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Comunicação – Semana de História UFU 2018

1. Crítica à apresentação da fonte

1.1 – Tipologia:

A fonte a qual escolhi para analisar nesta apresentação é um Livro intitulado Por que
resisti à prisão do baiano escritor, comunista, “terrorista”, poeta, assaltante,
guerrilheiro, revolucionário Carlos Marighella. O livro se apresenta como uma
denuncia, literatura política (como ele mesmo intitula), uma reportagem política como
afirma Jorge Amado, como ato político como relata Antonio Candido, e para além de
um relato autobiográfico é uma transmissão de conhecimentos de uma experiência de
vida militante aos militantes, a juventude.

1.2 – Local de produção e datação:

O texto é escrito em 1965 na condição de Clandestinidade no Rio de


Janeiro.

1.3 – Mas quem é Carlos Marighella:

Carlos Marighella nasceu em 5 de dezembro de 1911, filho de um italiano,


Augusto Marighella, e Maria Rita do Nascimento, descendente de negros
haussá, teve sete irmãos e viveu boa parte de sua infância e adolescência na
Bahia. No inicio dos anos 1930 ele vinculou-se ao Partido Comunista
Brasileiro (PCB), partido esse fundado em 1922 que vinha com a proposta
do socialismo e carregava a referencia, muito poderosa naquele momento,
da Revolução Soviética. Em 1932, Marighella foi preso pela primeira vez
juntamente com quinhentos e doze estudantes e sete professores em uma
mobilização por uma proposta democrática de uma Constituição e o fim do
autoritarismo naquele período, por ordens de Juracy Magalhães, interventor
colocado pela ditadura de Vargas no Governo da Bahia. Em 1° de maio de
1936, já aos 25 anos, Marighella foi novamente preso e enfrentou, durante
23 dias, as terríveis torturas da polícia de Getúlio Vargas. Voltaria aos
cárceres em 1939, sendo mais uma vez torturado de forma brutal na
Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo, mas se
negando a fornecer qualquer informação à polícia. Recolhido aos presídios
de Fernando de Noronha e Ilha Grande pelos seis anos seguintes, ele
dirigiria sua energia revolucionária ao trabalho de educação cultural e
política dos companheiros de cadeia.1

Livre com a Anistia em 18 de Abril de 1945, Marighella foi destacado para


voltar à Bahia, onde trataria de articular sua candidatura a deputado federal
1
Ver JOSÉ, Emiliano. Carlos Marighella: o inimigo número um da ditadura militar. São Paulo: Sol &
Chuva, 1997.
pelo PCB, no qual foi eleito deputado federal constituinte pelo estado da
Bahia. Em 1948, com o mandato cassado pela repressão que o governo
Dutra desencadeou contra os comunistas, Marighella retorna a
clandestinidade. E partir de 1958 começa a discorda das linhas de seu
partido. Em 1967, rompe com o PCB e funda a Aliança de Libertação
(ALN) com a intenção de partir para um embate com a ditadura civil-militar
através das armas. Na noite de 4 de novembro de 1969, surpreendido por
uma emboscada, Carlos Marighella morre pelos tiros dos agentes da
repressão militar.

1.5 Informação sobre a época de produção do documento (Contexto Histórico)

Marighella escreve este livro um ano após o golpe militar de 1964, após
revolução cubana e de sua prisão em 9 de maio do mesmo ano durante uma
sessão de cinema no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro. Em um momento
conturbado dentro PCB, com muitos debates internos, autocríticas, ele
escreve este livro demonstrando a fragmentação do partido entre uma linha
que acreditavam que expulsariam a ditadura por uma via democrática, sem
confronto violento, e outra linha que propunha a retomada da democracia
através das lutas de massas.

1.6. Principais temas/característica encontrados no documento [abordagem sumário]

- Liberdade
-Resistência
- Proposta de frente única antiditadura
- Erros da esquerda e críticas ao pcb
- O papel da Juventude

2. Crítica interna: análise do texto ou característica do registro

2.1. leitura ou observação atenta da fonte para levantamento dos termos ou


características.

Este livro pode ser dividido em dois momentos:

No primeiro momento, Marighella faz um relato autobiográfico sobre os


detalhes de sua prisão e descreve os interrogatórios que foi submetido, ele
denuncia as violências e arbitrariedades da ditadura naqueles primeiros dias
do golpe. Relata diversos absurdos, torturas, humilhações e diversas
situações de desmoralizações praticadas pelos órgãos de repressão do
Estado fascista militar.

No segundo momento Marighella expõe sua perspectiva da situação


brasileira, demonstrando suas novas posições políticas, sistematizando de
alguma maneira aquilo que havia pensando sobre a lógica de se pensar
política do PCB.
Situa os limites da democracia representativa nas condições brasileiras, o
que ele chama de “democracia burguesa”, o seu conteúdo de elite, a
ostensiva marginalização das massas exploradas, os camponeses
eternamente marginalizados e escravizados pelos senhores da terra –
condições que vinham de longe e eram uma espécie de pecado original do
qual o Brasil nunca conseguira se livrar. Diz que, apesar de tantas
limitações, sobreveio o golpe, que só aconteceu porque as grandes forças
econômicas se viram ameaçadas pela mobilização e descontentamento das
massas e por conta, também, de uma sensível busca por uma solução não
violenta buscando defender os privilégios das classes dirigentes. A
democracia burguesa não passara de um sonho de uma breve noite de verão:
“As classes dirigentes não vacilaram em empregar a violência e subverter a
ordem constitucional para liquidar com as liberdades, evitando, que delas se
favorecessem as massas, e opondo uma barreira à participação do povo no
poder”.

O ato de resistência – vista como provocação desnecessária pelo PCB –


tinha o objetivo de desmascarar a natureza da ditadura, é um ato político é
propaganda, é um ato de fidelidade do compromisso com a luta pela
liberdade. Atitude de resistência e não de conformismo.

Expressa confiança na juventude, na nova geração, “uma geração política”,


que marcha para frente, que confia no seu destino, que está determinada a
alcançar a liberdade e o progresso, segundo o autor.

Defende uma frente ampla para derrotar a ditadura, que em sua visão
continua a exigir a presença da burguesia nacional, além dos operários,
camponeses e camadas médias. Mas adverte que essa frente – e aqui é outro
ponto de combate à política do partido – não pode ser instrumento de
contenção do ímpeto, da ousadia das massas populares. A liderança da
burguesia nacional se caracteriza por ser débil e vacilante e está destinada
sempre a entrar em colapso e a ceder quando se desenha a possibilidade de
um confronto que passe o poder aos setores populares. Ou seja, a liderança
deste frente ampla não pode ser submetida à burguesia nacional e nem ser
um fator de limitação das ações da massa.

Marighella então entra num debate que é o divisor de águas dentro do


partido comunista: o da violência e da luta armada. Ele argumenta que a
ditadura surgiu da violência e, assim, “não pode esperar menos do que a
violência por parte do povo para enfrentar os crimes cometidos pelo
governo e os militares em detrimento da condição humana e dos interesses
nacionais”.

Ele aponto criticas diretas aos membros do PCB ao dizer que os comunistas
sempre disseram, sobretudo durante o governo Goulart, que a violência dos
golpistas seria respondida na mesma moeda, que eles “seriam esmagados se
levantassem a cabeça”, palavras do próprio Prestes. Neste sentido, ele
aponta que o grande erro foi a não organização de uma resistência ao golpe,
mesmo sabendo de suas ameaças, com exceção a greve geral. Esse foi o erro
mais sensível em acreditar na capacidade de direção da burguesia, sem o
apelo à organização de massas e à ação e vigilância independentes.

Ele toma como exemplo a revolução cubana e faz projeções deste campo de
experiências: devido ao emprego da violência pela ditadura, a ideia de se
retomar a democracia pela via pacífica se distanciou da realidade brasileira.
Por tanto, este fato poderá levar ao aparecimento de guerrilhas. Como a
revolução nos apresenta, somente a organização do povo disponde de seus
próprios recursos (desde autodefesa até a organização armada) levara a
libertação nacional.

2.2 – Do que trata o Documento? Como o autor se posiciona em relação ao tema


tratado? A quem ele se dirige? Quais seus objetivos?

Este documento trata em especial das novas visões políticas de Carlos


Marighella. Das perspectivas de resistência, de liberdade, de ação, suas
críticas as decisões e posições políticas tomadas pela esquerda naquele
momento e suas projeções de futuro.

Desde o primeiro momento ele busca, através de sua experiência práticas,


defender sua tese de que a resistência é um ato de liberdade, é um ato de
fidelidade aos princípios revolucionários e de não subserviência ao Ditadura
militar fascista que representa o Imperialismo. Isso fica claro quando ele
relata no primeiro capítulo suas ações no momento de sua prisão no cinema
no dia 9 de maio de 1964:

“(...) Depois a luta na rua. Um magoe de “tiras” cruéis,


selvagens, imbecis, massacrando um homem desarmado, que se
esvaía em sangue, defendendo sem medo da morte o ideal que
abraçou e a liberdade que ama acima de tudo. Gangsterismo
puro. A nova ordem de coisas em que pretendem enquadrar o
Brasil.
Resisti a essa prisão até o fim. Não desmaiei com o tiro, no
interior do cinema; o tiro disparado pelos policiais foi o primeiro
sinal da luta. Não rolei para o chão. Lutei todo o tempo com a
bala embutida no corpo, e sangrando sempre e muito.
(...) Enquanto pude, empreguei a força de ombros, braços e
pernas e agilidade dos golpes de capoeira. Mas minha força
vinha mesmo da convicção política, da certeza de que tudo isto é
ditadura e de que a liberdade não se defende senão resistindo.”
(P.18-19).
Ele retoma sua juventude, na faculdade de engenharia que abandonou
devido a “Um sentimento profundo de revolta ante a injustiça social”.
Pontua a sua condição de mestiço, filho de um pai anarquista italiano e de
uma mãe com ascendência de negros haussás (afamados na história das
sublevações baianas contra os escravistas). Afirma que desde criança se
pergunta “Por que o pobre trabalha toda a vida e nunca tem nada?”. Por uma
questão de classe, se sentia instigado em examinar a situação dos pobres.
Isto o levou a lógica da filosofia marxista de interpretação social. “Como
homem do povo, escolhi cedo o caminho, que só podia ser o da luta pela
liberdade”. Faz com que estas questões sirva de base como um argumento
de autoridade para fazer suas análises, o colocando como um Representante
do Povo brasileiro, ou “o irmão dos marginalizados” como afirma Jorge
Amado.

Podemos perceber também que Marighella tenta, como um dos seus


objetivos principais, transmitir aos jovens combatentes suas experiências de
vida na militância, ao afirma as situações a qual passou, as torturas e como
comportou-se. Tira como exemplo seu campo de experiência e transmiti a
ideia de que resistir é viver, pois o conformismo é a morte.

Através de seus relatos sobre as torturas ele denuncia e chama a atenção


para um fato: “A ditadura insiste em dizer que os comunistas são o mal a ser
derrotado, que representam a imoralidade e o terrorismo, mas que
moralidade tem as ações do DOPS ao violentar, espancar e torturar diversas
pessoas?”. Ele afirma que ninguém esta seguro perante as ações da
repressão, o povo esta morrendo, a única forma de sobrevivência é a
resistência, é resistir é viver. Conformar-se com tudo que acontece é a
morte.

Após toda esta base argumentativa de interpretação da situação política


brasileira Marighella faz projeções para o futuro e propõem ações para a
superação deste problemas:

A ditadura militar deve ser derrotada e para isso é necessário uma união
nacional de todos os setores contrários ao regime, pautados pela ação. A
aliança com a burguesia nacional naquele momento era uma necessidade
para a conjuntura histórica brasileira. No entanto, era para ter a clareza que
o protagonismo da luta deve ser das massas populares. O grande erro da
esquerda naquele momento foi em acreditar na capacidade de direção da
burguesia, sem o apelo à organização de massas e à ação de vigilância
independentes.

Faz suas apostas nas novas gerações e afirma destinar este livro a elas que
leram e refletiram sobre as ideias postas:

“As novas gerações de operários, camponeses, intelectuais,


estudantes, homens e mulheres jovens, com a experiência por
que estão passando nos dias de hoje, trarão o influxo do sangue
novo que no processo social sempre é exigido para a afirmação
de uma liderança em consonância com as novas condições.”

Conclusão

Por que recuperar a memória de Carlos Marighella?

A fonte a qual eu analiso é a 2ºedição do livro Por que resisti à prisão publicada
em 1994 pela editora brasiliense juntamente com o apoio da Universidade federal da
Bahia. Os direitos autorais é reservado a Clara Charf (ex-mulher do guerrilheiro) e a
família. A ilustração da capa é um esboço de Oscar Niemayer para o projeto do túmulo
de Carlos Marighella, contem uma apresentação de Antonio Candido e o prefácio de
Jorge Amado.

A iniciativa da republicação do livro nasce de um desejo de Clara Charf, logo


após voltar do exilio em Cuba, de recuperar a verdade sobre Carlos Marighella. Sua
intenção era não permitir que o Brasil lembra-se dele apenas pelas versões oficiais
disseminadas pela Ditadura Militar. O primeiro resgate público da Memória de Carlos
Marighella foi uma manifestação em 1979 no dia 10 de dezembro organizada por Clara,
Carlinhos (filho) e Caetano (irmão), que conto com a presença de todas as forças
políticas de esquerda e contrárias a ditadura. “De Luiz Carlos Prestes, que havia
combatido a luta armada, a Franklin Martins, um dos dirigentes do sequestro do
embaixador americano, passando por Fernando de Morais, que representava o PMDB.”
Além de pessoas que admiravam Marighella e que de uma forma ou de outra
enfrentavam a Ditadura. No final do ato, Clara Charf fez um discurso no qual afirmava
que ali se iniciava uma jornada de resgate da memória de Marighella e que tal jornada
contribuiria para resgatar também a história verdadeira de tantos outros revolucionários
que haviam dado suas vidas pelo povo e que eram enxovalhados pela ditadura. A
juventude brasileira haveria de saber que existiram homens e mulheres que não se
dobraram diante dos militares, que deram a vida em favor de um ideal, em favor de uma
pátria livre, independente e socialista.

Em 1994, Clara e Carlinhos deram passos a frente, editando os livros Por que
resisti à prisão e Rondó da Liberdade. Era uma maneira de torna conhecido seu
pensamento político e a sua veia poética. Esta tentativa de narrar uma história não
oficial é muito importante para se pensar a historiografia, demonstra que a História
chamada oficial usualmente omite ou nega fatos, circunstancias e nomes que tiveram
importância fundamental. Tentando traçar esta nova narrativa, no mesmo ano a
Universidade Federal da Bahia (UFBA) organizou um Seminário em torno do
pensamento político de Marighella. Coordenado pelo professor Jorge Nóvoa, do
Departamento de História da UFBA, contando com a presença de Florestan Fernandes,
Antonio Candido, Jacob Gorender, depoimento em vídeo de Jorge Amado.
Simultaneamente, inaugurava-se uma exposição de fotos na sede do bloco Olorum, no
Pelorinho, que acompanhava toda a trajetória do dirigente Comunista.
Desta forma, Clara busca um arcabouço de intelectuais para sistematizar a
memoria deste sujeito com tantas contradições, amado e odiado quase que na mesma
proporção. A meu ver, sua memória tomou os rumos de uma memória coletiva, muito
próxima da simbologia de Che Guevara. Sua imagem é atrelada como símbolo da
resistência de um momento histórico, a luta pela liberdade. Marighella vira um polo
aglutinador de tantas outras memórias que foram perdidas, esquecidas nos porões da
ditadura, milhares de brasileiros, militantes, revolucionários que deram a vida pelas
mesmas causas. Por tanto, entender a complexidade do contexto no qual Carlos
Marighella estava inserido e analisar o seu entendimento sobre este processo de
radicalização das ações políticas é de fundamental importância para aprofundarmos a
compreensão do período proposto à investigação.

Quando se é historiador, passamos a observar o presente com uma certa


precisão, quando estudamos o fascismo na Itália e aspectos dos movimentos totalitários
começamos a ver uma espécie de coerência entre eles. Não que eles tenham partido dos
mesmos pressupostos, cada situação na história é única, mas que eles partem de
narrativas comuns. Ao perceber isso conseguimos identificar algumas situações no
tempo presente e relacionamos com alguns destes momentos totalitários. Neste
momento de crise da esquerda brasileira, do recente golpe que a democracia tomou, do
teatro da prisão do Lula, o advento da ascensão do Bolsonaro, a polarização política e as
diversas situações de intolerância, sejam religiosas, de gênero e etc. Qual seria as lições
que devemos aprender com a Ditadura Militar e o que o Marighella tem a contribuir
com o nosso tempo?

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