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|N os Cd^minhos do Espírito - 1

Renovação Carismática Católica

Na formação de seus discípulos

Antonio Carlos Lugnani


Antonio Carlos Lugnani é Professor Titular da
Universidade Estadual de Maringá, Doutor
em História Econômica, pela USP/FFLCH. Na
Renovação Carismática Católica - RCC, foi
membro da Comissão Nacional de Formação,
Coordenador da Escola Paulo Apóstolo no Es­
tado do Paraná, Coordenador Diocesano da
RCC em Maringá.

A vida de Jesus Cristo tem sido analisada das mais diversas maneiras, ao
longo de mais de dois mil anos de história, e continuará a sê-lo, pois sua
influência na história humana é fundamental até mesmo para aqueles que
não crêem que ele é o Deus-conosco.
Neste livro o que se analisa é a pedagogia de Jesus, seu jeito de formar
discípulos ao longo de sua vida pública. Tendo como material básico os
quatro evangelhos, o livro procura decifrar a maneira como Jesus age
com as multidões e, de forma particular, sua atuação junto aos discípulos.
Da observação do Mestre, vamos descobrindo seus passos, ponto funda­
mental para aqueles que querem segui-lo e também para quem quer aju­
dar outros a seguir. Caminhando com ele, vamos vendo a formação dos
discípulos no dia-a-dia, as dúvidas, os desafios, as superações de aspec­
tos pessoais, as questões de fé, algumas crises que surgem, até chegar aos
momentos decisivos e à cruz. A cruz é vista aqui não só como instrumento
de suplício dos romanos. A cruz é estudada como um método, como um
meio de salvação para todos aqueles que querem seguir a Jesus. Fica cla­
ra a maneira como o mundo propõe seus valores, como estes contrastam
com a maneira que Jesus viveu, e o tamanho do desafio que é para os
cristãos viver hoje seguindo o método proposto pelo Mestre.

RENOVAÇAO CARISMATICA
CATÓLICA - BRASIL
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COLEÇÃO RCC
NOS CAMINHOS DO ESPÍRITO - 1

ANTONIO CARLOS LUGNANI

A PEDAGOGIA DE JESUS
Na formação de seus discípulos

O^BlS(Wxí;.

EDITORA
SANTUÁRIO
Aparecida-SP
Presidente do Conselho Nacional da RCC-Brasil Ronaldo José de Sousa
Marcos Dione Ugoski Volcan Tácito José de Andrade Coutinho
Coordenadora da Comissão de Formação Revisores desta Edição
PoUyarma Lara Milanezi Alides Destri Mariotti
Presidente do Conselho Editorial Helena Lopez Rios Machado
Reinaldo Beserra dos Reis Liana Terezinha Vial
Lflian Daniela Benvenutti
Conselho Editorial
Alides Destri Mariotti Copidesque e Revisão
Antonio Carlos Lugnani Leüa Cristina Dinis Fernandes
Dercides Pires da Silva
Douglas Pinheiro Diagramação
Helena Lopez Rios Machado Simone A. Ramos de Godoy
JoãoValter Ferreira Füho
Luiz Tarciso Souza Capa
Maria Beatriz Spier Vargas Erasmo BaUot

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Lugnani, Antonio Carlos
A pedagogia de Jesus: na formação de seus discípulos / Antonio Carlos
Lugnani. —Aparecida, SP: Editora Santuário: Sorocaba, SP: Renovação Carismática
Católica, 2006. (Coleção RCC: Nos caminhos do espírito, 1)
Bibliografia.
ISBN 85-369-0043-1
1. Bíblia. N.T. Evangelhos - Crítica e interpretação 2. Jesus Cristo
—Ensinamentos 3. Renovação Carismática Católica I.Título.
06-0453 CDD-232.954
índices para catálogo sistemático:
1. Jesus Cristo: Ensinamentos: Cristologia
232.954
2. Jesus Cristo: Pedagogia: Cristologia
232.954

Todos os direitos reservados à EDITORA SANTUARIO


e à RENOVAÇÃO CARISMÁTICA CATÓLICA — 2006
Composição em sistema CTcP, impressão e acabamento:
Editora Santuário - Rua Padre díairÀ-teíiiiyíro, ‘
Fone: (12) 3104-2000 — 1 2 570 ffiíBfeTtapt&;iâa-®g-A
Ano: 2010 2009 2008 2007 2006
Edição: 9 8 7 6 5 4 3 2 1
Dedico ajosemary,
a Murillo César e a César Augusto.
Agradeço, de todo o coração, sem citar nomes,
a todos os que colaboraram nas orações,
sugestões, críticas, cobranças,
revisões. Deus abençoe a todos!
Sumário

Apresentação...................................................................... 7
Introdução...........................................................................9
I. A vida de Jesus por seu lado pedagógico...................17
II. Os passos de Jesus........................................................21
1. Buscar....................................................................... 21
2. Acolher.....................................................................25
3. Valorizar....................................................................29
4. Atender.....................................................................34
5. Anunciar...................................................................39
6. Formar.....................................................................44
III. A maneira de evangeHzar: o método de Jesus.........49
1. Em busca da fonte..................................................49
2. Um pouco da vida de Jesus:
descobertas e desafios.........................................56
3. Estratégias diferentes:
para o público e paraos discípulos ....................58
4.0 caminho de Jerusalém: a pedagogia da cruz......65
IV. A cruz como um método.......................................... 73
1. O método do mundo e o método cristão ..........76
2. As dificuldades de se viver com o método cristão ... 79
3. O exemplo da “bica”...............................................87
5
V. Jesus e o método dos 100%....................................... 91
VI. Elementos da Pedagogia de Jesus............................. 99
1. Fontes.....................................................................100
2. Estratégias do Mestre........................................... 105
VILA águia e a galinha...
e a Parábola do Filho Pródigo................................127
VIII. E necessário nascer de novo................................. 139
IX. Pequena síntese e considerações finais..................145
Bibliografia...................................................................... 151
Apresentação

V^onvertei-vos, pois o Reino dos Céus está pró­


ximo” (Mt 4,17), assim começou a pregação de Jesus. “Ide,
pois, fazei discípulos entre todas as nações... Ensinai-lhes a
observar tudo o que vos tenho ordenado” (Mt 28,19-20),
assim terminou a pregação de Jesus. Entre esses dois mo­
mentos, Jesus Cristo foi, acima de tudo, um Mestre. Como
educador, investiu seu tempo e seu amor na formação da­
queles que continuariam sua obra.
A Pedagogia deJesus naformação de seus discípulos, de Anto-
nio Carlos Lugnani, quer ajudá-lo a conhecer o método usado
pelo Mestre de Nazaré —método que pode e deve ser usado
por aqueles que hoje aceitam o desafio de ser seus discípulos
e educadores. Sim, “desafio”, afmal, não se trata de transmi­
tir uma doutrina, mas uma Pessoa. A síntese dos ensinamen­
tos de Jesus de Nazaré está no mandamento que ele próprio
denominou de “novo”: “Eu vos dou um novo mandamento:
amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também
vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34). Seu discípulo,
lembrado do “amai-vos uns aos outros, assim como eu vos
amei” (Jo 15,12), deverá perguntar-se continuamente: como é
mesmo que ele me ama? A partir das respostas obtidas, saberá
como formar o coração de outros possíveis discípulos.
Não se conhece a pedagogia de Jesus a partir do estu­
do de um livro ou de uma tese bem elaborada. Conhece-
se os elementos de sua pedagogia nas páginas do Evange­
lho. Elas retratam sua maneira de relacionar-se com ricos
e pobres; com crianças, jovens e idosos; com casados e
viúvas; com sadios e doentes; com conterrâneos e estran­
geiros. Penetrando nas páginas do Evangelho, você apren­
derá o que significa amar como ele o ama. E, então, terá
condições de fazer sua a observação do apóstolo Pedro:
“Por toda a parte, ele andou fazendo o bem” (At 10,38).
Há alguma mensagem mais importante do que essa para
ensinar aos outros?
Dom Murilo S. R. Krieger, scj
Arcebispo de Florianópolis

8
Introdução

G crostaria de esclarecer ao amigo leitor desde o início


que não tenho pretensões teológicas sobre o tema deste
livro. As reflexões que apresento aqui são frutos de estu­
dos e pesquisas, realizados nos quatro últimos anos (2001 a
2004), sobre a pedagogia de Jesus e também da elaboração
do Projeto Pedagógico da Renovação Carismática Cató-
bca no Brasil, conforme esclareço mais adiante. Pretendo
escrever com palavras simples os resultados dos estudos que
Deus me propiciou realizar com o apoio da Comissão de
Formação Nacional da RCC.
As idéias iniciais surgiram de um encontro de forma­
ção de formadores realizado em Aparecida-SP (maio de
2001), em que fui convidado pelo Dercides Pires, então
Secretário Nacional Paulo Apóstolo, a fazer um estudo e
um ensino sobre a pedagogia de Jesus. Depois disso, tra­
balhamos em equipe durante uma semana em Goiânia,
quando foi produzido o Projeto Pedagógico da RCC, ao
qual me referirei mais adiante. Posteriormente, incentivado
pelo Coordenador da RCC no Estado do Paraná, Ironi
Spuldaro, dediquei-me a pregar encontros para pregadores
e formadores da Escola Paulo Apóstolo, em quase todas as
dioceses do Estado do Paraná. Nesses encontros, as medita­
ções e reflexões foram sendo enriquecidas pelo incansável
trabalho do Espírito Santo, que vem em socorro de nos­
sas fraquezas “com gemidos inefáveis”, como nos diz São
Paulo (Rm 8,26), mas também com sopros de sabedoria
reveladores de coisas que ficaram escondidas aos “sábios e
entendidos” e que pouco a pouco, mas de forma intermi­
nável, vão sendo reveladas aos pequeninos de Deus.
Embora seja professor universitário e já tenha tido de
escrever monografias, dissertação e tese acadêmica, sinto-
me como um aprendiz nas coisas espirituais e em sua es­
crita. Assim, quero ser conduzido pelo Espírito Santo, da
primeira à última página deste livro, para que ele sirva para
os filhos amados do Pai conhecerem mais a Jesus, o Filho, e
assim amarem mais o Pai, a Igreja e o próximo.
Que Deus me acompanhe na escrita, e a você, amigo
leitor, na leitura e vivência do que vier a ser colocado nas
páginas seguintes. Que o Espírito Santo, alma da Igreja,
guie-nos no caminho de crescimento que nos foi deixado
por Jesus de Nazaré, e aVirgem Santíssima seja nossa gran­
de intercessora. Amém!

10
Um pouco de história

Como já mencionei, a tarefa de estudar a pedagogia de


Jesus^ surgiu de uma incumbência de preparar uma prega­
ção para os formadores da Escola Paulo Apóstolo da RCC
no Brasil. A sugestão foi no sentido de conhecer como
eram os mestres de Israel, em especial sua maneira de agir,
para daí depreender o jeito de Jesus.
A dificuldade com literatura foi grande. Um bom apoio
foi dado por D. Murilo Khieger, então Arcebispo de Marin-
gá-PR (minha diocese). Na maioria das vezes, no entanto,
o aprendizado foi feito por reflexões e partilhas nos encon­
tros ministrados sobre o tema. Outro apoio fundamental
veio da proposta da então Secretaria Paulo Apóstolo (hoje
Ministério de Formação) e da Comissão de Formação da
RCC de escrever o Projeto Pedagógico da Renovação Ca­
rismática. Esse passo merece ser melhor explicado.
Reunimo-nos em Goiânia durante uma semana para
esse fim. Anteriormente, toda a Comissão de Formação
havia trabalhado intensamente no Projeto de Formação,
em que ficaram estabelecidos objetivos e metas para um
período de quatro anos. Havia, no entanto, uma inquie­
tação constante: se é um projeto de formação para todo o
país, se os “carismáticos” têm uma grande sede de conhecer
mais a Deus e a Igreja, precisávamos de um método mais
claro de ensinar e de formar nosso “pequeno rebanho”.
‘ Quando me referir a pedagogia de Jesus, quero sempre tratar de seu
jeito de ensinar as multidões e/ou os discípulos: seu método particular de
formar e de evangeüzar seu povo e, por extensão, a nós todos.
11
Todo processo educacional sempre tem um projeto peda­
gógico. Nós ainda não o tínhamos, e precisávamos de um.
Aos poucos, os demais membros foram sendo convencidos
disso e fomos então convocados a montá-lo.
Lá estavam a Raimunda Lucineide Gonçalves Pinheiro,
então coordenadora da RCC, no Estado do Pará, e pro­
fessora da Universidade Federal do Pará, mestre na área de
educação; AdelinaTerezinha Grillo Cordeiro, também com
mestrado em educação; as pedagogas Cordüina de Fátima
Guimarães e Marizete França; o assessor teológico Aldenor
de Souza; os assessores especiais na área de planejamento
empresarial Ramiro Cordeiro e Izekson José da Silva, além
do Dercides Pires da Silva, que na época era o Secretário
Paulo Apóstolo Nacional e coordenava os trabalhos de ela­
boração do planejamento pedagógico.
Os mais entendidos em pedagogia se dedicaram a en­
contrar os autores/pensadores da área da educação que po­
deríam iluminar com suas respeitadas teorias nosso projeto
pedagógico. Foram repassados renomados autores: Maria
Montessori, Jean Piaget, Paulo Freire, Vigotsky, Gardner,
entre outros;^ no entanto, embora reconhecéssemos o
grande valor e a contribuição de cada um deles, não achá-
vamos um só que conseguisse dar a base teórica de que
todo projeto precisa.
Por fim, voltamo-nos para um “autor” pouco difun­
dido como tal: Jesus de Nazaré. Nossa conclusão é que
só Ele sabe falar do verdadeiro amor, ensinar com amor

' Projeto pedagógico, p. 6.


12
e respeito, Ele que, mais que qualquer outro, soube viver
aquilo que ensinou. “E tendo amado os seus, até o extremo
os amou...!” (Jo 13,1b).
Parece simples ao amigo leitor esta opção reabzada; en­
tretanto, para aqueles que estão acostumados com a ciência
e com a academia, não o foi. No meio científico, podem
ser citados os mais diferentes autores e pensadores, das mais
diversas escolas de pensamento, de épocas recentes ou re­
motas, e todos são estudados com seriedade e respeito. Jesus
de Nazaré, mesmo tendo uma importância histórica mo­
numental, mesmo tendo sido o homem de maior influên­
cia no Mundo Ocidental, não é tomado como parâmetro
ou referência na academia. Citá-lo em uma universidade
é um ato bem pouco usual. Na área de Economia, por
exemplo, na qual eu trabalho, nunca vi uma referência ao
pensamento de Jesus sobre a riqueza, a acumulação (ou
não) de bens, a distribuição de renda ou outros conceitos
econômicos. O mesmo se pode dizer quanto à educação
e a outras áreas do conhecimento nas quais Jesus tem uma
visão hastante clara e estimulante.
No Projeto Pedagógico da RCC, mesmo tendo sido
ele elaborado por competentes profissionais de conheci­
das universidades brasileiras, Jesus é o autor central, o nu-
cleador do projeto, pois “nenhuma contribuição se iguala
a do Mestre dos mestres, pois é nele que encontramos o
sal de todas as pedagogias, isto é, o amor. É a pedagogia
do amor ’>3

láem, p. 6.
13
Findo o trabalho de elaboração do projeto pedagógi­
co, ficou para nós todos uma grande certeza: era preciso
aprofundar os estudos sobre os aspectos pedagógicos de
Jesus. Não conhecíamos suficientemente o método de Je­
sus. Algumas pistas estavam sendo lançadas e precisavam de
maiores estudos.
Nestes escritos, estou retomando essas pistas e propon­
do reflexões, as quais espero que ajudem a conhecer mais o
assunto e, principalmente, estimulem outros a estudar e es­
crever sobre o inesgotável tesouro que é o Emanuel —Deus
Conosco.
Com o incentivo de tantas pessoas queridas e a inter-
cessão de muitos irmãos me propus a avançar no estudo,
e apresento a seguir alguns dos resultados obtidos. Ini­
ciamos (capítulo I) destacando nossa maior preocupação,
que é o lado pedagógico da vida de Jesus. Em seguida,
vamos tratar dos passos de Jesus, assunto que foi apenas
esboçado no projeto pedagógico e que desenvolvemos
nos retiros, nas dioceses paranaenses. Nesse caso, além
da apresentação, já vamos introduzindo, em cada passo,
algumas reflexões que denominamos “Aprendendo com
o Mestre”.
A partir dos passos de Jesus é possível, então, compre­
ender seu jeito de ser, de agir e de formar os discípulos.
Assim os capítulos III, IV eV vão ser dedicados a esse as­
sunto: analisar o método de Jesus. Logo em seguida (capí­
tulo VI), vamos apresentar ao leitor nossas considerações
sobre a pedagogia de Jesus: como ele pregava, como usava
as escrituras, suas estratégias, o uso das parábolas, algumas
14
atitudes que fazem pensar, os enfrentamentos, os conflitos
com as autoridades e as inquietações pessoais.
Já na parte final, trabalhamos com uma parábola dos
dias de hoje, fazendo uma interface com o Filho Pródigo,
para mostrar como é possível usar o método de Jesus nas
pregações. Finahnente, quase como uma conclusão (capí­
tulo Vlll), apresentamos a saída que nos é proposta pelo
próprio Jesus Cristo: é necessário nascer de novo. Por úl­
timo, esboçamos uma pequena síntese, mais com objetivos
pedagógicos. Acho que as verdadeiras reflexões e conclu­
sões devem acontecer ao longo mesmo da leitura. Deus nos
acompanhe. Amém!
Depois entramos um pouco na análise do jeito de Jesus
evangelizar e formar seus discípulos. A estes capítulos cha­
mamos de “método de Jesus e sua pedagogia”. Repetimos
que procuramos trabalhar com linguagem bem simples,
que seja acessível a todos.

15
I. A VIDA DE JESUS POR SEU
LADO PEDAGÓGICO

Xl/m dois milênios de cristianismo, foi grande o núme­


ro de livros e publicações e debates que se fizeram em torno
de Jesus de Nazaré. É infindável o que já se escreveu de Jesus,
tanto quanto é infindável a polêmica existente em torno
dele. Verdade seja dita: seja para o negar, seja para o questio­
nar, ou para o amar, muitos se envolvem com esse humilde
homem de Nazaré. O que ele fez para continuar a ser o cen­
tro de tantos estudos e debates depois de 2.000 anos?
Só esta pergunta é suficiente para justificar mais uma
obra em torno de seu nome.Vale, porém, ressaltar que não
estamos trabalhando uma obra histórica que se debruce
sobre fontes de pesquisa. Nosso objetivo é bem claro; to­
mando como fonte principal os quatro evangelhos e con­
tando com o apoio de alguma literatura, queremos conhe­
cer um pouco mais da pedagogia de Jesus, de seu método
de evangelizar e de formar seus discípulos. Nosso método
está fundado em suas palavras: “uinde e vede”. Essa foi a
resposta que Ele deu aos discípulos de João Batista quando
17
lhe perguntaram: “Mestre, onde moras?” O jeito de Jesus
tratar com as pessoas não tinha muito segredo. Quando ele
escolheu os Doze, segundo nos conta o evangeUsta Marcos,
foi para que ficassem “em sua companhia” (3,14). Era para
viver com ele, partÜhar de sua amizade e de sua missão.
Então nós também queremos estar com ele. Já que ele nos
chama: “vinde e vede...”, queremos acompanhá-lo.
Em termos de método, seguimos o caminho efetuado
por Wenzel, no evangelho de Marcos.^ Vamos olhando os
evangelhos e vendo Jesus caminhar, ora com os Doze, ora
com uma multidão, por vezes sozinho ou então com poucas
pessoas, sempre espalhando o amor e sempre preocupado
com a evangehzação. Ênfase maior vai surgindo aos poucos
A

com a formação de seus discípulos, o que é de grande inte­


resse para este livro.
Existe um ponto de fundamental importância: queremos
ser fiéis à doutrina da Igreja e vamos trabalhar em um ponto
de confluência, que é um grande mistério de Deus para nós.
Sabemos que Jesus é 100% Deus e 100% homem. Como uma
realidade atua sobre a outra? No que uma afeta a outra, espe-
cialmente a realidade divina sobre a humana? Muito difícil de
responder. Então vamos olhar para Jesus a partir do ângulo
humano, como a própria Bíblia nos ensina a fazer. Jesus, ho­
mem como nós, exceto no pecado. Como Ele agiu e o que
fez, sendo Ele homem e tendo-se despojado de sua condição
divina^ (sem deixar de ser Deus), nós devemos também fazer.
^W enzel ,João Inácio. A pedagogia deJesus segundo Marcos. Ed. Loyola, São
Paulo, 1997.
^ Conforme F1 2,6ss.
18
o fato de Jesus não ter estado jamais sob a condição do
pecado faz dele um homem absolutamente excepcional e
único; portanto, diferente de todos nós. Qual é a exata di­
ferença de um homem que nunca esteve sob a condição do
pecado em relação a todos nós que lutamos diuturnamente
contra essa tendência em nossa vida? Não sei responder e
não conheço quem o saiba com exatidão.
Então ficamos assim: trabalhamos com o Jesus mais hu­
mano possível, para efeito de apreender seu jeito de ser
e seu método de formar e evangeüzar; mas sabemos que
não conseguimos distinguir perfeitamente em que Ele é
diferente de nós. Não obstante, podemos segui-lo, imitá-lo,
conbecê-lo mais e mais e cada vez mais amá-lo, para nosso
próprio bem. É por isso que precisamos conhecer os passos
de Jesus, e então conhecer sua pedagogia na formação dos
discípulos. No capítulo seguinte, vamos examinar os passos
de Jesus em seu trabalho de evangeÜzação e procuraremos
já ir tirando algumas lições.

19
II. os PASSOS DE JESUS

Cc/omeçamos nossa caminhada nas pegadas de Jesus ob­


servando bem seus passos, como não podia deixar de ser. Es­
taremos atentos à maneira como o Mestre agia, evangebzava
e como fazia para formar discípulos. Neste capítulo, então, va­
mos descobrir seus passos para depois investigar e aprofundar
sua maneira (método e pedagogia) de formar discípulos.
Inicialmente, identificamos seis passos na atividade ge­
ral de Jesus. O primeiro deles é buscar.

1. Buscar
Uma leitura rápida dos evangelhos nos dá a impressão
de Jesus parado e as multidões acorrendo a ele, trazendo
seus doentes ou aqueles necessitados de libertação para ser
curados. De fato, em diversos momentos, Ele se sente até
impossibilitado de andar ou de estar a sós com seus dis­
cípulos, uma vez que a multidão o cercava. Ele então se
compadecia, porque “eram como ovelhas sem pastor”.^
^ Cf. M t 9,35s.
21
Uma leitura mais atenta, por outro lado, revela que ao
longo de sua vida pública Jesus raramente se detinha em
algum lugar ou cidade, mesmo quando era soHcitado a isso.
Seu discurso, de pronto, era que precisava ir às ovelhas per­
didas da casa de Israel. “Eu não vim buscar os justos, mas sim
os pecadores...” É freqüente ler nos evangelhos:“dirigindo
para...” Ou então:“atravessou o lago...”; ou “chegando a...”
Percorria todas as cidades e aldeias. Em poucas palavras, Ele
está sempre em movimento, em busca daqueles que “o Pai
me deu...” ou de “reunir os filhos de Deus que andavam
dispersos”.^ Ao final de seu ministério, Ele vai poder dizer:
“não perdi nenhum daqueles que me deste” (cf.Jo 17,12).
Esse procedimento de Jesus está perfeitamente de acordo
com seus próprios ensinamentos, pois ele é o pastor que deixa
as noventa e nove ovelhas protegidas no aprisco e vai à busca
daquela que se perdeu. Traduzido em uma Hnguagem bem
atual, isso quer dizer que ele não se contenta em ter 99% das
ovelhas; é preciso ter 100%. Se uma só estiver fora, por mais
rebelde ou ingrata que seja, o reino não estará completo.
Trazendo essa reflexão para a realidade da Igreja e da
Renovação Carismática, ela tem muito a nos ensinar. Não
pretendemos apenas enfatizar a questão do número de parti­
cipantes das missas ou dos grupos de oração e assim por dian­
te. Tampouco queremos falar do dilema entre quantidade e
qualidade. É preciso, no entanto, ressaltar sobremaneira a pre­
ocupação manifestada por Jesus: enquanto uma só ovelha não
estiver em segurança no redil, o trabalho estará incompleto.
2 Cf.Jo 11,52.

22
Vale lembrar, por exemplo, a parábola do grande ban­
quete (Lc 14,15-24). O homem que havia preparado o
banquete ordena a seus servos: “Sai, demora,-pelas praças
e pelas ruas da cidade e introduz aqui os pobres, os cegos,
os aleijados e os coxos”. E como ainda houvesse lugar or­
denou novamente: “Sai pelos atalhos e caminhos e obriga
todos a entrar,para que se encha minha casa” (23b).Trazendo
essa parábola para a vida da Igreja e da RCC em particular,
percebe-se facilmente o conflito entre a prática atual e o
método de Jesus. É para sair, sem demora, pelas praças e
ruas, pelos atalhos e caminhos, sem escolher ou fazer dis­
tinção entre pessoas do campo e da cidade, pobre ou rico,
sadio ou enfermo... importa que a casa esteja cheia!
Muitos outros exemplos podem ser encontrados nos
evangelhos que indicam esse mesmo sentido; mais impor­
tante, no entanto, é a reflexão que devemos fazer. Às vezes,
vemos alguns líderes manifestarem até com certo orgulho
o número de participantes de seu grupo ou comunidade.
Outras vezes nos acontece reclamarmos do pouco número
de pessoas que estão vindo ao grupo. De uma maneira ou
de outra, a postura quase sempre é a de ficar esperando que
as pessoas venham a nós. Isto não está de acordo com o
jeito de Jesus evangelizar. Ele não ficava esperando que as
pessoas viessem a ele, mas entendia como um compromisso
seu ir atrás das ovelhas perdidas ou necessitadas.
Podemos dizer mais ainda: tornou-se um lugar comum
dizer: “Quem não vem pelo amor, vem pela dor”. Espe­
rar que as pessoas encontrem primeiro o sofrimento para
depois encontrar o Amor é como se primeiro se deves-
23
se passar pelo Calvário e depois chegar ao Monte Tabor
(transfiguração). Absolutamente não! A proposta da Igreja
é revelar (levar) o Amor de Deus e o Cristo que nos cura e
hberta de todos os males. É preciso primeiro experimentar
o amor e o consolo de Deus que cuida e protege. Só então
estaremos um pouco mais preparados para enfrentar as difi­
culdades de nossa caminhada, sem correr o risco de perder
a fé ou mesmo desanimar.
A Igreja sempre foi e sempre será missionária. Ela nos en­
sina a não ficar parados, a não nos acomodarmos jamais, por­
que “a messe é grande”. Como nos ensina a encícHca Emngelii
Nuntiandi: “Enviada e evangeHzadora, a Igreja envia também
evangehzadores (...) a pregar um Evangelho do qual nem eles
nem ela são senhores e proprietários absolutos, para dispor a
seu bel-prazer, mas de que são ministros para o transmitir com
a máxima fidelidade”.^ É preciso buscar. “Buscai e achareis” é
o que nos ensina Jesus em seu primeiro passo.
Aprendendo com o Mestre
Ao final de cada passo de Jesus, vamos inserir alguns
ensinamentos que podemos tirar de sua vida. Neste caso,
parece não haver outro mais importante do que o aspecto
missionário do Senhor, que sente como de sua obrigação
ir atrás dos outros, e não ficar esperando que venham a Ele.
Depois do episódio da cura da sogra de Pedro, queriam
retê-lo, mas ele disse: “É necessário que eu anuncie a boa-
Evangelii Nuntiandi, 15.

24
nova do Reino de Deus também às outras cidades; pois essa
é minha missão” (Lc 4,43).
Verifica-se na Igreja e nos grupos de oração uma boa
dose de acomodação quanto a isso. Ficamos esperando que
as pessoas venham e, se não vêm, ainda nos achamos no di­
reito de reclamar. É comum ouvir: “Essas pessoas não que­
rem nada mesmo”; ou pior ainda, como já foi dito: “Quem
não vem pelo amor, acaba vindo pela dor”. O ensinamento
de Jesus é claro no sentido de que aqueles que conhecem
e experimentam o Amor de Deus é que devem levá-lo aos
que dele necessitam e ainda não o conhecem. Dito de ou­
tra forma: a verdadeira caridade está em levar a água da vida
àqueles que morrem de sede e não conhecem a fonte.
Finalizamos este primeiro passo com o pensamento de
Santa Teresinha, segundo a qual estamos aqui em um exí­
lio da presença do Senhor Deus. Ansiamos por estar com
Ele na eternidade, mas devemos começar já aqui. Às vezes,
pode faltar só um convite para que uma pessoa dê um pas­
so definitivo em direção aos braços do Pai. Convenhamos
que um convite não é tão difícil de fazer, não é mesmo?

2. Acolher
Estamos sempre esperando chegar o momento em que
Jesus vai evangeÜzar, ou seja, falar aquelas palavras lindas,
aquelas pregações cheias de autoridade e de amor que co­
moviam as multidões. Mas ainda não chegou esse momen­
to. Claro que evangeHzar ele já o está fazendo desde o pri-
25
meiro passo, porém o anúncio ainda não chegou. É preciso
antes acolher as pessoas.
Sua primeira atitude de acolhimento se manifesta
quando os discípulos de João lhe perguntam: “Mestre, onde
moras?”, e Ele lhes responde: “Vinde e vede” (cf.Jo 1,38-
39).Jesus não dá uma resposta simples, mas ao mesmo tem­
po os acolhe para que estejam com Ele. Ao final, eles vão
descobrir que o “Filho do Homem não tem onde reclinar
sua cabeça”; entretanto, para isso, eles estiveram com ele,
repartindo de tudo, vivendo todas as experiências (boas e
amargas). Ou seja, Jesus reparte com eles sua própria vida;
Ele os faz participantes de tudo. Isso é ser acolher.
Chama a atenção no evangelho o quanto as pessoas
se sentiam acolhidas por Jesus. As crianças vinham a Ele,
mesmo quando os discípulos faziam todo o possível para
afastá-las. Os doentes e enfermos se aglomeravam à volta
dele. Às vezes eles não podiam nem se alimentar. Em outras
ocasiões, Jesus precisava estar mais a sós com seus discípulos
e mesmo assim a multidão corria para onde eles estavam.
Acontecia até mesmo de Jesus chegar antes de todos ao
lugar de descanso para onde iam; e Jesus, mesmo cansado,
tinha compaixão deles e os acolhia, “porque eram como
ovelhas sem pastor”.
Talvez mais significativo de como todos eram acolhidos
tenha sido o caso dos leprosos, que tinham de ficar afasta­
dos das cidades e das pessoas, sob o risco de ser apedrejados.
Diante de Jesus, no entanto, jamais chegaram a pensar nesse
risco, pois tinham a certeza de ser acolhidos pelo coração
amoroso do Mestre.
26
Estamos referindo-nos aos mais “excluídos” da socie­
dade e podemos pensar que Jesus só acolhia a esses. Os
exemplos já mencionados de Zaqueu e de Mateus mos­
tram que não. Nicodemos, príncipe dos judeus, é outro
caso: tendo medo ou vergonha de vir a Jesus durante o dia,
foi procurá-lo à noite, e nem por isso Jesus o censurou.
Finahzando, devemos notar que o chamado de Jesus às
pessoas para conhecer o Pai ou para segui-lo revela grande
abertura de coração. “Vem e segue-me” ou “Vinde e vede”
indicam um coração que chama e que está pronto para
compartilhar o que é e o que tem. Pode ser pouco o que
tem e muito o que é, mas tudo está disponível, sem distin­
ção de pessoa.
Aprendendo com o Mestre
Quero repartir com os amigos leitores um "breve tes­
temunho que nos ajude a compreender um pouco mais a
extensão que tem a verdadeira acolhida. Para nós foi um
grande aprendizado.
Numa ocasião, tivemos a oportunidade de dar assistên­
cia a uma família cujo filho (Mauro), já com cerca de 30
anos, ficara paralisado após uma enfermidade. Atendemos
a suas necessidades de locomoção para fisioterapia, ocupa-
mo-nos das necessidades emergenciais de todos e, por fim,
quando da aposentadoria de D. Alzira (mãe do Mauro e
única a trabalhar para o sustento da casa), ajudamos a com­
prar uma casa onde ficaram confortavelmente instalados.
Providenciamos alguns aparelhos de fisioterapia para que
27
os problemas fossem resolvidos em casa. Uma vez atendi­
das as necessidades básicas daquela família, afastamo-nos e
passamos a atender outros necessitados.
Passado algum tempo, encontramos D. Alzira, e já colo­
camos o melhor dos sorrisos nos lábios para abraçá-la. Qual
não foi nossa surpresa ao ver em seu rosto não a satisfação
que esperávamos, mas sim um suave ar de repreensão. Mais
surpresos ainda ficamos com suas palavras:
—Vocês, hein! Aproximam-se da gente, conquistam
nosso coração e quando nós estamos amando, vocês sim­
plesmente desaparecem de nossa vida!"*
O amigo leitor deve ter já compreendido a grande
lição que recebemos de D. Alzira. Nós nos aproximamos
dela para fazer uma obra de caridade ou de ação social,
como queiram chamar. Ela, no entanto, nos acolheu e nos
amou. E nós, movidos pelo amor, é verdade, fizemos uma
obra que poderia ser perfeita se tivéssemos verdadeiramen­
te acolhido sua famüia e amado a cada um deles. E sem
isso, de nada adianta, conforme nos ensina São Paulo, na­
quela maravilhosa página da primeira carta aos Coríntios,
capítulo 13.
Acolher, como deve ter ficado claro no testemunho
acima, não é só realizar uma obra bondosa, generosa ou
mesmo meritória. E muito mais do que isso; é amar e par-
tühar a vida com as outras pessoas, independentemente de
quem sejam elas. É até um pouco comum ver algumas be-

*“Tu te tomas eternamente responsável por aquilo que cativas” (Antoine


de Saint-Exupéry).

28
Ias acolhidas exteriores que não chegam ao interior dos
corações. O passo de Jesus é acolher, isto é, receber dentro
do coração: “Vinde e vede”.

3. Valorizar
O terceiro passo de Jesus é valorizar as pessoas. R e­
conhecer o valor de cada um, independentemente de
condições físicas, sociais, emocionais ou mesmo espirituais,
é uma das grandes marcas do Emanuel —Deus Conosco.
O olhar, a atenção e o carinho —mais que isso —a ternura
(cf. Lc 1,78) que vemos nos passos de Jesus revelam o
grande amor de Deus.
Quando vemos que Jesus reconhece o valor de uma
pessoa rica e influente — como Nicodemos ou Zaqueu
—da mesma forma que o de um grande pecador ou o de
um enfermo rejeitado por todos, é porque somos todos
iguais diante de Deus. Chama a atenção particularmente
seu diálogo com Pôncio Pilatos.Ele era a maior autoridade
política e mihtar naquela região toda e Jesus era apenas um
sentenciado à morte. No entanto, não se nota em Jesus, ao
conversar com Püatos, nenhuma subserviência e também
nenhuma arrogância. Os termos da conversa, da parte de
Jesus, são respeitosos da mesma forma com que ele con­
versava com seus discípulos ou com um leproso ou uma
prostituta. Diferença no tratamento e no diálogo (às vezes
áspero) só notamos quando ele trata com aqueles que se
apresentavam com arrogância, falsidades e hipocrisia.
29
Em outras palavras, Jesus tratava a todos igualmente,
respeitando a autoridade de quem a tinha, mas sem se mos­
trar maior ou menor do que ninguém. Isto revela um prin­
cípio fundamental em sua visão: todos são iguais perante
Deus. Todos têm o mesmo valor, independentemente da
função que desempenhem, de seu ministério, de sua con­
dição social e assim por diante.
Outro aspecto escondido nesse passo é que Jesus sabia
bem que o Pai só faz obras-primas. Como qualquer grande
artista está sempre buscando a perfeição em sua obra. Deus,
que é perfeito, só sabe fazer obras perfeitas. Logo, cada ho­
mem ou mulher colocado diante dele era visto como um
dom de Deus.
Cabe aqui uma ligeira reflexão. Todos nós somos
feitos à imagem e semelhança de Deus. Ao longo do
tempo, e por causa do pecado, vamos recebendo mar­
cas, rejeições, traumas, dores, violências que nos vão
deformando ou desfigurando. Em função disso, somos
capazes das maiores atrocidades. Se nós não as pratica­
mos, é porque Deus usa de misericórdia para conosco.
Um dia perguntamos a um sacerdote, que realiza um
maravilhoso trabalho com jovens dependentes quími­
cos, a quem ele chama de filhos, como ele tinha tanta
paciência para lidar com aqueles jovens. O sacerdote
respondeu que reconhecia que, se Deus não o estivesse
amparando, seria capaz de fazer coisas muito piores do
que aqueles jovens. Se formos capazes de olhar desta
maneira para todos, seremos capazes de amar e sermos
irmãos.
30
Voltando, então, para o valorizar, notamos que Jesus es­
tava sempre profundamente convencido de que o Pai havia
depositado grandes tesouros em cada um de seus filhos.Vale
lembrar que os grandes tesouros nunca estão descobertos.
O ouro e o diamante, na verdade, não são encontrados nas
ruas e nem nas esquinas de nossas cidades. Ao contrário, é
necessário um laborioso e paciente esforço para serem en­
contrados e transformados em jóias. Assim, na maioria das
vezes, os filhos de Deus são grandes tesouros escondidos
que precisam ser encontrados e pacientemente burilados
para que revelem seu valor e seu brilho.
Vejamos alguns exemplos peculiares desse dedicado es­
forço de Jesus:
—Judas Iscariotes: Este é um dos personagens mais
marcantes de todo o evangelho. Sua personalidade forte,
provavelmente um tanto arredio e desconfiado, não fa­
zia dele um dos membros de maior confiança do grupo.
Jesus, no entanto, além de tê-lo escolhido como um dos
doze, ainda deixou a seus cuidados as finanças da peque­
na comunidade. O evangelista João fala que ele roubava
do dinheiro da bolsa (}o 12,6) e que Jesus com certeza
sabia; apesar disso, não se observa nenhuma repreensão
a ele da parte do Mestre. É como se a cada dia ele rece­
besse um voto de confiança e a esperança de mudança,
assim como o Pai faz conosco a cada dia. O final decep­
cionante não pode ser atribuído à falta de oportunidade
ou de atenção por parte de Jesus.
—Zaqueu: o chefe dos cobradores de impostos era con­
siderado inimigo do povo de Israel, mas Jesus resolve não
31
só ir a sua casa, mas ainda fazer refeição com ele e seus
amigos.
—A Samaritana: mulher que não tinha boa fama e para
quem Jesus faz —em particular —um de seus mais preciosos
ensinamentos.
—Mateus: um detestado cobrador de impostos que é
chamado a ser um dos doze apóstolos. Aliás, grande parte
das surpresas de Jesus está mesmo na escolha do grupo mais
chegado. Este é um dos aspectos mais curiosos e mais in­
teressantes no ministério de Jesus, ao qual nos dedicaremos
com mais detalhe nos capítulos seguintes.
Não poderiamos deixar de destacar esta figura ímpar:
—Maria Madalena: de quem saíram sete demônios e que
foi aceita entre o grupo dos discípulos. Não sabemos avahar
exatamente o que seja a vida de uma mulher em que habi­
tavam sete demônios. As experiências do evangelho fazem
menção de que casos em que pessoas eram possuídas por
um espírito maHgno causavam um considerável estrago nas
famíhas, nas cidades e na comunidade. No caso de Maria
Madalena, multiplicando por sete (para efeitos didáticos),
poderemos imaginar o que era a vida dessa mulher. Mas
como ensina o próprio Jesus, aquele a quem mais se perdoa
é o que mais ama. O amor de Maria Madalena é revelado
no episódio do domingo da ressurreição. O evangeHsta João
gasta quase todo o capítulo 20 para falar da ressurreição e,
em todo o tempo, lá está Maria Madalena, a primeira a ver o
Senhor Ressuscitado. É este valor que Jesus viu nela quando
ainda estava envolta no pecado e na miséria. Ele a hbertou e
fez brilhar o grande amor que havia em seu coração.
32
Aprendendo com o Mestre
Entre os diversos ensinamentos que podemos aprender
com o Mestre neste terceiro passo, gostaria de destacar dois
como fundamentais. O primeiro deles é o de sempre acredi­
tar no valor das pessoas com as quais convivia. Aprendendo
com Jesus, poderemos crer no valor das pessoas que convi­
vem conosco, seja em nível pessoal, familiar, profissional ou
comunitário. O verdadeiro líder cristão é aquele que acredi­
ta e é capaz de descobrir os valores ou os tesouros que Deus
coloca em suas mãos para o bem da humanidade. Compe­
tem-lhe acreditar e encontrar esses tesouros. Não estamos fa­
lando de buscar a perfeição das pessoas, mas de, acreditando,
ajudá-las a revelar seu próprio brüho.
O segundo ensinamento está umbüicalmente Hgado
ao primeiro. Jesus nos ensina o paciente e laborioso ofi­
cio de burilar as pedras, às vezes brutas, que são colocadas
sob nossos cuidados para revelar seu brilho e o dom de
Deus. Dito de outra maneira, o nome de Deus é glorifica-
do quando pegamos um de seus filhos em condições des­
favoráveis (imoralidade, pecado, violência, feridas, mágoas
etc.) e vamos trabalhando com ele, amando-o, curando-o,
libertando-o, valorizando-o, renovando-lhe a auto-estima,
até que se manifeste nele o plano original de Deus, sua
obra-prima. Nisto é glorificado o nome santo de Deus:
quando revelamos a verdade de sua obra e criação, Hvre do
pecado e inteiramente renovada. Esta é a obra do Espírito
Santo (cf. 2Cor 3,18) na Igreja e através de nós. Então elas
poderão fazer também isso com outras pessoas.
33
4. Atender
Este passo de Jesus parece ser o mais conhecido de to­
dos, uma vez que ele não deixou de atender a nenhuma
pessoa que o tenha procurado, segundo os relatos dos evan­
gelhos. Atender aos mais necessitados era um claro lema
dele: “Os sãos não precisam de médico, mas os enfermos;
não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mc 2,17).
Assim, grande parte de seu ministério ele dedicou a curar
os enfermos (de toda a sorte de enfermidades), expulsar
os demônios, libertar os cativos, assim como ele mesmo
assume no texto do profeta Isaías (61,Is.), como se vê em
Lucas, capítulo 4, em Nazaré.
Torna-se necessário, não obstante, aprofundar um pou­
co mais essa questão e ver alguns aspectos bem peculiares
no atendimento de Jesus às necessidades das pessoas. Na
grande maioria das oportunidades, os enfermos eram tra­
zidos a ele. Algumas vezes é ele quem vai ao doente. Dois
exemplos muito interessantes que nos vêm à memória são
os casos da viúva de Naim, em que Jesus toma a iniciativa
de ressuscitar seu filho, e do possesso da terra dos Gadare-
nos, que analisaremos com certo cuidado neste livro.
Um segundo aspecto é a qualidade do atendimento.
Certa ocasião, ao curar um cego, Ele se depara com uma
situação curiosa. Depois de colocar de sua saliva nos olhos
do cego, pergunta-lhe: “Vês alguma coisa?” —ao que o
homem lhe responde: “Vejo os homens como árvores que
andam...” Jesus então prossegue com o atendimento até
que ele veja distintamente à distância. Este registro dos
34
evangelhos é um dos mais detalhados de uma cura e reve­
la que a obra de Deus é perfeita e Ele não abandona uma
obra iniciada.
Outra experiência que revela a quaHdade do atendi­
mento é aquela em que Jesus vai atender a filha de Jairo,
que era chefe da Sinagoga (cf. Mt 9,18). Faz uma viagem
para isso, e é comprimido de todos os lados; uma hemor-
roíssa alcança a cura tocando na orla de seu manto. Ele
chega lá, mas é desacreditado por todos, que até mesmo
riem dele. Em tudo isso, ele permanece sereno e seguro
e “levanta” a menina que estava morta, devolvendo-a aos
pais, que estavam pasmos.
Um dos personagens mais conhecidos entre os cura­
dos por Jesus é, sem dúvida, o cego Bartimeu. Depois de
aprontar um verdadeiro escândalo para chamar sua aten­
ção, ele é levado à presença de Jesus. A pergunta de Jesus
é surpreendente; “Que queres que eu te faça?” Bartimeu
responde imediatamente: “Senhor, que eu veja!” Parece-
nos óbvio que o que ele desejava era ver, uma vez que
era cego. Mas aqui está uma questão fundamental. Para
atender com qualidade, Jesus quer saber qual é o desejo
de quem o procura, e então atende da melhor maneira o
que lhe é pedido.
Outro ponto precioso é quando Jesus realiza curas em
dia de sábado. Bons exemplos são os do homem de mão
seca e da mulher encurvada. Nos dois casos, o Mestre precisa
“comprar uma briga” com o chefe da Sinagoga para justificar
seu ato. No caso da mulher encurvada, ele diz: “Hipócritas!
(...) não desamarra cada um de vós no sábado seu boi ou seu
35
jumento da manjedoura, para os levar a beber? Esta filha de
Abraão, que Satanás paralisava há dezoito anos, não deveria
ser hvre desta prisão, em dia de sábado?” (Lc 13,15-16).
Até aquijesus tem manifestado interesse, carinho, atenção
e dedicação no atendimento dos enfermos. Trata-se, como
vimos, de atender às necessidades das pessoas. Entretanto,
mesmo desejando atendê-las, não se impõe: busca, acolhe,
valoriza, mas, para atender, espera a ahertura de coração do
acolhido que se pode expressar em manifestações de fé. É
sintomática a passagem dele por Nazaré, onde só pôde reali­
zar algumas poucas curas, por causa da falta de fé do povo.
Entre tantos fatos marcantes na vida de Jesus, um é
particularmente interessante e merece ser analisado com
todo o cuidado. Trata-se de uma mulher sírio-fenícia (cf.
Mt 15,21s.). Não sahemos seu nome. Só sabemos que era
uma pagã e que, como tal, era desprezada pelos judeus, que
designavam os fenícios de cães. Esta mulher, embora pagã,
via em Jesus a única esperança para sua fdha. E vem implo­
rar, humilhando-se diante de um estranho, pela saúde da
filha. Como sempre acontecia, Jesus deve ter compreendi­
do todo o alcance daquele gesto e as dificuldades que teve
de superar para chegar até ele. Por que, então, essa atitude
daquele que é todo amor? Se é o amor que move aquela
mãe, como ele não entenderia e não se comoveria com
tamanho amor e dedicação? É realmente surpreendente!
Creio que muitas explicações são possíveis. Ouso expres­
sar uma que se insere mais no jeito de Jesus ensinar os seus do
que exatamente no passo de atender os necessitados. Con­
tinuo achando que Jesus viu todo o amor e toda a coragem
36
daquela mãe. Explicitamente tenta rechaçá-la como indigna de
receber uma graça, pois sabia a mulher guerreira que estava a
sua frente. Duas respostas ríspidas não foram suficientes para
fazê-la desistir. Ao contrário, ela veio prostrar-se diante dele.
Alguns dizem que ela venceu Jesus. O certo é dizer que ele se
deixou vencer pelo grande amor e fé daquela mãe.
Ele não falhou em sua avaliação. Ela não falhou em sua
fé persistente. A vitória foi de ambos, ou melhor, do Reino
de Deus. Ela ganhou a libertação de sua filha e nós o gran­
de ensinamento de que devemos lutar por aquilo que nós
queremos. Mesmo que a primeira ou a segunda resposta de
Deus seja negativa, o amor sempre vence. Glória a Deus!
Um outro aspecto pode ser notado neste diálogo de Je­
sus com essa mulher.^ Jesus estava, em verdade, levando seus
discípulos (e também os ouvintes) a um questionamento
sobre a maneira preconceituosa com que eles viam os es­
trangeiros. Essa forma de ver já se tornara cultural e era de
difícil revisão. Por isso, através do diálogo com essa mulher
maravilhosa, ele vai questionando de forma indireta e sutil
os velhos conceitos que não podem resistir à nova visão
do evangelho. Então, à vitória da mulher e do Reino, que
já descrevemos, devemos acrescentar a vitória do jeito de
Jesus formar e reformar a mentalidade de seus discípulos,
em todos os tempos.
^As sugestões para esta nova visão foram enviadas por duas pessoas (Der-
cides Pires e Josemary do R . Gusso Lugnani), que leram os rascunhos em
lugares e momentos diferentes e apresentaram uma visão semelhante. Acatei
prontamente e agradeço a contribuição.

37
Finalmente, vemos a passagem um tanto emblemática
que fala do remendo de pano novo em roupa veUia e tam­
bém do vinho novo e dos odres velhos. “Ninguém prega
retalho de pano novo em roupa velha; do contrário, o re­
mendo arranca novo pedaço da veste usada e torna-se pior
o rasgão. E ninguém põe vinho novo em odres velhos; se o
fizer, o vinho os arrebentará, e se perderá juntamente com
os odres; mas para vinho novo, odres novos” (Mc 2,21-22).
Olhando pelo ângulo de nosso objetivo, neste momento, de­
vemos notar que o atendimento de Jesus nunca era só um
paliativo. Não era exatamente remendar uma situação, mas
sim fazer novo e o melhor vinho, como em Caná da Galiléia.
No sentido espiritual, quer dizer cuidar do homem como
um todo, fazendo dele um homem novo.
Como nos ensinava o Módulo da Escola Paulo Apósto­
lo quando falava de marketing: “Atender com encantamen­
to”, vale dizer, superando as expectativas mais otimistas. Era
assim que Jesus atendia os que vinham a ele, e é assim que
nos ensina a fazer. “Farão coisas maiores do que essas, pois
vou para o Pai...” Qo 14,12).
Aprendendo com o Mestre
Há diversas lições que Jesus nos ensina no atender à ne­
cessidade do povo. Embora ele buscasse o povo, seu objetivo
era o de levar a boa-nova. Realizar curas e milagres era uma
parte do ministério. Ele raramente ia atrás dos enfermos para
orar por eles. Os enfermos é que eram trazidos ao Mestre. Em
outras palavras, o foco era a evangeÜzação, e o atender à neces-
38
sidade era fruto da profunda caridade que o movia; é que ele
se mostrava incapaz de não se compadecer dos necessitados.
Um segundo aspecto bem fundamental é que Jesus
procura saber qual a necessidade das pessoas. Ele não ofe­
recia aquilo que as pessoas não desejavam. Nem mesmo
na pregação nós o vemos falar para quem não estivesse
interessado.
Chama a atenção também o fato de ele enfrentar desa­
fios no momento da cura, como é o caso do cego que, no
primeiro momento, não via perfeitamente. “Sendo ele de
condição divina...”, como nos ensina o Apóstolo Paulo na
Carta ao Filipenses (2,6), passou por essa dificuldade para
nos ensinar que devemos perseverar e só parar quando a
obra estiver completa e perfeita, como é da natureza do Pai
Celeste.
Entre outras lições possíveis, há o momento fundamen­
tal com a mulher que debate com ele, e ternamente ele se
“deixa” vencer para reformular a doutrina, contaminada
por preconceitos, dos escribas e fariseus. Penso que um
grande amor, aliado a uma grande fé, podem “vencer” o
coração de Deus. Ou, dito de outra maneira: Deus se deixa
“vencer” nessas maravilhosas condições.

5. Anunciar
Pregar o evangelho, anunciar, proclamar a palavra de
Deus são termos por demais conhecidos na Igreja. Existe
uma vasta literatura sobre isso e, na própria RCC, há cursos
39
que procuram dar uma boa formação aos pregadores, que
têm uma função de enorme importância em toda a evan-
gelização. Entretanto, aqui nos parece oportuno introduzir
algumas reflexões sobre o “anunciar” na pedagogia de Jesus.
O primeiro aspecto que fica evidenciado é que, para
Jesus, o anunciar já se iniciou com o primeiro passo. Depois
de buscar, acolher, valorizar e atender às necessidades de
cada um é que lhes vai falar do grande amor com que Deus
os ama. Só depois de ter testemunhado o amor de Deus é
que Ele lhes fala do amor que já estão experimentando.
Não se trata mais de uma teoria ou de uma ideologia. E
algo concreto e vivido. O acolhimento da pregação nestas
circunstâncias
/ é completo, pois o terreno já está preparado
para isso. E assim que devemos preparar o terreno. Anun­
ciar é uma etapa do processo de evangelização. Não é o
primeiro nem o último. A evangehzação é uma caminhada
com as ovelhas que Deus nos confiou, cuidando para que
“nenhuma delas se perca”.
Quando se fala em anunciar, logo pensamos na pre­
gação, e no sentido mais estrito ainda, que é o tipo homi-
lia, sermão ou aquela pregação do grupo de oração. Dessa
maneira, precisamos ampliar largamente nosso conceito de
anunciar o evangelho. É comum encontrar quem trabalha
no acolhimento das pessoas sem considerar seu trabalho
como um ato de evangehzação. Mesmo alguns que tra­
balham diretamente com o púbhco podem pensar que a
evangehzação propriamente dita é feita só no momento da
pregação. Certamente estão enganados, pois olhando para
Jesus vemos que ele não faz distinção entre um momen-
40
to e outro. Nada demonstra no evangelho que Ele tenha
maior atenção no momento da pregação do que no de
atendimento dos necessitados, ou mesmo simplesmente ao
conversar com as pessoas.
A esse respeito, vale a pena destacar um aspecto que
quase sempre passa despercebido nos evangelhos. Grandes
ensinamentos de Jesus foram feitos muitas vezes para pú­
blicos bem reduzidos. É o caso da samaritana no poço de
Jacó ou da caminhada de Jesus com os discípulos de Emaús,
ou ainda da conversa com Nicodemos, com o jovem rico e
assim por diante. Nem sempre havia multidões para ouvi-
lo, como veremos mais adiante. Aliás, sua estratégia estava
mais para trabalhar e formar pequenos grupos, dando-lhes
maior estruturação, do que alcançar grandes púbHcos.
Um segundo aspecto que chama a atenção no evange­
lho é a simphcidade dos ensinamentos de Jesus. Sabemos
pela história e pelos testemunhos registrados nos evangelhos
que Ele não teve uma formação mais profunda e erudita.®
Assim notamos que seus ensinamentos são feitos com gran­
de simphcidade e, ao mesmo tempo, com grande coerência e
profundidade. Em momento algum se nota alguma sofistica­
ção desnecessária ou sequer demonstração de conhecimento
superior aos demais. Dito de outra maneira, Jesus não se di­
ferenciava dos demais por seu discurso ou conhecimento. O
que o diferenciava era sua segurança e autoridade.
^Vale lembrar que no tempo de Jesus não havia escolas como as conhe­
cemos hoje. O sistema de formação era feito por mestres que formavam seus
discípulos. Nesse sentido notamos que Ele não teve nem um mestre especí­
fico, ou seja, não foi seguidor de algum mestre conhecido.

41
A segurança de seus ensinamentos, principalmente nos
momentos em que era submetido a algum exame público
pelos fariseus, ou outra classe, para pô-lo à prova, é outro
aspecto que também merece destaque. “De onde lhe vem
este conhecimento e esta autoridade? Não é seu pai o car­
pinteiro, sua mãe Maria...” (cf. Mt 13,54s.). No evangelho
de João, o próprio Jesus nos dá uma resposta fundamental:
“As palavras que vos digo não as digo de mim mesmo; mas
o Pai, que permanece em mim, é que realiza suas próprias
obras. Crede-me: estou no Pai, e o Pai está em mim” (Jo
14,10b-ll).A segurança de Jesus está fundamentada não
em um conhecimento prévio, mas em sua comunhão com
o Pai e na ação do Espírito Santo. Ele sabia estar ligado à
fonte da sabedoria, por isso estava sempre seguro. E nos
ensina: “não vos preocupeis com o que haveis de falar, pois
o Espírito Santo falará por vós” (Lc 12,11-12).
Aprendendo com o Mestre
O que temos a aprender com Jesus em termos do
anúncio do Reino é “tudo”. Neste aspecto ele é mesmo
um mestre. Ao longo dos outros capítulos do livro, esta­
remos sempre aprendendo com ele, mas alguns pontos já
podemos destacar.
Da simplicidade de seus ensinamentos e de sua eficácia,
podemos apreender que um jeito simples de falar ou de
comunicar não significa pouco conhecimento. O mundo
de hoje valoriza muito o conhecimento e, em função disso,
somos muito estimulados a manifestar o que temos e até o
42
que não temos. Dessa maneira, muitas vezes, as pregações
ou os pregadores buscam expressar alguma forma de sofis­
ticação de linguagem, ou uma forma de citação de inúme­
ras passagens bíblicas, que comprovem seu conhecimento.
Isso, na maioria das vezes, reahza-se de forma inconsciente
e é fruto do meio e da cultura em que vivemos.
A simplicidade praticada por Jesus faz com que seu en­
sinamento seja acessível aos mais estudados e àqueles que
tiveram menos oportunidades de freqüentar escolas. Quan­
do nós sofisticamos desnecessariamente nossos ensinos ou
pregações, de alguma forma, estamos fazendo distinção de
pessoas. E isso é falta de caridade. Logo, nossa pregação se
torna infrutuosa.
Outro ensinamento nós vamos encontrar na segurança
de Jesus em todos os momentos, como fruto principalmente
de sua comunhão com o Pai e o Espírito Santo. Um teste­
munho de aprendizado nos deve ajudar nesse momento.
Algumas vezes, quando estava fazendo alguma pregação
ou algum ensino, eu me defrontava com questões para as
quais não tinha resposta clara aos que me ouviam. Logo, vi­
nha do interior da alma certo questionamento e um medo:
Como vou responder a isso? No mesmo instante, a Palavra
de Jesus trazia a confiança; “não vos preocupeis...” Des­
sa maneira, continuava com o discurso, até estimulando o
questionamento, esperando e confiando em que o Espírito
Santo traria a resposta adequada, no momento certo. E isso
nunca falhou. Não estou falando de agir irresponsavelmen­
te, tentando o Espírito, mas sim de dúvidas naturais que
surgem e para as quais ainda não tinha resposta adequada
43
até então. Tendo-nos preparado para um ensinamento ou
pregação e confiando na unção do Espírito Santo, pode­
mos ficar tranqüilos. Na simplicidade e na confiança, Deus
sempre saberá conduzir seus filhos.
Há outra experiência similar que ocorre com determi­
nado pregador de retiros. Ele me confidenciou que lê as es­
crituras, mas não consegue reter quase nada em sua memória,
e por vezes pensa ser inútil continuar a estudar. No entanto,
ele notou que, quando está desenvolvendo uma pregação ou
ensino, as “Palavras de Deus” (Sagradas Escrituras) afloram a
sua mente e ele pode empregá-las sempre de maneira ungi­
da e adequada. Como diz o Evangelho: “O Espírito Santo
vos recordará todas as coisas”. É claro que para recordar é
preciso ter Hdo e estudado antes, não é mesmo?!

6. Formar
Este passo é um dos menos comentados nas atitudes de
Jesus. De uma maneira geral, a ênfase fica com os grandes
sermões e os mais conhecidos milagres, que têm um efei­
to catahsador das atenções de quem faz uma leitura mais
rápida dos evangelhos. Muito provavelmente porque eles
tenham sido escritos como forma de registrar os ensina­
mentos do Mestre, foi dado destaque àqueles fatos mais
chamativos e também ao lado mais querigmático de suas
pregações. O lado mais formativo, dessa maneira, ficou em
segundo plano. Vamos aqui ressaltar alguns aspectos decisi­
vos da ação formadora de Jesus.
44
Antes de tudo, é preciso notar que a ação formadora era
diferenciada, de acordo com os grupos nos quais estavam
organizados os discípulos. Bem conhecido era o grupo dos
12 apóstolos, conforme Mt 10,1-4, Mc 3,13-19 e Lc 6,12-
16. Em outro momento, Lucas (10,1-12) menciona um ou­
tro grupo de 72 discípulos que também são enviados dois
a dois com missão semelhante à dos apóstolos. Havia, além
desses, grupos maiores, como é o caso da assembléia, em que
se reuniam cerca de 120 pessoas, para escolher o substituto
de Judas (At 1,15). Em momentos cruciais, no entanto, Jesus
costumava reunir apenas três: Pedro, Tiago e João, como no
caso da transfiguração e no Horto das OHveiras.
Existe um autor (Wenzel)’ que faz uma arguta observa­
ção da maneira de Jesus dar formação a seus discípulos. Se­
gundo ele, o Mestre usa o método de “estar com ele” antes
de enviar. Ou seja, antes eles devem acompanhá-lo em seu
dia-a-dia: ver, observar, refletir, crescer e amadurecer, para
então frutificarem, como o ramo da videira, que se liga a
ela firmemente e dá frutos em abundância; e não como o
grão que é lançado ao chão e cresce sozinho, que floresce
rápido, mas não tem raízes e morre tão rápido quanto nas­
ceu, como na parábola do semeador.
Podemos inferir que esse jeito de Jesus era como que
seu método mais geral, uma vez que, em relação ao grupo
mais reservado dos 12 apóstolos, com freqüência, ele os
levava para uma formação mais acurada a lugares reserva­
dos, onde lhes explicava as parábolas, fazia advertências e
^W enzel , J. Inácio. Op. cit., p. 67 e 68.

45
exortações, abria mesmo seu coração. Experiências mais
profundas eram partilhadas com os três, como já mencio­
namos. Esse ponto do método de Jesus voltaremos a anali­
sar com maiores detalhes nos próximos capítulos.
Importa frisar que a formação dos discípulos é uma
parte essencial da atividade evangelizadora de Jesus, pois
Ele bem sabia do alcance limitado de sua ação pessoal
se não houvesse quem a continuasse após sua morte. É
também muito interessante perceber que essa ação é ino­
vadora, na medida em que escapa completamente da for­
mação regular existente em sua época. Não que a maneira
de ter e de formar discípulos seja exatamente nova. Ao
contrário, era prática até comum entre os judeus, como é
o caso do próprio João Batista. É inovadora porque foge
das interpretações dominantes das Sagradas Escrituras e
busca uma via independente e livre, mesmo tendo de en­
frentar conflitos com os “detentores” do conhecimento
daquele tempo.
Sem dúvida, isto é um dos aspectos mais intrigantes da
vida de Jesus. Em sua própria formação, ele teve como fonte
os mesmos livros sagrados que praticamente todos os judeus
Ham. Sabemos que ele não teve mestres específicos e que
não foi discípulo de nenhum sábio de sua época. Como, en­
tão, lendo os mesmos livros sagrados e tendo a formação que
era comum aos jovens de sua época, ele pôde ter uma visão
completamente nova de Deus, de seu plano, de seu amor?
Nos confrontos que teve com os doutores da lei e com os
fariseus fica muito evidente essa visão nova. E é essa visão (a
verdade) que interessa a Ele passar a seus discípulos.
46
Como Ele mesmo disse; “Não jtágueis que vim abolir a
lei e os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los
à perfeição” (Mt 5,17). Nas ciências humanas, são comuns as
interpretações de determinado autor, principahnente se for de
alguma importância, acabarem desviando-se do entendimen­
to original. Quando isso ocorre, é necessário retornar aos ori­
ginais (à fonte) para recuperar a fidelidade ao pensamento do
autor. A meu ver este é o grande passo de Jesus de Nazaré: len­
do os originais soube entender perfeitamente o que o Espírito
Santo inspirava aos escritores sagrados. Ele voltou à fonte e
ouviu do verdadeiro Autor o sentido profundo da mensagem,
a verdade. E esta verdade ele revelou em seus ensinamentos, e
deseja perpetuá-la por meio de seus discípulos. Nisso consiste
a importância estratégica da formação de seus seguidores.
Aprendendo com o Mestre
Nos passos anteriores, sempre tivemos alguns ensinamentos
a ser absorvidos dos passos de Jesus. Neste caso, que para nós é
fiandamental, vamos utilizar todo o nosso esforço para aprender
com ele a formar as pessoas de que tanto a Igreja necessita.
Assim, nos próximos capítulos vamos dedicar-nos a “ver”
Jesus formando seus discípulos, vamos procurar entender seu
jeito de Bdar com as pessoas, qual é o método que ele utiliza­
va. Enfim, vamos procurar compreender um pouco mais de
sua pedagogia e como podemos também apHcá-la na forma­
ção dos novos seguidores de Jesus. Afinal, para continuar sua
missão, ele formou discípulos que foram capazes de formar
outros discípulos. Isso continua até nossos dias.
47
n i . A MANEIRA DE EVANGELIZAR:
O MÉTODO DE JESUS

A partir deste capítulo, começamos a examinar com


maior particularidade o jeito de Jesus evangelizar e formar
seus discípulos.Vale dizer, queremos examinar sua pedago­
gia, a maneira como ele formava as pessoas que deviam dar
continuidade a sua obra. Alguns autores já se dedicaram
a isso e nós vamos buscar apoio naquilo que eles já exa­
minaram. Por outro lado, também evitaremos ficar numa
linguagem técnica e árida. Sempre que possível, vamos usar
a linguagem mais simples, porque ela atende à necessidade
de todos.

1. Em busca da fonte
Onde Jesus aprendeu? Quem foi seu mestre? Em que
fonte ele “bebeu” seu conhecimento? Onde ele aprendeu a
usar métodos que permanecem atuais dois mil anos depois
dele? São perguntas instigantes.

49
At) escrever sobre a pedagogia de Jesus, J. M. Price^
nota c|ue “tudo aquilo que hoje é mui comum nas ativi­
dades educacionais foi usado por Jesus, ao menos em em-
brião”.E realmente muito interessante para os educadores
que estudam métodos e técnicas de transmitir informações
e de educar observar a maneira como Jesus trabalhava com
a multidão (grupos grandes) e com grupos menores, e até
mesmo na atitude coloquial. Seu jeito de anunciar e edu­
car é moderno em pleno século XXL Esse mesmo autor
comenta que “não se pode afirmar que Jesus tivesse cons­
ciência do estudo de certos métodos ou de seu emprego”
e que certamente eles eram “uma coisa natural, e não fruto
de deliberados estudos e planificações, e brotavam da oca­
sião e da necessidade”.^ O fato é que seu jeito precisa ser
mais estudado, pois, com certeza, ajudará nossa capacidade
de evangelizar e formar o Povo de Deus.
Uma boa pista para encontrar as respostas que buscamos
pode ser encontrada já no início de vida púbHca de Jesus,
conforme nos aponta o evangelista Lucas em seu capítulo
4, quando narra uma das primeiras pregações do mestre da
Galiléia. Ele estava em Nazaré, era dia de sábado, e, como de
costume, entrou na sinagoga. Foi-lhe dado o Bvro do Profeta
Isaías, no qual escolheu a seguinte passagem: “O Espírito do
Senhor está sobre mim, porque me ungiu e me enviou para
anunciar a boa-nova aos pobres...” (Is 61,Is.). Ou seja, não

^ P rice , J. M. A pedagogia deJesus: O Mestre por excelência. JUEICP, Edi­


ção, Rio de Janeiro, 1983, p. 115.
^ Op. dí.,p. 115.

50
foi uma leitura casual, mas sim um ato pensado, uma vez
que ele escolheu esse texto que fala da Missão do Messias.
Nesse momento, Jesus assume sua missão de forma oficial
entre os seus, pois está na Gahléia, sua terra, onde todos o
conheciam.
Seguindo a mesma pista dada por ele, vamos ler no
profeta Isaías a profecia que fala do Servo, em referência ao
Messias. Se Jesus assume sua missão, por certo valem tam­
bém as outras recomendações da Palavra de Deus para a
mesma missão e pessoa.Vale ler então outro trecho do livro
de Isaías, que fala também do Servo:
Eis meu Servo a quem eu amparo, meu eleito, ao qual
dou toda a minha afeição; faço repousar sobre ele meu
espírito, para que leve às nações a verdadeira religião.
Ele não grita, nunca eleva a voz, não clama nas ruas.
Não quebrará o caniço rachado, não extinguirá a mecha
que ainda fumega. Anunciará com toda a firanqueza a
verdadeira reHgião; não desanimará, nem desfalecerá, até
que tenha estabelecido a verdadeira religião sobre a terra,
e até que as ilhas desejem seus ensinamentos (Is 42,1-4).
Ao ler este trecho, e já conhecendo a maneira de ser
de Jesus, é fácil ver como ele seguiu à risca esta orientação
divina. Chama a atenção especialmente quando se trata do
caniço rachado. Refletindo sobre isso, vem a nossa mente
a figura do caniço como vara de pescar. Para ter alguma
serventia, ela precisa exatamente da flexibilidade. Quando
racha, perde completamente a flexibilidade e toda a sua
serventia. Deve ser jogada fora, pois ainda se corre o risco
51
de se ferir com as lascas, o que é um ferimento de difícü
cura. Então não existe coisa mais inútil do que uma vara de
pescar (de bambu) quebrada. Outro jeito de ver o caniço é
quando ele está na natureza. Quando está inteiro, o caniço
recebe o vento, que o leva para um lado e para outro, mas
ele sempre retorna a sua posição original. Quando o cani­
ço se quebra, ele perde sua flexibilidade e fica para sempre
pendido para o chão.
Olhando para o Mestre, vemos como ele age com rela­
ção aos “caniços rachados” que encontrou ao longo do ca­
minho. O que para todos não tinha mais jeito e que devia
ser jogado fora, para ele sempre havia uma oportunidade de
reaproveitar. O mesmo se pode dizer com relação à figura
da mecha que ainda fumega. Embora o fogo e a vivacidade
já se tenham extinguido, a vida ainda não se foi. Portan­
to, existe esperança. O Servo tem a marca de não desistir,
de não abandonar ninguém. A esperança é um dos püares
de sua ação evangelizadora, até que “as ilhas desejem seus
ensinamentos”. Movido pela esperança, “não desanimará,
nem desfalecerá, até que leve a toda a terra a verdadeira
religião”. Ressalta nesse texto um outro pilar, ahado cons­
tante ao da esperança, que é a perseverança. Ao final, depois
de mostrar sua própria perseverança, ele dirá “Aquele que
perseverar até o fim será salvo” (cf. Mt 10,22).
Assim como foi anaHsado acima, temos uma perspecti­
va temporal bem mais ampla para essa profecia do que sim­
plesmente o tempo de vida do Messias, o Servo sofredor. O
estabelecimento da verdadeira reHgião sobre toda a terra é
obra ainda inacabada e que se deve esgotar somente com a
52
segunda vinda de Jesus. Logo, o método proposto para ele
deve ser seguido também por seus seguidores. Eu e você,
por exemplo.
Outro aspecto nos chama a atenção: “Ele não levanta
a voz, não grita, não clama nas ruas”. Em uma palavra, tal­
vez pudéssemos resumir esse modo de ser e agir: mansidão.
Como diria o próprio Jesus: “Aprendei de mim que sou
manso e humilde de coração”, e como a própria Igreja re­
pete por longos anos: “Jesus, manso e humilde de coração,
fazei o nosso coração semelhante ao vosso”.
Pensando em termos de método de anunciar a boa-nova
e de levar a verdadeira religião para toda a terra, parece até
haver certo conflito aqui. A meta proposta na profecia é ex­
tremamente ampla e, em termos humanos, poderiamos dizer
que é muito ambiciosa. Por outro lado, o instrumento propos­
to é curioso: fala de não elevar a voz, não gritar pelas ruas. Se
pensarmos nos meios existentes hoje, especialmente o micro­
fone e os alto-falantes... O que se depreende é que parece não
haver pressa em terminar a obra. É preciso respeitar uma no­
ção de tempo e de oportunidade que não está sob o controle
de quem vai evangeHzar. Novamente Jesus nos ensina depois:
“Um é o que semeia, outro o que colhe...” (Jo 4,37).
Olhando essa mesma questão, mas de outro ângulo, ve­
mos Jesus como um jovem lá em Nazaré, talvez ansioso
por iniciar sua missão, mas devendo aguardar até comple­
tar os 30 anos. O tempo e o resultado não dependem do
evangelizador, mas sim da graça, como a planta que cresce
sozinha sem que o agricultor possa fazer nada para apressar
seu crescimento e a época de produzir os frutos.
53
Talvez mais importantes do que o tempo e a pressa sejam
o aspecto de respeitar a natureza e a vontade daquele que
ouve a mensagem. A semente é lançada como uma proposta,
um convite. Acolher e aceitar a proposta fica por conta da
liberdade de cada um. A paciência do esperar revela um aspec­
to de profundo amor e respeito pela natureza, personalidade,
história de cada um. Nisso, o método proposto na profecia
tromba radicalmente com a realidade do mundo de hoje,
que cobra e exige resultados imediatos. É preciso responder
de imediato, produzir frutos, resolver. Deus fala de mansidão,
de amar e de esperar. É como o título do livro de São João
da Cruz: O amor não cansa nem se cansa.^ Há na paciência de
esperar os frutos da evangeHzação ou da conversão de uma
pessoa uma profunda sabedoria e verdadeira caridade: espe­
rar está de acordo com o método de Jesus.
A esse respeito me parece exemplar o comportamento
de Jesus com Judas Iscariotes, conforme já mencionamos
anteriormente. Todos conheciam seu temperamento e suas
atitudes com relação ao dinheiro que era depositado na
bolsa, para atender às necessidades da pequena comunida­
de dos apóstolos e pelo qual ele era o responsável. Há uma
esperança e uma aposta ilimitada nesse homem. Mesmo
sabendo que ele roubava e que o haveria de trair, nem por
isso Jesus viu motivo para afastá-lo do grupo. A esperança
de que a semente lançada produzisse fruto sobreviveu até o
último momento. Essa é a maneira de agir de Jesus, é como
viveu e como nos ensina a viver.
' Editora Paulus, São Paulo, 4“ Edição, 2003.

54
Ainda precisamos explorar um aspecto que me parece
um pilar do método que está proposto na profecia de Isaías:
“Anunciará com toda a franqueza...” Penso que a.franqueza
faz parte do núcleo central da ação evangeHzadora de Jesus,
de sua maneira de agir, e que deve também ser de todos os
cristãos. E muito comum em nossos dias ver algumas igre­
jas e pregadores darem uma grande ênfase na prosperidade
ou mesmo nos milagres que Deus pode fazer. Dizemos que
se “buscam os milagres do Senhor, mas não o Senhor dos
milagres”. Esses aspectos, quando tomados como um fim
em si, estão muito longe do ensinamento de Jesus e de seu
método. Ele jamais escondeu os pesados desafios que esta­
vam envolvidos em aceitar seu ensinamento e seguir seus
passos. Ao contrário, sempre exortava os seus a “tomar sua
cruz...” ou, então, “se perseguiram a mim, hão de persegui-
los também...” Ou seja, ele não escondeu de ninguém as
dificuldades e não convidou ninguém para um mar de rosas.
De outra feita, quando estava diante de pessoas falsas, não
hesitava em apontar diretamente a eles sua hipocrisia. Como
nos ensina São João da Cruz: “Não é bem orientado o es­
pírito que quer caminhar por doçuras e facibdades, fugindo
de imitar o Cristo”. Ou ainda:“Como Jesus Cristo é pouco
conhecido, mesmo pelos que se dizem seus amigos! Pois até
estes procuram nele gostos e consolações, amando a si pró­
prios e não as amarguras e aniquilamentos da cruz”."^
Defmitivamente, a franqueza e a verdade, mais do que
do método de Jesus, fazem parte de sua própria essência!
C ruz , São João da. Op. cit., p. 76.

55
2. Um pouco da vida de Jesus:
descobertas e desafios
A Igreja nos ensina que em Jesus sempre esteve presen­
te o verdadeiro Deus e o verdadeiro homem. Nestas páginas,
estamos olhando para ele como homem, igual a nós, e, por
conseguinte, sujeito às mesmas limitações que a natureza hu­
mana nos impõe; fazer descobertas e ter de ouvir a Deus a
cada momento da carnirihada para acertar o rumo. E comum
ver no evangelho que ele se retirava para longos momentos de
oração, nos quais certamente buscava maior comunhão com o
Pai e o Espírito Santo. Nesse ponto, queremos olhar com mais
atenção esse aspecto da vida de Jesus. Queremos aprender com
as dificuldades que se apresentavam a Ele; queremos, como ele,
descobrir pistas a partir das Sagradas Escrituras e da escuta de
Deus, para vencer os desafios que se apresentam, assim como a
oposição que cresce na medida em que a evangeüzação se de­
senvolve. Queremos ser como ele que, apesar desses e de outros
problemas, conseguia cuidar da formação dos discípulos.
A questão da clareza de sua obra e das descobertas em
relação a sua missão é o ponto de partida para essa reflexão. E
comum pensar que Jesus, sendo Deus, tinha tudo muito claro
em sua cabeça, que sabia perfeitamente o começo, o meio e
o fim de toda a sua caminhada. Se assim fosse ele não seria
homem como nós. Os evangelhos, que são nossas fontes bá­
sicas de consulta, e a Hteratura consultada,^ deixam bem clara
sua preocupação em acertar o passo, em não se desviar, em
^Ver a respeito, entre outros, Larranaga, Inácio. O Pohre de Nazaré. Ed.
Loyola, 7’ Edição, São Paulo, 2001.

56
não se deixar enredar pelas tentações e desvios do caminho.
Em resumo, o caminho vai sendo construído passo a passo e
de acordo com as experiências e aprendizados que ia tendo.
Vamos explorar e sistematizar um pouco isso, para dar uma
melhor visão ao leitor.
Segundo Wenzel, havia diversos desafios simultâneos
para Jesus:
1. Buscar a clareza a respeito do Reino de Deus: já ana-
hsamos esse aspecto anteriormente e vimos que ele des­
cobre o verdadeiro amor de Deus onde os estudiosos de
então só encontravam leis e obrigações a serem cumpridas.
Revelar a verdadeira face de Deus em meio aos escritos do
Antigo Testamento foi o primeiro desafio.
2. Fazer a vontade do Pai em cada momento, com cada
pessoa e em cada ensinamento era primordial para ele. Já
mencionamos a necessidade de discernir o rumo da cami­
nhada e as decisões fundamentais de sua vida.
3. Formar os discípulos com uma visão clara e verda­
deira do Reino. Eles já possuíam uma visão que era dada
pela formação dos judeus nas sinagogas. Portanto, para en­
sinar a visão nova havia a necessidade de “desconstruir” o
antigo e edificar o novo. Não se trata de uma “reforma”,
mas de edificar a partir dos ahcerces que já possuíam.
4. Abrir mais a visão de mundo e de Reino para que
todos pudessem participar era outro desafio. Havia uma
noção de que somente o povo judeu era o escolhido. Jesus
abre para todo o povo e, logo em seguida, para os estranhos,
até “os confins do mundo”.
57
5. Evitar as tentações mais explícitas dos que queriam
fazê-lo um Messias triunfante ou mesmo Rei, as sugestões de
familiares e de seus discípulos para que apressasse mais a obra
ou, então, para que se desviasse do enfrentamento das autori­
dades, foi objeto de uma luta contínua.
6. Enfrentar os inimigos visíveis (escribas, fariseus, sa-
duceus, herodianos, anciãos, sumos sacerdotes etc.) e o in­
visível (o demônio) foi outro desses desafios.
7. Amar, com o amor do Pai, revelando a perfeição,
a gratuidade, a misericórdia, a compaixão, constituiu-se
como constante preocupação e desafio.
O trabalho de Jesus com os discípulos se desenvolve em
meio a conflitos internos e externos. As ameaças de morte não
tardam a surgir e a morte de João Batista revela que elas não
são sem fundamento. Wenzel, analisando o evangelho de São
Marcos, mostra que na primeira etapa da caminhada a missão
dos discípulos era somente estar com ele, acompanhar e assis­
tir à ação do Mestre. Aos poucos essa tarefa vai alterando-se
e tornando-se mais complexa. As ameaças e os perigos levam
a uma mudança na estratégia, que passa a privilegiar mais a
formação dos discípulos e prepará-los para os desafios maiores
que estavam por vir. E isso que veremos no próximo item.

3. Estratégias diferentes:
para o púbhco e para os discípulos
Vamos analisar a maneira diferenciada de Jesus traba­
lhar com o público em geral, para, logo em seguida, ver seu
58
trabalho com os discípulos, uma vez que um dos funda­
mentos de seu método é o discipulado.
No relacionamento com o público, que acorria de vários
lugares para ouvi-lo e que trazia seus doentes para serem cura­
dos, Jesus tinha uma estratégia bem clara. Falava com eles em
linguagem bem simples, usava de figuras de linguagem e exem­
plos que diziam respeito ao dia-a-dia de cada um. Sua pregação
sempre envolvia a relação entre os ensinamentos da lei mosaica
e o conhecimento do Deus verdadeiro, de seu amor. Ele bus­
cava retornar à pureza da lei e dos ensinamentos dos profetas,
buscando revelar o Espírito com que foram concebidos e a
resposta que devia ser dada não como uma obrigação ou im­
posição, mas como um gesto de amor a Deus e ao próximo.
Outra estratégia era utiÜzada para o trabalho com seus
discípulos. Como já mencionamos, de início eles eram como
espectadores privilegiados no ministério de Jesus. As difi­
culdades e os desafios vão alterando essa situação e posição.
Segundo Larraííaga,^ a formação dos discípulos foi levada a
cabo “quando vagavam de um lado para outro, caminhando
juntos durante o dia, dormindo à noite sob as estrelas, parti­
lhando o pão, a fadiga e as emergências inerentes à missão. O
discipulado era um lar itinerante, uma família a caminho”.
De início já existe um outro ponto a ser notado na vida
de Jesus e em seu relacionamento com os apóstolos. Ele orou
antes de fazer a escolha, e escolheu aqueles que ele quis, e
nenhum daqueles que foi convidado recusou seu convite.
Logo, Ele trabalhou com a equipe de sua escolha e depois de
’ L arranaga , Inácio. Op.df., p. 1 6 8 .

59
longos momentos de oração —lembremo-nos —Ele estava
cheio do Espírito Santo. Ao longo da caminhada, no entanto,
esses homens se revelaram bem frágeis, e por vezes até des­
concertantes. Será que ele errou? Houve falha na escolha?
Acredito que aqui haja um grande ensinamento. Não
foram escolhidas pessoas extraordinárias, de grandes virtu­
des ou santidade, mas sim pessoas comuns, como nós, com
virtudes e defeitos. Extraordinário mesmo é trabalhar com
essas pessoas, acreditando em seu potencial e apostando nos
tesouros que o Pai ali depositara, e fazê-las brilhar. Isto nos
ensina a trabalhar com aqueles que estão a nosso lado, acre­
ditar e investir para que também eles brilhem. Lembremo-
nos de que, exceto Judas Iscariotes, depois do Pentecostes,
segundo a tradição, todos deram sua vida em testemunho
da fé (só o caso específico de Tiago Menor está relatado no
livro dos Atos dos Apóstolos 12,2).
Dessa forma, é muito interessante ler os evangelhos e ir
notando como Jesus trabalhou com eles, a maneira como
os levou a descobrir seus valores e capacidades, como os
desafiava a superar seus limites e medos, quebrar paradig­
mas, “avançar para águas mais profundas”. Segundo Cury,’
Jesus mostrava especial apreço por pessoas complicadas.
Quanto mais elas tropeçavam e davam trabalho, mais ele as
apreciava e investia nelas.
Existe um momento bem sintomático de como os
apóstolos foram ganhando confiança. Um dia em que não

’ CuRY,Augusto, o Mestre Inesquecível —Análise da Inteligência de Cristo. Ed.


Academia de Inteligência, São Paulo, 2003.

60
os quiseram receber em uma aldeia, João, o discípulo ama­
do, diz a Jesus: “Quer que mandemos vir fogo do céu sobre
eles para os destruir?” A confiança havia crescido bastante,
mas a sabedoria, nem tanto... É o mesmo João que nos
momentos decisivos pede® para sentar-se à direita dele no
Reino, causando grande disputa no grupo dos doze e des­
contentamento para o Mestre.
Olhando para os discípulos no fmal de seu treinamento,
o Mestre constata:“O espírito está preparado, mas a carne é
fraca” (Mt 26,41). Ele trabalhara longamente com os seus,
ensinando os caminhos do Reino e respeitando a indivi­
dualidade de cada um. Ao final, Pedro continuava o mes­
mo homem impulsivo de antes. João, aquele que conhecia
melhor o Senhor.'’ Depois, cheios do Espírito Santo, são
colunas da Igreja.
Uma experiência marcante em termos de formação e
aprendizado é o envio dos apóstolos (e dos discípulos) em
missão, fato narrado por Mateus, Marcos e Lucas. Os dois
últimos apresentam uma narrativa sintética das tarefas e das
orientações recebidas. Já no Evangelho de Mateus, cujo
autor conviveu com o Mestre, encontra-se um capítulo, o
décimo (quarenta e dois versículos), dedicado a tratar das
orientações. Parece mais uma síntese de toda a formação
dos discípulos por parte de seu Mestre. Assim, interessa-
nos explorar alguns pontos fundamentais do programa de
formação:
®No evangelho de Marcos, é Tiago ejoão que fazem o pedido. Em Ma­
teus, é a mãe deles quem pede.
’Ver a respeito o fenômeno da pesca milagrosa em que João reconhece o Se­
nhor, mas é Pedro quem se atira na água para ir a seu encontro (Cf.Jo 21,ls.).
61
1. Dá-Uies orientações bem objetivas e específicas: aonde
devem ir, o que devem levar, o que fazer e até como reagir de
acordo com a aceitação e a rejeição que tiverem.
2. Também lhes dá poderes extraordinários: “curai os
doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai
os demônios” (Mt 10,8).
3. Alerta para a necessária gratuidade do ministério e o
perigo de receber recompensas pecuniárias pelas graças re­
cebidas: “de graça recebestes, de graça dai” (v. 8b).
4. Ensina o despojamento e o abandono em Deus:
“Não leveis nem ouro, nem prata...”
Outras instruções parecem ter um caráter mais abrangen­
te e transcendem o escopo daquela missão específica. Dá para
entender que Jesus está falando da missão (aspecto missionário
da Igreja) de levar o evangelho a todas as criaturas, “até que as
ühas desejem seus ensinamentos” (cf. o profeta Isaías, 42).
1. “Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede
pois, prudentes como as serpentes, mas simples como as
pombas” (Mt 10,16).
2. “Cuidai-vos dos homens. Eles vos levarão a seus tribunais
e vos açoitarão com varas em suas sinagogas” (v. 17).
3. Ensina a respeito dos conflitos que deverão enfrentar
não só com os estranhos, mas também dentro das próprias
famílias; e mais: “Sereis odiados de todos por causa de meu
nome” (v. 22). Prepara-os atentamente:“Não julgueis que vim
trazer a paz... mas sim a espada, a divisão e a inimizade entre
pais e filhos, entre a nora e a sogra” (v. 34-36).
4. Demonstra com clareza o que se pode esperar no
trabalho da evangelização: “O discípulo não é mais que o
62
mestre... Se chamaram de Beelzebu ao pai de família, quan­
to mais farão às pessoas de sua casa” (v. 24-25).
5. Fala do amor exigente:“Quem ama seu pai ou sua mãe
mais que a mim, não é digno de mim...; aquele que perder sua
vida por minha causa, há de reencontrá-la” (v. 37-38).
6. Depois da dureza desses ensinamentos, conforta-os:
“não tenhais medo, até os fios de cabelo de vossas cabeças
estão contados...” (v. 30).
Considerando-se este como o padrão do ensinamen­
to de Jesus a seus discípulos (já que é a única narrativa
sistematizada),é de se considerar como um programa es­
tarrecedor. Poucos deviam ser capazes de ouvi-lo e querer
comprometer-se com um programa desses. Por outro lado,
não se pode dizer que havia üusão nas palavras do Mestre,
embora pareça natural que houvesse muitos discípulos que
continuavam üudidos com o futuro.
Olhando para a geografia da caminhada, já se podem
notar as mudanças que vão acontecendo. De início predo­
minava a presença nas sinagogas; daí vai para as casas, para as
margens do Mar da Galüéia, para os campos e até para terras
estranhas. Da mesma forma que muda a geografia, também
muda a ênfase no trabalho com o púbhco. Aos poucos, vão
reduzindo-se as pregações para o grande público e os mila­
gres, e vai ganhando força a formação dos discípulos. Estes
deixam de ser espectadores e começam a tomar parte ativa
no ministério. Eles se esforçam por aprender e entender os
Nos evangelhos de Marcos e Lucas, o conteúdo semelhante está espar­
so em outros capítulos.

63
ensinamentos (cf. Mc 7,17), mas sua dificuldade incomoda
o Mestre; “Sois também vós ignorantes?” (Mc 7,18), ou
então:“Como é que ainda não entendeis?” (Mc 8,21).
Diante dessas realidades, segundo Wenzel, é que Jesus re­
solve dar maior ênfase à formação dos apóstolos. Também
Larranaga destaca este aspecto: “Em todo caso, Jesus perce­
beu a necessidade urgente de dar-lhes uma preparação mais
esmerada e um treinamento mais intenso. Decidiu dedicar-
lhes mais tempo”.I s to está explícito quando, na multipli­
cação dos pães, dá-lhes uma “missão impossível” (dai-lhes vós
mesmos de comer) ou quando chama Pedro a caminhar sobre
as águas. Exigia deles ousadia e coragem que pareciam não
possuir. Colocava-os hente a desafios grandes para sua ainda
incipiente fé, como, por exemplo, expulsar demônios. Ele
sabia que eles precisavam da “Força do Alto” (cf. Lc 24,49),
mas já os preparava para agir depois que estivessem munidos
dessa capacidade extraordinária que ainda não possuíam. Era
um grande aprendizado para que soubessem agir quando o
Mestre não estivesse mais com eles.
Seus ensinamentos passam a incluir a “pedagogia da
cruz”. Surgem as previsões da paixão, a necessidade da re­
núncia, de ser o menor, o servo de todos. “Se alguém me
quiser seguir, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e me
siga” (Mt 16,24s.).As exortações sobre humildade e escân­
dalo (cf. Mt 18 e seguintes) e também as experiências mais
intensas sobre a oração, o perdão e a partilha, a transfigura­
ção, todos são momentos intensos com os seus.
Larranaga , Inácio. Op. cit., p. 215.

64
A caminhada, antes festiva, com grandes aclamações
e cenas que indicavam uma vitória completa do Messias,
toma novos rumos. É hora de caminhar para Jerusalém, lo­
cal decisivo, que causava grande apreensão aos discípulos.

4. O caminho de Jerusalém: a pedagogia da cruz


A decisão de tomar o caminho de Jerusalém marca a
etapa decisiva da caminhada de Jesus e também o desafio
fmal para os discípulos. Eles já haviam estado antes em Je­
rusalém, como peregrinos, por ocasião de festas tradicio­
nais do povo judeu. Eram viagens com data de ida e de
volta. Desta feita, a viagem tem outro caráter.
As circunstâncias^^ que envolvem este momento são
significativas. Desde algum tempo, o Mestre havia per­
cebido que o povo mais simples buscava mais as curas de
seus enfermos do que o anúncio da boa-nova e um novo
caminho; de outro lado se fechava o cerco dos escribas e
fariseus e dos demais inimigos. Alguns achavam que era
hora de Jesus manifestar seu poder e triunfar como Mes­
sias Real, que traria a libertação do país. Em meio a esse
clima é que Jesus inicia a caminhada final com seus dis­
cípulos. Agora interessa prepará-los intensivamente para
os dias finais. Não existe mais tempo. A formação deve
dar-se a caminho de Jerusalém e nos próprios aconte­
cimentos.
^Ver a esse respeito Larranaga , Inácio. Op. cit., cap.VII, p. 211.

65
Em termos mais didáticos e sem preocupação com o sen­
tido cronológico, vamos apresentando alguns fatos e buscando
ver neles o ensinamento dos discípulos. Para maior facilidade
de apresentação, vamos enumerá-los seqüenciabnente.
1. Há um momento marcante na vida de Jesus e de seus
seguidores que alguns autores^^ assinalam como um divisor
de águas, pois, a partir dele, muitos deixaram de segui-lo.Tra-
ta-se da multiplicação dos pães, que é narrada pelos quatro
evangelistas.João, quando narra a multiplicação dos pães, traz
o discurso de Jesus sobre o pão da vida, que diz: “Em verdade,
em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do
Homem e não beberdes seu sangue, não tereis a vida em vós
mesmos. Quem come minha carne e bebe meu sangue, tem
a vida eterna” (Jo 6,53-54). Mais à frente o evangehsta retrata
a reação de muitos discípulos: “Isto é muito duro! Quem o
pode admitir?” E desde então muitos deles se retiraram e já
não andavam mais com eles. No versículo 67, há uma per­
gunta decisiva de Jesus aos doze: “Quereis vós também vos
retirar?”Ao que Pedro dá aquela resposta magistral:“A quem
iremos nós? Só tu tens palavras de vida eterna!”
Este momento marca, como já dissemos, uma inflexão no
ministério de Jesus. Mas importa registrar que,justamente quan­
do muitos abandonaram o Mestre, há uma manifestação impor­
tante de fé por parte dos apóstolos, Hderados por Pedro. Mais do
que uma manifestação eíq)lícita de fe, há um compromisso fiel
de seguimento por um amor verdadeiro que Jesus despertara
' Mais claramente W enzel .Ver tam bém L arranaga (obras já citadas).

66
em seus corações. Por certo, eles também não conseguiram en­
tender o significado do discurso do pão vivo.Também para eles
foi um discurso muito duro. Mas seu testemunho de confiança
estava acima da própria compreensão, e Pedro conclui: “E nós
cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus!” (}o 6,69).
2. Essa confissão de Pedro nos remete a outro momen­
to em que Jesus encaminha o diálogo para uma revelação
de sua identidade, conforme vemos em Mt 16,13-23; Mc
8,27-30 e Lc 9,18-22. Até então Jesus havia se resguardado
ao máximo de revelar-se aos homens e sempre procurava
manter sigilo sobre o assunto. Nesse dia, no entanto, ele mes­
mo puxa o assunto:“Quem dizem os homens que eu sou?”
E, logo após as respostas hesitantes, vai direto ao assunto: “E
vós, quem dizeis que eu sou?” Ao que Pedro responde: “Tu
és o Cristo” (cf. Marcos), ou acrescenta mais “(...) o Fhho de
Deus” (cf. Mateus). Ao confirmar que foi o “Pai que está nos
céus...” quem revelou essas coisas a Simão Pedro, ele mesmo
está confirmando sua identidade messiânica. Só que pede
que a ninguém fosse revelado que ele era o Cristo.
A revelação é completa. Sim, ele é o Messias. Mas qual
Messias? Aquele que está na mentalidade da maior parte da
população? O Messias Real, Hbertador político e que irá
implantar definitivamente o Reino?
Mesmo no mais íntimo dos apóstolos havia essa expecta­
tiva, até mesmo depois de sua morte e ressurreição, conforme
vemos em Atos dos Apóstolos: “Senhor, é porventura agora
que ides restaurar o reino de Israel?” (At 1,6). Como lhes falar
de um reino diferente? Nas palavras de Inácio Larranaga:
67
Jesus teria de provocar uma verdadeira catarse, des­
pojar a figura do Messias das vistosas roupagens que
tinha na mente dos discípulos, cobrindo-as de farrapos
para que, chegado o momento da prova, a realidade não
fosse tão decepcionante. (...) Como explicar-lhes (...)
que seria despedaçado e assim salvaria o mundo?
É exatamente por isso que começa a lhes falar da pai­
xão, da cruz e da ressurreição.
3. Por três vezes Jesus anuncia a paixão e morte para
os discípulos. Na caminhada para Jerusalém, os discípulos
acompanham-no com visível apreensão e medo. Jesus co­
meça a prepará-los para a cruz. Mas como os prevenir de
que a cruz é necessária e representa uma vitória? O que
poderia acontecer em caso de morte do líder daquele gru­
po, e ainda mais, morte de cruz?
O evangelista Marcos relata o terceiro anúncio da pai­
xão com um nível de detalhes que não poderia ser surpresa
para nenhum deles:
Estavam a caminho de Jerusalém e Jesus ia adiante
deles. Estavam perturbados e o seguiam com medo. (...)
“Eis que subimos a Jerusalém e o Filho do homem será
entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas. Eles
o condenarão à morte e o entregarão aos gentios. Escar­
necerão dele, cuspirão nele, o açoitarão e hão de matá-lo;
mas ao terceiro dia, ele ressurgirá” (Mc 10,32-34).
A narrativa dos três evangeHstas sobre o resultado desses
anúncios é bem semelhante: Mateus fala que os discípulos
68
ficaram muito assustados; segundo Marcos, eles estavam per­
turbados e o seguiam com medo; Lucas diz que eles nada
entendiam e que aquelas palavras eram um enigma que não
podiam compreender. E ninguém se atrevia a lhe perguntar.
4. Chega-se assim ao ponto crucial do entendimento
da cruz e de sua necessidade. Ela está nos planos de Deus.
As narrativas do profeta Isaías são bem detalhadas, espe­
cialmente no capítulo 50 (4-9) e no 53 (1-12). Nos co­
mentários de pé de página da Edição Ave Maria se diz que
“Cristo viu nesta profecia seu programa”, tanto é verdade
que eles são citados em Lc 22,37 e Mc 15,28.
Dá para se perguntar o porquê do sofrimento e da cruz
e dá também para questionar sobre a aceitação e seu enten­
dimento pelos apóstolos.Wenzel fala da conseqüência dessa
aceitação para o discipulado. Segundo ele, a determinado
tipo de profissão de fé em Cristo segue determinado tipo
de discipulado. “A um Cristo glorioso sem cruz segue um
discipulado sem entrega de si mesmo, sem autocrítica e
sem se diferenciar do velho esquema excludente, discrimi-
nador e dominador”.P o r outro lado, um discipulado que
compreenda e saiba abraçar a cruz assume uma caracterís­
tica completamente nova.
Com certeza, Jesus não proporia a seus discípulos nada
que ele mesmo não tivesse experimentado e vivido plena­
mente. Se o Pai apresenta-lhe o cálice da dor, que deve ser
bebido de pouco em pouco (como um remédio amargo) e

''^WENZELjJoão Inácio. Op. dí.,p. 115.

69
Ele, que é Filho, precisa beber dele, os discípulos também
precisam, “pois o discípulo não é mais do que o mestre”.
5. O evangebsta São João abre a parte final de seu evan­
gelho com as seguintes palavras: “Antes da festa da Páscoa,
sabendo Jesus que chegara sua hora de passar deste mundo
para o Pai, como amasse os seus, que estavam no mundo, até
0 extremo os amou’ (}o 13,1). E assim que ele abre a narrativa
f

da paixão. Estamos acostumados a ouvir esse termo da pai­


xão como sinônimo de dor e de sofrimento de Jesus, mas,
na verdade, esse termo se refere mais a um sentimento de
amor profundo, quase incontrolável e que permeia todos
os sentidos humanos. Ele leva uma pessoa a tomar atitudes
que muitas vezes parecem irracionais. E que o amor está
acima do racional. O amor se dá gratuitamente; o amor
ama e não se cansa de amar (repetimos São João da Cruz).
Os acontecimentos que se iniciam com o lava-pés e a
Santa Ceia e culminam com o calvário são todos repletos
de um amor intenso de Deus pelos homens, amor que dá a
vida para salvar. Imaginemos uma cena de uma criança que
está para ser atropelada em uma rua. Sua mãe, que está pró­
xima, atira-se na frente do carro e salva a criança, perdendo
a própria vida. Poderiamos ser levados a pensar: “De que
adiantou? Salvou o füho, mas perdeu sua vida!” O amor
não segue essa lógica de um por um. O amor sempre quer
salvar, porque ele só sabe amar. É assim que Deus nos ama.
E a cruz é a expressão máxima de amor que se comprova
com a entrega de si mesmo pelo bem do outro, ou dos ou­
tros, como é nosso caso. “Até o extremo os amou."
70
Em um encontro, uma vez, foi ensinada uma canção
que fala bem desse assunto. Reproduzo de memória o re­
frão, sujeito a errar em alguma palavra, mas, mantendo o
espírito da letra:
Se eu a cruz amar,
o que vou encontrar?
Oh! Não, não encontrarei a dor,
mas somente o Deus Amor!
Este é o grande ensinamento de Jesus a seus discípulos e ao
mundo. Amar até o extremo, sem limites, sem impor condições,
sem esperar retorno. E faz disso um mandamento: “Amai-vos
uns aos outros, como eu vos amo” (}o 15,12).E ele mesmo diz, na
seqüência: “Ninguém tem maior amor do aquele que dá a vida
por seus amigos”. E mais: “Não fostes vós que me escolhestes,
mas eu que vos escoUii” (temos de citar quase todo o evange­
lho para falar do amor com que fomos e somos amados!).
6. Existem outros ensinamentos de Jesus a seus discípu­
los; são tão numerosos que se fôssemos analisá-los, muito
teríamos de escrever sobre eles, pois o assunto é inesgotável.
Como diz São João: “penso que nem o mundo inteiro po-
deria conter os Hvros que se poderiam escrever” Qo 21,25).
Chamaríamos a atenção brevemente para a transfiguração,
o lava-pés, a santa ceia, o perdão, o abandono. Que o Espí­
rito Santo conduza o amigo leitor para um aprofundamen­
to pessoal na oração e na reflexão dos caminhos de Jesus.

71
IV. A CRUZ COMO UM MÉTODO

N< este capítulo queremos tratar da cruz de Jesus sob


um novo ângulo, como se pode ver pelo título. Nosso ob­
jetivo aqui é vê-la como um método que o Pai utilizou
para seu Filho e o qual é proposto aos discípulos e segui­
dores de Jesus.
Falar que a cruz é um método deve levar muitos a
pensar que isto é uma loucura. Exatamente isso é o que
São Paulo nos ensina em sua primeira carta aos Coríntios
(capítulo l,17s.).Diz ele: “A Linguagem da cruz é loucura
para os que se perdem, mas para nós é força divina” (v. 18).
Mais à frente completa: “mas nós pregamos a Cristo cru­
cificado, escândalo para os judeus, loucura para os pagãos;
mas para os eleitos (...) força de Deus e sabedoria de Deus”
(v. 23-24).
Vamos refletir sobre isso e descobrir o fundamento
dessa questão.
A carta aos Hebreus tem um versículo muito interes­
sante, quando fala de Jesus e da salvação, no capítulo 5,8:
“Embora fosse Füho de Deus, aprendeu a obediência por
meio dos sofrimentos que teve”. Em um curso sobre bíblia
73
junto com o clero da Arquidiocese de Maringá, um reno-
mado biblista^ que ministrava o curso, discorrendo sobre
esse versículo, disse, depois de analisar as diversas traduções
existentes, que a verdadeira tradução deve ser: “tendo sido
tomado perfeito pelos sofrimentos que teve”. Um olhar desa­
tento pode levar-nos a pensar ser apenas uma questão de
semântica e não de conteúdo. No entanto, a diferença é de
substância.Vejamos mais.
A culpa original de Adão e Eva admite diversas inter­
pretações sobre o foco da questão. O mais comum é refe­
rir-se à desobediência, que de fato aconteceu. Mas, por que
eles desobedeceram? Porque foram convencidos pelo ten­
tador de que se comessem do fruto da árvore proibida, seus
olhos se abririam e eles seriam como deuses (Gn 3,5). Então,
a mulher, “vendo que o fruto era de agradável aspecto e
muito apropriado para abrir a inteligência, comeu e apresentou
para o homem, que também comeu”. Em resumo, come­
ram porque, levados pelo tentador, não se contentaram em
ser somente a mais bela criatura de Deus e quiseram ser
iguais a Ele. O que falou mais alto foi a ambição, o orgulho,
a vaidade etc.
O Padre AchyHe Alexio Rubin^ é bem enfático em co­
locar a ambição como a causa de todos os males do homem.
“Esta sim (a amhição) é a verdadeira loucura, que se alojou
nos corações (...) a ambição de bastar-se a si mesmo, dis-

' Pe. José Fernando Carneiro Cardoso, que depois viria a se tornar o apre­
sentador do Programa: “O Pão nosso de cada dia”, na Rede Vida de Televisão.
^ R ubin,Achylle A. A Novidade da Novidade: Novo Milênio, Nova Evangeli-
zação. Ed. Pallotti, Porto Alegre, 2001 .Ver o capítulo 11, p. 90.

74
pensando o Criador e recusando seu amor” (p. 92). Como
profissional da área de economia, olhando a natureza do
capitalismo, que trabalha fundamentalmente com a ambi­
ção humana como fonte de toda a acumulação de capital,
somos obrigado a concordar com o Pe.AchyUe.
Voltando a Adão e Eva, eles foram levados pela ambição
de querer ser grandes. Não sendo nada, quiseram fazer-se
como deuses. Este foi o veneno da serpente que foi instilado
no coração do homem e da mulher. Para combater o veneno
da serpente, é preciso um antídoto adequado. Se o veneno é
a ambição, o antídoto é o esvaziamento de si mesmo, o ani­
quilamento completo. Só um aniquilamento que alcançasse
a perfeição seria capaz de matar por completo o veneno que
se tornara hereditário desde o primeiro pecado.
O mesmo São Paulo vem a nosso auxílio em um tre­
cho magistral de sua carta aos FiÜpenses, quando nos ex:-
plicita o aniquilamento completo (e perfeito) de Jesus. E
/

outra maneira de dizer exatamente: “tendo sido tornado


perfeito pelos sofrimentos que teve”:
Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu
de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mes­
mo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-
se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido
como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se
obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso. Deus
o exaltou soberanamente... (F1 2,6s.).
Em resumo, Adão quis fazer-se grande, como um deus.Je­
sus, sendo Deus, se faz homem e se esvazia até o pior de to-
75
dos os sofrimentos e humilhações. Alcança a perfeição do nada.
Entrega-se como um cordeiro. Ele era cheio de direitos e não
reclamou nenhum deles. Desprezado e humilhado, perdoou.
Não restou nada que o tentador pudesse reclamar como seu no
Homem que aceitou sofrer por todos. Morreu nele o veneno
da serpente. E seu sangue Hvre do mal se tornou antídoto per­
feito para todos os homens. É por esse sangue incorruptível que
nós todos somos livres do pecado, que somos salvos. Amém!

1. O método do mundo e o método cristão


Estabelecidas as Hnhas iniciais do método de Adão e do
método de Cristo e de sua importância para quem quer
seguir as pegadas de Jesus, penso ser conveniente explanar
um pouco mais esses dois métodos, especialmente em rela­
ção ao método do mundo, no qual estamos profundamente
envolvidos desde nosso nascimento. É uma cultura que nos
envolve de tal forma que se não nos detivermos para re­
fletir, acabamos trabalhando com o método errado, mesmo
querendo fazer a vontade do Pai.
Voltemos então para a questão do método do mundo e
do método de Jesus ou da cruz.
O método do mundo
O método do mundo continua sendo o mesmo que foi
sugerido a Adão e Eva pelo tentador: sempre buscar ser o
maior, o mais forte, o mais rico, o mais esperto, o mais po-
76
deroso e assim por diante. Se olharmos para os padrões do
mundo de hoje, só muda um pouco a hnguagem em que
o tema é apresentado. Hoje se fala de competitividade, glo-
bahzação, empregabüidade etc. Na verdade, continuamos
querendo acumular bens, riquezas, títulos e poder, queren-
do ser maiores uns que os outros. E estimulado em nós,

desde crianças, o instinto competidor de superar os outros.


Devemos ser o primeiro na escola, queremos ter melhores
brinquedos que os outros, temos de estar sempre entre os
escolhidos... Isto se tornou para nós uma cultura. Agimos
por esse método do mundo sem perceber, quase instintiva-
mente. Em resumo, o método do mundo é egocêntrico.
Um exemplo clássico pode dar-se quando vamos vender
um carro usado: alguém aponta os defeitos que tem o veí­
culo ou procuramos ocultar seus defeitos e ressaltar as boas
qualidades? Não é usual quem vai vendê-lo dar um poh-
mento especial, corrigir superficialmente os defeitos e assim
por diante? Isto para tirar vantagem no negócio. E o méto­
do do mundo, e nós acabamos envolvidos e achamos que é
normal. Não vou nem falar de outras formas de acumulação
de bens, poder e riqueza que usam métodos fraudulentos.
Estou falando de coisas que acontecem com os cristãos sem
perceberem que estão agindo pelo método do mundo.
O método cristão
Depois das apresentações já feitas da maneira de Jesus
evangehzar e de como Ele ensinou seus discípulos, é quase
desnecessário uma apresentação do método cristão. Só para
77
contrastar bem com o método do mundo, devemos dizer
que este é Cristocêntrico. Talvez devéssemos inventar uma
palavra: Outrocêntrico, ou seja, o outro é que é o centro. O
outro é exatamente nosso próximo. Como diz São Paulo:
“Cada qual tenha em vista não seus interesses e sim os dos
outros. Dedicai-vos mutuamente a estima que se deve em
Cristo Jesus” (F1 2,4-5). Tomando as palavras do próprio
mestre:“Quem quer ser o maior, que seja o menor, o servo
de todos” (cf. Mt 23,11).
Só para concluir: não é possível viver o Reino de Deus
com o método e os critérios do mundo e, da mesma forma,
aqueles que são do mundo não conseguem viver com o
método de Cristo.^ Para o mundo isto é loucura. É muito
provável aqueles que queiram verdadeiramente viver como
cristãos serem quahficados com alguns adjetivos bem pejo­
rativos. Por outro lado, não se chega ao céu sem o método
da cruz. Se ele foi decisivo para Jesus, com toda a certeza
o será para aqueles que o querem seguir. Não é por outro
motivo que Ele diz: “Se alguém quiser vir comigo, renun­
cie-se a si mesmo, tome sua cruz e me siga” e logo com­
pleta: “Que servirá a um homem ganhar o mundo inteiro
(método do mundo), se vem a prejudicar sua vida? Ou que
dará um homem em troca de sua vida?” (Mt 16,24-26).
Poderiamos acrescentar inúmeras citações do evangelho
que comprovam essa questão do método cristão. Ficaremos
com mais uma apenas que o evangehsta Lucas coloca den-
^ “Mas o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, pois
para ele são loucuras. Nem as pode compreender, porque é pelo Espírito que
se devem ponderar” (ICor 2,14).

78
tro do Sermão da Montanha e que é considerada a Regra
de Ouro:“0 que quereis que os homens vos façam, fazei-o
também a eles” (Lc 6,31).
Há inúmeras apHcações práticas desse tema. Algumas
haveremos de explorar em seguida. Mais importantes, no
entanto, são aquelas que o Espírito Santo vai inspirar ao
caro amigo leitor. É preciso colocar-se em atitude de escuta
para ouvir a suave orientação de Deus para nossas vidas.

2. As dificuldades de se viver
com o método cristão
Quando olhamos as estatísticas brasileiras e vemos que
aproximadamente 90% da população se declaram cristãos, po­
demos até ficar impressionados, e isto nos enche de alegria,
pois, afmal, quase toda a população do país se diz seguidora de
Jesus Cristo. Agora que estamos refletindo mais detidamente
no método cristão, penso que seja hora de nos perguntarmos:
quantos vivem segundo o método de Jesus? Ou melhor: será
que nós (eu e você, caro leitor) conseguimos viver segundo
seu método? E quando Ele diz então: “Por que me chamais
Senhor, Senhor, e não fazeis o que digo?” (Lc 6,46).
É claro que existe uma grande dificuldade para se vi­
ver do jeito de Jesus. Não é à toa que Ele fala de “porta
estreita”, de “poucos os escolhidos” etc. Vamos procurar
entender, então, em que consistem essas dificuldades para
compreender também nossa caminhada neste mundo, para
chegarmos a viver com Jesus.
79
A prin|tira delas talvez seja a“ooltura do mundo”. Como
já mencionamos antes, especialmente nós, leigos, vivemos
mergulhados no mundo. Desde nossa infância, e sem o per­
ceber claramente, nossos pais e educadores vão incutindo
em nós a mentalidade ou o jeito de ser deste mundo. São
valores que vão sendo consolidados em nossa mentalidade e
raciocínio como sendo a coisa certa, o jeito certo de viver. É
muito difícil fazer a autocrítica desse padrão de comporta­
mento, porque ele é o dominante. Todo o mundo faz assim,
age assim, e isso é aceito pela sociedade como sendo o certo.
Em poucas palavras, é para onde vai a correnteza!
Alguns exemplos talvez nos ajudem, para a questão não
ficar muito teórica. Já mencionamos o exemplo de “ma­
quiar” um carro para vendê-lo. Podemos citar as “peque­
nas” mentiras que contamos para nos defender em uma si­
tuação difícil e ainda dizemos: “foi por uma boa causa”. Ou
então coisas que fazemos escondidos de nossos familiares
(esposo(a), pais, filhos), dinheiro ganho de forma desonesta,
“pequenas fofocas” ou difamações e assim por diante. A esse
respeito, numa ocasião, um amigo partilhou uma forma de
agir que me pareceu exemplar. Disse-me ele que, quando as
pessoas vêm “partÜhar” com ele alguma coisa da vida de ou­
tra pessoa, ele se posiciona da seguinte forma: “Isto que você
vai me falar edifica de alguma forma o Reino de Deus? Se
não edificar, não me conte, porque eu não me interesso em
saber!” Quanta fofoca e quanta destruição não morreríam
subitamente se nós, cristãos, adotássemos esse critério!
Outra dificuldade para se viver o método cristão são as
justificativas que temos para nossos atos e atitudes. Quase sem-
80
pre encontramos uma justificativa para nossos atos que não
estejam de acordo com os princípios de Jesus. O principal, e
talvez o mais terrível de todos, é clássico: “Eu tenho direito
de ser feHz!” Em nome desse conceito se cometem as maio­
res atrocidades e se rasga constantemente o evangelho. Esse
argumento é esgrimido pelo homem que se separa de sua
esposa (e vice-versa) e abandona os filhos; é argumento para
toda a espécie de infidelidade conjugal ou infidelidade com
o próprio Deus; é justificativa para quem quer ter “liberdade”
em sua sexualidade, para beber, para vícios e desregramentos
morais... Em suma, é defesapara apessoa não morrerpara si epara
não viverpara o outro. É o princípio de todo o egocentrismo.
Não estamos dizendo que não devamos ser felizes e que
não devamos buscar nossa feficidade. Ao contrário. Deus,
em seu infinito amor, sempre desejou nossa feficidade. E
para sermos felizes que Ele nos criou. Mas a maneira de
sermos verdadeiramente felizes consiste em cumprirmos
nossa principal missão de fazer os outros felizes.
Certo dia, em uma cerimônia de casamento, o celebran­
te se volta para o noivo, que está todo engalanado diante
dele, e pergunta: “Você, meu rapaz, está se casando para ser
feliz?” “Sim!”, foi a resposta convicta do noivo. Imediata­
mente, o celebrante pergunta para a noiva: “E você, minha
querida, é para ser feliz que você está se casando?” A res­
posta dela não deixou nenhuma dúvida: “É claro que sim,
padre”. Então ele afirmou com vigor:“Então eu não posso
celebrar este casamento!”
Oh! Surpresa geral! Aqueles que estavam muito ocupa­
dos em ver quem estava presente no casamento e “como”
81
estava pararam um pouco sua “importante” atividade e se
ocuparam do enorme comentário que se levantou após a
afirmação do sacerdote. “Ele está louco!” Era o mínimo
que se ouvia. Claro que eles estão aqui para ser felizes!
Após o burburinho se fez um silêncio e o padre acres­
centou: “Quem se casa para ser febz ainda não compre­
endeu o que significa o sacramento e a doação que estão
presentes nele. Só se é feHz no matrimônio quando o côn­
juge se dedica ao máximo para. fazer feliz, e não para ser
febz”. De fato, em poucas palavras, o padre estava falando
do princípio fundamental de todo o cristianismo e de seu
método. Quem ama, só se sente verdadeiramente febz se a
pessoa amada está e é febz!
Para o mundo o que importa é ser febz, não vêm ao
caso os meios que se usem para isso. Nas novelas da televi­
são é muito comum acontecer isso e, pior de tudo, somos
levados a torcer para que, no fim, o galã largue sua esposa
para ficar com a “mocinha”.A esposa é sempre apresentada
como uma mulher má, que tem atitudes desagradáveis, e a
mocinha é sempre altruísta, maravilhosa e assim por diante.
Dito de outra forma, continua a mesma estratégia de mos­
trar que “o fruto é bom para comer, de agradável aspecto
e muito apropriado para...” (Gn 3,6).Vamos completar a
frase: muito apropriado para... levar para o inferno!
A apbcação que fazemos do método do mundo nas coisas
da Igreja é relativamente comum e tem impbcações bastante
sérias em termos de resultados. “É claro que não podemos tra­
balhar nas coisas de Deus com os métodos do mundo” —todos
dirão. Mas, como somos levados por nossa cultura, é bastante
82
comum utilizarmos o método errado, quando estamos que­
rendo ou pensando em fazer o bem.Vejamos:
Quem está participando de grupo de oração, de um
movimento ou pastoral, é normalmente levado a querer
fazer o melhor possível. Só que para a cultura do mundo,
insisto, que está impregnando nossa mentalidade, fazer o
melhor rapidamente se confunde com estar à frente, as­
sumir responsabihdades de coordenar, dirigir etc. Disfar-
çadamente (às vezes, inconscientemente), podemos estar
querendo ser notados, mandar, sem nos dar conta disso.
A justificativa que vem a nossa mente é a de que estamos
preparados para isso, ou, então, que podemos produzir mais
frutos para o Reino, desempenhando esta ou aquela tarefa
(normalmente mais vistosa). Pode acontecer estarmos no
campo da tentação do poder e, nesse campo, o inimigo
sabe agir como mestre, explorando nossas fraquezas, neces­
sidades emocionais ou traumas.
Um jovem testemunhou em certa ocasião ter desco­
berto que sua mãe estivera grávida dele havia já alguns me­
ses sem se ter dado conta da gravidez. Em conseqüência de
não ser “notado” por sua mãe ainda no ventre, ele tinha a
necessidade de assumir posições de destaque em qualquer
atividade (no mundo e na Igreja), como forma de “com­
pensar” aquela sua deficiência. Depois de curado em uma
oração de cura interior, tornou-se normal para ele estar à
frente ou escondido nas atividades.
O oposto disso é o caso de pessoas que foram opri­
midas ou humilhadas e que, por medo, “gostem” de ficar
mais escondidas e não assumem responsabilidades quc exi-.
83
jam maior exposição diante do público. Em resumo, es­
tar à frente não pode ter como objetivo a satisfação de
necessidades pessoais ou compensações; mas também estar
escondido não pode ser uma fuga (omissão) de assumir a
vontade e o plano de Deus em nossa vida. Por isso, somos
levados a afirmar que nosso lugar e ministério no Reino de
Deus não podem ser ocupados e exercidos em função de
nossos traumas e de suas conseqüências, e nem tampouco
em razão de necessidades ditadas pelos métodos do mundo.
Só o método cristão deve orientar nosso agir.
Além das muitas outras, surge uma dificuldade adicional:
o caminho de Jesus fala de assumir a cruz, de morrer para si,
de considerar o outro como maior, enquanto nossa natureza
e nossa cultura lutam contra a morte, o sofrimento, o aniqui­
lamento, o esvaziar-se, o humilhar-se e assim por diante.
Primeiro é preciso estabelecer uma clara diferença en­
tre o humilhar-se (esvaziar-se) e o ser humilhado pelos ou­
tros ou por determinadas circunstâncias. Nada que venha
de fora para ferir e magoar faz parte da vontade de Deus."^
Estamos falando de bem-aventurança, daquilo que não é
imposto contra a vontade, mas daquilo que se faz como
resposta de amor, dentro do Hvre-arbítrio de cada filho de
Deus. Humilhar-se a si mesmo é forma concreta de com­
bater o “veneno” do orgulho e da vaidade e produz abun­
dantes frutos para o Reino de Deus, enquanto a humilha-
Assim como um pai ou mãe terrenos não admitem ofensas a seus filhos,
Deus também não quer isso a seus. Como nos diz Jesus: “Se vós, que sois
maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, quanto mais o Pai celeste dará boa
coisa aos que üie pedirem” (cf. Mt 7,11).

84
ção, imposta por quem quer que seja, é ferida e dor para o
corpo de Cristo (cf. ICor 12). Desta maneira, humilhar-se
e assumir o caminho de Deus em nossa vida constituem
sinal de santidade, de verdadeiro crescimento espiritual.
O que é então o crescimento espiritual? Eis uma ótima
questão para ser vista a partir do ângulo do método cristão.
Normalmente avahamos que está havendo um crescimen­
to espiritual quando a pessoa está avançando em trabalhos
e ministérios, havendo maior e mais efetiva participação.
Quando notamos que alguém está sendo bem freqüente
nas atividades da Igreja, no grupo de oração ou pastoral,
logo queremos atribuir-lhe mais encargos ou atividades,
porque ela está crescendo. Será?
Repensando os itens anteriores, pode acontecer que
a pessoa esteja avançando firmemente no engajamento na
Igreja e em suas atividades, sem que isso represente, neces­
sariamente, um crescimento espiritual. Se este maior en­
volvimento se der por motivos ou por métodos do mundo,
não pode ser considerado como crescimento. Este só se
dará quando for dentro do método cristão. Vamos avançar
mais nesse aspecto.
“Ai de vós, quando vos louvarem os homens, porque
assim faziam os pais deles aos falsos profetas!” (Lc 6,26).
Muitas vezes executamos atividades para termos o reco­
nhecimento das pessoas e para recebermos elogios. Isso
pode acontecer de forma consciente ou inconsciente. Pode
ter origem em nosso inconsciente, e aí não há uma clareza
de causa e efeito. Ou seja, às vezes agimos por motivos des­
conhecidos e, se questionados, podemos dizer que jamais
85
buscamos nossos próprios interesses, e sempre queremos
servir a Deus. Outro aspecto que pode acontecer é a pes­
soa estar doando-se ao máximo e, apesar disso, não o estar
fazendo para servir a Deus, mas como uma fuga interior ou
de problemas de família. Ressaltamos que, na maior parte
das vezes, isso se dá de forma inconsciente.
Repetimos então que, para haver verdadeiro cresci­
mento espiritual, não basta olhar o exterior, mas sim a mo­
tivação com que se faz a obra. Como disse Deus a Samuel:
“O que o homem vê não é o que importa: o homem vê a
face, mas o Senhor olha o coração” (ISm 16,7b).
Dessa forma, dentro do método cristão, para uns estar
à frente de uma atividade (aparecer) é “morrer para si” e,
para outros, estar escondido é causa de santificação. O que
importa, em essência, é “fazer a vontade daquele que me
enviou^ ou, como Maria: “Eis aqui a serva do Senhor!”^
A estratégia do tentador é outra dificuldade para se
viver o método cristão. Entrevendo uma lógica na ação
do inimigo, para ele serve qualquer atividade, em qualquer
lugar, desde que ela seja desenvolvida segundo o método
do mundo, porque ele sabe que isso não produz fruto. Se
as pessoas vão participar da Igreja, então que o façam com
o método do mundo, pois assim elas se gastam e esgotam e,
como o método egocêntrico não gera crescimento espiri­
tual, logo vêm o desânimo e a desistência.
Olhando pelo lado cristão, importa muito que nossas
ações sejam orientadas pelo método Cristocêntrico, pois só
5jo 4,34.
^Lc 1,38.

86
assim a ação será uma verdadeira caridade. O outro método
(egocêntrico) não é obra de caridade, e assim o que quer
que façamos “de nada adianta”. Este é o sentido do “Hino
à Caridade” que São Paulo inclui na primeira carta aos
Coríntios (capítulo 13).“Ainda que eu distribuísse todos os
meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse
meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de
nada valeria!” (v. 3).
Agora faz mais sentido ainda esse hino estar colocado
junto aos dons espirituais e junto ã comparação da Igreja
como corpo e dos cristãos como membros de Cristo. É só
se o princípio fundamental for o bem do outro que nos­
sa obra (qualquer que ela seja) terá valor. Ela tem de ser
“dom” (doação), tem de ser inteiramente gratuita, como o
é nossa salvação, sem impor condições ou esperar retorno
de qualquer sorte ou natureza. Só por amor!

3. O exemplo da “bica”
As vezes uma comparação bem simples nos ajuda a com­
V

preender melhor as realidades do evangelho. Quero compar­


tilhar uma dessas com os leitores que chegaram até aqui.
Para quem morou no interior do Brasil há alguns anos,
a figura da “bica” deve ser bem conhecida. Se esse termo for
um tanto regional, expHco melhor. Bica é um condutor de
água que se coloca junto a uma nascente de boa qualidade
para levar água da fonte até um lugar de fácil acesso para ser
consumida. Antigamente essas bicas eram feitas gerahnente
87
de tronco de coqueiro, em que se fazia um canal em forma
de “v” que servia de condutor. Outras vezes se fazia uma
calha de madeira e, hoje, utihzam-se esses tubos de plástico
PVC. Gosto de exemplificar com o coqueiro, porque com
o tempo e o uso ele ficava bem escuro, até parecendo sujo,
mas a água que ele conduzia sempre chegava bem limpinha
para ser utilizada. Essa é a bica que hoje ainda é utiHzada
em beiras de estrada e jorra água permanentemente.
A “bica” é um excelente exemplo de trabalho gratuito
ou de amor-doação. Não é ela que gera a água: ela somen­
te conduz o precioso líquido e o distribui generosamente
para quem dele necessitar. Não importa à bica quem vá
servir-se; se é bom ou não, justo ou injusto, santo ou peca­
dor, qual sua raça, condição social, nível intelectual etc., não
faz nenhuma diferença. Mesmo se ninguém vier beber, ela
continua a jorrar. Só importa que ela esteja Hgada à fonte
pura e não se deixe contaminar. Seu serviço é apenas captar
a água na fonte e distribuí-la. Para quem? Para quem qui­
ser, e gratuitamente. Essa é uma boa figura para nos fazer
lembrar do método Cristocêntrico.
Trazendo esse exemplo para nossa vida e caminhada
espiritual, é preciso ressalvar que essa bica só tem algum
valor se estiver sempre ligada à fonte. Nós também só pode­
mos produzir frutos se estivermos Hgados a Deus, receben­
do dele e distribuindo os mananciais generosos e gratuitos
que o Pai quer oferecer todos os dias a seus filhos. E nós
somos escolhidos para sermos canais. São diversas as ten­
tações para nos afastar da fonte. Não creio que seja preciso
enumerá-las aqui, mesmo porque isso daria alguns livros;
88
mas o tentador trabalha sem descanso para fazer exatamen­
te isso: afastar-nos da fonte e desencorajar-nos dessa missão
extraordinária.
Outra ressalva necessária é que não podemos deixar a
água se sujar. A água da fonte é sempre pura e cristalina, mas
ela pode ser contaminada ao longo do caminho. Quanto
menos do material da bica ela contiver, tanto melhor. En­
tão, quanto mais nós formos apenas instrumentos nas mãos
de Deus, sem interferências da carne, tanto melhor. Aqui
vale também a preocupação do parágrafo anterior. O risco
de influências externas é bem elevado, tanto por parte da­
queles que se julgam capazes de “melhorar” a água da fonte
como daqueles que não estão vigilantes e permitem a ação
de inimigos, como Jesus destaca na paráhola do trigo e do
joio.
Este exemplo de serviço da bica, embora bem simples,
serve para üustrar o método Cristocêntrico. Jesus quer dar-
se ao mundo e nós somos seus cooperadores. As pessoas
precisam é de Jesus e de sua graça, e não exatamente de
nós. Ele é o centro, o começo e o fim.

89
V. JESUS E O MÉTODO DOS 100%

AjtIgumas coisas são realmente simples e estão ao al­


cance dos olhos o tempo todo, e merece reflexão a grande
dificuldade que temos em enxergá-las, como acabamos de
ver com o caso da bica. O evangelho também é muito
curioso em relação a isso. Quantas riquezas estão contidas
na Palavra de Deus que nós somos capazes de ler e reler e
não perceber. De repente, a Palavra se revela.
Certo dia fui convidado a pregar um encontro para
bderes da RCC em uma diocese. Naquele retiro foram
celebradas missas no sábado e no domingo, por dois sacer­
dotes diferentes. Em uma das homilias o sacerdote falou da
parábola dos talentos (Mt 25,14s.), que todos os amigos lei­
tores conhecem e sobre a qual já devem ter ouvido alguns
sermões. Em resumo, cada um dos servos recebeu determi­
nado número de talentos, de acordo com sua capacidade.
Os servos bons produziram outro tanto de talentos.^ O que
^ Talento: unidade de moeda e de peso que equivale a 36 kg de ouro.
Logo, dá para ver que os que foram fiéis no pouco, na verdade, trabalharam
com uma razoável soma de riqueza e também produziram uma pequena for­
tuna. Claro que isso é uma linguagem figurada, mas, mesmo assim, o pouco
para Deus não é tão pouco assim.
91
havia recebido cinco, produziu outros cinco; o que rece­
bera dois, produziu outros dois; o terceiro servo enterrou o
único talento recebido.
O ponto para o qual o sacerdote chamou nossa aten­
ção é que não importa a quantidade de talentos que
nós recebamos; importa, sim, quanto nós produzimos.
Aquele que recebeu cinco produziu outros cinco, ou
seja, 100%; o que recebeu dois produziu outros dois, isto
é, 100%. Os dois foram considerados servos bons e fiéis.
O que produziu cinco não tem mais mérito do que o
que produziu dois, pois, proporcionalmente, ambos de­
ram o máximo de si e renderam 100%. O rendimento
deles é exatamente igual.
O que Deus espera de nós é um rendimento que não
se mede pela quantidade do que nós produzimos, mas por
nossa dedicação, esforço e carinho com que o fazemos. Dar
100% de nossa capacidade e de nossas qualidades no pouco
que fazemos —eis o segredo!
No dia seguinte, o segundo sacerdote veio falar-nos
de outra parábola de Jesus, também muito conhecida. O
Mestre falou do pastor que tinha 100 ovelhas (Mt 18,12-
13) e deixou as noventa e nove na montanha para ir bus­
car aquela que se desgarrara (...) e que sente mais júbilo
por ela do que pelas noventa e nove que não se desgarra­
ram. Novamente chegamos à questão dos 100%, mas por
outra visão.
Olhando essa parábola com olhos críticos e com certa
racionalidade econômica, não é uma atitude bem sensata
deixar 99 ovelhas na montanha (ou no deserto) e seguir
atrás de uma só. Arriscar 99% do rebanho por causa de 1%
92
não parece razoável em termos de uma visão de custo/be-
nefício, ou qualquer outra análise da ciência humana. Jesus,
no entanto, é bem enfático ao encerrar esse discurso: “As­
sim é a vontade de vosso Pai celeste, que não se perca um
só destes pequeninos” (Mt 18,14).
O Reino de Deus é 100% de dedicação, como vimos
na parábola dos talentos, e é 100% em termos de alcance.
Em outras palavras: o homem todo (em termos de dedi­
cação) e todos os homens (em termos de alcance). Eis um
desafio extraordinário para aqueles que desejam seguir
a Jesus e fazer a vontade do Pai. E o método dos 100%.
Dar tudo, fazer tudo, entregar-se sem reservas, e ainda
achar que não fez nada (o servo inútil). Isto é o calvário
e a cruz.^ Lá Jesus se entrega sem medidas e sem reser­
vas. Esgota-se completamente em sua capacidade física e
também emocional. Mas também é a entrega de tudo nas
mãos de Deus; e tudo em nosso favor, por todos nós e
por cada um de nós. Ele se dá por todos os homens, mas
tamhém pelo homem todo.
Essa é a reahdade do método de Jesus, que está em
frente a nossos olhos e, por vezes, não vemos. Confesso que
só pela coincidência das duas homilias, em dias seguidos, é
que o Espírito Santo conseguiu abrir meus olhos e me fez
enxergar essa realidade. A partir daí comecei a ver o jeito
de Jesus de maneira mais clara. Não é uma coincidência
nas duas parábolas, mas é o método divino de ser e de agir.
Vejamos mais algumas confirmações.
^ Mais à frente vou voltar a esse ponto, analisando a cruz como um método de
vida, experimentado por Jesus e proposto para aqueles gní» rjnicpmyr|
93
Existe um episódio muito curioso, narrado por Ma­
teus, Marcos e Lucas, o qual ilustra bem o jeito de Jesus, e
por isso quero observá-lo com mais detalhes.^
Em certo dia, Jesus toma seus discípulos e vai com eles
à outra margem do lago, ao território dos gerasenos (ou
gadarenos). Era uma missão especial e de grande importân-
cia. E válido notar que, quando eles estão fazendo a traves­
sia, se abate uma tempestade sobre o barco e este ameaça
afundar. Jesus dorme tranqüilo, até que Pedro o desperta,
com medo de morrer. Este fato também é narrado pelos
três evangelistas e dá o tom da missão que se vai desenvol­
ver mais à frente. Acalmada a tempestade, chegam à terra
dos gerasenos.
Havia ali um homem que vivia um momento bastan­
te difícil em sua vida. Ele estava muito perturbado e não
conseguia mais viver em sua casa. Nas cidades e nos cam­
pos não o aceitavam, pois ele era realmente furioso. Mes­
mo amarrado com cadeias e correntes, ele as arrebentava.
Por fim, o único lugar que o abrigava era o cemitério. Era
um morto-vivo, que incomodava. Devia ser uma pessoa de
quem todos achavam que se morresse faria um grande bem
à sociedade. Em resumo, não tinha valor algum, nem para
sua famíha, nem para a sociedade.
Esse homem soHtário e sofredor é o objeto da longa e
atribulada viagem de Jesus e de seus discípulos até a ter-
^ O episódio é analisado a partir da narrativa dos três evangelistas, com
o objetivo principal de compreender o método de Jesus. Não é o propósito
de o texto entrar na discussão em si sobre o domínio ou não do demônio
sobre a pessoa humana.

94
ra estranha. Chegando lá, Jesus vai atendê-lo. Liberta-o de
uma legião de demônios que se apossa de uma manada de
porcos e os atira ao mar, onde todos morrem. O resto do
episódio é de conhecimento de todos. Os moradores da­
quelas terras rejeitam a Jesus em vista do prejuízo financei­
ro que tiveram com a perda dos porcos. O fato de uma vida
ter sido salva não representava grande coisa para eles.
Há aqui uma cruel relação de valores entre o mundo
dos homens e o Reino de Deus. Para Jesus vaHa a pena
gastar um dia inteiro de seu curto ministério, ir para uma
terra estranha e lá resgatar uma alma que aos olhos dos
homens não vaHa nada. O Mestre havia ensinado a parábo­
la das 100 ovelhas e agora vivia seu próprio ensinamento.
Ele mesmo havia dito; “que não se perca um só destes pe­
queninos”. Então ele vai buscar aquela ovelha desgarrada,
mesmo aquela que aos olhos de nossa cultura e sociedade
não tem o menor valor.
Antes de voltar para Cafarnaum, o homem pede para
acompanhá-los e Jesus não o admitiu, dizendo-lhe: “Vai
para casa, para junto dos teus, e anuncia-lhes tudo o que o
Senhor fez por ti, e como se compadeceu de ti” (Mc 5,19).
Aqui se completa o outro aspecto dos 100%: o homem
novo, liberto e restaurado, não é convidado a permanecer
no “Monte Tabor”; é enviado aos seus para a restauração
da família e para a glória de Deus. Um homem novo para
uma famíha em primeiro lugar, e para glorificar a Deus.
Um homem novo para uma famíha nova.
Cabe ainda uma breve reflexão, antes de finaflzar este
ensinamento de Jesus, até para podermos compreender
95
melhor esse episódio e também para estabelecer algumas
relações com o que acontece em nossos dias.
Quando olhamos a situação final em que esse homem
se encontra, fica evidente o choque entre a maneira como
a sociedade o vê e como ele é visto no Reino de Deus. Se­
ria o caso de perguntar; como ele chegara àquela situação?
Com certeza isso não se dera do dia para a noite, nem fora
um só acontecimento que o levara a ser rejeitado por sua
casa e pela sociedade. Qual seria sua história? O que Jesus
viu nele que os seus não viram?
Não conhecemos sua história para podermos responder
a essas questões, mas podemos refletir sobre isso. Quando le­
mos a passagem na Bíbha, nossa primeira reação é condenar
a sociedade, os gerasenos, por sua insensibflidade e desprezo
pela vida humana. Vemos, no entanto, que Jesus devolve o
homem para sua famíha. Lançar a culpa na sociedade é uma
maneira de culpar a todos e não culpar ninguém, como cos­
tumamos fazer em nossos dias. Quando os gerasenos rece­
bem esse homem, com certeza ele já apresentava problemas
em sua casa. Se ele se tornou indesejável entre aqueles que
o amavam, dificilmente ele seria acolhido por aqueles que
pouco o conheciam e pouco o amavam. Logo, a questão
central fica remetida para a chamada célula central da socie-
dade: a família. E ah que acontecem os grandes conflitos, e
só o amor consegue promover grandes soluções e reconci-
Hações. Para se ter chegado a um caso tão grave de rejeição,
antes devem ter acontecido inúmeros pequenos momentos
de feridas não curadas, pelo não-reconhecimento de culpas
e pela falta do perdão, de parte a parte.
96
o inimigo não consegue apoderar-se de um filho de
Deus facilmente. Isso só é possível imaginar ao fim de uma
caminhada de quedas, sem que tenham havido a força e o
apoio para se levantar e começar de novo. Para compreen­
der o fato de aquele homem ter chegado a ser possuído por
uma legião de demônios, devemos imaginar quão longo
foi o caminho de dor e sofrimentos percorrido por ele em
sua família, sem esquecer que essa famíha também possui
sua história de dores, sofrimentos, incompreensões, intran­
sigências. Em poucas palavras, a causa principal para se ter
chegado à situação caótica narrada no evangelho deve ser
buscada antes na destruição da família. Talvez seja exata­
mente por isso que Jesus, depois de resgatar esse homem,
devolve-o a sua famüia, para que também ela seja resgatada
e, depois dela, toda a Decápole, como narra o evangelho.
A misericórdia de Deus, vivida e ensinada por seu Fi­
lho, vai além das aparências exteriores e, com todo o amor,
consegue ver a história de toda uma famíHa a ser recons­
truída. Esse é o maravilhoso ensinamento de Jesus para nós
ao visitar a terra dos gerasenos.
Essa mesma visão e esse método de Jesus podem ser vis­
tos iguahnente quando ele se volta para a samaritana, para
Zaqueu, Maria Madalena e tantas outras pessoas que cru­
zaram o caminho do Mestre. O geraseno é especial porque
Jesus foi até ele. Quem é ele? Qual seu nome? Até hoje não
sabemos.Talvez porque sua história seja igual à de tantos ou­
tros filhos de Deus que esperam que eu e você, amigo leitor,
possamos aprender com Jesus, seguindo seu ensinamento:
“assim como eu vos fiz, façais também vós” (Jo 13,15).
97
VI. ELEMENTOS
DA PEDAGOGIA DE JESUS

N. este capítulo vamos adentrar mais particular­


mente naquilo que estamos chamando de pedagogia de
Jesus. Alguns autores consultados divergem bastante no
uso dos conceitos em relação a esse tema. Olhando mais
pelo lado acadêmico, deveriamos antes entrar em um
debate teórico para fixar bem os conceitos e depois uti­
lizá-los. Como já explicamos no início, não é esta nossa
preocupação maior, e sim produzir um material que sir­
va de reflexão para aqueles que querem conhecer me­
lhor a maneira de Jesus evangelizar. Assim sendo, vamos
tratar do assunto dentro do que chamamos de elementos
da pedagogia de Jesus.^
Alguns autores serviram de suporte para este capítulo.
Os principais foram: Prado Flores^ e J. M. Price.^ Servimo-

* Peço perdão àqueles que são mais rigorosos ou que gostariam que o
tema fosse melhor elucidado. Deixo a tarefa para os especialistas no assunto.
^ P rado Flores, José H. Formação de Discípulos. Ed. Louva a Deus, Rio
de Janeiro.
^ P rice , J. M. A Pedagogia deJesus. Já citada antes.

99
nos também deWenzel,Rubin,Larranaga e Crossan/ além
—é claro —da Sagrada Escritura.

1. Fontes
Quando falamos de fontes, estamos referindo-nos à
origem do conhecimento de Jesus e de onde ele tirava seus
ensinamentos. Elas, mais do que um simples local de onde
ia buscar seu material de ensino, indicam a maneira como
ele usava esse material e seu conteúdo.
Sagradas Escrituras
Já mencionamos o fato de que Jesus tinha como fonte
principal de seu conhecimento e da descoberta de seu mé­
todo as próprias Sagradas Escrituras. É também de grande
interesse notar que, lendo os mesmos textos que leram os
escribas, fariseus e doutores da lei, Ele tenha conseguido
encontrar a verdadeira face de Deus e revelar ao mundo
seu grande amor. Agora cabe notar como o Mestre traba­
lhava com os hvros sagrados na formação dos discípulos e
na evangehzação.
Um autor^ que anahsou esse aspecto menciona que no
Evangelho (escrito pelos quatro evangehstas), Jesus fez 38
citações diretas do Antigo Testamento (AT), 50 vezes usou
‘ Todos já citados nos capítulos anteriores, exceto C rossan, John D. O
Essencial deJesus. Ed. Best Seller, São Paulo, 1994.
^ PiPER, D. ILTíow Woulã Jesus Teach? Citado por Price, p. 82.

100
linguagem paralela aos textos do AT e mais 4 vezes fez men­
ção direta a seus acontecimentos. Segundo esse autor, ele se
reportou a 21 livros diferentes do Antigo Testamento. Um
exemplo bem claro é mencionado por Price (p. 82). No Ser­
mão das Bem-aventuranças Jesus fala; “Bem-aventurados os
mansos, porque herdarão a terra” (Mt 5,5) e no Salmo 36,11
lemos: “Quanto aos mansos, possuirão a terra”.
Jesus era um leitor assíduo da Palavra de Deus. Já co­
mentamos que seu método era o da reflexão e da interio-
rização da Palavra. Ele as utiliza com vida, sem alterá-las,
mas buscando sua perfeição: “Não julgueis que vim abolir
a lei ou os profetas (Sagradas Escrituras),... mas sim levá-los
à perfeição” (Mt 5,17).
Na oração do Pai-nosso, por exemplo, existe uma citação
quase textual do Livro do Eclesiástico (28,2): “Perdoa a teu
próximo o mal que te fez, e teus pecados serão perdoados
quando o pedires”.Também no Livro da Sabedoria (Sb 16,8b)
vemos: “sois vós que livrais de todo o mal”. Isso demonstra
que Jesus orava com os Salmos —o que era uma tradição ju­
daica —mas também se servia de outros livros em sua oração.
O próprio Sermão da Montanha, que muitos consi­
deram como a síntese do Evangelho, é uma coleção de
citações bíbhcas constantemente superadas por Jesus, como
vemos em Mt 5,21s.: “Ouvistes o que foi dito aos antigos:
Não matarás: mas quem matar, será castigado pelo juízo do tri­
bunal. Mas eu vos digo: todo aquele que se irar contra seu
irmão, será castigado pelos juizes”. Esta mesma lógica de
superação e de busca da perfeição da Palavra se repete nos
versículos 27, 31, 33, 38 e 43 do mesmo capítulo 5.
101
Prado Flores lembra os grandes debates de Jesus com os
fariseus, os saduceus, os escribas e os doutores da lei sobre
questões da lei mosaica ou de costumes de seu tempo, e como
jamais o Mestre foi derrotado, mesmo quando lhe armavam
ciladas específicas.Veja-se, por exemplo, o capítulo 22 de Ma­
teus, do versículo 15 em diante: “Por que me tentais, hipócri­
tas?”, ou então: “Errais, não compreendendo as escrituras nem
o poder de Deus”. Podemos ver ainda Lucas ll,14s., sobre
ciladas e debates com os fariseus e os doutores da lei.
O estudo mais aprofundado e uma formação mais só­
lida se mostraram fundamentais para o Mestre. É claro que
Ele tinha uma sabedoria que vinha do Espírito Santo, mas
essa sabedoria sempre estava apoiada em textos já lidos e
estudados por Jesus. Ele debatia com seus adversários no
campo que era de domínio deles e ali os vencia, não para
se vangloriar, mas sempre para ver prevalecer a verdade. Ve­
mos, com isso, que a Igreja como um todo precisa crescer
muito nesse sentido. Os fiéis leigos mais ainda.
Usava a realidade natural
Este segundo ponto das fontes de Jesus é também mui­
to rico e de grande interesse. Ele trabalhava com os fatos
naturais que cercavam o povo, com aquilo que era sua pró­
pria reahdade e cultura. Não trazia exemplos exóticos e de
difícil compreensão, para não aumentar a dificuldade de
compreensão do que Ele queria ensinar.
Falava, por exemplo, da realidade do campo, de ovelhas e
pastor, da videira, do grão de mostarda. De uma realidade bastan-
102
te comum em sua época, que era o cultivo do txigo e o perigo
de surgirem ervas daninhas, Ele tirou um de seus mais belos en­
sinamentos sobre o Reino dos Céus. Da arte de semear também
se serviu para outro magistral ensino do Reino (cf. Mt 13,Is.).
Trabalhava também com reahdades tão comuns às mu­
lheres, como a parábola do fermento, a moeda perdida que
a mulher varre a casa até encontrar, como colocar remen­
dos novos em roupas velhas.
Quando estava próximo ao mar, falava de pescaria, de
redes e peixes. Fez com seus discípulos experiências de
grande impacto, usando tempestades no mar ou caminhan­
do sobre as águas.
Usava das características dos animais para daí tirar os
ensinamentos. Exemplo: “Sede mansos como as pombas e
prudentes como as serpentes”; a galinha e seus pintainhos.
A figura e as características do cordeiro foram largamente
exploradas por Ele em suas pregações e ensinamentos.
Outro uso muito comum por parte do Mestre diz res­
peito à própria história, cultura e costumes do povo. Nesse
sentido o rol é bem extenso: as bodas, a começar por Caná,
os convidados para o banquete, os lugares nas sinagogas e
nos banquetes, a questão dos impostos (“Dai a César o que
é de César e a Deus o que é de Deus”). Sobre questões de
administração e de dinheiro, sobre crianças e adultos, sobre
questões de doença e purificação de leprosos etc.
Em relação à natureza, Price (p. 83) observa que Jesus era
um atento observador e não se cansava de encontrar a beleza
e o amor de Deus em toda a criação, como também usava
de tudo para transmitir seus ensinamentos. “Oüiai os Krios
103
do campo, como crescem, não fiam, nem tecem: contudo,
digo-vos, nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu
como um deles” (Lc 12,27). Esse autor fala de Jesus olhando
a vinha, o trabalho do vinhateiro, os pomares, a figueira, as
pombas fazendo seus ninhos, as raposas e suas tocas, as árvo­
res na beira dos riachos, o cedro do Líbano, o perfume das
flores, a identificação do tempo com o brotar das plantas.
Outro autor^ completa: “Sua fala comum e habitual era de
vivo colorido, pintalgada e saturada dessa beleza da terra que
nos rodeia e que se revela no firmamento sobre nós”.
Poderiamos ainda acrescentar tantos outros exemplos.
Mas devemos notar que Jesus se extasiava com a beleza das
coisas da natureza, do convívio das pessoas e dos animais.
Sabia dar glória a Deus pelas obras de suas mãos, mas seu
método reflexivo sempre o levava a tirar mensagens dos fatos
e das coisas, que depois eram cuidadosamente apHcados para
ensinar. Não era só olhar. Não era só notar. Era refletir, me­
ditar e abrir-se ao entendimento mais profundo das reaÜda-
des que estavam a sua volta, certamente em comunhão com
o Espírito de Deus era levado à reflexão e à contemplação.
Somos chamados a ler a BíbHa como Jesus; isto é, ler,
compreender e alimentar-se dela. Na pecuária brasileira
encontramos um exemplo que nos ajuda a entender isso.
Trata-se do boi. Assim como este animal ruminante ingere
a maior quantidade possível de ahmento durante o dia e de­
pois dedica uma boa parte da noite para fazer a ruminação
(quando verdadeiramente faz a mastigação cuidadosa para
®W ilson , Haroldo. J csmí at school. Citado por Price, p. 84.

104
que os alimentos forneçam o máximo de nutrientes), assim
devemos fazer em relação à Palavra de Deus, nosso real ali­
mento, adquirindo o máximo possível, mas sabendo que isso
não é suficiente. Cumpre também saborear a Santa Palavra
vagarosamente, alimentando nosso espírito, tirando lições de
vida e comportamento, vendo modificações em nossos rela­
cionamentos e também anotando o que serve para edificar a
outros que querem seguir o caminho de Jesus de Nazaré.

2. Estratégias do Mestre
Depois de olharmos as fontes e os materiais que Jesus
utilizava, podemos ter a impressão de um jeito de anunciar
a boa-nova um tanto ocasional ou com certo despreparo.
Longe disso, o jeito dele encerrava estratégias muito bem
definidas. Ele não dava passos ao acaso, tampouco jogava
palavras ao vento. Possuía métodos bem específicos de en­
sino e de fixação do conteúdo, como veremos em seguida.
Clareza de visão
Quem quer ir a algum lugar, antes de tudo precisa ter uma
visão clara de onde deseja ir e em seguida estudar o melhor meio
para realizar seu intento, dentro de critérios e princípios que se­
jam eticamente aceitáveis. E isso Jesus tinha, com toda a certeza.
Ele sabia bem que um cego não pode guiar outro cego.
No diálogo com Nicodemos (cf.Jo 3,1-21), ficam bem
estabelecidos esses aspectos acima. Conversando com aquele
105
importante homem de Israel, Jesus demonstra, com clareza,
de onde veio, para que veio e qual o caminho a seguir. O
próprio Nicodemos reconhece que ele veio de Deus (v. 2)
e Jesus completa: “Ninguém subiu ao céu senão aquele que
desceu do céu” (v. 13). O versículo 16 esclarece sua missão:
o Füho do Homem que deve ser levantado (na cruz) “para
que todo o que nele crer tenha a vida eterna”, completa
com clareza o meio para se alcançar o foco de sua missão; a
necessidade de nascer de novo (pelo Espírito) (versículos 3
e 5) mostra o caminho a ser seguido por todos.
A vida púbhca e a caminhada de Jesus sempre demons­
traram que Ele seguia um rumo e que se esforçou para não
se afastar dele. A enérgica e severa resposta que deu a Pedro
quando este tentou dissuadi-lo de sua missão demonstra que
o Mestre conhecia bem o que devia fazer e até como fazer.
Eis na versão de Mateus a síntese da referida resposta: “Afas­
ta-te, Satanás, tu és para mim um escândalo; teus pensamen­
tos não são de Deus, mas dos homens” (Mt 16,23). Esta rea­
ção fortíssima de Jesus se dá justamente com aquele que ele
acabara de escolher para chefe da Igreja. Ou seja, ninguém
podia afastá-lo de seu caminho e de seu objetivo final, que
se consumaria em Jerusalém, como já analisamos.
Trabalho “bem nucleado” (focado)
O segundo aspecto que ressaltamos é o trabalho bem foca­
do que o Mestre desenvolve com o público em geral e particu­
larmente com seus discípulos. Ele não se dispersava e tinha um
jeito peculiar de afirmar e fixar o ponto central da mensagem.
106
Para assuntos de maior importância, utilizava-se de um
recurso clássico de sua época: “Em verdade, em verdade vos
digo...” O tom solene marcava o ponto central e chamava
a atenção para o que devia ser fixado. Prado Flores destaca
ainda o aspecto da repetição de ensinamentos fundamentais
como forma de fixar e exemplifica: quando fala do Reino
de Deus, só no evangelho de Mateus ele repete inúmeras ve­
zes (Mt 6,33; 12,28; 13,1-52; 19,24; 21,31). Outro exemplo
é a necessidade de oração (Mt 17,20; 18,19-20; 21,13).
Outra estratégia de fixação mencionada por Prado Flores
era o uso de frases-chave (frases de efeito), que levavam as pes­
soas a se lemhrar delas.Vejamos algumas mais conhecidas:
—O sábado foi feito para o homem e não o homem
para o sábado (Mc 2, 27).
—Amai-vos uns aos outros, como eu vos tenho amado
Qo 13,34).
—Nem só de pão vive o homem (Lc 4,4).
—Pode um cego guiar a outro cego? (Lc 6,39).
—Uma árvore boa não dá frutos maus, uma árvore má
não dá bons frutos (Lc 6,43).
—Não julgueis e não sereis julgados; perdoai e sereis
perdoados (Lc 6,37).
—Pedi e dar-se-vos-á, buscai e achareis... (Lc ll,9s.).
Estratégias pedagógicas
Uma estratégia pedagógica das mais usadas por Jesus é
de diálogo e perguntas. Esse jeito todo pecuHar faz com
107
que a pessoa não obtenha a resposta pronta, mas que ela te­
nha de refletir para chegar ao resultado. Esse é um método
bem eficaz, pois faz a pessoa pensar antes de ter a informa­
ção objetiva. Assim, quando a resposta chega, o terreno já
está preparado e o resultado é bem eficiente. Em diversas
passagens vemos esse jeito de evangeHzar:
• Perguntas de Jesus:
—Quem dizem os homens que eu sou?
—Quem é o maior: o que está sentado à mesa ou o que
serve?
—Por que andais preocupados com tantas coisas?
—Quereis vós também me abandonar?
—Onde estão os outros nove?
• Perguntas dos discípulos e de outros:
—Senhor, são muitos os que se salvam?
—Quantas vezes devemos perdoar?
—Que devo fazer para ter a vida eterna?
• Diálogos:
—Com Nicodemos (Jo 3,ls.).
—Com a Samaritana Qo 4,1-26).
—Com Simão, o fariseu (Lc 7,39-47).
—Com os Discípulos de Emaús (Lc 24,13-32).
O diálogo flanco e direto de Jesus com as pessoas tam­
bém era uma marca registrada sua. Ele falava com as pessoas
simples e com os sábios com a mesma naturalidade. Não se
108
nota uma mudança de discurso que expresse alguma forma
de erudição quando estava falando com pessoas de nível cul­
tural ou intelectual mais elevado que o das pessoas comuns.
Jamais se notou em suas ações alguma forma de exibicionis­
mo ou demonstração de conhecimento que não fosse es­
tritamente necessária para a edificação das pessoas. Também
não era de evitar diálogos mais difíceis (às vezes até mesmo
ásperos), tampouco evitava proclamar a verdade.
A esse respeito é edificante olhar seu diálogo com Pon­
do Pilatos, que era a suprema autoridade naquela região do
mundo. Jesus não se furta a falar abertamente com ele, sem de­
monstrar nenhuma falsa humildade ou mesmo subserviência
diante de uma grande autoridade. Reconhece a autoridade de
Pilatos, submete-se a ela porque foi dada por Deus, mas man­
tém sua própria dignidade e autoridade. “És, portanto, rei?”A
resposta é clara e digna:“Sim, eu sou rei!” Jo 18,37).
Voltemos ao lado pedagógico, no qual Jesus foi real­
mente um mestre. Utilizava imagens, comparações e pa­
rábolas que eram de fácil entendimento e ainda tinham a
vantagem de gravar mais. Hoje sabemos que os recursos
audiovisuais e locais adequados aumentam muito a com­
preensão e a fixação do aprendizado. Podemos afirmar que
ele usava o método audiovisual e também recursos de dra­
matização, que hoje têm sido utilizados na evangefízação.
Um exemplo claro temos quando os discípulos estão
discutindo quem deles é o maior (cf. Mt 18,4) e Jesus toma
uma criança e a coloca no meio deles. Acahou a discussão.
E também exemplo a entrada dele em Jerusalém, montado
em um jumento e as pessoas colocando mantos e folhas de
109
palmeira, um fato inesquecível, que temos revivido todos
os anos no Domingo de Ramos. Logo Jesus, que sempre se
ocultara de toda forma de ostentação ou de aclamação, ser-
ve-se de um forte e perigoso elemento dramático para entrar
em Jerusalém. Não foi por acaso, pois o Mestre dá instruções
claras aos discípulos sobre como encontrar o jumentinho e
o que deviam dizer a quem perguntasse por que o estavam
tomando. Era mesmo uma estratégia planejada e que tinha
um fim específico. Confirma-se isso ainda mais quando ele
responde aos que queriam que seus seguidores se calassem:
“Se eles se calarem, as pedras clamarão” (Lc 19,40).
As parábolas
Qualquer obra que analise a vida de Jesus precisa de­
dicar uma atenção especial ao uso das parábolas. Em nosso
caso, então, a importância é maior ainda, uma vez que elas
são o meio principal de Jesus tratar com o público em geral
e também com os discípulos.
J. M. Príce afirma que as parábolas constituíram o mé­
todo mais empregado por Jesus, e que é exatamente pelo
uso magistral delas que ele é caracterizado como Mestre (p.
125). Ele teve o cuidado de contar as parábolas existentes
nos evangelhos e apresenta este resultado: “Cerca de 14 das
palavras de Jesus no evangelho de Marcos tem forma de pa­
rábolas e em Lucas este número chega a quase 50%” (p. 126
e 127). Outro autor (Home) citado por ele contou ao todo
61 parábolas nos evangelhos, das quais: 34 tratam de pessoas,
4 de animais, 7 de plantas e 16 de outras coisas (p. 127).
110
De fato, se formos recorrer à memória ou então fazer
uma pesquisa entre amigos, veremos que na maioria das
vezes em que as pessoas se lembram de um ensinamento
de Jesus, trata-se de uma parábola. Quem não se lembra da
parábola do Filho Pródigo, ou das cem ovelhas, ou do bom
samaritano, ou do semeador, ou do joio e do trigo, ou do
fermento, dos operários da vinha, do administrador infiel,
do tesouro, da pérola, da rede lançada ao mar etc. Cada
uma delas era usada com uma finahdade específica, e delas
o Mestre tirava lições que edificavam seus ouvintes e têm
edificado milhões de seguidores ao longo dos séculos.
Certa ocasião o Pe. Schuster, jesuíta e grande pregador
de retiros em todo o Brasil, contou que num encontro de
jovens, trabalhando com dinâmicas apropriadas, eles ob­
servaram mais de uma centena de Hções na parábola do
filho pródigo. Ou seja, Jesus ensinou com as parábolas e
continua ensinando. Elas não envelhecem e servem para
pessoas de qualquer raça, classe social, língua ou nação em
pleno século XXI.Vivemos uma reahdade muito diferente
da do tempo de Jesus e, no entanto, as parábolas continuam
atualíssimas.
Enquanto método, a parábola tem sido pouco explora­
da pelos escritores mais modernos e devia ser redescoberta
por nossos escritores cristãos, seguindo o exemplo do Mes­
tre. Lembro-me, por exemplo, de ter escrito um texto em
que trabalho com a Hnguagem da informática para falar
da necessidade de conversão e seu título é:“Uma parábola
para o homem do século XXI”. Mais à frente voltamos ao
exemplo de parábolas.
111
Ensinamentos com autoridade e testemunho
Até mesmo os inimigos de Jesus (os de sua época e os
de agora) são forçados a admitir que seus ensinamentos são
verdadeiramente admiráveis e reconhecem nele um grande
orador, conforme vemos em Mc 12,14: “Mestre, sabemos
que és sincero e que não lisonjeias a ninguém; porque não
olhas para as aparências dos homens, mas ensinas o cami­
nho de Deus segundo a verdade” (herodianos e fariseus fa­
lando a Jesus antes de perguntar do imposto a César). Além
disso, suas pregações estavam sempre ligadas a um profundo
amor e compreensão pela vida e necessidade das pessoas.
São freqüentes os momentos de curas e milagres junto com
os grandes ensinamentos do Mestre.
Selecionamos algumas dessas expressões de reconheci­
mento e admiração presentes nos quatro evangelhos (não
repetidas), somente para dar uma dimensão desse fato.
—Todos ficaram transportados de entusiasmo e glorifi­
cavam a Deus; e tomados de temor diziam: Hoje vimos coisas
maravilhosas (Lc 5,26; após a cura de um paralítico).
—Que é isto? Eis um ensinamento novo, e feito com au­
toridade; além disto, ele manda até aos espíritos imundos, e
lhe obedecem! (Mc 1,27; após a expulsão de um demônio).
—Nunca vimos coisa semelhante (Mc 2,12b).
—Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?
(Mc 4,41b; discípulos depois da tempestade acalmada).
—Eles ficaram assombrados (Mc 5,42; logo depois da
cura da filha de Jairo).
112
—Todos lhe davam testemunho e se admiravam das pa­
lavras de graça, que procediam de sua hoca, e diziam; Não
é este o filho de José? (Lc 4,22).
- Maravühavam-se de sua doutrina, porque ele ensina­
va com autoridade (Lc 4,32).
—Ao proferir estas palavras todos os seus adversários se
encheram de confusão, ao passo que todo o povo, à vista
de todos os milagres que ele reahzava, se entusiasmava (Lc
13,17; após a cura da mulher encurvada).
—Todo o povo ficava suspenso de admiração, quando o
ouvia falar (Lc 19,48).
De um grande orador se espera que tenha um grande
domínio sobre o assunto, clareza e didática na exposição e
que, além disso, saiba motivar e envolver seus ouvintes. Em
termos rehgiosos, sempre acrescentamos que é necessário
ser o conteúdo acompanhado de um efetivo testemunho
daquilo que se está anunciando. Tudo isso é possível ob­
servar na vida de Jesus pelo que temos visto nos capítulos
anteriores e pode ser constatado em qualquer página do
evangelho.
Relendo os evangelhos, fica claro o domínio do conteú­
do por parte de Jesus de Nazaré. Realmente intrigante é o
fato de saber que Ele é um dos maiores mestres de todos
os tempos (muito provavelmente o maior de todos), e não
haver registro de ter Ele passado por uma escola, tampou­
co ter sido seguidor de algum mestre de sua época ou de
alguma determinada corrente de pensamento e assim por
diante. Ao contrário, expressões legítimas dentro dos evan-
113
gelhos atestam que os seus ficam surpresos com o conhe­
cimento que Ele demonstra: “Os judeus se admiravam e
diziam: Este homem não fez estudos. Donde lhe vem, pois, este
conhecimento das escrituras?” (Jo 7,15). No evangelho de Ma­
teus a surpresa é maior ainda quando ele vai para Nazaré:
“Donde lhe vem esta sabedoria e esta força miraculosa?
Não é este o filho do carpinteiro? Não é Maria sua mãe?
Não são seus irmãos:^ Tiago, José, Simão e Judas? E suas ir­
mãs, não vivem todas entre nós? Donde lhe vem, pois, tudo
isso?” (Mt 13,54-56).
Pelo que vemos acima, ficam excluídas as hipóteses
um tanto fantasiosas de que Jesus teria saído para estudar
fora durante os 30 anos de vida oculta. A surpresa legítima
dos seus, explicitada principalmente por Mateus, deixa por
demais evidente que o conhecimento veio do estudo das
escrituras, da meditação e da reflexão, assim como temos
insistido aqui.
Outra pergunta nos vem à mente: sendo Jesus tão com­
petente orador, como as pessoas não aceitavam sua palavra?
Por que tamanha resistência por parte daqueles que conhe­
ciam bem os escritos sagrados? O Evangelho de São João
revela diversos episódios dessa luta (resistência) em aceitar
a boa-nova. Em determinado momento, Jesus se volta para
eles e diz “Vós perscrutais as Escrituras, julgando encontrar
nelas a vida eterna. Pois bem! São elas mesmas que dão
testemunho de mim. E vós não quereis vir a mim para que
’ A respeito dos irmãos de Jesus, existe já uma boa explicação e nos furtamos
de entrar nessa questão. Quem quiser ler a respeito, recomendo o índice Doutri­
nai da Bíblia Ave Maria, p. 1586.Ver também o Catecismo da Igreja Católica.

114
tenhais a vida...” Qo 5,39-40). Ele insistiu de diversas ma­
neiras; com paciência respondeu a suas perguntas, até mes­
mo sabendo que eram ciladas armadas para ele, e lamenta:
“Ai de ti Jerusalém...”
Nesse mesmo contexto, recomendo a leitura do ca­
pítulo 9 de João, que narra a cura do cego de nascença.
É impressionante a luta dos fariseus e demais autoridades
em aceitar a cura daquele homem: ameaçam expulsá-lo
da sinagoga; acusam Jesus de ser pecador, até que em dado
momento o homem que fora cego argumenta:
O que é de admirar em tudo isto é que não saibais
de onde ele é e, entretanto, ele me abriu os olhos. Sa­
bemos, porém, que Deus não ouve os pecadores, mas
atende a quem lhe presta culto e faz sua vontade. Jamais
se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um
cego de nascença. Se este homem não fosse de Deus,
não poderia fazer nada.
Parece-me ser essa a maior defesa de Jesus nos evan­
gelhos. Qual a reação dos fariseus? “Tu nasceste todo em
pecado e nos ensinas?...” Passo seguinte: Expulsaram-no!
Outro acontecimento muito pouco explorado nos
evangelhos ajuda a esclarecer essa questão. Está narrado em
João 7,32-49. Após algumas discussões, os príncipes dos
sacerdotes e os fariseus resolvem prender Jesus e enviam
guardas com ordem de trazê-lo preso. Lá se foram os guar­
das, e vendo que havia muita gente em volta do homem
que deviam prender, puseram-se à espera do momento
mais adequado para isso. Enquanto esperavam, ficaram ou-
115
vindo o que ele falava. Houve um desentendimento entre
os ouvintes. Uns diziam: “Este é realmente o profeta”; ou­
tros afirmavam; “Este é o Cristo” e outros discordavam e
queriam prendê-lo.
Ao final, os guardas voltaram para junto dos prínci­
pes dos sacerdotes, que lhes perguntaram: “Por que não
o trouxestes?” E os guardas responderam: “Jamais homem
algumfalou como este homem!...” A reação dos príncipes foi:
“Este povoléu que não conhece a Lei é amaldiçoado!...”
(Jo 7,46-49).
A narrativa coloca frente ao discurso de Jesus homens
conhecedores da Lei (fariseus e príncipes dos sacerdotes) e
homens comuns, inclusive os guardas. Para quem ouviu de
espírito aberto, a semente lançada caiu em terreno fértil e a
mensagem de vida foi acolhida. Aqueles que ouviam com­
pletamente armados (e não eram os guardas) não aceitavam
e ainda amaldiçoavam os que a acolhiam. É o mesmo final
do episódio da cura do cego de nascença.
Um pouco antes falamos que até os inimigos de Jesus
reconheciam seu valor. A dificuldade deles não está em re­
conhecer o valor do Mestre e do orador, mas em acolhê-lo
como enviado, bem como de aceitar sua missão. Nesse caso
não há argumentos nem milagres suficientes. Não é por
outro motivo que Ele se nega a dar um sinal e fala do sinal
de Jonas, ligado a sua morte e ressurreição (cf. Mt 12,38s.).
Vemos depois que nem este sinal de vencer a morte serviu
para que os renitentes cressem.
Para Jesus, sempre esteve muito claro que o fundamen­
tal não eram suas palavras, os milagres e os prodígios, mas
116
sim crer nele e naquele que o enviara.Vejam-se, por exem­
plo, os discursos dele no evangelho de João, especialmente
no capítulo 5,19-47. Uma passagem mais singela (e um
tanto incomum) vemos em Lucas quando, depois de ouvi-
lo, uma mulher exclama: “Bem-aventurado o ventre que te
trouxe e os peitos que te amamentaram!” Mas Jesus repli­
cou: “Antes bem-aventurados aqueles que ouvem a palavra
de Deus e a observam!” (Lc 11,27-28). Esta palavra de Jesus
tem grande semelhança de sentido com o momento em
que sua mãe e seus irmãos vão procurá-lo (cf. Mt 12,46;
Mc 3,3Is. e Lc 8,19s.): “Todo aquele que faz a vontade de
meu Pai... esse é meu irmão e minha irmã e minha mãe”.
Como é curioso notar que várias pessoas ouviam e
gostavam da palavra e da pregação de Jesus e como tão
poucos se comprometiam efetivamente com ele. “Muitos
profetas e justos desejaram ver o que vedes e não o viram;
ouvir o que ouvis e não o ouviram” (Mt 13,17). O mesmo
acontece em nossos dias quando tantos vão às Igrejas, gru­
pos e encontros e, no final, restam tão poucos.
Chamou-me a atenção a homilia de uma missa quando
o sacerdote falava exatamente dessa dificuldade de assumir
compromissos com a palavra de Deus e com alguma missão
mais efetiva. Refletindo sobre a pregação, pude notar que o
mais difícil é uencer a inércia e dar o primeiro passo. Gostamos
muito de assistir aos outros fazer para, em seguida, pensar
como poderia ter sido feito melhor. Até dizemos: “Se fosse
eu, faria diferente!” Por que então não fazer? Por que não
arriscar e dar o primeiro passo, assim como uma criança?
Quem tem filhos deve lembrar o tamanho da expectativa e
117
da torcida de pais, tios e avós pelo primeiro passo da crian­
ça —coisa que é tão comum depois dos primeiros anos de
vida, mas que é tão complicada nas primeiras vezes. Ob­
viamente, não haverá o segundo e terceiro passos sem ter
havido o primeiro (e algumas quedas também).
Vendo a dificuldade dos fariseus e demais especialistas,
mas também a das multidões que viram milagres, comeram
dos pães multiplicados, beberam do vinho de Caná (etc.) e
não se comprometeram, somos forçados a refletir se temos
nos comprometido com as propostas de Jesus ou apenas
ouvido e nos maravilhado com sua palavra e... nada! Será
que podemos ser chamados de “irmãos e irmãs” dele?
O auditório deJesus
Nos dias de hoje, século XXI, é bem comum ver gran­
des conferencistas escolherem seus auditórios e o púbH-
co que vai estar presente em suas palestras e conferências.
Existem até mesmo sacerdotes e pregadores cristãos que
exigem um público mínimo para expor suas idéias. E com
Jesus, como era?
Algumas páginas atrás falamos que ele pregava para
multidões, mas também aceitava trabalhar com público ex­
tremamente restrito. Por vezes trabalhou longamente com
apenas uma pessoa. E o caso de Nicodemos, do posses-
so (dos porcos), da samaritana, entre outros. Percebemos
que Ele não escolhia auditório, nem público para falar do
Reino e viver a intensidade de seu amor pelos homens. O
amor precisa amar o tempo todo. Relembro uma vez mais
118
o livro de São João da Cruz: O amor não cansa nem se cansa.
Poderiamos acrescentar que ele não tem preferências, não
escolhe circunstâncias, apenas ama e vive para amar. Usan­
do termos bem atuais, podemos dizer que o ministério de
Jesus era exercido em tempo integral e dedicação exclusiva;
mesmo porque a formação sólida de uma pessoa não é obra
a ser feita em pregações somente, mas sim num trabalho de
mais longo prazo e em tempo integral.
De início, seu trabalho estava centrado nas sinagogas,
mas aos poucos foi esparramando-se e chegando a terras
estranhas. Fosse à beira do mar ou na barca, nas planícies
ou nos montes; na casa de amigos, de inimigos ou peca­
dores; diante de doutores da lei, autoridades ou prostitutas,
leprosos e pecadores —toda hora era hora, e todo local era
adequado para ele.
“Tenho sede!”, dirá ele do alto da cruz. Sede de amar e
de ser amado. Sede de ahnas! “Pai (...) conservei os que me
deste, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdi­
ção...” (Jo 17,12b). E esta era a vontade do Pai: “que eu não
deixe perecer nenhum daqueles que me deu, mas que os
ressuscite no último dia” (}o 6,39). Assim como o pastor que
vai atrás de uma ovelha, ele percorreu todos os caminhos (até
sobre as águas andou), para que nenhum se perdesse.
Verdadeiro missionário, Jesus deseja que a Igreja siga
suas pegadas sem escolher público ou auditório, pregando
e testemunhando com o amor que se doa e a alegria de
quem ama e acolhe em seu coração de amor infinito. Ben­
dito seja Deus, que nos deu seu Filho único para que todo
aquele que nele crer tenha a vida eterna! (cf.Jo 3,16).
119
As atitudes radicais: O lava-pés e o caminhar sobre as águas
Neste último item dos elementos da pedagogia de Je­
sus, queremos tratar de um aspecto bem marcante de sua
obra, que são as palavras e as atitudes radicais. Nos primei­
ros momentos da evangebzação, em nossos dias, é comum
se traçar uma figura bem suave de Jesus, talvez com a ajuda
das pinturas mais conhecidas, que mostram um Jesus de
cabelos longos, olhos esverdeados, esbanjando serenidade.
Vale lembrar que a maioria esmagadora dos ícones foram
feitos no Ocidente (mais particularmente na Europa), onde
predominam os homens de pele bem clara e olhos igual­
mente claros. Então o padrão utihzado para pintar figuras
de Jesus (ícones) está baseado nesse modelo, o que não cor­
responde à realidade física do povo oriental, como é o caso
dos judeus.
Há alguns anos tivemos contato com um jovem judeu
recém-convertido ao cristianismo. Objeto de uma de suas
indignações eram justamente essas imagens que se fazem
de Jesus, as quais, na opinião dele, não correspondem à rea­
lidade. Recentemente uma revista de circulação nacional
trouxe uma reprodução do que seria o biótipo aproximado
de um judeu mediano na época de Jesus. Há um evidente
choque entre a imagem que temos em nossa mente, ou
em nosso inconsciente, e essa que nos é apresentada mais
recentemente.
Questões de imagem física à parte, podemos rever um
pouco das atitudes e palavras de Jesus em que temos segu­
rança de mostrar o lado mais vigoroso e firme do Mestre.
120
Desde pequeno que uma citação do evangelho literal­
mente me aterrorizava: “Se teu olho direito é para ti causa
de queda, arranca-o e lança-o para longe de ti, porque te é
preferível perder-se um só de teus membros a que teu cor­
po todo seja lançado na geena. E se tua mão direita...” (cf.
Mt 5,29s.). Eu me perguntava se teria coragem de cortar
a mão ou arrancar o olho para poder ir para o céu. Prado
Flores nos esclarece que é típico da sabedoria oriental exa­
gerar nos contrates como forma de ressaltar o conteúdo a
ser fixado. É bem o caso dessa citação que transcrevemos
(e que, curiosamente, Mateus reprisa integralmente no ca­
pítulo 18,7ss.), bem como aquelas que falam dos ricos (o
camelo passar pelo fundo da agulha etc.) ou então “as pros­
titutas vos precederão no Reino dos Céus”.
Duas outras passagens são emblemáticas do jeito radical
de Jesus ensinar e formar seus discípulos: o momento em
que Ele anda sobre as águas e a experiência do lava-pés.
Parece oportuno um olhar sobre cada uma delas.
A passagem em que Jesus caminha sobre as águas (ver
em Mt 14,22-33; Mc 6,45-56 e Jo 6,16-21) é digna de re­
flexão para entender o que Ele queria ensinar naquele mo­
mento. Como sabemos, Ele jamais foi dado a exibicionismos
ou atitudes e palavras que não fossem estritamente necessá­
rias. Num caso excepcional como esse, em que Jesus escolhe
ir de madrugada e andando sobre as águas, deve haver um
fortíssimo motivo para Ele ter feito isso. A reação dos após­
tolos não poderia ser outra: “E um fantasma!”, disseram eles,
soltando gritos de pavor! (conta-nos Mateus, que devia estar
no local). Por que isso? Ou melhor: Para que isso?
121
É possível colher muitas lições dessa atitude bem radical
de Jesus. Gostaria de destacar uma, que é fruto de minhas
reflexões. Pedro está com os companheiros na barca, que é
seu local de trabalho e onde passara, por certo, grande parte
da vida. Perigos e dificuldades ele enfrentara diversas vezes,
mas ah dentro é seu mundo e ali ele se sente seguro. Dentro
da lógica e do conhecimento humano, ele sabe perfeita-
mente tudo o que é possível e o que é impossível em uma
barca no mar. AH dentro ele é o senhor!
Um homem andar sobre as águas é absolutamente im­
possível. A ciência nos ensina isso e qualquer um de nós
pode comprová-lo entrando num rio, no mar ou mesmo
numa piscina. Pedro sabia disso. Logo, Jesus vir andando
sobre as águas é algo impossível. Mas... lá está ele, andando
sobre as ondas. Passados os momentos de pavor causado
pelo “fantasma”, ele continua lá. “Senhor, se és tu, manda-
me ir sobre as águas até junto de ti!”
O que Jesus está querendo ensinar ou o que está em discus­
são aqui é o possível e o impossível. Pedro sabia que era impossível
e o mestre mostra ser possível. Se é possível, então eu quero
testar. “Então venha!” Vamos fixar mais esta reflexão, indepen­
dente de outros ensinamentos possíveis, que já são conhecidos.
A cabeça de Pedro tem a lógica humana daquilo que
é possível e impossível, diante do mundo e da ciência. E
um paradigma muito claro para ele e para todos nós. Não
conseguimos Hdar com coisas que desafiem as fronteiras da
ciência, porque somos treinados a aceitá-las como verdades
absolutas. Jesus sabe perfeitamente disso e sabe que é pre­
ciso quebrar esse paradigma na mentahdade de Pedro, dos
122
apóstolos e também em nossa. Só o efeito demonstração e
o teste da realidade podem firmar outro conceito. Na ciên­
cia dizemos que só pela repetição e experimentação é que
é possível ter uma prova científica. Então é o que Jesus faz.
Ele anda sobre a água e manda que Pedro ande, o que este
faz, até certo ponto. Ficou cientificamente provado que é
possível andar sobre a água?
Claro ,que não! Jesus não está tratando de ciência, mas
mostrando com clareza o que é a realidade de outro mundo
(meu Reino não é deste mundo, Ele dirá depois a Pilatos).
O que é impossível para o homem é absolutamente possível
para Deus. São mundos diferentes. Realidades diferentes.
Para adentrar essa outra realidade, é preciso crer. Somente
crendo é possível realizar aquilo que é impossível para o
homem, mas amplamente possível para Deus. Dizendo de
outra maneira; para o homem há uma barreira entre o pos­
sível e o impossível, enquanto que para Deus e para aqueles
que nele crêem, essa barreira desaparece.
Vejamos uma aplicação concreta disso em termos pas­
torais. Quando estamos reunidos em um grupo de oração
e nos pedem para orar por alguém que está com dor de
cabeça ou com alguma dificuldade familiar, prontamente
encontramos auxihares dispostos a participar da oração e
clamam aos céus com muito fervor. Parece-nos que esses
problemas são mais facümente atendidos por Deus. De re­
pente, surge uma pessoa com uma doença incurável (ex.
um câncer ou aids). Parece que nossa fé (ou fervor) de-
cresce proporcionalmente à gravidade daquilo por que es­
tamos orando. Existe alguma diferença, para Deus, entre
123
curar uma dor de cabeça e um câncer? Obviamente que
não! E como é só Ele quem cura, que diferença há entre
orar com fé pela dor de cabeça e pelo câncer?
Acontece que por trás de nossa oração mais ou menos
fervorosa está nossa cultura do que é possível e do impossí­
vel. Ressuscitar um morto é possível? O amigo leitor já se
sentiu “tentado” em um velório a orar pela ressurreição do
morto? Repare que estão sempre por trás nossos conceitos
humanos de possível e impossível. Como não realizamos
nada por nós mesmos, devemos ser capazes de rezar igual­
mente pelo que parece mais possível, ou menos possível,
uma vez que a teoria das probabilidades (matemática e es­
tatística) não tem nenhum valor em termos do poder e da
vontade de Deus.
Esse paradigma cultural, que está extremamente arrai­
gado em nós, é que Jesus pretendia quebrar ao andar sobre
as águas, para seus discípulos poderem fazer as coisas que
Ele fazia e fazer ainda maiores. Também nós, se continu­
armos com esse paradigma em nossa mente, precisamos
da graça de Deus para rompê-lo, se quisermos crer e fazer
alguma coisa nova em nosso mundo e em nosso tempo.
Essa primeira passagem de andar sobre as águas tem a
finalidade de “jogar para cima” a confiança dos apóstolos.
A outra sobre a qual vamos meditar parece ter o sentido
inverso de “jogar para baixo” todo o orgulho de seus se­
guidores (nós incluídos). Iguahnente radical é a atitude do
lava-pés, que vamos meditar em seguida.
Apenas o evangelho de João (capítulo 13) é que trata
desse momento decisivo para a formação dos apóstolos. E
124
ele começa dizendo: como amasse os seus que estavam no
mundo, até o extremo os amou”. Gosto de lembrar que nestas
palavras estamos incluídos todos (também eu e você, caro
leitor), os seguidores de Jesus, em todos os tempos.
Um conhecido pregador e escritor argentino, chama­
do Juan Carlos Ortiz, disse em uma palestra que antes de
toda ceia havia o costume de lavar os pés dos convidados.
Quando o dono da casa era rico, ele tinha um criado que
fazia isso e, quando não, ele mesmo o fazia. No momento
da ceia, a situação era pecuhar. Ninguém era dono da casa e
ninguém era servo.Todos se achavam ali como convidados.
Quem iria lavar os pés? Pedro era o chefe, não podia. Judas
Iscariotes era o encarregado da bolsa e tinha de “vender
Jesus”; estava, pois, muito ocupado. João era o discípulo
amado e tinha de estar perto e deitar sua cabeça no ombro
do Mestre. Além disso, ele e Tiago desejavam fazer a vonta­
de de sua mãe e ficar um à direita e o outro à esquerda dele.
Afinal, ninguém podia lavar os pés de ninguém.
Surpresa geral! Jesus levanta-se da mesa, depõe suas
vestes... e Ele, o Mestre e Senhor, vai lavar os pés dos seus.
Constrangidos e sem saber como reagir, todos foram acei­
tando, até Jesus chegar em Pedro. “Jamais me lavarás os
pés...” E logo depois: “Senhor, não somente os pés, mas
também as mãos e a cabeça”. Mais uma vez nos cabe per­
guntar: Para que Jesus fez isso? Nesse caso ele mesmo res­
ponde a nossa pergunta.

125
Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem,
porque eu o sou. Logo, se eu, vosso Senhor e Mestre,
vos lavei os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns
aos outros. Dei-vos o exemplo, para que, como eu vos
fiz, assim façais também vós. (...) Se compreenderdes
estas coisas, sereis feHzes, sob a condição de as praticar­
des Go 13,13-17).
Há uma radicaHdade de Jesus em humilhar-se até o
extremo, como São Paulo nos ensina na carta aos Filipenses
(2,5), e já refletimos anteriormente. E como é difícil para
nós, que estamos no mundo, mergulhados na cultura da
competitividade para ser o maior, o mais forte, o chefe, o
que coordena e está à frente, aceitar humilhar-se a si mes­
mo. Repetimos: não se trata de ser humilhado e despreza­
do pelos outros, mas de ter uma atitude de santidade e de
bem-aventurança: servir os outros até o extremo, da mesma
forma que Jesus “até o extremo nos amou”.
Os dois casos mencionados são paradigmáticos em ter­
mos de uma verdadeira vida de seguimento de Jesus Cris­
to: crer, até para além do limite do possível, adentrando as
veredas do impossível, e esvaziar-se até o inexistente limite
do amor.

126
VII. A ÁGUIA E A GALINHA...
EA PARÁBOLA DO FILHO
PRÓDIGO

A Internet hoje é fonte de toda a sorte de informa­


ções. Em muitos casos ela serve para disseminar o pecado,
mas também pode servir para edificar as pessoas. Depende
do uso que se faça dela. Esta pequena história ou fábula da
águia e da galinha já deve ser do conhecimento de mui­
tos, pois tem circulado na Internet com certa freqüência.^
Como já comentamos antes, os escritores quase não usam
mais o recurso didático-pedagógico chamado parábola,
para a formação dos cristãos no século XXL Então, vamos
pôr em prática o que estamos anunciando, nesse caso, em
comparação com a parábola do filho pródigo, conforme
Lucas 15,11-32.
Capturamos duas versões diferentes da fábula, as quais
transcrevemos abaixo, para depois fazermos uma compa­
ração com a parábola do filho pródigo.
* Uma pesquisa na Rede revela mais de 10 páginas sobre o tema. Captu­
ramos duas versões diferentes.

127
J/ersão 1
A águia e a galinha^
Sabe-se que certo homem encontrou um ovo de águia e
o colocou no ninho de uma gahnha. Não muito depois, nas­
cia uma pequena águiajunto com a ninhada de pintinhos.A
águia foi crescendojunto com os pintinhos e, durante toda a
sua vida, fez tudo o que as galinhas fazem, pois acreditava ser
uma galinha: ciscava a terra em busca de minhocas e insetos,
cacareja-ra e, abanando as asas, dava seus saltinhos e pensava
estar voando. Os anos se passaram e a águia envelheceu. Um
dia olhou para o alto e viu uma ave magnífica voando hem
alto, num céu sem nuvens.A ave parecia deslizar em graciosa
majestade, em meio às poderosas correntes de vento. Sua asa
forte, dourada com o reflexo da luz do sol, batia pausada e
serenamente.A velha águia ofliou extasiada e perguntou:“0
que é aquilo?” “É uma águia, a rainha das aves”, explicou a
galinha a seu lado. “O céu é seu lar. O nosso é a terra; nós
somos galinhas.”Assim, a águia viveu e morreu como uma
galinha, pois era isso que pensava ser.
Versão 2
A águia e a galinha^
Um camponês foi à floresta vizinha apanhar um
pássaro, a fim de mantê-lo cativo em casa. Conseguiu
pegar um filhote de águia.

^ Esta versão mais simplificada foi capturada no site www.oprogresso.


com.br, em 02/02/05.
^ Esta versão foi capturada no site www.felizidade.com.br, em 02/02/05,
e é atribuída a James Aggrey. Foi narrada por Leonardo Boff, em livro da
Editora Vozes, em 1997, de igual título.

128
Colocou-o no galinheiro junto às gahnhas. Cres­
ceu como uma galinha.
Depois de cinco anos, esse homem recebeu em
sua casa a visita de um naturahsta. Enquanto passeavam
pelo jardim, disse o naturalista:
- Esse pássaro aí não é uma galinha. E uma águia.
- De fato, disse o homem, é uma águia. Mas eu a
criei como galinha. Ela não é mais águia. E uma galinha
como as outras.
- Não, retrucou o naturalista, ela é e será sempre
uma águia. Este coração a fará um dia voar às alturas.
- Não, insistiu o camponês. Ela virou gahnha e ja­
mais voará como águia.
Então decidiram fazer uma prova. O naturalista to­
mou a águia, ergueu-a bem alto e, desafiando-a, disse:
-Já que você de fato é uma águia,já que você per­
tence ao céu e não à terra, então abra suas asas e voe!
A águia ficou sentada sobre o braço estendido do na­
turahsta. Olhava distraidamente ao redor.Viu as gahnhas
lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas.
O camponês comentou:
—Eu lhe disse, ela virou uma simples gahnha!
—Não, tornou a insistir o naturahsta. Ela é uma
águia. E uma águia sempre será uma águia. Vamos ex­
perimentar novamente amanhã.
No dia seguinte, o naturahsta subiu com a águia no
teto da casa.
Sussurrou-lhe:
—Águia,já que você é uma águia, abra suas asas e voe!
Mas, quando a águia viu lá embaixo as gahnhas cis­
cando o chão, pulou e foi parar junto delas.
O camponês sorriu e voltou à carga:
—Eu havia lhe dito, ela virou galinha!
129
—Não, respondeu firmemente o naturalista. Ela é
águia e possui sempre um coração de águia.Vamos ex­
perimentar ainda uma última vez. Amanhã a farei voar.
No dia seguinte, o naturalista e o camponês levan­
taram bem cedo. Pegaram a águia, levaram-na para o
alto de uma montanha. O sol estava nascendo e doura­
va os picos das montanhas.
O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:
—Águia, já que você é uma águia, já que você per­
tence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe!
A águia olhou ao redor. Tremia, como se experi­
mentasse nova vida. Mas não voou. Então, o naturalista
segurou-a firmemente, bem na direção do sol, de sorte
que seus olhos pudessem encher-se de claridade e ga­
nhar as dimensões do vasto horizonte.
Foi quando ela abriu suas potentes asas.
Ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E começou a
voar, a voar para o alto e voar cada vez mais para o alto.
Voou. E nunca mais retornou.

Uma vez descritas as duas versões conhecidas da fábula,


voltamos a nossa pergunta inicial: somos águias ou galinhas?
Sem nenhum desmerecimento para com a gahnha ou para
com qualquer outra criatura de Deus, somos águias, pois fomos
criados para as alturas, para voar alto, para olhar para o céu, an­
siar por ele e voltar para a casa do Pai. Ao nos criar. Deus nos
encheu de seus dons, de seus valores e de sua dignidade.
Na fahula (nas duas versões), a pequena águia foi reti­
rada de seu lugar original e criada como uma outra cria­
tura. Ela, que fora criada por Deus para uma finahdade,
foi levada para o chão, para ciscar e olhar para baixo. Da
130
mesma forma o pecado original nos retira de nossa ori­
gem, nos escraviza, nos rouba nossa dignidade de filhos de
Deus. Numa palavra: nos degrada. O perigoso para nós é
acontecer exatamente como na fábula.Termos bico grande,
unhas fortes, asas portentosas, mas nos acostumarmos a vi­
ver limitados em nosso horizonte terreno, buscando coisas
pequenas e nos esquecermos de onde somos e qual é nossa
grande fmaHdade.
Isso nos lembra de imediato a parábola do Pilho Pródi­
go (cf. Lc 15,11). Saindo da casa do pai e depois das festas,
o filho mais novo passa a ser tratado como galinha e se
acostuma a ser como gafinha. Esqueceu-se de que era uma
águia. A nova realidade de galinha está tão entranhada nele
que, mesmo quando “cai em si” e se levanta para voltar ao
lar paterno, não está pensando em voltar a ser águia, mas
somente em ser uma gafinha mais bem tratada do que está
sendo agora. De tanto viver “querendo comer as lavagens
dos porcos” sem o conseguir, já nem almeja mais ser águia.
Ele aceita o mínimo e não pensa mais em viver o máximo
para o qual foi criado. Ao voltar para a casa do Pai (ni­
nho da águia), ele não está cogitando sequer em ser tratado
como águia por seu pai.
O pai, no entanto, embora o filho estivesse todo sujo
e esfarrapado, continua a ver nele uma verdadeira águia,
porque ele não olha o exterior, mas, da mesma forma que o
Pai do Céu, olha o coração. E lá continuam a bater e a pul­
sar o coração e o sangue de seu filho; vale dizer, de águia.
Completando a reflexão do filho pródigo, podemos
notar que o irmão mais velho nunca saiu de casa e nem por
131
isso se tornou águia. Continuou no ninho de águia, mas
continuava mesquinho: “Tanto tempo que estou convos-
co e nunca me destes um cabrito para festejar com meus
amigos...”A resposta do pai dele deveria representar muito:
“Meu filho: tudo o que é meu também é teu”. Aquele
filho viveu junto da águia sem perceber que também era
uma águia.
Em síntese, o filho menor achou que tinha perdido a
dignidade de ser águia e se conforma em ser galinha; quan­
do volta à casa paterna, está simplesmente pensando em ser
uma gahnha bem tratada. Pensava assim: “Quantos empre­
gados há na casa de meu pai que têm alimento... e eu aqui
passando fome”; e ao voltar diz ao pai:“... trata-me como
um de teus empregados...” O filho mais velho me parece
um caso mais grave, embora quase sempre se explore mais
nas pregações e meditações a realidade do mais novo. Em
que se tornou o filho mais velho?
O pai deles, pelo que vemos, era pessoa de uma gran­
deza extraordinária, tanto que Jesus o está implicitamen­
te relacionando com o Pai do céu. E o filho mais velho
viveu “todos esses anos” com seu pai e não o conhecia.
Não aprendera a ver, a amar e a imitar a grandeza de seu
pai. Como já dissemos antes, viveu o tempo todo junto da
águia, tinha a natureza de águia e não sahia viver como tal.
Um conhecido prelado espanhol discorria sobre o pe­
rigo da “corrupção minimahsta”. Dizia ele que o homem
estava corrompendo-se pelo mínimo, aceitando viver “pe­
queno”, esquecendo-se de sua natureza de Filho de Deus.
É bem o que fazem o filho pródigo e a pobre águia que
132
volta para o monte, mas não sabe mais viver a grandeza de
sua natureza. Também é a realidade do filho mais velho,
que esteve sempre ao lado da águia sem chegar a ser uma,
estranhando mesmo o comportamento do pai em relação
ao filho mais novo.
Recentemente tivemos contato pessoal com o “contador
de histórias” Roberto Carlos Ramos, em um evento promo­
vido em Maringá por um programa de desenvolvimento
regional chamado PRO-AMUSEP, do qual fazemos parte,
na equipe de coordenação. A história de vida desse homem
é realmente maravilhosa e queremos inseri-la parcialmente
aqui como forma de ajudar a compreender a relação entre
ser águia e não ser. Sua vida está sumariada em um de seus
livros chamado “As 15 Hções da Pedagogia do Amor”.
Em sua auto-apresentação diz: “sou negro, fui menino
de rua, estive em orfanatos e internatos (FEBEM), de onde
fugi 132 vezes e fui considerado como irrecuperável com
apenas 9 anos. A mudança em minha vida, à qual denomi­
no de um acontecimento extraordinário, deu-se graças a uma
educadora francesa, uma mulher fantástica (...) que mudou
completamente meu destino”. Hoje o Roberto Carlos é
formado em Pedagogia pela UFMG, com especiahzação
em literatura infantil e mestrado em Educação pela Uni-
camp. Embora solteiro, ele “tem” 13 filhos que educa. Sua
história é a de uma “águia” que viu naquele “caso perdido”
uma verdadeira “águia negra”, que hoje educa, prega, emo­
ciona e ensina no Brasil inteiro.

Editora Celebris (www.celebris.com.br), São Paulo,2004.


133
Selecionamos um dos episódios fundamentais de sua
história para nossa edificação, o qual é narrado já no final
do hvro (Lição n. 10: Noção de tolerância).^ É o momen­
to da águia que se encontra com o filho pródigo em uma
condição muito difícil e desafiadora. Era a hora de definir
se estavam relacionando-se águias, galinhas ou lobos.Vamos
resumir rapidamente e com nossas palavras para facilitar a
inclusão; alguns momentos citamos textualmente, mas re­
comendamos a leitura do livro todo, a todos.
Margherit Duvas era uma pedagoga (educadora fran­
cesa) que viera conhecer o Brasü e se interessou pelo caso
daquele menino irrecuperável.Acabou ficando por um ano
no Brasil, e durante esse tempo se dedicou a educar o Ro­
berto Carlos, levando-o inclusive para morar em sua própria
casa. O episódio que vamos narrar se dájustamente quando
se completa seu tempo de permanência no Brasil e ela tem
de voltar para a França. Na cabeça do Roberto aquilo soou
assim: “Eu sabia! Ela está me colocando para fbra. Só que de
uma maneira sutil”. E ele já começa a se imaginar de volta
às mas e assaltando novamente, só que agora em francês.
Para facüitar ser mandado embora pela Margherit,
ele resolveu aprontar alguma coisa que a fizesse perder
a paciência com ele (coisa que nunca havia acontecido).
Escolheu o que ele sabia que mais a irritava. Numa noite
em que ela tinha um encontro com o vice-cônsul da
França, foi ao banheiro, tampou o ralo da banheira e do
piso do banheiro, abriu a torneira e ficou esperando a
água transbordar da banheira, inundar o banheiro e es­
correr pela escada, encharcando o carpete da sala. E ele
®R amos, Roberto Carlos. Op. d t . , p . 151.
134
ficou vendo televisão na sala, enquanto a água continua­
va a escorrer, esperando o momento em que ela voltasse
para ver sua reação. Esperava que ela lhe desse alguns
safanões, que jogasse na cara dele que o odiava, provavel­
mente o expulsasse definitivamente de casa.
Vinham a sua lembrança momentos de felicidade
naquela casa, momentos em que ela havia chorado...
Mas, pensava..., tudo chegara ao fim! Resolveu ir para
o quarto e esperar o desenlace com milhões de idéias
girando em sua cabeça. Teve vontade de chorar, mas
isso era coisa que não sabia fazer, pois, na rua, chorar era
sinal de fraqueza... e ele não era fraco.
De madrugada, quando Margherit chegou, assus-
tou-se, foi até seu quarto e viu o que estava acontecen­
do. Fechou a torneira e foi até o quarto de Roberto e
bateu à porta. Ela estava com os braços para trás e ele já
imaginou que ela tivesse uma faca nas mãos para matá-
lo e outras coisas mais dramáticas ainda.
Ela, no entanto, pediu que ele olhasse nos olhos
dela. Seus olhos, na verdade, estavam cheios d’água,
como quem compreende perfeitamente a situação toda
e os sentimentos envolvidos. E perguntou:
—Você esqueceu a torneira da banheira aberta?
—Não senhora, não esqueci, não. Eu fiz de propó­
sito! E ficou esperando todas as reações possíveis: repre­
ensão, gritos, tapas no rosto...
Ela só tirou as mãos de trás das costas, abriu os bra­
ços e lhe deu um abraço bem forte, dizendo:
—O que eu preciso fazer para provar que o amo.
Diga-me, o que eu preciso fazer para convencê-lo de
que eu gosto de você?!
Não houve jeito. Naquela noite as lágrimas explo­
diram. E ela então lhe disse:
135
—Nós só choramos quando percebemos que so­
mos capazes de amar alguém e fazer com que as pessoas
gostem da gente também (...).
—Eu gosto da senhora, mas a senhora vai embora,
disse ele.
—Não vou mais. Consegui renovar meu visto de
permanência no Brasil.
A Pedagogia do Amor, ensina Margherit, deve ser apH-
cada a todas as pessoas, sobretudo àquelas que mais tumul­
tuam, as mais complicadas. As situações mais problemáticas
é que devem ser confrontadas com a Pedagogia do Amor.
Para se poder aplicá-la, é fundamental que se tenha um
pouco mais de fôlego, um pouco mais de flexibilidade. Um
ensinamento final dessa mulher maravilhosa:“Quando Pia-
get falhar, quando Vigotsky não der certo, abrace seu aluno
como ser humano, e tudo vai dar certo”.^
Vale lemhrar agora a nossos amigos leitores que esse
é só um episódio entre tantos outros narrados no livro e,
com certeza, um número maior ainda dos que não foram
contados. Não é um gesto mágico que recupera uma pes­
soa “perdida”. São gestos, atitudes e muito amor que con­
seguem fazê-lo. Mas... voltemos à questão da águia.
A figura da Margherit na vida de Roherto Carlos é
exatamente a de quem tem uma visão de longo alcance,
que vê além das aparências, que olha a essência. Isso é o que
diferencia o verdadeiro cristão (aliás, nem sei se essa mulher
* A respeito desses autores, já os mencionamos antes no Projeto Pedagó­
gico para a R C C do Brasil. Vale dizer que ela propõe o jeito do autor que
nós escolhemos para ser o guia do projeto, ou seja, Jesus Cristo.

136
pertence a alguma religião). Esse princípio básico de ver
que as pessoas são valorosas é inestimável.Vimos nos passos
deJesus, no início deste Hvro, que ele sempre acreditava no
valor das pessoas. Que elas eram jóias escondidas e que pre­
cisavam ser reveladas ao mundo para que pudessem brilhar.
Neste caso que relatamos temos um belo exemplo disso. A
verdadeira águia viu, em um caso perdido, exatamente um
“filho pródigo” que pode voltar para a casa do Pai, para
cumprir seu verdadeiro papel de águia e, por sua vez, des­
cobrir outros filhos pródigos... E assim por diante!
Não é fácil fazer isso. Não é do dia para a noite.
Mas todos nós podemos descobrir que nosso berço é
de águia. Talvez nossos pais não tenham percebido isso,
nem nossos avós... É bem provável que há gerações ve­
nhamos sendo tratados como galinhas. Mas a Igreja nos
ensina que somos Filhos de Deus! Logo não somos pa­
pagaios, patos, galinhas, burros ou outra coisa qualquer.
Há grandes tesouros em mim e em você, amigo leitor.
Há tesouros em seus pais, em seus filhos; até nos co­
legas de trabalho ou vizinhos mais chatos há tesouros
que precisam ser descobertos. O nome do Pai celeste
será verdadeiramente glorificado quando trabalharmos
pacientemente e com amor para que seus filhos brilhem
e revelem todo o seu valor.
Há muitas lições que podem ser tiradas dessas histó­
rias que narramos neste capítulo, e isso reforça a impor­
tância das parábolas no ensino e na formação dos cristãos,
assim como Jesus o fez. Uma delas gostaria de destacar. E

o final diferente das duas versões da fábula da águia e da


137
galinha. Na primeira delas o final é trágico. A águia passa
o fim de seus dias como galinha: este me parece ser o
fim daqueles que trocam o Mestre divino pelos mestres
do mundo. Triste fim para quem é amado até à loucura
pelo Pai e que foi capaz de dar seu próprio Filho para
que despertássemos para nossa verdadeira identidade de
filho de Deus. Na segunda história, o final nos enche de
esperança, pois o naturalista que representa o mestre divi­
no se dedica à recuperação da dignidade da águia, como
veremos no próximo capítulo.

138
VIII. É NECESSÁRIO
NASCER DE NOVO

Ac final da caminhada de Jesus, tendo Ele aos poucos


se dedicado mais intensamente à formação dos discípulos,
como eles se encontram? Ou mais particularmente, como
se encontra o grupo dos doze? Ao longo dos capítulos an­
teriores, já mostramos que Jesus não escolheu nem buscou
pessoas excepcionais, mas trabalhou o tempo todo com
pessoas comuns. Qual o resultado visível de seu trabalho?
Apesar de terem contado com o Mestre dos mestres,
apesar de terem visto os sinais e prodígios mais incríveis
e de terem testemunhado o maior amor que este mundo
pode ver, o resultado nos parece bem desalentador. Sabe­
mos que esses momentos antes da paixão de Jesus são deci­
sivos e que ali se trava a maior de todas as batalhas: “Agora
será lançado fora o príncipe deste mundo. E quando eu
for levantado da terra (através da cruz), atrairei todos os
homens a mim” (Jo 12,31-32). Sabemos também que o
tentador mobilizou todo o seu esforço para enfraquecer
Jesus em sua firme determinação de dar sua vida; e que

139
nesse esforço para enfraquecer o Mestre está a estratégia
de isolá-lo (“ferirei o pastor e as ovelhas se dispersarão....”).
Era um momento de espírito forte e de firme convicção
do que estava acontecendo e do que era preciso fazer para
cumprir a vontade do Pai.
Em Jesus há esta plena certeza; “O mundo, porém, deve
saber que amo o Pai e procedo como o Pai me ordenou”
(}o 14,31); ou então: “Presentemente, minha alma está per­
turbada. Mas que direi?... Pai, salva-me desta hora... Mas é
exatamente para isso que vim a esta hora” (Jo 12,27).Já nos
discípulos vemos que não há grande clareza e, talvez por
isso, as convicções não estão muito consolidadas. Vejamos
isto nos evangelhos:
1. Percebe-se que eles ainda não tinham compreendi­
do bem o que era o Reino, que não entendiam a proxi­
midade da paixão e morte de Jesus, em que pesem as três
advertências bem explícitas sobre isso. “Mas eles nada disso
compreendiam, e estas palavras eram-lhes um enigma cujo
sentido não podiam entender” (Lc 18,34 —após o terceiro
anúncio da Paixão).
2. Havia neles uma sincera disposição de seguir o Mes­
tre, nem que fosse até a morte, e Pedro expressa isso de
maneira clara: “Senhor, estou pronto a ir contigo tanto para
a prisão como para a morte” (Lc 22,31s.).Também os ou­
tros haviam se comprometido com ele. Mas Jesus sabia que
o desafio estava bem além da capacidade que eles tinham
naquele momento: “Simão, Simão, eis que Satanás vos re­
clamou para vos peneirar como o trigo; mas eu orei por
140
ti, para que tua confiança não desfaleça; e tu, por tua vez,
confirma teus irmãos” (Lc 22,31).
3. Ao longo da formação, Jesus já lhes falara por diversas
vezes da necessidade de nascer de novo, de ser uma nova
criatura; no entanto, Jesus sabia que lhes faltava a “força do
alto” (cf. Lc 24,49). Ele mesmo dissera a seus três seguido­
res mais próximos (Pedro,Tiago e João), quando eles não
conseguiam vigiar com ele no momento de maior angús­
tia, em que chegou a suar sangue (cf. Lc 22,44): “Simão,
dormes? Não pudeste vigiar uma hora! Vigiai e orai, para
que não entreis em tentação; pois o espírito está preparado,
mas a carne é fraca” (Mc 14,37-38).
4. Alertara que um deles o havia de trair, e a Pedro
disse que naquela mesma noite ele o haveria de negar por
três vezes. Todos ficaram assustados, mas foi exatamente o
que aconteceu. Isso pode ser visto pelo lado da fraqueza
daqueles homens que não estariam à altura do chamado e
da missão. Na verdade, revela quanto Jesus conhecia os seus,
sabia de suas potencialidades, de sua vontade de segui-lo,
mas também sabia exatamente os hmites de cada um. Mes­
mo assim, continuou confiando neles.
5. Mesmo depois da morte e da ressurreição do Senhor,
o panorama não se altera muito. Os discípulos de Emaús
(cf. Lc 24,13s.) voltam cabisbaixos para suas casas, mesmo
já tendo recebido notícia da ressurreição: “É verdade que
algumas mulheres (...) foram ao sepulcro (...); e não tendo
encontrado o corpo, voltaram, dizendo que tiveram uma
visão de anjos, os quais asseguravam que ele está vivo”. E
ainda continuam a acalentar sonhos de um Reino na ter-
141
ra, quando reunidos o interrogavam; “Senhor, é porventura
agora que ides restaurar o reino de Israel?” (At 1,6).
6. Poderiamos ainda acrescentar outros fatos, como a
experiência de Tomé, mas também poderiamos destacar
aquelas mulheres, hderadas por Maria Madalena, que apre­
sentam um belissimo testemunho de amor a Jesus, confor­
me nos mostra o evangeHsta João, em seu capitulo 20.
Em todos esses episódios e citações, fica bem evidente que
o chamado de Deus para os homens (em qualquer tempo)
está acima da simples capacidade humana. Ele não nos envia
para uma ação pessoal que dependa só de nossos recursos pes­
soais. Nas empreitadas a que Deus nos chama é para sermos
seus cooperadores.A missão é sempre dele (Deus uno e trino),
que é criador, salvador e santificador, e nós somos chamados a dar
nossa parcela de cooperação. Dessa maneira,Jesus ensina a seus
discípulos 0 que deve ser feito e como deve ser feito. Prepara-os
para a missão a ser desempenhada depois da sua. “Aquele que
crê em ruim fará também as obras que eu faço, e fará ainda
maiores que estas: porque vou para junto do Pai” (Jo 14,12).
No diálogo de Jesus com Nicodemos (cf.Jo 3,Iss.), Je­
sus já fez menção da necessidade de “nascer de novo”. Na
narrativa do evangeHsta, parecem faltar algumas partes do
diálogo. Com certeza, Nicodemos (príncipe dos judeus) foi
conversar com Jesus para tentar resolver questões que lhe
inquietavam o coração. Ele era um conhecedor das coisas
de Deus e, por certo, percebia a grande dificuldade de vi­
ver segundo a vontade de Deus, resumida nos dois grandes
mandamentos do amor (amar a Deus e amar ao próximo).
142
Conhecer os mandamentos é uma coisa; querer vivê-los é
outra; e conseguir fazê-lo parece mais difícil ainda.
A reposta de Jesus para ele é paradigmática: “Quem
não nascer de novo, não poderá entrar no Reino de Deus”
(v. 3b). E mais ainda: “Em verdade, em verdade te digo,
quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar
no Reino de Deus” (v. 5). Vale relembrar aqui a questão
do método de Jesus e do método do mundo, tratada ante­
riormente. São visões de mundo completamente diferen­
tes. Para viver a reafídade do Reino, a vontade de Deus, é
preciso uma visão completamente nova. Não dá para viver
com os olhos e os interesses do mundo. Mesmo que nas­
céssemos de novo (da carne, como chega a pensar Nico-
demos), continuaríamos a ter a mesma cultura, interesses e
visão do mundo. Daí que é preciso nascer da “água e do
Espírito”. Como compreender isso?
Aos discípulos Jesus exphcita longamente, conforme se
pode ver em todos os evangelhos, mas particularmente no
evangelho de João, capítulos 14, 15 e 16, além da conversa
com a samaritana (entre tantos outros). Será que eles com­
preenderam?
Parece que não! Este conhecimento não pode ser so­
mente intelectual, e sim experiendal. Os apóstolos só vieram
mesmo a saber do que se tratava depois do dia de Pentecos-
tes, após serem batizados no Espírito Santo. Depois dessa
experiência com o Espírito do Senhor, aqueles homens,
que eram fracos, cheios de dúvidas e incertezas, tiveram
uma mudança súbita em suas vidas. De homens medrosos
se tornaram valentes, a ponto de testemunhar a Jesus não só
143
com palavras e atos, mas principalmente com o sacrifício
da própria vida. O que aconteceu na vida deles que Jesus
“não pôde fazer” antes?
Quando somos batizados no Espírito Santo nascemos
de novo. Jesus, enquanto homem, podia falar, ensinar, mos­
trar caminhos, testemunhar, mas não podia entrar no co­
ração do homem. Depois que ele foi glorificado, o Espíri­
to Santo foi derramado no coração dos discípulos e, neste
novo nascimento, eles se tornam novas criaturas, capazes
de entender tudo o que Jesus lhes havia ensinado e que até
então lhes parecia obscuro.
O evangelista Lucas fala que após a ressurreição e an­
tes do envio final “Abriu-lhes então o espírito, para que
compreendessem as Escrituras” (Lc 24,45). No evangelho
de João, Jesus cumpre a promessa feita antes de sua morte:
“Convém a vós que eu vá! Porque, se eu não for, o Pará-
clito não virá a vós: mas se eu for, vo-lo enviarei” (}o 16,7).
Ele sopra sobre os Apóstolos e diz: “Recebei o Espírito
Santo...” (Jo 20,22), para que pudessem entender e ter a
força necessária para viver a vida nova, como de fato acon­
teceu.

144
IX. PEQUENA SÍNTESE
E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A, Lpós analisar brevemente os passos de Jesus e sua


maneira de evangelizar e formar discípulos, neste capítu­
lo final nos interessa fazer uma retomada dos principais
pontos do livro, numa espécie de ajuda didática e pedagó­
gica, compilando melhor as idéias e os ideais.
O objetivo que permeia a narrativa é o de olhar
a vida de Jesus por seu lado pedagógico. Procuramos
sempre entender a atitude do Mestre, que educa e for­
ma as pessoas, especialmente os grupos mais próximos.
Em termos de material básico para a análise, trabalha­
mos com os evangelhos, com o Projeto Pedagógico da
RCC, alguma hibliografia e a experiência acumulada
em diversos retiros e reflexões de aproximadamente
quatro anos.
De forma sintética, podemos apresentar os passos de
Jesus na tabela abaixo, conforme foi tratado no capítulo
quatro:

145
os PASSOS D E JESUS

PASSOS ATITUDE DE JESUS APRENDENDO


COM O MESTRE
1. BUSCAR O Mestre entende ser um
compromisso seu ir atrás A verdadeira caridade é levar o
da oveUia perdida. E uma amor de Deus àqueles que ainda
atitude missionária. não o conhecem.
2. VALORIZAR Ele acredita sempre no Crer no valor de todos e de cada
valor de cada pessoa. Sabe um, em particular. As verdadeiras
que o Pai investiu em cada jóias precisam ser descobertas e
uma e Ele não vai deixar revelar seu “brilho”.
perder-se nenhuma delas.
3. ACOLHER “Vinde e vede” é o sinal Se não se tiver amor, “de nada
da acolhida de Jesus. Ele adianta”.Acolher não pode ser uma
recebe e se dá a conhecer. atitude somente exterior, mas tem
O amor se dá, sem limites, de vir do coração e sem reservas.
“... até o extremo os amou”.
4. ATENDER Jesus ensina a atender às Com o Mestre, aprendemos que a
necessidades de todos, mas caridade nos impele para o outro,
também do homem como para suas necessidades. Clamar a
um todo. Necessidades físi­ Deus pelos outros, pois Ele se dei­
cas, emocionais, espirituais xa vencer pelo amor.
etc. Ouvir, acolher e atender.
5. ANUNCIAR O Mestre dos mestres O maior de todos os mestres se
anuncia para multidões ou mostra um grande pregador com
pequenos grupos. Sem­ imensa simphcidade. Isto é o
pre com autoridade, quer maior ensinamento. Ele não insis­
restabelecer a verdade, im­ te em mostrar o que conhece.
plantar o Reino.
6. FORMAR De um início mais pú- Com Jesus, aprendemos que não
bhco, aos poucos a ênfase adianta só anunciar, se não for
recai na formação de seus criada uma estrutura adequada
seguidores e continuado- para reproduzir o conhecimento
res. Sua preocupação fun­ fundamental. Formar continuado-
damental está em revelar o res esclarecidos.
verdadeiro Deus.
146
Uma questão intrigante em relação à vida de Jesus é
sua própria formação. Deixando de lado algumas fantasias
sobre o assunto, vimos que, não tendo nenhum mestre em
especial - o que não era muito comum entre os doutri-
nadores de sua época —e tendo acesso ao mesmo material
que todos os demais estudiosos, ele tem uma visão de Deus,
de sua vontade e das leis e profecias que diferem em larga
medida das aplicações feitas pelos escribas, fariseus e dou­
tores da lei.
O longo aprendizado do Messias, que já era sur­
preendente aos 12 anos, é motivo de reflexão. Como
o Pai o guarda e o Espírito Santo o prepara para a
missão? Lendo o profeta Isaías (42,1-4), descobre-se a
fonte para seu método e lá se aprendem a esperança e a
perseverança; a mansidão, a paciência e a franqueza (ver
nosso capítulo III, especialmente o item 1). E concluímos
lá: definitivamente, a franqueza e a verdade, mais do
que do método de Jesus, fazem parte de sua própria
essência.
A partir daí fomos mergulhando cada vez mais na vida
de Jesus, procurando conhecer mais seu método, dentro
de sua franqueza e da verdade. Descobrimos que a cruz e
um método e que Jesus o assume e o propõe claramente a
seus seguidores. Isso está largamente exposto nos evan­
gelhos, mas parece haver uma resistência em assumi-lo.
Talvez porque fira nosso conforto e comodismo. Com
certeza tromba de frente com nossa cultura ocidental e
capitalista. Há uma resistência de nossa cultura a enfrentar
a cruz como um método cristão. As palavras de Jesus a
147
seus discípulos são de uma clareza total, como vimos no
item 3, e ela se aprofunda com a prática de tomar o cami­
nho de Jerusalém (item 4).
Tão claro ficou isso para nós que resolvemos ex­
plicitá-lo mais, fazendo para isso um capítulo à parte
(capítulo IV), no qual destacamos o que é o método do
mundo e no que o método cristão é completamente
diferente do primeiro. Penso que essa é uma das maio­
res contribuições deste estudo que fizemos da vida de
Jesus. Como é exigente e quão diferente é daquilo que
nos é proposto por nossa cultura. Somos formados desde
criancinhas, pelo método do mundo, a ser competitivos,
a ser os maiores, a ser o centro de tudo, ou seja, egocên­
tricos. E Jesus nos chama a sempre considerar o outro, a
olhar para as necessidades do outro, a ir atrás dele, a per­
doá-lo. “Se lhe tomar a túnica, dá-lhe também o man­
to...” Enquanto isso o mundo incute em nossas mentes a
necessidade de acumular bens e tesouros, conhecimen­
tos, títulos, honrarias...
O grande desafio para nós é estar no mundo sem ser
do mundo. Em sua oração sacerdotal Qoão 17), Jesus ora
assim ao Pai: “Não peço que os tires do mundo, mas sim
que os preserves do mal. Eles não são do mundo, como
também eu não sou. Santifica-os pela verdade.Tua pala­
vra é a verdade” (15-17). Então nosso lugar é no mundo,
sem ser dele; mesmo mergulhados em suas realidades
e cultura, somos convidados a viver os ensinamentos
de Jesus e a verdade, ou seja, a Palavra de Deus. Uma

148
conclusão é inescapável; não se pode usar o método do
mundo para viver as realidades cristãs. Os métodos se
opõem um ao outro. Para viver como cristão, é preciso
o método cristão.
Esse grande desafio, de acordo com os ensinamentos
do próprio Jesus, mostra uma saída, que ele apresen­
ta a Nicodemos: é preciso nascer de novo, conforme já
analisamos anteriormente (Capítulo VIII). Estamos tão
envolvidos no mundo, e sua cultura e método estão de
tal forma entranhados em nós que não há como refor-
mar a casa. E preciso começar do marco zero e com um
novo método. E o que acontece no Pentecostes com os
seguidores de Jesus, e é o que é preciso acontecer com
aqueles que têm um encontro pessoal com o Salvador —
como tantos exemplos no evangelho —e que começam
a vida nova. O Espírito Santo nos é dado no batismo e
confirmado no crisma. E preciso que entendamos que
/

Ele vai fazer em nós, como o faz na Igreja, a construção


do Corpo de Cristo. Na Igreja ele já vem trabalhando
desde sua fundação no Calvário e no Pentecostes, sem
jamais ter interrompido sua ação; no nível pessoal, no
entanto, corresponder a essa ação depende de cada um,
pois Deus nos deu essa liberdade.
Ao terminar a leitura dessas reflexões, entendemos ser
possível orar ao Pai, em nome de Jesus, para que Ele inicie
e leve a bom termo a obra que quer fazer em nós, pelas
mãos do Espírito Santo e de acordo com o método de
Jesus Cristo.

149
OREMOS
Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, em co­
munhão com todos os santos, que neste mundo soube­
ram viver segundo os ensinamentos de teu Filho, nós te
pedimos: derrama sobre nós a luz de teu Espírito Santo,
para que nossas mentes se abram, como aconteceu com
os apóstolos no dia de Pentecostes, e que cheios da Sa­
bedoria do Alto possamos viver neste mundo, mas não
com seus métodos e jeito de ser, e sim com o método
de Jesus, com seu amor e misericórdia, santificando-nos
e santificando a todos.
Divino Espírito Santo, inspira em cada um de nós
o mesmo amor de que estava cheio o coração de Jesus.
Faze, Santo Espírito, que saibamos seguir todos os pas­
sos de Jesus, e com a mesma esperança, mansidão, perse­
verança, paciência e franqueza, trabalhemos incansavel­
mente até que todos os homens deste mundo tenham
conhecido a verdadeira face amorosa de Deus. Amém!

150
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