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Página 84 (Cena da Alcoviteira)

1. «fatos» — Bens/roupas; «almários» — armários; «enlheos» — mexericos; «coxins» —


almofadas; «mártela» — mártir; «giolhos» — joelhos; «boninas» — flores campestres.
2. Os objectos carregados por Brísida Vaz revelam a sua profissão e são os seguintes:
«Seiscentos virgos postiços / e três arcas de feitiços [..j / Três almários de mentir, / e cinco cofres
de enlheos, / e alguns furtos alheos, / assi em jóias de vestir, / guarda-roupa d’encobrir, / enfim
— casa movediça; / um estrado de cortiça / com dous coxins d’encobrir. / A mor cárrega que é: /
essas moças que vendia» (versos 490-502).
• Tais objectos simbolizam as actividades ilícitas praticadas pela personagem: prostituição,
fraude/impostura, feitiçaria e roubo.
• Com convicção, a Alcoviteira recusa-se a entrar na barca do Inferno, dizendo ao Diabo: «eu
vou pera o Paraíso!» (verso 506).
• A Alcoviteira considera-se uma mártir devido às tormentas sofridas em vida; foi açoitada
diversas vezes por causa da sua actividade profissional ilícita.
• Carinhosamente, Brísida tenta persuadir o Anjo através do elogio, tal como se verifica nas
seguintes expressões: «Barqueiro mano, meus olhos,» (verso 517); «anjo de Deos, minha
rosa?» (verso 522); «meu amor, minhas boninas, / olho de perlinhas finas!» (versos 528-529).
• A Alcoviteira autocaracteriza-se, afirmando ter sido «apostolada» e «angelada», porque, tal
como os apóstolos, propagou o seu ofício e funcionava como o «anjo da guarda» das raparigas
que tinha a seu cargo.
• Brísida compara-se aos apóstolos, aos anjos, aos mártires e também a Santa Úrsula.
• Ao utilizar vocabulário religioso, a Alcoviteira pretende confundir e convencer o Anjo de que ela
fez «cousas mui divinas» (verso 532), tendo encaminhado muitas raparigas para a «salvação».
• A atitude do Anjo face aos argumentos da Alcoviteira é de menosprezo e de indiferença.
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• Nesta cena, Gil Vicente torna a criticar uma classe social já visada no auto, ou seja, o clero.
• A crítica a essa classe social surge nos versos 525-526: «a que criava as meninas / pera os
cónegos da Sé...».
• Os últimos quatro versos desta cena são irónicos, porque é evidenciado, de forma trocista, o
facto de a Alcoviteira ser uma pecadora. O Diabo afirma que ela irá ser «bem recebida» por
causa da «santa vida» levada; a intenção é sugerir precisamente o contrário, ou seja, a
Alcoviteira irá prestar contas dos seus actos no Inferno, e será castigada por todos os seus
pecados.
3. Campo semântico da mentira — «postiços»; «feitiços»; «mentir»; «enlheos»; «alheos»;
«encobrir»; «movediça».
Campo semântico da religião — «angelada»; «apostolada»; «martelada»; «divinas»;
«converteo»; «salvas».
3.1. Os argumentos de defesa utilizados pela Alcoviteira revelam descaramento, astúcia e muita
hipocrisia. Ela emprega uma linguagem ambígua e deturpada, invertendo propositadamente o
sentido das palavras que se encontram nos textos religiosos.

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