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Um Novo Morar: defletindo o Nova Aliança / Helena Ribeiro Dezem - Ribeirão Preto:
67 p.
UM NOVO MORAR
DEFLETINDO O NOVA ALIANÇA
Trabalho Final de Curso da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Moura Lacerda sob a orientação da Prof. Me. Tânia Maria Bulhões Figueira
Ribeirão Preto
2015
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, Ana Beatriz e Marcelo, por todo o apoio, confiança
formação acadêmica.
REMATE 65
EXPERIMENTAÇÃO 40
ANTAGONISMO 26
RIBEIRÃO PRETO 20
HISTÓRIA 12
PRÓLOGO 6
PRÓLOGO
sar o programa habitacional, sobretudo, a organização espacial e a relação entre público-privado. As habitações ao menos deveriam ser
o reflexo da sociedade e da cultura de uma determinada época. Assim, se as configurações da moradia do século XIX, por exemplo, são
totalmente distintas de uma do atual século XXI, por quê ainda identificamos uma condição quase que sine qua non de reproduzi-las?
A sociedade contemporânea encontra-se em constante reconfiguração das características de sua constituição familiar e, portan-
to, de seus modos e estilos de vida; o que pode ser considerado como uma consequência direta das reestruturações das condicionantes
1 | HINTZ, 2001 do quotidiano sociocultural atual [1].
cipação feminina no mercado de trabalho, as uniões instáveis, as quedas crescentes das taxas de natalidade e mortalidade, a liberdade
sexual, entre outros. Tais fatores influenciam na necessidade de um projeto de habitação que se adapte a essas constantes transforma-
08 | 09
3 | BERQUÓ, 1980, apud TRAMONTANO, 1993, p.1 ções e que não perca a identidade para com o lugar que ocupa [3].
Pode-se verificar que na contemporaneidade, há um descompasso entre a questão habitacional, os correspondentes culturais
de organização da sociedade e os interesses do mercado imobiliário. Há uma crítica sobre esse descompasso pelo crescimento popu-
lacional mundial considerado como problema; a padronização habitacional sem preocupar-se com o lugar e com as reais necessidades
de seus moradores; a recriação da sensação da vida de tempos passados, através das habitações pastiches. Essa zona de conforto
4 | BUTTON, 2008. encontrada na replicação de projetos habitacionais do passado é ilusória e, para ele, até mesmo patológica [4].
Como problematização ligada a essa ideia temos, por exemplo, a questão de que as pessoas buscam sempre a modernidade
em seus equipamentos do cotidiano, porém, quando se tratam de suas residências, retrocedem ao passado. A arquitetura tem uma
profunda relação com os sentimentos humanos e ela apenas oferecerá felicidade às pessoas que viverem em um ambiente cujo projeto
A habitação não pode mais ser considerada como um objeto isolado; deve ser contextualizada como um pretexto para de-
6 | ROCHA, 2012. monstrar que a casa atual é a cidade, tendendo à relação entre público e privado cada vez mais homogênea [6].
As configurações espaciais do programa interno das habitações contemporâneas também foram alteradas: os dormitórios
tornaram-se menos privativos; os banheiros transformaram-se em espaços de permanência; cozinhar tornou-se sinônimo de interação
familiar; as pessoas também trabalham em casa. As moradias atuais têm a necessidade de absorver em seus espaços essas mudanças
Além da preocupação com a adaptabilidade da habitação ao tempo contemporâneo, há a preocupação com a questão am-
biental oriunda do conceito de redução de impactos ao meio ambiente afins à tecnologia das construções – área da arquitetura e
urbanismo:
“Os materiais utilizados devem ser oriundos de fontes renováveis, e sua produção deve ser ecológica, ou seja, a construção
em si não deve poluir, e o tanto quanto possível, os ambientes criados devem interferir o mínimo no entorno. Assim, novas soluções
devem ser analisadas frente à preocupação com a redução de perdas e desperdícios, através da racionalização da proposta, como
8 | CAMPOS, 2009, p. 7. também com o destino de resíduos sólidos que possam ser gerados, causadores de impactos ambientais [8].”
A indústria da construção civil é a maior geradora de resíduo urbano. Em 2010, segundo um estudo da ABRELPE, o Brasil gerou
36.264.210 toneladas. Por essa questão é pouco provável uma sociedade conseguir reduzir seus impactos ao meio ambiente urbano
sem ocorrer transformações na edificação de obras (sejam elas mais ou menos complexas – habitações, equipamentos, praças e par -
ques urbanos ou mesmo intervenções urbanísticas). A cidade, os edifícios e o meio ambiente devem constituir um sistema integra-
do, e para tanto deve-se considerar avanços da técnica e de tecnologias construtivas quanto o caráter histórico, social e cultural
de determinada sociedade para projetarem-se edifícios que atentam, ou ao menos tentem atender, as demandas e urgências da
contemporaneidade.
A caracterização do presente trabalho sobre habitação se alia ao conceito de flexibilidade e parte do pressuposto de discu-
tir e buscar alternativas e estratégias para o projeto de uma morada que atenda as necessidades espaciais e funcionais de uma fa-
mília, independente do tipo familiar. Paralelamente deseja-se que essa habitação possua um caráter universal, ou seja, um projeto
que busque uma flexibilidade ao mesmo tempo itinerante (possibilidade de deslocamento físico), adaptativa (planta livre e ambien-
tes mutáveis) e evolutiva (capaz de transformar-se ao longo do tempo), sem perder a identidade para com o local de implantação.
Nessa linha de pensamento elege-se a questão da habitação modular – vários módulos que se encaixam conforme a ne-
cessidade e a funcionalidade do usuário – e, através de tal questão chega-se a intensão de discutir otimização de sistemas cons-
Fig. 2 | Modelo de Habitação Tripartida Burguesa
trutivos pré-fabricados que sejam capazes aplicação ampla. Outro item importante a ser pensado são as vedações, que devem ser
Planta de apartamento unifamiliar. Edifício Vila Romana, 1984 [Jornal
compatíveis com as necessidades e flexibilidades dos usuários e, paralelamente, permitam a otimização do conforto ambiental da
Folha de S. Paulo, 17/07/1984 e 16/03/1983]
edificação.
Ao final do presente trabalho a intensão é que os usuários do projeto proposto estejam imersos em uma habitação adap-
tada a sua realidade, com possibilidade de alteração de sua configuração espacial as suas necessidades.
Desta forma, intenta-se por experimentações nos estudos preliminares que gerem um projeto adaptável ao usuário, o que
visa garantir que haja uma inversão nas relações entre usuário e ambiente, ou seja, o segundo adapta-se às alterações quotidianas
Le Corbusier
HISTÓRIA
A Idade Média caracterizou-se por uma constituição social: em que nobres e servos mantinham uma relação de senhorio/
vassalagem e a condição rural impunha a manutenção de organizações sociais, denominadas feudos, extremamente segmentadas
e ensimesmadas. Nessa época, a Igreja possuía uma influência cultural sobre tal sociedade, o que pode ser caracterizado como uma
mentalidade regida pelo teocentrismo – consciência cultural na qual Deus está no centro do Universo.
Partindo para análise que mais interessa a esta pesquisa, ou seja, a questão da organização espacial dos feudos, pode-se desta-
car uma característica geral: havia uma área destinada às casas dos servos, enquanto que o senhor feudal, sua família e alguns serviçais
moravam no castelo. Entre os séculos X e XV, durante a Baixa Idade Média, a sociedade que vivia no interior dos feudos era coletiva e
9 | ARIÈS, 1960. comunitária, caracterizando um ambiente que não era público por excelência e nem privado [9].
No século XIV, com o aumento populacional, as novas atividades artesanais; o surgimento da burguesia; o maior intercâmbio
entre Ocidente e Oriente; a perda de poder da Igreja; e a ascensão dos estados nacionais no âmbito político, econômico e cultural; o
homem, influenciado pelos ideais antropocentristas e pelas questões econômicas pouco favoráveis, busca manter uma família nuclear,
não mais expandida como era na Alta Idade Média, através da privacidade junto à sua família e a escolha de seu estilo de vida.
Nos séculos XVI e XVII, período de transição do feudalismo para o capitalismo, com o advento do mercantilismo e ênfase na
atividade comercial – objetivando o fortalecimento do Estado e a máxima expansão da economia –, houve um movimento de migração
dos camponeses da zona rural para a cidade. O fortalecimento da indústria manufatureira e a concentração de renda nas mãos da nova
classe detentora dos bens de produção favoreceu a “eleição” da cidade como o centro de negócios e símbolo de modernidade.
Nesse período, a contrapartida cultural era caracterizada pelo Renascimento, movimento que colocou em pauta questões rela-
tivas ao antropocentrismo e à racionalidade humana possibilitada pelos constantes avanços científicos e tecnológicos, o que pode ser
expresso, em termos artísticos e arquitetônicos, através da retomada dos valores da Antiguidade Clássica.
“A partir da revolução industrial, o deslocamento, seja no movimento de objetos seja no movimento de pessoas, corresponde
ao entrelaçamento, como numa curva de moebius, de um mesmo fenômeno: movimentam-se os corpos no espaço, movimenta-se o
história
europeia, principalmente na Inglaterra, França e Alemanha. Grande parte de acontecimentos parte das principais organizações tec-
nológica, econômica, ideológica, social e política oriundas dessa industrialização. Demonstra, por fim, como a influência do novo
homem, que passa a ter uma vida urbana e a conformar uma família nuclear, altera as configurações tradicionais da habitação [12].
14| 15
12 | TRAMONTANO, 1998.
No século XIX e início do século XX, havia uma diferença socioeconômica entre a burguesia e o proletariado, e essa diferença
começou a refletir-se nas habitações e na organização espacial das cidades, a burguesia habitava a parte central e o proletariado, a
periferia [13].
13 | GUERRAND, 1987.
Tanto os imóveis de aluguéis burgueses, quanto às mansões, eram caracterizados por uma tripartição bem definida – em
área social, privada (ou íntima) e de serviço – espaços com subdivisões conhecidos como cômodos estanques.
1 - sala de música 1 - gabinete
2 - sala de festa 2 - biblioteca De maneira geral, o salão, as salas de jantar e bilhar e o jardim de inverno eram cômodos para receber e negociar, eram
3 - sala de visita 3 - quarto de vestir
4 - sala de jantar 4 - aposento opulentes e formais para demonstrar poder. Os quartos eram extremamente privativos, visitas não podiam adentrar nesses cômo-
5 - escritório
dos. Em algumas residências, o acesso aos dormitórios dos filhos era pelo quarto dos pais, muitas vezes para preservar a pureza das
filhas pelo fato de que a virgindade era totalmente valiosa em um casamento burguês. Ainda nessa época, como havia uma grande
desconhecimento científico e tecnológico relativos às questões sanitárias, o cheiro e a temperatura da cozinha e do banheiro eram
considerados desagradáveis. Por isso, eram cômodos isolados e pouco frequentados por seus moradores em uma residência.
Com as frequentes rebeliões populares, parecia que a classe burguesa procurava a segurança e a tranquilidade na residên-
cia. Negava, portanto, a possibilidade de imersão entre público e privado. As delimitações espaciais entre ambiente doméstico (pri-
vado) e cidade (público) são claras, vide implantação de tais objetos arquitetônicos na paisagem urbanas das cidades do século XIX.
Fig. 5 | Modelo de Habitação Unifamiliar Burguesa do Final do Séc. XIX.W
Com as alterações socioeconômicas do século XX, esse modelo residencial tripartido burguês, ainda reproduzido, foi critica-
Residência de Rui Barbosa, Botafogo, Rio de Janeiro, 1895 [http://www.
rioecultura.com.br/instituicao/arq/arq_mus_ruibarbosa.asp, último do e revolucionado pela Arquitetura Moderna. No século XX, entre as décadas 1910 e 1950, a preocupação da Arquitetura Moderna
acesso em 13/09/2015]. estava na funcionalidade, modularização, praticidade, melhor utilização do solo e melhores relações entre o público e o privado,
visando atender o quotidiano da modernidade, por vezes caracterizado por apressado, bem como o crescimento demográfico das
14 | MENDES E MENDRANO, 2013.
cidades [14].
O modo econômico industrial é o que rege o pensamento hegemônico da época, ou seja, a contrapartida sociocultural: a
casa, por exemplo, passa a ser considerada como uma “máquina de morar” seriada e o homem não é considerado singular, mas
padrão. O arquiteto Le Corbusier desenvolveu o Modulor, modelo de proporção áurea da escala humana, como tentativa frustrada
15 | POSSEBON, 2004.
de unificar as dimensões arquitetônicas; porém não desmerece suas obras [15].
Um dos grandes legados de Le Corbusier foi a Carta de Atenas e a delimitação de cinco princípios da Arquitetura Moderna
internacional a serem aplicados na edificação. Grosso modo, estes podem ser assim descritos: pilotis, que liberam o edifício do solo
e tornam útil essa área – devolvendo esse precioso locus à sociedade, ou seja, torna-o público; terraço jardim, que transforma as co-
berturas em espaços/lugares utilizáveis, o que auxilia, inclusive, no conforto térmico das edificações; planta livre, resultado direto da
independência entre estruturas e vedações, possibilitando flexibilidade nos espaços internos; fachada livre, também permitida pela se-
paração entre estrutura e vedação, possibilitando a máxima abertura das paredes externas e a integração do exterior com o interior; e
por fim a janela em fita, aberturas longilíneas que atravessam toda a extensão da edificação, permitindo uma melhor iluminação e vistas
A principal e pioneira obra de Le Corbusier que contém esses cinco princípios da arquitetura moderna é a Villa Savoye (1928-
1929), construída em Paris, França. Esse arquiteto e sua obra retratam a busca por uma referência de habitação que apresente valores
díspares aos postulados pela sociedade burguesa, seja pela evolução técnica e tecnológica da modernidade ou mesmo pelos novos
16 | BÓGEA, 2006. [16]. A distribuição interna do programa habitacional nesta edificação pode se caracterizar como o oposto da casa tripartida burguesa
– os três setores estão totalmente integrados; tem-se ausência de vedações (exceto as que cerceiam o equipamento citado); a cozinha
e o banheiro ocupam um lugar central no projeto e, portanto, podem ser caracterizados como espaços mais valorizados, tal qual os
Nos Estados Unidos durante a década de 1960, houve uma grande crítica dos arquitetos em relação à insipidez da arquitetura
moderna, propagada por Mies van der Rohe e do estilo industrial a que deu origem, que sobrecarregava os centros urbanos com sua
17 | GLANCEY, 2000. reprodução em massa [17]. Esses arquitetos defendiam que a arquitetura moderna, com suas edificações simplistas, tornou-se insensível
aos valores e vidas de seus usuários e que era o momento de implementar essa arquitetura. Surgia assim o Pós – Modernismo – princí-
pios da arquitetura modernista associados a novas formas e estilos. Nos Estados Unidos, o resultado foi edificações pastiches de estilos
históricos e hollywoodianos.
Na Europa, o pós-moderno influenciou mais sutilmente e convincente a arquitetura local. Os melhores arquitetos eram aqueles
18 | GLANCEY, 2000. que estavam buscando novos significados e personalidades no modernismo, ligando-se à história de uma nova maneira [18]. Na Itália,
ao final da década de 1970, o pós-modernismo teve duas vertentes. A primeira era uma crítica inteligente ao modernismo, porém com
deficiência conceitual. A segunda tinha um forte apelo conceitual e experimental. Na Inglaterra, houve tentativas de associar música,
moda e arquitetura.
Na década de 1990, com os avanços das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação), houve um correlato avanço em ou-
16 | 17
ÂMBITO NACIONAL
No Brasil, o processo de evolução habitacional foi tardio em relação a Europa e com certas particularidades.
Durante os séculos XV e XVIII, o Brasil era conhecido historicamente como América Portuguesa, devido ao sistema de coloni-
zação. Nessa época, a sociedade colonial foi organizada segundo dua função de território a ser explorado (colônia de exploração) e,
portanto, ligou-se à economia rural e à importância das relações de posse, tanto em termos de território quanto à relação entre domi-
nador (senhor) e dominado (escravo. A organização familiar era caracterizada pela segregação da sociedade em senhorial, escravos e
20 | NOVAIS, 1997. pequenos produtores ou indivíduos pobres e livres [20].
Vários fatores justificam essa sociedade organizada em estamentos, todavia, com possível mobilidade, tais como distancia-
mento da metrópole, escravidão, expansão territorial constante e recursos precários. Devido, grosso modo, a esses fatores e as diver-
sas configurações familiares, nos três primeiros séculos do Período Colonial as habitações eram simples com apenas um pavimento,
tamanho reduzido e construídas a partir de usos de materiais regionais e tecnologias rudimentares (pau a pique, adobe, entre outros.),
21 | ALGRANTI, 1997. devido a sua função de estadias passageiras [21].
Com a evolução da América Portuguesa, sobretudo após a vinda da família real portuguesa para solo colonial, as moradas
tornam-se mais sofisticadas devido à influência europeia, porém com adaptações. As habitações mais abastadas não se limitaram
apenas à edificação, tinham jardins que ocupavam os recuos frontais e, no fundo, quintal com horta e pomar, onde concentrava-se a
vida doméstica já que a ventilação restrita e o clima quente incentivavam os moradores a frequentarem mais a parte externa de suas
habitações. No âmbito rural, também encontravam-se a senzala, habitação destinada aos escravos, já no âmbito urbano, os escravos
Com o movimento bandeirista, surge a característica da hospitalidade nas casas coloniais através do alpendre, anexo coberto
por telha ou palha, circundado por muretas. Os elementos vazados, tais como cobogó e muxarabi, aparecem com frequência nas casas
dessa época, através da função de permitir certa privacidade no interior das edificações; conforme o interior das residências evoluiu,
Quanto ao interior, as moradas coloniais mais simples tinham poucos cômodos, causando acumulação de funções nos mes-
mos; as moradas coloniais urbanas mais elaboradas tinham, na frente, a sala com janela para a rua; na lateral, os dormitórios com cir-
Fig. 7 | Modelo de Habitação Unifamiliar Bandeirista
culação pelo corredor e, no fundo, a cozinha, o alpendre e o quintal.
Sítio de Pe. Inácio, Cotia, séc. XVI [http://www.arquitetonica.com/
historico_revista5/quartinho.htm, último acesso em 13/09/2015]. No final do Período Colonial, com o crescimento das cidades e influência da burguesia europeia, as casas caracterizam-se por
suas subdivisões para funções específicas como orações, trabalho, alimentação, lazer, fazendo propagar o número de sobrados.
Com a chegada da corte portuguesa à América Portuguesa, seguida pela abertura dos portos, missão artística francesa e Re-
volução Industrial europeia, novos materiais e técnicas foram importados pelo Brasil, fazendo com que as habitações ficassem mais ela-
boradas. Com a propagação do saneamento e da iluminação elétrica, além de grande influência de estilos europeus, respectivamente
neoclassicismo e ecletismo, houveram alterações nos hábitos familiares e, consequentemente, nas moradias. A partir do século XIX, as
22 | LEMOS, 1989. habitações passaram a ter mais aberturas com vidro, proporcionando maior insolação, ventilação e iluminação [22].
O arquiteto Ramos de Azevedo propagou o modelo “morar à francesa”, através das funções social, repouso e serviço bem de-
finidas separadamente. Para facilitar o acesso de uma zona a outra, surge o vestíbulo, um cômodo de passagem com saída para as três
zonas. Essa configuração perdurou até a arquitetura moderna brasileira, porém ainda é reproduzida até os dias atuais.
Nas primeiras décadas do século XX, diferentemente da Europa, a arte moderna brasileira não está conectada à crise do siste-
ma tradicional, e sim à necessidade de propagar uma identidade nacional, pois o Brasil já era uma República com uma etnia miscige-
23 | LEONIDIO, 2005. nada e uma linguagem própria [23]. Com esse intuito, surge o Movimento Modernista para incentivar a cultura própria nacional e não
Na arquitetura brasileira, no final da década de 20, o racionalismo desse Movimento é refletido na teoria arquitetônica de ade-
24 | FICHER E ACABAYA, 1982. quar a arte e a arquitetura brasileiras com as técnicas de produção europeias e a identidade nacional [24]. Nessa fase, o principal teórico
foi o arquiteto Lucio Costa, que questionava a postura internacionalista da arquitetura e defendia uma nova estética com características
nacionais específicas.
No início da década de 30, com a visita de Le Corbusier (1929) ao Brasil e a nomeação de Lucio Costa como diretor da Escola
de Belas Artes (1929), a difusão dos ideais da Arquitetura Moderna internacional e a necessidade de modernização da arquitetura na-
cional se ampliaram, somadas ao incentivo do Estado Novo. Várias obras de caráter modernista destacaram-se nesse início, como o
Plano de Goiânia (1933) de Attilio Correa de Lima; a Sede da ABI (1936) e o Aeroporto Santos Dumont (1937) dos Irmãos Roberto; e o
A primeira fase da Arquitetura Moderna brasileira, datada de 1930 a meados da década de 50, caracterizou-se pela influência
internacionalista de Le Corbusier e Mies van der Rohe somada ao nacionalismo político, criando uma linguagem arquitetônica única
através da valorização da plástica. As formas geométricas definidas, separação da estrutura com a vedação para gerar flexibilidade, uso
de pilotis, panos de vidro contínuos e integração da edificação com o paisagismo foram as principais características físicas das edifica-
Não obstante, foi um período de muitas críticas. Em 1952, Vilanova Artigas, ex-aluno de Lucio Costa, questiona
que as teorias da Arquitetura Moderna ignoram os problemas do modo de produção capitalista. Para ele, o arquiteto
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tem o papel de produtor de novas formas, mas também considerando o caráter político e humanístico para superar as
Após 1960, fase conhecida como Pós-Brasília, as grandes diferenças regionais e falta de incentivo público pro-
vocaram a dissolução da unidade da Arquitetura Moderna brasileira, deixando de ser uma expressão dominante. Em
1979, o Grupo Arquitetura Nova, constituído por ex-alunos de Vilanova Artigas, questionam a relação entre as ações
humanísticas do projeto arquitetônico de Artigas com a exploração de mão de obra para tal realização.
Atualmente, no âmbito nacional, pode-se considerar que essa fase ainda perdura com a falta de trabalhos ar-
quitetônicos críticos e a má qualidade profissional dos arquitetos. Pode-se considerar uma retrocidade em relação ao
programa da habitação, pois ao invés de avançarmos a partir dos postulados e críticas da arquitetura moderna, ainda há
uma reprodução massificada do modelo tripartido burguês do século XIX e de uma arquitetura que se alia diretamente
Fig. 9 | Modelo de Habitação Unifamiliar Modernista
Casa Olga Baeta, Vilanova Artigas, São Paulo, 1956 [http://mulher.uol.com. aos desígnios do mercado imobiliário reduzindo-a em obtenção e replicação de lucros e dividendos.
br/casa-e-decoracao/album/2015/01/12/, último acesso em 13/09/2015].
econômica do estado de São Paulo, também é polo da região administrativa em que está inserido, RA15 – um aglomerado de 25 mu-
26 | SEADE, 2014. nicípios com mais de 1 milhão de habitantes, dos quais 636.983 habitantes pertencem a Ribeirão Preto [26].
27 | SEADE, 2014. Com uma área de 638.796 km2, sendo 99,72% urbanizada, sua densidade demográfica é 981,31 hab./km2 [27].
O município possui o melhor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) da região administrativa, 0,8, composto por
28 | SEADE, 2010. educação, longevidade e renda, o índice de educação é o menor do município [28].
29 | SEADE, 2012. O Produto Interno Bruto é em torno de 20.300,80 milhões, com renda per capita de R$ 1.052,76 [29].W
O MERCADO IMOBILIÁRIO
A partir da década de 1980, com o desenvolvimento econômico oriundo da agroindústria, o município de Ribeirão Preto passou
por uma reformulação em sua organização socioeconômica, refletindo no processo de urbanização relacionado aos interesses imobili-
ários.
Atualmente, a constituição urbana ribeirão pretana é oriunda dos interesses imobiliários, resultando em um desenho urbano
definido pela iniciativa privada com uma grave segregação sociomorfológica, gerando reflexos culturais, como a negativa de convivên-
cia entre classes sociais, população dispersa e um sistema viário baseado no transporte individual. Os principais fatores que contribuem
• Histórico segregacionista e conformacionista do processo de urbanização. Pois, desde o início da constituição urbana, a
alta classe instalou-se na região centro-sul, e, na zona norte, a população de baixa renda, havendo poucas alterações nessa constituição
ao longo de anos;
Contudo, o maior agravador no processo de urbanização de Ribeirão Preto é a falta de políticas públicas que atendem as reais
contribuindo ainda mais para a valorização territorial e a gentrificação. No subsetor SUL-5, o qual o projeto está inserido, os principais
• Na década de 1980, o empreendimento Ribeirão Shopping da empresa Multiplan, instalado em uma área da fazenda
Nova Aliança e voltado para as classes A e B. Foi o principal fator para a valorização imobiliária na região sul-sudeste;
ribeirão preto
• Em 1998, a implantação da Universidade Paulista (UNIP) contribuiu para o crescimento de investidores no Loteamento
24 | 25
• Implantação do anexo e do colégio da Fundação Armando Alves Penteado (FAAP);
• O empreendimento Mercadão da Cidade da Stéfani Nogueira Construtora. Com a sua inauguração em 2008, também
contribuiu para a valorização imobiliária do Loteamento Nova Aliança, o qual está inserido.;
• O empreendimento Trio Ribeirão, composto por um shopping center, um edifício comercial e um residencial, entre os
Não obstante, na década de 1990, a dicotomia social ultrapassou a barreira segregacionista da região sul e tornou-se nítida
Fig. 12 | Gráfico PIB (Valor Adicionado) de Ribeirão Preto [IBGE,2012]
no subsetor SUL-5 com a implantação do João Rossi, bairro de conjuntos habitacionais de caráter social. Com a divulgação de sua
implantação, os investidores do Ribeirão Shopping tentaram, através de medidas judiciais sem sucesso, proibir sua construção pela
proximidade e visibilidade em relação ao shopping. Para isolar a faixa entre o shopping e o João Rossi, foi aprovada pela Prefeitura
Municipal, com forte influência da Multiplan, a Avenida Braz Olaia Acosta, através de desapropriação de área, o que acabou sendo be-
néfico para a valorização ainda maior de todo o subsetor SUL-5, incluindo o valor imobiliário do João Rossi. Contudo, até os dias atu-
32 | FIGUEIRA, 2013. ais, o bairro João Rossi ainda é um elemento isolado do subsetor – demonstrando a segregação da zona sul dentro dela mesma [32].
AV. CARAMURU
AV. INDEPENDÊNCIA
CENTRO
4
5
3
2
LEGENDA
AV. CARAMURU
AV. INDEPENDÊNCIA
CENTRO
Fig. 17 | 4 | Mercadão da Cidade [www.construtorastefani.com.br, 14/09/2015] Fig. 18 | 5 | Honda Lago-San [www.breci.com.br, 14/09/2015] Fig. 19 | 6 | Shopping Iguatemi [www.vickinews.com.br, 14/09/2015]
▶ Como não há a quantidade e a qualidade necessária de comércio e serviços em seus bairros, os moradores do Nova Aliança
e do João Rossi possuem a necessidade de acessá-los em outras regiões da cidade, principalmente no Centro, onde a concentração
de comércio e serviços é maiorPara isso, há três avenidas que interligam os dois bairros ao Centro de maneira ágil e fácil: Caramuru,
▶ A proximidade com o Anel Viário Contorno Sul também permite essa mesma qualidade de acesso para todas as regiões da
cidade.
▶ Em relação a essa necessidade de busca por comércio e serviços, os moradores do Nova Aliança, por terem um poder aqui-
sitivo maior, possuem o hábito de busca-los também nos shopping centers próximos e no Novo Mercadão para evitar o deslocamento
ao Centro.
NOVA ALIANÇA JARDIM JOÃO ROSSI
SETOR Sul Sul
32 | 33
Diferença da configuração urbana dos bairros. No João Rossi,
Fig. 23 | Nova Aliança - Edifícios de médio/alto padrão. Fig. 24 | Jd. João Rossi - Edifícios de baixo padrão. conforto ambiental.
barracas nas ruas. Enquanto que, no Nova Aliança, com a sua configura-
Fig. 25 | Nova Aliança - Av. Bráz Olaia Acosta. Fig. 26 | Jd. João Rossi - Pontos comerciais improvisados. Maistro, que possui cinco restaurantes.
LEVANTAMENTO FÍSICO
USO DO SOLO
de seu entorno.
cial.
34 | 35
▶ O Jardim João Rossi possui um gabarito
cionais homogêneos.
presença das vias arteriais Av. José Cesario M. Silva, Av. Braz
36 | 37
▶ No João Rossi, encontra-se menor quantida-
demonstrando deficiência.
tura satisfatória.
viços.
Fig. 30 | Mapa de Equipamento Urbano - Nova Aliança e Jd. João Rossi. ESCALA 1 : 2000
▶ Quanto ao serviço de transporte públi-
LEGENDA
co, essas pessoas encontram-se bem assistidas
1 CRECHE A 1 GRAU
O
UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE (UBS) pela proximidade com os pontos de ônibus do
2 PRÉ ESCOLA B 2O GRAU PÚBLICO MUNICIPAL João Rossi e da Avenida Braz Olaia Acosta, locali-
38 | 39
▶ Tanto o João Rossi, quanto o Nova
reclamações da população.
MATA DE SANTA TEREZA SISTEMA DE LAZER projeto – gradação da oposição entre público e
Mapa 4 | Vista aérea - Limite Nova Aliança x João Rossi [Google Earth, 2015]
42 | 43 experimentação
LOTE
SETOR Sul
SUBSETOR S-5
BAIRRO Nova Aliança
LOGRADOURO R. Leda Vassimon, 648
ZONEAMENTO ZUC- Zona de Urbanização Controlada
ÁREA 782, 84 m2
• Frontal: 5,00 m para a frente principal e 3,00m para a rua secundária
• Lateral: 1,50 m em um dos lados, inclusive edícula
RECUOS
• Fundos: 1,50 m, permitindo edícula
LEGENDA
ESCALA 1 : 500
NOVA ALIANÇA VIA DE PEDESTRE
R.1 - 5,40 m2
▶ GABARITO: 3,75 m
▶ Ano: 2003
lote com solo poluído despoluição de parte do solo + deck de madeira elevado
Privado Público
Resultado
Programa
exterior públicos.
▶ Ano: 2006
Fig. 42 | Esquema do projeto [www.big.dk, acesso em 13/09/2015] Fig. 43 | Esquema do projeto [www.big.dk, acesso em 13/09/2015] Fig. 47 | Vista do projeto [www.big.dk, acesso em 13/09/2015]
Deslocamento dos módulos Sobreposição dos módulos e movimentação de terra Esse projeto demonstra a relação entre público
terior públicos.
Fig. 44 | Vista da face translúcida [www.big.dk, acesso em 13/09/2015] Fig. 45 | Vista da face vedada [www.big.dk, acesso em 13/09/2015]
manter a privacidade da habitação unifamiliar.
PROJETO
589
,5
IMPLANTAÇÃO
589
lote:
e permanência.
permanência.
PAGINAÇÃO
AREIA PEDRA
F FORRAÇÃO IMPERMEÁVEL
3D 1 | Vista esquina R. Leda Vassimon x R. P. 3D 2 | Vista passagem interna, habitação e acesso ao terraço. 3D 3 | Vista playground e espaço de permanência.
3D 4 | Vista acesso à habitação, passagem interna e espaço de permanência. 3D 5 | Vista R. 1 3D 6 | Vista rampa de acesso à habitação.
ESCALA 1 : 100
CORTE AA
ESCALA 1 : 100
CORTE BB
52 | 53 experimentação
PROJETO
DETALHES | ESQUADRIA
PROJETO
DETALHES | ESQUADRIA
54 | 55 experimentação
PROJETO
DETALHES
PISO ELEVADO
SUPORTE
CONCRETO IMPERMEABILIZADO
ESTRUTURA DE AÇO
VEGETAÇÃO
SUBSTRATO
COLMÉIA
CAMADA DE ESTABILIZAÇÃO
CAMADA DRENANTE
TUBO DE DRENO
CONCRETO IMPERMEABILIZADO
GRANITO
ESCALA 1 : 100
FACHADA P
ESCALA 1 : 100
FACHADA 1
56 | 57 experimentação
PROJETO
FACHADA| MATERIALIDADE
▶ 77 mm de espessura;
▶ Alcoa ou similar;
▶ Fixo ou pivotante;
acústico.
LÃ DE PET 75 vmm
▶ 8 mm de espessura;
▶ Fixo ou pivotante;
▶ GERDAU ou similar;
investimento;
▶ Obra Limpa;
elétricos;
arquitetônico;
▶ Precisão construtiva;
esbeltas;
convencional.
PROJETO DE REFERÊNCIA
FARNSWORTH |MIES VAN DER ROHE
▶ Ano: 1951
Fig. 54 | Vista da Farnsworth [www.archdaily.com, acesso em 15/09/2015 Fig. 55 | Vista da Farnsworth [www.archdaily.com, acesso em 15/09/2015
Farnsworth, através de seu volume envidraçado consti- Por causa das cheias do Rio Fox, a habitação está 1,60
tuído por panos de vidro que vão do piso ao teto, é totalmente m suspensa do chão. Apenas os pilares de aço tocam o chão,
▶ Ano: 20012
Fig. 58 | Vista do Airspace Tokio [www.homify.com.br, acesso em 15/09/2015] Fig. 59 | Detalhe da vedação translúcida. [www.homify.com.br, acesso em 15/09/2015]
em 15/09/2015]
Fig. 60 | Vista interna do invólucro [www.homify.com.br, acesso em 15/09/2015] Fig. 61| Vista interna do invólucro [www.homify.com.br, acesso em 15/09/2015] vacidade do ambiente.
PROPOSTA DE OCUPAÇÃO
,5 9
589 58 FAMÍLIA UNIPESSOAL
PERFIL DO CLIENTE
0 ▶ 25 anos;
59
▶ Publicitária;
▶ Fisicamente ativa;
▶ Socialmente consciente;
▶ Playground (areia).
SO
61 | 62 experimentação
PROPOSTA DE OCUPAÇÃO
FAMÍLIA UNIPESSOAL
PROJETO DE INTERIORES
ESCALA 1 : 75
SO
PROPOSTA DE OCUPAÇÃO
FAMÍLIA UNIPESSOAL
ESCALA 1 : 50
CORTE BB
63 | 64 experimentação
PROPOSTA DE OCUPAÇÃO
FAMÍLIA UNIPESSOAL
3D 10 | Acesso e espaço de trabalhar/divertir. 3D 11 | Escada de acesso também funciona como mobiliário. 3D 12 | Estante que funciona como divisória.
as considerações finais
No fundo, vejo a Arquitetura como
Lina Bo Bardi
remate
67 | 68
Esse projeto sobre a revisão da configuração de habitação unifamiliar, em forma de experimentação,
é voltado para o usuário contemporâneo - aquela pessoa que, ao invés de isolar-se, prefere integrar-se à vida
▶ Investe em recursos mais sustentáveis em sua habitação, como canteiro de obra limpoe materiais
menos poluentes.
Apesar da área escolhida ser crítica por causa dos índices de violência, o projeto é uma tentativa de
solucionar uma parcela da dicotomia social local através do incentivo de convívio entre os moradores locais.
O alto custo da construção do projeto, o que torna uma habitação unifamiliar voltada às classes A e B,
é justificado por ser um lote em que o uso público é superior ao uso privado - a população recebe um retorno
BIBLIOGRAFIA
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