Professional Documents
Culture Documents
O presente artigo tem por intuito avaliar como o sistema estatal está disciplinando
a nova criminalidade que surgiu com os avanços tecnológicos aplicados ao computador e
à Internet.
Para isso, iremos situar o indivíduo na sociedade contemporânea, estudando
fenômenos como a globalização e os novos paradigmas culturais impostos pela
virtualização das relações humanas e pela urgência estabelecida por esta sociedade pós-
moderna que acostumou-se às respostas instantâneas oferecidas pela Internet. No que diz
respeito à informática presencia-se um inacreditável avanço, a Internet já invadiu
praticamente todos os âmbitos de nossas vidas, de modo que hoje se diz que vivemos
numa sociedade da informação.
Em seguida, serão analisados os conceitos e as definições do que se convencionou
chamar, neste trabalho, de Crimes Virtuais, por constituírem condutas danosas praticadas
no ambiente virtual da Internet, procurando estabelecer os limites conceituais destes
delitos.
Finalmente, depois de um breve estudo sobre aspectos relevantes do Direito Penal,
analisaremos se os tipos penais existentes são suficientes ou se é necessário novo tipo
para coibir as condutas danosas que ocorrem na Internet, assim como analisaremos as
formas encontradas pelo Estado para a persecução destas condutas no ciberespaço.
2 SOCIEDADES E O SISTEMA
“A parte está no todo, assim como o todo está na parte.” Dessa forma abre Juremir
Machado da Silva o seu artigo Pensar a vida, viver o pensamento1. Esta passagem define
impecavelmente o momento global em que vivenciamos, onde não há mais isolamento.
Na visão de Edgar Morin2, o que titulamos de globalização hoje em dia é a sequela
1 SILVA, Juremir Machado da. Pensar a vida, viver o pensamento. In: MORIN, Edgar. As duas
globalizações: complexidade e comunicação, uma pedagogia do presente. Porto Alegre: Sulina, 2001. p.
13-20.
2
MORIN, Edgar. As duas globalizações: comunicação e complexidade. In: ______. As duas
globalizações: complexidade e comunicação, uma pedagogia do presente. Porto Alegre: Sulina, 2001.
p. 39-59. p. 39.
no período atual de um procedimento que se iniciou com a conquista das Américas e o
desenvolvimento dominante do ocidente europeu mitra o planeta. A primária
modernização no princípio do século XVI é a globalização dos micróbios, porque os
micróbios europeus, como a tuberculose e outras enfermidades chegaram às Américas ao
longo dos anos. Entretanto, os micróbios americanos, como os da sífilis, chegaram à
Europa. Esta é a primeira conglobação mundial prejudicial para todos.
Para o Morin não existe uma única globalização (ou modernização?), mas duas que
são ligadas e antagônicas. E possui fatos quase ambivalentes, assim como o
desenvolvimento das comunicações. Ambivalentes pois o desenvolvimento das
comunicações, especialmente nos derradeiros anos, com o fax, o telefone celular, a
Internet, a comunicação momentânea em todos os cantos do planeta, este consiste em um
fenômeno evidente no sentido que pode ter fins muito positivos, que tolerem comunicar,
entender e intercambiar informações.3
As preleções se difundem em meio a globalização e uma variação política-
econômica-social positiva, negativa, ou os dois concomitantemente.
Faria Costa determina a globalização como equivaler a:
Nota-se que não existe uma concordância a respeito de que fique a globalização,
tanto menos há uma opinião. O que há mitra a globalização é uma disposição de afronta-
la em vista da economia (por consistir em uma livre circulação do capital financeiro ser
a seu atributo mais difundido). Contudo, hoje em dia, a globalização da informação é tão
intensa quanto (ou mais) é a da economia.
Corretamente notado por George Soros5 que, entende a globalização dos dias atuais
como um componente completamente econômico é equivocado. Na realidade, trata-se de
uma ideologia que acoberta não somente a submissão às leis do mercado mundial, porém,
3
Ibid., p. 42
4
PODVAL, Roberto; BICUDO, Tatiana Viggiani. Para onde caminhamos? In: ESCRITOS em
homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 364-369. p. 365
(adaptada).
5
SOROS, George. Globalização. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 43.
“lamentavelmente, obrigam a minimizar o Estado (social) e a democracia”6.
Se reconsolidando esta novo fato mundial, o único pensamento vai estabelecendo
um consonância ideológica em marcos mundiais, invadindo a democracia neoliberal
assim como o regime ideal, ilustrando a idolatria do mercado e cravando uma cultura
consumista, ao mesmo tempo em que chacoteia as diligências políticos idealistas e busca
apagar as utopias e marginalizar as discussões a respeito de conceitos como bem público,
felicidade social, igualdade e a solidariedade – que não mais trariam qualquer sentido
num mundo globalizado.7
O pós-moderno, a passo que a qualidade da cultura nesta era, distingui-se pelo
panorama necessariamente cibernético-informático e informacional. Assim, abrem-se
cada vez mais os estudos e as pesquisas sobre a linguagem, com o fim de admitir a
mecânica da sua produção e de formar compatibilidades entre linguagem e máquina
informática. Neste panorama, prevalecem os esforços (científicos, tecnológicos e
políticos) no senso de informatizar a sociedade. O progresso e a cotidianização da
tecnologia informática nos conferem sérias reflexões sobre teses éticas (direito à
informação), temas deontológicos (referentes à privacidade, à vida privada), pontos
jurídico-políticos (difusão transfronteiras de dados – transborder data flow) e a tese da
soberania e da censura estatal; questões culturais (diversidade e identidade cultural);
questões político-sociais (democratização da informação, censura, pertinência
sociocultural da informação).8
A sociedade, com a chegada da informática, desvendou o poder da informação. A
variação de uma cultura escrita para uma cultura multimídia, assim sendo não linear,
estimulada pelos progressos tecnológicos, ocasionou novos paradigmas para a
comunicação, assim como para a sociedade como um todo.9
Se somos o que escolhemos e decidimos, e se as escolhas e decisões assumidas pela
enorme maioria das pessoas, no mundo contemporâneo, se notam dependente a
programas de vida atribuídos por forças extrínsecas à sua subjetividade, dependentes que
estão pela rede poderosamente envolvente das informações globais, não se pode afirmar
6
BECK, 1998, p. 170 citado por SILVA, Tadeu Antonio Dix. Pensamento único e frente ideológica na
globalização hegemônica. In: ESCRITOS em homenagem a Alberto da Silva Franco. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003. p. 460-475. p. 461.
7
SILVA, T. A. D., 2003, p. 464.
8
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 7. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
2002. p.8.
9
KOLB, Anton; ESTERBAUER, Reinhold; RUCKENBAUER, Hans-Walter (Org.). Ciberética:
responsabilidade em um mundo interligado pela rede digital. São Paulo: Loyola, 2001. p. 57-64.
p. 58 (adaptada).
que elas constituem seres integrais e efetivamente livres.10
É esse marco que efetivamente se sobrepõe às instabilidades da sociedade atual,
talhada o meio por uma grandeza de fatores, constituindo espantosa ressalva que, quanto
mais se ponderam e se aceleram os processos de informação e de comunicação, é o avesso
que acontece: a massa de informações, cada vez mais controlada por um número cada
vez menor de detentores do hardware e do software, isto é, das estruturas técnicas e dos
respectivos programas informativos, converte o homem comum em um impotente ser
programado, posto na contingência de sujeitar-se a formas de vida traçadas pela nova
classe dominante.11
Não existe como antecipar que destino apresentará o processo de globalização, mas
ele mostra ser irreversível, portanto, ainda podemos sugerir que rumo deverá tomar.
A Internet equivale a uma transposição no desenvolvimento da humanidade, a uma
transformação de paradigmas no pensar e agir da sociedade, a uma revolução na história.
A virtualização da realidade se desenvolve cada dia mais; já existem salas de aula virtuais,
igrejas virtuais e até religiões fundamentadas na virtualidade da Internet.
A afinidade entre as realidades virtual e real incide hoje em dia em uma das
parábolas centrais da filosofia e da ciência em geral. Para tantos, a realidade virtual cada
vez mais assume o lugar da realidade real.
Devemos isso ao acréscimo da relação homem/máquina. É complexo idealizarmos,
agora, a vida sem o computador, a Internet, o telefone celular, não somente pelas
facilidades que estas máquinas ocasionaram, mas por ações econômicas ainda, já que é
muito mais prático e barato examinar o andamento de processos pela Internet do que ter
que se deslocar para isso. Dessa forma, as máquinas (e seus programas) estão cada vez
mais assumindo o lugar do ser humano, do conhecimento do contato físico entre
humanos. Já se fala em “cibersexo”, em virtualização das sensações como tato e olfato.
Com o computador é possível criar muitas realidades, cada um cria a sua. No
computador, cada um pode adotar muitas faces, pode mascarar-se, exercer vários papéis,
modificar de raça, sexo, idade, voz, humor e atitudes, ostentar muitas identidades,
identidades novas, falsas, mutantes. O computador e os jogos computadorizados tornam-
se, em momentos, suplentes dos companheiros reais. A “interface” ameaça a identidade,
a existência, a qualidade de vida, a dignidade, a liberdade e o semblante do ser humano.
10
REALE, Miguel. Paradigmas da cultura contemporânea. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 136
11 Ibid., p. 137.
Se o ser humano sucessivamente se recria a si mesmo, perde sua identidade não a
conquista. Há muitas existências, mas nenhuma existência própria, verdadeira.
O Direito Penal se depara com continuas dificuldades de adequação dentro deste
contexto. O Direito em si não consegue acompanhar o frenético progresso proporcionado
pelas novas tecnologias, em particular a Internet, e é exatamente neste ambiente livre e
totalmente sem fronteiras que se desenvolveu uma nova modalidade de crimes, uma
criminalidade virtual, proporcionadas por agentes que usam da possibilidade de
anonimato e da ausência de regras na rede mundial de computadores.
12
LEMOS, André L. M. Estruturas antropológicas do ciberespaço. Textos de Cultura e Comunicação,
Salvador, n. 35, p. 12-27, jul. 1996
13
FELINTO, Erick. A religião das máquinas: ensaios sobre o imaginário da cibercultura. Porto
Alegre: Sulina, 2005, p.48.
ter muita autoridade sobre os governos, estes ainda possuem a legitimidade do povo para
constituir as suas políticas internas e ainda também quanto ao Direito. Tratados
internacionais só são sancionados se não ameaçarem valores, de qualquer natureza,
essenciais ao bem da comunidade nacional.
Levando em consideração essa linha de raciocínio, Alberto Silva Franco observa
que:
14
FRANCO, Alberto Silva. Globalização e criminalidade dos poderosos. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, v. 8, n. 31, p. 102-136, jul./set. 2000.
15
SILVA, Evandro Lins e. A globalização e seus meandros. In: ESCRITOS em homenagem a
Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.182.
3 CRIMES VIRTUAIS
3.1 CONCEITOS
16
RAMALHO TERCEIRO, Cecílio da Fonseca Vieira. O problema na tipificação penal dos crimes
virtuais. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <
http://jus.com.br/artigos/3186/o-problema-na tipificacao-penal-dos-crimes-virtuais>. Acesso em: 22 jul.
2014.
17
ROSSINI, Augusto Eduardo de Souza. Informática, telemática e direito penal. São Paulo: Memória
Jurídica, 2004, p. 110.
fraude em que o computador é empregado como utensílio do crime, fora da internet,
igualmente seria contraída pelo que se cognominou “delitos informáticos”. Além disso,
para o autor, “delito informático” é gênero, do qual “delito telemático” é espécie, com
essa particularidade de advir no e a partir do inter-relacionamento entre os computadores
em rede telemática usados na prática delitiva.
Guilherme Guimarães Feliciano18 define bem o amplo de “criminalidade
informática”:
18
FELICIANO, Guilherme Guimarães. Informática e criminalidade: parte I: lineamentos e definições.
Boletim do Instituto Manoel Pedro Pimentel, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 35-45, set. 2000. p. 42.
19
REIS. Maria Helena Junqueira. Computer Crimes: a criminalidade na era dos computadores. Belo
horizonte: Del Rey, 1997.