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All content following this page was uploaded by André Munhoz de Argollo Ferrão on 20 May 2014.
valores intrínsecos ou sistêmicos. Os sis- processo segue uma seqüência linear bem
temas e suas estruturas co-evoluem con- marcada, iniciando-se com a preparação da
tinuamente, principalmente pela ação terra, passando pela semeadura, limpeza
exógena de elementos do seu domínio dos campos, até a colheita, e eventualmente
sobre os elementos internos ao sistema, a estocagem (SANTOS, 1990). Portanto, ao
mas há também uma co-evolução endógena se estudar arquitetura rural deve-se
induzida pela evolução de cada elemento considerar as relações entre a produção e o
do sistema (SANTOS, 1992). lugar onde ela se dá.
O espaço do ser humano resulta de sua Ao se caracterizar a arquitetura ruralcom
produção, a qual, por meio de técnicas e base num determinado processo produtivo,
instrumentos de trabalho, intermedia sua há que se explicitar o universo em que ele
relação com a natureza. Cada atividade de se insere, cujos elementos são ora deter-
um processo produtivo (produção, cir- minantes, ora resultantes de sua evolução.
culação, distribuição e consumo) tem seu O processo co-evolui de acordo com o
lugar no tempo e no espaço, mas somente contexto que inclui a lógica das correlações
a produção relaciona-se intimamente com o entre técnica e arquitetura no âmbito do
lugar onde se realiza, particularmente em sistema em foco.
se tratando de produção agrícola, cujo
mesmo do setor de serviços. Desse modo, bem definida, compatível com a evolução
pode-se propor esta metodologia para o da infra-estrutura de apoio à economia
estudo da arquitetura da produção de cafeeira;
máquinas e implementos agrícolas, por • no nível da propriedade, a arquitetura das
exemplo, ou para a arquitetura de em- fazendas de café, em que os edifícios,
preendimentos de turismo no espaço rural, caminhos, parques, jardins, pomares,
e assim por diante. plantações e criações foram concebidos
A arquitetura da produção rural de acordo com padrões arquitetônicos
cafeeira no estado de São Paulo foi carac- específicos e compatíveis com o modo
terizada de acordo com esta metodologia. de produzir em cada sub-período do
Definiu-se o complexo produtivo da ciclo cafeeiro;
fazenda cafeeira típica como sendo o con- • no nível do edifício e do maquinário, a
junto formado por terreiro, tulha e casa das arquitetura do núcleo industrial das
máquinas (o núcleo industrial da fazenda), fazendas, dada pela composição do
mais o cafezal. Portanto, a arquitetura do conjunto “terreiro, tulha, e casa das
complexo produtivo da fazenda cafeeira máquinas”, em que o layout interno e
abrange a arquitetura do núcleo industrial externo dos edifícios era planejado para
e a arquitetura do cafezal (ARGOLLO otimizar as operações de secagem e
FERRÃO, 1998). beneficiamento do grão. Valoriza-se o
A correlação entre arquitetura e patrimônio cultural da engenharia e da
tecnologia empregadas num complexo arquitetura manifesto em cada edifício
agroindustrial torna-se nítida ao se enfocar e em cada maquinário instalado no
a co-evolução do complexo produtivo do núcleo industrial da fazenda;
café tendo em vista os aspectos arqui- • e, finalmente, no nível agro-ecológico, a
tetônicos dos centros urbanos das regiões arquitetura do cafezal, em que o plane-
por onde ele passou; a logística de abertura jamento da instalação e do manejo da
e formação das fazendas; as formas e plantação é feito de maneira a protegê-
funcionalidade de suas benfeitorias; e a la de fenômenos climáticos perniciosos,
maneira pela qual se desenhou e montou o facilitar os seus tratos culturais, e a racio-
corpo ideal do cafeeiro (ao que os gene- nalizar a colheita, preparo e transporte
ticistas chamam de “arquitetura da planta”). interno do produto. Ainda no nível agro-
Assim, a arquitetura do café, composta ecológico, há também a própria arqui-
por remanescentes físicos e culturais em tetura do cafeeiro, representada pelo
todo o estado de São Paulo, permite a trabalho de melhoramento genético, que
condução de estudos objetivos sobre vários se preocupa em desenhar e consub-
aspectos das relações entre técnica e arqui- stanciar uma planta com formato,
tetura. Dependendo de como se conduz tamanho, resistência de ramos e folhas,
uma pesquisa nesse campo, pode-se iden- inserção de flores e frutos, etc., capaz de
tificar vários níveis daquilo que deno- proporcionar alta produtividade, meca-
minamos, genericamente, de arquitetura do nização das principais práticas agrí-
café (ARGOLLO FERRÃO, 2004), quais colas, conforto para os trabalhadores
sejam: que a manejam, resistência às pragas e
• no nível regional, a arquitetura das regiões doenças, etc.
produtoras de café, estabelecida conforme
uma lógica de ocupação dos espaços A Figura 2 apresenta esquematicamente
geográficos e de planejamento urbano os níveis de abordagem para o estudo sobre
arquitetura rural, a partir do que propusemos edifício pode ser considerado o objeto de
para os estudos sobre a arquitetura do café. estudo, assim como cada máquina, ou
Pode-se considerar 4 grandes níveis de ainda, o conjunto de máquinas abrigadas
abordagem: o nível regional, composto em cada edifício; e finalmente, o nível agro-
pela tipologia arquitetônica do conjunto de ecológico, onde se estudaria a arquitetura
unidades produtivas de uma dada região; genética das plantas que compõem a
o nível da fazenda ou da unidade lavoura ou as lavouras enfocadas nas
produtiva, composto pela arquitetura do unidades produtivas, como visto no caso
núcleo industrial mais a arquitetura da(s) da arquitetura do café com o desenho do
lavoura(s); o nível do edifício, onde cada cafeeiro e do cafezal.
Figura 2. Esquema de representaÇão dos níveis de abordagem dos estudos em arquitetura rural
que contribuam para a construção em do nas condições culturais locais, como por
mosaico do mapa de paisagens culturais exemplo, o ciclo cafeeiro (ARGOLLO
brasileiras. FERRÃO, 2003b). É possível descrever a
A crescente incorporação dos sistemas paisagem cultural e conseqüentemente o
de engenharia sobre o meio natural, e a potencial turístico baseado nos valores
evolução dos sistemas de comunicação, culturais locais de cada município brasileiro.
com a conseqüente conformação do Há no Brasil estudos de diversos autores
chamado “meio técnico-científico-infor- para quase todas as regiões do País.
macional”, proposto por Milton Santos O imenso patrimônio cultural rural,
(1996), impedem que se estabeleça a repleto de fazendas centenárias, antigas
dissociação entre cidade e campo sem as estruturas de engenharia, ícones da história
necessárias reflexões. econômica e da história da técnica, além de
Toda atividade econômica contempo- promover o turismo rural, o turismo
rânea demanda ciência e tecnologia, cultural e o turismo ecológico, alavanca o
podendo ser indistintamente aplicada ao chamado turismo de negócios, trazendo
campo (com conhecimentos advindos da para cidades do interior conven-ções,
cidade), ou à cidade (com conhecimentos congressos, encontros profissionais, even-
advindos do campo), modificando a tos acadêmicos de diversa índole, além das
arquitetura dos sistemas espaciais “campo” chamadas excursões de demons-tração
e “cidade”, contribuindo tanto para a para produtores rurais. As festas regionais
modelagem de um novo perfil rural como (da uva, do figo, das flores, etc., ver Tabela
para a pauta das discussões sobre os rumos 1, apenas para citar algumas) são
do desenvolvimento urbano sustentável. tradicionais em todo o Brasil, muitas há
Nesse sentido, o enfoque sistêmico e a mais de 50 anos. As festas de peão, que se
visão de processos sobre a arquitetura rural transformaram num negócio milionário a
levam a trabalhos que permitem a descri- partir da incorporação do estilo country
ção do potencial turístico baseado nas (importado dos Estados Unidos), compõem
paisagens culturais de regiões inteiras, sub- este cenário de irrefutável potencial
regiões, ou municípios que tenham sofrido turístico baseado nas paisagens culturais
forte influência de algum ciclo econômico de determinadas regiões brasileiras
agro-industrial-comercial contextualiza- (ARGOLLO FERRÃO, 2003b).
Tabela 1. Algumas das principais festas típicas relacionadas a culturas locais de caráter rural no
estado de São Paulo (Brasil).