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O ArcHEoLoco Porruauts 275 Heraldica municipal Rodrigues Sampaio, um dos homens de maior prestigio do partido conservador, em portaria datada de 26 de Agosto de 1881, ordenon aos governadores civis que fizessem sentir 4s camaras municipaes e outras corporagdes dos respectivos districtos a necessidade de-apre- sentarem no cartorio da nobreza os diplomas dos brasdes que usavam, a fim de ali serem registados, bem como outros quaesquer actos justi- ficativos. As corporagdes, porem, que usando de brasdes nao tivessem os devidos titulos seriam convidadas a obté-los pela Secretaria de Es- tado dos Negocios do Reino e a registd-los no referido cartorio. Era este resumidamente o dispositive da pega official que you le- vemente considerar. Até 1881 a heraldica municipal esteve absolutamente livre, ao que parece, de registo no armorial, mas d’aquella data em deante todas as povoagdes que usassem brasbes estavam a elle sujeitas, a nio ser que provassem terem cumprido o preceituado; como, porem, nenhum escudo municipal soffreu o devido registo até 1881, segundo julgo, ¢ a portaria dé a entender, segue-se que todas as povoagdes do pais so obrigadas ao respectivo cumprimento. Esta determinagio veiu ferir todas as camaras, mas principalmente as mais antigas, pois so estas justamente as que n&do podem apre- sentar diploma justificativo, ao passo que algumas de mais recente ins- tituigio tem-se encartado devidamente, posto lhes falte ainda a verba dos registos no armorial. Nas antigas cartas de fundagdo de concelhos vem sempre expressa a faculdade de estes usarem signa ¢ séllo, ficando tacitamente ao al- vedrio das villas escolherem a competente divisa. Se tinha castello a respectiva villa, (e qual niio o teria?), no competente escudo vinha elle representado; se 0 nome da povoagio se prestava 4 etymologia popular (Alenquer, Chaves, Coruche, etc.), aproveitava-se convenien- temente 0 ensejo de ostentar um symbolo fallante; ¢, se era corrente uma lenda, uma figura a symbolizava. A portaria diz que algumas camaras usam desde tempos remotos de brasdes, sem haverem solicitado 0 respectivo diploma. Essa pretendida inadvertencia explica-se facilmente pela criag&o do cartorio da nobreza ser mais recente do que a erecgio de grande numero de municipios. O unico modo de conhecer os brasdes municipaes autenticos con- siste no exame das armas esculpidas nos castellos on outros edificios das povoagées, ¢ ainda no exame dos sellos que pendem das cartas la- vradas ou autenticadas pelas autoridades locaes. 276 O ARcHEOLOGO PorTUGUES Os ‘archivos sfo portanto-dos logares mais proprios ¢ mais com- modos' para se alcangar o conhecimento exacto da heraldica de toda a especie, porque nelles, pendentes dos instrumentos, se conservam mititas ‘vezes os competentes sellos que ordinariamente tem represen- tados as divisas dos senhores e dos concelhos. A melhor collece%o portuguesa que existe, som duvida, 6a do Ar- chive Nacional; o unico defeito que a inutiliza, todavia, 6 que ninguem a pode examinar no conjunto, e ninguem sabe as pegas’ que compre- hende. Os sellos, apertados nos magos que se guardam em caixas, sem ventilag&o, em sitios -humidos, soffrendo fortes’ © constantes presstes, estio sujeitos a’ facilmente se esboroarem e pulverizarem, sem que haja possibilidade nem esperanga de brevemente ficarem postos em li- berdade dentro de mostradores envidragados, que lhes déem ar, secura, eos resguardem do pé. E isto mais um capitulo, porém ainda nao irre- mediavel, do desprezo pelas antiguidades patrias!. No Thesowro da Nobreza, que de Aleobaga veiu para 0 Archivo Na- tional e de que é autor o rei de armas India, Francisco Coelho, filho do rei de armas de D. Joio IV, de nome Antonio Coelho, encontram- se pintados 0s brasdes de 81 povoagses de Portugal. Tem a data de 1675, e deve considerar-se talvez como a mais antiga collecgao d'este genero. Nao se deve, todavia, inferir da existencia d’aquelles escudos no Thesouro, que, na concessio de brasdes fs terras, interviessem, ja ent&o, os reis de armas de qualquer modo, porquanto no citado codice vem ainda armas de soberanos € nagSes que, escusado ser dizer, es- tavam absolutamente independentes dos reis de armas de Portugal. Francisco Coelho diz no supracitado trabalho, ao descrever 0 me- thodo que empregou: «logo se vio seguindo outras mais modernas’ de muytos Reynos, Reys, Principes e Senhores do Mundo, até se entrar no Thesouro dos do Reyno de Portugal, donde est&o as de muitas Ci- dades, e das Villas mais principaes, que tem lugar, e voto nos actos Reaes, ¢ as das Ordens militares ¢ Regulares que ha no Reyno». © officio de rei de armas é ou era provido pelo mordomo-mor da casa real (maiordomus maior, maire du palais, Hausmeier) conforme se diz no regimento, provavelmente do sec. Xvi, publicado no Systema ou Collecgtto dos Regimentos, v1, 474, de onde extraio o seguinte trecho: «Prové o Mordomo Mor ao Porteiro da Camara, Reposteiros da ca- mera, e do Estrado, e¢ Mogos da Estribeira, assint do numero, como 1 Recentemente (veriio de 1908) foi demolido na Rua do Marqués de Ale- grete, junto ao arco, um edificio que tinha duas minusculas portas ogivaese uma porta rectangular, larga, com 4s arestas das hombreiras quebradas. O ArcutoLoco Porruauts 217 extravagantes: Reis de Armas, Farautes (— arautos) ¢ Passavantes, Charamelas, Trombetas, e Atabaleiros, e todos os mais Officiaes me- canicos da Casa Real, como s%o Ourives do ouro e prata, Pintor, Bar- beiro, Livreiro, Cerieiro, Confeiteiro, Boticario, e os mais. d’esta qua- lidade, ¢ Mestre de ensinar a dangar as Damas, ¢ Bailhador da Mourisca, eos Fysicos, ¢ Cirurgides do numero, e extravagantes». Q cartorio da nobreza funcciona actualmente em casa alugada na Rua Nova do Loureiro. Em yirtude da portaria de 26 de Agosto de 1881, 0 Municipio de Lisboa, que usava de esondo com anterioridade superior 4 introduegio dos reis de armas em Portugal, pretendeu regularizar a situagio «pe- indo para ser ratificado e autenticado, pela repartigio da armaria, o brasito de armas da cidade de Lishoa, segundo a tradicdo e as regras heraldicas, de tal sorte que o dito bras%o, cuja posse data de remotas eras, ficasse tendo férma. regular ¢ permanente. No archivo da Camara de Lisboa, que é modelar no nosso meio, e que tem 4 frente pessoa absolutamente competente: «Faltava um padrdo autentico, um titulo qualquer que a (divixa da cidade) regulasse © que tivasse forga © validade, e por isso se notava a falta de wnifor- midade nos desenhos, que eram apenas 0 fruto da fantasia de cada um». Agora sanado esse inconveniente «guarda no seu archivo 0 diploma legal que Ihe ratifica e autentica a legitimidade da posse e a origem historica do mesmo brasao». Em seguida a0 preambulo do tomo x dos Elementos para a his- toria do municipio de Lisboa, pacientemente colligidos pelo Sr. Eduardo Freire de Oliveira, vem transerita a carta de brasio 4 cidade de Lisboa, datada de 21 de Abril de 1897. Ao. eabo talvez de! quinhentos ou seiseentos anos logrou Lishoa a posse de um diploma que lhe é completamente inutil e, acima de tado, servil. E um diploma symbolico que pretende romper com 0 pas- sado do municipio ¢ com a sua independencia. Nio me recordo de ter encontrado nenhuma carta de brasio mu- nicipal anterior ao seculo xix, registado na Chancellaria real ou no Registo das mereés, facto em que se apoia principalmente a minha intuigio que 4s armas das villas se applicavam formalidades diversas das dos individuos. Seguidamente transcrevo o teor da portaria de 1881: Ministerio dos Negocios do Reino—Direcefo Geral de Administragio Poli- tica e Civil—1* Repartig%io.—Convindo regular 0 ramo de servigo publico que Giz respeito 4 armaria, a qual constitue uma parte importante da historia e da archeologia, ¢ nfo existindo no cartorio da nobreza d’estes reinos os elementos

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