os seus traba-
lhos, acabou por reforçar ainda mais esta polêmica: era Vygotski realmente marxista ou adotou o
marxismo por imposição ideológica?
Na verdade essa controvérsia se enfraquece na medida em que uma leitura mais abrangente e
aprofundada das obras de Vygotski se enraizar nas grandes questões que a sociedade russa, e
depois a União Soviética, tinha que resolver.

As críticas e retaliações, sofridas por Vygotski na década de 30, que culminaram com a proibi-
ção de suas obras pelo governo de Stalin, ajudam a entender sua defesa por uma “verdadeira”
Psicologia marxista, em oposição àquela que vinha se evidenciando.

Segundo Davydov e Zinchenko (1994), a visão de mundo de Vygotski desenvolveu-se nos anos
da revolução e refletiu as mais avançadas e fundamentais influências socioideológicas relacionadas
à compreensão das forças essenciais do homem, das leis de seu desenvolvimento histórico e de sua
formação plena, nas condições da nova sociedade socialista, pensamento que se manifestou plena-
mente na Filosofia materialista dialética que conhecia a fundo e na qual baseou toda a sua teoria.
O desejo de Vygotski, portanto, era abordar o estudo da mente utilizando-se do método de Marx,
opondo-se frontalmente à utilização de citações e junções ecléticas entre os clássicos marxistas e as
teorias psicológicas ocidentais, como tentativa de construção de uma Psicologia marxista.

Estudar Vygotski hoje, no entanto, parece ter de enfrentar dois problemas em um primeiro
plano: romper com a censura burguesa, referente a sua formação marxista e seu compromisso com
a sociedade comunista, e romper com a censura comunista de suas próprias obras, operada a
partir da década de 30 pelo stalinismo.

72
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

O primeiro problema pode ser resolvido com a utilização das traduções espanholas que são
mais fiéis à edição russa das Obras escolhidas, enquanto que o segundo só seria possível de ser
resolvido tendo acesso aos manuscritos do autor, muitos deles desaparecidos ou alterados durante
o governo de Stalin.

Neste contexto é possível compreender a crítica de Vygotski às utilizações de citações de Marx,


Engels, Lenin, pontuando que uma Psicologia verdadeiramente marxista não se faz como uma
“colcha de retalhos” de citações dos clássicos, mas com a adoção do método utilizado por Marx
para a análise da sociedade capitalista. A ênfase metodológica está presente em todos os seus
escritos, como uma recusa implícita ao ecletismo burguês e ao dogmatismo stalinista.
Existe, portanto, uma “leitura” específica feita na atualidade sobre a teoria vygotskiana, priorizando
alguns aspectos em detrimento de outros, ignorando os aspectos que o autor intencionalmente tentou
evidenciar ou reiterar em seus textos. Esta desconsideração do autor, como alguém historicamente
datado e, portanto, comprometido com os acontecimentos de sua época, tem dado margem a inúmeras
“interpretações” abstratas de seus conceitos e pressupostos teóricos na atualidade.

Assim, seja por dificuldades no entendimento do pensamento dialético e histórico de Vygotski,


seja por razões político-ideológicas ou por peculiaridades do pensamento atual que prima pela
fragmentação, acaba-se por traduzir suas idéias linearmente, retirando grande parte das “ques-
tões polêmicas” abordadas por ele e, conseqüentemente, sua historicidade. Eliminar esta singula-
ridade de seu pensamento significa eliminar grande parte de seu esforço por construir uma Psico-
logia marxista em circunstâncias históricas determinadas. A forma e o conteúdo de seus textos são
essencialmente dialéticos, estão em sintonia, complementam-se e formam um conjunto, um afirma
o outro constantemente.

Ler Vygotski, portanto, é antes de tudo admiti-lo como marxista e comunista e todas as implica-
ções decorrentes disso. Como diz Duarte, comete-se um grave equívoco ao pretender depurar a
Psicologia de Vygotski de seu marxismo ou afastá-lo da proposta de uma sociedade comunista:
“para se compreender o pensamento de Vigotski e sua escola é indispensável o estudo dos funda-
mentos filosóficos marxistas dessa escola psicológica” (Duarte, 1996, p. 78).

Grande parte das publicações nacionais, com base na teoria de Vygotski, têm enfatizado a
aprendizagem, a interação entre pares e a relação entre pensamento e linguagem. Encontram-se
poucos estudiosos, inclusive estrangeiros, que consideram as influências societárias mais amplas
no desenvolvimento da psique humana. A organização social, as relações sociais de produção
como construtoras de uma psique determinada não são analisadas. A ênfase na escola, na interação
em pequenos grupos, na relação aprendizagem e desenvolvimento com enfoque na zona de de-
senvolvimento proximal, na mediação, são destacadas sem que se avance para o significado que
assumem em uma sociedade capitalista, quando o próprio Vygotski estava empenhado na destrui-
ção dessa forma de sociedade.
Esses autores não ignoram por completo o social, mas o “social” dilui-se ou, dizendo melhor,
restringe-se às interações individuais em pequenos grupos. As relações sociais, no sentido dado por
Marx e adotado por Vygotski, como produtoras e transformadoras dos comportamentos, condutas e
formas de pensar humanos no decorrer da história, acabam por se limitar a relações interpessoais
nesta forma de se ler Vygotski. As interações e mediações, estudadas de maneira a-histórica, indepen-
dentes de tempo e lugar, adquirem um significado distinto daquele pretendido por Vygotski.

73
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Para os pesquisadores atuais, orientados pela ciência da História, entender o social de Vygotski
significaria fazer as distinções entre as condições objetivas presentes na sociedade russa daquele
período, que permitiram a revolução e a construção do projeto coletivo socialista, e as condições
objetivas atuais desta sociedade, onde tem-se a globalização do capital, e cujo projeto coletivo é o
neoliberalismo, para que se definam os limites de uma teoria revolucionária, deslocada da
materialidade que a produziu.

Observa-se, também, nessas interpretações a-históricas, a tentativa de integrar Vygotski aos


paradigmas da atualidade, classificando sua teoria de diversas formas, como socioconstrutivismo,
sociointeracionismo, sociointeracionismo-construtivista, construtivismo pós-piagetiano, entre outras.
A necessidade de classificar ou criar “novas” denominações para a teoria de Vygotski é um fato
realmente curioso que merece maiores discussões e aprofundamento. Como o próprio Vygotski
diz, uma revolução arranca os nomes velhos das coisas e cria novos com novos significados. Que
dizer então de uma teoria, que se pretendeu revolucionária em seu período histórico, ser “adap-
tada” aos velhos paradigmas existentes na atualidade? Por que não respeitar a denominação,
dada pelos próprios integrantes desta escola, de teoria histórico-cultural?

São poucos os autores que trazem a biografia do autor ligada aos acontecimentos da URSS e o
impacto destes em seu pensamento. Quando isso ocorre, embora de maneira sucinta e, algumas
vezes, com interpretações político-ideológicas evidentes, considera-se um avanço, no sentido de
possibilitar a leitura de um Vygotski histórico na atualidade, rebatendo grande parte das “classi-
ficações” que têm sido realizadas de sua teoria, idéias e conceitos

Dentre eles, Shuare (1990) é quem traz um panorama mais completo da base filosófica da
Psicologia soviética e das relações entre o desenvolvimento desta, após a revolução, com as con-
dições da União Soviética, enfocando diversos teóricos do período e suas investigações sobre o
desenvolvimento da psique humana.
A questão, neste estudo, não é escolher uma dentre as várias leituras apresentadas, mas frisar
que, quando se adota o ponto de vista histórico, significa admitir que não se tiram leituras dos
textos de Psicologia, simplesmente, mas que a leitura se constrói a partir das questões postas
pelos homens historicamente determinados. Dito de outra forma, as leituras e interpretações en-
contram seus limites nas formas de pensar e interpretar a realidade, produzidas na luta pela
organização da sociedade. Daí a dificuldade, na atualidade, em entender o pensamento de Vygotski
como ele propôs que assim se entendesse o pensamento em geral, isto é, historicamente.

Em busca de um leitura histórica da teoria vygotskiana

Com a Revolução de 1917 começam os problemas da sociedade russa que iriam sugerir a teoria
de Vygotski. A luta de classes, de interesses antagônicos (burgueses e proletários), não desapare-
ce com a abolição da propriedade privada dos meios de produção, ela metamorfoseia-se em cada
etapa da construção do socialismo russo.

Nos anos que se seguiram à Revolução Socialista, não se pode dizer que a aparência da soci-
edade soviética correspondesse a sua essência, ou à essência do projeto coletivo que a impulsio-
nou, pois o fato de ter sido abolida juridicamente a propriedade privada não garantia que, auto-
maticamente, as relações burguesas haviam sido eliminadas. Esta contradição, intrinsecamente

74
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

ligada à luta de classes no interior da Rússia e ao período de reconstrução da sociedade, que ora
imprimia características burguesas, ora socialistas às relações de produção, será o fio condutor
para a análise da Psicologia vygotskiana.

Uma das questões que chama a atenção quando se lê atentamente as obras de Vygotski é sua
contundência e insistência em superar a “velha Psicologia”, postulando uma “nova Psicologia”
que fosse capaz de eliminar a dicotomia entre corpo e mente e realizar a síntese. Esta dicotomia
foi historicamente o pomo da discórdia entre as teorias psicológicas, justificando sua classificação
entre idealistas e materialistas. Vygotski parece perseguir o objetivo de superá-la, trazendo para
a Psicologia o método proposto por Marx e Engels e construindo a ponte que eliminaria a cisão
entre a matéria e o espírito.

Com essa perspectiva Vygotski revê as principais teorias ligadas à “velha Psicologia” mostran-
do seus pontos positivos e negativos, e o faz mostrando os avanços e retrocessos, historicamente
determinados, como uma luta que se descola do mundo real e se afirma no mundo das idéias e
vice-versa. Opondo-se aos estudiosos de sua época, ele procura demonstrar os elementos da crí-
tica e da análise das teorias existentes para construir uma nova Psicologia. Este posicionamento
fica evidente em seu texto El significado histórico de la crisis de la Psicología. Una investigación
metodológica, de 1927.

A cisão existente na Psicologia, entre dois posicionamentos aparentemente distintos mostra


que a discussão é ideológica e não científica, no sentido de buscar a verdade, ou apreender a
natureza social das idéias. Neste sentido, a dicotomia entre teorias materialistas e idealistas não
só representariam, na sociedade burguesa, a divisão entre duas classes que se opõem, como elas
(as classes) expressam a divisão, no processo do trabalho, entre o pensar e o fazer, entre o interes-
se individual e a realização social. A superação de tal cisão no mundo das idéias está condiciona-
da à superação dessa dicotomia na realidade objetiva. Dito de outra forma, o enfrentamento desta
dicotomia, no nível das idéias, estava posto desde o século XIX; no entanto, apenas na Rússia do
início do século XX esta estava sendo enfrentada concretamente: a superação de tal dicotomia era
possível também na prática humana, através do projeto coletivo comunista.

Pode-se dizer que a análise de Vygotski em relação à crise da “velha” Psicologia expressa a
luta concreta pós-revolucionária pela superação das relações capitalistas de produção. A revolu-
ção socialista possibilitava a construção de uma “nova Psicologia”, capaz de superar o antago-
nismo clássico entre materialismo e idealismo, da mesma forma em que o capitalismo seria
superado pelo comunismo. No entanto, como ainda permanecia a luta de classes no interior da
sociedade russa, permanecia a luta pela superação da velha Psicologia que assumia um caráter
cada vez mais agressivo no mundo das idéias, tal como se fazia na vida prática a expropriação
da burguesia.

Para ele, a Revolução decretou a crise das explicações reducionistas em Psicologia e impulsio-
nou a criação da nova Pedagogia, pela necessidade de a Psicologia deixar de ser uma ciência
pura, desligada aparentemente das necessidades reais, e tornar-se uma ciência capaz de solucio-
nar os problemas postos pela prática social.

Assim, as necessidades da prática social conduziriam o desenvolvimento desta nova Psicolo-


gia, unindo teoria e prática e criando uma metodologia única. Os resultados dessa nova Psicolo-
gia na educação, no Direito, no comércio, na indústria, na vida social e na Medicina seriam

75
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

responsáveis pelo aperfeiçoamento da Psicologia e de suas concepções teóricas. “La vida necesita
de la psicología y de su práctica y a consecuencia de este contacto com la vida es de esperar un
auge en la psicología” (Vygotski, 1991, vol. I, p. 359).

Esta idéia de aplicação prática da ciência na solução dos problemas enfrentados em relação à
construção do socialismo é encontrada em vários autores que escrevem sobre a União Soviética e
em manuais de Economia Política russa, demonstrando que o desenvolvimento do socialismo esta-
ria ligado à revolução científico-técnica.
Na tentativa de entender o que ocorre, a partir de seu campo específico de conhecimento, Vygotski
critica não só a Psicologia ocidental que, por possuir suas bases assentadas na realidade burguesa,
encontra aí os limites de suas interpretações. Mas também faz críticas à Psicologia marxista em
processo de construção. Esta, de sua perspectiva, não passava de uma colcha de retalhos de citações
de Marx e Engels superpostas às análises de fenômenos psicológicos realizadas pela Psicologia
ocidental, o que acaba por desembocar no ecletismo tão comum à Psicologia burguesa.

Coerente com suas concepções, Vygotski postula que, estando a sociedade comunista em cons-
trução, não é possível existir uma Psicologia comunista acabada. Esta só será capaz de se comple-
tar com a existência real da sociedade comunista, com a concretização desta forma de organização
social e com a transformação das relações sociais.

Nuestra ciencia no podía ni puede desarrollarse en la vieja sociedad. Ser dueños de la verdad sobre la
persona y de la propia persona es imposible mientras la humanidad no sea dueña de la verdad sobre la
sociedad y de la propia sociedad. Por el contrario, en la nueva sociedad, nuestra ciência se hallará en el
centro de la vida. “El salto del reino de la necesidad al reino de la libertad” planteará inevitablemente
la cuestión del dominio de nuestro propio ser, de subordinarlo a nosotros mismos. (...) Será en efecto la
última ciencia del período histórico de la humanidad o la ciencia de la préhistoria de esta humanidad.
Porque la nueva sociedad creará al hombre nuevo (Vygotski, 1991, p. 406, grifos nossos).

Em outros escritos ele argumenta que na transição para uma Psicologia comunista, a Psicologia
burguesa deveria ser utilizada com restrições. A nova Psicologia não poderia existir, porque não
existia o novo homem na realidade da sociedade soviética. As relações entre eles pautavam-se
mais pela prática burguesa do que pela prática comunista, existindo apenas a possibilidade de
que este novo homem emergisse com a consolidação da nova sociedade.

Para ele, a Psicologia comunista seria a Psicologia geral que unificaria todos os ramos particula-
res (Psicologia do desenvolvimento, experimental, vocacional, etc.) através do método. Esta preocu-
pação metodológica está presente em todas as obras de Vygotski, inclusive em seus primeiros estu-
dos sobre a arte. O livro Psicología del arte, segundo Leontiev descreve no Prólogo, é um resumo
dos trabalhos de Vygotski de 1915-1922 sobre esta temática. Em todo o livro, ao analisar as teorias
de diversos estudiosos da arte, Vygotski evidencia a importância de um método unificador, para que
a arte seja entendida em seus diversos aspectos e complexidades como uma produção social.

Em todas as suas obras ele enfatiza o método materialista-histórico, que deveria ser tomado
como geral para a análise dos fenômenos, capaz de unificar a ciência psicológica. A condição para
a construção de uma Psicologia marxista no campo teórico, portanto, era o domínio e utilização do
método proposto por Marx, pois sem ele esta se transformaria em uma colcha de retalhos seme-
lhante à Psicologia burguesa.

76
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Construir uma Psicologia compatível com as transformações históricas, no entanto, implicava


em abandonar o determinismo biológico e fazer do homem o sujeito dessas transformações. A
idéia que nasce e se desenvolve com a sociedade burguesa, de que o comportamento humano é
determinado biologicamente, deveria ser superada juntamente com as estruturas desta sociedade,
já enfraquecidas pela Revolução. Tal concepção determinista não mostra a possibilidade de trans-
formação da natureza humana, pois esta já é dada “a priori” desde o nascimento, eliminando a
possibilidade de transformação, de revolução. Assim, desenvolvimento, na concepção da Psicolo-
gia burguesa, é a emergência daquilo que já estava em estado embrionário desde o nascimento. É
uma transformação mais quantitativa do que qualitativa, que ocorre de forma regular, linear e se
repete em todos os indivíduos.

Romper com o determinismo biológico significava, antes de tudo, criar a consciência da trans-
formação da qual o homem é sujeito e objeto e, para alcançar este objetivo, Vygotski procurou
traçar uma linha divisória entre o homem e o animal, demonstrando seus pontos de convergência
e de divergência, opondo-se à Psicologia fisiológica que reduzia os comportamentos de ambos a
reações instintivas e reflexas.

O caminho traçado por Luria e Vygotski, no livro “Estudos sobre a história do comportamento”
(1996) escrito no final dos anos 20 e início dos anos 30, para demonstrar que no homem o desen-
volvimento histórico se sobrepõe ao biológico, segue três linhas principais: evolutiva, histórica e
ontogenética.

Assim, Vygotski parte das idéias de Engels (1985) e desenvolve em seus estudos a importância
da linguagem enquanto sistema simbólico responsável pela transformação do pensamento prático
em pensamento verbal e pelo desenvolvimento das operações intelectuais responsáveis pelo con-
trole do próprio comportamento. O desenvolvimento do comportamento do animal ao do homem
ocorre para ele, portanto, através de um salto qualitativo do biológico ao histórico.

Da mesma forma como faz a análise do comportamento animal e humano, em suas semelhan-
ças, mas sobretudo nas suas diferenças, ele procede em relação ao homem primitivo e ao homem
moderno, pontuando as convergências e divergências. Ao postular as características de cada um
deles no que diz respeito às funções psicológicas, deita por terra a concepção de uniformidade e
de universalidade de determinadas características psicológicas. Elimina a idéia de que as funções
psicológicas são dadas desde o nascimento e não sofrem alterações qualitativas e que são comuns
a todos os homens, independente do período histórico ou da sociedade em que vivem. Ao contrá-
rio, ele demonstra o quanto a diversidade qualitativa das funções está intrinsecamente ligada à
característica de sobrevivência, de organização e das relações que cada tipo humano estabelece
com os outros homens e com a natureza.

Tais necessidades concretas de remodelação da natureza humana para construir aquilo que a
própria revolução projetava de novo, circunstanciada pela força da tradição, conduziu Vygotski à
necessidade de entender como a criança se transforma em um ser sociocultural. Em outras pala-
vras, como uma criança recém-nascida, onde predominam a princípio as funções elementares e
biológicas, apropria-se dos instrumentos culturais e simbólicos postos em sociedade, transforman-
do-se, qualitativamente, em um ser que se vê como unidade na relação com o coletivo em constru-
ção, com o qual deve comprometer-se.

77
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Vygotski demonstra, experimentalmente, a transformação das funções psicológicas infantis – a


memória, a atenção, a abstração, a aquisição de instrumentos, a fala e o pensamento – de seus
estágios mais primitivos para aqueles considerados, por ele, como mais evoluídos culturalmente,
isto é, mediados por signos, pela utilização de instrumentos psicológicos, adquiridos cultural-
mente.
As tarefas que a sociedade moderna exige do homem são de grande complexidade no que diz
respeito ao domínio da técnica e dos instrumentos existentes para a sobrevivência. Apenas a
convivência em sociedade, a inserção em ambientes informativos informais espontâneos não ga-
rantiriam, portanto, o desenvolvimento necessário para a integração futura nas atividades sociais
produtivas.

A tese central de sua teoria afirma ser a psique uma construção histórico-social, o que constitui
o elemento inovador de sua Psicologia, condizente com os encaminhamentos dados para a cons-
trução da consciência comunista. A sociedade soviética estava criando as condições concretas para
o desenvolvimento de relações sociais autenticamente comunistas, ao mesmo tempo que necessi-
tava alterar a consciência das massas, eliminando as características burguesas e transformando-a,
gradativamente, em consciência comunista, voltada à coletividade: essência do “homem novo”.

Neste sentido ele critica a “velha” Psicologia como incapaz de orientar o processo educativo,
por estudar a psique de forma estática e não dinâmica, em suas formas cristalizadas e não em
processo de origem, formação e desenvolvimento: “Lo que describe y analiza, se clasifica y
categoriza, es una conciencia ya terminada com todos sus atributos y componentes, como si hubiera
existido durante siglos tal y como nos la descubre la introspección” (Vygotski, 1991, p. 146).

Desta forma, a “nova” maneira de enfocar o homem deveria ocupar um lugar central no proces-
so educativo. A psique deveria ser estudada em transformação, levando-se em conta os mecanis-
mos capazes de acelerar ou bloquear seu desenvolvimento.

De ahí que la nueva psicología sea un fundamento para la educación en mucha mayor medida
que lo era la psicología tradicional (...). El nuevo sistema no tendrá que esforzarse por extraer de
sus leyes las derivaciones pedagógicas ni adaptar sus tesis a la aplicación práctica en la escuela,
porque la solución al problema pedagógico está contenida en su mismo núcleo teórico, y la educación
es la primera palabra que menciona (Vygotski, 1991, p. 144, grifos nossos).

A escola, portanto, desempenharia importante função na eliminação de comportamentos liga-


dos à natureza burguesa. À nova Psicologia e educação comunista, tenazmente buscadas por
Vygotski, caberia um papel na luta de classes existente na sociedade soviética, tendo como obje-
tivo transformar consciências burguesas em consciências comunistas, por não terem conseguido
superar a primeira etapa do socialismo. Enquanto, no interior das fábricas, das fazendas coletivas
e no próprio partido, as relações hierárquicas se reproduziam; as relações políticas e econômicas
da União Soviética com outros países constituíam-se, cada vez mais, em relações capitalistas;
concepções capitalistas na indústria e no campo, ligadas à produtividade, ao desenvolvimento
tecnológico e ao desenvolvimento acelerado, ganhavam terreno, a parte que coube à Psicologia
nesta luta foi desenvolver uma concepção de homem comunista que fosse possível de ser aplicada
à educação, no sentido de combater as tendências burguesas, cada vez mais presentes nas rela-
ções sociais.

78
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

O autocontrole individual, ou seja, o autodomínio para a gestão coletiva, tão frisado por Vygotski,
parecia ser o único mecanismo capaz de eliminar a existência das relações burguesas, permitindo
aos homens conter seus impulsos egoístas, voltados à satisfação individual e imediata, em prol da
execução de um projeto coletivo de distribuição igualitária da produção. Ao mesmo tempo, através
da autodisciplina, seria possível suprir as necessidades práticas de desenvolvimento da socieda-
de, as quais exigiriam dos homens grande sacrifício, cujo retorno e benefício só seriam alcançados
a longo prazo. Para Vygotski esta era a diretriz para substituir a coerção externa cada vez mais
presente na sociedade soviética e, ao mesmo, facilitar o caminho para o verdadeiro comunismo. O
homem deveria ser capaz de controlar suas funções psicológicas tanto quanto fora capaz de con-
trolar a natureza desenvolvendo a ciência e a tecnologia.

Considerações finais

Aceitar a leitura histórica é um primeiro passo, mas para isso é preciso admitir que o fazer e o
pensar são históricos e estão intimamente relacionados, o que subentende uma determinada for-
ma de existência em processo de transformação, tanto quanto compreender que uma teoria não
prolifera em alguma estratosfera semântica, alijada das lutas que os homens travam na produção
material de sua existência social.

Lê-se com objetivos diferentes e, neste sentido, a idéia de fidelidade de interpretação deve ser
reconsiderada. “A leitura não é um processo transparente e natural. Considerações ideológicas,
genéricas e sociais entram na leitura de Psicologias. O objetivo da interpretação fiel, portanto,
não é o absoluto, a ser determinado para todo o sempre.” (Burgess, In: Daniels, 1994, p. 40).

Assim, na atualidade, o pesquisador vai à obra de Vygotski para retirar o que julga importante de
acordo com sua especialidade, sua visão de homem e natureza. Encontram-se, então, vários Vygotskis,
alguns marxistas, outros não; uns preocupados com a crise da Psicologia (que diversos autores con-
temporâneos dizem ser atualíssima) em primeiro plano, outros interessados em Educação Especial;
outros preocupados com desenvolvimento e aprendizagem, com enfoque na zona de desenvolvimento
proximal; enfim, observa-se uma fragmentação de sua obra, com a perda de significado de seus con-
ceitos. Vygotski apresenta-se como pedólogo, metodólogo, psicólogo, estudioso da arte, todos separa-
dos e nunca em comunicação com as grandes questões da sociedade de seu tempo.
Desta maneira, torna-se quase impossível compreender a totalidade de sua obra, o fio condutor
de todas as suas análises, o que efetivamente lhe deu base para discutir assuntos tão diversos sem
perder de vista a perspectiva revolucionária da sociedade russa. Entende-se que é imperativo
superar estas formas de análise do pensamento vygotskiano, pois seus estudos sobre o pensamen-
to humano (quando entendido em sua totalidade), um dos interesses da própria Psicologia
vygotskiana, demonstraram a impossibilidade de se manter uma estratégia a-histórica desse tipo.
Isto quer dizer que não se pode aprender ou utilizar aquilo que se produziu no passado? Não,
o que se quer dizer é que, ao apreender o que se produziu no passado, deve-se considerar, a todo
momento, as condições objetivas que permitiram o seu surgimento, o seu desaparecimento, bem
como o seu ressurgimento.
Pergunta-se, então: é possível trazer Vygotski para a atualidade sem distorcer o significado
comunista de seus conceitos? O que a atualidade poderia aproveitar na leitura de Vygotski sem
abstraí-lo, sem desistoricizá-lo ou descaracterizá-lo?

79
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Entende-se que, mais do que buscar soluções ou “receitas” para os problemas educacionais da
atualidade, retirando Vygotski do contexto histórico que lhe dá significado e fragmentando-o,
deve-se buscar em sua teoria o método de análise por ele utilizado na compreensão dos fenôme-
nos psicológicos para uma sociedade que se transforma pela ação consciente de seus homens. A
apreensão de seu método permitirá pensar soluções para os problemas da atualidade, consideran-
do o psiquismo humano individual como produto das relações sociais mais amplas. Para que isso
seja possível é importante o conhecimento da organização social vigente e das implicações desta
no comportamento dos indivíduos e na consciência social. É como dar conta do fenômeno da
globalização onde rompem-se todas as fronteiras econômicas entre países e nações, gerando uma
vulnerabilidade também globalizada, com o conhecimento de suas interferências e determinações
no âmbito individual e particular.

REFERÊNCIAS

BETTELHEIM, Charles. A luta de classes na União Soviética. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
Vol. I e II,
BURGESS, Tony. Ler Vygotsky. In: DANIELS, Harry. Vygotsky em foco: Pressupostos e Desdobra-
mentos. São Paulo: Papirus, 1994. p. 31-68.
CERISARA, Ana Beatriz. A educação infantil e as implicações pedagógicas do modelo Histórico-
Cultural. In: Cadernos Cedes, nº 35, São Paulo: Papirus, 1995. p. 65-78.
DAVYDOV, V. V.; ZINCHENKO, V. P. A contribuição de Vygotsky para o desenvolvimento da
Psicologia. In: DANIELS, Harry. Vygotsky em foco: pressupostos e desdobramentos. São Paulo:
Papirus, 1994. p. 151-168.
DUARTE, Newton. Educação escolar. Teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. Coleção Polêmi-
cas do Nosso Tempo. Campinas, S.P: Autores Associados, 1996.
EVANS, Peter. Algumas implicações da obra de Vygotsky na Educação Especial. In: DANIELS,
Harry. Vygotsky em foco: pressupostos e desdobramentos. São Paulo: Papirus, 1994. p. 69-90.
GARNIER, Catherine; BEDNARZ, Nadine; ULANOVSKAYA, Irina et al. Após Vygotsky e Piaget:
perspectivas social e construtivista, escolas russa e ocidental. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
GÓES, Maria Cecília. A natureza social do desenvolvimento psicológico. In: Cadernos Cedes, nº
24, São Paulo: Papirus, 1991, p. 65-78.
LUNT, Ingrid. A prática da avaliação. In: DANIELS, Harry. Vygotsky em foco: pressupostos e
desdobramentos. São Paulo: Papirus, 1994. p. 219-252.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. Vol. I, II e III. São Paulo: Ed. Alfa-Ômega,
1985.
MOLL, Luis C. Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da Psicologia Sócio-Histórica.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. O pensamento de Vygotsky como fonte de reflexão sobre a educação.
In: Cadernos Cedes, nº 35, São Paulo: Papirus, 1995. p. 9-14.
______. Pensar a educação: contribuições de Vygotsky. In: CASTORINA, José Antônio et al. Piaget-
Vygotsky: novas contribuições para o debate. São Paulo: Ed. Ática, 1996. p. 51-84.

80
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: alguns equívocos na interpretação de seu pensamento. In:
Cadernos de Pesquisa, nº 81, São Paulo: FCC, 1992. p. 67-69.
______. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico. São Paulo:
Scipione, 1997.

OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos. Interações sociais e desenvolvimento: a perspectiva


sóciohistórica. In: Cadernos Cedes, nº 35, São Paulo: Papirus, 1995. p. 51-63.

PALACIOS, Jesús. Reflexiones en torno a las implicaciones educativas de la obra de Vigotski. In:
SIGUÁN, Miquel. Actualidad de Lev. S. Vigotski. Barcelona: Anthropos Editorial del Hombre,
1987. p. 176-188.
POLLARD, Andrew. A aprendizagem nas escolas primárias. In: DANIELS, Harry. Vygotsky em
foco: pressupostos e desdobramentos. São Paulo: Papirus, 1994. p. 253-278.

REGO, Teresa Cristina. A origem da singularidade humana na visão dos educadores. In: Cader-
nos Cedes, nº 35, São Paulo: Papirus, 1995. p. 79-93.

______. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Rio de Janeiro: Ed. Vozes,
1994.

RIVIÈRE, Angel. El concepto de conciencia en Vigotski y el origen de la psicología histórico-


cultural. In: SIGUÁN, Miquel. Actualidad de Lev S. Vigotski. Barcelona: Anthropos Editorial del
Hombre, 1987. p. 128-135.

______. La Psicología de Vygotski. Madri: Visor, 1985.

RUMIÁNTSEV, A. (Org.). Economía política. Trad. Ceberio Félix e Elena Glazótova, Moscou: Ed.
Progreso, 1982.

SAXE, Geoffrey B. et al. A interação de crianças e o desenvolvimento das compreensões lógico-


matemáticas: uma nova estrutura para a pesquisa e a prática educacional. In: DANIELS, Harry.
Vygotsky em foco: pressupostos e desdobramentos. São Paulo: Papirus, 1994. p. 169-218.

SÈVE, L. Dialectique et Psicologie choz Vygotski. In: Infance, nº 1-2, Paris: Presses Universitaires
de France, 1989, p. 11-16.

SHUARE, Marta. La Psicología Soviética tal como la veo. Moscou: Ed. Progreso, 1990.

SIGUÁN, Miguel et al. Actualidad de Lev S. Vigotski. Barcelona: Editorial Anthropos, 1987.

SMOLKA, Ana Luiza B. A prática discursiva na sala de aula: uma perspectiva teórica e um esboço
de análise. In: Cadernos Cedes, nº 24, São Paulo: Papirus, 1991. p. 51-65.

______. Conhecimento e produção de sentidos na escola: a linguagem em foco. In: Cadernos


Cedes, nº 35, São Paulo: Papirus, 1995. p. 41-49.

TUNES, Elisabeth. Os conceitos científicos e o desenvolvimento do pensamento verbal. In: Ca-


dernos Cedes, nº 35, São Paulo: Papirus, 1995. p. 29-39.
VALSINER, Jaan; VAN DER VEER, René. Vygotsky: uma síntese. São Paulo: Ed. Loyola, 1996.

VIGOTSKI, Lev S. Fundamentos de Defectología. Obras Completas. Havana: Editorial Pueblo y


Educación, 1989. Tomo Cinco.

______. Psicología del Arte. Barcelona: Barral Editores, 1972.

81
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

VYGOTSKI, Lev S. Problemas Teóricos y Metodológicos de la Psicología. Obras Escolhidas, Vol. I.


Madri: Visor, 1991.
______. Problemas de Psicología General. Obras Escolhidas, Vol. II. Madri: Visor, 1993.

______. Problemas del Desarrollo de la Psique. Obras Escolhidas, Vol. III. Madri: Visor, 1995.

VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
VYGOTSKY, Lev S.; LURIA, Alexis R. Estudos sobre a História do comportamento: Símios, homem
primitivo e criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

WERTSCH, James V. Vygotsky y la Formación Social de la Mente. Barcelona: Paidós, 1985.

82
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

B) CONHECIMENTO E APRENDIZAGEM

Sérgio Roberto Kieling Franco1

De uns anos para cá ficou mais explícito que para se falar de educação não bastava trazer a
idéia de aprendizagem — normalmente entendida como modificação de comportamento. O con-
ceito de aprendizagem tem em si um resquício muito forte da Psicologia behaviorista, a qual
tratava a aprendizagem, fruto de condicionamentos, como sendo a forma maior de se organizar o
comportamento de uma pessoa, ou seja, a mãe de todas as modificações na personalidade do
sujeito. Portanto, a escola, querendo transmitir conhecimentos, deveria recorrer aos processos de
condicionamento. No caso de querer dar uma formação moral aos alunos, deveria também recorrer
a condicionamentos. No caso de querer desenvolver uma consciência crítica (se fosse possível —
segundo eles), deveria, como nos outros casos, recorrer aos processos de condicionamento.
Esta explicação simplista, advinda da Psicologia behaviorista (talvez fosse melhor dizer
reducionista, mas de qualquer forma todo reducionismo não deixa de ser um simplismo), trouxe
consigo uma distorção que se traduziu na transformação da escola brasileira de clássica para
tecnicista — embora um tecnicismo moreno.

Essa escola que normalmente se denomina tradicional passou a abordar todos os processos
escolares de forma igual, dando margem a uma psicologização da educação mais nefasta que
aquela ocorrida com o advento da escola nova. Digo mais nefasta porque o movimento da Escola
Nova procurava fazer com que a Psicologia estivesse a serviço do aluno. Já a psicologização
tecnicista colocou a Psicologia a serviço do professor e da autoridade escolar (quem decide o que
condicionar em quem?...).

Com o advento das teorias construtivistas e interacionistas – especialmente a partir das contri-
buições de Piaget –, passou-se a entender que não se pode considerar a questão da aprendizagem
descolada do que se entende por conhecimento, ou mais precisamente por processo de conheci-
mento (processo cognitivo). Daí a importância de uma análise que contemple aprendizagem, co-
nhecimento e inteligência.

Em minha opinião, o grande mérito de Jean Piaget foi ter abordado a inteligência de uma
maneira qualitativa, diferenciando-se dos estudos psicológicos tradicionais sobre este tema, que
insistem em dar uma ênfase muito maior no aspecto quantitativo, quando não se restringem ex-
clusivamente a este.

Para chegar à compreensão da inteligência, Piaget partiu de seus estudos em Biologia a res-
peito da adaptação dos seres vivos. Ele via na inteligência o principal instrumento de adaptação
do ser humano, que, aliás, é o ser vivo que melhor se adapta a ambientes e condições, por mais
adversas que sejam (desde os pólos terrestres, até a vida no espaço, passando pelos ambientes
nocivos criados pelo próprio homem). Tudo isso é possível porque o “Homo sapiens” constrói
conhecimentos que lhe possibilitam uma interação cada vez melhor com o meio, por mais adverso
que este lhe seja (Piaget, 1973).

1
O autor é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, e pertence ao Departamento de Estudos
Especializados. O presente artigo encontra-se em: <www.pgie.ufrgs.br/alunos_espie/espie/franco/public_html/textos/aprend.htm>. Acesso
em: 25 abr. 2009.

83
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

A grande pergunta que Piaget se propõe a responder é sobre como o ser humano chega a
construir esta capacidade de se adaptar. Não como chegou através da evolução das espécies, mas
como, no decorrer de sua vida, portanto, na sua ontogênese, chega ao ponto de construir conheci-
mentos que possibilitem os grandes avanços científicos que presenciamos no nosso dia-a-dia. E
nesta perspectiva Piaget coloca uma idéia que se torna o ponto central de toda sua teoria: “o
conhecimento surge da ação”. E a inteligência e a aprendizagem estão aí presentes na palavra
“ação”.

Mas como é possível fazer uma afirmação dessas? Muitos objetam afirmando que a inteligên-
cia e a ação são dois processos de naturezas diferentes. Ora, se o homem é uma totalidade, exata-
mente esta objeção quanto à “natureza” dos dois processos perde sentido. Vejamos como Piaget
demonstra esta integração entre ação e inteligência.

Ora, a criança, ao nascer, como o demonstram todas as abordagens da Psicologia do desen-


volvimento, não se diferencia do mundo. Ela e o mundo são uma coisa só, portanto, o seio que a
amamenta, o objeto que ela prende em sua mão, são como que um prolongamento do seu eu.
Vê-se que aqui não se pode falar de sujeito nem de objeto epistêmicos (Piaget, 1978b, p. 6). O
que há é um todo indiferenciado e portanto não se pode ainda falar de um processo de conheci-
mento.

O que vai então inaugurar a diferenciação entre o sujeito cognoscente e o objeto cognoscível –
condição fundamental para a existência do conhecimento? Não poder ser nem o sujeito, nem o
objeto, pois eles não existem como tais. Deverá haver aqui algum instrumento de mediação que
cumpra este papel. O que a criança traz consigo ao nascer são somente as ações reflexas (sucção,
preensão, etc.) e será a partir do uso dessas ações que a criança dar-se-á conta que o mundo é
algo diverso dela mesma, que, por exemplo, os objetos oferecem resistência.

Portanto, com o concurso da ação, poderá se instalar a diferenciação entre o sujeito que conhe-
ce e o objeto a ser conhecido.

Tal diferenciação implica em modificações tanto por parte do sujeito como do objeto. A perspec-
tiva de ambos fica alterada. Para explicar esta mudança, Piaget lançou mão do conceito de “adap-
tação”, oriundo da Biologia.

A adaptação é um processo de dupla face. Há um momento de assimilação, no qual o sujeito


internaliza o objeto, modificando para poder encaixá-lo nos esquemas já possuídos, ou seja, para
poder conhecê-lo. Por isso a criança, ao ter contato com uma caneta, por exemplo, irá aplicar a este
objeto os esquemas de ação que já possui, digamos, irá sugá-lo. Vê-se aqui que a finalidade do
objeto fora modificada pelo sujeito, e portanto o objeto fora modificado.

O outro momento (não necessariamente o segundo), é o de acomodação, onde o sujeito muda-


se a si próprio (suas estruturas), a fim de poder melhor conhecer. Assim, por exemplo, ao tentar
agarrar uma bola com a mão (esquema já possuído) e não conseguir êxito, a criança terá de
construir uma nova maneira de interagir com o objeto, coordenando os movimentos das duas
mãos, a fim de poder agarrar a bola em questão.

Há, então, uma relação especial entre assimilação e acomodação, no sentido que uma não
sucede à outra simplesmente, mas cada uma gera uma situação nova, que provocará necessidade
da outra entrar em ação, o que resultará num processo interminável de adaptação.

84
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Mas esta explicação dada por Piaget não consegue aclarar como a inteligência pode evoluir de
uma forma sensório-motora, prática, para um grau tão alto de complexidade como o encontrado
nos pensamentos abstratos e formais de uma dedução matemática, por exemplo. Ou seja, como se
podem criar tantas novidades no decorrer vida do indivíduo.

Para sanar tal deficiência J. Piaget lançou mão da lógica dialética (sistematizada modernamente
por Hegel) formulando a teoria da abstração.

“Abstrair ” significa retirar. Portanto toda abstração é um ato de extrair conhecimento. Isto se
encaixa bem dentro do quadro epistemológico da teoria de Piaget porque, afinal, o conhecimento
não está dentro do sujeito, como o querem as teorias aprioristas. No entanto isso pode levar o
leitor menos avisado a tentar aproximar a epistemologia genética do behaviorismo, o que também
não é possível, e veremos a prova disso na própria concepção de abstração.

Há dois tipos de abstração: a empírica e a reflexiva (réfléchissante). A abstração empírica con-


siste em retirar as informações “dos objetos como tais ou das ações do sujeito em suas caracterís-
ticas materiais” (Piaget et al, 1977, p. 303).

As teorias empiristas consideram esta como a fonte de todo o conhecimento. Isto seria verdade
se a maneira de conhecer fosse sempre a mesma durante toda a vida do sujeito, pois a abstração
empírica não tem possibilidade de criar novidades, ela está presa aos observáveis, e aqui é inte-
ressante lembrar o paradoxo (aporia) de David Hume (1980) ao questionar se o princípio da
causalidade é verdadeiro. Segundo este pensador, se todo o conhecimento vem da experiência,
abstraído diretamente da observação, nada justifica que se aceite o princípio da causalidade.
Assim (este exemplo é do próprio Hume) ao se queimar um dedo em uma chama de vela, seríamos
capazes de ver a seqüência do dedo, da chama e do dedo queimado, mas de maneira nenhuma
poderíamos depreender a relação de causalidade entre a chama e a queimadura. O que nos leva-
ria a acreditar numa relação de causalidade seria o mero hábito de se observar sucessões repeti-
damente. Assim, o próprio Hume, que pretendia ser um empirista, eu diria radical, porque crítico,
atesta que as teses empiristas não conseguem explicar todo o conhecimento.
Piaget irá dar uma contribuição muito importante para resolver a aporia de Hume através do
modelo da abstração reflexiva. Este modelo servirá para explicar o processo de desenvolvimento
com a criação de novidades que aí acontece, e inclusive explicar como se chega à noção do prin-
cípio de causalidade, entre outras.

Se a abstração empírica retira suas informações dos objetos, já a abstração reflexiva


(“réfléchissante”) retira suas informações das ações do sujeito, podendo ter havido ou não uma
tomada de consciência das coordenações das ações e ou do processo reflexivo (Piaget et al, 1977,
p.303).
Mas se poderia fazer uma objeção argumentando que muitos de nossos conhecimentos se dão
a partir de um contato direto com os objetos (observáveis). Isto não iria ao encontro do que os
behavioristas entendem como sendo a fonte do conhecimento? Assim, pois, não se entende um
físico fazer seus estudos sem experimentar diretamente com elementos observáveis.
A isto Piaget responde que, em verdade, o físico ou qualquer outra pessoa retira informações a
respeito de relações e não de características dos objetos. Portanto, as informações são tiradas a
partir das coordenações das ações que ele exerce sobre esses objetos. E assim fica superado o

85
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

problema proposto por Hume. A este tipo de abstração Piaget dá o nome de “pseudoempírica”,
porque utiliza observáveis mas retira suas informações das coordenações das ações sobre estes
observáveis, sendo, portanto, um tipo de abstração reflexiva.
O grau mais alto de abstração reflexiva é a “abstração refletida” (“réfléchie”), quando há tomada
de consciência do processo de reflexão. Esta expressaria o processo refletidor em sua plenitude.
Em que consistiria o processo refletidor? Consiste em dois aspectos inseparáveis. O “reflexo”
(“réfléchissement”), que seria a projeção para um patamar superior daquilo que fora retirado de
um inferior; e a “reflexão” (“réflexion”), que é a reconstrução mental daquilo que fora transporta-
do, no patamar superior. Assim, por reflexo e reflexão, ou seja, na abstração reflexiva
(“réfléchissante”), o sujeito cria as novidades, por reconstruções sempre renovadas, ao ponto de
poder construir reflexões sobre reflexões, possibilitando-lhe, mais tarde, um raciocínio completa-
mente desligado (independente) do mundo real que o cerca (cf. Piaget et al, 1977).
Vê-se como há aqui a influência hegeliana em Piaget. Trata-se da aplicação da dialética siste-
matizada por Hegel à Psicologia cognitiva. Afinal a reflexão nada mais é do que o processo de
superação ou ultrapassamento (“aufhebung”) da dialética hegeliana. Nisto ele demonstra que
todo conhecimento novo gera novidade, não só pelo conteúdo adquirido, mas pela formalização
que o sujeito constrói sobre este conteúdo. Portanto não temos aqui nem mais o conteúdo inicial,
nem o sujeito que começou a conhecer, mas um sujeito que se modificou e que aplicou esta modi-
ficação ao conteúdo original sob forma de relações, formalizações, etc. (é o que em filosofia se
chama de categorias do conhecimento).
E se até o momento via-se a proximidade de Piaget a Hegel, aqui se nota a presença do pensa-
mento kantiano na epistemologia genética. A saber, a pessoa não conhece o objeto em estado
puro, mas o que capta (abstrai) do mesmo (é a “intuição sensível” de Kant (1980)) e sobre isso
aplica as categorias que estão no sujeito, “a priori”. A diferença entre Piaget e Kant é que para o
Mestre de Genebra o “a priori” não está propriamente dado, mas é construído no decorrer do
desenvolvimento, pelo conjunto de abstrações ocorridas. Por isso que Ramozzi-Chiarottino (1984)
classifica o pensamento piagetiano como um “kantismo evolutivo”.
Até aqui se falou todo o tempo sobre o conhecimento. O leitor pode estar se perguntando: e a
aprendizagem, já que este é o ponto central desta conferência? Vejamos, então, as relações entre
aprendizagem e conhecimento.
Ramozzi-Chiarottino aponta claramente para a diferença dos dois processos lembrando ex-
pressões do próprio Piaget. Aprendizagem é, pois, saber fazer com êxito (“réussir ”, no francês),
enquanto que conhecer consiste em atribuir significado a alguma coisa ou ação, “levando em
conta não só o atual e o explícito como o passado, o possível e o implícito” (Ramozzi-Chiarottino,
1984, p.73). Portanto o conhecimento ultrapassa os limites da aprendizagem.
Mas Piaget distingue dois tipos de aprendizagem: a aprendizagem “stricto sensu” e a apren-
dizagem “lato sensu”. A primeira referir-se-ia à aquisição de um conhecimento ou atuação “em
função da experiência, podendo ser, aliás, do tipo físico ou do tipo lógico-matemático ou dos dois”
(Piaget; Gréco, 1974, p. 52).
Aqui mais uma vez temos que ter cuidado para não cair na confusão entre as conclusões da
epistemologia genética e o behaviorismo. Este, como todas as escolas de cunho empirista, argu-
menta que todo o conhecimento novo se origina de uma aprendizagem, entendendo esta como
uma aquisição direta do objeto. Mas Piaget acrescenta que o processo mesmo de aprendizagem

86
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

“stricto sensu”, é uma aquisição mediata, porque se dá no tempo, tempo este no qual ocorre a
interação do sujeito com o objeto, num processo de assimilação e acomodação, e portanto, supõe
estruturas prévias de pensamento. Não se pode esquecer que para os empiristas o processo de
aprendizagem não se dá por interação, mas por uma “adição” que o meio faz ao sujeito. A eles
Piaget objeta perguntando se não estão simplificando demais o processo de desenvolvimento e de
conhecimento por meio de equivalências (entre desenvolvimento e aprendizagem, entre experi-
ência e experiência física) não justificáveis psicologicamente (Piaget; Gréco, 1974, p. 10).
Em verdade, Piaget distingue seis formas de aquisição de conhecimento, às quais ainda acres-
centa a maturação – que não é propriamente uma aquisição. São elas: a percepção; a compreensão
imediata e pré-operatória; a aprendizagem “stricto sensu”; a indução; a coerência pré-operatória
(equilibração); e a dedução (Idem, ibidem, p. 55). Veja-se que a aprendizagem “stricto sensu” é
uma das formas de aquisição de conhecimento.
A aprendizagem “lato sensu” seria aquela que de certo modo engloba a aprendizagem “stricto
sensu” e a equilibração (Idem, ibidem, p. 54) de modo que traz em seu bojo a abstração reflexiva.
Portanto esta é a “verdadeira aprendizagem”, pois por ela o sujeito constrói conhecimentos novos,
e por isso ela gera desenvolvimento. O estudo de Inhelder, Bovet e Sinclair (1977) confirma isto
na medida em que demonstra que em se criando situações de aprendizagem, pode-se provocar
uma aceleração do desenvolvimento cognitivo de crianças.
Na literatura sobre a Psicologia do desenvolvimento podem ser encontradas muitas críticas às
postulações feitas por Piaget a respeito dos estágios do desenvolvimento cognitivo. Algumas de-
las podem ser pertinentes, mas há muitas que são fruto de uma má compreensão da teoria piagetiana
em seu todo. E aqui quero chamar atenção para o fato de que a obra de Piaget e seus colaborado-
res é toda a Epistemologia Genética, da qual a teoria dos estágios é apenas uma parte.
Um erro comum ao se interpretar Piaget é considerar esta parte da teoria como o principal de
sua obra. Devido a isso Piaget é, inclusive, acusado de “estruturalista”, no sentido de ter uma
compreensão por demais estática da inteligência, pois refere-se a “estágios” (ou “estádios”) e,
dentro deles, a “estruturas de pensamento”.
Piaget é partidário de um estruturalismo, sim, mas de um estruturalismo muito próprio. Um
ponto essencial deste estruturalismo é que ele vem acompanhado de um construtivismo – essen-
cialmente dialético, num movimento ascendente em espiral (Piaget, 1981). É assim que o desen-
volvimento cognitivo vai desde “as trocas meramente mecânicas entre o organismo e o meio, até o
nível das trocas simbólicas ou dos sistemas infinitamente abertos” (Ramozzi-Chiarottino, 1988,
p.20), ou seja, é assim que os processos cognitivos irão construir-se como um prolongamento dos
processos biológicos (Piaget, 1982, p. 13).
Além da questão do papel da teoria dos estágios no interior do todo da epistemologia genética,
um outro ponto – que é “prato cheio” aos “críticos” de Piaget – refere-se aos limites etários para
cada estágio. A isto o próprio Piaget responde:

Para que haja estágios é necessário primeiramente que a ordem de sucessão das aquisições seja
constante. Não a cronologia, mas a ordem de sucessão. Podemos caracterizar os estágios numa
população dada por uma cronologia, mas essa cronologia extremamente variável; ela depende
da experiência anterior dos indivíduos e não somente de sua maturação, e depende principal-
mente do meio social que pode acelerar ou retardar o aparecimento de um estágio, ou mesmo
impedir sua manifestação (Piaget, 1978d, p. 235).

87
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Esta argumentação está calcada sobre pesquisas transculturais; as quais confirmam as hipóte-
ses iniciais de Piaget (cf. Modgil; Modgil, 1976).
Piaget ainda acrescenta mais quatro critérios para a definição dos estágios de desenvolvimen-
to, que seriam o caráter integrativo, que significa que as estruturas construídas num estágio farão
parte das estruturas do estágio seguinte; uma estrutura de conjunto, no sentido de que todas as
operações mentais daquele estágio têm uma relação entre si e podem ser abarcadas numa totali-
dade maior; a existência de um período inicial de preparação e de outro final de acabamento, e a
diferenciação dentre os processos formativos e as formas de equilíbrio finais, sendo que aqueles
se apresentam sob o aspecto de diferenciações progressivas e somente estas se constituem naque-
le equilíbrio de que fala o item anterior (Idem, ibidem, p. 236).
Feitos estes esclarecimentos, penso que será possível olhar com outros olhos para as formula-
ções tão comuns nos livros de Fundamentos da Educação a respeito da teoria piagetiana.
Após toda essa explanação “piagetiana” não poderia me furtar a tecer alguns comentários
sobre outras visões a respeito do conhecimento e da aprendizagem, principalmente idéias que,
pelo que se diz por aí, se contrapõem ao pensamento piagetiano. É o caso, em primeira instância,
da teorização de L. S. Vygotsky.
Sem entrar em muitos pormenores, penso que é importante destacar que o conceito de interação
em Vygotsky pode ser entendido do mesmo modo que em Piaget. No entanto é de se observar que
aquele autor russo dá um destaque muito maior ao fenômeno da aprendizagem que o mestre de
Genebra. Ora, não podemos esquecer que Vygotsky, além de ser um psicólogo, estava interessado em
produzir conhecimento psicológico propriamente dito, além de ter clara intenção de contribuir para o
processo educacional (de modo especial a Revolução Cultural na União Soviética). Piaget, por outro
lado, produziu conhecimento psicológico como um conhecimento secundário para alcançar seu fim
último, que era a construção de uma epistemologia científica (a Epistemologia Genética).

REFERÊNCIAS

HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural,
1980. p. 133-204. (Col. Os Pensadores).
INHELDER, Barbel; BOVET, Magali; SINCLAIR, Hermine. Aprendizagem e estruturas do conhe-
cimento. São Paulo: Saraiva, 1977.
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Col. Os Pensadores.)
Piaget, Jean. Biologia e conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1973.
______. A epistemologia genética. São Paulo: Abril Cultural, 1978b. p. 1-64. (Col. Os Pensadores).
______. O estruturalismo. Lisboa: Moraes, 1981.
______. O nascimento da inteligência na criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
PIAGET, Jean; GRÉCO, Pierre. Aprendizagem e conhecimento. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1974.
PIAGET, Jean et al. Recherches sur l’abstraction réfléchissante. Paris: P.U.F., 1977. V. 1 e 2.
______. Em busca do sentido da obra de Jean Piaget. São Paulo: Ática, 1984.
______. Psicologia e epistemologia genética de Jean Piaget. São Paulo: E.P.U., 1988.
VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e linguagem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

88
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

C) PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO:
Pensando a Relação Professor-Aluno a Partir do Conceito de Transferência

Marcia Regina Mendes Nunes1

Este texto é um resumo derivado de dissertação de Mestrado realizado na Universidade do


Estado de Santa Catarina. Essa pesquisa teve como objetivo sugerir uma contribuição da Psicaná-
lise para a área da educação, no sentido de destacar a importância de o professor conhecer acerca
da relação transferencial, da função de saber que ocupa nesta relação perante o aluno. Pretendeu-
se, a partir daí, demonstrar a possibilidade de intervenção do professor no processo ensino-apren-
dizagem ao ocupar ou deixar de ocupar a posição de interlocutor para o educando, contribuindo
de maneira mais singular, mais efetiva, na educação desse aluno, uma vez que o fenômeno da
transferência, mesmo que seja ignorado, não deixa de estar presente nas relações professor-alu-
no. Visando a elucidar acerca da transferência na relação professor-aluno e o poder que o profes-
sor tem nas mãos como um interlocutor privilegiado, destacou-se a obra O banquete, de Platão,
pela possível analogia com relação amante-amado, exposta através do diálogo de Alcebíades com
Sócrates, ressaltando ainda, a implicação do método socrático na educação.
Frente às exigências da sociedade atual, a reflexão acerca da formação e a atuação do profes-
sor, elemento fundamental para a educação do aluno, precisa englobar aspectos como a necessi-
dade de maior comprometimento dos educadores em relação às questões educacionais.
Diante de um quadro de violência nas escolas, evasão e fracasso escolar, falta de motivação,
entre outros fatores, que compõem o cenário em que nos encontramos, a relação professor-aluno
constitui uma das grandes polêmicas nos meios educacionais.

As políticas educacionais da atualidade parecem partir do pressuposto de que um bom conhe-


cimento sobre o desenvolvimento da criança e um bom conhecimento de um método educativo
sejam garantias suficientes para combater o fenômeno do fracasso escolar. Entretanto, raramente
privilegiam a singularidade do aluno, aspecto que deveria merecer atenção central.
É diante deste cenário que se ressalta a importância do reconhecimento do sujeito do inconsci-
ente nas práticas educativas. Para a psicanálise, é de fundamental importância, no intento de
entender o que norteia o processo educativo, considerar o sujeito do inconsciente na educação,
sujeito este que não segue o modelo científico e os ideais da ciência.

Assim, decorre que, enquanto na educação o sujeito contemplado é o do conhecimento, cognitivo,


passível de mensuração, o sujeito do qual se ocupa a psicanálise é o sujeito do inconsciente
enquanto manifestação única, singular, não mensurável e que, por isso, não pode fazer parte do
concretamente observável.
Neste contexto, tratar do processo educativo pode implicar destacar a figura do professor como
aquele que, inevitavelmente, numa visão psicanalítica, é convocado a ocupar um ‘lugar ’ que
transcende a prática pedagógica. A noção de transferência – mola-mestra do processo psicanalíti-
co – poderá contribuir para entender a relação professor-aluno, enquanto um processo correlato.

1
A autora é mestre em Educação e Cultura pela Universidade do Estado de Santa Catarina e este artigo é encontrado em:
<www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC0000000032006000100040&script=sci_arttext>. Acesso em: 26 abr. 2009. An. 5
Col. LEPSI IP/FE-USP June. 2006.

89
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

A transferência não é um termo específico da Psicanálise. É um vocábulo utilizado em di-


versos campos, denotando sempre uma idéia de transporte, de deslocamento, de substituição
de um lugar para outro. A teoria freudiana reconhece nesse fenômeno um elemento funda-
mental no transcorrer do tratamento e do processo de cura. Trata-se de um fenômeno psíquico
presente em todas as relações humanas: médico e paciente, professor e aluno, mestre e discí-
pulo etc.

O fenômeno da transferência é por Freud apontado como sendo um fenômeno psíquico que se
encontra presente em todos os âmbitos das relações com nossos semelhantes. De acordo com
Laplanche e Pontalis (1992, p. 514), “[...] a transferência é entendida como uma repetição de
protótipos infantis vividos com uma sensação de atualidade acentuada”.

Nessa relação está implicada uma relação de amor, uma relação afetiva. Portanto, um professor
pode ser um suporte dos investimentos de seu aluno, porque é objeto de uma transferência. En-
tão, mais além da figura pessoal do professor, o educador vai representar, para o aluno, uma
função, substituindo, nesse momento, as figuras parentais e/ou pessoas que lhe foram importan-
tes, representando então esse lugar de ‘saber ’, de idealização, de poder.

A posição em que o professor se encontra, como se pode ver, não é um lugar fácil de sustentar,
pois nele estão depositadas projeções alheias a ele enquanto pessoa. O professor ignora sobre
esse lugar que lhe é outorgado pelo aluno, pois é o desejo inconsciente desse aluno que está
determinando o lugar a ele conferido. Em decorrência disso, ao professor é atribuído um poder
que caracteriza a sua autoridade, ou seja, a autoridade do professor não é imposta ao aluno, mas
outorgada ao professor pelo próprio aluno.

A autoridade não é algo consciente, que dependa do querer do professor, é algo da estrutura
mesma do encontro entre duas pessoas. Ou seja, quando se tem uma desigualdade entre os ele-
mentos, principalmente em relação ao saber, tem-se uma relação de elementos em que um está na
posição de saber para o outro. Nesse sentido, lida-se com o fenômeno da transferência.

Logo, se o professor se colocar na posição de que ‘tudo sabe’, não restará outra alternativa ao
aluno a não ser submeter-se à posição de objeto diante desse professor. No entanto, para que o
aluno possa se constituir como um sujeito ‘desejante do saber ’, o professor deveria reconhecer-se
um sujeito faltante, castrado. Na mesma medida, o professor deveria sustentar a sua posição como
representante do conhecimento.

Com o intento de privilegiar uma melhor compreensão acerca da relação professor-aluno, jul-
gou-se relevante um pequeno desvio à obra “O Banquete”, de Platão, a fim de demonstrar a
questão da transferência, e ainda ressaltar a implicação do método socrático na educação.

Sócrates inaugura um foco de interesse que tem a ver com a implicação de seu método para a
educação: a ironia e a maiêutica. Por meio dos diálogos de Sócrates, pode-se ter uma idéia a
respeito desse método. Ele interrogava seu interlocutor, levando-o a cair em contradição, perce-
bendo em seguida sua ignorância (ironia), pois ao confrontar-se com seu não saber, poderia en-
tão, dar luz às próprias idéias (maiêutica). Enfim, a essência do método socrático consistia em
confrontar argumentos através do diálogo, levando ao reconhecimento da ignorância, com humil-
dade, demarcando sua célebre frase: “sei que nada sei!”. Saber que não se sabe é o que mobiliza
o sujeito em direção ao conhecimento.

90
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

Tomando como base esse pressuposto, qual pode ser a posição do professor frente ao seu alu-
no? A posição de Sócrates na pólis era a de muito amado. Por quê? Pelo seu saber. Ele detinha um
saber que lhe era delegado pelos seus discípulos. Os discípulos vinham até ele com suas verda-
des prontas, partindo de sua realidade, e Sócrates questionava-os, instaurando a dúvida, a incer-
teza, levando-os, com isso, à busca do conhecimento.
A palavra de Sócrates tinha um valor muito precioso. A posição em que se encontrava era a de
ideal da pólis, o ideal do sujeito do conhecimento. Essa reflexão sobre a posição de Sócrates frente
aos seus discípulos remete ao fenômeno da transferência, ocorrido na relação analista-analisante,
mestre-discípulo e, igualmente, na realidade aqui pretendida, professor-aluno.
Na relação professor-aluno o conhecimento só pode ser suscitado, no processo ensino-aprendi-
zagem, através do desejo – desejo daquele a quem o conhecimento falta e desejo do professor de
ensinar, pois, conforme Lajonquière (1999, p. 141, grifo do autor), “todo adulto educa uma criança
em nome do desejo que o anima”. Assim, se tem no professor a figura que supostamente sabe e no
aluno a figura que deseja, ou não, aprender, decorrendo daí afirmar que o primeiro sujeito, em tese,
possui aquilo que ao segundo falta e, por isso, tem um grande poder nas mãos. Percebe-se, então,
a interligação entre a noção de desejo e a noção de falta, posto que se deseja aquilo que não se tem.

Foi nesse sentido, objetivando situar a transferência entre o desejo e o amor, ambos regidos
pela falta, que se optou pela obra “O Banquete”, privilegiando mais especificamente o discurso de
Alcibíades, proferido em direção a Sócrates, como analogia possível, no que se refere à relação
transferencial (amante-amado), com a relação professor-aluno. Como afirma Lacan (1992, p. 71),
“[...] alguma coisa que se assemelha ao amor, é assim que se pode, numa primeira aproximação,
definir a transferência”. Essa analogia talvez se faça significativa para situar, ainda mais, a res-
ponsabilidade que um professor tem frente ao seu aluno.

Os detalhes d‘O Banquete foram dados a conhecer por Platão, que dá conta dos diálogos neste
ocorridos:

Agatão, no dia seguinte às comemorações de um prêmio literário, do qual saíra vencedor de


um festival poético, oferece, em sua casa, um jantar para os amigos.

Após o jantar, Erixímaco sugere que cada um dos convidados exponha o que sabe sobre Eros.
Ao findar da proclamação dos discursos, Sócrates é o último a falar. Sobre o amor, de acordo com
Monteiro (2000, p. 70), Sócrates estabelece alguns questionamentos “‘O amor é ou não amor de
alguma coisa?’, ‘Amar e desejar alguma coisa é tê-la ou não tê-la?’, ‘Pode-se desejar o que já se
tem?”. A partir daí, Sócrates introduz, segundo Peña (1986, p. 26), a função de falta: “Eros, sem
dúvida, deseja o objeto de que ele é amor, mas quando deseja e ama ele não possui a coisa que
deseja e ama. Só pode ser desejado aquilo que não se tem”.
A partir do discurso de Sócrates sobre Eros, pode-se perceber a questão da ‘falta’, que é
constitutiva da relação de amor. Em suma, o amor para Sócrates é o desejo de algo que não se
possui.
Após o discurso de Sócrates, um grande barulho indica a chegada de arruaceiros, dentre eles
Alcibíades. Ao perceber a presença de Sócrates, inicia um discurso com tom de ironia, reconhecido
por Sócrates como resultado do ciúme do outro (Agatão). Alcibíades diz que tentará louvá-lo a
respeito de sua sabedoria. Sócrates, nesse momento, encontra-se na situação de amado e Alcibíades
na situação de amante.

91
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Alcibíades, enquanto amante, “[...] necessita saber sobre o desejo do amado, para ajustar-se a
ele”, ressalta Monteiro (2000, p. 70). Ele sabia que era amado por Sócrates, mas precisava de uma
confirmação, porém, “[...] Sócrates recusa esse lugar de possuidor de algo desejável: ‘Aqui onde
você vê alguma coisa, eu não sou nada’” (Monteiro, 2000, p. 70). E, logo em seguida, Sócrates se
volta a quem está à sua direita e faz um elogio a Agatão...
Então, é nessa recusa “[...] de ser o objeto amado (de ser e/ou possuir o ágalma, alguma coisa
visada pelo desejo) que Sócrates mantém o desejo de Alcibíades, porque lhe mantém a falta” (p.
70-71). Se a transferência se assemelha ao amor, o amante se aproxima do outro pela falta.
Direcionando essa linha de pensamento para o universo escolar, um professor, sabendo disso,
talvez possa atentar para esse ‘lugar ’ em que se encontra na relação transferencial. Nesse ‘jogo
de amor ’, ora ele está no lugar de amado (o qual é outorgado a ele pelo seu aluno), ora no lugar
de amante (momento em que se põe como um ser faltante), ou seja, em duas posições que o
colocam em xeque. Dois lugares que deverão ser dosados na mesma medida; ‘lugares’ que cau-
sam um certo mal-estar.

Percebe-se então, que um professor pode estar bastante imerso na dinâmica do amor pelos
alunos. O educador é aquele que, em muitos momentos, poderia estar influenciando, significati-
vamente, na história de seus alunos.
Neste sentido, a palavra passa a ter um significado muito forte na educação. O professor só vai
poder ser reconhecido nessa posição de saber pelo aluno se a palavra do professor não for uma
palavra qualquer, ou seja, se a palavra do professor for reconhecida e autorizada como, realmen-
te, um “lugar de saber ”.

Sabendo disso, um professor poderia se colocar como um interlocutor qualificado, no sentido


de reconhecer essa dimensão que está relacionada com o fenômeno da transferência, e participar
de modo mais consciente na educação do aluno, sem deixar de exercer a sua função, que é a de
ensinar, visto que, cada vez mais, a escola passa a ser um lugar em que a criança-aluno permane-
ce a maior parte do seu dia.
Sob a ótica da Psicanálise, é de fundamental importância ouvir o aluno na sua individualidade
para que a palavra seja resgatada em toda a sua autenticidade a partir das diferenças. Obviamen-
te o professor, diante da realidade cotidiana, não poderá se tornar um clínico, nem poderá escutar
o aluno como faz o psicanalista, dando lugar ao inconsciente. Mas poderá, através de uma ética,
que leva em conta os fenômenos inconscientes presentes na sua relação com os alunos, ajudá-los
a avançar diante das muitas questões que os mesmos encontram no curso de sua trajetória escolar.
Em outras palavras, o saber do professor sobre a importância da palavra proferida pelo aluno
poderá levá-lo a dar ensejo à fala deste, deslocando a palavra do educando para um lugar extre-
mamente significativo. Esse movimento do professor poderá possibilitar um lugar para o aluno e,
conseqüentemente, para a sua própria escuta. O aluno “[...] precisa dirigir sua fala a alguém para
que esta retorne e ele a ouça. Não se ouve se não usar esse recurso” (Kupfer, 2000, p. 138). Talvez
aí resida uma segunda chance da criança-aluno poder encontrar um interlocutor depois da famí-
lia. Isso poderá fazer uma diferença na sua vida.
É, também, muito importante que o professor demonstre que gosta do que faz, que seu sem-
blante revele ser a sala de aula um lugar em que ele se sinta bem. Para isto, entretanto, é crucial
que a escolha de ‘ser professor ’ esteja marcada pela paixão de formar. Este perfil de professor é

92
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

tomado pelos alunos como um líder, um referencial, conseqüentemente, sua palavra também é
tomada como a de alguém respeitável, digna de ser ouvida. Um professor sensibilizado possibilita
espaços para que haja a circulação da palavra, apostando na possibilidade discursiva de seus
alunos, favorecendo para que o aluno possa se implicar no seu processo de vir a ser.

Há que se salientar aqui que a pretensão deste estudo não é dar um modelo de técnica para
ajudar na relação professor-aluno, mas, como já enfatizado, colocar a função do professor como
aquele que, para além do seu conteúdo programático, sem abdicar de sua função, enquanto al-
guém responsável pela transmissão de conteúdos formais, possa ser também aquele que escuta o
que a criança-aluno tem a dizer, apostando na possibilidade discursiva de seus alunos.

REFERÊNCIAS

KUPFER, M. C. M. Educação para o futuro: Psicanálise e Educação. São Paulo: Escuta, 2000.
LACAN, J. O Seminário, livro 8: a transferência. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.

LAJONQUIÈRE, L. Infância e Ilusão (psico) pedagógica: escritos de psicanálise e educação.


Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

LAPLANCHE, J.; Pontalis, J.-B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

MONTEIRO, A. E. A transferência na ação educativa. Dissertação (Mestrado) – Programa de


Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2000.

PEÑA, J. F. Platão e Banquete. Letras da Coisa, nº 3. Curitiba, PR: Coisa Freudiana – Transmissão
em Psicanálise, 1986.

PLATÃO. A obra prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2001.

93
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

D) TEORIAS DE APRENDIZAGEM E O ENSINO/APRENDIZAGEM DAS CIÊNCIAS:


Da Instrução à Aprendizagem1

Clara, Vasconcelos, João Félix Praia, Leandro S. Almeida

Todos aprendemos sem nos preocuparmos verdadeiramente com a natureza desse processo e
todos ensinamos sem buscarmos um suporte teórico explicativo do processo de ensino-aprendiza-
gem. Como professores temos alguns referenciais explicativos e, também, de forma implícita ou
explícita, orientamos a nossa prática por tais referenciais. De qualquer modo, as teorias de apren-
dizagem, tendo surgido, possivelmente, porque conforme salienta Bigge (1977), “o homem não só
quis aprender como também, frequentemente, sua curiosidade o impeliu a tentar aprender como
se aprende” (p. 3), são diversas e acompanharam de perto a evolução observada na Psicologia e
na Educação em Ciências. Assim, apresentamos ao longo deste artigo diversas teorias de ensino-
aprendizagem, reportando-nos sempre que possível ao ensino-aprendizagem nas ciências, inici-
ando pela teoria do Ensino por Transmissão, perspectiva fortemente marcada pelas teorias
behavioristas da aprendizagem. Após referirmos a influência de autores como Gagné (1975) ou
Bandura (1977), que mantiveram latente a influência comportamentalista, referimos a Aprendiza-
gem por Descoberta e a Aprendizagem por Mudança Conceptual. Por último, mencionamos o
Ensino por Pesquisa, processo fortemente marcado pelo cognitivismo-construtivismo que realça o
papel do aluno como construtor do conhecimento, movido pela curiosidade, descoberta e resolu-
ção de problemas. Esta perspectiva de ensino é referida como a mais atual ao nível da didática das
ciências e, implicitamente, aquela que deverá ser mais valorizada na formação dos professores.
Com este artigo pretendemos listar este conjunto de perspectivas de análise e definição de
processos de ensino-aprendizagem, sobretudo quando este processo ocorre nos contextos formais
escolares. Sem pretendermos ser exaustivos e profundos no conjunto de tais perspectivas, procu-
ramos, no entanto, salientar algumas implicações práticas e assumir as vantagens de uma aborda-
gem que reconhece o aluno como tendo um papel ativo e central nas aprendizagens, entendidas
como co-construções progressivas de conhecimento e destrezas. As teorias de aprendizagem e o
ensino-aprendizagem das ciências.
A Aprendizagem por Transmissão (APT) pode associar-se às perspectivas behavioristas ou
comportamentais da aprendizagem. O ensino por transmissão tem o seu fulcro nas exposições orais
do professor, que transmite as ideias (estímulos) aos alunos, isto é, “...o professor ‘dá a lição’,
imprime-a em arquivadores do conhecimentos e pede, em troca, que os alunos usem a sua atividade
mental para acumular, armazenar e reproduzir informações” (Santos; Praia, 1992, p. 13). Nessa
lógica instrucional de organizar o ensino, o aluno tem um papel cognitivo passivo, sendo encarado
como um mero receptáculo de informações que, mais tarde, serão úteis para a vida. Para além do
professor usar técnicas que salientem novas informações e informações mais corretas, deverá recor-
rer também ao reforço, preferencialmente a reforços diretos e imediatos, tendo em vista produzir
mudanças comportamentais dos alunos e a sua estabilidade. O papel tutelar do professor, que exer-
ce autoridade face aos seus conhecimentos científicos, sobrepõe-se ao papel do aluno. Este, ao invés
de aprender, e menos ainda aprender a aprender, apenas acumula saberes que deverá ser capaz de
repetir fielmente. Assim sendo, Cachapuz, Praia e Jorge (2000) observam

1
Publicado em Psicol. esc. educ. [online]. jun. 2003, vol. 7, n. 1 ISSN 1413-8557 [citado 26 abril 2009], p. 11-19. Disponível em:
<http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572003000100002&lng=pt&nrm=iso>.

94
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

quase tudo se reduz ao professor injectar nos alunos as ‘matérias’ que centralmente são definidas
e obrigatórias dar ao longo do ano, importando sobretudo os resultados finais obtidos pelos
alunos nos testes sumativos – afinal quem mais ordena – enquanto produtos acabados e que são
os elementos principais para a atribuição de uma classificação. Cumprir o programa e preparar
para os exames é compreendido como aprender o programa (p. 7).

Enfatiza-se, aqui, o papel do professor, relegando-se para segundo plano a intervenção do


aluno no seu próprio processo de aprendizagem. Se um aluno sabe falar e escrever numa dada
área, subentende-se, então, que compreendeu a matéria dessa área de conhecimento. A valoriza-
ção do aluno como transformador dessa informação não aparece suficientemente representada
nesta abordagem.
Do exposto depreende-se que alguns princípios e práticas educativas para a escola foram ela-
borados de acordo com os pressupostos behavioristas. Falamos, então, das teorias behavioristas
da aprendizagem escolar, tendo como objetivo principal alcançar comportamentos apropriados
por parte dos alunos, basicamente entendidos como apropriação e modificação de respostas. As-
sim, se a resposta emitida for desejada haverá reforço, cuja natureza dependerá, necessariamen-
te, do nível etário e do esforço dos alunos, por exemplo. Acredita-se que a ineficácia do ensino
tradicional foi o fato dos professores não usarem contingências de reforço que acelerassem a
aprendizagem (Skinner, apud Bigge, 1997).
Algumas dificuldades são apontadas a esta teoria. Numa concepção behaviorista de aprendiza-
gem, o aluno é passivo, acrítico e mero reprodutor de informação e tarefas. O aluno não desenvol-
ve a sua criatividade e, embora se possam respeitar os ritmos individuais, não se dá suficiente
relevo à sua curiosidade e motivação intrínsecas. O aluno pode, inclusive, correr o risco de se
tornar apático, porque excessivamente dependente do professor. Por outro lado, não há preocupa-
ção em ensinar a pensar. O ensino realça o saber fazer ou a aquisição e manutenção de respostas.
A aula deve ser centrada no professor, que controla todo o processo, distribui as recompensas e,
eventualmente, a punição. Pretende-se, acima de tudo, que haja por parte do professor uma mi-
nuciosa exatidão na determinação do que pretende ensinar, do tempo que necessita para o fazer
e uma definição específica dos objetivos comportamentais que pretende obter.
A concepção de uma aprendizagem sem erros tem na abordagem skinneriana forte defensa,
senão o principal apoio. O erro deve ser evitado, punido e exigida nova resposta. A avaliação,
centrada nos resultados e nos objetivos não alcançados, deve permitir um feedback preciso do
que ainda falta ensinar. Os exercícios de repetição ou de demonstrações de atividades, por vezes
organizados e apresentados como se o aluno tivesse que imitar, sem grandes explicações, preen-
chem largos espaços do tempo da aula. Tudo, no entanto, deve encontrar– se meticulosamente
justificado e organizado, o que aliás condiz com a tradição do ensino programado nas escolas,
como era defendido por esta abordagem.
Embora atualmente sejam as perspectivas cognitivo-construtivistas as que mais influenciam as
concepções de ensino-aprendizagem nas ciências, ainda surgem algumas formas “mascaradas”
dessa pedagogia transmissiva (Praia; Marques, 1997). Por outro lado, e porque os pressupostos
cognitivistas não são, de todo, incompatíveis com os neobehavioristas, são vários os autores que
apresentam abordagens mistas, quer a nível metodológico quer a nível teórico (Pozo, 1989). Como
exemplo, destacamos a teoria social cognitiva de Bandura (1977), ou a sua mais recente teoria de
auto-eficácia (Bandura, 1986), ou mesmo a teoria da instrução de Gagné (1975, 1985).

95
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Os objetivos de instrução, a que Gagné (1975) associa objetivos comportamentais (os objetivos
de aprendizagem refletem alterações no comportamento dos estudantes), devem ser definidos em
termos de performances humanas, bem como especificar a situação em que estas serão observa-
das. Operacionalmente bem definidos e mensuráveis, tais objetivos devem ser elaborados no iní-
cio do processo de instrução, pois são eles que determinam qual o input que deve ser fornecido ao
aluno. Para o professor, constituem a base da instrução e o suporte de verificação dos resultados
de aprendizagem. Para o aluno, servem como motivação e permitem um feedback no final desse
processo. A objetividade na definição dos objetivos torna-se notória no recurso a verbos de ação,
que facilitam a compreensão do que se pretende observar na performance do aluno. Essa mesma
objetividade auxilia a clarificação do tipo de aprendizagem pretendida e as condições requeridas
para que estes objetivos sejam alcançados pelos alunos. Os objetivos devem ser elaborados para
cada ato de aprendizagem, situação que levará a que uma unidade programática a ensinar seja
constituída por objetivos iniciais mais simples e por objetivos terminais que envolvem capacida-
des mais complexas.

A teoria sociocognitiva de Bandura (1977) preocupa-se com a aprendizagem que tem lugar no
contexto de uma situação social e sugere que uma parte significativa daquilo que o sujeito aprende
resulta da imitação, modelagem ou aprendizagem observacional (Cruz, 1997). Esta teoria represen-
ta uma teoria de aprendizagem com largas capacidades de adaptação e aplicação ao contexto esco-
lar. Na sala de aula, a conduta do professor ou a ação de um colega podem facilmente originar uma
aprendizagem modelada junto dos alunos. Nesta perspectiva, a aprendizagem é, essencialmente,
uma atividade de processamento de informação, permitindo que condutas e eventos ambientais
sejam transformados em representações simbólicas que servem como guias de ação (Bandura, 1986).
Enquanto processamento de informação, a modelagem não corresponde nem a uma simples imita-
ção, nem a uma mera identificação do observador com o modelo. Embora esse processo de aprendi-
zagem não requeira o prêmio ou o castigo, nem para o observador nem para o modelo, a teoria
reconhece que estes podem melhorar a aquisição e execução da performance. Se numa perspectiva
behaviorista, o comportamento deve ser reforçado tendo em vista a sua aquisição e manutenção, na
aprendizagem modelada, mesmo quando reforçadas, as aprendizagens pressupõem experiências
prévias de observação. Porém, incentivos ou antecipação dos benefícios podem influenciar o sujeito,
determinando quais as condutas a observar. A expectativa de uma resposta efetiva ou de um castigo
pode favorecer, por exemplo, o nível de atenção do aprendiz na ação do modelo. A antecipação dos
benefícios pode, ainda, permitir uma melhor retenção do que foi observado, dado que o sujeito fica
motivado para simbolizar e ensaiar as atividades modeladas.

Pelo exposto se depreende que as teorias de Bandura (1977) e de Gagné (1975) não marcaram
uma clara distinção entre o aluno passivo, mero reprodutor de informação, e o aluno ativo, que
aprende, organiza e reestrutura a informação recebida. Com efeito, só em meados dos anos 60-70,
rejeitando a passividade do aluno face a essa Pedagogia de base memorística, de ritmo uniforme e
muito assente numa motivação extrínseca do aluno (Santos; Praia, 1992), surgem, no ensino das
ciências, pressupostos de uma Pedagogia ativa que reconhece e valoriza uma maior intervenção do
aluno na sua aprendizagem. Assim, opondo-se a um modelo pedagógico dominantemente marcado,
ao nível psicológico, pela corrente neobehaviorista, surge o modelo da Aprendizagem por Desco-
berta (APD). Este modelo irá, progressivamente, “desinstalar ” os referenciais teóricos de uma Peda-
gogia transmissiva reinante nas práticas dos professores. De acordo com essa teoria, defende-se

96
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

uma aprendizagem ativa, requerendo explorações e descobertas efetivas para o alcance de uma
verdadeira compreensão. As relações que as crianças descobrem a partir das suas próprias explora-
ções são mais passíveis de serem utilizadas e tendem a ser melhor retidas do que os fatos meramen-
te memorizados. Bruner (1961) alega que a aquisição do conhecimento é menos importante do que
a aquisição da capacidade para descobrir o conhecimento de forma autónoma. Assim, devem os
professores promover uma aprendizagem pela descoberta por meio de atividades exploratórias por
parte dos alunos. Nessa perspectiva, cabe ao professor a capacidade de lançar perguntas que des-
pertem a curiosidade, mantenham o interesse e provoquem e desenvolvam o pensamento.

A abordagem da aprendizagem de Bruner (1961) impulsionou reformas no ensino das ciências.


De salientar a sua concepção de currículo em espiral na aquisição de conceitos científicos, a
retomar em anos sucessivos de escolaridade num crescendo de abstracção (Cachapuz; Praia; Jor-
ge, no prelo). Contudo, embora implicando o aluno no processo de aprendizagem, a APD poderá
exagerar ao pretender assumir a convicção de que o aluno aprende por conta própria qualquer
conteúdo científico. Se por um lado o papel central da aprendizagem é, agora, do aluno e não do
professor, por outro lado dá-se relevo à análise da estrutura do assunto científico a aprender e
pouco significado é atribuída ao contexto da aprendizagem. Essa perspectiva de ensino é especi-
almente apropriada para a aprendizagem do método científico (como o novo conhecimento é des-
coberto), isto é, o método torna-se útil para certos fins pedagógicos e em certos contextos educa-
cionais. Assume-se que ao exercitar as capacidades processuais e procedimentais, relativamente
ao método científico, o aluno desenvolve o pensamento e a aprendizagem. Podemos referir que
esse modelo resulta de “... uma colagem de idéias de raiz empirista e indutivista a novas idéias de
índole construtivista na esteira de contribuições piagetianas que haviam descolado o olhar para o
aluno como sujeito de aprendizagem” (Cachapuz et al, 2000, p. 11).

Pelo exposto, depreende-se que a aprendizagem por descoberta é um processo difícil e moro-
so. Será um processo, porventura, compensado, entre outros fatores, porque ajuda o aluno a ter
uma aprendizagem mais baseada na compreensão e no significado do que na memorização. No
entanto, essa atividade que é mobilizada em termos sensoriais e cinestésicos para a construção
sistemática de idéias a partir de fatos, ignora que a construção ativa do conhecimento deve tam-
bém ter em conta a construção de idéias a partir de idéias (Santos; Praia, 1992).

A verdadeira ênfase do aluno como construtor do seu próprio conhecimento surge com as teo-
rias cognitivo-construtivistas da aprendizagem, que imprimem um caráter determinante às con-
cepções prévias dos alunos. Essa perspectiva cognitivo-construtivista da aprendizagem deve-se
ao modelo piagetiano e de Ausubel, Novak e Hanesian (1981). Ao contrário dos behavioristas,
esses autores preocuparam-se com o aprender a pensar e o aprender a aprender, e não com a
obtenção de comportamentos observáveis. No entanto, já não se trata de falar nos estádios de
desenvolvimento piagetiano com o entusiasmo dos anos 50 e 60, mas de responsabilizar o aluno
pelo seu percurso pessoal de aprendizagem e ajudá-lo a ser cognitiva e afetivamente persistente
(Cachapuz et al, 2000). Comparativamente à teoria de Bruner (1961), a teoria de Ausubel et al
(1981) dá pouca atenção à aprendizagem por descoberta. Essa é importante, apenas, por ser o
processo inicial de formação de conceitos relevantes na estrutura cognitiva. Em níveis etários
baixos, a formação de conceitos é o principal processo de aquisição de saberes, sendo essencial-
mente “(...) um tipo de aprendizagem por descoberta envolvendo formulação e testagem de hipó-
teses” (Novak, 1981, p. 59).

97
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Duas dimensões do processo de aprendizagem, relativamente independentes, são importantes


na teoria de assimilação de Ausubel et al (1981): (i) o modo como o conhecimento a ser aprendido
é tornado disponível ao aluno (por recepção ou por descoberta); e (ii) o modo como os alunos
incorporam essa informação nas suas estruturas cognitivas já existentes (mecânica ou significati-
va). Assim, segundo Ausubel et al (1981), há quatro tipos básicos de aprendizagem: por recepção
mecânica, por recepção significativa, por descoberta mecânica e por descoberta significativa.
Numa primeira fase, a informação torna-se disponível ao aluno numa aprendizagem por recepção
e/ou por descoberta. Numa segunda fase, se o aprendiz tenta reter a informação nova, relacionan-
do-a ao que já sabe, ocorre aprendizagem significativa, se o aluno tenta meramente memorizar a
informação nova, ocorre aprendizagem mecânica.
Embora referindo estes quatro tipos de aprendizagem, na teoria de Ausubel et al (1981) a
ênfase é colocada na aprendizagem significativa, ou seja, um processo no qual uma nova infor-
mação é relacionada a um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo. Segundo
Moreira e Masini (1982), a aprendizagem significativa só ocorre quando o novo material, que
apresenta uma estrutura lógica, interage com conceitos relevantes e inclusivos, claros e disponí-
veis na estrutura cognitiva. Quando conceitos relevantes não existem na estrutura cognitiva do
sujeito, novas informações têm que ser aprendidas mecanicamente, não se relacionando a nova
informação com os conceitos já existentes. Ausubel (apud Novak, 1981) afirma: “o mais importante
factor isolado que influencia a aprendizagem é o que o aprendiz já sabe. Determine isto e ensine-
o de acordo” (p. 9).

À medida que o sujeito adquire conhecimento em várias áreas de conteúdo, estas organizam-
se numa estrutura cognitiva relacionada com cada área. O melhor modo de se obter nova informa-
ção, a partir da estrutura cognitiva, é assimilá-la como parte da estrutura existente por um proces-
so de conexão. Esse processo está envolvido no relacionamento de uma idéia nova com um concei-
to prévio e, ao mesmo tempo, na modificação de ambos, isto é, dando significado a ambos. A
aprendizagem significativa só ocorre quando a informação nova é ligada a conceitos existentes,
assumindo que “é neste processo interativo entre o material recém-aprendido e os conceitos exis-
tentes (subsumer) que está o cerne da teoria de assimilação de Ausubel” (Novak, 1981, p. 63).
Novak (1981), ao referir-se ao trabalho de Ausubel, menciona, ainda, o conceito de organizadores
prévios e o seu valor para facilitar a aprendizagem. Esses funcionam como uma ponte cognitiva já
que deveriam servir de ancoradouro, na estrutura cognitiva, para o novo conhecimento. Se con-
ceitos relevantes não estiverem disponíveis na estrutura cognitiva de um aluno, os organizadores
prévios serviriam para ancorar as novas aprendizagens e levar ao desenvolvimento de um subsumer
que facilitasse a aprendizagem subseqüente (Novak, 1981). Seguindo essa perspectiva, de que os
organizadores prévios são mais gerais, mais abstratos e mais inclusivos do que o material de
aprendizagem subseqüente, então, a nível de desenvolvimento e planificação curricular, devem
ser esses elementos mais gerais a serem introduzidos em primeiro lugar, sendo o conceito pro-
gressivamente diferenciado em termos de detalhe e especificidade.
A teoria de Ausubel et al (1981) ocupa-se, especificamente, dos processos de ensino-aprendi-
zagem dos conceitos científicos a partir dos conceitos previamente formados pelos alunos na sua
vida quotidiana (Pozo, 1989). A aprendizagem passa a ser encarada como um processo interno e
pessoal que implica o aluno na construção ativa do conhecimento e que progride no tempo de
acordo com os interesses e capacidades de cada um. Aplicado ao ensino das ciências, o

98
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

construtivismo surge como o fundamento epistemológico duma reação às reformas curriculares


dos anos 60 e 70, e que procura concentrar as atenções para a individualidade do aprendiz, para
os contextos onde aprendeu e aprende, e para o envolvimento social das aprendizagens (Osborne,
1996; Canavarro, 1999).
Os modelos pedagógicos construtivistas dão especial realce às construções prévias dos alunos na
medida em que filtram, escolhem, decodificam e reelaboram informação que o indivíduo recebe do
meio (Santos; Praia, 1992; Duit, 1995; Almeida, 1996; Canavarro, 1999; Cachapuz; et al, 2000). Por
outras palavras, o conhecimento prévio ou as concepções pré-existentes orientam os alunos na com-
preensão da nova informação apresentada pelos professores ou pelos manuais. Se as concepções
prévias dos alunos se articulam com a versão científica, ocorre apreensão conceptual, mas se entram
em conflito com a versão científica, ocorre, então, mudança conceptual. No entanto, em ambos os
processos de construção de idéias, está latente o pressuposto de que dificilmente se aprende sem
integrar nas redes de conhecimento anterior a nova informação (Ausubel et al, 1980; Almeida, 1996;
Praia, 1999). O papel do conhecimento prévio do sujeito é referido em estudos que envolvem disci-
plinas como a Física e a Química (Chi; Glaser; Davies; Olton, 1982; Martins, 1993; Loureiro, 1993),
a Matemática (Mourão; Barros; Almeida; Fernandes, 1993), e a Biologia e a Geologia (Bettencourt;
Amaral, 1994; Faria; Marques, 1994). No entanto, e no que se refere a trabalhos publicados sobre as
concepções alternativas em alunos de ciências, todos os estudos efetuados nessa área refletem a
idéia de que a aprendizagem prévia é decisiva nas novas aprendizagens, isto é, o conhecimento
prévio do sujeito e o grau com que o pode ativar nas situações de aprendizagem determina as suas
novas aquisições (Almeida, 1996). Para além do diagnóstico das concepções alternativas, o profes-
sor tem à sua disposição instrumentos didáticos que promovem a atividade do sujeito na organiza-
ção da informação com vista à reorganização do conhecimento (Sequeira; Freitas, 1989; Praia, 1999;
Cachapuz et al, 2000; Marques; Praia, 2000; Palmero; Moreira, 2000).
Assim sendo, valorizando-se a atividade cognitiva do sujeito e remarcando-se a importância
das concepções prévias, surge no ensino das Ciência a perspetiva do Ensino por Mudança
Conceptual (EMC), que não visa apenas à aquisição de novos conhecimentos pelos alunos, mas
reclama a sua reorganização conceptual. Essa perspectiva tem hoje a suportá-la numerosas inves-
tigações nas aulas de Ciências (Nussbaum; Novick, 1982; Osborne; Freyberg, 1985; Driver, 1988).
Como referem Cachapuz et al (2000), na perspectiva do EMC está subjacente a utilização de
estratégias metacognitivas que envolvem os alunos num exercício continuado sobre o pensar,
onde o recurso a atividades que envolvem o espírito crítico e criativo ajuda a desenvolver compe-
tências de nível superior.

No EMC, outro papel é exigido ao professor, outras tarefas são reclamadas aos alunos. Numa
lógica de aprendizagem por construção de conhecimento, exigese a iniciativa do aluno e fala-se
no papel mediador do professor: “... apela-se a um professor que consiga caminhar ao lado e à
frente dos alunos, a uma distância adequada, servindo de mediador entre os alunos e a nova
informação ou tarefa” (Almeida, 1998, p. 57). O importante é centrar no aluno o processo de
ensino-aprendizagem, criando condições para o envolvimento pessoal que se torna necessário
(Praia, 1989; Mourão et al, 1993; Almeida, 1998).
Ao destacar as contribuições pedagógicas do construtivismo, Champagne (1996) refere que,
como referente teórico, o construtivismo pode legitimar (ou ser utilizado como tal) todo o tipo de
práticas supostamente centradas no aluno e no seu contexto. Assim, passados 15 anos de intensa

99
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

investigação didática na área do EMC, surge, atualmente, no ensino das Ciências, a perspectiva
de Ensino Por Pesquisa (EPP). Essa perspectiva visa não só à compreensão do corpo de conheci-
mentos e processos científicos, mas pretende igualmente contribuir para o desenvolvimento pes-
soal e social dos jovens (Cachapuz et al, 2000). O ensino por pesquisa faz apelo a conteúdos inter
e transdisciplinares, cultural e educacionalmente relevantes. Nesse sentido, um dos objetivos
essenciais é a compreensão das relações C-T-S-A (Ciência-Tecnologia– Sociedade-Ambiente), pro-
curando garantir que as aprendizagens se tornem úteis aos alunos numa perspectiva de ação
(Canavarro, 1999; Praia, 1999). Trata-se, agora, de valorizar objetivos educacionais (e não mera-
mente instrucionais) que promovam uma avaliação formadora em detrimento da classificatória.
Importa avaliar capacidades, atitudes e valores, e não apenas os conteúdos científicos
sobrevalorizados no EMC. Assim, o EPP preconiza momentos avaliativos ao longo de todo o per-
curso, auxiliando o aluno a perceber o que faz e a saber quais as estratégias metacognitivas a
utilizar em cada tarefa (Cachapuz et al, 2000). A pesquisa partilhada e a discussão promovida na
sala de aula desviam a atenção do professor para uma avaliação mais efetiva, tendo em vista
regular o processo de ensinoaprendizagem e implicando o aluno na construção do seu conheci-
mento. O papel ativo do sujeito aparece reclamado, a sua autonomia no ato de conhecer e o papel
central dado à descoberta e à exploração são tidos como decisivos na aprendizagem.

CONCLUSÃO

A análise efetuada às abordagens comportamentais permitiu-nos constatar que, embora de


forma dissimulada, prescutam-se algumas tendências behavioristas em perspectivas de ensino/
aprendizagem atuais. O condicionamento operante de skinneriano proliferou a nível educacional
nos anos 30 e estendeu-se aos sistemas de instrução programada. Ao nível do ensino em ciências,
tais abordagens teóricas serviram de suporte a uma Pedagogia transmissiva, memorística, basea-
da no reforço e com o intuito de obter comportamentos desejáveis (Cachapuz et al, 2000). Sendo o
reforço responsável pelo fortalecimento da resposta, aumentando a probabilidade desta ocorrer,
desencadeou, a nível de sala de aula, prêmios e castigos com o intuito de promover o controle dos
alunos e mudanças comportamentais significativas (Vasconcelos, 2000). A teoria do condiciona-
mento realça o ‘saber fazer ’, o comportamento exterior, observável e susceptível de ser medido
(Tavares; Alarcão, 1992). Com o comportamentalismo, os exercícios de repetição, o ensino progra-
mado e as demonstrações de atividades a imitar fielmente, foram técnicas de ensino bastante
difundidas nas sala de aula.

Até ao apogeu educacional das correntes cognitivo-construtivistas da aprendizagem, vários


autores mantiveram vivo o behaviorismo, por meio da apresentação de projetos mistos que, embo-
ra marcadamente voltados para o processamento da informação, continuavam a refletir uma influ-
ência comportamentalista (Pozo, 1989). Para este autor, as teorias de Bandura (1977) e de Gagné
(1975), por exemplo, não marcaram uma clara distinção entre o aluno passivo, e memorizador de
conteúdos, e o aluno ativo, capaz de reestruturar a informação.

Em Portugal, e a nível do ensino das Ciências, a concepção de aprendizagem pela descoberta


de Bruner (1961) marcou os finais da década de 70 e, sobretudo, os anos 80, nomeadamente pelo
acolhimento dado aos projetos Nuffield, BSCS (Bilogical Science Curriculum Studies) e ESCP
(Earth Science Curriculum Project). Não obstante o impacto desta concepção de aprendizagem, o

100
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

dinamismo pretendido e atribuído ao aluno tornou-se redutor ao centrar-se na descoberta, que


resulta da observação cuidadosa e sistemática que supostamente faz descobrir sem pensar
(Cachapuz et al, 2000).
Deve-se, principalmente ao modelo piagetiano o reconhecimento do aluno como construtor do
seu conhecimento e sujeito responsável pelas suas aprendizagens. As concepções construtivistas
tiveram forte impacto ao nível do ensino das Ciências, nomeadamente a noção de que as pré-
concepções orientam e determinam a compreensão dos alunos. Torna-se então necessário promo-
ver a mudança conceptual, sendo a partir da concorrência entre construtos pessoais e construtos
científicos que o indivíduo (re)constrói o seu conhecimento acerca dos fenômenos científicos
(Ausubel et al, 1980; Duit, 1995; Canavarro, 1999; Praia, 1999). Porém, apoiar e estimular esse
processo de reconstrução de conhecimento do aluno não se afigura tarefa fácil para o professor.
Sobretudo, estão em causa metodologias e estratégias que conduzam a uma aprendizagem ativa e
com significado pessoal para os alunos.
Ao questionar o papel dos conteúdos do ensino, perspectivando-os, não como fins de ensino,
mas como meio para atingir fins educacionalmente relevantes e não meramente instrucionais,
podemos caminhar no sentido do ensino por pesquisa. Ligada a conteúdos do quotidiano e inte-
resses pessoais do aluno, essa perspectiva implica uma mudança de atitudes, de processos e de
metodologias, que cabe ao professor promover. Ao realçar, de forma explicita e fulcral o papel do
aluno na construção do seu conhecimento, essa perspectiva apóia-se nos postulados do
construtivismo e aposta no desenvolvimento pessoal e social dos jovens. Tal pretensão requer
alterações profundas ao nível do processo de ensino-aprendizagem. Assim, a transdisciplinaridade,
a abordagem de situações problema, a importância do pluralismo metodológico e a necessidade
de uma avaliação formadora são aspectos a desenvolver e a mobilizar por esta nova perspectiva de
ensino (Cachapuz et al. 2000).
Finalizamos a nossa abordagem em torno das perspectivas de ensino-aprendizagem das Ciênci-
as salientando alguns aspectos essenciais da evolução havida. Em primeiro lugar, o aluno assume
um papel central no processo de ensino-aprendizagem. Cabe-lhe um papel ativo de construção de
conhecimento e, para isso, importa que o professor conheça esse aluno e a fase desenvolvimental
em que se encontra. Em segundo lugar, “aprender” deixa de ser sobretudo informar-se e passa a ser
“conhecer”. Essa idéia torna o processo de ensino-aprendizagem mais ativo, mais assente na desco-
berta e resolução de problemas, na construção e desconstrução de significados pessoais. Finalmen-
te, aposta-se cada vez mais na convergência e diversidade de metodologias de ensino, no papel
instrumental dos conteúdos curriculares e na ação do “outro” nas nossas próprias aprendizagens.
Nessa altura, o professor assume também um papel importante de “tutor” do aluno, não o substitu-
indo mas acompanhando e modelando as suas aprendizagens. Igualmente interessante será o re-
curso, por parte do professor, à simulação de problemas por meio do acesso mais generalizado às
novas tecnologias ou ao trabalho de grupo por parte dos alunos, estimulando-se a aprendizagem
por confronto de posições individuais e cooperação dos pares.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, L. S. Cognição e aprendizagem: como a sua aproximação conceptual pode favorecer o


desempenho cognitivo e a realização escolar. Psicologia: Teoria, Investigação e Prática, I (1), 17-
32, 1996.

101
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

ALMEIDA, L. S. Aprendizagem escolar: dificuldades e prevenção. In: ALMEIDA L. S.; TAVARES


J. (Orgs.). Conhecer, aprender, avaliar. Porto: Porto Editora, 1998. p. 51-74).
AUSUBEL, D.; NOVAK, J. D.; HANESIAN, H. Psicologia Educacional. Rio de Janeiro: Editora
Interamericana, 1980.
BANDURA, A. Social learning theory. Englewood Cliffs, N. J.: Prentice-Hall, 1977.
BANDURA, A. Social foundations of thought & action: a social cognitive theory. New Jersey:
Prentice-Hall, 1986.
BETTENCOURT, T.; AMARAL, I. A nutrição das plantas. In: CACHAPUZ, F. (Orgs.). Ensino das
ciências e formação de professores: Projecto Mutare 3. Aveiro: Universidade de Aveiro, 1994. p.
33-87.
BIGGE, M. L. Teorias da aprendizagem para professores. São Paulo: Editora Pedagógica e Uni-
versitária, 1977.
BRUNER, J. The act of discovery. Harvard Educational Review, 31, 21-32, 1961.

CACHAPUZ, A. F.; PRAIA, J. F.; JORGE, M. P. Perspectivas de ensino das Ciências. In: CACHAPUZ
F. (Org.). Formação de professores/Ciências. Porto: CEEC, 2000.
CACHAPUZ, A.; PRAIA, J. F.; JORGE, M. P. Educação em Ciências: contributos para uma refle-
xão crítica. Lisboa: IIE (no prelo).
CANAVARRO, J. M. Ciência e sociedade. Coimbra: Quarteto Editora, 1999.

CHAMPAGNE, A. B. National Science Education Standards, Conferêcia apresentada na Univer-


sidade de Coimbra. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1966.
CHI, M. T. H.; GLASER, R.; DAVIES, L.; OLTON, R. M. Expertice in problem solving. In:
STERNBERG, R. (Orgs.). Advances in psychology of human intelligence, I. Hillsdale, NJ: Lawrence
Erlbaum, 1982.
CRUZ, V. Uma abordagem às teorias de aprendizagem. Sonhar, IV (2), 45-83, 1997.
DRIVER, R. Un enfoque constructivista para el desarrollo del currículo en Ciências. Enseñanza
de las Ciencias, 6 (2), 109-120, 1988.
DUIT, R. (1995). The constructivist view: A fashionable and fruitful paradigm for science education
research and practice. In: STEFFE L. P.; GALE, J. (Orgs.). Constructivism in education. Hillsdale,
N.J.: Lawrence Erlbaum, 1995.
FARIA, M. A.; MARQUES, L. A Terra no sistema solar. In: CACHAPUZ, F. (Org.). Ensino das
ciências e formação de professores: Projecto Mutare 3. Aveiro: Universidade de Aveiro, 1994. p.
152-34.
GAGNÉ, R. M. Essentials of learning for instruction. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1975.
LOUREIRO, M. J. Concepções alternativas em Física: conceitos básicos de electricidade. In:
CACHAPUZ, F. (Coord.). Ensino das ciências e formação de professores: Projecto Mutare 2. Aveiro:
Universidade de Aveiro, 1993. p. 39-74.
MARQUES, L.; PRAIA, J. F. Os mapas de conceitos: Instrumentos para uma aprendizagem signi-
ficativa. In: Actas do III Encontro Internacional sobre Aprendizagem Significativa. Lisboa: Uni-
versidade Aberta, 2000. p. 343-350.

102
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

MARTINS, I. P. Concepções alternativas sobre a energia nas concepções químicas. In: CACHAPUZ,
F. (Coord.). Ensino das ciências e formação de professores: Projecto Mutare 2. Aveiro: Universi-
dade de Aveiro, 1993. p. 7-38.

MOREIRA, M. A.; MASINI, E. F. S. Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São


Paulo: Editora Moraes, 1982.
MOURÃO, A. P.; BARROS, A. M.; ALMEIDA, L. S.; FERNANDES, J. A. O baixo desempenho na
Matemática: avaliação para a definição do programa. In: ALMEIDA, L. S.; FERNANDES, J. A.;
MOURÃO A. P. (Orgs.). Ensino-aprendizagem da Matemática: recuperação de alunos com baixo
desempenho. Braga: Didáxis, 1993.

NOVAK, J. D. Uma teoria de educação. São Paulo: Editora Pioneira, 1981.

NUSSBAUM, J.; NOVICK, S. Alternative frameworks, conceptual conflict and accommodations:


Toward a principled teaching strategy. Instructional Science, 11, 183-200, 1982.
OSBORNE, J. Beyond constructivism. Science Education, 80, 53-82, 1996.

OSBORNE, R. J.; FREYBERG, P. Learning in science: The implication of children’s science. London:
Heinemann Publishers, 1985.

PALMERO, M. R. L.; MOREIRA M. A. Mapas conceptuales y representaciones mentales. Una


experiencia con el concepto célula. In: ENCONTRO INTERNACIONAL SOBRE APRENDIZA-
GEM SIGNIFICATIVA, 3., 2000, Lisboa. Actas... Lisboa: Universidade Aberta, 2000. p. 175-187.

POZO, J. I. Teorías cognitivas del aprendizaje. Madrid: Morata, 1989.

Praia, J. F. A formação de professores de Ciências e a didáctica específica: Uma perspectiva de


mudança das concepções de ensino. Revista Portuguesa de Educação, 2 (3), 141-146, 1989.

PRAIA, J. F. Relatório da disciplina de Didáctica da Geologia. Porto: Universidade do Porto, 1999.

PRAIA, J. F.; MARQUES, L. Das práticas dos professores de Ciências (Geologia/Biologia) à mu-
dança em torno das suas concepções de ensino. In: A. ESTRELA, A.; FERNANDES, R.; COSTA, F.
A.; NARCISO, I.; VALÉRIO, O. (Orgs.). Contributos da investigação científica para a qualidade
do ensino. Lisboa: SPCE II, 1997. p. 145-154.
SANTOS, M. E.; PRAIA, J. F. Percurso de mudança na Didáctica das Ciências: Sua fundamenta-
ção epistemológica. In: CACHAPUZ, F. (Org.). Ensino das Ciências e Formação de Professores:
Projecto Mutare 1. Aveiro: Universidade de Aveiro, 1992. p. 7-34.
SEQUEIRA, M.; FREITAS, M. Os “Mapas de Conceitos” e o ensino-aprendizagem das Ciências.
Revista Portuguesa de Educação, II (3), 107-116, 1989.
TAVARES, J.; ALARCÃO, I. Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem. 4. ed. Coimbra:
Livraria Almedina, 1992.

VASCONCELOS, C. Métodos de estudo em alunos do 3º Ciclo do Ensino Básico: um contributo à


intervenção educativa dos professores. 2000. Tese (Doutoramento) – Braga: Universidade do Minho,
2000.

103
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

E) O QUE ACONTECEU COM O BEHAVIORISMO?

Henry L. (Roddy) Roediger1

O ano de 2004 marca o centenário do nascimento de B. F. Skinner. Penso que a maioria dos
membros da American Psychological Society – APS (e mesmo uma menor proporção de todos os
psicólogos) não irá dar muita atenção a este fato. Afinal, o behaviorismo não saiu de cena? Não
vivemos nós na idade da revolução cognitiva, que ainda mantém o seu ímpeto e domina a maioria
das subáreas da Psicologia? Não é verdade que o campo da Psicologia do aprendizado animal, o
terreno de nascença do behaviorismo, pertence à década de 1950, da mesma época da televisão
preto & branco, de três canais de televisão, de antenas nas casas? Muitos leitores da APS irão
provavelmente responder sim para todas estas três questões. Se for esta resposta correta – e como
vocês verão, eu não penso necessariamente assim – podemos então perguntar o que aconteceu.
Vamos voltar a cem anos atrás, quando a Psicologia era uma nova área de conhecimento. Os
primeiros laboratórios datam de 1879, ou próximo desta data (abstenhamo-nos de reabrir esta
controvérsia) e, em 1904, ano do nascimento de Skinner, a Psicologia lutava para emergir como
uma ciência. . Entretanto, os métodos era variados e os artigos nas revistas especializadas daque-
la época freqüentemente detinham-se longamente na observação e na especulação. Experimenta-
ções cuidadosas eram raras, senão de todo ausentes. Alguns artigos até mesmo bordejavam confu-
sas tolices. Em Saint Louis, lugar de onde estou escrevendo, havia em 1904 uma famosa Feira
Mundial e uma assembléia de muitos dos sábios daqueles tempos, incluindo psicólogos, reuniu-
se com o propósito de proferir uma série de palestras sobre o estado-da-arte dos seus campos de
estudos e, é claro, apresentá-los sob a luz mais favorável possível. Um exame das suas conferên-
cias, registros das quais foram preservados para a posteridade, permitem uma sinopse do estado-
da-arte há 100 anos atrás.

Em 1913, nove anos após o nascimento de Skinner, John B. Watson publicou o seu famoso
artigo “Psychology from the stand point of a Behaviorist” [Psicologia do ponto de vista de um
Behaviorista] na Psychological Review. Ele era breve, mas poderoso. Watson dizia que a Psicolo-
gia deveria livrar-se do estudo introspectivo de eventos mentais que não eram diretamente
observáveis – imagética, memória, consciência e etc. – e estudar o comportamento. Watson subs-
crevia a declaração de Walter Pillsbury de que “a Psicologia é a ciência do comportamento” e ia
além ao dizer que “Acredito que podemos produzir uma Psicologia, defini-la como o fez Pillsbury
e nunca recuarmos desta definição: nunca usarmos os termos consciência, estados mentais, men-
te, conteúdos introspectivamente verificáveis, imagética e assemelhados” (1913, p. 116). Osso
duro de engolir! Estudar somente o comportamento! Psicólogos da velha-guarda provavelmente
julgaram Watson meio maluco, mas os jovens psicólogos acorreram a ele em bandos e, ao longo
dos anos, sua posição continuou a atrair adeptos convictos.
Se a Psicologia era a ciência do comportamento, então as suas metas seriam, como diria Skinner
anos depois, a predição e o controle do comportamento. Controle do comportamento! Fascinante!

1
Presidente da American Psychological Society.
Tradução para o português: Roosevelt R. Starling. Funrey, MG. Este artigo é encontrado em: <http://www.redepsi.com.br/portal/
modules/smartsection/item.php?itemid=141>. Acesso em: 27 abr. 2009.

104
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

O behaviorismo pretendia fazer da Psicologia uma ciência natural. Durante os anos nos quais
as idéias behavioristas estavam evoluindo, elas estavam em harmonia com a posição filosófica do
positivismo, defendida pela física e outros campos. Os conceitos deveriam ser definidos pelas
operações utilizadas para a sua mensuração, a fim de manter a ciência solidamente fundada em
dados observáveis e para eliminar ilusórios vôos especulativos.

As décadas que se seguiram mostraram um behaviorismo em ascendência e os laboratórios de


aprendizagem animal eram os estudos “quentes”; o rato branco e o pombo os organismos de
eleição (com o pressuposto de que todos os organismos e todos os comportamentos obedeciam a
leis semelhantes). Edgar Chace Tolman defendia a metodologia do behaviorismo e contribuía com
trabalhos importantes. Alguns dos seus conceitos (aprendizagem latente, mapas cognitivos) ain-
da se podem ver hoje em dia, mesmo na literatura cognitivista. Os livros de Pavlov foram traduzi-
dos na década de 1920 e nos últimos anos desta década e no início da década dos 30, Clark Hull
iniciou a sua importante série de artigos na Psychological Review. O aluno mais famoso de Hull,
Kenneth Spence, também iniciou seu relevante trabalho nos anos 30. Edwin Guthrie publicou as
sua idéias sobre o papel da contigüidade na aprendizagem e a noção do aprendizado em tentativa
única. Em 1938, B. F. Skinner publicou “O comportamento dos Organismos” e lançou o seu mode-
lo operante, o qual se tornou a posição behaviorista de maior destaque e que, para muitos, parece
ser a que ainda hoje representa o behaviorismo. Uma das minhas disciplinas favoritas na Gradu-
ação era a Psicologia da Aprendizagem, ministrada pelo meu mentor David G. Elmes, com base
em um livro de James Deese e Stuart Hulse, da John Hopkins University, o qual tinha este mesmo
título.

Pois bem. Voltando ao behaviorismo, vejamos a caricatura da História da Psicologia na qual


parecem acreditar muitos dos psicólogos cognitivistas (o que é dizer, a maioria dos psicólogos,
nos dias atuais). Nesta visão caricata, a Historia da Psicologia é alguma coisa equivalente à His-
tória da Civilização Ocidental e diz assim: os primeiros psicólogos, tais como Willian James,
tinham grandes idéias e especulações e os psicólogos estudavam da melhor maneira possível
fenômenos cognitivos, tais como imagética; James e seus colegas corresponderiam aos antigos
Atenienses, talvez Sócrates, Platão e Aristóteles. Contudo, mais tarde, e devido a Watson, Skinner
e outros da sua laia, a Idade das Trevas cobriu o mundo: a ortodoxia religiosa do Behaviorismo
cobriu a terra e sufocou as concepções criativas sobre os fenômenos cognitivos e outros temas.
Finalmente, a Renascença aconteceu no início dos anos 50, quando o trabalho experimental de
George Miller, Donald Broadbent, Wendell Garner e outros, como também os escritos de Noam
Chomsky, conduziram a Psicologia para fora da idade negra e em direção à luz da revolução
cognitiva. O movimento ganhou impulso nos anos 60 e, em 1967, o grande livro Psicologia
Cognitiva, de Ulric Neisser, ao mesmo tempo deu nome ao novo campo de estudos e, com compe-
tência, resumiu seu conteúdo. O behaviorismo ainda vivia, durante os anos 60 e início dos anos
70, assim reza a estória, mas vistos os fatos à luz da atualidade, somente como um movimento
intelectual de retaguarda, que estava em seus últimos suspiros de popularidade. Por volta da
década de 1990, o domínio das abordagens cognitivas em quase todas as áreas da Psicologia (até
mesmo no aprendizado animal!) era quase completo. Para se ter uma medida disto, verifique-se:
nos anúncios publicados na American Psychological Society Observer, com que freqüência se vê
os termos cognitivo ou neurociência cognitiva em um anúncio relativo ao behaviorismo ou à apren-
dizagem animal?

105
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

Assim, voltando a minha questão original: o que aconteceu com o behaviorismo? Neste ponto,
tenho algumas possíveis respostas. Deixarei para pessoas mais esclarecidas do que eu o encargo
de ponderá-las e decidir se a resposta final poderia ser alguma combinação das alternativas que
ofereço ou mesmo nenhuma delas.

Uma possibilidade é a de que o declínio do behaviorismo representou o advento de uma revo-


lução intelectual e jovens cientistas, tal qual os jovens de todos os tempos, apreciam o inebriante
fervor de uma revolução. Assim, tendo estado o behaviorismo em ascendência durante tanto tem-
po na Psicologia, de maneira especial e principalmente na Psicologia americana, os tempos esta-
vam maduros para uma revolução intelectual. As análises dos primeiros psicólogos cognitivistas
(Broadbent, Miller, Garner e outros) eram rigorosas, provocativas e abriam novas paisagens inte-
lectuais. Muitos dos problemas que estavam de certa forma fora do interesse das análises
comportamentalistas – percepção, atenção, lembranças, imaginação, pensamentos – eram aborda-
dos de uma maneira completamente nova. De acordo com esta narrativa, nada “aconteceu” ao
behaviorismo; nem mesmo foi demonstrado que ele estivesse por qualquer forma “errado”. Ao
invés disso, a abordagem cognitiva simplesmente gerou adeptos a expensas da ordem estabelecida,
abriu novas técnicas e métodos de estudo e criou uma excitação que atraiu os estudantes de
Graduação, fazendo-os deixar os laboratórios animais. (Alguns tipos de análise cognitiva que
pareciam tão espetaculares nos anos 60 mostram-se bem gastos atualmente. Por exemplo, os mo-
delos metafóricos e os diagramas de caixa e setas, tão populares então, parecem extravagantes,
quando comparados ao mapeamento que faz a neurociência cognitiva dos circuitos cerebrais
subjacentes ao desempenho cognitivo). Resumidamente, as análises cognitivistas galvanizaram e
entusiasmaram o clima da época como sendo mais excitantes e interessantes para a abertura de
novas áreas de estudo.

Uma segunda razão possível é que, na década de 70, as análises behavioristas estavam se
tornando por demais microscópicas. Como ocorre na maioria dos campos de estudo durante o seu
desenvolvimento, os pesquisadores começaram a estudar cada vez mais e mais sobre cada vez
menos e menos. Ao invés de manter o foco nos problemas centrais, críticos, os pesquisadores
behavioristas voltaram a sua atenção para problemas cada vez mais sutis (isto é, cada vez mais
insignificantes), acarretando um aumento da complexidade das análises experimentais em total
desproporção com os ganhos em conhecimento que elas proporcionavam (É digno de nota o fato
de que muitas das grandes e fundamentais descobertas na maioria dos campos de estudo são
freqüentemente simples, diretas e básicas, de tal maneira que outros se perguntam: “Por que eu
não pensei nisto antes?”). O número de parâmetros e epiciclos no modelo Hull-Spence explodiu.
Examinem o enfadonho “Schedules of Reinforcement” de Ferster e Skinner, publicado em 1959,
comparado às formulações bem mais diretas escritas por Skinner em seu “The Behavior of
Organisms”, publicado em 1938. Nesta versão da história, havia algo errado com o Behaviorismo
nos anos 70 e 80: ele ficou muito focalizado em problemas específicos e perdeu de vista o quadro
maior.

Uma outra maneira pela qual o behaviorismo se perdeu é que muitos psicólogos (de maneira
especial psicólogos cognitivistas) não focalizam a história de aprendizagem dos organismos. Como
me escreveu John Wixted, ao comentar este artigo, “os pesquisadores se esqueceram de explicar
porque nós nos comportamos como nos comportamos. Muito daquilo que fazemos é função de
conseqüências anteriores de nossas ações e nós aprendemos a partir destas conseqüências. Mo-

106
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

delos cognitivistas freqüentemente são substitutos desta história de aprendizado (eles se referem
a um computador mágico na nossa cabeça sem considerar o que explicaria as habilidades
computacionais deste computador...). Dessa maneira, na medida em que a Psicologia cognitivista
e a neurociência cognitiva não se interessam pela história de aprendizagem dos seus sujeitos – e,
na sua maior parte, elas não se interessam – o behaviorismo perdeu.”

Uma terceira resposta é a de que não há nada de errado com o behaviorismo atual, obrigado
por perguntar. A premissa inicial deste artigo está simplesmente errada. O Behaviorismo está
vivo, passa bem e nada “aconteceu” a ele. O Journal of the Experimental Analysis of Behavior –
agora editado pelo meu colega Len Green – continua sendo uma vitrina viva disto, como também
o é o Journal of Applied Behavior Analysis. Estas duas revistas são publicadas pela Society for the
Experimental Analysis of Behavior, que permanece forte e sadia desde 1957. O principal congres-
so dos behavioristas é o da Association for Behavior Analysis, ou ABA, que teve mais de 4 200
participantes em 2003 e que, no seu congresso de 2002, registrava 3 200 participantes. Incluindo
as organizações afiliadas em todo o planeta, ela tem em torno de 12.000 associados (comunicação
pessoal de Jack Marr). Ao longo dos anos, a ABA tem mostrado um crescimento espantoso e ainda
atrai 250 novos membros a cada ano, somente nos Estados Unidos. Na Society for the Quantitive
Analysis of Behavior, que realiza seu encontro antes e durante o congresso da ABA com seus
próprios critérios matematicamente sofisticados de afiliação, muito dos trabalhos apresentados
estão baseados em pesquisas com humanos (e não somente com pombos e ratos, conforme uma
visão estereotipada sugeriria).

Por que este entusiasmo todo? Porque as análises comportamentais funcionam! Sabemos agora
como aliviar ou eliminar fobias através de terapias baseadas em processos de extinção; conhece-
mos o poder de uma economia simbólica para ajustar o comportamento em hospitais psiquiátricos;
podemos reduzir a probabilidade de comportamentos problemáticos e aumentar a probabilidade
de comportamentos desejáveis através da oferta ou retirada judiciosa de reforçadores. Mesmo
para problemas estudados por psicólogos de orientação cognitivista, terapias comportamentais
são o tratamento de escolha. As técnicas comportamentais de Lovaas para crianças com autismo
são as que proporcionam as maiores esperanças, e, para dizer a verdade, até a presente data a
única esperança (está tudo bem com debates sobre a Teoria da Mente no autismo, mas não se o
que você deseja é terapia e tratamento; neste caso, procure o behaviorismo). De igual maneira,
por mais interessantes que possam ser as análises psicolingüísticas para a gagueira e afasias, os
tratamentos vêm majoritariamente dos laboratórios comportamentais. No ramo de neurobiologia
da aprendizagem o modelo central é o do condicionamento clássico e o principal modelo teórico é
o de Rescorla-Wagner. Análises comportamentais existem também para programas de
autodesenvolvimento, na indústria (Organizational Behavior Management), nos esportes, na edu-
cação de filhos e, é claro, no treinamento de animais de estimação e de zoológicos. Em qualquer
situação na qual a predição e o controle do comportamento aberto seja importante, encontrar-se-
ão análises comportamentais funcionando. Em suma, esta resposta afirma que o behaviorismo
continua vivo e florescente, embora talvez não tanto em voga na profissão como esteve antes.

Uma outra formulação para a resposta anterior (devida a Endel Tulving) é a de que existem
várias ciências psicológicas igualmente válidas. Num comentário enviado sobre um rascunho des-
te artigo ele diz que “Está bastante claro em 2004 que o termo “Psicologia” agora designa pelo
menos duas ciências bastante diferentes: uma do comportamento e outra da mente. Assim como

107
EaD Làla C at arina Lenzi Nodari

outras ciências do comportamento, ambas lidam com criaturas vivas, mas a sua interseção é fraca,
provavelmente não maior do que a que existia entre a Psicologia e sociologia quando as coisas
começavam. Ninguém jamais conseguirá juntar novamente estas duas Psicologias, porque o seu
objeto de estudo é diferente, seus interesses são diferentes e o entendimento do tipo de ciência
com o qual elas trabalham é diferente. Por demais esclarecedor é o fato de que estas duas espécies
se movimentaram para ocupar diferentes territórios, não dialogam uma com a outra (não mais) e
seus membros não se associam. Este estado das coisas está exatamente do jeito que deve ser.”

Talvez a resposta mais radical que eu ofereço é que o behaviorismo é menos discutido e debatido
hoje em dia porque, na verdade, ele venceu o debate intelectual. Num sentido muito real, todos os
psicólogos contemporâneos – pelo menos aqueles que conduzem pesquisas empíricas – são
behavioristas. Mesmo os experimentalistas de máxima orientação cognitiva estão estudando algum
tipo de comportamento. Eles podem estar estudando os efeitos de variáveis relacionadas com o
apertar de teclas de computadores, de preencher checklists, de completar avaliações de
confiabilidade, de padrões de fluxo sanguíneo ou de lembrar palavras escrevendo-as em folhas de
papel, mas eles estão estudando, na maioria absoluta das vezes, comportamentos objetivamente
verificáveis. (Até mesmo experiências subjetivas, tais como avaliações de confiabilidade, podem ser
replicadas entre diferentes pessoas e em diferentes condições). Este passo, o de passar a estudar
comportamentos objetivamente verificáveis, representa uma enorme mudança em relação ao traba-
lho que muitos psicólogos conduziam em 1904. Hoje em dia os campos da Psicologia cognitiva e da
neurociência cognitiva é altamente comportamental, se se incluem neles medidas neurais do com-
portamento. Verdade: necessariamente, não existe nada de intrinsecamente interessante em apertar
teclas num computador, mas, por outro lado, as leis fundamentais do comportamento foram desen-
volvidas com base em ratos pressionando barras e percorrendo labirintos ou pombos bicando discos,
ações que não se poderiam considerar comportamentos por direito próprio. Em todas estas instânci-
as, é a esperança fundamental do cientista descobrir princípios interessantes a partir de análises
experimentais simples e elegantes. O pesquisador cognitivista vai além e procura evidências que
permitam uma convergência entre as observações comportamentais e o funcionamento interno dos
sistemas mente/ cérebro. Mas enquanto experimentalistas, tanto o pesquisador cognitivista quanto
o comportamentalista estuda o comportamento. O comportamento venceu.

Acredito que poderia prosseguir dando outras razões ou especulações, mas vamos deixá-las
em cinco. Deixe-me explicar porque eu deixei fora desta lista uma explicação popular que li nos
livros de história. Não é verdade que a revisão de Noam Chomsky sobre o Comportamento Verbal
de Skinner reduziu a pó a análise comportamental e demonstrou que, no que diz respeito à lin-
guagem, ela é falida? Li este debate por algumas vezes e, embora interessante, sempre me pare-
ceu que os protagonistas estavam argumentando com propósitos desencontrados, a partir de dife-
rentes paradigmas. Chomsky era e é um racionalista; no que diz respeito à linguagem, ele não vê
utilidade em análises experimentais ou dados de qualquer natureza e até mesmo a psicolingüística
experimental é de pouco interesse para ele. Meu palpite é o de que a revisão de Chomsky pode
receber crédito como uma causa menor da revolução cognitiva. Para a grande maioria dos psicólo-
gos, fundamentalmente empiristas na sua visão de mundo, foram os novos e importantes experi-
mentos que pesquisadores conduziam em temas cognitivos que criaram a revolução cognitiva, e
não a revisão de Chomsky sobre o livro de Skinner (aliás, refutada com bastante eficácia numa
argumentação desenvolvida por Kenneth MacCorquodale).

108
EaD PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

É verdade que eu mesmo sou um psicólogo cognitivista, mas favoreço várias respostas. O
Behaviorismo está vivo e a maior parte de nós é behaviorista. É possível que isto possa ser mais
verdade no que me diz respeito do que no que concerne a muitos outros. Minha produção teórica
é habitualmente de natureza bastante funcional. Alguns críticos reclamam que eu não tenho “teo-
rias reais” ou que eu estou somente descrevendo mais uma vez os dados; alguns argumentam que
minhas idéias são muito descritivas para serem testadas; não obstante, outros, desconsiderando
as críticas acima, empenharam-se em testá-las e acharam que elas estavam empiricamente erra-
das (hmm...ambos os conjuntos de críticos não podem estar simultaneamente corretos, penso lá
eu). Tendo sido parcialmente formado na tradição intelectual funcionalista de Johan McGeoch,
Arthur Melton e Robert Crowder, é bem verdade que eu meu sinto mais confortável me mantendo
perto dos dados e que, ao contrário do que fazem muitos dos meus colegas cognitivistas, eu me
engaje em poucos vôos teóricos extravagantes.
Há poucos anos atrás, Robert Solso editou um volume intitulado Mind and Brain in the 21st
Century (MIT Press) [A Mente e as Ciências do Cérebro no Século 21] para o qual eu escrevi um
capítulo no qual faço previsões audaciosas para o futuro da Psicologia cognitiva. Minha décima-
primeira e última previsão é a de que uma poderosa forma de behaviorismo faria um retorno ao
centro das tendências da Psicologia. Isto não significa que eu acredite que o movimento por
qualquer forma se esvaiu, ainda que pense que a revolução behaviorista tenha sido bem sucedida
em sua maior parte e que as suas premissas centrais tenham sido incorporadas à Psicologia.
Afinal, mesmo o mais ardente behaviorista concordaria em que os grandes debates que turbilhonavam
dentre e entre os behavioristas, já não ocorrem mais na corrente principal da literatura contempo-
rânea. Como John Wixted apontou na citação acima, psicólogos cognitivistas tendem a ignorar a
história da aprendizagem nas suas teorizações. Se começássemos a incorporar em nossas conside-
rações a história da aprendizagem, o behaviorismo já estaria fazendo uma reentrada. Contudo, e
ao mesmo tempo, está claro que muitos aspectos do behaviorismo jamais saíram de cena. Mais
propriamente, muitos psicólogos simplesmente ignoram o bom trabalho de pesquisa que está sen-
do produzido na tradição behaviorista.

109

You might also like