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Imaginário político no
Brasil dos anos de 1930
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Reitor Clélio Campolina Diniz
Vice-Reitora Rocksane de Carvalho Norton
EDITORA UFMG
Diretor Wander Melo Miranda
Vice-Diretor Roberto Alexandre do Carmo Said
CONSELHO EDITORIAL
Wander Melo Miranda (presidente)
Ana Maria Caetano de Faria
Flavio de Lemos Carsalade
Heloisa Maria Murgel Starling
Márcio Gomes Soares
Maria Helena Damasceno e Silva Megale
Roberto Alexandre do Carmo Said
Eliana de Freitas Dutra
O ARDIL TOTALITÁRIO
Imaginário político no
Brasil dos anos de 1930
2ª edição
Belo Horizonte
Editora UFMG
2012
© 1997, Eliana de Freitas Dutra
© 1997, Editora UFRJ; Editora UFMG
© 2012, Editora UFMG, 2ª ed.
Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem
autorização escrita do Editor.
___________________________________________________________________________
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-7041-964-4
CDD: 320.981
CDU: 32(81)
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Campus Pampulha | 31270-901 | Belo Horizonte/MG
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A história é a substância da nossa vida e
o lugar da nossa morte.
Entre viver a história e interpretá-la,
nossas vidas passam.
Ao interpretá-la, vivemo-la, fazemos história;
ao vivê-la, interpretamo-la:
cada um de nossos atos é um signo.
Octavio Paz
Para Alemão,
pelo compartilhar desta e
de uma “outra” história.
NOTA
1
Originalmente intitulada O ardil totalitário ou a dupla face na construção do
Estado Novo e orientada pelo professor Doutor Adalberto Marson.
SUMÁRIO
PREFÁCIO 17
INTRODUÇÃO 23
Parte 1
C OM UNISMO E ANTICOMUNISMO
A IDENTIDADE DOS OPOSTOS
O EXORCISMO DO MAL 39
AS ARMADILHAS DO BEM 87
Parte 2
PÁTRIA AMAD A, MÃ E GENTIL
A FANTASIA DA PROTEÇÃO ONIPOTENTE
INTRIGAS TRÁGICAS
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futuro que aprisiona o homem e nega sua capacidade de escolha.
Ora em nome de um determinismo, ora em nome de uma trans-
cendência, o indivíduo é subsumido numa luta que, em seu nome,
acaba por negar sua liberdade. Eis a tragédia que aponta para um
desejo permanente de elites políticas e intelectuais combatentes
nos anos de 1930 no Brasil. Eis o ardil totalitário.
A fineza intelectual de Eliana Dutra, antes de tornar seu texto
combatente de época, se faz denunciante de “fantasmagorias
orgânicas”, todas tendo como centro comum uma gramática
do poder.
Tal abordagem revela maturidade teórica e acuidade de
historiador, além de uma sofisticação intelectual que aflora a
cada página do livro. Claro, só com maturidade e sofisticação
um livro como este poderia ser escrito. Da mesma forma, Eliana
Dutra – professora da UFMG, especialista na imbricação da
história cultural com a história política, autora de uma obra de
relevância sobre o Brasil contemporâneo – nos apresenta uma
escrita agradável, acessível (sem ser pobre) e que capacita histo-
riadores e não historiadores para o debate sobre a participação
política no Brasil de hoje.
O texto é, todo ele, fortemente documentado, revelando uma
pesquisa arquivística de anos e uma familiaridade pouco comum
com os arquivos, o que permite que as afirmações e ilações
estejam vinculadas aos documentos de época. Mas, toda esta
documentação entretém, através de Eliana Dutra, um diálogo in-
tenso com grandes teóricos contemporâneos, desde Carl Schmitt,
Hanna Arendt até Cornelius Castoriadis e Roberto Romano.
Tudo isso de forma adequada, sem o leguleio desnecessário ou
o exibicionismo acadêmico tão comum entre nós.
Em O ardil totalitário, texto, fontes e abordagens teóricas
cruzam-se na produção de uma história que ainda não fora
contada, revelando implicações inesperadas, verdades mal ditas
e, enfim, toda a dimensão trágica da história.
Francisco Carlos Teixeira da Silva
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PREFÁCIO
18
olhos para o outro lado da retórica que hipnotiza os intelectu-
ais, as massas, os líderes. Starobinski escreveu A invenção da
liberdade. Nossa autora apresenta, diríamos, uma “invenção do
servilismo”. Lado sombrio das luzes, o pensamento totalitário
bane o livre exame e a crítica e libera energias demoníacas para
o culto da morte, transformando seres humanos em força letí-
fera: “O trabalho liberta”, conforme o dito sobre o portão do
matadouro nazista.
Uma pergunta permanece no ar, após a leitura das páginas
seguintes. Até que ponto, no Brasil e no mundo, o imaginário do
totalitarismo conseguiu invadir o plano da existência? “Todo ra-
cional é efetivo”, dizia Hegel,“todo efetivo é racional”. A fórmula
pervertida desta equação,“todo irracional é efetivo, todo efetivo
é irracional”, poderia ela ser mantida em toda sua plenitude? A
resposta ainda é um “não”. O conceito de sociedade totalitária
só existe, plenamente, nas falas e nas intenções dos que a ela
sucumbem. Para torná-la existente, eles procuram destruir todas
as oposições a seu plano imaginário e utópico. “Quem não fala
como nós, é inimigo.” A perfeita identidade do social com seme-
lhante delírio mostrou-se enganosa. Na Alemanha, na URSS, na
Europa do Leste e na Ásia, em todas as partes do mundo em que
o Estado assumiu o rumo do totalitarismo, restaram os que não
foram vencidos no íntimo da consciência e resistiram, no início,
e atacaram, depois, as instituições montadas para estabelecer a
nova tirania. Se, mesmo nos Estados que instalaram o mando
sem piedade do “povo uno”, o totalitarismo não conseguiu se
firmar com segurança, no Brasil essa sandice revelou-se pouco
promissora. Mas bastou a parcela de efetividade, surgindo os
discursos desta palavra na vida pública, para que as nossas
instituições se tornassem ainda mais rígidas e antidemocráticas.
Na sua luta mortal, comunistas e anticomunistas, unidos, aju-
daram a destruir, entre nós, antigas bases do direito dos povos
e dos indivíduos, reforçando a ditadura Vargas. Integralistas e
comunistas formaram o clima para que o Estado, em nome do
social, abalasse todas as crenças na liberdade do indivíduo e dos
19
grupos. Não tivemos um Estado totalitário. A “Polaca” e seus
defensores não chegaram a resultados idênticos aos de Hitler,
Stalin, Mussolini. Os porões da ditadura varguista, entretanto,
conheceram uma mostra do que poderia ser, no Brasil, o Estado
ideal, tanto dos uniformes verdes, quanto dos seus adversários.
Afinidade eletiva entre doutrinas liberticidas, reforço do poder,
força pura legitimando a violência política a partir da própria
sociedade. Dentre todas as violências, a primeira é a do verbo.
Este último traço é muito visível nos discursos recolhidos
pela autora. Tanto os cortesões varguistas quanto os fraternos
inimigos, comunistas e integralistas, tentam desqualificar a fala
que não sanciona a “sua” verdade. Neste processo, salienta-se
o papel nauseante da imprensa, tomada em sua maioria. Nos
jornais, lemos discursos que se reduzem à propaganda pura,
seja do governo, seja dos movimentos “revolucionários”. Os
periódicos operam enquanto caixas de ressonância, renegando
qualquer compromisso com a verdade ao espalhar doutrinas
antidemocráticas. Oficialismo, esta desgraça caracteriza, até
hoje, a corporação jornalística brasileira. Raros escritores da
imprensa assumem autonomia diante dos poderosos, poucos
jornais exibem com orgulho a distinção do informe livre. Não
raro, jornalistas que adquiriram notoriedade denunciando ma-
zelas sociais usam sem vergonha essa fama para vender-se aos
senhores da hora, aos donos dos partidos, recebendo benesses
para caluniar adversários, calando a boca dos críticos. Se isso é
verdade hoje, com a leitura deste livro ficamos sabendo até onde
atinge a curvatura das espinhas, nas redações nacionais. Isso não é
motivo para desesperar da liberdade de imprensa, pelo contrário.
Mas torna-se urgente repensar a sua função entre nós. Caso não
sejam definidos padrões éticos mais sólidos, as consciências dos
jornalistas podem servir novamente, e muito bem, como pode-
rosas impulsionadoras de propagandas autoritárias e, no limite,
totalitárias. Também não é por acaso que as seitas, as igrejas e
os políticos em geral buscam a posse da mídia. Pesquisa recente
no Parlamento do Brasil mostra que um número muito grande
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de representantes do povo é composto por donos de rádios,
televisões, jornais etc. Liberdade sem concorrência é letal em
qualquer mercado. Nas transações eleitorais, o monopólio gera
conformismo e uniformidade nos juízos. Esses são pré-requisitos
das aventuras totalitárias.
Semelhantes problemas teóricos possuem relevância prática.
Eliana Dutra realiza a “descida aos infernos” em nossa lembrança
política e social e nos convida para acompanhar as suas várias
paradas nos sítios da consciência antidemocrática brasileira.
Poucos livros, hoje em dia, foram escritos de modo tão lúcido e
responsável. Que o leitor esqueça, por um instante, a mídia e a
propaganda, e mergulhe nestas águas turvas da memória nacio-
nal. Depois, atinja as fontes lustrais do pensamento, lavando os
olhos com os conceitos que, neste texto, unem-se aos fatos his-
tóricos. A razão, operante no livro de Eliana Dutra, nos obriga a
definir limites. O totalitarismo é pesadelo, no Brasil e no mundo.
Hoje, ele dormita entre os miasmas das atitudes e falas racistas,
nacionalistas, fanáticas ou “religiosas” etc. Cabe-nos lutar para
que seu espectro não se materialize, jamais, mesmo sob formas
atenuadas, em nosso convívio republicano e livre. Os milhões de
mortos, da Alemanha nazista ao Khmer Vermelho, berram para
que não tombemos nas armadilhas místicas e ideológicas, nas
jaulas dos partidos que tangem e matam as massas e não res-
pondem diante de ninguém, porque a História, arcaica maneira
de ordenar os fatos, não é um sujeito, como Deus ou homem.
Finda a leitura de O ardil totalitário: imaginário político no
Brasil dos anos de 1930, podemos encarar o nosso tempo sem
medo: se uma fantasmagoria tão sinistra, como o pensamento
totalitário, não conseguiu destruir a arte política, se depois da
tormenta veio um interregno democrático no mundo, ainda
resta esperança para nós e para nossos filhos. Neste livro lateja
semelhante certeza, o que lhe confere a dignidade e a eminência
de um essencial trabalho do espírito.
Roberto Romano
21
INTRODUÇÃO
24
movimento de oposição ao regime, suas relações com o Partido
Comunista e o nível de mobilização que consegue alcançar junto
a diferentes classes sociais fizeram com que viesse à tona o que
estava implícito na sociedade — uma disposição totalitária. Os
mecanismos de controle acionados na sociedade, os dispositivos
mentais e materiais postos em prática e camuflados na retórica
do “perigo comunista” se deslocam, se expandem e se anexam
aos dispositivos repressivos criados para combater o comunismo
e às formas e táticas de dominação global do Estado.
O Estado, também portador de um projeto totalitário, recebe a
colaboração de outras instituições, da sociedade, e nem a Aliança
Nacional Libertadora, que enfrenta a escalada totalitária, fica
imune à utopia do uno.
Ao tentarmos apreender a tentativa de construção dessa ordem
brotou-nos a percepção de que o seu vigamento se realizava em
cima de quatro pilares discursivos e estratégicos básicos: antico-
munismo/revolução, trabalho, pátria e moral. Para eles conver-
gia toda a discussão acompanhada na documentação. A partir
desses quatro pilares, espraiou-se pelo todo social um conjunto
de práticas, normas e valores que confluíam para a preservação
da ordem e da estabilidade social; para o controle das diferenças
sociais; para o enquadramento do mundo do trabalho; para a
racionalização do poder, unificando numa perspectiva totalitária
empresários, integralistas, Igreja, parlamentares, chefes de gover-
no, burocracia estatal, intelectuais, imprensa. No polo oposto,
os comunistas — que participaram desse vigamento a partir dos
mesmos pilares, com exceção do pilar “anticomunismo”, ao qual
contrapõem o pilar “revolução”.
Portanto, foi tomando como base as estratégias políticas
elaboradas, os conteúdos utilizados, o imaginário construído,
ao redor dos pilares anticomunismo, revolução, trabalho, pátria
e moral, que este estudo foi organizado.
Essas constelações imaginárias, do trabalho, pátria e moral,
possuem uma potencialidade estratégica que servirá não só para
sustentar um ideário anticomunista, mas sobretudo para engendrar
25
a nova ordem em construção — e dentro desse engendramento, o
anticomunismo é um dos momentos e um dos aspectos, entre ou-
tros, essenciais, ainda que nele essas constelações não se esgotem.
O mesmo se pode dizer quanto ao ideário da revolução. E
aqui cabe ressaltar que as dimensões do trabalho, pátria e moral,
não obstante seu papel na construção desse ideário, podem ser
captadas também em maior amplitude em meio às tentativas
comunistas de contraposição à ordem em construção.
Na construção dessa ordem, como e por que anticomunismo,
revolução, trabalho, pátria e moral são vigas mestras a sustentar
o arcabouço do edifício totalitário?
Tornou-se-nos clara a adequação dessas vigas quando nos
deparamos com o fato de que as imagens, os conteúdos e os dis-
positivos estratégicos presentes dentro de cada um desses pilares
se articulavam em torno de pares antitéticos.
Se, dentro do pilar anticomunismo/revolução, os pares são,
por exemplo, ordem/subversão, bem/mal, civilização/barbárie,
saúde/doença, razão/loucura, liberdade/escravidão, no pilar
trabalho, os pares são, entre outros, produtivo/improdutivo,
esforço/negligência, economia/desperdício, energia/indolência,
trabalho/ócio, ordem/desleixo, dentro do pilar pátria, os pares
são ordem/desordem, hierarquia/subversão, progresso/atraso,
certeza/incerteza, patriota/traidor, unidade/fragmentação,
construção/ruína, sacrifício/egoísmo, novo/velho, realidade/
especulação, ordem/estabilidade, honestidade/corrupção e no
pilar moral, os pares são castidade/devassidão, recato/sensua-
lidade, clausura/orgia, verdade/mentira, ordem/desobediência,
docilidade/rebeldia, união/dissolução, bom/mau, consciência/
instinto, forte/fraco, virtude/vício.
Ora, isso, segundo entendemos, nos remete à lógica totalitária.
Maffesoli (1981), ao tratar da organização totalitária, aponta a
conexão existente entre o poder e a estrutura religiosa, revela o
enraizamento sagrado do poder e indica que a força do poder
reside no fato de este remeter ao múltiplo do sagrado. Nesse
sentido,
26
Os pares antitéticos de Deus bom e Deus mau, criador e destruidor,
claridade e sombra, Deus e Satã, impregnam as mitologias e exprimem
sempre uma fascinação de dupla face. E é precisamente esta sideração
ambígua que (...) permite ao poder legitimar o seu exercício (Maffes-
soli, 1981, p. 197).
27
nos designa como ser único. Nós só podemos nos ver porque
o outro nos vê e nos fala de nós. É por uma identificação com
a imagem dos outros sobre nós que podemos ter uma imagem
de nós mesmos. Daí que o todo na procura de sua identidade
necessita do reconhecimento do outro.
O ego primitivo, contudo, parece possuir desde o início uma
tendência à integração e é exposto também desde o início à
ansiedade provocada não apenas pelo temor do espedaçamento
mas também pela “polaridade inata dos instintos”, apontada por
Melanie Klein, por exemplo, no conflito imediato entre o instinto
de vida e o instinto de morte, pelo trauma do nascimento que lhe
dá ao mesmo tempo a vida, o calor, o amor e a mãe (Segal, 1975).
Contra a ansiedade da aniquilação, o ego desenvolve meca-
nismos primitivos de defesa através dos processos de divisão,
identificação, projeção, introjeção. A primeira ordenação da ex-
periência do ego no seu processo de constituição se dá, portanto,
através da divisão entre objetos bons e maus, a experiência boa
e a experiência má. O seio presente é prazer; a sua ausência é
desprazer, é fome. É a diferenciação primitiva entre o bom e o
mau. Separando as emoções boas das emoções más, o sujeito se
confronta com um objeto ideal (mãe, seio materno, que ele quer
adquirir, quer conservar e tenta com ele se identificar) e com o
objeto mau no qual projeta seus impulsos agressivos e que sente
como uma ameaça a si e ao objeto ideal. É a identificação do
corpo dividido (corps morcelé) com o objeto total.
A partir, portanto, dessas fantasias inconscientes e arcaicas,
podemos também compreender as polaridades, os pares anti-
téticos, a fascinação de dupla face, a sideração ambígua e os
antagonismos maniqueístas que impregnam o discurso totalitário
e seu conteúdo imagético.
Eles surgem como referências para a construção de uma iden-
tidade e como defesa à ameaça de desfiguração desta identidade.
O apelo ao temor arcaico da desfiguração, nesse sentido,
é o que, a nosso ver, confere êxito à representação do uno, à
28
denegação da divisão do social, à busca de identidade através
do corpo político, trabalhadas por Lefort (1983) e Kantorowicz
(1985). A lógica totalitária é enriquecida, ganha assim novo
sentido e a imagem do corpo político também.4
Contra a fantasia de desfiguração da identidade se contrapõe
a fantasia do ego único, do ser uno e indivisível, reatualizada no
totalitarismo na imagem do Povo Uno, Sociedade Una. Isso explica
o porquê de os imaginários anticomunista e revolucionário, como
veremos, não dispensarem a figura do inimigo como encarnação
do mal, da doença, do demônio, da destruição, do apocalipse.
Esse inimigo é o próprio objeto persecutório, objeto de perse-
cução que ameaça a integridade do sujeito e o seu objeto ideal
(objeto de amor, de desejo), no caso, a pátria.
Esse mesmo objeto de persecução ganha força no discurso da
moral travestido nas paixões que escravizam, na luta da malda-
de contra a bondade, do interesse contra o ideal, da iniquidade
contra a justiça, do instinto contra a razão, da devassidão contra
a castidade. Se o ego se esforça para introjetar o bom, esforça-se
também para projetar o mau, manter fora de si o objeto mau e
as partes do eu que contêm o instinto de morte.
A partir dessa projeção, desenvolve-se o mecanismo chamado
por Melanie Klein de “identificação projetiva”, em que as partes
más ou objetos maus expelidos, projetados no objeto externo, se
corporificam neste que se torna identificado com elas.
Segundo Freud em O instinto e suas vicissitudes, na fase au-
toerótica, o ego não necessita do mundo externo, porém, pelos
instintos de autopreservação, ele entra em contato com objetos
desse mundo. Quando esses constituem fonte de prazer, ele os
introjeta; quando constituem fonte de desprazer, ele os expele.5
Aqui, no caso em estudo, o uso dos pares antitéticos se reveste da
função de identificação projetiva. Conjuram-se, no caso do anticomu-
nismo e da revolução, a morte, a escravidão, a doença, a indisciplina,
a barbárie, a anarquia, a loucura, a injustiça; no caso da pátria, a
traição, a agressão externa (comunismo, de um lado; imperialismo,
29
de outro), a ruína, a instabilidade, o atraso, a velhice, a incerteza,
a fragmentação; no caso da moral, a devassidão, o egoísmo, a
sensualidade, a orgia, o pecado, a corrupção, a imoralidade, o
instinto, a mentira, a desobediência; no caso do trabalho, a im-
produtibilidade, o desleixo, a incompetência, o individualismo, a
indolência, o ócio, o desperdício, a fraqueza e a promiscuidade.
Tudo isso é projetado no objeto externo, no outro, ou seja,
no comunista e/ou burguês capitalista, no latifundiário, no ope-
rário, no liberal, no ateu, no judeu, no miscigenado, no pobre,
no matrimônio ilícito, na vida mundana. Ao projetar o mal
(mau), identificam-se nele todas as ameaças da decomposição,
do esfacelamento social e defendem-se instituições que garantam
a identidade e confiram segurança contra a decomposição: a
pátria, a propriedade, a família, a autoridade, a civilização, o
cristianismo, a moral.
A percepção e a representação da sociedade como uma vas-
ta organização comportando uma rede de micro-organizações
“como representação chave” que compõe, segundo Lefort (1983,
p. 84), a matriz ideológica do totalitarismo, parece-nos melhor
compreendida se as organizações e instituições sociais (família,
escola, empresas, partidos, associações etc.) são pensadas como
o lugar privilegiado que o imaginário encontra na luta pelo
reconhecimento. No temor da desfiguração da identidade e na
procura da identidade social e da afirmação de uma unidade
compacta, as organizações dão aos indivíduos a segurança da
definição de seu papel, de seu estatuto, e a referência das normas
e das interdições. Enfim, vão lhes dar elementos de identidade
social e princípios para uma conduta coletiva.
Por outro lado, a estruturação e a estabilidade das organi-
zações permitirão, segundo Henriquez (1974), a expressão do
narcisismo individual e darão a ilusão do ego sólido e indiviso.
Daí o desejo de onipotência do indivíduo e a erotização das
relações sociais. O indivíduo se reconhece como onipotente e se
identifica com o outro como o instrumento de sua satisfação.
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Dessa identificação dos homens num só (homem-objeto) a quem
conferem maior importância, tomam como exemplo e de quem
se sentem dependentes, decorre a relação erotizada que, a nosso
ver, pode-se dar com um chefe, um dirigente político, um partido,
um líder religioso, entre outros.
Novamente, é eficiente a fascinação de dupla face, tornando
mais inteligível o jogo da sideração ambígua que envolve o poder
e, em particular, o poder de natureza totalitária.
O indivíduo se identifica com o poder total da organização e
seu desejo de onipotência vai ser realizado através da criação de
um objeto comum que todos devem amar, com o qual devem se
identificar e em seu nome se submeterem — objeto este que, no
nosso caso em estudo, é a pátria. Afinal, o ideal do ego possui,
como afirma Freud (1974b, p. 119), um aspecto social além do
individual. Ele constitui também o ideal comum de uma família,
de uma classe, de uma nação. Na distinção e na relação entre o
ego e o ideal do ego pode ocorrer a identificação do ego com o
objeto ou a substituição do ideal do ego por um objeto. Nessa
relação entre o ego e o ideal do ego, estará posta a qualidade
emocional comum dos laços dos grupos com um líder, uma ideia
etc. (Freud, 1976b, p. 136). Se a pátria é o objeto comum do
desejo, o trabalho será o ideal comum, o valor dominante para
o qual vão concorrer todas as condutas individuais. O acaba-
mento final desses recalcamentos (pois é disso que se trata com
a canalização dos desejos) se dá através da moral. Os valores
impostos são para o bem, para a felicidade, para o bem-viver
e isso justifica o fim da regulação espontânea, a interdição da
paixão, e a centralização e uniformização das atitudes sociais. Em
nome da fantasia de segurança e de proteção, institucionaliza-se a
relação de submissão. É o monoteísmo dos valores e dos desejos
ameaçado a todo momento pelo fantasma do despedaçamento.
Por isso são também eficazes os pares antitéticos. Ao mesmo
tempo que apresentam o objeto de amor, apresentam o objeto
persecutório. E as organizações, ao mesmo tempo que criam e
31
servem de objeto de amor, exercem a interdição; e, ao mesmo
tempo que criam a expectativa do uno, submetem-se à experi-
ência da fragmentação. Nesse processo, se valida a autoridade
necessária através da distinção entre dirigentes e dirigidos; a
necessidade de uma estrutura de relações estabilizadas, através da
divisão técnica e científica do trabalho; a unidade da pátria e da
sociedade, através de corporações; o ideal de progresso, através
da divisão entre o velho (atraso — inércia — passado) e o novo;
a integridade moral, através da distinção entre bons e maus.
Em meio a tudo isso, fazem sentido, numa direção claramente
manipulatória e conservadora: a referência às origens, às raízes,
às fontes primitivas e à tradição, tão caras ao discurso totalitário;
a repulsa à miscigenação e o impedimento a que não se distinga
o que é nacional, indistinção que resulta no nacionalismo; a
representação da sociedade como infantil e amorfa à espera de
que a organizem e ajudem a crescer com identidade.
Por outro lado, como bem mostra Henriquez (1974), quando
as organizações, as instituições, se sentem realmente ameaçadas,
de instância recalcante elas se transformam em instâncias re-
pressivas. Se o recalcamento inibia as pulsões (desejos-paixões)
a repressão vai negá-las, aniquilá-las. O recalcamento, como
sugere Henriquez, é da ordem da proibição; a repressão é da
ordem da censura e da violência.
A violência é direta, imediata e total. É o reino do “corpo a
corpo”, como sugere Henriquez.
Isso nos ajuda a entender por que o espectro do comunismo
em 1935, mais do que sustentar um discurso anticomunista,
desencadeará um arsenal repressivo através da linguagem da
Lei de Segurança Nacional e do Tribunal de Segurança Nacional
que atingirá não só o corpo físico do cidadão, mas também sua
mente, pelas justificativas de ordem moral.
Esse desejo de identidade, esse temor do despedaçamento,
enfim, essas fantasias primitivas6 às quais vimos nos referindo,
ao longo deste texto, parecem-nos revestidas de validade teó-
rica para a análise de um momento do processo de construção
32
de uma ordem totalitária no Brasil na década de 1930. Porém,
não como instrumento para localizar atributos, características
ou condutas de personalidades individuais,7 mas como instru-
mento para pensar a existência de elementos de base psíquica,
conformando certas exigências e desejos dos sujeitos sociais e
políticos e predispondo à maior ou menor aceitação de formas
de dominação político-sociais.8 Esses elementos não podem, a
nosso ver, ser dissociados das necessidades às quais responde o
imaginário ideológico. A força da ideologia, lembrando Chaui
(1978), está no desejo de identidade. O imaginário ideológico
33
Para tratar dessas questões é que optamos pela divisão do livro
em três partes. A primeira, num capítulo, procura desvendar a
construção do imaginário anticomunista; em outro, privilegia o
imaginário da revolução, tal como engendrado pelos comunistas.
No percurso empreendido nessa parte, em ambos os capítulos,
nos detivemos, como o leitor poderá constatar, nas imagens e
nos conteúdos utilizados por comunistas e anticomunistas ao
construírem suas elaborações imaginárias e ao se organizarem
para agir na sociedade. Nessa parte, uma das preocupações foi
detectar o substrato cultural de onde partiram os elementos
utilizados na composição e na associação de imagens e como
estas vão suportar diferentes plataformas ideológicas.
A segunda parte se escuda nas elaborações imaginárias que
têm a pátria e a ordem como o seu fulcro central. Aqui foi útil
nos aproximarmos das campanhas desenvolvidas pelo Estado
e instituições da sociedade em torno de um fervor “moral e
cívico”, do culto a mitos nacionais, da cultuação de símbolos,
da preocupação pedagógica com conteúdos de disciplina esco-
lares; de censura a livros, jornais, revistas e às artes em geral;
dos certames de caráter anticomunista; do culto à família.
Eles foram fundamentais para a compreensão e perscrutação
das estratégias do Estado e das instituições que com ele cola-
boram na tentativa de criação de uma ordem totalitária. Ao
mesmo tempo nos detivemos, nessa parte, nas manifestações
dos comunistas acerca desses pontos contemplados no discurso
oficial, dentre eles o culto à pátria e aos heróis nacionais, o
valor da família, da ordem, da disciplina e da hierarquia. Isso
foi feito no sentido de detectarmos a existência de possíveis
diferenças entre o nacionalismo de direita e de esquerda e entre
os princípios norteadores da ação política de um e de outro.
Finalmente, a terceira parte voltou-se para a recuperação
das dimensões dadas ao trabalho e à política trabalhista pela
ordem totalitária em implantação. Indagamo-nos, em meio aos
pronunciamentos e às políticas acionadas no período, acerca do
34
espaço da classe operária dentro de um projeto de dominação
orquestrado, simultaneamente, como veremos, por diferentes
setores da sociedade. A imagem operária construída, os dispo-
sitivos de controle acionados para conter os trabalhadores, o
reconhecimento do trabalho como valor orientador das condutas
sociais, a autoimagem que os trabalhadores constroem acerca
de si próprios, a aproximação dessa autoimagem com a imagem
criada pelo governo e pelas elites, as vivências da classe operária
e a sua prática, bem como de seus dirigentes frente à política
de organização científica do trabalho, o papel do Ministério do
Trabalho, são pontos que tentamos esclarecer ao longo da parte.
NOTAS
1
Este inclui jornais da grande imprensa do período; discursos e debates de par-
lamentares; falas do chefe do Executivo; processos do Tribunal de Segurança
Nacional; pastorais da Igreja; atos de associações de empresários; leis e decretos
estaduais e federais, memórias de políticas; documentos do PCB e da ANL.
2
A presença de elementos da ideologia fascista no discurso, na prática política
efetiva e no dia a dia de diferentes agentes sociais é significativa nestes anos e não
se restringe aos integralistas, como veremos a seguir. Assim como o stalinismo
e o nazismo, entendemos que o fascismo não só é informado ideologicamente
por uma perspectiva totalitária (o que já justificaria a nossa referência à sua
presença, tendo em vista o nosso marco de análise), como se constitui enquanto
um “maquinismo totalitário”, como sugere Guattari (1985).
Esse maquinismo, segundo o autor, segue capturando os desejos nos campos
individual e social (indivíduo, família, escola, sindicato etc.), agenciando-os no
campo da micro e da macropolítica com diferentes “fórmulas” cujos rearranjos
resultam numa química totalitária que “atravessa não apenas a História, mas
também o conjunto do espaço social” (p. 181). A reatualização dos componen-
tes maquínicos do fascismo latente na sociedade engendra novas cristalizações
fascistizantes, o que explica a permanência do fascismo, sob diferentes formas
tal como o fascismo molecular, numa transversalidade histórica e social. O que,
dito de outro modo, significa desatar a expressão do fascismo da sua instância
político-institucional. Noutra direção, sobre a perspectiva totalitária do fascismo
e o pensamento do integralista Plínio Salgado, uma criteriosa discussão pode
ser encontrada em Totalitarismo e revolução, de Ricardo Benzaquen de Araújo
(1988).
3
Aqui e em outros momentos deste texto, tomamos como nossas as palavras
de Henriquez (1974). Sua análise abriu-nos várias possibilidades, fornecendo
importante apoio teórico a nossas reflexões.
4
Lefort utiliza as reflexões de Kantorowicz, em que este, através de seus estudos
sobre a teologia política medieval, nos mostra que a ideia do corpo místico
35
(corpo corporativo, eclesiástico) da igreja foi transferida às entidades políticas
fundamentando em particular “as concepções da realeza centradas no Deus-
-homem” (Kantorowicz, p. 421). À doutrina dos dois corpos do Cristo (o natural
e o místico, o individual e o coletivo) se relacionaria a ideia dos dois corpos do
rei (o natural e o político, o individual e o coletivo) numa unidade orgânica de
cabeça e membros (p. 188-259). Segundo Lefort, a sociedade do antigo regime
representava sua identidade como um corpo associando-se ao corpo do rei.
O antigo regime seria composto de pequenos corpos organizados num corpo
imaginário tal como o do rei. A revolução democrática explode, de acordo com
ele, quando ocorre a destruição do corpo do rei e quando a corporeidade do
social se dissolve. Com ela, o lugar do poder aparece vazio e desvinculado de um
corpo. É o totalitarismo que vem refazer a imagem do corpo político. A partir
da democracia (sociedade indomesticável, indeterminada) e contra ela é que o
corpo será refeito (Lefort, 1983, p. 117-120).
5
Esta identificação se presta a vários objetivos. Ela pode se voltar tanto para o
objeto ideal quanto para o mau objeto. No primeiro caso, o objetivo é o de evitar
a separação; no segundo, controlar a parte de perigo.
6
Aqui queremos deixar claro que o retorno das instituições arcaicas e a persistên-
cia de heranças também arcaicas, às quais nos referimos aqui, são feitas numa
perspectiva ontogenética e não filogenética tal como sustenta Freud em vários
de seus escritos.
7
Aqui lembramos a análise de Adorno (1965).
8
Estas predisposições estiveram na base do fenômeno do fascismo, como mos-
traram Reich (1982) e Fromm (1983).
36
Parte 1
COMUNISMO E ANTICOMUNISMO
A identidade dos opostos
40
identidade, a sua razão de ser” (Baczko, 1985, p. 309). Nessa
tentativa de construção de uma identidade coletiva, a visão do
“outro” é tão fundamental quanto a imagem de si mesmo, seja
do amigo ou do inimigo, do rival ou do aliado, sem o que, como
afirma Baczko, nenhuma relação social e nenhuma instituição
política seria possível.
Assim é que iniciaremos o nosso percurso tentando captar
pelos discursos, em torno da revolução — dos comunistas e dos
anticomunistas —, a comunicação das representações imaginárias
que eles elaboram quando se transportam para fora de si mesmos
e se defrontam com a imagem do outro. Esse outro é o inimigo
e são necessários atos de imagem para figurá-lo. Nesse ponto,
um primeiro fio condutor nos advém da presença da simbologia
do bem e do mal.
O imaginário social se assenta, como nos lembra Castoriadis
(1982), no simbólico. O imaginário utiliza o simbólico “não so-
mente para exprimir-se, o que é óbvio, mas para existir” (p. 154).
E a sua existência implica a adesão a um sistema de valores e a
um sistema de regras que se remetem à estruturação das forças
afetivas que atuam sobre o conjunto da vida social. O trabalho
de estruturação dessas forças é realizado através da operação
com “pares antitéticos”, ou melhor, com uma série de oposições.
Entre estas, a oposição bem/mal.2
No caso da figuração do “inimigo”, seja do comunista ou
anticomunista, a oposição bem/mal aparece aplicada à esfera
política e articulada com outras oposições, o que lhe garante,
como veremos, um amplo espectro de significações. Se as oposi-
ções constituem, como quer Heller (1983, p. 58-59), “categorias
de valor” e são referências que permitem aos homens se situarem
no social, assimilando-o “como um mundo ordenado”, não é de
se surpreender que ocorram manipulações do imaginário (uma
vez que é fato que este intervém no exercício do poder político),
no sentido de se constituírem imagens em torno dessas categorias
de valor que ameaçam esse ordenamento do mundo. Assim é que
a figura do inimigo aparece construída como a encarnação do
mal, e comunistas e anticomunistas não irão dispensá-la.
41
Comecemos pelo imaginário anticomunista. A organização,
pela Aliança Nacional Libertadora,3 de um comício de comemo-
ração das revoluções tenentistas de 1922 e 1924 a ser realizado
no dia 5 de julho de 1935, na capital federal, quando seria lido
o manifesto revolucionário de Prestes à nação, foi o suficiente
para que o país se visse mergulhado num crescente clima de
apreensão. Esse clima foi fortemente manipulado por segmentos
do poder ligados às hostes governistas, e a opinião pública se
viu defrontada com o fantasma do comunismo que se tornaria
de fato real em novembro desse mesmo ano.
É inegável que antes disso já existia certa intranquilidade:
com a decretação da Lei de Segurança Nacional4 (a famosa “Lei
Monstro”, como foi apelidada pelos setores progressistas e de
oposição ao governo Vargas); com a ameaça fascista interna,
personificada no avanço da Ação Integralista Brasileira; com
a intensificação dos confrontos entre integralistas e aliancistas
que assume maiores proporções no famoso comício de junho em
Petrópolis, quando houve morte e ferimentos; com as dúvidas da
opinião pública sobre o futuro da democracia no país.
Contudo, é após a divulgação do manifesto de Prestes (que,
aliás, não se deu no comício programado que foi astuciosa-
mente impedido pelo governo),5 que culminou no fechamento
da Aliança Nacional Libertadora, em decreto datado de 11 de
julho — sob a acusação de estar desenvolvendo “atividades
subversivas da ordem política e social”6 — que ganha corpo
uma estratégia de alarde com a ação dos comunistas. Sucedem-se
nas primeiras páginas dos jornais7 notícias acerca do “rigoroso”
policiamento adotado no dia 5 de julho, data do comício; sobre
as providências “enérgicas” tomadas pelo Ministro da Guerra
para manter a ordem; a propósito do “reforço” às guardas dos
edifícios públicos na Capital; informando sobre o “fechamento”
de sindicatos, como o dos bancários, e do varejamento de suas
sedes no Rio; sobre a decisão do Ministro da Guerra de punir
os militares que compareceram à reunião da Aliança Nacional
Libertadora; a respeito do “fechamento” dos núcleos aliancistas
42
regionais; acerca das “prontidões” nos quartéis; sobre o manifes-
to de Prestes, bem como especulações sobre o paradeiro do Ca-
valeiro da Esperança; e, ainda, a propósito da “calma reinante”,
após serem acionadas medidas de precaução. Com as insurreições
dos dias 23, 25 e 27 de novembro, respectivamente em Natal,
Recife e Rio de Janeiro, o comunismo se torna efetivamente o
grande tema nacional e, até a instalação do Estado Novo, em
novembro de 1937, é em seu nome e pelo temor de sua revolução
que se prende, se tortura, se censura, se cerceia e se amedronta.
Milhares de prisões são efetuadas em todo o país, instala-se um
Tribunal de Segurança Nacional, decreta-se o estado de sítio,
reforça-se a Lei de Segurança Nacional, equipara-se o estado de
sítio ao estado de guerra (que será renovado três vezes consecu-
tivas), censura-se a imprensa, fecham-se sindicatos e associações.
Mantém-se o clímax na imprensa com a busca e a posterior prisão
de Luís Carlos Prestes e Olga Benário,8 com revelações sobre as
relações do casal, o roteiro de Prestes na sua volta ao Brasil, a
descoberta e a prisão de Harry Berger9 e sua mulher Elise, os
arquivos “secretos” encontrados nos aparelhos, as ligações com
“Moscou e a terceira internacional” e a descoberta de “planos”
comunistas para o Brasil.
Teria a nação encontrado um inimigo? A resposta nos é dada
por Tristão de Athayde numa conferência intitulada Educação
e Comunismo, parte de um ciclo organizado pelo Ministério da
Educação, em particular por Gustavo Capanema, para debater
os problemas nacionais, dentro de um plano de doutrinação
contra o comunismo:
43
como a nossa, e estão sujeitas à lei de heteronomia, é considerável
a confusão e mais considerável ainda o número das provocações de
confusão por interesses.
Foi, portanto, para o Brasil, a última e fugaz revolução de novembro
um desses acontecimentos providenciais que permitiram convencer
muitos céticos da iminência de um perigo social que havia adotado,
com êxito, a tática da confusão para despistar os incautos. E com isso
pode ser fixado, com segurança, ao menos um dos inimigos em ação:
o comunismo. Falar no comunismo, entre nós, hoje em dia, já não é
assunto exótico, ou ser acusado de viver no mundo da lua. Muito pelo
contrário, representa o tema do dia, o mais debatido, o mais atual, já
talvez o mais monótono, que oxalá perdure por algum tempo, para
ao menos ser um pouco mais conhecido em toda a sua extrema com-
plexidade.11
44
Assim é que Getúlio Vargas, ao falar à nação no dia 1º de
janeiro de 1936, se expressou da seguinte maneira:
45
Se Stalin encarna o inimigo estrangeiro, porém distante, e Harry
Berger e Prestes, ao contrário, são presenças vivas nos noticiários
nacionais, e, portanto, próximas, Moscou é o centro irradiador
do perigo que é instrumentalizado pela terceira internacional.
De lá, partem os mercenários, figuras integrantes do imaginário
da guerra, pagos pelo “ouro de Moscou”, profissionais arregi-
mentadores, membros dos corpos de espionagem e organizações
secretas que se espalham pelo mundo.
46
doença que Vargas se referiu às “reservas de energia sã” com que
a nação teria reagido às insurreições de 1935. Só essas energias
seriam capazes de enfrentar tal mal uma vez que, como ele afirma
no mesmo discurso,
47
A imagem do vírus fortalece a imagem do agressor externo
e, por isso, se compõe, numa combinação bem-sucedida, com a
imagem da infiltração. “Lançam [os comunistas] mão de todos
os ardis para infiltrar na alma inquieta das multidões o vírus
peçonhento do terrível perigo vermelho”.19 Essas imagens se
sucedem não de forma isolada, ao contrário, elas se ajustam
dentro de uma mesma percepção de vida política e social. Ora
o comunista é quem “infiltra o vírus”, ora é ele quem envolve
o estudante e o operário “inoculando-lhes o germe da demoli-
ção”.20 Enquanto isso, as suas células são consideradas “focos
de infecção comunista”21 e a Aliança Nacional Libertadora
(ANL) — na sentença que a dissolve, dada pelo Juiz Federal
Edgard de Ribas Carneiro — é definida “como uma incubadora
desses miasmas, organização antibrasileira, olhos voltados na
obediência do comando de Moscou”.22
Todas essas imagens confluem para a representação do
comunismo tão bem expressa por Macedo Soares como uma
“verdadeira enfermidade”.23 E enfermidade, note-se, vinda “de
fora”, como um espectro a rondar o organismo nacional cuja
integridade é garantia da identidade — por isso mesmo é que
a “moléstia” precisa ser remetida a um lugar exterior, não se
concebendo que ela parta de dentro. Assim a concebem Otávio
Mangabeira e Cypriano Lage ao afirmarem, respectivamente,
que:
48
O Brasil nunca pensou que a enfermidade moscovita batesse um
dia a nossa porta com intenção de entrar. Nós a imaginávamos uma
doença social sui generis de caráter asiático, com um habitat particular,
vivendo num ambiente confinado, sem possibilidade de penetração em
nossa terra, devendo interessar apenas a alguns espíritos amantes de
exotismos políticos ou doutrinários.25
49
O corpo social brasileiro, enquanto um “todo orgânico”, é
visualizado nas falas anteriores como enfermo e a sua totalidade
como ameaçada pela maléfica doença comunista. Daí a ênfase
na profilaxia social, na terapêutica após a intervenção cirúrgica
(repressão pela força), no saneamento, como bem frisou Getúlio
Vargas ao afirmar após as insurreições de 1935: “Impõem-se
agora sanear o ambiente e afastar os elementos cuja atividade
antissocial vem perturbando a vida do país.”27
Nessa linha da profilaxia social, é exemplar uma publicação
católica28 que sintetiza a concepção orgânica da sociedade.
Numa campanha contra o “estrangeirismo” russo na literatura,
seu autor de uma só vez localiza nos livros “um foco de lepra
moral”, alerta para a necessidade de “reprimir este bacilo e
germe de decomposição” e de não se “deixar sem desinfecção
o foco pestilencial das doutrinas comunistas”, uma vez que
existe uma “crosta vulcânica já formada em alguns lugares pela
onda rubra dos livros de Moscou”. Ao propor um programa
“regenerador” da sociedade, sugere que os governos estabeleçam
uma “espécie de Inspetoria de Saúde Pública, sobre gêneros ali-
mentícios literários”. Aqui aparecem associadas ao organismo
social que se precisa manter saudável (e, por isso, os alimentos
ingeridos precisam ser inspecionados na sua qualidade) imagens
de manifestações incontroláveis e ameaçadoras do mundo físico,
tais como “onda” e “crosta vulcânica”, sendo que esta última
fixa a ideia de petrificação do que antes era vida e após a lava
passa a ser morte.
É ainda à força do naturalismo que, em outros escritos, se
diz da ideologia comunista que ela “frutificou” no terreno que
o alto custo de vida preparou para a “germinação” e, ainda,29
que é “planta daninha”: “as plantas daninhas das venenosas
ideologias exóticas, cujas frutas amargas e temporãs felizmente
já experimentamos.”30
As ervas daninhas, portanto, têm que ser eliminadas para que
não se alastrem às demais plantas, e as doenças precisam ser
tratadas a tempo para não se comprometer o organismo inteiro.
50
Se o corpo social está doente, não esqueçamos do poder que
sobre ele exerce quem diagnostica o mal e o trata para efeito de
cura ou, melhor dizendo, de recuperação da saúde social. Essa
“fantasmagoria orgânica”, no dizer de Romano (1985), está
edificada no pressuposto
51
O Brasil dos anos de 1930 não estará distante dessas represen-
tações que, ao contrário, lhe serão bastante familiares.
A utilização das imagens de peste e flagelo são mais frequentes
nos ataques anticomunistas dos católicos — ao contrário das
imagens de demônio, diabo, do contratermo inferno e de suas
variáveis, que são usadas mais indistintamente por diferentes
segmentos oponentes do comunismo. Em algumas ocasiões, a
vinculação flagelo/pecado é feita com sutileza, tal como no texto
abaixo, de orientação católica:
52
Um intelectual católico também aborda o tema.
53
sociais. Pelo tema do diabólico, do satânico e do demoníaco36
somos levados tanto a nos defrontar com o horror, o medo, a
morte, a perversidade, a peste, como a testar a nossa sensibilidade
ao mal. Daí, todo o poder dessas imagens, o seu fascínio, a sua
durabilidade que levam à afirmação de que “o diabo é provavel-
mente um componente inalienável do mundo.” (Kochakowicz,
1987, p. 264).
A presença do maligno na retórica anticomunista vai da sua
simples associação com o comunismo — que é neste momento
o seu instrumento —, passa pela livre associação de imagens
que liga os comunistas ao horror enquanto expressão do Mal
absoluto, e chega até a insinuação implícita e velada, mas nem
por isso menos informada pela sua força imaginária.
Exemplo do primeiro caso é o discurso de Agamenon Maga-
lhães na União dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro,
em outubro de 1937:
54
assassinos, ladrões, violadores, cruéis, gozadores sem piedade.
A carta pastoral do episcopado brasileiro assim se expressa:
“Onde logrou implantar-se, [o comunismo] aparece então com
a fisionomia dura, cruel, violenta.”41 O divertimento com o so-
frimento alheio, tão próprio do diabo, segundo as mencionadas
representações religiosas, é descrito em cores fortes:
55
Campos, o almirante Álvaro de Vasconcelos e o general (inte-
gralista) Newton Cavalcanti, este assim se referiu ao momento
vivido pelo país:
56
sua acusação contra os seus miseráveis algozes. O sangue dos oficiais
assassinados fria e covardemente é a mancha estigmatizadora na face
dos Cains, rinchavelhantes e cínicos. O pranto das mães, dos órfãos e
viúvas é o clamor insufocável contra os carrascos assalariados. (...) Era
isto que o cavaleiro da Esperança queria nos trazer. Para executar seus
planos diante de nada recuou. Era preciso matar, era mister trucidar.
Pois mate-se, trucide-se, roube-se, estupre-se.45
57
humanidade com sua divindade” (Freud, 1976c, p. 110). Assim,
Deus e Diabo seriam figuras originalmente idênticas, cindidas
posteriormente em duas, com atributos opostos, o mesmo ocor-
rendo com a figura do pai. Daí, de acordo com Freud, a presença
de uma visão satânica do pai na vida mental dos indivíduos. A
partir dessa divisão da imagem paterna, projeta-se Deus como
o protetor e o Diabo como hostil. O apelo ao medo arcaico do
lado hostil (portanto, satânico) do pai está, a nosso ver, na base
das caracterizações do mal enquanto demoníaco e explica a força
de que são revestidas essas caracterizações.
À presença no inconsciente, pela força da tradição judaico-
-cristã das reminiscências arcaicas, dos fantasmas do maligno e
do infernal, atribuímos a ocorrência nos discursos anticomunis-
tas de três importantes agrupamentos de imagens. O primeiro
se estrutura em torno das imagens de sombra/luz — e o reino
infernal do maligno aparece associado às trevas, à ausência da
luz. Essa associação é antiga e pode ser remontada à tradição
mitológica iraniana que, segundo Kochakowicz (1987), divide o
mundo entre o bem e o mal, sendo este personificado pelo diabo
que coexistia com o senhor da bondade como seu reverso, ambos
filhos de um Deus primordial. O universo seria, segundo ele, um
“campo de batalha permanente entre os poderes da luz e das
trevas” (p. 245). Também a heresia maniqueísta sustentava, se-
gundo esse autor, sua cosmologia na luta entre o reino das trevas
e o reino da luz, porém não advindos de um ser primordial bom,
mas de seres independentes, originais e opostos. O diabo aqui,
como Deus, seria primordial. Isso implica que o bem e o mal co-
existam, se oponham, se hostilizem e não se reconciliem em cada
ser humano.48 É claro que esses pontos remetem diretamente à
questão do estatuto ontológico do diabo,49 porém o que aqui nos
interessa reter, no momento, é que essas mitologias influenciaram
a tradição judaico-cristã, legaram-lhe um maniqueísmo que fez
com que o diabo atravessasse os séculos associado ao reino das
trevas. Por outro lado, a metáfora solar com seu recurso simbó-
lico à luz, à sombra, à treva tem marcado os ideários políticos
58
autoritários conservadores e antirrevolucionários.50 Na Doutrina
das Cores, de Goethe, luz e sombra, tal como Deus e Diabo, são
dois princípios indissociáveis, “a cor é determinada ao mesmo
tempo pela luz e por aquilo que a ela se opõe”.51 Assim, as cores
se originariam do choque da luz com a sombra (Romano, 1981,
p. 76). Na mesma filiação teórica, acompanhando Schelling, diría-
mos que estão condenados à zona da escuridão os transgressores
que ameaçam a harmonia, a organicidade do corpo social, pois:
59
exclusivistas e absorventes”.54 A subversão, também aqui, é
confinada ao espaço da escuridão que, com sua voracidade,
absorve e aniquila.
Também porta-vozes de corporação policial se referem aos
comunistas nesses termos. Num momento
60
a partir de Deus” (Le Goff, 1987, p. 57). A nosso ver, podemos
inferir daí não apenas que o diabo ocupa um plano inferior a
Deus, mas, principalmente, que lhe é reservado ocupar o espaço
do fundo da terra, enquanto a Deus é reservado o topo, e seu
reino se instala no céu. O céu é o espaço solar, o inferno é a
escuridão quebrada pelo fogo que queima e tortura.
Todas essas crenças e conceitos constituem uma herança —
reforçada, como vimos, por tantas vertentes e tradições — cujo
resultado é a presença, na cultura política, desse legado que
aprisiona o mundo, os seres, os valores e os sentimentos em
extremos dicotômicos tais como a maldade e a bondade, a luz e
a escuridão, a verdade e a mentira.59
Quanto ao segundo agrupamento de imagens decorrentes
do fantasma do Maligno, vemos sua articulação a partir do
par visível/invisível, o qual se desdobra naturalmente a partir
da figuração sombra/luz. O inimigo é invisível, coloca-se na
escuridão, de forma a não ser visto. A invisibilidade torna o
inimigo ainda mais ameaçador e a sociedade, ainda mais mal-
-assombrada pela insegurança. É como um poder invisível, e
superior ao mundo terreno, que ele ameaça todas as cidadelas
da segurança. O invisível é a treva criminosa e cruel, invisíveis
são os planos sinistros e fatais. Os inimigos não são visíveis uma
vez que, como afirma um boletim integralista,60 “tramam oculta-
mente em todos os lugares” e “têm agentes secretos no Brasil”.
Outras falas reforçam essa invisibilidade quando expressam
que os agitadores extremistas “proliferam na sombra”61 e “de
tocaia permanente aguardam a hora propícia para seus golpes
de vandalismo e trucidamento”.62 O Ministro do Trabalho,
Agamenon Magalhães, é claro e explícito:
61
Ele está escondido, mas a sua ação é onipresente. Mesmo
quando fora do escuro, sua visibilidade permanece como um
desafio, porque se mascara e se disfarça. Assim é que se diz dos
membros da Aliança Nacional Libertadora que “(...) deixavam
a propaganda aberta para agirem no subsolo (método predileto
do marxismo) sob disfarces, mascarando os seus intentos com
aparências ingênuas”.64 Também Getúlio Vargas usa a imagem da
máscara ao afirmar: “Sejam quais forem os disfarces e os proces-
sos usados, os adeptos do comunismo perseguem invariavelmente
os mesmos fins”.65 O recurso à imagem da máscara, a nosso ver,
se torna mais inteligível se recuperarmos “o Maligno”, o que faz
com que o inimigo apareça travestido de uma força demoníaca:
62
Nunca poderá vencer [o comunismo], portanto, utilizando a pro-
paganda aberta e franca, feita lealmente e sem temor à verdade, para
dominar a vontade das maiorias, pelo exercício do voto livre. Bem
diversos, daí, os seus métodos e expedientes de expansão e proselitis-
mo. Pregando ou conspirando, os seus apóstolos jamais confessam o
que são, mas ao contrário, desdizem-se ou se declaram, quando mais
corajosos, socialistas avançados ou pacíficos simpatizantes das ideias
marxistas. A dissimulação, a mentira, a felonia, constituem as suas
armas, chegando, não raro, à audácia e ao cinismo de se proclamarem
nacionalistas e de receberem o dinheiro da traição para entregar a Pátria
ao domínio estrangeiro. (...) Como por toda a parte, também entre nós
distribuem-se por categorias de fácil identificação.
Há os conspiradores, partidários da violência, querendo precipitar
os acontecimentos pelos golpes de força e pela técnica da rebelião certos
de que nunca poderão contar com a maioria da representação política,
ou antes, seguros de que terão que enfrentar sempre a repulsa integral
do povo brasileiro (...)
Há os pregadores, os professores, os doutrinadores do comunismo,
disfarçados em marxistas, em ideólogos da nova era social, mistifica-
dores de toda a casta, perniciosos e astutos. São os que envenenam o
ambiente, turvam as águas, não praticando mas ensinando o comunis-
mo nas escolas, distribuindo livros sectaristas, propinando o veneno e
protestando inocência a cada passo, pois não invocam, na sua lábia,
a violência e sim a modificação evolutiva dos valores universais. Tão
perigosos quanto os outros, definem-se pela pusilanimidade e pela
hipocrisia com que mascaram, adaptando-se às exigências do meio
social onde vivem e de cujo trabalho se mantêm parasitariamente.66
63
onde há o colegial sonhador ou o operário revolucionário (...)
sabem procurá-los e captar-lhes a confiança inoculando-lhes o germe
da demolição. Utilizam-se de todos os recursos, acenando às pessoas
simples com um paraíso terrestre (...).67
64
doutrinas malsãs”,71 critique-se o governo por não ter tido “a
energia suficiente para jugular de uma vez a hidra moscovita”.72
Finalmente, chegamos ao terceiro grupo de imagens, orga-
nizado em torno da inteligência/incapacidade. Apesar de todo
o mal que os comunistas configuram, eles infundem respeito
pelas qualidades que lhes são atribuídas, tais como habilidade,
planejamento, persistência, tenacidade, inteligência.
Assim é que Tristão de Athayde, ao discorrer sobre educa-
ção e comunismo, critica a filosofia da educação e os valores
do materialismo dialético que orientam a escola soviética, nele
elogiando, contudo, o fato de vincular o problema escolar às
condições políticas e ao ambiente ideológico:73
65
De novo os comunistas aparecem como exemplo de ação,
sendo o seu mal paradoxalmente baseado na virtude. Por ocasião
da divulgação do plano Cohen, apesar dos ataques violentos
aos comunistas, dele se diz: “Analisando-se o plano comunista
surpreende a minúcia, a malícia, o calculismo, o método com que
foi elaborado”.75 É claro que a valorização do inimigo acaba por
valorizar quem o combate; entretanto não se pode desconhecer
que aí existe um certo fascínio pelo oponente:
66
desejo é mimético. E o que se deseja adquirir é o desejo dos co-
munistas. Afinal, é por “desejarem” que eles são tenazes, firmes,
abnegados. Nessa circunstância, os anticomunistas tornam-se
seus rivais.
De novo, as contradições de dupla face que parecem ser “o
fundamento de todas as ligações entre os homens” (Girard, 1985,
p. 219). Não só essas identificações estão por trás da valoriza-
ção da tenacidade do inimigo e das ambíguas afirmações que
caracterizam o inimigo como “cruel mas inteligente”, “perigoso
mas hábil”, como afinal, se estamos nos reportando ao Maligno,
devemos lembrar-nos de que são características importantes do
diabo a inteligência e capacidade extraordinárias. E, se o inimigo
é tão extraordinário, mais extraordinário será o combate e mais
prazer trará a luta.
Por outro lado, boa parte do enorme rancor dirigido aos co-
munistas talvez possa ser explicado como um forte sentimento
de inveja daqueles que, identificados com a autoridade, a ela se
submetem incondicionalmente, contra aqueles “que se permitem
adotar um comportamento inconformista e violam as normas
da ordem e da tranquilidade pública” (Kühnl, 1982, p. 165).
Segundo este autor, a perseguição de minorias, no fascismo, por
exemplo, é o reverso do masoquismo, que encontra expressão
na submissão prazerosa à autoridade. Freud (1974b, p. 147 et
seq.) nos explica isso como a reversão de um instinto em seu
oposto, que é própria do par de opostos sadismo/masoquismo. A
reversão é de finalidade, ou seja, a finalidade ativa é substituída
pela passiva ou vice-versa. Daí que, de um prazer no próprio
submetimento, se passa ao ódio em submeter aqueles que não
se submetem.
Também é possível pensar que os comunistas, ao serem trans-
formados na figura do inimigo, transformam-se no que Girard
(1985) chama de bode expiatório ou vítima propiciatória. Os
comunistas se prestam, na direção indicada por esse autor, não
só como alvo de descarga dos impulsos agressivos contidos nos
sujeitos sociais, como para distrair a atenção das causas reais
67
da insegurança social que, ao serem atribuídas aos comunistas,
estão, habilmente, sendo postas fora do social.
O resultado disso é a validação, na mente dos agentes sociais,
de uma concepção de mundo orgânica e coerente, baseada “na
divisão radical do mundo em branco e negro, em bons e maus,
em anjos e demônios, com a qual não se fez senão reconhecer o
esquema de ancestrais mitos” (Kühnl, 1982, p. 163).
Até aqui viemos tentando mostrar como a simbologia do
mal sustentou as representações do imaginário anticomunista.
Não podemos perder de vista que elas não só traduzem um en-
frentamento entre forças políticas rivais, como são a expressão
pensada de uma das forças em conflito e a condição mesma
da efetuação desse enfrentamento. De qual força? A contrar-
revolucionária — que enfrenta o inimigo global: a revolução.
É pelo temor da revolução que os comunistas são representados
como encarnação do mal. É o seu fantasma que assombra com
a doença, o Maligno, o apocalipse, a morte, a escravidão.
É contra a revolução que o anticomunismo se manifesta
através de determinados conteúdos,79 tais como a defesa da in-
tegridade nacional, da pátria soberana, da civilização cristã, da
família, da moral, da propriedade, da ordem. E é através deles
que o imaginário anticomunista sintoniza-se com o universo
contrarrevolucionário da década de 1930 e torna-se uma de suas
expressões no Brasil.80
Esses conteúdos aparecem articulados, simultaneamente, por
um lado, enquanto os únicos sustentáculos de uma muralha
capaz de deter a ameaça das forças que vêm de fora e, de outro,
enquanto valores positivos que encarnam as forças do bem.
É interessante acompanhar como é feita a caracterização do
“bem”, para o qual se recorre a Deus, à tradição, ao costume,
à sociedade, à natureza, enquanto conceitos ou realidades que
o distingam do mal.
Um bom exemplo do recurso aos conteúdos mencionados está
num discurso proferido pelo governador de Minas, Benedicto
Valladares, em 1937.
68
As revoluções para mudança de governos políticos constituem um
mal algumas vezes necessário, quando inspiradas em nobres objetivos
de servir à coletividade. Se as revoluções, porém, têm por fim destruir
a organização social, a família, a religião, a propriedade, para satis-
fazer ambições que não podem vencer na luta de concurso de dotes
morais e intelectuais elas se transformam num monstruoso atentado.
Contra essas revoluções, temos o dever imperioso de sacrificar a nossa
existência de povo digno.
Qualquer fraqueza ou tolerância para com os autores morais ou
materiais de tão hediondo crime não se justifica.81
69
materializando-o. Diverso deve ser o nosso objetivo. Cumpre prepará-lo
para ser útil a si mesmo e à sociedade e para que, vivendo em comum
com os outros homens, se compraza em amá-los sem egoísmo e sem
preconceito de superioridade de classe ou de raça.82
70
1930, consubstanciada na política do trabalho, mas, sobretudo,
a defesa da ordem social vigente enquanto tal e com todos os
seus valores de bem.
A afirmação da superioridade do poder dos segmentos anti-
comunistas implicou a preservação dos valores da tradição, da
propriedade, da ordem, da moral e consequentemente na sua
associação com o bem, ao tempo em que os representantes do
poder são associados aos “bons”. Assim parece pensar Vargas.
Como o Presidente, parece pensar seu Ministro da Agricultura,
Odilon Braga, ao afirmar:
Não há (...) quem não pressinta a ronda dos trágicos perigos que, à
esquerda, ameaçam desabar sobre nossos lares, nossos templos, nossas
oficinas, nossas fábricas, nossas lavouras (...).83
71
porque são princípio ontológico desse real. Daí entendermos
que é a partir do atributo da sacralidade da instituição que
se concede à família a condição de célula-mater da sociedade;
que se faz da propriedade um direito natural; da ordem, um
imperativo da sociedade; da pátria, um espaço inalienável; da
civilização cristã, uma realidade fundante; da sociedade, uma
vocação humana; e de seus paladinos, os portadores do eterno
(cf. Lefort, 1974).
A menção ao costume e às tradições da pátria, do povo e por
sua vez do regime,84 quando se apela aos valores da propriedade,
da família, da religião, da ordem, é feita no sentido de se atribuir
ainda maior sacralidade a esses conteúdos, relembrando a sua
autoridade ancestral. Daí as afirmações, como as de Benedicto
Valladares, de que “os extremistas querem subverter o regime
em que vivemos felizes, por ser o único de acordo com a nossa
formação política, social e religiosa”.85 Ou que o comunismo, no
dizer de representantes do legislativo, “é o perigo da destruição
do patrimônio secular. É a própria democracia que periga. É a
inconsciência fanática, alheia às tradições liberais da Pátria”,86 e
pretende “nos impor o predomínio de um falso idealismo mate-
rialista, contrário ao regime em que vivemos, no que ele tem de
mais alevantado: o valor e o sacrifício das gerações passadas na
formação da nossa Pátria; a instituição da família a que traduz
a pureza de nossos sentimentos”.87
Nesse sentido, o que ameaça essas instituições ameaça a
própria existência do real. Isso torna explicável porque o que
abala a segurança e a inteligibilidade do real determinadas por
uma “ordem de aparência” do discurso ideológico é traduzido
enquanto um mal. Quando o discurso anticomunista elege a
família, a pátria, a sociedade, a propriedade, a ordem enquanto
bastiões para a defesa da cidadela ameaçada, por um lado, e, por
outro, como ponto de abertura para a entrada do inimigo — o
que exige maior investimento e dedicação, em termos defensi-
vos —, é a sacralidade que se quer resguardar. A defesa desses
conteúdos, portanto, não é feita pelos conteúdos em si e, sim,
72
pela força que os reveste e pelo poder que eles sustentam no
domínio do social. Esse poder é que está na base, como veremos
nos capítulos seguintes, dos vários significados atribuídos a esses
conteúdos e das estratégias políticas que os envolvem.
Se a pátria, a família, a ordem, a propriedade, a civilização
cristã são realidades inquestionáveis, há de ter alguma eficiência
a estratégia política que figura o inimigo como aquele que tem
por princípio a destruição dessa realidade. É, pois, em função
desse enfrentamento pelo domínio do social que esses conteú-
dos são investidos de uma carga retórica defensiva, pois em si
mesmos eles não necessitam de nenhum tipo de justificativa. E
toda a retórica tenta desmontar o que se apresenta como sendo
o “conteúdo” do inimigo. Esse inimigo é o comunismo, objetiva-
ção do objeto persecutório que ameaça essa totalidade formada
pela propriedade, ordem, família, civilização cristã, irmanadas
no corpo da pátria.
Com a representação de quais conteúdos essa ameaça do
inimigo ganha visibilidade? O materialismo histórico é um bom
exemplo para começarmos. A sua descaracterização é feita atra-
vés da associação com as imagens da máquina, do “instrumen-
to”, como vimos Vargas afirmar, à escravização ao trabalho, ao
atendimento das necessidades puramente biológicas, como a da
alimentação e do sexo. Assim se manifesta um adepto do Sigma
ao defender o “Regime Integral”:
73
Assim também parecem entender os bispos brasileiros em sua
carta pastoral de 1937:
74
dividido “em dois campos opostos: de um lado, os que defen-
dem a civilização cristã; do outro, os novos bárbaros, que em-
punham a bandeira rubra da revolução marxista”.92 Regresso
ao primitivismo para uns, retorno ao barbarismo para outros,
o materialismo é ponta de lança da derrocada do patrimônio
moral, religioso, econômico e social. Afinal, por ser materialista
é que o comunismo é posto como ateu e herético, e, por isso
mesmo, o materialismo é dissolvido, no discurso da Igreja e dos
católicos, na imagem do paganismo e do hedonismo.93 Assim é
que a hierarquia católica alerta e se manifesta contra
75
Desta concepção materialista da vida resulta o mais absoluto (amo-
ralismo). Já não há bem nem mal. Já não há lei superior ao homem e
norma de seus atos. Já não há dever nem sanção. O partido e os seus
interesses elevam-se absolutos sobre a destruição de todos os valores
morais.96
76
visão integralista, é considerada como parte do materialismo
histórico, conquanto este é quem põe em ação “as forças cegas
da prometida nivelação bestial de todos os seres”.102 Por que
bestial? Porque é contra a natureza humana. O que a igualdade
e o nivelamento pressupõem? O fim da propriedade privada e a
sua conversão em propriedade coletiva. O tema da propriedade
privada é objeto de uma operação que pretende denegá-la en-
quanto empecilho à justiça, à prosperidade, à liberdade, e ao fim
da miséria. E é a propriedade coletiva, ao contrário, que é posta
como injusta, como responsável pela precariedade da vida dos
operários que não podem conquistar bens, dispor livremente de
seu salário e alcançar melhor posição social — escolher livre-
mente seu trabalho. Ela perpetua a miséria e eterniza a injustiça.
77
Mentira a prometida liberdade, mentira a exaltada prosperidade,
mentira a elogiada igualdade, mentira a aplaudida fraternidade. O
operário russo ganha menos que um sem trabalho de outros países. O
camponês russo está morrendo de fome. O operariado russo é escravo
com cadeias douradas. A igualdade é um mito. A fraternidade é uma
burla. Só a força vale.105
78
Colaboram também indiretamente para a nefasta expansão dessas
doutrinas todos os que pelo indiferentismo, pela descrença, pela ocio-
sidade, pela pobreza de senso moral, vivem à margem da vida pública,
atuando como força de inércia ou de ação negativa na marcha das
atividades construtivas do país.107
(...) o povo, o Exército e a Armada estão unidos e em guarda para
a defesa da Pátria, também contra os fracos, os timoratos e os como-
distas e não só contra os que tiverem a coragem de trair a sua Pátria,
mas ainda contra aqueles que não tiverem a coragem de defendê-la.108
79
NOTAS
1
Não desconhecemos a existência do projeto de “revolução espiritual” dos integra-
listas e a adesão a ele de milhares de militantes ativos em todo o país na década
de 1930. Contudo, parece-nos que a força da ideia de revolução, nesse contexto,
advém da sua associação simbólica com o comunismo e não com o integralismo
em si, e que este, nos anos do nosso estudo em questão, teve garantida boa parte
da sua visibilidade na cena política graças ao seu anticomunismo. Dessa forma,
optamos por situar os integralistas no reverso da Revolução.
2
Esse par bem/mal é denominado por Heller (1983) como um “par categorial
secundário”. Categorial porque, segundo essa autora, bem/mal são categorias
orientadoras de valor; e secundário, porque é o par bom/mau que é conside-
rado por ela como sendo o par mais geral de categorias orientadoras de valor
e, portanto, definido como o par categorial primário, uma vez que substitui
todos os outros pares categoriais. A orientação de valor é condição, segundo
essa autora, de existência da vida social.
3
Sobre a organização e atuação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) no
período da legalidade e até a insurreição armada em novembro de 1935, ver os
seguintes autores: Carone (1973 e 1974), Silva (1969), Hilton (1986), Levine
(1980), Hernandez (1979). (Mimeogr.).
4
BRASIL. Lei n. 38, de 4 de abril de 1935. Coleção de leis da República. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1936. p. 36-44.
5
Carone (1974, p. 259), Levine (1980, p. 157).
6
BRASIL. Decreto n. 229, de 11 de julho de 1935. Coleção de leis da República.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936. v. II, p. 206-209.
7
ESTADO DE MINAS, 1935-1937; ESTADO DE S. PAULO, 1 a 31 jul. 1935.
8
Sobre Olga Benário, um texto importante é o de Fernando Morais (1985).
9
Sobre Harry Berger, ver o livro de José Joffily (1987).
10
Grifos encontrados no texto, tal como publicado na imprensa.
11
TRISTÃO DE ATHAYDE. Educação e comunismo. O Diário, Belo Horizonte,
p. 5, 5 abr. 1936.
12
DISCURSO de Getúlio Vargas à Nação brasileira, 1 jan. 1936. Boletim do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 17, jan. 1936.
13
O MONSTRO de mil cabeças. O Diário, Belo Horizonte, 25 nov. 1936.
14
Idem.
15
PERIGO vermelho. Argus: revista policial, Belo Horizonte, p. 39, dez. 1936.
16
BOLETIM DO MINISTÉRIO DO TRABALHO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO,
n. 17, jan. 1936.
17
HORA decisiva para a democracia. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3,
19 ago. 1937.
18
O PLANO tenebroso. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 2 out. 1937. O
trecho selecionado é parte de um editorial no qual se defende a candidatura de
José Américo de Almeida à sucessão de Vargas.
80
19
PERIGO vermelho. Argus: revista policial, op. cit.
20
AGITAÇÕES extremistas. Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 2, 31 out. 1936.
(Editorial).
21
OS PIORES cegos. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 11 jul. 1936. (Editorial).
22
SENTENÇA de 11 dez. 1935, transcrita da revista Argus: revista policial, Belo
Horizonte, p. 40, dez. 1935.
23
SOARES, Macedo. A situação. Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 2, 27 nov.
1935.
24
DISCURSO pronunciado por Octávio Mangabeiras num comício em Belo
Horizonte, pró-candidatura de Armando Salles Oliveira. O Diário, Belo Ho-
rizonte, p. 9, 17 ago. 1937.
25
LAGE, Cypriano. Táctica comunista. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 2,
22 out. 1937. Transcrito do jornal carioca A Noite, de 20 out. 1937.
26
Sobre a concepção orgânica da realidade, são importantes os trabalhos de Ro-
mano (1985), Lenharo (1987), Marson (1979), Bresciani (1985) e Rago (1985).
27
BOLETIM DO MINISTÉRIO DO TRABALHO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO,
n. 16, p. 341, dez. 1935.
28
AFONSO, G. Repressão ao extremismo. O Diário, Belo Horizonte, p. 3, 6
fev. 1935.
29
O GRANDE aliado. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 16 jul. 1936.
30
GOMES, Francisco Magalhães. Noblesse Oblige. O Diário, Belo Horizonte,
p. 4, 11 jan. 1936.
31
PEQUENO comentário. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 19 fev. 1936.
32
NEGROMONTE, Pe. Álvaro. Ideia e força. O Diário, Belo Horizonte, p. 5,
14 jul. 1935.
33
GODÓI, Edgard de. Campanha anticomunista nas escolas superiores. O Diário,
Belo Horizonte, 1 jan. 1936.
34
COMBATE decisivo. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 23 out. 1937. Esse
jornal era dirigido pela família Mello Franco.
35
SALVEMOS o Brasil. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 5 ago. 1937.
36
Sobre o demônio, parece-nos importante remeter a Marcel Detienne (1987) e
aos esclarecimentos que este autor dá a respeito dessa figura que é representada
de maneira oposta pelos gregos e pela tradição cristã. Para os gregos, o demônio
(do grego daimon) é uma potência intermediária entre os deuses e os heróis (sem
individualidade, portanto, potência coletiva), que participa, ao mesmo tempo, da
natureza humana e da divina, podendo ser bom ou mau e se manifestando pela
magia, encantamento, adivinhação, sonhos. Detienne menciona, para demonstrar
isso, a existência da figura do Bom Demônio, que era protetor da família arcaica.
É na tradição judaico-cristã que o demônio surge como uma potência decaída,
identificada ao mal e ao Maligno. Nessa visão religiosa, demônio e demoníaco
se vinculam ao diabo, à tentação, ao pecado, ao Espírito de Malícia. Assim, o
demônio perde o papel de intermediário entre o humano e o divino para Cristo.
81
37
DISCURSO do ministro Agamenon Magalhães na União dos Empregados do
Comércio do Rio de Janeiro, 30 out. 1937. Boletim do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, n. 39, nov. 1937.
38
PERIGO imenso. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 1 out. 1937. (Editorial).
39
COMBATE decisivo. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 23 out. 1937.
(Editorial).
40
Kochakowicz (1987), ao mencionar os diferentes aspectos do diabo, fala da
existência de três facetas: a horrível, a grotesca e a trágica. A grotesca é encon-
trada no folclore e na literatura popular, em que o diabo aparece como estúpido,
desajeitado e que fracassa sempre em seus truques e é vencido pela esperteza
dos camponeses. A trágica é uma figura literária e os aspectos trágicos seriam a
“dignidade e a sabedoria glacial” (p. 250-256). O diabo é desobediente e prefere
o sofrimento a submeter-se ao poder do senhor. Ele assume a sua rebeldia e o
seu destino de perdedor e por isso é respeitado.
41
CARTA pastoral do episcopado brasileiro. Boletim do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, n. 38, p. 110, out. 1937.
42
LIÇÕES dos fatos. O Diário, Belo Horizonte, p. 2, 4 dez. 1935.
43
O DIÁRIO. Belo Horizonte, p. 4, 1 jan. 1936. (Editorial).
44
DISCURSO pronunciado pelo general Newton Cavalcanti em romaria ao Cemi-
tério São João Batista. Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
n. 38, p. V-VII, out. 1937.
45
O CAVALEIRO do apocalipse. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 6 mar. 1936.
(Editorial).
46
O caso espanhol vai ser amplamente utilizado pelos católicos, como arma contra
os comunistas, com extrema parcialidade. Referências sobre a Espanha podem
ser encontradas, entre outras, em: O Brasil é por Cristo hoje e por Cristo será
eternamente. A ÚLTIMA sessão solene do segundo Congresso Eucarístico. O
Diário, Belo Horizonte, p. 1-2, 7 set. 1936; MEDITAÇÃO para o dia de hoje.
O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 7 maio 1937; CARTA pastoral do episcopado
brasileiro. Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, op. cit., p.
113. Exemplo de utilização do tema pela imprensa não católica pode ser visto
em: HORRORES do comunismo na Espanha. Folha de Minas, Belo Horizonte,
p. 3, 20 nov. 1937.
47
OS COMUNISTAS. Argus: revista policial, Belo Horizonte, n. 11, p. 1, nov.
1936.
48
Segundo Kochakowicz, para os maniqueístas, o reino material estaria em poder
do demônio, o que também seria sustentado pelas seitas gnósticas no século II. E
embora a raça humana estivesse dividida entre os poderes antagônicos do bem
e do mal, o bem é que seria o poder verdadeiro, “a essência divina do homem”
(p. 249).
49
Essa questão é particularmente delicada, conquanto polêmica e insolucionada.
Ela está no centro do chamado “enigma do diabo cristão” que, segundo Ko-
chakowicz, é o enigma do “Ser e do Mal”, responsável pela posição ambígua do
diabo. Esse enigma do Ser e do Mal está posto uma vez que “o Nada e o Mal são
tão coextensivos quanto o Ser e a Bondade” (p. 250). Isso porque se Deus era
82
primordial, o criador, o Ser e o Bem eram coextensivos, e o mal como negação,
falta de bondade seria coextensivo com o Nada. Daí que Kochakowicz aponta
o enigma metafísico do diabo como sendo este: “se só Deus é ser no verdadeiro
sentido, se a existência do homem é divina na medida em que é existência, não
deveria toda a variedade do mundo criado aparecer como uma ilusão, como um
Nada que é Mau devido à sua existência, e um Mal que é Nada devido a ser
mau?” (p. 250). Enigma à parte, a figura do diabo é polêmica bem como sua
origem, e a questão está em se atribuir a ele ou retirar dele uma dependência
frente a Deus. É sabido que no Novo Testamento o diabo é potência decaída
pelo pecado e obedece a Deus que é onipotente, embora seja seu inimigo. O
certo é que a sua presença, na cultura ocidental, aparece indissociável da figura
de Deus. Por outro lado, essa ambivalência em torno do diabo não nos deve
causar tanta estranheza se nos lembrarmos de Freud em Uma neurose demoníaca
no século XVII (1976c), no qual ele a associa com a ambivalência em torno da
figura paterna.
50
Ver trabalho de Romano (1981).
51
Citado por Romano (1981, p. 71).
52
Ibidem, p. 76-77.
53
BOLETIM DO MINISTÉRIO DO TRABALHO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO,
n. 16, p. 341, dez. 1935.
54
DISCURSO pronunciado por Tancredo Neves pela Câmara Municipal de
Minas Gerais. In: Minas e seu pensamento político: discursos pronunciados
na manifestação do povo de Minas a S. Excia. o Sr. Governador Benedicto
Valladares Ribeiro, por motivo do congraçamento político mineiro. Belo Ho-
rizonte, 1936. p. 73.
55
O COMUNISMO. Argus: revista policial, Belo Horizonte, n. 11, p. 1, nov. 1936.
56
UM por todos, todos por um. Argus: revista policial, Belo Horizonte, set. 1937.
A prisão desse militante comunista e o subsequente tratamento policial que ele
recebeu se transformaram num caso rumoroso em Belo Horizonte, devido ao
fato de uma denúncia telefônica a um jornal da capital ter dado conta da trans-
ferência do preso em estado dramático — em decorrência das torturas sofridas
na prisão — para o Pronto Socorro da cidade. A versão da polícia é a de que o
preso havia tentado suicídio. O repórter policial, que cobria o caso, publica fotos
onde aparecem os pés do preso, no momento da sua detenção, e que estavam
em condições normais, contrastando com o estado que o repórter encontrou
no Pronto Socorro, endossando a denúncia de que o preso teria tido unhas ar-
rancadas com alicate. Essas fotos foram anexadas aos autos do processo que o
Tribunal de Segurança Nacional abriu contra o “comunista Barros”, como ficou
conhecido na ocasião. Ver Processo n. 412 do Tribunal de Segurança Nacional
(T.S.N.) e Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 10, 28 maio 1937.
57
MAIS vítimas do comunismo. Argus: revista policial, Belo Horizonte, p. 12,
nov. 1935.
58
Ver, para esses exemplos: O Diário, Belo Horizonte, 26 nov. 1935; 19 jun. 1936.
59
Urge que retomemos a contribuição hegeliana ao tema da essência dividida:
“(...) o ser é representado de certo modo como a imagem da pura luz, como a
claridade da visão não turvada, e o nada, por sua vez, como a pura noite, e a
83
diferença entre eles é relacionada a esta bem conhecida diferença sensível. Mas,
na realidade, também quando alguém está representando este ver de um modo
mais exato, pode muito facilmente notar que na claridade absoluta não se vê
nem mais nem menos do que na absoluta obscuridade, isto é, que um dos dois
modos de ver, exatamente como o outro, é um puro ver, vale dizer, um ver nada.
A pura luz e a pura obscuridade são dois vazios que são a mesma coisa. Somente
na luz determinada — e a luz se acha determinada por meio da obscuridade — e,
portanto, somente na luz turva é que se pode distinguir algo; tal como somente
na obscuridade determinada — e a obscuridade se acha determinada por meio
da luz — e, portanto, na obscuridade clareada, é possível distinguir algo, porque
somente a luz turva e a obscuridade clareada têm em si mesmas a distinção e,
portanto, são um ser determinado, uma existência concreta (Dasein).” (Hegel,
1976, p. 85-86).
Assim, diante do fato da essência una e contraditória, as dicotomias podem ser
superadas e a verdade e a moralidade, libertadas dos extremos.
60
BRASIL ameaçado. Tribunal de Segurança Nacional. Processo n. 620, folha 38.
(Folheto avulso).
61
AGITAÇÕES extremistas. Estado de Minas, op. cit.
62
OS PIORES cegos. O Diário, op. cit.
63
DISCURSO do ministro Agamenon Magalhães na União dos Empregados do
Comércio do Rio de Janeiro, 30 out. 1937, op. cit.
64
COMENTÁRIOS. O Diário, Belo Horizonte, p. 2, 9 out. 1935.
65
DISCURSO de Getúlio Vargas à Nação brasileira, op. cit.
66
Ibidem.
67
AGITAÇÕES extremistas. Estado de Minas, op. cit.
68
O PERIGO imenso. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 1 out. 1937.
69
O DIREITO de greve. O Diário, Belo Horizonte, p. 9, 19 jun. 1937.
70
EM DEFESA dos camaradas. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 12 jan. 1936.
71
LIÇÕES dos fatos. O Diário, op. cit.
72
GOLPE dos comunistas. O Diário, Belo Horizonte, p. 2, 26 nov. 1935.
73
TRISTÃO DE ATHAYDE, op. cit.
74
MATA MACHADO FILHO, Aires da. Propaganda comunista e ação católica.
O Diário, Belo Horizonte, p. 2, 17 fev. 1935.
75
O PLANO tenebroso. Folha de Minas, op. cit.
76
OS PIORES cegos. O Diário, op. cit.
77
COMUNISMO, regime de escravidão, fome e de desumana crueldade. Folha de
Minas, Belo Horizonte, p. 1, 23 out. 1937.
78
Sobre identificação com o agressor, ver La Planche e Pontalis (1975, p. 295-302).
79
Esses conteúdos estão presentes e manifestos em vários trechos selecionados das
falas anteriormente citadas. Vamos agora tentar trazê-los à luz em novas falas
ou mesmo em novos trechos dos que já foram utilizados.
84
80
A caracterização do universo contrarrevolucionário da década de 1930 será feita
ao longo dos vários capítulos subsequentes.
81
BENEDICTO Valladares. Argus: revista policial, Belo Horizonte, set. 1937. Esse
discurso foi feito numa concorrida solenidade organizada pelo governo mineiro,
para homenagear um capitão morto na insurreição de novembro. Dela, constou
uma visita ao túmulo do militar, por parte de significativas autoridades do meio
político de Minas.
82
DISCURSO de Getúlio Vargas à Nação brasileira, op. cit.
83
DISCURSO do Ministro Odilon Braga. In: Minas e seu pensamento político, op.
cit., p. 15.
84
Não é nosso objetivo aqui estabelecer uma discussão acerca das filigranas do
ideário político da elite brasileira e, tampouco, discutir os significados que para
ela contém, por exemplo, um termo como “regime”. Apesar das indicações
de várias imprecisões conceituais e políticas, e confusões quanto à forma e o
conteúdo, o que queremos ressaltar é que, do ponto de vista das elites, o que é
comum a todos e que o que se quer preservar é a ordem capitalista, no plano
econômico, e a ordem institucional, no plano político.
85
MINAS GERAIS. Mensagem do governador Benedicto Valladares Ribeiro
apresentada à Assembleia Legislativa. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1937,
p. 17.
86
DISCURSO do vereador Alberto Deodato pelo município de Belo Horizonte.
In: Minas e seu pensamento político, op. cit., p. 95.
87
DISCURSO do deputado Rodrigues Seabra. In: Minas Gerais, Anais da Assem-
bleia Legislativa 1935, Belo Horizonte, 1936, p. 701. v. II.
88
ALVES, João de Rezende. Necessidade de outro regime. O Diário, Belo Hori-
zonte, p. 2, 19 out. 1935.
89
CARTA pastoral do episcopado brasileiro, op. cit., p. 108-109.
90
DISCURSO de Getúlio Vargas à Nação brasileira, op. cit.
91
MATTA MACHADO, J. Conversa com a esquerda. O Diário, Belo Horizonte,
p. 6, 12 maio 1936.
92
OS CATÓLICOS e o marxismo. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 19 set. 1936.
93
Marilena Chaui (1978), ao analisar o imaginário integralista, mostra-nos
como, na operação com imagens no discurso integralista, se reduz o conceito
a uma imagem fácil de ser distinguida na experiência cotidiana. No caso do
“materialismo histórico”, os integralistas, segundo ela, traduzem-no por he-
donismo e evolucionismo, sendo que os termos são separados de maneira que
“materialismo” conote maquinismo, busca de prazer, e histórico “(...) evolu-
cionismo determinista do tipo biológico” (p. 43). A mesma operação é feita no
documento do episcopado brasileiro, como vimos anteriormente, e também
aqui neste documento dos bispos de Minas Gerais.
94
CONFERÊNCIAS episcopais da província eclesiástica de Belo Horizonte. Belo
Horizonte: Imprensa Diocesana, 1935. p. 2-3.
95
ARAÚJO, D. Hugo Bressane de. Pastoral. Petrópolis: Vozes, 1936. p. 2.
85
96
CARTA pastoral do episcopado brasileiro, op. cit., p. 110.
97
GODÓI, Edgard de. Campanha anticomunista nas escolas superiores. O Diário,
Belo Horizonte, p. 3, 1 jan. 1936.
98
DISCURSO do deputado Rodrigues Sales. In: Minas Gerais, Anais da Assembleia
Legislativa 1935, Belo Horizonte, 1936, p. 701. v. II.
99
DISCURSO de Getúlio Vargas à Nação brasileira, op. cit.
100
COMBATE ao extremismo. Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 2, 8 dez. 1935.
(Editorial).
101
CRIADO na Rússia. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 30 ago. 1936.
102
DISCURSO pronunciado pelo general Newton Cavalcanti em romaria ao
Cemitério São João Batista, op. cit., p. 5. Aqui, se faz presente o evolucionismo
histórico e determinista, apontado por Marilena Chaui.
103
DISCURSO do deputado Olynto Orsin. In: Minas Gerais, Anais da Assembleia
Legislativa 1935, Belo Horizonte, 1936, p. 692. v. II.
104
DISCURSO de Getúlio Vargas à Nação brasileira, op. cit.
105
O CAVALEIRO do apocalipse. O Diário, op. cit.
106
BRASIL ameaçado. Tribunal de Segurança Nacional. Processo 620, livro 1,
v. 1, folha 38. (Folheto integralista).
107
DISCURSO de Getúlio Vargas à Nação brasileira, op. cit.
108
DISCURSO pronunciado por Getúlio Vargas em romaria ao Cemitério São João
Batista, op. cit., p. 19.
109
BURGUESIA e comunismo. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 6 jul. 1937.
86
AS ARMADILHAS DO BEM
88
Como essas ideias-imagens estão manifestas no discurso dos
comunistas? Antes é necessário assinalar que a utopia comu-
nista aparece aqui enunciada, traduzida e estruturada através
de uma linguagem doutrinária informada por uma teoria da
revolução. Essa teoria da revolução3 que norteia os comunistas
brasileiros desde os anos de 1920, baseada no modelo leninista
relativo à Rússia, define o caráter da revolução brasileira como
democrático-burguês. Isso porque o país é diagnosticado como
estando em fase de transição para o capitalismo. Esse caráter,
no caso brasileiro, “decorre da estrutura semifeudal e semico-
lonial do país”,4 daí o fato da sua condição ser, numa primeira
etapa, agrária, antifeudal e anti-imperialista. Segundo o bureau
do PCB em 1935,
89
sociedade são precedidas das ideias-imagens de um presente em
crise, ou seja, de uma descrição de um presente odioso e respon-
sável pela perspectiva de um futuro dramático. Dito de outro
modo, de um presente de ponta a ponta grassado pelo mal. Que
mal? O que é causado pelo imperialismo, pelo fascismo e pelo
latifúndio, artesãos de um presente abominável, descrito assim
num panfleto da Aliança Nacional Libertadora:
90
no manifesto de convocação para o I Congresso da juventude
proletária, estudantil e popular, organizado pelo PCB:
91
a Light, a São Paulo Railway, a Cantareira e outras, sendo a
elas associados os nomes de Vargas, Vicente Rao, Armando
Salles, Benedicto Valladares — entre outros —, por outro
lado, o integralismo é considerado como força auxiliar do
imperialismo, enquanto organização burguesa e inimiga dos
trabalhadores e os seus adeptos são denominados “fascistas
caboclos”.11
92
são trazidos às portas do país, apresentados como uma realidade
próxima e iminente a tingir com cores dramáticas o quadro do
presente.
93
Se o presente já é revoltante pelas condições de privação
e negação da liberdade, aqui a operação com imagens tem o
objetivo de torná-lo ameaçador. E o sentimento de desamparo
já existente, uma vez que o governo e os poderes públicos não
protegem os cidadãos porque estão associados aos explorado-
res, é reforçado quando aqueles aparecem acumpliciados com
o inimigo externo — “oculto” sob várias máscaras — e, assim,
preparam a tomada final do país mergulhando-o na guerra. Aqui
o governo é duplamente traidor.
A ameaça da guerra, por outro lado, é utilizada também
como um elemento capaz de predispor ao internacionalismo. Ao
imperativo da luta pela democracia interna se alia o imperativo
da luta na esfera internacional.
94
Você é trabalhador? Tem família e filhos? Gosta do Brasil, porque
é a terra onde nasceu ou onde ganha o sustento para si e para os seus?
Tem ódio à guerra porque é desumana? Então ouça! Já ouviu falar
da Guerra da Espanha? Sabem que ela é provocada pelos fascistas
estrangeiros, italianos e alemães, que invadiram aquela Nação e lutam
contra o seu heroico povo? Pois bem! Os mesmos estrangeiros querem
reproduzir essa guerra no Brasil. (...) No Brasil eles se valem de um
general vendido — o general Góes Monteiro — e dos integralistas, que
são os agentes do fascismo internacional em nosso país. Sabem como
eles querem desencadear essa guerra no Brasil? Praticando atentados
terroristas, matando, assaltando, incendiando.17
95
profilaxia social: a integridade do povo dependendo da eliminação
dos seus parasitas. (...) Enfim, assim como a identidade do povo, a
integridade do corpo dependeu de uma luta constante contra os ele-
mentos estrangeiros ou os parasitas, a virtude da organização supõe a
ideia de uma desorganização, de um caos, sempre ameaçadores, e a de
perturbadores, sabotadores das leis do socialismo (Lefort, 1983, p. 84).
96
A crise, tal como é exposta no discurso comunista, possui um
centro irradiador: o capitalismo. Assim é que o imperialismo
e o fascismo são duas faces da sua perversidade e a sua manu-
tenção representa a realimentação da crise e o aprisionamento
dos agentes sociais num universo de sisifismo onde o trabalho
é inútil e sem esperança. Com o capitalismo não há saída e
essa é a primeira lição de um programa de curso para ativistas,
elaborado pelo Bureau de Agitação e Propaganda Nacional do
PCB, em maio de 1935:
97
dignidade, que não sofrem, não sentem fome e não sabem o que
é a miséria. Contudo, é num longo artigo doutrinário publicado
pela Revista Proletária que as opções em torno da ANL aparecem
definidas com maior clareza: “a revolução nacional-libertadora,
com sua consequência (todo poder à ANL)” é o único caminho
seguro e justo
98
Essa operação está presente num boletim de instruções aos
comitês da Aliança, claramente inspirado por diretrizes do PCB:
99
(...) o povo espera de nós atos revolucionários, orientação e direção
prática na grande luta pela emancipação nacional. (...) A ANL, sob
minha direção pessoal, está tomando todas as medidas práticas para
orientar e realmente dirigir a grande vontade de luta do nosso povo.25
100
os faz sentirem-se unidos numa comunidade de destino. Na
“frente única”, materializada na ANL, estão os que querem o
bem do povo, os que não querem o mal fascista e os que sofrem
com o mal imperialista. Enfim, estão os operários, os pequenos
e médios agricultores, os intelectuais, desde que honestos, os
comerciantes e industriais que não estão ligados ao capitalismo
estrangeiro, os artesãos, a juventude “do campo, da fábrica e
das escolas”, 28 a maioria dos oficiais das forças armadas, todos
os soldados e marinheiros, os grandes agricultores que se sentem
explorados pelo capitalismo estrangeiro.29 Ao sentimento de uma
comunidade de destino vem se colar a necessidade de alianças.
As classes são assim dissolvidas e as diferenças ideológicas postas
em segundo plano, tal como está expresso num panfleto oriundo
do comitê regional do PC em São Paulo:
101
Por outro lado, as considerações de Prestes apontam para um
futuro de “melhores dias”, enquanto ele mesmo se representa
como alguém em quem foi depositada a expectativa da direção
e orientação da disposição de luta do povo, uma vez que, como
um utopista, “possui um saber sobre a alteridade social situada
num futuro que sua obra decifra. O seu papel ou missão consiste,
sobretudo, em ajudar esse futuro a emergir” (Bazcko, 1985b).
Esse futuro é o da sociedade comunista, cujas representações
utópicas doravante se constituem em espaço para o qual des-
bordam os conflitos políticos e sociais de natureza ideológica,
uma vez que elas sustentam um projeto ideológico que postula
uma legitimidade “outra” no campo político. Como é descrito
esse futuro? Que ideias-imagens o traduzem? Como o tempo
da realização de uma comunidade fraterna onde os homens são
iguais e felizes. Assim é que Prestes, numa carta endereçada à
juventude do Brasil, apela à energia e ao entusiasmo dos jovens,
aos quais, segundo ele,
102
da supressão do mal e o advento da abundância, da saúde,
da justiça, do gozo, da plenitude. O que, dito de outro modo,
significa a presença da “síndrome paradisíaca” na imaginação
utópica comunista. Assim é que o tempo do futuro é o tempo
da nova sociedade almejada, que é figurada como a “boa so-
ciedade” porque liberta do mal. Isso porque a sua existência
depende da revolução que vai instaurar um “Governo Popular
Nacional Revolucionário, presidido por Prestes, que acabará
com a fome, a miséria, o desemprego, a reação contra as massas
e garantirá para todos a cultura, o pão, a terra, e a liberdade”.32
Assim é que nela “cada qual pensará como entender (...) haverá
liberdade e assim poderemos ter família, pois não haverá mais
a miséria ameaçando nossos lares”.33 Por ela se deverá travar o
bom combate:
Todos os homens pobres deve [sic] se unir para obter a terra livre e a
igualdade de direito. Existindo a terra livre e a igualdade acaba-se com
todas as misérias que nós sofremos. A riqueza é um roubo. Não existindo
pobres nem ricos, também não existirá exploração. (...) Porque os ricos
são hipócritas, gananciosos e invejosos é os ricos [sic] que prostitui [sic]
as filhas dos pobres é a causa de todas as nossas misérias.34
103
para a sua expressão” (Hobsbawm, 1987, p. 57). Se a conversão
ou a prática religiosa ofereciam a garantia de uma outra vida no
paraíso, a conversão ao socialismo e o ingresso no movimento
operário e em movimentos de libertação de classe acenavam
também com o acesso ao paraíso, porém na terra.
O fim desse reino de privações e a instalação de uma boa
sociedade introduzem um tema caro à imaginação utópica,
remetendo-a novamente à “síndrome paradisíaca”: o tema da
paz perpétua. Assim é que as ideias-imagens de um reino de
justiça, de abundância e de igualdade que recusam, pelo aves-
so, a injustiça, a miséria e a desigualdade contêm a promessa
de realização de um valor supremo: “o ideal humano de amor
entre irmãos e de paz eterna entre os povos”36 — ou seja, um
mundo sem guerras, uma sociedade sem conflitos e sem dispu-
tas, um império de harmonia e de fraternidade universal. Aqui
é interessante observar que a “ideia de revolução”, ao significar
a garantia de acesso a esse mundo, se torna uma “ideia-força”,
por um lado, porque é apresentada como ponto de passagem
inevitável para se alcançar a boa sociedade, portanto, como
a única depositária de confiança da promessa igualitária. Por
outro lado, a sua condição de ideia-força advém não só do fato
de mobilizar e direcionar as esperanças e os sonhos coletivos de
um mundo melhor, mas também por possibilitar, em nome dessas
esperanças que capitaneia, que, em seu nome, se exorcizem os
fantasmas do mal que a impedem de se realizar. Ela se torna
um elemento de mediação para que sujeitos sociais projetem
no burguês, no capitalista, no latifundiário, no imperialismo,
todas as partes más que desejam expelir de si próprios e de
sua realidade.37 E ao fazê-lo, eles tentam conjurar a injustiça,
a desigualdade, a miséria, a fome, a doença, a morte às quais a
revolução promete pôr fim e que burgueses (ricos), capitalistas,
latifundiários e o imperialismo estão a encarnar. Ao significar
a promessa de um mundo que é o avesso da realidade social
vivida, a “revolução” identifica as mazelas dessa realidade e
104
aqueles que lhe dão suporte, fazendo com que se tornem mais
insuportáveis à vista da alteridade social. Assim, permite uma
enorme purgação de dores, ódios e frustrações.
No espaço das representações utópicas do futuro, se prolonga
o conflito com os integralistas. O lema da ANL, terra, pão e liber-
dade, se instala no seio desse conflito e se torna a sua expressão
ao tentar descaracterizar o lema integralista, pátria, família e
propriedade, o que é feito com os seguintes argumentos:
105
Aqui, dois projetos ideológicos se enfrentam no espaço da
representação da sociedade ideal. E a experiência soviética é que
fornece os elementos que compõem uma visão pormenorizada
da sociedade vindoura. Nesse sentido, a URSS, numa topografia
imaginária, é o espaço descrito como uma “Terra-sem-mal”.40 E
o imaginário comunista nessa descrição faz dele um lugar que
é simultaneamente realidade e sonho. A descrição que informa
sobre uma realidade “outra” apela à ação tanto quanto à descri-
ção da paz e da felicidade no espaço sonhado. Ambas mobilizam
desejos e esperanças em direção a um “mundo novo”, tal como
é designado esse espaço utópico, e acalentam a construção de
um novo homem para esse novo mundo:
106
(...) o país soviético foi transformado (...) num país avançado, culto
e em poderoso estado socialista (...) o sistema capitalista de economia
e as classes exploradoras foram abolidas uma vez por todas. A pro-
priedade privada dos instrumentos e meios de produção foi abolida.
A exploração do homem pelo homem foi abolida. Este é o único país
do mundo onde não há exploração do homem pelo homem.42
[E o povo soviético é] (...) saudável, forte e jovem.43
107
Contudo, esse projeto fundador se pretende e se afirma a
realização de qual princípio? Do princípio democrático. E é
esse princípio que está subjacente nas metáforas e nas imagens
da utopia comunista que, como outras representações utópi-
cas, “traduzem apenas autorrepresentações do próprio social”
(Bazcko, 1985b, p. 390). E esse social, ao surgir como tendo
sido fundado por si mesmo, ou melhor, fabricado a si próprio,
faz aparecer a vontade coletiva como seu instituinte e, desse
modo, a sociedade sonhada é também sonho democrático.44
Essa convergência entre os espaços da democracia e da utopia
cuja expressão é a sociedade fundada por um projeto coletivo,
se, por um lado, é o que atribui uma feição moderna à utopia,
por outro, é o que garante a presença, no discurso utópico, do
tema da democracia. Ora como democracia social, ora como
democracia econômica, ora como democracia soviética, o tema
da democracia aparece como inseparável da promessa de uma
sociedade fraterna e igualitária.45
Em maio de 1935, um membro do sindicato dos capitães e
pilotos e da ANL faz a seguinte declaração ao jornal A Manhã:
108
Revolução Francesa, foi depois desvirtuada, desviada, para essa comédia
a que nós estamos assistindo, de punhos fechados, com grande revolta
dentro de cada homem consciente e a forte certeza de que os dias
melhores hão de vir. A democracia não morreu porque a democracia
ainda não nasceu. Nós é que iremos realizá-la com o governo popular
em que os representantes do povo serão escolhidos democraticamente
por delegações populares. Nós é que iremos realizá-la nacionalizando
as empresas imperialistas, negando o pagamento das dívidas externas,
destruindo o fantasma feudal do latifúndio, quebrando a munheca
da reação fascista, realizando a verdadeira democracia, ou mais sim-
plesmente, a democracia. Mesmo porque não pode existir democracia
política sem democracia econômica. E democracia econômica é o que
ainda está para haver. (...) A democracia existe! Vamos realizá-la no
Brasil! 47
109
democracia soviética não está à mercê do capital. No país soviético há
uma comunidade de interesse de todo apoio ao grande fim comum da
construção do socialismo, ao fim supremo de chegar ao comunismo.
Aqui classes hostis não brigam nos postos, nem há partidos hostis nas
eleições.49
110
Não só o passado é repleto de lutas, também a construção
do futuro as irá exigir e, por isso, invoca-se um passado antigo e
recente para justificá-las, ao mesmo tempo que a sua importância
para o futuro é reforçada:
111
como o futuro almejado pelo presente. Assim, o recomeço da
história, com a instituição de uma sociedade outra, a socialista,
é também continuidade em relação a uma história que começou
em 1917, o que faz com que o futuro prometido seja também
passado.
Nesse sentido, a ideia de revolução aparece prenhe de dois
significados ou dois sentidos, como apontados por Arendt
(1988). De um lado, o significado original do termo enquan-
to termo astronômico: o de restauração. De outro, o sentido
moderno do termo ligado a um “novo começo da história”,
a um novo princípio. Isso porque a ideia de revolução, tal
como aparece nas representações dos comunistas brasileiros
na década de 1930, é promessa de fundação de uma sociedade
outra na medida em que é restauração de um passado utópico:
o soviético de 1917. Dessa forma, o começo é reencontro com
uma história primordial, é retorno às origens, é restauração
de um “começo absoluto”. E o passado é o futuro e o futuro
é o passado e a utopia deixa de ser apelo do futuro para ser,
como quer Eliade, citado por Bazcko (1985b, p. 352), “avatar
da nostalgia das origens”. Assim, a revolução brasileira deveria
ser democrático-burguesa, agrária ou antifeudal, porque, como
a Rússia em 1917, o Brasil nos anos de 1930, com seus restos
feudais, estava em transição para o capitalismo. E a experiência
de lá aparece determinando, doutrinária e teoricamente, a daqui.
Segue-se que o Governo Nacional Popular Revolucionário é
112
O nordeste escreveu uma legenda de glória no pórtico da insurreição
nacional libertadora. (...) Há de perdurar, para sempre, na tradição das
massas insubmissas, o deslumbramento daqueles feitos, que ampliaram
os horizontes da Pátria, redoirando-os numa apoteose de aurora tropical.
Os acontecimentos históricos do Rio Grande do Norte, Pernambuco e
do Rio, (...) não foram um relâmpago de longínqua tempestade, figura-
ção de um instante, logo afogado na noite de tirania. Não. O governo
Popular de Natal continua a fazer vibrar a retentiva dos brasileiros. O
formidável revérbero derrama-se por todo o Brasil, a anunciar, lá do
ponto mais oriental do continente, o levante de um sol que, enfim, nasce
para todos e nada poderá deter em sua marcha ascencional, varrendo
os miasmas do passado, purificador e fecundante, na promessa de calor,
da luz e da potencialidade do meio-dia.56
113
Já no Brasil, se diz a respeito dos manifestos do governo de
Natal:
114
todo o povo libertador, libertemos a nossa Pátria do jugo imperialista.
Povo Brasileiro! Formemos lado a lado com os soldados e marinheiros
e fraternizemos com eles e contra o inimigo comum — o governo de
traição nacional de Vargas e os imperialistas.58
115
E a história, no discurso ideológico comunista, marcha ine-
vitavelmente rumo ao socialismo e ao comunismo, movido por
uma força superior que se expressa pela revolução:
116
seu trajeto não será interrompido, mesmo que as condições da
estrada não estejam favoráveis.
E esse mito da revolução é político não só por estar no centro
das representações simbólicas do poder e legitimar relações de
força no campo da política, como o quer Bazcko (1985b), mas
também, acima de tudo, por estar no centro mesmo das articu-
lações do poder e inspirar o seu exercício. E isso é feito através
da ideologia revolucionária. Assim como a utopia é promessa de
um novo tempo — o da realização da sociedade outra — e o mito
revolucionário nos traz a história do ato fundador — a origem,
o começo absoluto da nova sociedade — o discurso ideológico
da revolução legitima um outro tempo para o social, instituindo
um corte originário no tempo, dividindo-o, pela pretensão ou
pela instauração efetiva de uma nova ordem, em um antes e um
depois. Assim, mito, utopia e ideologia se intercambiam. O mito
incorpora a utopia, a utopia se expressa, se prolonga e é difundida
através do mito político, e a ideologia faz-se presente em ambos,
se apropria de ambos, aumenta a força e a ressonância do mito e
torna-se depositária da sua revelação. Nessa operação, ela torna-
-se inseparável do exercício da política. Pensar o imaginário da
revolução política, portanto, é impossível sem se levar em conta
os seus componentes utópico, mítico e ideológico.
Daquilo que conseguimos resgatar até aqui do imaginário
comunista no Brasil dos anos de 1930, podemos afirmar, in-
ventariando, que, vinculada à tentativa de transformação da
ideia de revolução em ideia-força, defrontamo-nos com um
esforço de construção de uma outra representação da história,
da sociedade, do poder do povo, do tempo; e com o empenho
no estabelecimento de cortes entre o antigo e o novo, o passado
e o futuro, o justo e o injusto, o natural e o antinatural, o ver-
dadeiro e o falso, o bem e o mal, os bons e os maus. É a ideia
de revolução, pressupondo um começo absoluto da história e a
absolutização da esfera política. E a representação da sociedade
como sociedade política surge sustentando-se através de um
discurso moral. A história e a política tornam-se domínios da
117
moralidade. O resultado dessa catexização: “A luta pelo poder,
que é o centro da política, tornou-se também a luta pelo bem”
(Furet, 1978, p. 134). Aqui voltamos ao mito da luta primordial
entre o bem e o mal.
E o que os revolucionários parecem não se lembrar ao lidarem
com a “ideia” de Revolução é que a ação política, como esclarece
Ponty (1968),“é em si impura porque é ação de um sobre o outro
e porque ela é ação para vários” (p. 22).
Na apresentação dos fascículos da História universal do
proletariado, destinada, de acordo com o seu tradutor, à edu-
cação intelectual do trabalhador, o articulista expressa-se de
forma ilustrativa acerca dessa questão:
118
pelo bem e também porque são maus os governantes, e a luta
política em suas mãos tornou-se um exercício de perversidade.
E a essa maldade dos governantes é atribuído um rosto: o
do governo Vargas com seu grupo de colaboradores. Após de-
nunciar as viagens de recreio de Getúlio Vargas a Buenos Aires
e Montevidéu como sendo inúteis e suntuosas, o jornal A Luta
investe contra ele da seguinte forma:
119
Se a maldade de Getúlio e seus colaboradores é descrita
através da enumeração, sem detalhes, das práticas ferozes de
repressão policial acionadas pelo “Estado varguista”, particular-
mente contra os comunistas e membros da ANL, num panfleto
do comitê regional do PCB do Rio de Janeiro, em defesa de
Harry Berger, a maldade é traduzida com minúcias e em imagens
facilmente localizadas na vivência cotidiana:
120
É esse mito da luta primordial entre o bem e o mal que está,
a nosso ver, no cerne das elaborações-chave da ideologia revo-
lucionária dos comunistas. Entre elas, está a figura do militante
revolucionário, o qual, segundo Lefort (1985, p. 5), é um “ho-
mem novo, cuja vocação é a de ser agente histórico universal, e
que mescla sua existência pública com sua existência privada”.
Nesse sentido, o militante é um ser generoso e desinteressado,
corajoso e obstinado, tal como eles mesmos se descrevem, como
num volante do PCB distribuído às vésperas do 1o de maio de
1937, onde se lamenta o fracasso das insurreições de novembro:
121
retrato de uma sociedade má — e contra ela é que os comunistas
se organizam. Por quê? Eles respondem: “somos os vanguardeiros
de todos os movimentos justos”.68 Essa posição de vanguarda
na luta pela justiça cria entre os militantes um “ethos de cama-
radagem”, tal como sugere Moore (1987), e uma “hostilidade à
privacidade como uma fonte potencial de desvio e apostasia” (p.
574). Essa seria, segundo ele, uma característica proeminente nos
movimentos comunistas, embora esteja presente tanto entre os
militantes de esquerda quanto entre os de direita. Na construção
de sua autoimagem, os comunistas não apenas se representam
como bravos, heroicos, leais, nobres, abnegados e mártires, como
buscam, numa solução de continuidade, exemplos históricos
que endossam sua tradição de luta na adversidade. E o tenente
Jansen de Mello, morto na rebelião tenentista, na Praia Verme-
lha, é um dos vultos do passado que adentraram o presente dos
comunistas em 1935:
122
militantes de todas as organizações antifascistas, de companheiros que
em primeiro lugar tomaram posição na destacada luta em defesa de
nossas últimas liberdades. A Ilha dos Porcos e mais dezenas de pavo-
rosos presídios estão sendo reabertos para receberem os trabalhadores
do exército anti-imperialista e antifascista.70
123
que a reorganização que se processa nesses anos faz da figura de
Prestes um de seus elementos centrais e que essa prática esteja
informada por uma concepção totalitária, como tão bem mos-
tra a autora. Contudo, as representações de Prestes enquanto
o modelo de militante, enquanto sujeito universal, precedem a
reorganização do PCB e sustentam, já na segunda metade dos
anos de 1930, o projeto de uma sociedade futura em construção.
Em verdade, desde 1928 a figura de Luiz Carlos Prestes, como
bem mostram De Decca e Vesentini (1976) e De Decca (1981),
encarna a condição do sujeito político da revolução, avalizado
por sua liderança frente à Coluna Prestes junto aos revolucio-
nários de 1922 e 1924. Em torno dele, a oposição formada pelo
Bloco Operário e Camponês (BOC), pelo Partido Democrático e
pelos revolucionários se aglutina e tenta mobilizar a população.
O jornal O Combate, em outubro desse mesmo ano, se refere a
Prestes como “chefe supremo da Revolução Brasileira” e ressalta
a “honestidade indiscutível de Luiz Carlos Prestes” (De Decca,
1981, p. 98). Desde então Prestes é o chefe, o demiurgo.
É por deter a chave do futuro que ele é o chefe da revolução
e do governo nacional popular e revolucionário a ser instalado
no país pela ANL:
124
superior, a única capaz de redimir a sociedade. A fonte desse
sentimento se encontra em um “sentido de impotência individual
e de incapacidade para controlar o mundo que parece maligno
e opressivo” (Moore, 1987, p. 574). E a busca dessa autoridade,
parece-nos, faz retornar um sentimento de dependência infantil
frente à autoridade paterna. E o líder, como um pai, deve ser
amado, respeitado e imitado. Essa imitação é pressuposta porque
pode significar uma regressão primária à escolha do pai como
ideal do ego ou porque os militantes, ao sentirem que comparti-
lham com Prestes o que Freud (1976b) chama de uma qualidade
emocional comum, com ele se identificam, pois desejam estar na
mesma situação dele, ou seja: encarnar civismo e bravura. É essa
qualidade comum compartilhada que está na base, segundo Freud
(1976b, p. 136), da “natureza do laço com o líder”.
De qualquer modo, parece-nos que a figura de Prestes é
posta tanto por ele próprio, como vimos anteriormente, como
pelos militantes do PCB como uma figura paternal, exemplar,
de quem a sociedade infantilizada, a juventude desprotegida, as
massas exploradas esperam filialmente a orientação e proteção.
E a sua ausência colocaria a todos na mais completa orfandade.
Nesse sentido, as denúncias de possível atentado contra ele e,
posteriormente, as suas condições na prisão, mobilizam o PC
em nível nacional e internacional e reforçam a necessidade da
figura do líder, do chefe. Assim é que, num panfleto distribuído
em 1935, denuncia-se que o Serviço de Inteligência inglês teria
sugerido a Vargas, que aceitou prontamente, um plano para o
assassinato de Prestes:
125
na luta pela libertação e principalmente a proteção de Luiz Carlos
Prestes para quando ele chegar ao Brasil, preparando suas casas com
todas as medidas para impedir cada atentado terrorista de Getúlio e do
Intelligence Service. A vigilância do povo e a luta nacional libertadora
farão fracassar os planos sanguinários do governo inimigo do povo.74
126
Nesse apelo, é possível perceber com certa clareza um traço
de natureza totalitária, que vem se insinuando ao longo dos
discursos utilizados aqui, numa variada performance: a obsessão
com a representação do social como uma totalidade. Prestes
consubstancia a sociedade e o país, o seu corpo é o corpo do
Brasil, um corpo sem falhas, como atesta a unidade das raças
e das almas forjadas em torno de sua figura legendária. É a ex-
pressão do povo uno. Por isso, aqueles que o seguem, ou seja,
os militantes do Partido, como ele, detêm a posse da verdade,76
da moralidade e da justiça. Prestes é “o impoluto cavaleiro da
esperança, o ídolo, aclamado das multidões”, enquanto Plínio
Salgado é “o gangster da Cruz Vermelha de São Paulo” e não
tem um passado “puro”, enquanto os líderes integralistas são
“moralistas de cabaré”, seus seguidores são ingênuos e bem-
-intencionados, e o integralismo “não é sincero” e é uma ilusão,
uma “mistificação ideológica” verdadeiramente “monstruosa”.77
Nessas representações plenas de certezas, Prestes, os comu-
nistas e os aliancistas são os próprios paladinos do bem e em
seu nome pretende-se decidir o destino dos bons e dos maus. A
decisão desse destino inicia-se com a definição de um conceito
de povo como “a totalidade da população do país, com exclusão
somente dos agentes diretos do imperialismo e da minoria insig-
nificante que os segue”.78 A esse conceito de povo, de natureza
excludente, corresponde a distribuição do “bem”, igualmente em
condições de excludência. Assim, o governo popular nacional e
revolucionário, presidido por Prestes,
127
Nesse ponto, um boletim do diretório nacional da ANL afirma
claramente que, dentro da maior democracia popular, o gover-
no nacional revolucionário será capaz de exercer a mais dura
ditadura contra os imperialistas e seus agentes.
128
ao pretenderem a unificação social, encarnando-a e atando-a a
um desses extremos, os comunistas foram presas de uma arma-
dilha trágica e cruel. Primeiro, porque, como seus antagonistas,
o seu mundo unificado e homogêneo exige a eliminação e a
exclusão do “outro”. Segundo, porque, como nos lembra Arendt
(1988), “a bondade absoluta é quase tão perigosa como o mal
absoluto” (p. 65), porque ambas compartilham da violência
primordial — e a maldade tanto quanto a virtude podem ser
igualmente desumanas. A fúria unificante, presente no discurso
da totalidade social, nega as várias divisões do social que, como
o bem e o mal, estão igualmente presentes na sua pluralidade.
É dessa experiência que nos fala Calvino (1988) em sua sátira
O visconde partido ao meio. Medardo, o visconde, é partido em
dois por uma bala de canhão na guerra entre turcos e cristãos
e sobrevive nas suas metades: uma má e a outra boa. Retorna à
aldeia de Terralba primeiro a parte má que passa a infernizar a
vida de todos. Quando volta a parte boa, que passa a remediar
as maldades da outra metade ou mesmo impedi-la, os habitantes
da aldeia se sentem momentaneamente aliviados. Momentane-
amente porque logo se descobrem imaginando que, das duas
metades, a boa era pior do que a má, porque com a autoridade
de sua bondade, e sua moralidade, passa a regular completamente
a vida de todos, que se torna tanto ou mais insuportável do que
o fora sob o domínio da metade má.
A experiência da divisão, tal como é expressa por Medardo,
num diálogo com seu sobrinho, que reproduziremos a seguir,
é uma manifestação diametralmente oposta às pretensões de
comunistas e anticomunistas, na segunda metade da década de
1930 no Brasil:
129
lhe aconteça, rapaz, compreenderá coisas que estão além da inteligência
comum dos cérebros inteiros. Terá perdido a metade de si e do mundo,
porém a metade que sobrar será mil vezes mais profunda e preciosa.
E você também desejará que tudo seja partido ao meio e estropiado à
sua semelhança, porque só existe beleza, sabedoria e justiça naquilo
que é feito aos pedaços (p. 56).
NOTAS
1
Quando se trata do mal e da opressão, esse alguém é sempre “o outro”, “o
inimigo”, “o não eu”, aquele ao qual eu não me reverto.
2
Segundo Naquet e Vernant (1976), no universo trágico grego a ambiguidade está
traduzida pelo conflito permanente entre valores e palavras; pela duplicidade e
qualidade dos personagens; pela tensão entre passado e presente; entre os mun-
dos do mito e da cidade; pela ação dos heróis trágicos que são ao mesmo tempo
expressão do caráter (ethos) e manifestação de uma potência divino-religiosa
(daímon), pela polaridade das duas faces, como a de um Édipo, de um lado
semideus (que decifra o enigma da Esfinge), rei, e de outro, criminoso e bode
expiatório cuja expulsão salva e purifica a cidade. No universo da tragédia, as
regras não estão estabelecidas de forma definitiva; a realidade é questionada;
as reviravoltas, permanentes; a interrogação, uma constante. A ambiguidade,
portanto, é simbolizada pelas polaridades que fazem de um personagem, como
Édipo, o paradigma do homem duplo como querem esses autores. Sobre esse
ponto ver Sófocles. Rei Édipo. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, [s.d.].
3
Não é nosso intuito aqui realizar uma discussão acerca da teoria da revolução
brasileira e dos aspectos puramente doutrinários que envolvem a prática dos
comunistas brasileiros, em particular no tocante aos anos de 1930. Tampouco
pretendemos fazer um estudo do Partido Comunista, analisar as suas relações
com a Internacional, as implicações de natureza teórica e tática das deliberações
desta para o conjunto do movimento comunista e para a vida interna do PCB.
130
Os aspectos doutrinários nos interessam aqui enquanto elementos que expres-
sam e circunscrevem uma produção imaginária em torno da ideia de revolução
e enquanto balizas que assinalam a efetuação de relações sociais historicamente
dadas. Os pontos acima mencionados que a nossa abordagem negligencia são
tratados por vários autores, em diferentes ângulos. Entre eles mencionamos
Prado Júnior (1987), em seu clássico estudo sobre a Revolução Brasileira; e
ainda, Basbaum (1976, v. 3); Carone (1974); Pacheco (1984); Zaidan (1980);
De Decca (1981), entre outros.
4
PROGRAMA de cursos para ativistas. Bureau de Agitação e Propaganda
Nacional do PCB, maio 1935. p. 7. In: T.S.N. — Processo n. 1.
5
Idem.
6
Ver Revista Proletária, Rio de Janeiro, n. 5, ago. 1935. In: T.S.N. — Processo
n. 1, v. 3.
7
Ver A Classe Operária. Rio de Janeiro, 20 set. 1935. In: T.S.N. — Processo
n. 422.
8
A ALIANÇA Nacional Libertadora e a reivindicação da População de Madureira
e Adjacências. Panfleto do Núcleo da ANL de Madureira, 1935, Rio de Janeiro.
In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 16.
9
A CAMINHO do Congresso da Juventude Popular no Brasil. A Manhã, Rio de
Janeiro, p. 7, 15 maio 1935. (Órgão da Aliança Nacional Libertadora).
10
Segundo Moore, esta mesma cólera está presente no radicalismo de direita e,
enquanto tal, esteve presente entre os nazistas e, em épocas de exacerbação de
crises políticas, pode alimentar uma cólera primitiva generalizada contra as
autoridades (p. 573).
11
Ver: A Classe Operária, Rio de Janeiro, 20 set. 1935. In: T.S.N. — Processo
n. 422, livro 1, folha 27; União de Ferro, Rio de Janeiro, p. 2, jul. 1935. In:
T.S.N. — Processo n. 1, v. 2; Ao povo, 1935, Panfleto avulso da Aliança Na-
cional Libertadora, 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 2, 1935.
12
ABAIXO o integralismo assassino. União de Ferro, Rio de Janeiro, p. 2, jul.
1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 2.
13
AO POVO. Panfleto avulso da Aliança Nacional Libertadora, 1935. In:
T.S.N. — Processo n. 1, v. 2.
14
O INTEGRALISMO. A Lucta. Belém, p. 3, 9 nov. 1935. In: T.S.N. — Processo
n. 1, v. 1.
15
QUEREM transformar o Brasil numa segunda Espanha. Circular do Bureau
político do C.C. do Partido Comunista Brasileiro. Brasil, mar. 1937. In:
T.S.N. — Processo n. 412.
16
AO PROLETARIADO e ao povo em geral! Comitê Regional de São Paulo do
PCB (S. da I. C.), abr. 1937. In: T.S.N. — Processo n. 412. (Panfleto avulso).
17
T.S.N. — Processo n. 1283. Panfleto avulso, 1937. Ver respectivamente:
PESTE verde. A Lucta. Belém, 16 nov. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 1.
Segundo o articulista desse artigo, o integralismo, entre várias definições que
ele dá para este, “é um matagal verde detrás do qual se esconde o capitalismo e
o imperialismo” (p. 1). In: T.S.N. — Processo n. 691, p. 2.
131
AO POVO do Brasil. Comitê Regional do Rio de Janeiro, do Partido Comunista
Brasileiro, 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 16. (Panfleto avulso).
BRASILEIRO de pé contra o golpe terrorista que os chefes do integralismo estão
preparando. Boletim do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, p. 1.
In: T.S.N. — Processo n. 691.
Idem.
18
OS DOIS mundos: capitalismo e socialismo. Programa de curso para ativistas.
Bureau de Agitação e Propaganda Nacional do PCB, Rio de Janeiro, maio 1935.
In: T.S.N. — Processo n. 1.
19
Trata-se do francês Henry Barbusse, militante no movimento popular e operário
que morreu na União Soviética, quando firmava-se na França a Frente Popular.
20
Respectivamente em: A Lucta, Belém, p. 3, 15 nov. 1935, In: T.S.N. — Processo
n. 1, v. 1; União de Ferro, Rio de Janeiro, jul. 1935. In: T.S.N. — Processo
n. 1, v. 2; A Classe Operária, Rio de Janeiro, p. 16, 20 set. 1935. In: T.S.N.
— Processo n. 422.
21
Idem.
22
REVISTA PROLETÁRIA, p. 9, ago. 1937, In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 3.
23
INSTRUÇÕES aos comitês estaduais e municipais da ANL. Rio de Janeiro, 21
set. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 2.
24
Ver a respeito a análise de Campello de Souza (1976).
25
CARTA de Luiz Carlos Prestes a Pedro Ernesto — 16 nov. 1935.
26
CARTA de Luiz Carlos Prestes a Pedro Ernesto — Rascunho.
27
Ver: PROGRAMA de cursos para ativistas. Bureau de Agitação e Propaganda
Nacional do PCB. (Quarto tema: Alianças e Frente Única). Rio de Janeiro, maio
1935. In: T.S.N. — Processo n. 1.
28
Conforme o Boletim de Instruções aos Comitês Estaduais e Municipais da ANL.
In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 2.
29
O discurso de “frente única” endereçado aos jovens reitera a ligação pelo sofri-
mento como fundamental. Assim se manifesta a comissão executiva central do
Congresso da Juventude Proletária, Estudantil e Popular: “Não nos interessa
saber da crença religiosa, política ou social de nenhum jovem. (...) A necessida-
de e a exploração não têm partido nem religião — a exploração traz uma cor
especial — é a dos rostos descamados, trucidados, é a dos olhos sofredores e
curiosos das letras — é a cor desoladora do sofrimento universal”. Em marcha a
ideia de organização dos jovens. A Manhã, Rio de Janeiro, p. 2, 28 maio 1935.
30
ARRANQUEMOS do cárcere os bravos libertadores do furor fascista do bando
de Getúlio mancomunado com o Imperialismo! Comitê Regional do PCB (S. da
I. C.). São Paulo, 5 ago. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1283. (Panfleto avulso).
31
CARTA de Luiz Carlos Prestes aos jovens de todo o Brasil, 1935. In: T.S.N. —
Processo n. 1, v. 2.
32
A FORÇA da luta contra o “extremismo” encobre os mais hediondos planos de
reação feudal e imperialista! A Classe Operária, Rio de Janeiro, p. 13, 20 set.
1935. In: T.S.N. — Processo n. 422.
132
33
TODOS de pé na luta contra o integralismo. União de Ferro, Rio de Janeiro,
p. 2, jul. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 2.
34
AOS TRABALHADORES soldados e marinheiros. In: T.S.N. — Processo n. 1,
v. 1. (Panfleto avulso, assinado por um operário).
35
Hobsbawm mostra como a tradição pode ser retrabalhada em contextos específi-
cos da luta operária e ilustra bem esse ponto mostrando como os revolucionários
branquistas utilizam politicamente os cerimoniais da morte e/ou celebração,
através do movimento do enterro civil, para tentarem se aproximar da classe
operária parisiense, mobilizando-a coletivamente pela manutenção da tradição
do ritual de morte.
36
CORREA, Celso. Prefácio ao fascículo n. 1 da História universal do proletariado.
Rio de Janeiro, 10 jul. 1937. In: T.S.N. — Processo n. 1283. Na circular do CR
que acompanha o fascículo, o autor diz que a tradução da obra mencionada é
uma contribuição sua “à formação do edifício social vindouro, isto é, para a
formação da nova sociedade”.
37
Ver: Segal (1975); Freud (1974b).
38
OPERÁRIO brasileiro, escolhe! A Classe Operária, Rio de Janeiro, p. 13, 20
set. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 422, p. 8.
39
Idem.
40
A expressão “Terra sem mal” é utilizada pelos índios tupis-guaranis para designar
o paraíso na terra, segundo Castres (1975), citado por Bazcko (1985b, p. 367).
41
PROGRAMA de cursos para ativistas, op. cit., p. 3.
42
MENSAGEM do camarada Dimitrof aos eleitores soviéticos. Comitê Regional
do Partido Comunista de São Paulo, 1938, p. 4. In: T.S.N. — Processo n. 1283.
43
Ibidem, p. 9.
44
Segundo Bazcko (1985b), “a invenção utópica torna-se cúmplice da invenção
do espaço democrático” (p. 390).
45
Furet (1978) nos adverte que “no fundo, as duas lutas pela democracia e socia-
lismo são duas configurações sucessivas de uma dinâmica de igualdade cujas
raízes mergulhamos nos acontecimentos da Revolução Francesa” (p. 138).
46
A UNIDADE Sindical e a Aliança Nacional Libertadora. A Manhã, Rio de
Janeiro, 2 maio 1935.
47
NÃO houve ainda democracia. A Marcha, Distrito Federal, p. 1-2, 5 jul. 1935.
In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 2.
48
PROGRAMA de cursos para ativistas, op. cit., p. 3.
49
MENSAGEM do camarada Dimitrof aos eleitores soviéticos, op. cit., p. 2.
50
A ALIANÇA Nacional. Ao povo brasileiro. Diretório da ANL (Comissão
Executiva). In: T.S.N. — Processo n. 1283. (Panfleto avulso).
51
Ver: A Manhã, Rio de Janeiro, p. 7, 15 maio 1935.
52
POR um 13 de maio de protesto contra a falsa libertação dos negros no Brasil!
Comitê Regional do Distrito Federal do Partido Comunista do Brasil (S. da I.
C.), 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 16. (Panfleto avulso).
133
53
REVISTA PROLETÁRIA. Rio de Janeiro, n. 5, ago. 1935. In: T.S.N. — Processo
n. 1, v. 3.
54
PROGRAMA de cursos para ativistas, op. cit., p. 4.
55
REVISTA PROLETÁRIA. Rio de Janeiro, p. 9, ago. 1935. In: T.S.N. — Processo
n. 1, v. 3.
56
UM governo do povo na orientação libertadora do Brasil. O Libertador, Rio de
Janeiro, n. 2, p. 1, 1936. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 1.
57
Idem.
58
BRASILEIRO. Bureau Político do Partido Comunista do Brasil (S. da I. C.),
27 nov. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 16.
59
As fases da vida da revolução, segundo esse autor, são marcadas pelas fases
da vida do mito (nascimento, crescimento, declínio e morte) e pelas formas
assumidas pelo mito revolucionário nessas fases. Daí que a vida e a morte da
revolução, que o autor chama de “desenrolar-se do seu destino” (p. 10), sejam
por ele apresentadas como mitogênese, mitopráxis e mitologia.
60
Segundo Arendt (1988), o povo foi deificado na Revolução Francesa por ter-se
tornado a fonte do poder e da lei (p. 145-148). Nessa identificação, estaria posta,
segundo Vaz (1989), a essência do mito que se torna o centro do imaginário
simbólico da revolução, o mito da absolutização do político (p. 9). A nosso ver,
“o povo” é considerado, a partir daí, como o “moderno” herói coletivo do mito.
61
A UNIDADE sindical e a Aliança Nacional Libertadora. A Manhã, Rio de Janeiro,
p. 2, maio 1935.
FASCISMO — última etapa do estado capitalista. A Lucta, Belém, p. 2, 16 nov.
1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 1.
62
PROGRAMA de cursos para ativistas, op. cit., p. 1.
63
Prefácio ao fascículo número 1 da História universal do proletariado. Rio de
Janeiro, 10 jul. 1937. In: T.S.N. — Processo n. 1283.
64
O SR. Getúlio. A Lucta, Belém, 1 nov. 1935. Transcrito de A Manhã. In: T.S.N.
— Processo n. 1, v. 1.
65
AO POVO e às classes armadas. Distrito Federal, outubro de 1936. (II mês da
Insurreição de novembro). In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 17. O documento é
assinado por trinta e sete militares e é encabeçado pelo coronel Felipe Moreira
Lima. À sua assinatura seguem-se a de um major, nove capitães e vinte e seis
tenentes. Entre os signatários estão Apolônio de Carvalho, Agildo Barata Ribeiro
e Dinarco Reis.
66
LIBERTEMOS Harry Berger que sofre com sua companheira as piores torturas
na polícia especial e no pátio da polícia federal. Comitê Regional do PCB do Rio
de Janeiro (S. da I. C.), 1936. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 1. (Panfleto avulso).
67
AO PROLETARIADO e ao povo em geral. Comitê Regional de São Paulo do
PCB, abr. 1937. In: T.S.N. — Processo n. 412. (Panfleto avulso).
134
68
MARAT. A frente única contra o fascismo. A Lucta, Belém, p. 4, 9 nov. 1935.
In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 1.
69
LIMA, Pedro Motta. Jansen e seu glorioso destino. A Manhã, Rio de Janeiro,
p. 3, 2 maio 1935.
70
ARRANQUEMOS do cárcere os bravos libertadores vítimas do furor fascista do
bando de Getúlio mancomunado com o imperialismo! Comitê Regional de São
Paulo do PCB, 5 ago. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1283. (Panfleto avulso).
71
O recrudescimento da repressão policial após novembro de 1935 é sentido
particularmente pelos comunistas que são obrigados a se embrenhar na clan-
destinidade até 1945. Segundo Cavalcante (1986), que analisa o papel do PCB
após 1945, estes anos posteriores à democratização são recordados pelo partido,
na palavra de um militante, “como um tempo de heroísmo e sacrifício sem
limites” (p. 57), o que teria reforçado a noção de um partido forte e o perfil
dos comunistas como capazes de resistência e reconhecida firmeza de caráter.
Mesmo na legalidade, segundo a autora, para reforçar a ideia de resistência, o
partido não se afasta da apologia do martírio.
72
ALIANÇA Nacional Libertadora. Rio Grande do Norte, 1935. In: T.S.N. —
Processo n. 1, v. 16. (Panfleto avulso).
73
O GOVERNO popular, nacional revolucionário e seu programa. Rio de Janeiro,
1935. In: T.S.N. — Processo n. 412. Boletim do Diretório Nacional da ANL.
74
A INTELLIGENCE Service Britânica e o Governo de Vargas organizam o assas-
sinato de Luiz Carlos Prestes. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1283. (Panfleto
avulso).
75
ROLLAND, Romain. Apelo de Romain Rolland ao universo. Paris, 1937. Boletim
da III Internacional.
76
A difusão dessa verdade é realizada, entre outros meios, através, por exemplo,
das páginas da Revista Proletária, órgão do Comitê Central do PCB, que chegou
a ser distribuída com o seguinte adendo: “Este exemplar não é propaganda; é
para ficar circulando. Quem guarda em suas mãos um exemplar deste, está
prejudicando a difusão de uma verdade que precisa ser conhecida pelo maior
número de pessoas.” In: T.S.N. — Processo n. 691.
77
Respectivamente: AO POVO em geral e aos trabalhadores em particular. In:
T.S.N. — Processo n. 422. (Panfleto avulso da ANL).
Idem. (Aqui é feita uma alusão ao episódio de uma tômbola realizada para
beneficiar a Cruz Vermelha e cujos fundos teriam ficado com Plínio Salgado).
VAI-SE a primeira pomba despertada. In: T.S.N. — Processo n. 422. (Panfleto
avulso da ANL sobre deserção nas fileiras integralistas e adesão à ANL).
AO POVO em geral e aos trabalhadores em particular, op. cit.
VAI-SE a primeira pomba despertada, op. cit.
Idem. (Esta afirmação é do presidente da ANL em São Paulo, Caio Prado Júnior,
numa entrevista a um jornal paulista e transcrita nesse panfleto).
135
O INTEGRALISMO, defensor do latifundiário. A Manhã, Rio de Janeiro,
p. 3, 23 maio 1935.
78
O GOVERNO popular nacional revolucionário e seu programa. Rio de Janeiro,
1935. In: T.S.N. — Processo n. 412. Boletim do Diretório Nacional da ANL.
79
A CLASSE OPERÁRIA. Rio de Janeiro, p. 13, 20 set. 1935. In: T.S.N. —
Processo n. 422.
80
O GOVERNO popular nacional revolucionário e seu programa, op. cit.
81
Idem.
136
Parte 2
PÁTRIA AMADA, MÃE GENTIL
A fantasia da proteção onipotente
Os muros permanecem
Calados e frios
Ao vento
Batem as bandeiras.
Heiner Müller
140
e direcionam as emoções, conjunta e disciplinadamente, para a
pátria que, como a mãe, é a única merecedora da devoção popu-
lar. Em troca dessa devoção, acena-se com a garantia simbólica:
da proteção com a ideia-imagem de pátria/mãe; da integridade
com a ideia-imagem de pátria/una; e da identidade social e/ou
nacional com a ideia-imagem de pátria/moral.
Antes, porém, de passarmos à análise da utilização estratégica
desses três conjuntos de imagens, é necessário que recordemos
ao leitor que esse sentimento de insegurança, ao qual nos refe-
rimos, foi objeto de forte investimento político-ideológico e foi
disseminado igualmente tanto através do discurso anticomunista
quanto através do discurso da revolução. Pelo que foi exposto
no capítulo anterior, é possível concluir que a figura do inimigo
estrangeiro ocupa o lugar central na operação que o realimenta.
Seja ele figurado no comunismo, no fascismo ou no imperialis-
mo, ele é, como vimos, o mal, a peste, a doença, a escuridão, a
morte, a guerra, o demônio, enfim, o responsável sempre por
todas as infelicidades de um presente sombrio e sem segurança.
Ao ameaçar a pátria, ele é a expressão da ruína material e moral,
da instabilidade política e social, do atraso econômico e cultural,
da fragmentação geográfica e da traição à nacionalidade e ao
espírito cívico.
A importância da figura do inimigo estrangeiro nas mani-
festações nacionalistas de todo tipo está em que este, além de
excitar a fé patriótica do povo, cumpre um papel decisivo na
autodefinição do grupo social e/ou nacional, ou ainda, para
sermos mais precisos, na construção da identidade. Daí o na-
cionalismo possuir certas vantagens gerais, enquanto portador
de uma “explicação popular para o sofrimento” (Moore, 1987).
Isso porque o inimigo é um alvo utilizado pelo nacionalismo,
que faz recair sobre ele a culpa das mazelas da sociedade,
constituindo-se, ao mesmo tempo, em objeto fácil para a
“agressão simbólica diária”. Através dele “o nacionalismo
esconde as divisões e fraquezas das ordens — conservadoras ou
radicais — e pode atrair uma coleção heterogênea de aliados”
141
(Moore, 1987, p. 657). Por isso mesmo, como já afirmamos,
ele fornece ao povo a consciência de sua unidade. Por outro
lado, o nacionalismo, ainda segundo esse autor, oferece a
vantagem de integrar o indivíduo numa unidade social mais
ampla e com fronteiras mais largas, retirando-o das tensões
e ansiedade advindas da fluidez e da incerteza das fronteiras
da identidade social em face da ambiguidade e flutuação das
relações sociais, aspectos estes fortemente presentes na cena
política brasileira nos anos de 1930.
É também a figura do inimigo que põe em cena um dos temas
(entre outros, como veremos à frente) que, segundo Marson
(1979), é essencial e frequente na fraseologia nacionalista: a
defesa da soberania da pátria e da grandeza nacional. E a ameaça
que motiva as atitudes de defesa pode ser lida em dois registros
diferentes: o externo e o interno. No externo, está a ameaça da
invasão do inimigo estrangeiro; no interno, a ameaça de como-
ção social. Porém, no caso brasileiro em estudo, essa comoção
é temida por se entender que ela é provocada pelos aliados e
cúmplices do inimigo externo. No caso de o comunismo ser o
inimigo, os aliados de Moscou são os intelectuais comunistas e
os agitadores; no caso do imperialismo e do fascismo, os aliados
são os integralistas, o presidente Vargas e seus colaboradores, a
burguesia nacional e os latifundiários.
À direita e à esquerda, a retórica patriótica e nacionalista,
quando ligada à atitude de defesa, se traduz por palavras e ex-
pressões que contêm apelos à “salvação nacional”, à “libertação
do país”, aos “interesses da nacionalidade”, ao “sentimento de
pátria”, à “sentinela da dignidade brasileira”, à “força invencível
da nacionalidade”, ao “sentimento profundamente nacionalista”,
entre outros.
Getúlio Vargas, numa saudação à nação pela entrada do ano
de 1936, fez da sua fala uma típica manifestação desse naciona-
lismo defensivo diante da ameaça comunista. Após assentar sua
bateria verbal contra o comunismo, Getúlio, com habilidade,
chama a si a condução da defesa da pátria, deixando implícita
142
a sua justificativa pela adoção de medidas duras e antidemo-
cráticas, tais como o Estado de Sítio, o Tribunal de Segurança
Nacional, a censura à imprensa, entre várias outras.
143
deixa manifesto, nesse discurso, o papel da família e da religião
na estrutura da nacionalidade. Ao fazê-lo, a nosso ver, ele penetra
na intimidade dos lares, traduz o sentimento da família reunida,
para em seguida apelar ao amor pela pátria, enquanto um des-
dobramento natural do sentimento familiar. E a Pátria, assim,
começa a ser revestida de uma devoção amorosa.
Também é possível notar na retórica varguista a insinuação
de outro tema típico das formas de expressão nacionalista: o his-
toricismo. Este implica na valorização de um certo passado, que
Vargas aqui não menciona qual seja, e que se presta à afirmação
da “autonomia da pátria”. A sua presença vai tornar-se mais
visível na utilização da ideia-imagem de pátria-moral que, como
veremos à frente, é veiculada através das campanhas cívicas.
Também Benedicto Valladares,3 quando transcorridos dois
anos da insurreição armada de 1935 — e esta é remorada ofi-
cialmente — irá apelar para a defesa da nacionalidade, “na hora
de apreensões que estamos vivendo”,“nesta fase intranquila que
o país atravessa” assinalando que estão todos, em Minas e no
país, “vigilantes e prontos para defender, do grande perigo que
a ameaça, a nossa estremecida Pátria”. Assim, entre apreensões,
estremecimentos, intranquilidade e diante da “aproximação de
dias duvidosos”,4 a insegurança é socialmente transmitida, a
angústia social que dela decorre é alimentada e a necessidade de
que se defenda a pátria — para que a sua oferta de proteção se
mantenha e permaneça inalterada — é sutilmente reafirmada. É
contra a “invasão vermelha” que a atitude de defesa é mobiliza-
da, no sentido de acionar as reservas de nacionalidade, as únicas
capazes de impedir que a pátria seja tomada e aprisionada pelos
comunistas e que os brasileiros sejam “reduzidos à miserável
condição de escravos da horda vermelha de Moscou”.5 É nesse
sentido, pois, que, nessa manifestação de nacionalismo através
do conteúdo anticomunista, fazem sentido as invocações pela
salvação e pela libertação nacional. Afinal, os comunistas são
considerados “indivíduos sem pátria ou que perderam o senso
cívico do amor à terra natal”.6 O que vale dizer: são impatriotas
e traidores.
144
Também os comunistas, que incorporam o argumento nacio-
nalista à sua retórica, assumem atitudes de defesa nacional e igual-
mente se dispõem à tarefa de mobilizar os cidadãos para salvar e
libertar o Brasil. Da mesma forma, eles afirmam em 1935:
145
conveniência, doses homeopáticas de apreensão. E, ao fazê-lo,
as atitudes defensivas se revestem de um caráter preventivo. Por
outro lado, como vimos anteriormente, o anticomunismo se mo-
biliza fundamentalmente em defesa da ordem, da propriedade, do
regime constitucional, da religião e, nesse sentido, o nacionalismo
defensivo que o toma como seu conteúdo principal, é defensivo
“duplamente”.
Na retórica nacionalista dos comunistas, ao contrário, o
cativeiro, a humilhação, a opressão são considerados dados de
realidade a que a ameaça fascista vem dar o golpe de miseri-
córdia. Nesse sentido, o país já está ocupado por um exército
muito especial: o do capital. E o povo há muito já foi escravizado
nos campos, nas fábricas e nas cidades. Assim, junto e dentro
da Aliança Nacional Libertadora, eles defendem “a entrega do
Brasil a si mesmo, ao povo brasileiro, liberto da opressão do
capitalismo estrangeiro e da escravidão feudal-latifundiária”.9
Põem-se ao lado de
146
um povo oprimido. É o país outro, real e transfigurado ao mesmo tempo
onde se instalaria uma cidade diferente (p. 374).
147
Queremos registrar que encontramos no material pesquisado
indicações de discussão acerca desses dois pontos que apontam
divergências a respeito do encaminhamento do tema pelo PCB.
Numa longa carta a Luiz Carlos Prestes (apreendida em po-
der de Harry Berger), o jornalista, sindicalista e aspirante aos
quadros dirigentes do PCB, João Batista Barreto Filho, critica a
“barafunda teórica” e política do PCB, decorrente da proposta
de “revolução nacional libertadora” e de um governo popular
nacional revolucionário, que defendia, segundo ele, a burguesia
“nacional” e o capitalismo “brasileiro”. Embora afirmando
que aceitara a aliança,
148
que o anti-imperialismo assim encarado. O proletariado não combate o
imperialismo nacionalmente, como um mito, como uma ameaça externa
à pátria, mas internacionalmente, como última etapa do capitalismo.
149
as rendas de todas as alfândegas do Brasil. Daí em diante os emprés-
timos não pararam, empurrados uns pelos outros, e nenhum ficando
pago, pois os credores aumentaram sempre o valor do que recebemos
e não temos. Nunca mais se soube o que era independência. O estado
colonial continuou...
Você ganha pouco. Do pouco que você ganha, dois terços seguem
viagem... Quase o total do que você precisa para viver chega de fora,
e volta transformado em moedas de ouro... Não porque o Brasil seja
preguiçoso. Mas porque o Brasil só pode trabalhar para conseguir as
prestações do que deve.14
150
À parte a referência à classe média, que ocupa lugar central
na teorização do fascismo empreendida pelo autor e que não
é de nosso interesse discutir aqui, a afirmação de Reich lança
luz sobre o lugar que a associação pátria/mãe ocupa dentro das
mensagens políticas autoritárias e abre uma senda que permite
visualizar a existência do que Guattari (1985) chama de “quí-
mica totalitária”, que atravessa e envolve as diferentes estruturas
políticas institucionais, familiais e individuais.
Que a família é um eficiente e poderoso instrumento do poder,
disso somos todos sabedores. O interessante a observar aqui é
como no Brasil dos anos de 1930 se processava no plano discur-
sivo a vinculação pátria-nação/mãe-família; com que acessórios o
seu fundo emocional, comum e compartilhado, aparece revelado;
e que resultados práticos são buscados com a sua utilização.
Como vimos, pelas palavras do próprio presidente da nação, a
estrutura da nacionalidade está assente sobre o tripé família, pátria
e religião e não seria demais lembrar a presença, nesses anos, do
tema integralista “Deus-Pátria-e-Família”. Por associar a ideia
de pátria com a de família é que Vargas se refere aos brasileiros
enquanto “parentes” que pertencem à “grande família”. Colada
à afirmação da pátria como uma grande família está a concepção
da família — para usarmos uma expressão reichiana — como uma
“nação em miniatura”15 (p. 59).
É possível acompanhar essa ideia na fala do vereador belo-
-horizontino Alberto Deodato, em 1936, quando este, ao se referir
aos perigos que o comunismo representa para a democracia,
afirma que:
151
Aqui, fica clara não só uma visão da família enquanto núcleo
fundante da nação, como também enquanto um corpo minia-
turizado que se soma a outros, dando origem, sucessivamente,
à capitania, à província e, por fim, à federação, expressão repu-
blicana do conjunto das partes componentes do grande corpo
da nação. A implosão do corpo da pátria, portanto, é sinônimo
da destruição dos milhares de corpos que a compõem, ou seja,
é a destruição da família, é a destruição do Brasil.
Se a família é o suporte do Estado e da nação, a mãe é o su-
porte da família; e se a família é a essência da pátria, esta é, na
sua essência, a mãe, e os brasileiros são todos seus filhos e, entre
si, são irmãos. Assim parece entender, por exemplo, o ministro
Agamenon Magalhães:
152
A constância desse civismo histórico alimenta-se das virtudes pri-
vadas da gente mineira tão elevada no cultivo modesto da cidadania.
A parte perene desse espírito de brasilidade é o lar mineiro, em que os
sentimentos religiosos se entrelaçam com os sentimentos patrióticos,
que evoluem do distrito ao município, do município ao Estado e do
Estado-Federação. (...) Não há solução de continuidade entre a atuação
do chefe de família do homem e do cidadão (...) Una e indivisível é a
trama das emoções que vitaliza a energia construtora de nossa gente,
a tal ponto que a sociedade, tanto em seus aspectos internos como
em seu panorama político, é um grande lar (...).18
153
(...) trabalhados serão pelo remorso, que os perseguirá sem pieda-
de. Hão de ter sempre os ouvidos alertados pelo clamor retumbante
da Pátria, que não olvidará jamais tão grande e insensata violência.21
154
pátrio se traveste no corpo da mãe. É interessante ver como se
cruzam as associações da pátria/mãe — terra/mãe, solo/útero,
berço/sepultura. É impossível que não pensemos na terra como
um avatar do útero materno, e na sugestão de que a ela nosso
destino está indissoluvelmente ligado: de onde viemos e para
onde retornaremos.25
No discurso em questão, constatamos que é da mãe o exemplo
do trabalho e do gosto pelo trabalho; é da família — através da
mãe — o aprendizado da honestidade e a aceitação da hierarquia
através do submetimento à inquestionável autoridade patriar-
cal. Ao se situar num ponto de cruzamento entre a micro e a
macropolítica, a família torna-se, assim, um aliado em potencial
dos projetistas de uma sociedade autoritária, além de ponto de
partida da experiência das potencialidades para o controle e a
dominação social.
Também os comunistas clamam por uma pátria/mãe que os
acolha com carinho e não os rejeite. Também eles buscam um
retorno imaginário à segurança da pátria enquanto uma família.
O interessante é que eles brigam pelo reconhecimento da pátria/
mãe/família, uma vez que são eles os acusados de quererem
destruí-la e atraiçoá-la.
Fique cada um de nós, com o seu Deus, com a sua Pátria e com a sua
família e, para provarmos que somos dignos desse Deus, dessa Pátria e
dessa família, trabalharemos juntos, fraternalmente, na transformação
radical do Brasil — essa gleba imensa onde habitam escravos e senhores
— numa grande pátria que abrigue amorosamente todos os seus filhos e
não seja como hoje, mãe carinhosa para os ladrões e parasitas que só têm
Direitos, e madrasta desumana para os que trabalham e só têm Deveres!26
155
Nesse sentido, suas atitudes em defesa da pátria são expres-
sas como as de um filho que quer recuperar a mãe, pois, não
obstante o sentimento de rejeição, eles se referem à Pátria como
mãe e se autodenominam seus filhos. Assim, quando da eclosão
do movimento armado no Nordeste, o bureau político do PCB
apela ao povo brasileiro afirmando: “Está sendo decidida a
causa do Brasil e de todos os seus filhos.”27 Em outro panfleto,
denunciando um complô dos integralistas conclama os soldados
do Exército a prepararem-se
156
E a ameaça à pátria também é considerada por eles como
uma ameaça ao lar e essa associação é claramente assumida
pelas mulheres da União Feminina do Brasil ao se mobilizarem
contra o “fascismo nacional” dos integralistas:
157
A identificação emocional, primária, com a pátria é responsá-
vel pela ideia de que a causa do Brasil é a causa dos seus filhos,
que a destruição do Brasil é a destruição da família e dos lares,
que os inimigos do Brasil são nossos inimigos; enfim, que a
defesa da pátria é a defesa do povo, dos lares e de nós mesmos.
Disso decorre que o sentimento de amor à pátria, a crença na sua
grandeza, o desejo de um país entregue a si mesmo revelam que
a pátria é transformada em ego-ideal e que a libido que movi-
menta esses sentimentos é a libido narcisista. Esse ego-ideal, que
a nosso ver é construído através do modelo da mãe e da família,
158
e perfeição. Essa devoção ilimitada acarreta, nos termos freu-
dianos, um enfraquecimento da “iniciativa própria do sujeito”
que se coloca numa posição de “sujeição humilde”. Essa atitude
diante da pátria, transformada em objeto de desejo, é um auxi-
liar poderoso das pretensões totalitárias, conquanto favorece o
submetimento e vincula o conjunto social à identificação com
um coletivo potente dentro do qual ele se indiferencia.
Quanto à expectativa de “união” do país, parece-nos que ela
é também reveladora da tentativa de recuperação desse aspecto
fundamental do estado narcísico: a indiferenciação. Nesse estado,
o sujeito (ego) e o objeto (mundo externo) se fundem num todo
indistinto onde o sujeito desconhece a experiência do próprio
corpo, mas já vivencia a ansiedade pelo temor do despedaça-
mento. É aqui que entra em cena o ideal da pátria/una que, se,
por um lado, expressa o temor da divisão, por outro, acalma os
sujeitos sociais do seu receio do despedaçamento, com o aceno
da proteção — integridade da pátria —, enquanto amplia o cerco
totalitário. Uma vez que o corpo do sujeito e o corpo da pátria
formam um todo indiferenciado, a ameaça à integridade da pá-
tria é vivenciada enquanto uma ameaça também à integridade
do sujeito. Nesse sentido, a ideia de pátria/una pode ser vista
enquanto um desdobramento lógico da ideia de pátria/mãe.
O forte investimento político-afetivo feito nos anos de 1930
no conceito de pátria-una, na defesa da integridade do país e
no princípio da unidade nacional, muito embora se preste à
defesa da soberania, enquanto típica expressão de manifestações
de tipo nacionalista, de fato acalenta o sonho escondido de
uma sociedade una, indivisa, uniforme, homogênea, concorde
consigo mesma.
O desejo de um social total, é bom lembrar, tem como pres-
suposto o domínio do espaço social, a identificação dos sujeitos
sociais com o poder e com aqueles que o detêm e a eliminação
das diferenças sociais.
159
O princípio da “coesão do grupo nacional” presente no tema
da soberania implica que:
160
sobrepor o bem-estar da nação, à segurança da pátria, acima de todos
os interesses regionais e de todas as vaidades de hegemonia política.34
161
vanguarda realizam inauditos sacrifícios para atingir a unidade de
orientação de que carecem e que, naturalmente, desfrutamos.
(...) a fase por que atravessou a Nação, de 1930 até esta data, foi,
sem dúvida, de grandes vantagens para o País, de vez que o regime de
centralização deu margem ao fortalecimento do sentimento de Pátria
e consequentemente fez revigorar os laços de unidade nacional.37
162
popular revolucionário caberia a tarefa de dar um golpe de morte
nos imperialistas e plutocratas e unificar o Brasil.
É interessante notar que a iniciativa de integração levada a
efeito por Vargas, através de uma política de pacificação das diver-
gências que adentra o Estado Novo, é apoiada pelos comunistas
em nome da união nacional quando, em 1938, Ademar de Barros
é nomeado interventor do Estado de São Paulo. Numa circular
do comitê regional no Estado, o Partido declara que:
163
Dessa obsessão por um “todo uno” não escapa nem mesmo
um liberal como Afonso Arinos de Mello Franco e a sua defi-
nição de democracia. Vale a pena acompanhar as linhas do seu
raciocínio:
164
conquanto seja escudo da divisão, a qual é expressa pela figura
da classe social. Daí é preciso negá-la, daí ser melhor esquecê-la.
No fundo, a ideia que perpassa essa e outras elaborações do
tipo é a da negação da democracia enquanto âmbito do conflito.
A supressão do conflito, para dar lugar ao consenso, é a negação,
como nos mostram Chaui (1982) e Finley (1988), da própria
essência da democracia:
165
sem glórias e sem história, mas cheias de vergonha e de remorso de
terem dilacerado uma pátria imensa para satisfazer as mesquinhezas
do espírito regionalista.44
166
Aqui, à exaltação nacionalista se junta um temor, como sem-
pre exagerado, do fantasma da revolução, numa típica operação
que Mayer (1977) chama de contrarrevolucionária preventiva.
O Estado de guerra e a colaboração a ele são elementos que se
prestam ao exagero intencional da ameaça revolucionária.
O curioso é que os comunistas também se mobilizam contra
os ditames do regionalismo e pela preservação intacta do corpo
geográfico brasileiro em nome do mesmo princípio dos seus
opositores: o da unidade nacional. E o fazem não enquanto um
instrumento de retórica defensiva que rebate as acusações que se
lhes atribuem de que configuram uma ameaça em potencial à uni-
dade pretendida, mas sim em nome do princípio da organicidade
nacional enquanto tal. Isso porque esse princípio é um eficiente
suporte da sua opção doutrinária e tática. Não esqueçamos que
a sua luta é contra o imperialismo e seus “lacaios nacionais” que
preservam os restos feudais e impedem a união nacional.
Os grupos imperialistas, sob esse ponto de vista, é que são os
beneficiários das disputas regionais, uma vez que ao se unirem aos
fazendeiros e usineiros, no entender de Luiz Carlos Prestes,
167
de um ideal igualitário, o que recoloca, em outros termos, a sua
defesa da unidade; ou seja, a sua unidade deverá ser alcançada
sobretudo na igualdade, na justiça e na liberdade. Isso pode ser
percebido no seu embate com os integralistas, quando estes, sim,
são apontados como a própria encarnação do perigo totalitário:
168
de suas “representações-chave”: “a de um povo que encontra
sua unidade na igualdade e sua identidade na nação” (Lefort,
1985, p. 53).
A consciência da pátria una e coesa exige, como vimos, o
sentimento de pertencimento à grande pátria e de integração a
essa vastidão geográfica. Disso se encarregará Getúlio Vargas ao
se dirigir ao povo brasileiro, nomeando-o pela região habitada,
integrando-o, porque lhe convém, em classes, profissões, cidades,
e trazendo-o para dentro da coletividade nacional:
169
geral — brasileiros das férteis plagas do sul, valorosos patrícios dos
longínquos rincões do norte, concidadãos do mundo em marcha que
é o Brasil central51 — nestas palavras quero traduzir, de coração, (...)
o desejo ardente de reavivar também no vosso espírito, com a chama
dos sagrados entusiasmos, a força da fé nos destinos da pátria, cada
vez mais digna do nosso amor, cada vez mais nobre, mais bela e feliz.52
170
metade da década de 1930. E ele se escuda, por sua vez, em
um tripé do qual fazem parte a construção de um sentimento
de nacionalidade, a defesa do passado e da tradição e a preser-
vação de valores morais. E, por se considerarem responsáveis
pelos destinos da nacionalidade, os governantes vão assumir
essa tarefa tripla e se empenhar para estimular um fervor moral
e cívico na população a fim de “conservar bem aceso o lume do
amor à pátria” e “avivar na alma do povo o sentido heroico do
amor ao seu país”.55
A construção de um sentimento de nacionalidade é fruto de
iniciativas governamentais desde o início de 1936, as quais são
incrementadas no segundo semestre de 1937, 56 particularmente
em seu final, após o golpe de novembro, numa clara indicação
dos objetivos ideológicos e estratégicos dos seus protagonistas.
Essas iniciativas são empreendidas através de demonstrações
patrióticas, paradas militares, sessões cívicas, desfiles escolares,
de clubes recreativos e de escoteiros e até mesmo exibições de
cantos orfeônicos, como a realizada por “trinta mil crianças”,
segundo a imprensa, regidas por Villa-Lobos, na comemoração
do Dia da Pátria, em 1937, na capital federal.57
A promoção de um “espírito cívico” no país faz parte da
estratégia de Vargas, sendo deste a decisão de transformar as
comemorações patrióticas do 7 de setembro e do 15 de novembro
em datas de ampla repercussão nacional.
Não esqueçamos que um dos objetivos de Vargas é deter a
penetração e a pregação comunista, a respeito da qual se diz
ser contra a pátria, as instituições, a família etc. A iniciativa de
Vargas é comentada assim pelo escritor mineiro Oscar Mendes:
171
E a nova Carta Política de 1937 institui o culto da bandeira
nacional.59 Segundo Benedicto Valladares, “o culto dos símbo-
los unos e indivisíveis quis fortalecer ainda mais a unidade da
Pátria”.60 Dessa forma, o civismo torna-se objeto de minuciosa
atenção do governo, uma vez que “espírito cívico” é “espírito
nacional”.
É esse espírito cívico que vai dotar a pátria de uma unidade
moral que, por sua vez, só pode ser garantida por uma ideologia
totalitária. Por assim ser é que é necessário o culto a um sím-
bolo que representa a unidade da pátria, enquanto solo e povo,
costumes e instituições. Esse símbolo é a bandeira nacional.
Ela é venerada enquanto representante da pátria una, grande e
soberana; como se evocasse, numa só imagem, toda a história
da nação; como se perpetuasse a nossa continuidade territorial.
Dela se diz que:
172
da Pátria, estamos frente ao que temos de mais sagrado para os nossos
sentimentos cívicos e é como se estivéssemos nos domínios das verdades
eternas, diante da imagem do próprio Deus.62
173
fraternidade, porque a bandeira a todos acolhe, abriga todos os
brasileiros, dos “rincões mais remotos” à metrópole mais movi-
mentada. Ela é símbolo de união e o seu culto poderosamente
reclama o envolvimento de todos pelo coração, pela inteligência,
pelo esforço e pelo sacrifício para fortalecimento do país.
Quanto à insistência na definição da bandeira como símbolo
sentimental, o que introduz o tema da unidade moral/sentimen-
tal, percebemos a insinuação de um discurso caro ao ideário
autoritário e conservador: o do caráter nacional.64 Esse discurso,
que outorga atributos ao homem brasileiro, sustenta-se num
arcabouço explicativo da realidade brasileira que privilegia o
fator “espiritual” através da recusa de categorias historicamente
determinadas. É ele o responsável pelas definições de “espírito
de nação”, “espírito cívico”, “espírito do brasileiro”, “alma da
nação”, “índole brasileira”, “fé patriótica”, “forças espirituais
do brasileiro”, as quais ocultam “as determinações concretas da
totalidade social: os antagonismos se reconciliam na caracteri-
zação psicologizante do homem brasileiro” (Vasconcelos, 1979,
p. 62-63). O discurso do caráter nacional, que possui afinidades
com a ideologia fascista da alma, detém um forte componente
totalitário ao se definir pela “supremacia irreflexiva do nacional”,
a qual destrói o conceito de autonomia individual. Isto facilita
as justificativas de um Estado forte e se adequa ao totalitário
narcisismo coletivo. Uma consequência importante do discurso
do caráter nacional é que ele “dita, de modo autoritário, a única
via pela qual seria possível captar a realidade social do país: a
via da emoção ou da intuição” (Vasconcelos, 1979, p. 64).
Esse é o ponto que está por trás da propalada “unidade senti-
mental” e do “sentimento nacional” ou de “nacionalidade” que
vão ter suas formulações mais acabadas, sem dúvida, na doutrina
integralista que vai sustentar a pregação da “revolução espiritual”
de Plínio Salgado. Aliás, na sua obra Geografia Sentimental,65
Plínio Salgado outra coisa não faz do que delinear os contornos
figurativos da “alma do Brasil”.66 Com essa doutrina, a nosso
ver, outros discursos do período mantiveram enorme afinidade
174
e se encontram numa perfeita convergência.67 Uma exemplar
ilustração desse ponto encontramos num discurso do advogado
mineiro Magalhães Drummond, na condição de paraninfo dos
bacharéis em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais,
em 1937. Nessa solenidade quem aparece como um dos forman-
dos é o então deputado Paulo Pinheiro Chagas:
Reunir, pela cultura e pelo afeto, o Brasil para que, forte na sua
unidade espiritual, possa ele colaborar na recristianização do direito
(...) Reunir, restituir a coesão a elementos que se dissociam, restaurar a
unidade onde a fragmentação se prenuncia, recompor o paralelograma
de forças que desarticuladas se anulam, na dispersão e na indisciplina.
(...) No Império (...) Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, a Cidade de
Salvador, a nossa gloriosa Ouro Preto foram outras “universidades bra-
sileiras naturais” — e isso — não só como focos de luz espiritual, mas
principalmente — muito principalmente — como sítios de convivência de
moços, vindos de todas as partes do Brasil, e que, nesses encantadores e
sugestivos cenários históricos, assim aprendiam a conhecer a identidade
espiritual dos brasileiros e a igualdade e a constância da sua bondade.
Dentro de cada uma dessas Cidades — outrora teatro de tanta bravura
e de tanto sofrimento — os regionalismos, com seus preconceitos e
prevenções, desapareciam, incapazes de suportar o contraste do forte
sentimento da Pátria comum haurido da atmosfera espiritual desses
verdadeiros viveiros de brasilidade.
Tenha-se presente que os jovens brasileiros assim cultural e afetiva-
mente formados teriam de ser necessariamente os dirigentes do Brasil,
e ver-se-á logo como havia de refletir no fortalecimento da unidade
nacional a ação daquelas nossas excelentes “universidades brasileiras”.
(...) Com a República e a descentralização federativa, os Estados bem
depressa se emanciparam daquelas nossas metrópoles culturais — mas
com evidente e gravíssimo prejuízo para a nossa unidade: afrouxavam-
-se assim e se desatavam mesmo laços espirituais tão necessários à
existência do Brasil. Hoje, o brasileiro, fora do seu Estado, quase não
conhece, quase “não sente” o Brasil na heterogeneidade das suas etnias,
175
nos antagonismos dos interesses econômicos regionais, na crescente
diferenciação localista. (...) Sob as diversíssimas influências da variada
ambiência física brasileira, parece não se poderá formar o tipo físico
racial uniforme e constante. A pureza vernacular — comprometida
desde o início pelas impuridades africana e aborígine, dia a dia, se
macula com a assimilação de novos elementos e formas importadas.
Sublimação do Cristianismo, a virtude da tolerância cada dia se faz mais
capaz de conciliar homens que creem diversamente, antagonicamente
mesmo. A unidade econômica, precisamente porque econômica e não
espiritual, é, de si mesma, precária, instável, ilusória.
Assim só nos restará a possibilidade de unidade cultural-afetiva.
Aliás, ficando-nos só esta, fica-nos tudo. Porque bem talvez nela
esteja o único verdadeiro fator de unidade política (...) cultural, para
conhecimento mais verdadeiro do Brasil e dos seus problemas; afetiva
para que no afeto do brasileiro pelo brasileiro se firme, se aprimore,
se exalte o amor pelo Brasil, que exija, imponha, force — e só acerte
— soluções brasileiras sempre que interesses regionais ponham em
xeque interesses nacionais.68
176
demonstração da raça. Todos os educandários e clubes esportivos da
capital farão no “Dia da Bandeira” um deslumbrante desfile em que a
mocidade estará representada pelo que possui de mais selecionado.70
177
concurso moral à máxima difusão das ideias libertadoras”.72 A
difusão de um sentimento de amor à pátria é indissociável da
necessidade de libertação democrática e de emancipação nacio-
nal e isso pode ser acompanhado num artigo de Rubem Braga
ao defender a ANL dos ataques de um padre da Ação Católica,
simpatizante dos integralistas:
178
Se o Dia da Bandeira é transformado pelos governantes em
uma data-chave para a promoção do sentimento nacional, o
mesmo ocorrerá com o “Dia da Pátria”, o 7 de setembro, e o 15
de novembro, data da Proclamação da República. Não esqueça-
mos que, atrás da formação do chamado sentimento nacional,
uma estratégia se oculta, particularmente no que diz respeito ao
“Dia da Pátria”: a de direcionar o desejo gerado na esfera social
em direção à devoção amorosa à pátria. E esse amor é oriundo
de realidades várias, mas expresso num sentimento homogêneo
e unificante, tal como é descrito em editorial do boletim do
Ministério do Trabalho:
179
desse controle da memória e da recordação é o culto oficial dos
heróis nacionais e das tradições históricas. E Getúlio Vargas,
discursando em 1937, no Dia da Pátria, o afirma sem disfarces:
180
de reforçar a consciência única da nação, é que são relembra-
dos os esforços daqueles que realizaram a primeira conquista
da costa e as incursões no interior; a fundação “com rios de
sangue e de lágrima” das primeiras cidades; a bravura heroica
dos bandeirantes “galgando serra e montanha, atravessando
rios e vales, abrindo estradas e povoando o sertão”; o sangue
derramado na defesa da integridade do solo contra as invasões
holandesas e francesas; os ideais que inspiraram o 13 de maio e
o 15 de novembro e a luta do Exército pela unidade territorial.
Em função de a consciência nacional ser considerada dependente
da veneração do passado, o ensino da História se torna objeto
de preocupação. Dele se diz: “O ensino da História nos cursos
primários e secundários de modo geral não insiste sobre os fatos
mais brilhantes dos anais da nacionalidade, encaminhados no
sentido de despertar na juventude um ardoroso amor à coisa
pública.”80 Lamenta-se o descaso com a tradição, que
181
Foucault (1982). Esse saber histórico torna-se poder e se distancia
da genealogia ao reforçar a busca da origem e da identidade e a
manter as “solenidades da origem”. Por isso, pelo conhecimen-
to dos grandes fatos e dos grandes vultos da história do Brasil,
acredita-se possível a apreensão do caráter especial da formação
brasileira e a persuasão dos brasileiros de que o seu verdadeiro
destino é ser presidido sempre pela ordem política nascida de sua
evolução histórica, radicada em sua tradição. Os marcos políticos
e institucionais do ordenamento social da nação, portanto, já
foram criados no passado e como tal devem permanecer.
Na intenção de reforçar essa tradição, o governo federal, já em
1936, decide repatriar os restos mortais dos inconfidentes minei-
ros falecidos na África.82 E a Inconfidência Mineira é relembrada
no sentido de reafirmar um compromisso com os antepassados e
o patrimônio histórico brasileiro, no que representam de reserva
moral contrária, por um lado, às ideias de supressão da liberda-
de, agitadas, de acordo com José Maria Alkmim — discursando
na ocasião do repatriamento — “nesta hora da vida nacional”.
E, por outro, contra a “implantação de regimes contrários à
índole do Brasil, isto é, contrários àquele mesmo sentimento de
liberdade”.83 Segundo Alkmim, então secretário do interior de
Benedicto Valladares:
182
exemplo, nos discursos de Vargas) de que, na formação política
brasileira, o sentimento de liberdade é uma constante e não deve
ser desfigurado por ideologias exaltadas, por sedição e subleva-
ções. A associação desse sentimento de liberdade à ordem é o
que garante no presente a continuidade do que foi considerado
fundante.
Por terem lutado por “esse regime de liberdade” ou por ele
terem padecido é que são glorificados os vultos de Tiradentes,
Felipe dos Santos, Frei Caneca, José Bonifácio, princesa Isabel.
O “ideal de liberdade” é, assim, incorporado ao patrimônio
histórico do país.
Nessa direção, os inconfidentes são exaltados não como
sediciosos, ambiciosos, mas como uma elite de pensadores, sem
interesses materiais, que se sacrificaram pela coletividade em
nome do ideal da Independência. Aqui, o poder refaz a percep-
ção da história. E Tiradentes, reverenciado como o seu líder, é,
naturalmente, comparado a Prestes:
183
abolição. A verdadeira salvação nacional”.86 No caso do Exér-
cito, as tradições a serem recuperadas remontam a Tiradentes,
enquanto alferes, a Benjamin Constant, a Marechal Floriano, a
Prestes, a Siqueira Campos, a Joaquim Távora, que, em nome do
povo, romperam com os princípios da obediência hierárquica.
Em vista dessa tradição, o bureau político do comitê central
do PCB afirma em 1937 que o “glorioso Exército nacional (...)
não se submeterá jamais a servir de verdugo de seu povo”.87
Dentro dessa linha ocorre a transformação do fato — a revolta
tenentista de 5 de julho — em marco:
184
anseios, tendências e imperativos da coletividade é que devem
ser cultivadas certas virtudes cívicas, tais como:
185
que às tantas da madrugada volta do cabaré da desgraça, onde estragou
juntamente com o ouro a mocidade e assim, de crime em crime, foi cair
do certo, no abismo da depravação, até que um dia veio depositar nas
mãos da mãe que ao seu encontro veio a fim de lhe abrir a porta, os jatos
quentes de um sangue arruinado pelo gérmen da sífilis. Está tuberculoso.
Foi dessa sorte o “deixar fazer, deixar passar” da mãe maldita e liberal,
que acarretou para o filho a desgraça e angústia de uma morte prematura.
O que sucede na vida particular dos indivíduos sucede igualmente
na vida em comum dos povos. O que faz a ruína na vida das famílias
fará igualmente na vida das sociedades. Porque os princípios gerais que
regem umas e outras são os mesmos e por consequência não pode haver
variação na fatalidade de suas consequências.
O Estado liberal indiferente a tudo criou desta sorte, com sua neutrali-
dade oficial e com uma displicência desmascarada, um tal estado de coisas,
em que se viu a equiparação da verdade ao erro; da virtude ao vício; da
moralidade à imoralidade; do bom ao mal, do justo ao injusto (...). Pode-se
concluir com todo o rigor da boa lógica que foi o laisser-faire, laisser-passer
do liberalismo (...) que cavou e está cavando a ruína, a desordem, a
anarquia, tanto na vida privada dos nossos lares, como na vida pública
das nossas sociedades.90
186
procriadora e não como ser sexual, a sua idealização e o culto à
maternidade é que a transformam num ser assexuado. Assim, na
ideologia autoritária “o ato sexual por prazer desonra a mulher
e a mãe” (Reich, 1972, p. 101).
Essa teorização é apoiada e justificada teologicamente pela
Igreja, ao colocar a posição da mulher no seio da sociedade pagã
como tendo sido de degradação e objeto de luxo, diferentemente
do que ocorreu no cristianismo que “dignificou a mulher, na
ordem da graça, como virgem-mãe de um Deus-Homem; na
ordem da dignidade, com um sacramento indissolúvel, para unir
em matrimônio os esposos cristãos”.91 O vínculo matrimonial
é, dessa forma, santificado, e sem ele “a família cessa de ser
instituição divina (...) e ver-se-á degradada ao nível de uniões
precárias, joguetes de paixão sem freio”. 92
Reich (1972) já mostrava, nos seus estudos sobre o fascismo,
como a repressão sexual “constitui o elo de ligação à família
autoritária” (p. 53) e como esta auxilia a reprodução da socie-
dade autoritária. O viver livremente o sexo é desvario, é crime
e degradação cujas consequências são fatais: a contaminação do
sangue, a doença estigmatizada, a ruína, a morte prematura.
A preservação do corpo dos excessos da carne é assumida,
por exemplo, pelo discurso integralista. Neste,“o corpo é desva-
lorizado; os sentidos — a parte mais degradante do homem. A
espiritualização do corpo e do amor constitui a contrapartida do
ódio à sexualidade” (Vasconcelos, 1979, p. 29). É no sentido de
confirmação dessa afirmativa que podemos ler o trecho abaixo,
escrito por um católico integralista, em 1935, para defender o
“regime integral” como solução para a crise moral que vinha
187
ou a proibição do ensino religioso (...) A segunda — a família cristã —
pelo divórcio, pela prática que restringiu a natalidade, pelos cinemas
dissolventes, pelas leituras imorais. (...) Nessa inconsciência incoerente,
indiferente à moral, à família e à religião, levantam-se (...) contra tudo
que possa tolher-lhes a continuação da obra nefasta de materialização
que visa levantar um altar para a carne e para o gozo.93
188
Como combater tudo isso? Eles respondem: “Com a censura
rigorosa dessa literatura de cordel, desses sambinhas descarados,
dessas nudezas em exposição, dessas peças teatrais indecentes,
dessas revistecas e jornalecas sujas e nojentas.”95
Frente a esse texto, não podemos evitar — diante do fato
de tanto rancor vir aliado a tal profusão de imagens e a tantas
minúcias descritivas do percurso da sedução — de lembrar das
considerações de Freud sobre o superego e o controle instintual
da moralidade. Aliás, é bastante forte, nos anos de 1920 e 1930,
a oposição à psicanálise e a Freud, a qual se inscreve dentro de
um moralismo sexual.96
Toda essa expressão de repulsa ao sexo, ao corpo e ao prazer
vem delimitar claramente o traçado das normas e interdições
morais e fincar balizas que, pelo referencial de moralidade,
“permitam fixar a diferença entre o social e o subsocial, da or-
dem e da desordem, do mundo e do submundo” (Lefort, 1974,
p. 30). Afinal, o discurso da moral é também um discurso sobre
o social e este precisa dissimular a divisão existente na sociedade,
a fim de identificar e dominar essa divisão, “dispor das fronteiras
para aquilo que é estranho a todo engendramento, aquém da
instituição” (Lefort, 1974, p. 30). Por ele, a família constitui
o “ambiente natural”.97 Assim, o comportamento moralmente
aceitável é o que se define pela adesão aos valores da repressão
à sexualidade, da aceitação do sexo apenas no matrimônio e
para a procriação, da indissolubilidade do vínculo matrimonial,
da união familiar, da atitude pudica, das diversões “sadias”,
da literatura e da arte que alimentem o espírito, da negação do
prazer e do gozo físico, da condenação e recalcamento da paixão
e dos apetites pessoais. Essa adesão circunscreve um lado da
fronteira. No outro lado, ficam os transgressores, os rebotalhos
da vida social, ou seja, os gozadores da vida, os divorciados e
as atrizes, escritores, teatrólogos, músicos e desenhistas, que
cultuam “o fino sabor artístico da pornografia”. Estes precisam
de um “programa sério de regeneração e de salvação”.98
189
E aqui chegamos de novo ao imaginário da doença. Foi Platão
quem primeiro associou paixão e doença:
190
hábitos coletivos, que toda essa cruzada moral se volta contra as
ideias comunistas,100 apontadas como desvio moral. O Mal, as-
sim, é expelido para a figura desse inimigo materialista, ateu que,
num passe de mágica, torna-se o propiciador da desmoralização
da família, já que defende sua extinção ao apoiar o divórcio e,
portanto, atenta contra a essência monogâmica do casamento. E
o divórcio, além da quebra do vínculo santificado do matrimônio,
é apontado como a ruína da autoridade paterna.101
O anticomunismo, assim, procura legitimar-se moralmente, e
o discurso moral, por sua vez, encontra no anticomunismo nova
fonte de reabastecimento. Ao glorificar atitudes tradicionais e
padrões de comportamento como estando sob ameaça de cor-
rupção, subversão e profanação pelos comunistas e suas ideias,
os anticomunistas estão acionando “um elemento essencial e
peculiar à fórmula contrarrevolucionária”, tal como a entende
Mayer (1977, p. 73).
Agora, resta saber como os comunistas se posicionaram frente
à moralidade. Existe algum fundamento que justifique as acu-
sações que lhes são feitas de corrupção, profanação e subversão
dos costumes, da moralidade, da família, enfim, das bases da
civilização cristã?
Como vimos até aqui, é também moralmente que os comu-
nistas se justificam. A sua proposta de revolução se define pelo
bem, pela justiça e pela liberdade igualitária entre os homens,
enquanto valores morais e universais. É pelo engrandecimento
moral que eles se autodenominam patriotas, e é em nome da
moral que também eles se insurgem contra a dissolução, o vício,
o instinto, a corrupção.
Também eles, na efervescência dos anos de 1930, vislumbram
uma crise que abala o mundo. Contudo, essa crise, na sua ótica, é
ocasionada por um profundo desequilíbrio existente nos quadros
da civilização, que “ameaça destruir violentamente a cultura
humana, com o retorno às formas mais odiosas da exploração
191
e da opressão”.102 A miséria, a exploração e a opressão é que
são dissolventes. O que se percebe aqui é que, se o discurso
da moralidade, nas suas vertentes autoritária, conservadora e
contrarrevolucionária, remonta à ameaça da civilização, forti-
ficando o cristianismo e a moral familiar e sexual, o discurso
moral dos comunistas, quando referido à civilização, fortifica
a cultura, a ciência, a liberdade, a justiça, o fim da opressão e
da exploração e a proteção à família.
É com esse pressuposto implícito que Álvaro Moreira, num
irônico artigo publicado no jornal A Manhã, rebate as acusações
dos anticomunistas, afirmando que na Europa, Estados Unidos
e Japão impera o pavor do comunismo, o qual “impedia o sono
dos governos que conservam as tradições de nosso país”.103 Os
comunistas eram bandidos fuziladores de nobres e de padres,
fanáticos sem Deus que destruíam a sagrada instituição da
família e que transformaram o povo russo em trabalhadores
esfomeados. Com a chegada de Hitler e Mussolini ao poder, o
pavor, segundo ele,
192
Ao se contraporem a esses agentes também eles se deixam
ver como fervorosos adeptos de um moralismo autoritário que
incide na defesa de uma moral sexual e familiar. Detentores de
uma verdade moral sociopolítica, eles investem contra o que
consideram a “equiparação da verdade ao erro, da virtude ao
vício, da moralidade à imoralidade, do bem ao mal, do justo ao
injusto”, enquanto traços do caráter do “outro”.
193
o “clerical italiano fascista”; a venda do Brasil aos capitalistas
estrangeiros por Vargas é intermediada pelo “invertido sexual
Macedo Pomba. Ele e a repugnante Assembleia Nacional estão
fora da lei e conspirando contra a honra, a liberdade e a exis-
tência nacionais”; a imprensa “é comprada e venal, dirigida
por insaciáveis argentários e ladrões do estofo de Geraldo
Rocha, Chateaubriand, Bittencourt, o judeu H. Morse e outros
patifes”;109 os militares integralistas Pantaleão Pessoa, Meira
Vasconcelos e Newton Braga são galinhas e ladrões, e o general
João Gama, “traidor da Pátria”, e a camisa verde dos integra-
listas é característica de “veados e ladrões”.110
Por detrás desses qualificativos, expelem-se os dejetos de um
mundo que se quer negar e deixar para trás e, simultaneamen-
te, traçam-se as zonas de interdição de um mundo que se quer
construir.
Que dejetos e interditos são esses? A prostituição, a desones-
tidade, a vida mundana, o comportamento sedutor e a falta de
recato feminino, a opção celibatária, o gozo, a pornografia, o
roubo, a corrupção, a homossexualidade, a traição, a incapa-
cidade, a ambição. O cidadão moral é, portanto, aquele que
porta os atributos da honestidade, do ascetismo, do recato, do
desprendimento, do patriotismo, da normalidade sexual, do
companheirismo, da verdade, da honra e da dignidade.
E na sua curta experiência no governo de Natal, o Comitê
Revolucionário, diante de “boatos terroristas espalhados pelos
contrarrevolucionários”, toma as seguintes medidas:
Serão punidos com o máximo rigor todos os que forem pegos es-
palhando boatos de qualquer natureza tendente a difundir o desânimo
e o terror entre as famílias.
Serão presos e punidos com o máximo rigor todos os que forem
pegos na prática de atos atentatórios à moral e ao decoro público.
Será preso todo e qualquer indivíduo que transite em visível estado
de embriaguez.111
194
Se aqui a punição à embriaguez e aos atentados contra os
costumes parece surgir num quadro de controle de possíveis ex-
cessos revolucionários, na comédia teatral intitulada Quando os
animais falavam, escrita por um militante do PCB mineiro112 e
representada por um grupo então reunido no Centro de Cultura
Popular da ANL, o tema da embriaguez, dos costumes e da moral
familiar é abordado de forma a revelar um moralismo que não
pode ser considerado circunstancial. Na comédia/fábula (em três
atos) as personagens, todas animais, possuem referências alusivas
à moral da história e a figurações do imaginário popular. O Zezé
Galinha é intitulado “salvador do país”, numa clara alusão a
Plínio Salgado; o Senador Raposão é o chefe político; o Conde
de Ratoeira, o grande comerciante; o Mestre Coelho é o esperto
professor da roça que vai esclarecer a consciência dos bichos; o
Gambá é designado de “pau d’água e desordeiro”; “o Jabuti, o
operário consciente; o João Carneiro, o trabalhador do coronel”,
entre outras. Num diálogo entre o Gambá, o Jabuti e o Coelho
passa-se o seguinte:
Jabuti:
— Você está errado, amigo Gambá. Erradíssimo. Em vez de reunir
todos os companheiros e melhorar a condição de vida deles todos, trata
de ir esquecer as mágoas na cachaça. Em vez de empregar sua valentia
na defesa de todos os trabalhadores, desperdiça-a nas desordens de
botequim. E, em vez de obrigar os ricos a trabalhar, vive sem trabalhar
como eles!
Gambá (de cabeça baixa):
— Mas eu não sabia...
Mestre Coelho:
— Não fique triste. Você tem tanta culpa disso como o Carneiro, e
até revelou um espírito rebelde, embora desperdiçasse a rebeldia. O que
atrapalha vocês é somente isso que eu ia dizendo: a falta de instrução.
195
Quando os bichos se rebelam e iniciam sua revolução vale
registrar a fala do Gambá:
196
tarefa e igual produtividade, a prisão e a submissão no lar, o
trabalho sem recompensa e a enorme soma de deveres, tudo isso
é objeto de denúncias dos comunistas e das próprias mulheres
da União Feminina do Brasil,113 entidade com fortes laços com
a ANL e o próprio PCB. Chamadas de “companheiras”, têm
reconhecida a sua luta por seus direitos e necessidades e respei-
tado o seu lugar no espaço público, lutando ao lado do marido,
dos filhos, do pai, dos irmãos. A sua condição de mãe, esposa,
filha e irmã ainda é utilizada para lhe dar acesso a um outro
estatuto social. A família permanece sendo o referencial maior
da política moral que a cerca, a qual mantém a expectativa da
fidelidade, do recato, da virtude, atitudes estas independentes
do matrimônio indissolúvel, tal como prega a Igreja.
E como seu líder, Prestes, os militantes têm de ser honestos,
impolutos, dignos, honrados, dedicados lutadores, exemplos
de civismo e bravura, enfim, cidadãos morais exemplares.
Novamente é a pátria/moral que sai fortalecida e com ela são
esboçados os traços de um perfil identitário a fim de que os
sujeitos sociais nele se reconheçam e se sintam dotados de uma
identidade social e/ou nacional.
Conjuntamente às ideias-imagens de pátria/mãe, pátria/una e
pátria/moral, empreende-se a modelagem da sociedade de acor-
do com o princípio da ordem e da obediência, reforçando-se a
autoridade nos vários domínios do campo social.
E a satisfação dos desejos fica cada vez mais sob as con-
dições da moral, da ordem e da lei e, por isso mesmo, as suas
possibilidades “são módicas e reduzidas”, tal como entendia
Mann (1988):
197
pois as delícias do paraíso devem precisamente provir do fato de que
lá se fundem numa e mesma coisa o que é proibido e o que é lícito, de
modo que o deleitoso proibido possa cingir-se da imaginária coroa da
legalidade, enquanto aquilo que é permitido obtém ainda por cima a
atração do proibido (p. 116).
NOTAS
1
O entendimento da ideia de liberdade como autonomia pressupõe a sua inca-
pacidade de tornar-se um objeto de desejo dada a impossibilidade — típica em
circunstância de submissão — de transpor a distância entre o desejo e o desejado,
presente em condições heterônomas onde o desejo não consegue ser realizado e a
vontade segue iludida. Segundo La Boétie o usufruto da liberdade é uma condição
natural dos homens, a qual, contudo, em algum momento, é perdida porque estes
passam voluntariamente a obedecer e, em lugar do desejo de liberdade, surge a
vontade de servir e o seu correlato: a vontade de poder e o poder do “Um”. O
“Um” é o senhor, é a figura da soberania, é o que detém o poder. Dito de outro
modo, a emergência da vontade de servir e da vontade de poder é o que instaura
a divisão, dentro da sociedade, entre inferiores e superiores, entre dominantes
e dominados, entre detentores do poder e subjugados ao poder estabelecendo
igualmente a divisão valorativa das sociedades, entre boa e má. A boa é a que,
conforme a mãe-natureza, assegura o império da liberdade; a má é a expressão
do triunfo da servidão voluntária. Diante dessa “servidão voluntária”, o que
significa a liberdade para La Boétie? É, como destaca Chaui, a autonomia onde
“desejar ser livre e ser livre são uma só e mesma coisa”. Ver Chaui (1982-1986)
e seu comentário sobre o “Discurso da Servidão Voluntária”.
2
BOLETIM DO MINISTÉRIO DO TRABALHO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO,
n. 17, jan. 1936.
3
VALLADARES, Benedicto. O rumo de Minas a bem do Brasil. Folha de Minas,
Belo Horizonte, p. 6, 23 set. 1937.
4
UM por todos, todos por um. Argus: revista policial, Belo Horizonte, p. 23,
set. 1937.
5
OS CATÓLICOS e o comunismo. Argus: revista policial, Belo Horizonte, p. 1,
nov. 1936.
6
LIÇÕES dos fatos. O Diário, Belo Horizonte, p. 2, 4 dez. 1935.
7
GOMES, Bezerra. 1o Congresso Nacional da Juventude Estudantil, Popular e
Proletária. Entrevista ao Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 2, 21 jun. 1935.
8
MOTTA LIMA, Pedro. O povo comanda. A Manhã, Rio de Janeiro, p. 3, 15
maio 1935.
198
9
AO POVO brasileiro. Diretório da Aliança Nacional Libertadora. Comissão
Executiva. Rio de Janeiro, ago. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 16. (Panfleto
avulso).
10
Idem.
11
DISCURSO do Dr. David Rabello, chefe da ANL em Minas Gerais. Estado de
Minas, Belo Horizonte, p. 3, 14 jul. 1935.
12
Ver: Programa da ANL, nas fontes pesquisadas.
13
É desnecessário dizer que prevalece a decisão do Comitê Central, porém não
custa lembrar que, mesmo após a revolta de 1935, o Partido em 1936 e 1937
se organiza ainda em torno do programa da ANL e da política de frente única.
Em agosto de 1937 ocorre a “cisão Sacchetta”, mas o pomo da discórdia foi a
questão da sucessão presidencial e o apoio incondicional aos candidatos.
14
MOREYRA, Álvaro. O brado retumbante. A Manhã, Rio de Janeiro, p. 3, 24
maio 1935.
15
Reich também usa essa expressão ao referir-se à ideologia fascista da organização
hierárquica do Estado que tomou como modelo a organização hierárquica da
família camponesa.
16
DISCURSO do vereador Alberto Deodato pelo município de Belo Horizonte.
In: Minas e seu pensamento político: discursos pronunciados na manifestação
do povo de Minas a S. Excia. o Sr. Governador Benedicto Valladares Ribeiro,
por motivo do congraçamento político mineiro. Belo Horizonte, 1936.
17
DISCURSO do ministro Agamenon Magalhães na União dos Empregados do
Comércio do Rio de Janeiro, 30 out. 1937. Boletim do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, n. 39, nov. 1937.
18
DISCURSO de Benedicto Valladares Ribeiro. In: Minas e seu pensamento político,
op. cit., p. 104.
19
MENDES, Oscar. Paradas escolares. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 4 out.
1936.
20
DISCURSO do deputado Martins Prates pela Assembleia Legislativa. In: Minas
e seu pensamento político, op. cit.
21
DISCURSO do Cel. Herculano Assunção, comandante da 8a Brigada de Infantaria
com sede na capital mineira. In: Nenhum mineiro desertará do seu dever. Folha
de Minas, Belo Horizonte, p. 6, 23 set. 1937.
22
Idem.
23
DISCURSO do vereador Alberto Deodato pelo município de Belo Horizonte.
In: Minas e seu pensamento político, op. cit.
24
DISCURSO de Benedicto Valladares. In: Os ex-deputados estaduais homena-
geiam o governador Benedicto Valladares. O Diário, Belo Horizonte, p. 8, 18
nov. 1937.
25
Eliade mostra essa ligação, ao refletir sobre a sacrilidade da natureza nas religiões
cósmicas, na terra mater, a mãe telúrica, que pariu todos os homens e estes, ao
morrer, reencontram-na ao ser enterrados nela, pois “a geração e o parto são
versões microcósmicas de um ato exemplar realizado pela Terra; todas as mães
199
humanas não fazem mais do que imitar e repetir este ato primordial da aparição
da Vida no seio da terra” (Eliade, [s.d.], p. 151). Para os gregos, a maternidade
e a fertilidade se entrelaçam, e “Gaia” é a deusa-símbolo da terra/mãe.
26
AO POVO em geral e aos trabalhadores em particular. In: T.S.N. — Processo
n. 422. (Panfleto avulso da ANL).
27
POVO Brasileiro! Bureau Político do PCB (S. da I. C.), 27 nov. 1935. In: T.S.N.
— Processo n. 1, v. 16. (Panfleto avulso).
28
SOLDADO! In: T.S.N. — Processo n. 1283. (Panfleto avulso).
29
UNIÃO de todos os paulistas pela prosperidade, a democracia e a paz! Comitê
Regional do PCB de São Paulo. São Paulo, 25 maio 1938. In: T.S.N. — Processo
n. 1283.
30
Idem.
31
ÀS MULHERES do Brasil. União Feminina do Brasil. Rio de Janeiro, 1935. In:
T.S.N. — Processo n. 1, v. 16. (Panfleto avulso).
32
Embora não alinhadas com a perspectiva teórica de Vasconcellos (1979), referida
aos marcos da teoria da dependência, gostaríamos de registrar a interessante
utilização da categoria psicanalítica do narcisismo feita pelo autor em sua análise
do discurso integralista. Por um lado, ele identifica uma utopia narcisista — a
teoria da busca da originalidade brasileira e a defesa da singularidade brasileira,
que tanto marcaram o pensamento integralista. A essa utopia ele atribui, por-
tanto, o desejo de um Brasil voltado para dentro de si mesmo, sem pontos de
penetração, mônada, cuja expressão é o duende curupira que, segundo a tradição
folclórica, é destituído de órgãos sexuais. De outro, ele realça nesse discurso a sua
condição de discurso apaixonado pelo seu amor que é a pátria, com a qual, numa
identificação narcísica, o indivíduo “enlaça-se libidinosamente”, reforçando a
indiferença do Brasil com o exterior e a possibilidade da satisfação dentro de si
mesmo.
33
DISCURSO do Dr. Alberto Deodato. In: Ecos da convenção das forças políti-
cas mineiras e da visita do vr. José Américo a Belo Horizonte. O Diário, Belo
Horizonte, p. 9, 23 jun. 1937.
34
MENDES, Oscar. Tenhamos juízo. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 5 jan. 1937.
35
No plano federal, as iniciativas de apaziguar a disputa do interesse entre partidos
e grupos regionais se expressam pelo movimento das oposições coligadas liderada
pela Frente única do Rio Grande do Sul, tendo à frente o deputado João Neves
da Fontoura.
36
DISCURSO do Ministro Odilon Braga. In: Minas e seu pensamento político,
op. cit., p. 16-18.
37
MINAS dentro dos quadros legais. Gazeta Universitária, Belo Horizonte, p. 2,
25 abr. 1935. (Órgão do Diretório Acadêmico dos Estudantes da Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Minas Gerais).
38
PRESTES, Luiz Carlos. O grande exército popular nacional. O Libertador, Rio
de Janeiro, p. 1, 22 nov. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. I.
39
Idem.
200
40
Ibidem, p. 2.
41
UNIÃO de todos os paulistas pela prosperidade, a democracia e a paz. Circular
do Comitê Regional do PCB de São Paulo (S. da I. C.). São Paulo, p. 1-2, 2 maio
1938. In: T.S.N. — Processo n. 1283.
42
PRESTES, Luiz Carlos. O grande exército popular nacional, op. cit.
43
MELLO FRANCO, Afonso Arinos de. Ainda há lugar para a democracia? Estado
de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 7 mar. 1934.
44
O ESPÍRITO regionalista. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 15 maio 1937.
(Editorial).
45
O GRANDE perigo. Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 2, 19 mar. 1937.
(Editorial).
46
PRESTES, Luiz Carlos. O grande exército popular nacional, op. cit.
47
DEUS, pátria e família. O Libertador, Rio de Janeiro, p. 3, 22 nov. 1935. In:
T.S.N. — Processo n. 1, v. 1.
48
São vários, nesses anos, os boletins e panfletos de células do PCB, dentro do
Exército que, ao defenderem os direitos políticos dos militares, o fazem apoiados
no argumento de que o Exército é um grande construtor da unidade nacional.
49
ALIANÇA Nacional Libertadora. Natal, set. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1,
v. 16. (Panfleto avulso).
50
DISCURSO de Getúlio Vargas à Nação brasileira, 1 jan. 1936. Boletim do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 17, jan. 1936.
51
O significado da política de Marcha para Oeste é estudado exemplarmente por
Lenharo (1985), que esmiúça a sua importância na ideologia estadonovista.
52
DISCURSO de Getúlio Vargas à Nação brasileira, 1 jan. 1937. Boletim do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 30, p. X, jan. 1937.
53
Ibidem, p. VII.
54
ORAÇÃO do contra-almirante Álvaro de Vasconcelos em romaria ao Cemitério
São João Batista. Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
n. 38, out. 1937.
55
O DIA da Pátria. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 8 set. 1937.
56
Nesse período, a retórica anticomunista é fartamente incrementada, sendo
fundado no Rio de Janeiro um movimento intitulado Defesa Social Brasileira
que, em nome da “Pátria”, se propõe a empreender contra o comunismo uma
cruzada cívica pelo país. Ver: DEFESA Social Brasileira. Estado de Minas, Belo
Horizonte, p. 12, 2 dez. 1937. NA CÂMARA municipal noção de solidariedade
à defesa social brasileira. Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 5 nov. 1937.
Em São Paulo, no início de 1937, foi fundado por intelectuais, como Cassiano
Ricardo, Guilherme de Almeida, Afonso de Taunay Alcântara Machado, Menotti
del Picchia, Paulo Prado, Almeida Prado, entre outros, o movimento “Bandei-
ra” contra os “extremismos” e pela ideia de Pátria. Ver: Folha de Minas, Belo
Horizonte, p. 2, 6 mar. 1937.
201
57
O DIA da pátria. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 8 dez. 1936.
58
MENDES, Oscar. Comemorações. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 8 dez. 1936.
59
Gustavo Capanema, então Ministro da Educação, dá demonstração de zelo por
esse culto ao solicitar, entre outras medidas, a elaboração de uma “oração à
Bandeira”, que em 19 de novembro de 1937, é lida em todos os educandários
brasileiros.
60
VALLADARES, Benedicto. Cultuemos a nossa Bandeira, amemos o nosso Brasil.
Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 4, 20 nov. 1937. (Discurso de Benedicto
Valladares na comemoração ao Dia da Bandeira).
61
COMO será comemorado nesta Capital o “Dia da Bandeira”. Estado de Minas,
Belo Horizonte, p. 3, 17 nov. 1937.
62
O “DIA da Bandeira”. Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 1, 18 nov. 1937.
63
VALLADARES, Benedicto. Cultuemos a nossa bandeira, amemos o nosso Brasil,
op. cit.
64
Sobre a ideologia do caráter nacional brasileiro ver: Moreira Leite (1969); Marson
(1971); Mota (1977) e Vasconcellos (1979).
65
SALGADO, Plínio. Geografia sentimental. Rio de Janeiro: José Olympio Editora,
1937.
66
Uma indicação da repercussão e da utilização da Geografia sentimental de Plínio
Salgado é feita pelo Pe. Ascânio Brandão, num artigo especial para um periódico
católico: BRANDÃO, Ascânio. A alma do Brasil na geografia sentimental. O
Diário, Belo Horizonte, p. 4, 8 abr. 1937.
67
Sobre o Integralismo, ver: Trindade (1974); Chasin (1978); Chaui (1978);
Bezaquin de Araújo (1987).
68
DRUMMOND, Magalhães. Discurso de paraninfo dos bacharéis em Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1937. p. 7-10.
69
O tema da peculiaridade brasileira, complementar à ideologia do caráter nacional,
é presença garantida nos discursos de intelectuais do período.
70
PARADA da juventude. Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 17 nov. 1937.
COMO será comemorado nesta Capital o “Dia da Bandeira”. Estado de Minas,
Belo Horizonte, p. 3, 17 nov. 1937.
71
CARVALHO, Daniel de. De outros tempos: Memórias. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1961. p. 178.
72
ALIANÇA Nacional Libertadora. Natal, set. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1,
v. 16. (Panfleto avulso).
73
BRAGA, Rubem. Carta a um padre. 1935. (Transcrição de um artigo publicado
no jornal A Manhã). In: T.S.N. — Processo n. 635.
74
CARTA de Luiz Carlos Prestes aos jovens de todo o Brasil, 1935. In: T.S.N. —
Processo n. 1, v. 2.
75
AO POVO brasileiro. Rio de Janeiro, 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 16.
(Panfleto avulso).
202
76
BOLETIM DO MINISTÉRIO DO TRABALHO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO,
n. 37, set. 1937.
77
DIA da Pátria. Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 37,
set. 1937. (Editorial).
78
DISCURSO do presidente Getúlio Vargas aos brasileiros. Boletim do Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio. n. 37, set. 1937.
79
Idem.
80
ESPÍRITO cívico. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 27 jul. 1937.
81
ESQUECIMENTO das tradições históricas. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 16
maio 1937.
82
A solenidade de desembarque das urnas com os restos mortais dos inconfiden-
tes ocorreu no dia 27 de dezembro de 1936. Realizada com todas as pompas
e dentro do protocolo oficial, a ela compareceram o presidente Getúlio, os
ministros Capanema, Odilon Braga, Agamenon Magalhães e Gaspar Dutra,
o presidente da Câmara, Antônio Carlos, o governador Benedicto Valladares
e vários outros políticos e autoridades militares. O destino final das urnas foi
a cidade de Ouro Preto.
83
CHEGARAM ao Rio as cinza dos inconfidentes. Folha de Minas, p. 4, 27 dez.
1936. (Discurso do Secretário do Interior do governo de Minas Gerais, Sr. José
Maria Alkmin).
84
Idem.
85
TIRADENTES. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 21 abr. 1936.
86
MOTTA LIMA, Pedro. O povo comanda. A Manhã, Rio de Janeiro, p. 3, 15
maio 1935.
87
UNIÃO Nacional para esmagar o golpe fascista em marcha. Bureau Político
do Comitê Central do PCB (S. da I. C.), 2 maio 1937. In: T.S.N. — Processo
n. 412.
88
MOCIDADE brasileira. Rio de Janeiro, jul. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1,
v. 16. (Panfleto avulso).
89
DISCURSO do prefeito Washington Dias. In: Minas e seu pensamento político,
op. cit., p. 82. Ver também: DISCURSO do Secretário José Maria Alkmim. Idem,
p. 117-118.
90
FONSECA, Marcos. Laisser-faire, laisser-passer. O Diário, Belo Horizonte,
p. 2, 1 out. 1935.
91
CABRAL, Pe. J. Conquistas sociais do cristianismo. O Diário, Belo Horizonte,
p. 4, 17 nov. 1936.
92
CARTA pastoral do episcopado brasileiro. Boletim do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, n. 38, p. 109, out. 1937.
93
ALVES, João de Rezende. Necessidade de outro regime. O Diário, Belo Hori-
zonte, p. 2, 19 out. 1935.
94
A CORRUPÇÃO dos costumes. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 12 maio 1937.
95
Idem.
203
96
A esse respeito ver Vasconcelos (1979).
Freud (1976c), em O ego e o id, afirma, a propósito da agressão, que “(...)
quanto mais um homem controla a sua agressividade para com o exterior, mais
severo — isto é, mais agressivo — ele se torna em seu ideal do ego. (...) é como
um deslocamento, uma volta contra seu próprio ego. Mas mesmo a moralidade
normal e comum possui uma qualidade severamente restritiva, cruelmente proi-
bidora” (p. 71). Isso significa que se renuncia ao instinto por medo da autoridade
interna: a consciência, o superego. No caso da moralidade, um superego muito
severo faz com que a forte atração ou apelo instintual pela “transgressão sexual”
retorne ao ego sob a forma de um maior rigor moral. O que significa que, quanto
mais moralista se é, mais rancor se tem ao sexo, mais desejado este é e maior
atração provoca e vice-versa. Apesar do rancor manifestado pelo articulista, a
sua atração extravasou-se no detalhe da sua descrição.
97
Ver: CARTA pastoral do episcopado brasileiro, op. cit., p. 110-111.
98
A CORRUPÇÃO dos costumes, op. cit.
99
GODÓI, Edgard de. Mocidade e liberdade. O Diário, Belo Horizonte, p. 5,
5 fev. 1936.
100
O COMUNISMO e a família. O Diário, Belo Horizonte, p. 8, 20 fev. 1936.
(Conferência do Pe. Huberto Rohden).
101
Idem.
102
1o Congresso Nacional da Juventude Estudantil, Popular e Proletária. Estado
de Minas, Belo Horizonte, p. 2, 21 jun. 1935.
103
MOREIRA, Álvaro. Dormir... sonhar... A Manhã, Rio de Janeiro, p. 3, 22 maio
1935.
104
Idem.
105
AOS OPERÁRIOS, soldados e todas as camadas pobres da pequena burguesia.
Comitê Regional do Norte de Minas do PCB (S. da I.C.). In: Tribunal Superior
Militar. Processo n. 4486.
106
AOS TRABALHADORES. Rio de Janeiro, 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1,
v. 1. (Panfleto avulso).
107
DEUS, pátria e família. O Libertador, Rio de Janeiro, p. 3, 22 nov. 1935. In:
T.S.N. — Processo n. 1, v. 1. (Órgão do Comitê Militar da ANL).
108
Idem.
109
AOS OFICIAIS e sargentos do Exército. Rio de Janeiro, 1936. Comitê Militar
da ANL pró-integridade das classes armadas. In: T.S.N. — Processo n. 421,
v. 1.
110
MILITARES! Reajamos contra a fascistização do Exército nacional. Soldados
e Oficiais do Exército Nacional, 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 2.
111
O RIO Grande do Norte sob um governo popular revolucionário. Marítimo e
Portuário, Rio de Janeiro, p. 1, 29 jan. 1936. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 1.
112
JARDIM JÚNIOR, David. Quando os animais falavam... Comédia em três atos.
Belo Horizonte, jul. 1935. (Mimeogr.).
204
113
ÀS MULHERES do Brasil. Rio de Janeiro, 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 16.
(Manifesto da Comissão Organizadora da União Feminina do Brasil). Sobre
a mulher e a família afirma o presidente da ANL de Minas Gerais, Dr. David
Rabello: “Não seremos jamais contra a família: queremo-la organizada na base
do amor, do respeito mútuo, em um lar confortável, com assistência material e
educacional, onde os direitos das mulheres sejam absolutamente iguais aos do
homem. Será uma família uma casa em que (...) as mulheres trabalham como
escravas ou se enfeitam como bibelots caros por puro exibicionismo do mari-
do? Não existe família onde existe um tirano doméstico que desvirtua todas as
iniciativas das filhas e estraga todas as tendências afetivas da mulher. O gasto
evidente desta em desempenhar funções modestas de cozinheira, costureira ou
simplesmente dona de casa não a impede de trabalhar em todos os misteres como
o homem...” Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 1, 14 jul. 1935.
205
A SUPRESSÃO DA DESORDEM
207
A crise, nesta avaliação, é localizada nas fábricas, nas oficinas,
no campo, nos quartéis, na política, na cultura. E são expressão
da desordem e da irracionalidade as reivindicações de classe, a
inquietação do homem do campo, a indisciplina, a disputa pelo
poder, a violência, a força, o materialismo. A racionalidade,
abalada pela desordem e que é preciso restaurar, é expressa pela
harmonia entre capital e trabalho, pela labuta nas oficinas, pela
resignação do homem do campo, pela disciplina militar, pela
política harmoniosa, pela conformidade aos valores culturais
e espirituais da civilização cristã, pela obediência e respeito à
autoridade intelectual nas universidades e escolas. Assim o é,
porque a utilização da noção de crise
208
Contudo, é preciso que se diga que o comunismo é eleito
pelos vários setores dominantes da sociedade como a principal
expressão da crise e da desordem, e nessa condição lhe será
atribuída a responsabilidade de acionar a maioria dos elementos
capazes de conflagrar os princípios estruturantes da ordem. E
se o comunismo é a “crise”, se a crise é “desordem”, é preciso
conjurá-lo e fugir dele e do que o cardeal D. Sebastião Leme, ao
discursar no encerramento do Segundo Congresso Eucarístico
Nacional em 1936, considera “consequências do materialismo
demolidor, do despenhadeiro, da desordem, da anarquia e do
caos”,2 e para evitar o deslocamento “para um abismo de dis-
solução e desordem”.3
Caos, anarquia, abismo e dissolução são apenas alguns re-
ferentes que incompatibilizam o comunismo com a ordem. A
ele, na verdade, aparecem associados vários outros importantes
componentes do imaginário da desordem, como é o caso das
ideias de abalo e destruição. Para informá-lo, além de figurado
como o mal devastador e fatal, o comunismo é apontado como
o “cupim da tranquilidade e da ordem”.4 Nessa figuração, o
que se sugere é que ele mina lentamente o edifício social que,
ameaçado de desabamento, inspira desassossego e medo. A sua
ação é, no entender de Vargas, “subversiva e demolidora, visan-
do por todos os meios implantar e sistematizar a desordem”;5
por isso, o presidente a considera “falha de qualquer sentido
construtor e orgânico”. A ação construtora, uma vez oposta
à ação demolidora, é indiretamente afirmada pelo presidente
como característica da ordem, a qual pela sua organicidade, é
sutilmente apontada como condição da perfeita saúde do social,
entendido este como um conjunto orgânico de formas, normas
e princípios. Com que argumento o discurso da ordem atribui
ao comunismo sua enorme potencialidade destrutiva do social?
Como se fundamenta a acusação de que os comunistas subvertem
as bases da sociedade?
Um bom começo para chegarmos a esses argumentos e fun-
damentações nos é dado pela definição “orgânica” da ordem.
209
A vida orgânica pressupõe hierarquia. E a quebra da hierarquia
agride um dos princípios básicos da ordem. E os comunistas,
ao reivindicarem a igualdade, ferem esse princípio e introduzem
um elemento de irracionalidade na racionalidade da vida social
afirmada, no entender de muitos, na desigualdade:
210
ridículo porque a população é analfabeta, Macedo Soares critica
a revolução de 1930 por ter no fundo favorecido pretensões tão
absurdas como a de Prestes:
211
colocando-as como fator de coesão social — porque a coesão
social e a hierarquia que a sustenta não resistem à desordem:
212
desencadeio das paixões de toda a natureza, das ambições de
todo o gênero, em que se mesclam sentimentos e aspirações”.
O embate aqui é entre a razão e a paixão. A paixão é o que
obceca o espírito, faz perder o senso das realidades, conduz até
à injustiça. A razão, ao contrário, implica a união consciente das
vontades que colocam a salvação coletiva acima dos egoísmos,
das vaidades, dos ressentimentos, das ambições; essa união pre-
tende vencer as forças dissolventes, os fatores desintegrantes. A
paixão é expressão do conflito, da contestação, dos interesses
de classe; a razão é defesa do princípio da harmonia. Por isso,
o sentimento de unificação da vontade pressupõe a necessidade
da disciplina individual e coletiva:
213
A disciplina é o que vem, assim, garantir a estabilidade, en-
quanto duração no tempo da ordem organizada em torno da
família, da propriedade, da lei, dos valores da civilização cristã.
Se é preciso disciplina para o indivíduo não se deixar levar
por sentimentos e ideias suscitadas e divulgadas pela propaganda
comunista, é porque a disciplina é atributo da razão, e a ideo-
logia e a ação comunistas são irracionais. Por serem destituídas
de razão, as ideias comunistas são, no dizer de um parlamentar,
“miragens sedutoras e irrealizáveis”.13 O comunismo é “praga
tartárica”, é “fruto de cérebros enfermos pelo ódio”, segundo o
general Newton Cavalcanti;14 retorno à lei da barbárie;15 a sua
igualdade é uma utopia que contraria a lei da natureza;16 e os que
a percebem como um perigo é porque a veem “com os olhos da
razão”;17 e as suas promessas são falazes.18 Enfim, o comunismo é
loucura, é delírio, é paixão, é barbárie, é atraso, é irracionalismo,
traz indisciplina e desordem. Subverte a moral familiar, por ser
contra a normalidade legal do casamento e a favor do divórcio
e da igualdade de direitos entre homens e mulheres; subverte a
hierarquia social, ao pressupor a igualdade entre os homens;
subverte a ordem política, ao pregar a revolução e o fim do poder
das elites; subverte a ordem econômica, ao pretender eliminar a
hierarquia do trabalho, escudada na divisão entre proprietários
e não proprietários, entre patrões e empregados.
Contra essa desordem é que, à defesa do princípio da disci-
plina se soma o reforço da defesa do princípio da autoridade.
Ora, a autoridade, a nosso ver, diferentemente do que pensa
Arendt (1972), pode constituir-se em pessoas, instituições e
organizações, bem como atuar através de normas de conduta,
usos e costumes estabilizados no tempo. Ela está presente na
micro e na macropolítica. São relações de autoridade e relações
de poder, a dos pais sobre os filhos, dos mestres sobre os alunos,
dos empresários sobre os trabalhadores, do chefe militar sobre
seus subordinados e do governo sobre os cidadãos. Daí que a
“autoridade” pressupõe obediência à ordem e, por ela é neces-
sário, no âmbito da família,
214
(...) reforçar a autoridade do pai, no campo do ensino a autorida-
de dos docentes, na administração a autoridade dos superiores e na
economia a autoridade dos industriais. O modelo dessa organização
social vem dado pelo exército com sua rígida hierarquia de superiores
e subalternos (Kühnl, 1982, p. 153).
215
reforçam eles próprios sua condição de modelo a ser seguido pela
sociedade. Assim é que o general Gaspar Dutra, após o golpe
de 1937, numa proclamação do Exército, no Dia da Bandeira,
afirma que três vocábulos definem o programa da Instituição:
216
Prestes, a crise de autoridade “desemboca no projeto de restau-
rar a racionalidade (leia-se ordem) através da racionalização da
autoridade (leia-se através da burocracia política e administra-
tiva)” (p. 128).
Por isso, é preciso fortalecer a autoridade do poder central
no combate “à onda de anarquia e desordem que quer dissolver
a Nação”.21 Como fazê-lo? Apoiando as medidas políticas de
caráter legal e administrativo adotadas pelo governo federal
no combate ao comunismo, tais como o estado de sítio, como
é defendido por Macedo Soares,22 o estado de guerra, a criação
do Tribunal de Segurança Nacional, a ampliação da Lei de Segu-
rança Nacional, a mobilização dos efetivos policiais nos estados.
Enfim, pela solidariedade a Getúlio Vargas que é manifestada
pela classe política através de uma retórica deste tipo:
217
A consciência das nossas responsabilidades indicava imperativa-
mente o dever de restaurar a autoridade nacional, pondo termo a essa
condição anômala da nossa existência política que poderá conduzir-
-nos à desintegração, como resultado final dos choques de tendências
inconciliáveis e do predomínio dos particularismos locais.25
218
também, que eles empreguem na sua atuação, processos de evidente
desinteresse e claramente bem intencionados.28
219
total e a anarquia do Brasil. Primeiro porque nenhum dos grupos que
se chocam tem ainda organização, orientação e base histórica para
controlar o poder. Segundo porque, embora fracos, serão em breve,
dentro de dois ou três anos, mais fortes que o governo e poderão
arrancar-lhe, em algumas partes do território nacional, a autoridade
vacilante que lhe escapa das mãos.31
220
Nos períodos de crise, como o que atravessamos, a democracia de
partidos, em lugar de oferecer segura oportunidade de crescimento e
de progresso, subverte a hierarquia, ameaça a unidade pátria e põe em
perigo a existência da Nação, extremando as competições e acendendo
o facho da discórdia civil. (...) O sufrágio nacional, passa, assim, a ser
instrumento dos mais audazes e máscara que mal dissimula o conluio
dos apetites pessoais e de corrilhos.32
221
quais passava o projeto, ainda em fevereiro de 1935. A alteração
do projeto, segundo ele,
222
vem escorado sob o discurso da lei e, em última instância, sob
o discurso da justiça (Lefort, 1974).
Também D. Sebastião Leme, ao descrever os perigos do co-
munismo, numa operação ideológica, faz a ligação entre ordem
e lei ao afirmar que “no caos, não há lugar para governos nem
para legisladores”.35
O escritor Oscar Mendes é enfático na sua defesa do Tribunal
de Segurança Nacional:
223
O terreno da lei surge, assim, como um espaço privilegiado
para a racionalização da autoridade e para a ocultação do discur-
so da violência, uma vez que este utiliza a linguagem da ordem
e da lei. E será em nome da tranquilidade pública, dos direitos
dos cidadãos, da consciência cívica e moral, das instituições e
do progresso que a repressão se negará enquanto violência e
enquanto censura. Ouçamos Getúlio Vargas:
224
16); de paralisação de serviços públicos e de abastecimento da
população (art. 18); de greve de empregados e empregadores (art.
19); é crime, ainda, promover, organizar ou dirigir sociedades de
qualquer tipo que subvertam ou modifiquem a ordem política
e social, sem consentimento da lei (art. 20); e a especulação
fraudulenta e artificiosa dos preços dos gêneros de primeira
necessidade (art. 21). A lei proíbe também a propaganda de
processos violentos para subverter a ordem política (no que
diz respeito à integridade, soberania, independência da nação
e funcionamento das instituições) e a ordem social (no que se
refere: ao regime jurídico da propriedade, da família e do tra-
balho; aos direitos e garantias individuais, tal como previstos
nas leis; à organização e funcionamento dos serviços públicos e
de utilidade pública; aos direitos e deveres entre os indivíduos
e as pessoas de direito público).
Diante de tal interdição do espaço público, pode-se considerar
um desdobramento natural as disposições da lei que vedam a
impressão, a venda, a exposição e a circulação de gravuras, livros,
panfletos, boletins, nacionais ou estrangeiros, considerados aten-
tatórios à ordem política e social (art. 26), bem como a proibição
da existência de partidos outros, agremiações de qualquer tipo
que “visem” à mesma subversão (art. 30).
O cerco aos partidos e associações se completa com uma série
de medidas autorizadas ao governo pela lei: para que feche as
agremiações existentes, mesmo já tendo adquirido personalidade
jurídica, à suspeita de que exerçam atividade subversiva; para
que casse o reconhecimento dos sindicatos pelo mesmo motivo,
bastando a requisição do chefe de polícia; para que afaste ou
exonere dos seus cargos os funcionários públicos e civis que se
filiarem a associações proibidas; bem como para que afaste do
comando os militares e os professores das cátedras. Embora a
classe operária organizada seja um dos alvos principais da lei,
a bem da verdade, é preciso que se diga que esta alcança o con-
junto dos cidadãos. As suas primeiras vítimas de maior impacto
público, no plano das organizações, foram a Aliança Nacional
225
Libertadora, a União Feminina do Brasil e a União de Luz Ope-
rária Russo-Branca-Ukraniana, fechadas, por decreto, entre julho
e agosto de 1935.41 A elas se sucedem os vários fechamentos de
sindicatos e associações.
Após novembro de 1935, já em plena vigência do Estado de
Sítio, o círculo de ferro da lei é reajustado para garantir o recru-
descimento da repressão, sendo definidos novos crimes contra
a ordem política e social42 e ampliadas as penalidades. Assim,
passam também a ser crime o abuso da liberdade de crítica para
injuriar os poderes públicos e os seus agentes, bem como as
manifestações de desprezo, desrespeito ou ódio contra as Forças
Armadas através, em ambos os casos, de palavras, gravuras ou
inscrições. É introduzido,“a bem da disciplina e da segurança das
instituições”, o dispositivo que permite aposentar funcionários
públicos e reformados militares das forças armadas e da polícia
quando incursos na Lei de Segurança.
Outra mudança importante, quanto aos funcionários, é a que
os torna inabilitados pelo prazo de dez anos para cargos públicos
em serviços subvencionados, mantidos, fiscalizados ou de conces-
são do governo. Da mesma forma, essas empresas ou institutos
ficam proibidos de manter em seu quadro trabalhadores filiados
a organizações e partidos proscritos, ou que tenham cometido
há menos de dez anos qualquer infração à Lei de Segurança.
A lei passa, ainda, a obrigar que as empresas de publicidade
registrem nas chefaturas de polícia, com prazo previsto para as
atualizações, o nome, a nacionalidade e a residência de todos os
membros do seu quadro de pessoal — dos diretores e redatores
aos operários.
Por outro lado, o Ministério do Trabalho fica autorizado a
permitir às empresas a dispensa de empregados, sem indenização,
se ficar constatada a filiação de alguns deles a partido ou organi-
zação clandestinos, proibidos pela lei, e o governo é autorizado a
cancelar permissão de funcionamento e fechar estabelecimentos de
ensino que não excluírem os diretores, professores e funcionários
filiados às organizações ilegais.
226
Dentro desse mesmo espírito, o governo consegue alterar a
Constituição, acrescentando-lhe, entre outras emendas, a que o
autoriza a equiparação do Estado de Sítio ao Estado de Guerra.43
A esse respeito, vale a pena registrar a afirmação do chefe de
polícia, Filinto Muller:
227
ilusão de que é protegido. De outro, ela permite que o raio de
operação da lei se amplie de tal forma até o cidadão comum,
na pessoa, próxima e constante, do comerciante, do agiota, dos
proprietários de imóvel, que a ação da lei é sentida e acompa-
nhada constantemente por todos e, consequentemente, também
temida por todos. Como esse delito, também o de injúria e o de
calúnia vão permitir grandes vantagens aos principais interes-
sados na ordem. Isso porque, como nem sempre existem provas
materiais concretas, vale a palavra de um contra a dos outros,
o que acarreta o aumento da vigilância de uns sobre outros e os
acertos de contas entre desafetos, como provam certos processos
motivados por denúncias com argumentos absurdos, pueris e
frágeis, que indicam motivos pessoais, atestados, inclusive, em
despachos de juízes que indicam o fato.47 Particularmente durante
o Estado Novo, o maior número de processados pelo tribunal
se encontra nessas categorias de infratores.
Tomando como exemplo o Estado de Minas Gerais, é possível
perceber a amplitude desses dispositivos estratégicos da ordem.
Entre 1936 e 1945, encontramos processados no estado — in-
dependentemente do célebre processo 01 que envolveu somente
os implicados nas insurreições principais de 1935 — algo em
torno de seiscentas e cinquenta pessoas.48 Destas, em torno de
trezentas são denunciadas por crime contra a economia popular;
duzentas e cinquenta e sete são processadas por crime contra
a ordem, a segurança e integridade do Estado; e setenta e três
por injúria, calúnia, desacato. O maior número de processos é
aberto após novembro de 1937 quando os dispositivos estraté-
gicos mencionados são utilizados em toda sua amplitude. O que
queremos ressaltar, pela avaliação dos processos examinados,
é que a condição estratégica desses tipos de delito permitiu
um maior submetimento dos cidadãos. Afirmamos isso por
dois motivos principais: primeiro, porque há a precariedade
e o ridículo das denúncias feitas, as quais, porém, são sempre
acolhidas; segundo, porque existe o dispêndio de tempo e de
pessoal na averiguação das denúncias e a posterior absolvição
228
da maioria dos implicados, ao contrário do que acontece no
caso dos crimes contra a segurança que, mesmo com absolvições
anteriores bem fundamentadas por juízes federais seccionais dos
Estados, são objeto de severas condenações.49 A nossa avaliação
é que, mesmo quando absolvido, o cidadão já sentiu no corpo
o olhar acusatório dos cruzados da ordem e da moralização,
o peso da punição de caráter exemplar e o seu submetimento
à execração pública. Por tudo isso a ordem ganha um enorme
aliado: o medo.
E, enfim, a lei, ao precisar minuciosamente todos os pontos
que necessita resguardar, tendo em vista a “absoluta” manutenção
da ordem, acaba por revestir essa última de uma nova feição que
realimenta o medo: a feição policial. Pois toda essa malha legal
vai propiciar um aumento da máquina policial e do seu poderio.
Poderio este definido assim por um delegado de polícia:
229
Ainda continua insidiosa a propaganda subversiva, que se exerce
na Capital como no interior, exigindo exaustivo trabalho de vigilân-
cia e repressão. A polícia descobriu focos de propaganda, apreendeu
boletins francamente extremistas, ouviu centenas de pessoas e realizou
prisões de caráter preventivo, instaurando processos, de acordo com
as leis em vigor. (...) O fechamento da Aliança Nacional Libertadora,
cuja ação pertinaz se fazia sentir em Minas, deu causa a que a polícia
realizasse inúmeras diligências com o fim de fechar os núcleos dessa
agremiação aqui existentes, que, em alguns municípios, se achavam
armados e municiados.
Posteriormente, a apreensão de documentos dos arquivos de Luiz
Carlos Prestes e dos de seu secretário deu a conhecer o plano extremista
no setor de Minas. Informada a respeito pela polícia carioca, nossa
polícia procedeu a numerosas pesquisas, realizando busca e prisões
julgadas necessárias para maior esclarecimento (...) A delegacia da
ordem pública (...) não deixou em segundo plano os serviços adminis-
trativos. (...) Iniciou-se, em obediência à Lei de Segurança, o registro
de empresas de publicidade e organizou-se o cadastro das agremiações
de caráter extremista existentes no Estado.
230
A polícia civil do Estado, que foi incansável no cumprimento do seu
dever, agiu prontamente na repressão do comunismo acompanhando
a atividade dos seus agentes, processando-os e entregando-os à justiça.
231
expulsões das cidades, perseguições a funcionários públicos
(através de demissões, afastamentos, remoções), invasões de
domicílio nas madrugadas, ameaças de morte.55 A situação é
avaliada da seguinte forma por um jornal:
232
O perigo extremista era iminente, mas o povo não julgava assim,
e apontava a polícia como interessada em manobras políticas. Os
adversários do governo articulavam contra nós da polícia as piores
acusações, dizendo que os assassinatos, atentados e uma série de crimes
praticados pelos extremistas eram de nossa autoria, para justificar
medidas excepcionais. Nunca se praticaram tantas injustiças contra
a polícia civil, não obstante o zelo que ela mantinha, como jamais,
em favor do regime e das instituições. A polícia (...) tem feito tudo
para o bem coletivo: os funcionários estão extenuados, mas sempre
prontos para novas vigias.57
233
Um projeto de reforma do aparelho policial, elaborado pelo
chefe de polícia do Estado de Minas Gerais, vai motivar o se-
guinte editorial:
234
discutem-se variadas medidas, entre as quais destacamos: o
estabelecimento da polícia de carreira; a criação de escolas de
instrução para investigadores; a ampliação do quadro policial,
para evitar o desvio dos delegados especializados do serviço
policial-técnico para outras funções; a instituição de escoltas
volantes aparelhadas e equipadas, chefiadas por um delegado
especial de capturas, para agilizar as prisões.60 Enfim, pleiteia-se
uma polícia bem remunerada, feita por bacharéis, e com bons
auxiliares.
Quanto à modernização, uma das medidas demandadas é a
da criação de um laboratório técnico-policial.61 Essas providên-
cias são objeto de discussão, em nível nacional, no Congresso
dos Chefes de Polícia e Secretários de Segurança dos Estados,
realizado no Rio de Janeiro em 1936,62 liderado por Filinto
Muller, dele participando os ministros da Justiça, Vicente Rao,
da Marinha de Guerra, do Trabalho e das Relações Exteriores.
Na ocasião, foi assinado um convênio entre a Secretaria de
Segurança, as chefias de polícia do Distrito Federal e dos Es-
tados que — além da integração e uniformização da ação das
Secretarias visando a melhor eficácia da repressão, da vigilância
e da informação policial referente à ordem pública e social —
previa a reforma técnico-administrativa do aparato policial. A
partir desse convênio, instituem-se numerosas medidas: inicia-se
a especialização dos serviços de ordem pública e social,63 o que
ocasionou o desmembramento das delegacias de ordem pública;
cria-se um serviço especial destinado a fiscalizar o comércio e
o uso de armas, explosivos e munições; organizam-se os cursos
de investigação criminal e de instrução física e defesa pessoal;
estabelece-se também um serviço especial para o controle dos
estrangeiros.
O convênio prevê ainda um arquivo geral da polícia, para
onde seriam enviadas as fichas de voluntários ao Exército e pre-
tendentes à ocupação de cargos públicos. Além disso, determina
aos postulantes a cargos sindicais a exigência da folha corrida e
235
apresentação prévia ao Ministério do Trabalho para que este ob-
tenha da polícia as informações dos antecedentes dos candidatos.
Aqui, o poder, de forma contraditória, aparece mascarado
duplamente:
236
Gerais, com a criação por decreto-lei de duas comissões: uma
para formular sugestões no sentido de maior eficiência do ensino
cívico e do combate ao comunismo nas escolas (decreto n. 1.007);
outra para orientar a propaganda anticomunista, por meio de
jornais, revistas e radiodifusão, e fazer censura a todas as obras
de caráter didático, técnico, político, social ou simplesmente
literário, que tenham por finalidade propagar ideias comunistas
(decreto n. 1.008).66
Agora resta perguntar se os comunistas e os aliancistas con-
frontam esse discurso da ordem do qual são o alvo e as vítimas
preferenciais. Nessas circunstâncias, como não poderia deixar de
ser, eles têm a concreta dimensão do clima gerado pela repres-
são, que é amargamente vivenciado por eles. O coronel Felipe
Moreira Lima, preso a pedido da Comissão de Repressão ao
Comunismo, acusado de participar do levante militar de vinte
e sete de novembro de 1935, no Rio de Janeiro, escreve num
comunicado ao povo e ao Exército:
237
O combate ao extremismo é também considerado por um
grupo de oficiais “como uma rendosa indústria”, a qual era ali-
mentada com “repetidas descobertas espetaculares de complôs
e arquivos e delações de todo calibre”.69
Contudo, apesar das denúncias de mentira, da exploração do
perigo comunista, do clima de medo, da prática do terror e da
tortura, das perseguições e prisões arbitrárias, se se observam os
documentos do Partido, percebe-se como ele mantém intocado,
sem discussão das diferenças de tratamento desses temas no
campo dos discursos e das práticas políticas, dois dos principais
sustentáculos da ordem: a disciplina e a autoridade. Com isso, os
comunistas deixam de trabalhar — no sentido da construção da
cidadania e da democracia — um dos eixos básicos das relações
de dominação.
As questões relativas à ordem, à lei e à autoridade sempre
estiveram no centro das reflexões dos pensadores políticos clás-
sicos e contemporâneos ao enfrentarem o enigma da origem do
conhecimento sócio-histórico, além dos desafios da vida social
e da sua permanência, continuidade ou ruptura. Hobbes, Rous-
seau e vários outros, cada qual a seu modo, tentaram responder
a essas questões que envolvem a existência da ordem social. A
existência mesma da sociedade tem sido identificada à emergência
da ordem e da lei seja no plano do contrato social, seja no plano
do pacto edípico, como quer Freud.70 O que queremos ressaltar
é que essas questões ocupam um lugar cativo na política e delas
dependem as chances de construção de um espaço democrático.
A sua presença pura e simplesmente nos vários discursos políticos
oriundos do social por si só não desqualifica nenhum deles nem
os iguala. O que os iguala ou diferencia é o uso ou não da sua
retórica enquanto instrumento de dominação política. Nessa
parte, vejamos como se saem os comunistas.
Numa circular aos camaradas,71 o Partido, já no fim dos anos
de 1920, chama a atenção para alguns artigos de seu estatuto
que se referem à disciplina, os quais definem que “a mais se-
vera disciplina do Partido constitui o primeiro dever de todos
238
os membros e de todas as organizações do Partido” (art. 42), o
que implica a obediência e aplicação imediata das decisões das
instâncias superiores. “Todo ato de indisciplina acarreta sanções
da parte dos órgãos correspondentes do Partido” (art. 43). As
sanções implicam censura, destituição, substituição e dissolução,
quando se tratar da organização; e censura no Partido, censura
pública, destituição das funções e exclusão, no que concerne a
seus membros. A circular insiste na necessidade da disciplina
associando-a ao ato de “apertar os parafusos da máquina. Do
contrário, a máquina arrebentará por frouxidão”. Como a
disciplina implica obediência aos estatutos da organização, a
circular repassa os “deveres elementares” de cada camarada,
os quais incluem o vínculo a uma célula, a participação regular
nas assembleias, o pagamento das mensalidades, o vínculo ao
núcleo sindical da sua corporação e a participação nas reuni-
ões, a execução das tarefas que o partido atribuir e, por fim,
a comunicação à célula das eventuais mudanças de emprego,
endereço etc.
O significado dessas determinações estatutárias para a de-
mocracia interna do Partido coloca a questão da disciplina e
da autoridade dentro do Partido em condições semelhantes às
que elas ocupam dentro do discurso da ordem, emitido pelo
poder. Assim, em agosto de 1935, quando o Partido assume na
ilegalidade a direção integral da ANL, aqueles que se opõem
à fala “una” de “ordem” do Comitê Central do Partido e do
“Governo Popular Nacional e Revolucionário” são acusados,
num documento do Comitê,72 de “elementos podres conhecidos
por suas bagagens contrarrevolucionárias” (p. 7). Também
os trotskistas são execrados como inimigos do Partido, como
aqueles que
239
Ao se oporem às discordâncias com a sua linha política, os
comunistas e o Comitê Central instituem um discurso interno
da ordem, no qual as transgressões doutrinárias constituem
desordem grave, e os transgressores, objeto de severa punição
pela nova ordem social a ser instalada: a ordem da revolução.
A disciplina, com vistas a esta ordem, é afirmada sem rodeios:
240
vigorosa e serena, na aplicação, sem vacilações, da linha do C.C. e
férrea disciplina bolchevique. Deste modo o PC marcha dono de si
mesmo, objetivando os próximos combates revolucionários (p. 12).
(...) não imposta contra a vontade do povo e por cima da sua so-
berania inviolável, mas criada e sustentada pelo próprio povo, pelo
seu voto e aprovação conscientes, submetida aos imperativos das suas
aspirações, guiada pelos seus ditames e desígnios inabaláveis.76
241
Esses ditames e desígnios inabaláveis, ao conferirem ao Co-
mitê Central do Partido a sua condição de infalibilidade para
impor tais exigências disciplinares, colocam no mesmo plano
do discurso das classes dominantes a afirmação da autoridade.
O que mais assombra é ver o Comitê Regional do PCB de
São Paulo, nesse mesmo documento, endossar o discurso da
repressão e da ordem pública:
242
delimitam na cena política pública um espaço de desordem: o
ocupado pelos adversários. A restauração da ordem, portanto,
exige a sua completa eliminação. A repressão aos integralistas é
solicitada no mesmo documento, no qual o apoio ao interventor
Ademar de Barros é manifesto e chamado de “frente comum” e
o Partido incita a população a pleitear
243
acreditar que conscientemente você aceite o que se está fazendo e se
preste a servir de instrumento a esse delírio.78 (...) O que pretendo
é que você use a sua influência sobre a direção, no sentido de que
se realize essa conferência ou congresso, a fim de que seja ouvida a
opinião da base do Partido. Proponho isso a você diretamente em
carta porque, dada a anarquia orgânica a que já me referi, a mais
completa inexistência de uma verdadeira democracia interna e uma
ativa vida política das organizações do Partido, não se pode ter mui-
tas esperanças na convocação de uma conferência por vias normais.
Para essa conferência ser fecunda, seria, entretanto, necessário que
(...) fosse precedida por uma ampla discussão interna nos órgãos e
na imprensa do Partido, de todos os problemas do momento. Seria
preciso que os documentos e as opiniões de todo o mundo pudessem
circular por todas as células e sofrer um exame cuidadoso, sobre a
base de um debate continuado, de todos os camaradas. As teses que
fossem levantadas seriam publicadas e submetidas às críticas de
todos. Assim, quando chegássemos à conferência todos estariam a
par das opiniões existentes, e poderiam, em perfeito conhecimento
de causa, adotar a posição que lhes parecesse preferível.
244
também entrou em cena um clássico componente do discurso
da ordem: a vigilância.
O Comitê Central do Partido, como vimos, não só recomen-
dava a vigilância ideológica contra os transgressores teóricos do
Partido, como falava da vigilância revolucionária, ao se referir
aos fracionistas, afirmando:
245
De onde o Partido retira o seu poder, revelado em seu dis-
curso de ordem através da exigência de obediência, respeito à
hierarquia, disciplina e necessidade de vigilância? Pensamos que
ele o retira do controle do estatuto da palavra:
246
operário e popular antes da Revolução, na luta pelo poder e depois
da instauração do Governo Soviético. Por isso ele é composto dos
melhores elementos da classe operária, os mais combativos, os mais
clarividentes, os mais dedicados. É ele, a sua vanguarda, o seu estado-
-maior organizado, o seu principal instrumento de luta contra o regime
capitalista. (...) O PC não substitui as massas, porém está à frente, é
o seu guia. (...) Tem uma disciplina interna severa e obrigatória para
todos e seus princípios se assentam no socialismo de Marx, Engels,
Lenin e Stalin: — o marxismo leninismo.83
247
O Partido assume a missão de guia das massas não só por
se considerar intérprete da sua vontade mas, sobretudo, pela
convicção de que a posse da verdade teórica do marxismo lhe
confere o atributo da razão.
Em virtude de sua capacitação política e teórica, e em virtude
de conhecerem as leis científicas da evolução histórica rumo à
felicidade (socialmente organizada), e à realização, pela igual-
dade, do sentido plenamente humano do homem dentro do
socialismo, os comunistas se consideram as pessoas aptas e ade-
quadas para conduzir a construção de uma nova ordem social.
Em nome da razão, eles se julgam artífices do progresso. Afinal,
se os comunistas detêm um saber sobre a alteridade social, que
lhes permite, através da utopia revolucionária, representar o
futuro, eles não poderiam deixar de lado o progresso, pois a
representação do futuro é a realização do progresso.
A ideia de progresso,87 por estar ligada à de invenção técnica,
industrialização e urbanização implica um
248
despovoadas, na falta de unidade, na soberania ameaçada, nos
seus habitantes analfabetos, na sua estrutura econômica pecu-
liar por suas origens históricas, nos defeitos da legislação, nas
fontes de riqueza desarticuladas ou inativas, nos chefes políticos
demagógicos.
Como veremos, à frente, também nesse ponto, convergem
comunistas e anticomunistas, revolucionários e contrarrevolu-
cionários.
A força da ideia de progresso, no discurso comunista, aparece
ligada a algumas imagens, em especial. Uma delas é a imagem
da máquina, à qual o Partido é associado, tal como o vimos an-
teriormente com relação ao problema da disciplina. A imagem
da máquina e do ajuste dos parafusos não só sintetiza a ideia de
progresso como sugere a de controle e racionalização da atividade
econômica que lhe é complementar, tal como esteve presente no
imaginário dos homens que fizeram a revolução russa (Marson,
1987a). Outra imagem é a da juventude, da qual se diz “que
nada poderá deter seu ímpeto construtor”,88 porque aparece
aliada à afirmação da reivindicação, por parte dos jovens, de um
Brasil grande, industrializado, independente econômica, moral
e politicamente.
Se a imagem da juventude se presta à ideia de que o crescimen-
to — como o progresso — não pode ser interrompido, a ideia de
senzala e casa-grande vai sugerir escravidão e, ao aparecer aliada
ao imperialismo, associa-o ao passado e portanto ao atraso:
249
independência para se alcançar o progresso porque as nossas
riquezas estão inativas para os próprios brasileiros:
250
pesada com a exploração nacionalizada do ferro, do carvão e do
petróleo. No plano social, inclui a liquidação do desemprego, a
assistência aos desamparados, a moradia do pobre — barata e
higiênica —, o rebaixamento do preço dos aluguéis, dos gêneros
de primeira necessidade, o aumento dos salários, a aplicação da
legislação social, o saneamento das áreas insalubres, a criação
de hospitais e escolas primárias em todo o Estado.93
A perspectiva do progresso e da prosperidade se escuda,
portanto, no desenvolvimento das forças produtivas e na efe-
tivação e ampliação de medidas de amparo e assistência social
aos trabalhadores. Contudo, os comunistas sustentam que a sua
luta “é uma luta pela cultura, pela inteligência, pelo trabalho,
pela civilização e pelo progresso”.94
E a escola é o que vai levantar o nível cultural para permitir
que todos gozem da riqueza e da civilização existentes.95 A rique-
za depende, pois, do progresso e o progresso depende sobretudo
do trabalho. Este sim será o valor supremo que vai garantir a
construção de uma nova ordem social. Por isso se fala em “mou-
rejar pelo progresso”, em “labor perseverante” e se pede que o
povo trabalhador brasileiro compreenda que é seu dever “dar ao
Brasil braços mais fortes e inteligências mais esclarecidas”.96 E o
trabalho é o que vai permitir “a alegria dos corpos fartos e dos
espíritos felizes”.97 É ele a ferramenta que vai ser utilizada pelos
comunistas, arquitetos da sociedade do futuro, para manter em
funcionamento a máquina do progresso e da história, que eles
pretendem acelerar pela revolução.
A associação ordem/progresso/desenvolvimento também se
faz presente no discurso de empresários, de parlamentares e de
autoridades governamentais. Vale a pena registrar algumas dessas
associações, principalmente quando elas enriquecem o quadro
de referências do discurso da ordem e facilitam a percepção da
essência orgânica do princípio da ordem. É o caso do discurso
de um membro das empresas de Raul Leite, então presidente da
Federação das Indústrias do Distrito Federal, acerca da trajetória
do grupo empresarial:
251
Hoje é a grande organização vivendo em simbiose com a vida
nacional. Por todo o Brasil estendem-se as filiais desse organismo.
Em cada cidade brasileira vivem e palpitam no movimento contínuo
do intercâmbio comercial, as 27 filiais que repercutem o pulsar do
aparelho central, a produção. E para que todos esses órgãos funcionem
na sinergia da força e na harmonia do ritmo nós, as células desse orga-
nismo, trabalhamos unidos, integrados na mesma ideia, nos mesmos
objetivos. O sincronismo da nossa ação é a expressão da irradiação
central do comando. É a ordem perfeita estabelecida no conjunto. E
como o progresso é o desenvolvimento da ordem, o organismo evolu-
cionará cada vez mais brilhante para os melhores destinos.98
252
são destrutivas e exigem energia para que sejam refreadas. No
fundo, a ideia que é passada é a de que são os pilares da ordem
material que dão à sociedade a garantia da sua existência e a
sua estabilidade, e que é a favor do seu solapamento que as
perturbações da ordem se vêm instalar.
Aqui, o progresso é a bandeira que legitima o poder da re-
pressão:
253
imaginário, as invenções técnicas ocupam lugar importante,
que vem bem consignado no simbolismo criado em torno do
“caminho de ferro” e da locomotiva, recentemente estudado por
Hardman (1988) e Marson (1978b). A palavra “fecundo”, além
de significar produtividade, também significa o que dispõe de
artifícios, recursos, inventivo, criador. O “trabalho fecundo” é,
portanto, um trabalho produtivo, inventivo, criador. O vocábulo
produtivo, por sua vez, sugere “abundância”, outra ideia forte
do imaginário do progresso. A “livre expansão”, por sua vez, é
uma expressão que nos remete ao alargamento, à ampliação, à
abertura incontida do caminho do futuro, também indissociável
da imagem de progresso.
Filinto Muller é outro que recorre a esse imaginário, ao
enfatizar a necessidade da ordem para o desaparecimento do
perigo e para “a volta ao país de uma era de tranquilidade,
trabalho construtivo e prosperidade”.102 De novo, construtivo
são o progresso e a abundância.
A palavra perigo, que aparece aqui em vários outros textos
citados, é, segundo Chaui (1978), um nome preciso para desig-
nar a divisão, o conflito e a contradição dentro da esfera social
e, simultanemente, obscurecer-lhes o real significado. Como
a crise “serve para opor uma ordem ideal a uma desordem
empírica” (p. 128), é possível entender a ênfase posta na asso-
ciação entre tranquilidade, trabalho construtivo, prosperidade
e os discursos que reforçam a ideia da unidade de todos para
vencê-la. Essa ênfase encontramos, por exemplo, nas palavras
dos empresários. Estes, ao apoiarem o Estado Novo, afirmam
que as atitudes das classes produtoras das vinte e uma unidades
(“que formam o todo uno e indivisível do Brasil”) sempre se
situaram dentro do sentido da nacionalidade: “(...) os brasileiros
de boa vontade, irmanados num só ideal de fraternidade e de
concórdia, unificarão as reservas de sua energia criadora pela
grandeza e prosperidade da República”.103 E essa “ordem ideal”
pressupõe a ausência do conflito, da diferença e da contradição,
negados pela força, pressupondo igualmente a afirmação do
254
entendimento e da colaboração de todos no reerguimento na-
cional. Afinal, “o fantasma da unidade social sempre termina
por apagar as diferenças no interior da vida pública, à força
do silêncio ou da repressão física, direta sobre os oponentes”
(Romano, 1981, p. 23).
Vejamos como é feito o apelo pela unidade no seguinte edi-
torial:
255
una, para lhe dar o arremate final e assim concluir o edifício da
dominação totalitária:
NOTAS
1
DISCURSO do deputado Paulo Pinheiro Chagas. In: Minas e seu pensamento
político: discursos pronunciados na manifestação do povo de Minas a S. Excia.
o Sr. Governador Benedicto Valladares Ribeiro, por motivo do congraçamento
político mineiro. Belo Horizonte, 1936. p. 66.
2
DISCURSO de D. Sebastião Leme. In: O Discurso de S. EM. o Cardeal Legado.
O Diário, Belo Horizonte, p. 1, 7 jul. 1936.
3
O BRASIL é por Cristo hoje e por Cristo o será eternamente. Encerramento do
Segundo Congresso Eucarístico Nacional. O Diário, Belo Horizonte, p. 1, 7 jul.
1936.
4
O MONSTRO de mil cabeças. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 25 mar. 1936.
5
DISCURSO de Getúlio Vargas à Nação brasileira, 1 jan. 1936. Boletim do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 17, jan. 1936.
6
CARVALHAES PAIVA, J. O comunismo e seus perigos. Estado de Minas, Belo
Horizonte, p. 7, 21 mar. 1931.
7
AINDA a democracia. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 15 jan. 1936.
8
MACEDO SOARES, J. E. de. A Situação. Estado de Minas, Belo Horizonte,
p. 2, 27 nov. 1935.
9
PERIGO imenso. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 1 out. 1937.
10
DISCIPLINA individual e coletiva. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 31
out. 1937. (Editorial).
11
NECESSIDADE de disciplina. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 27 out.
1937. (Editorial).
12
DRUMMOND, Magalhães. Discurso de paraninfo dos bacharéis em Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1937. p. 13.
13
DISCURSO do deputado Camillo Alvin. In: Minas Gerais, Anais da Assembleia
Legislativa 1935, Belo Horizonte, 1936, p. 690. v. II.
256
14
DISCURSO pronunciado pelo general Newton Cavalcanti em romaria ao
Cemitério São João Batista. Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, n. 38, p. VI-VII, out. 1937.
15
TRABALHO de Sapa dos comunistas. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 2, 4
nov. 1937.
16
COMENTÁRIOS. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 30 ago. 1936.
17
OS CATÓLICOS e o comunismo. Argus: revista policial, Belo Horizonte, p. 1,
nov. 1936.
18
PERIGO imenso. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 1 out. 1937.
19
O EXÉRCITO e a disciplina. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 15 dez. 1935.
20
ESTADO DE MINAS. Belo Horizonte, p. 2, 21 nov. 1937.
21
DISCURSO do vereador Alberto Deodato pelo município de Belo Horizonte.
In: Minas e seu pensamento político, op. cit., p. 94.
22
MACEDO SOARES, J. E. de. A situação. Estado de Minas, Belo Horizonte,
p. 2, 27 nov. 1935.
23
DISCURSO do deputado Abílio Machado. In: A manifestação de solidariedade
feita ontem no Palácio da Liberdade ao Sr. Benedicto Valladares pelas bancadas
progressista e classista. Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 10, 27 nov. 1935.
24
DISCURSO do governador Benedicto Valladares. Estado de Minas, Belo
Horizonte, p. 10, 27 nov. 1935.
25
MANIFESTO do presidente Vargas à Nação brasileira. Boletim do Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 39, p. VIII-IX, nov. 1937.
26
DISCURSO do vereador Tancredo de Almeida Neves. In: Minas e seu pensamento
político, op. cit., p. 73.
27
Idem.
28
MELLO FRANCO, Afonso Arinos de. Começo da função. Folha de Minas, Belo
Horizonte, p. 1, 2 jan. 1935.
29
Idem. Os acontecimentos aos quais Afonso Arinos se refere são principalmente
os choques entre integralistas, comunistas e a polícia ocorridos quase simul-
taneamente em comícios em Itajubá (MG) e Petrópolis (RJ) e que resultaram
em mortos e feridos.
30
MELLO FRANCO, Afonso Arinos de. Em marcha para a China. Folha de Minas,
Belo Horizonte, p. 1, 19 jun. 1935.
31
Idem.
32
MANIFESTO do presidente Vargas à Nação brasileira, op. cit., p. VII.
33
Idem.
34
MELLO FRANCO, Afonso Arinos. Lei brasileira. Folha de Minas, Belo Hori-
zonte, p. 1, 14 fev. 1935.
35
DISCURSO de D. Sebastião Leme, op. cit., p. 1.
36
MENDES, Oscar. E agora? O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 13 jan. 1937.
257
37
TOQUE de Despertar. O Diário, Belo Horizonte, p. 2, 13 nov. 1935.
38
A LEI de Segurança Nacional. O Diário, Belo Horizonte, p. 2, 7 fev. 1935.
39
DISCURSO de Getúlio Vargas à Nação brasileira, 1 jan. 1937. Boletim do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 30, p. IX, jan. 1937.
40
BRASIL. Lei n. 38, de 4 de abril de 1935. Coleção das leis e decretos da República
de 1935. Atos do Poder Legislativo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936.
p. 36-44.
41
BRASIL. Decretos-leis, respectivamente, n. 229, de 11 de julho de 1935, n. 246,
de 19 de julho de 1935, e n. 309, de 26 de agosto de 1935. Coleção das leis
e decretos da República de 1935. Atos do Poder Executivo. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1936. v. II, p. 206, 298, 413.
42
A Lei n. 136, de 14 de dezembro de 1935, além de definir novos delitos contra
a ordem, modifica alguns dispositivos da lei de 4 de abril. In: Coleção das leis e
decretos da República de 1935. Atos do Poder Legislativo, op. cit., p. 273-277.
43
EMENDA n. 1, do artigo 161, aprovada pela Câmara dos Deputados em
17/12/1935. In: A Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 210 votos contra
59, as emendas à Constituição. Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 1, 18 dez.
1935.
44
O CAPITÃO Filinto Muller fala sobre o momento brasileiro. Estado de Minas,
Belo Horizonte, p. 1, 22 dez. 1935.
45
BRASIL. Lei n. 244, de 11 de setembro de 1936. In: Coleção de leis e decretos
da República de 1936. Atos do Poder Legislativo, op. cit., p. 156-160.
46
BRASIL. Decreto-lei n. 88, de 20 de dezembro de 1937 In: Coleção das leis
e decretos da República de 1937. Atos do Poder Legislativo. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1938. v. III, p. 414-419.
47
Como, por exemplo, no processo n. 2.405, no qual o juiz denuncia que a acusa-
ção se devia a rixa pessoal. Encontramos também processos de injúria, em que
o acusado é um cidadão com problemas mentais; de injúria ao “patriotismo”
por comentários banais; processo por ultraje à bandeira nacional, por não ter o
cidadão tirado o chapéu diante da mesma; por referência pejorativa a um soldado
da cavalaria do exército nacional; por crime contra a economia popular na qual
o cidadão é acusado de ter guardado o dinheiro relativo a um imposto numa
lata de feijão para se livrar da obrigação do pagamento exigido por decreto-lei
(n. 4.166); por uso de expressões desrespeitosas contra um delegado no recinto
da delegacia (aqui o acusado foi condenado a um ano de prisão e quando foi
anistiado já tinha cumprido integralmente a pena com dezoito dias a mais de
detenção). Como esses, são centenas de casos iguais e espantosos.
48
Acreditamos que tenha existido um número muito maior de processos no Esta-
do. As dificuldades no manuseio da documentação, devidas à sua tramitação,
organização e desmembramentos jurídicos, não nos permitiu maior precisão
quanto à sua localização e número efetivo.
49
Tal é o caso do processo n. 4.486 em que o acusado foi absolvido no seu Estado
e posteriormente condenado pelo TSN a três anos de reclusão. O crime cometido,
a distribuição de boletins subversivos e a colocação de bandeiras vermelhas a
“altas horas da noite”, no alto de um edifício de sua cidade. E a pena foi cum-
prida integralmente. Boletim nas fontes pesquisadas.
258
50
LIMA, Renato Augusto de. Memórias de um delegado de polícia. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1977. p. 1.
51
É importante registrar que os Estados organizaram guardas municipais no
interior, posteriormente dissolvidas, para substituírem os destacamentos re-
colhidos aos batalhões após a insurreição de novembro e, também, que a força
pública dos Estados foi militarizada por lei federal em janeiro de 1936 (lei n.
192, de 17 de janeiro).
52
MINAS GERAIS. Mensagem do governador Benedicto Valladares Ribeiro
apresentada à Assembleia Legislativa em 1936. Belo Horizonte: Imprensa
Oficial, 1937. p. 11-16.
53
MINAS GERAIS. Mensagem do governador Benedicto Valladares Ribeiro
apresentada à Assembleia Legislativa em 1937. Belo Horizonte: Imprensa
Oficial, 1937.
54
Como a da emboscada militar preparada, em Minas, para um caminhão que
transportava “extremistas”, quando foi fuzilado um cidadão que passava de
automóvel pelo local, constatando-se depois que o referido caminhão carregava
balas e doces. Em Minas, os estrangeiros e cidadãos de outros estados foram as
vítimas preferenciais das suspeitas policiais. Comerciantes vindos de outras praças
foram presos e espancados e tiveram suas reservas de dinheiro apreendidas; ar-
tistas e dançarinos foram aprisionados ao desembarcarem, muitas vezes a pedido
da polícia do Rio e de São Paulo; as malas suspeitas de carregarem documentos
secretos e munições, quando examinadas, revelavam como conteúdo objetos de
uso pessoal e presentes para parentes e amigos. Ver, por exemplo: Estado de
Minas, Belo Horizonte, p. 4, 14 set. 1935; p. 10, 10 abr. 1936; p. 12, 24 set.
1936; p. 12, 23 fev. 1937; p. 10, 5 maio 1937; Folha de Minas, Belo Horizonte,
p. 12, 26 set. 1936; p. 12, 23 fev. 1937. Em 1935, com a proximidade da vinda
de Getúlio Vargas ao estado, esses casos se multiplicam. A polícia vira alvo de
zombaria pública.
55
Alongaríamos em demasia esta citação se fôssemos dar todas as indicações que
recolhemos acerca desses fatos, nos jornais da época, nos anais da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais e nos anais da Associação Comercial de Minas Ge-
rais. A ressonância desses frequentes episódios de violência no meio parlamentar
mineiro pode ser acompanhada nos anais de 1935, 1936 e 1937. (Em 1937,
apesar da sucessão presidencial ocupar a cena política quase que integralmente.)
Naqueles anos, contudo, a situação também é mais grave e a necessidade de
buscar algum apoio nas autoridades é grande, tendo em vista a cumplicidade
dos esforços policiais, o absoluto clima de impunidade reinante no Estado e a
indiferença do governo. No caso da Associação Comercial, os casos registrados
nos anais são de sócios seus que também não escaparam à sombra repressiva do
poder. A título de exemplo, ver: Minas Gerais, Anais da Assembleia Legislativa
1935, Belo Horizonte, 1936, p. 88, 247-250, 386, 801-803, 824-826, 891-892.
v. I. No v. II, p. 902-903; e Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 10, 15 set. 1935;
p. 5, 8 jul. 1937; p. 3, 27 out. 1937; p. 9, 16 jan. 1935; Folha de Minas, p. 12,
16 mar. 1935; p. 1, 25 ago. 1935; p. 12, 17 mar. 1936. Atas da Associação
Comercial, Belo Horizonte, p. 58, 28 maio 1935; e p. 30, 5 dez. 1935.
56
COMUNISTAS ou adversários? Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 7 maio
1936.
57
O CAPITÃO Filinto Muller fala sobre o momento brasileiro, op. cit.
259
58
REFORMAS na polícia. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 18 set. 1935.
59
DISCURSO de Benedicto Valladares. O Diário, Belo Horizonte, 18 maio 1937.
60
Ver: Entrevistas do chefe do serviço de investigações de polícia de Minas Gerais.
Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 8, 17 fev. 1935; e p. 8, 20 set. 1935.
61
É interessante registrar que a adoção dos gases lacrimogênios pela polícia de
Minas Gerais é decidida em dezembro de 1935 e justificada pelo delegado-chefe
da investigação como “meios de vencer a massa, preferíveis a outros”. In: Folha
de Minas, Belo Horizonte, p. 10, 19 dez. 1935.
62
O Congresso foi realizado no período de 20 de outubro a 5 de novembro de
1936, na sede do Instituto da Ordem dos Advogados. Ver: Estado de Minas,
Belo Horizonte, p. 10, 6 nov. 1936; p. 1, 7 nov. 1936; e p. 3, 12 nov. 1936.
63
Ver: MINAS GERAIS. Mensagem do governador Benedicto Valladares Ribeiro
apresentada à Assembleia Legislativa em 1937. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1937. p. 29-30.
64
Ver: MINAS GERAIS. Relatório do Secretário do Interior e Chefia de Polícia de
1935. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1936. p. 66-67. Em Minas, a polícia
elabora comunicados à juventude feitos pelo serviço de divulgação do gabinete
do chefe de polícia e cria a revista Argus (aliás, aqui bastante utilizada por nós)
denominada de policial, doutrinária, literária, noticiosa. Um dado curioso é
que nessa revista é publicado o primeiro trabalho do escritor mineiro Fernando
Sabino.
65
As conferências pronunciadas eram impressas em folhetos e distribuídas nas
faculdades, colégios, associações e quartéis.
66
Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 23 out. 1937. As comissões são formadas
por nomes ilustres do estado, tais como: Guilhermino César, Mário Casassanta,
Francisco Magalhães Gomes, Lincoln Prates, Luiz de Bessa, Alfredo Balena e
outros. No ano anterior, tramitou na câmara municipal da capital mineira um
projeto de queima dos livros subversivos da biblioteca pública municipal. MINAS
GERAIS. Coleção das leis e decretos de 1937. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1938. p. 395-396.
67
MOREIRA LIMA, Felipe. Ao povo e ao Exército. In: T.S.N. — Processo n. 412,
1936.
68
CARTA de Cascardo a Amaral. Rio de Janeiro, 25 dez. 1935.
69
AO POVO e às classes armadas. Distrito Federal, outubro de 1936. p. 1. In:
T.S.N. — Processo n. 1, v. 17.
70
A superação do Édipo, na literatura psicanalítica, é o que assinala o acesso à
vida social pela integração da autoridade e da lei do pai.
71
CIRCULAR a todos os camaradas. 1928 (Archivio Storico del Movimento
Operário Brasiliano).
72
REVISTA PROLETÁRIA. Rio de Janeiro, n. 5, ago. 1935. In: T.S.N. — Processo
n. 1, v. 3.
73
OS TROTSKISTAS continuam intrigando. A Classe Operária, Rio de Janeiro,
p. 12, 20 set. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 422, livro 1.
260
74
UM GOVERNO do povo, na orientação libertadora de Natal. O Libertador,
Rio de Janeiro, p. 1, 1936. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 1.
75
AVISO circular do Comitê Regional de São Paulo. São Paulo, agosto de 1938.
In: T.S.N. — Processo n. 1283.
76
UNIÃO de todos os paulistas pela propriedade, a democracia e a paz! Comitê
Regional do PCB de São Paulo. São Paulo, 2 maio 1938. In: T.S.N. — Processo
n. 1283.
77
Anteriormente citada.
78
Uma das questões que alarmaram Barreto foi a notícia da preparação do “motim
militar” (tal como ele designou) de novembro de 1935. Ele afirma a Prestes que
“a maioria esmagadora dos membros do Partido não sabe uma palavra sobre
esse golpe e, se soubesse, o condenaria. Será, pois, um simples motim de quartéis,
uma conspiração vulgaríssima, como aquelas que você tanto atacou. Você quer
participar disso? (...) Vamos apoiar, sobre o prestígio e a decisão pessoal de
um homem, a política de classe da vanguarda revolucionária do proletariado!
Isso é que é ‘prestígio’ na mais triste das suas formas”. O autor da carta fala
ainda a Prestes, “das piruetas posteriores de imaginárias transformações dessa
pseudorrevolução ‘nacional-libertadora e não sei se democrático-burguesa, se
agrária e anti-imperialista, se operária e camponesa ou proletário-socialista’”.
79
AOS CAMARADAS do Partido. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 4. (Cir-
cular).
80
REVISTA PROLETÁRIA, op. cit., p. 15.
81
SOBRE a aleluia Nacional da Liberdade. O Libertador, Rio de Janeiro, p. 5,
jan. 1936. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 1.
82
O GOVERNO Nacional Popular Revolucionário e seu programa, ago. 1935.
In: T.S.N. — Processo n. 421, v. 1.
83
PROGRAMA de cursos para ativistas. Bureau de Agitação e Propaganda
Nacional do PCB. (Quarto tema: Alianças e Frente Única). Rio de Janeiro,
maio 1935. p. 15. In: T.S.N. — Processo n. 1.
84
AOS CAMARADAS do Partido, op. cit.
85
A FORÇA da luta contra o extremismo envolve os mais hediondos planos de
reação feudal e imperialista. A Classe Operária, Rio de Janeiro, p. 12, 20 set.
1935. In: T.S.N. — Processo n. 422, v. 1.
86
PROGRAMA de cursos para ativistas, op. cit., p. 8.
87
Sobre esse tema ver o trabalho de Nisbet (1985).
88
A CAMINHO do Congresso da Juventude Popular do Brasil. A Manhã, Rio de
Janeiro, p. 7, 15 maio 1935.
89
CONTRA a lei Monstro. Comitê Regional Fluminense do PCB. 1935. In: T.S.N.
— Processo n. 1, v. 6.
90
MILITARES. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 2. (Panfleto avulso).
91
PRESTES, Luiz Carlos. O grande exército popular nacional. O Libertador, Rio
de Janeiro, p. 1, 22 nov. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. I.
261
92
PALMEIRA, João. Política latifundiária. A Manhã, Rio de Janeiro, p. 3, 29 maio
1935.
93
UNIÃO de todos os paulistas pela prosperidade, a democracia e a paz. Comitê
Regional do PCB de São Paulo, 2 maio 1938. In: T.S.N. — Processo n. 1283.
94
NINGUÉM vencerá a juventude. A Marcha, Rio de Janeiro, p. 6, 5 jul. 1935.
95
TEIXEIRA, Anísio. Civilização e escolas. A Manhã, Rio de Janeiro, p. 3, 25
maio 1935.
96
NINGUÉM vencerá a juventude, op. cit., p. 6.
97
É ASSIM que se conta a história. A Manhã, Rio de Janeiro, p. 3, 25 maio 1935.
98
O 16o aniversário dos Laboratórios Raul Leite. Revista Comercial de Minas
Gerais, Belo Horizonte, n. 2, p. 1-14, 1937.
99
Atas da Associação Comercial de Minas Gerais. Belo Horizonte, p. 128, 28
nov. 1935. Ver também: Discurso do Cel. Caetano Vasconcelos. In: Minas e
seu pensamento político, op. cit., p. 99.
100
NECESSIDADE de ordem. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 12 nov. 1936.
101
DISCURSO de Getúlio Vargas à Nação brasileira, 1 jan. 1937. Boletim do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 30, p. 111, jan. 1937.
102
Estado de Minas, op. cit.
103
REVISTA COMERCIAL DE MINAS GERAIS. Belo Horizonte, v. 1, p. 2, nov./
dez. 1937. (Editorial). O apoio dos empresários ao Estado Novo é afirmado nesse
número da revista pelo presidente da Associação Comercial de MG, na ocasião,
nos seguintes termos: “A impressão dominante no seio das classes conservadoras
sobre a implantação do novo regime é a melhor possível. Observa-se mesmo
que o comércio e a indústria (...) continuam a desenvolver suas atividades num
ambiente de perfeita tranquilidade, detalhe tanto mais digno de registro quanto se
sabe que antes o ritmo dos negócios sofria constantes perturbações, ocasionadas
pelo entrechoque das paixões partidárias tão nefastas à normalidade da nossa
vida econômica e social.” (Dr. Vitório Marçola, p. 8.)
104
TUDO pelo Brasil. Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 7 mar. 1936. (Editorial).
262
Parte 3
TRABALHADORES, AO TRABALHO!
A torpeza do improdutivo
266
Cumpre-nos aplainar os caminhos da reforma social, apressando-
-lhe o processus e suavizando o seu advento. (...) Essa será a verdadeira
Idade do Ouro (...) porque o trabalho em todas as suas faces, material,
intelectual e moral, irradiará pacificamente um sol sobre a face da terra,
que vem beneficiando há anos.6
267
Em meio a tantos elogios ao trabalho, surgem aqui as imagens
do exército e da conquista, utilizadas para sugerirem a visão da
ocupação do mundo moderno por um exército de trabalhadores,
cuja figuração é dada pela imagem do “império das usinas”. O
trabalho é fértil, por isso o “braço realizador semeia”; é criativo,
engenhoso, útil e visível nos objetos e máquinas, por isso sem
ele “as concepções geniais morreriam na abstração inútil”; é
fonte e origem da vida na terra, por isso “dele derivam todas as
atividades”. O fato de atribuir-se ao trabalho o significado do
progresso é que põe em cena o fascínio pelos “esplendores da
técnica” e pelas “maravilhas da época”, bem como a definição
da civilização como “industrial” e o erguimento das cidades
imageticamente condensado na figura. Por outro lado, a técnica,
numa típica operação do imaginário burguês, é aqui investida
de um poder sem limites: o da criação inesgotável, da liberta-
ção do atraso e do passado, da transformação do presente e do
controle do futuro.
A figuração imagética do braço trabalhador abraçando a
terra e a sustentando sugere a força e o poder de um Hércules e
a inevitável submissão ao trabalho. A referência à Rússia — cuja
religião intransigente acusava o trabalho e que, no entanto, viu
nascer uma “imensa oficina” onde mais se ouve o som das “forjas,
martelos e máquinas” — vem demonstrar a força impositiva do
princípio do trabalho diante do qual todos cedem e se submetem.
A ideia de oficina de trabalho, tão presente no imaginário do
período, aparece vinculada a experiências como a da Alemanha
nos anos de 1930, utilizada na descrição de um parlamentar —
que lá esteve na condição de enviado do governo Vargas — para
registrar suas impressões entusiásticas com o que se processava
naquele país:
268
O comentário da “chefia inteligente”, afora o elogio claro ao
Führer, reafirma o elogio ao esforço e introduz a noção de traba-
lho como elemento definidor da ordem social. Essa ordem passa
por mais de um caminho. Um deles é o do reforço da distinção
entre dirigentes e dirigidos:
269
Assim, o trabalho é também princípio definidor de uma mo-
ralidade pública.12
A representação positiva do trabalho também é expressa no
discurso dos comunistas. Embora essa representação, como vimos
anteriormente, venha associada à defesa do progresso industrial
do país, ao elogio ao “labor perseverante” dos brasileiros, aos
que “mourejam pelo progresso” etc., a sua presença se faz mais
clara através do discurso comunista a respeito do trabalhador.
Os comunistas, ao definirem uma imagem para a classe
trabalhadora, positiva pelo atributo do trabalho, veem a nação
dividida em dois blocos:
270
À ideia de operosidade, produtividade e utilidade se contra-
põe a de fraqueza, da preguiça e de acomodação, tal como neste
trecho:
271
estar sendo produtivo, a alegação de que o homem do campo é
vencido pela verminose, ignorância, sujeira etc. Dessa forma, é
revelada uma imagem negativa do trabalhador rural, justificada
pela exploração, mas que reforça a ideia da operosidade e pro-
dutividade como sendo a “ordem das coisas”. Nessa ordem não
deve existir indolência e alcoolismo, porém, em um mundo em
que vigora a exploração do homem simples, o trabalhador busca
na bebida “um atenuante para o seu sofrimento e a sua miséria”
e é indolente porque “morre progressivamente de fome”.16
Por outro lado, admite-se que a má alimentação se relaciona
diretamente às condições da raça. Assim é que se diz, ao se referir
à Companhia Ferroviária Leopoldina:
Dos negros e índios poderemos dizer que sem eles não se teria feito
esse prodígio — que é o Brasil de hoje. (...) São também ancestral-
mente adaptados ao meio tropical; e é vantagem considerável termos
em nosso sangue doses imunizadas e imunizantes contra o inimigo
natural. Não devemos nos envergonhar de nossa origem; ao contrário
façamos dela o nosso maior orgulho, estamos criando um espécime
humano selecionado pela sua resistência física, pela beleza, pela graça,
272
pela sobriedade e pela sua capacidade de assimilar todas as descobertas
da ciência do ponto de vista material, moral e social.18
273
Por outro lado, afirma-se que os camponeses “ainda têm
confusões (sic) e pouca formação política”.21 Essas “confusões”
são designadas de forma mais clara e direta por um ativista do
bureau de agitação e propaganda do PC22 como “mentalidade
simplista do camponês”, que, segundo o ativista, não se adaptará
e não compreenderá os complicados “aparelhos burocráticos”
que se organizam no campo. Daí que, na agitação e propaganda
no campo, se propõe, além da luta pela elevação do “nível cultu-
ral, político e ideológico do camponês”, a utilização de “meios e
formas mais fáceis de serem compreendidos. Manifestos curtos,
com letras grandes e com figuras. O acompanhamento de feiras,
velórios, festas, vaquejadas etc., para a propaganda oral”.
O conceito do PC a respeito do trabalhador do campo só é
alterado quando se admite que em determinados lugares o cam-
ponês mantém relações mais estreitas com o proletariado. Nessa
situação considera-se que “em tais casos o seu nível cultural,
político etc. é mais elevado”. A melhor sorte do proletariado,
dentro do conceito do PC, deve-se, a nosso ver, a duas questões:
primeiro, à afirmação da presença organizadora do Partido, já
consolidada nos centros industriais urbanos; e, por último, aos
elementos de doutrina que atribuem à classe operária a vocação
revolucionária e o papel de vanguarda através do seu partido, o
PC, na liderança da revolução, cabendo-lhe a missão histórica de
suprimir as classes e iniciar a construção da sociedade comunista.
A visão do Partido sobre as lutas dos camponeses não difere
muito: “são lutas espontâneas, formas primitivas, desorientadas
e mesmo, às vezes, contraproducentes”.23 E as lutas armadas de
Lampião e diversos grupos cangaceiros do Nordeste, os assaltos
dos índios no Tocantins e os atos isolados contra os fazendeiros
são considerados manifestações do crescente descontentamento
da massa pobre do interior e, como tal, o PC afirma, particular-
mente em relação ao cangaço:
(...) devemos tomar parte em suas lutas e, com eles lutando, ganha-
remos a confiança necessária para que aceitem as nossas explicações
274
sobre a causa da opressão de que são vítimas e comecem a dar às suas
lutas a consciência de classe, (...) devemos fazer os maiores esforços para
ganhar para a revolução o maior número possível de “cangaceiros”,
transformando as suas lutas em lutas conscientes contra a opressão
feudal e escravagista.24
275
(...) todos os movimentos feitos, e que se fazem, os operários são
meros instrumentos, meros braços, nada mais que isso. Eles constituem
o corpo do movimento e não a cabeça (...) Os outros pensam para
eles e eles executam, cumprem fielmente o que os outros pensaram,
idealizaram.26
276
Reabilitando o operário, não lhe prometendo pão apenas como faz
o comunismo, mas erguendo-o das condições de inferioridade a que o
capitalismo o força a viver. Faremos com que o trabalhador se integre
na vida da nacionalidade, como fator de sua grandeza (...)29
277
Trabalho de Minas,31 entidade pró-unidade sindical e assinada
por dez sindicatos de classe, afirma-se:
278
É por demais sabido que o operário brasileiro é o mais anticomu-
nista de todos os operários, porque ele é ordeiro, é católico, respeitador
e amante de sua família, quer possuir uma propriedadezinha que lhe
assegure o futuro dos seus filhos.35
279
todos esses fatores étnicos, em amálgama, hão de produzir um tipo
selecionado, que será o brasileiro.38
280
Comodismo e incompetência são caracteres observados na-
queles que recusam a produtividade e o mérito. E as diferenças
de salário e posição declinam sob a figura da empresa que,
como o social, é una. A normatização do outro exige que se
precise tudo o que se quer negar nos “homens que não podem
e não sabem conduzir dignamente os seus caracteres”.40 E isso
é feito por um especialista em geografia humana no boletim do
Ministério do Trabalho:
281
moral, como a iniciativa de repressão à mendicância e o amparo
à infância desvalida, realizadas em Minas Gerais pelo chefe de
polícia com a colaboração do inspetor regional do Ministério do
Trabalho. A intenção em relação aos menores abandonados é a
de “proporcionar-lhes uma educação integral e cristã incutindo
na criança uma sólida formação moral e preparando homens
fortes e necessários para os embates da vida”.42 Na mesma ini-
ciativa, cria-se um albergue público noturno, varrendo, assim,
das ruas — e da vista — os sinais desagradáveis do ócio e da
vagabundagem, fato recebido com entusiasmo neste comentário
feito, na ocasião, por um jornal mineiro: “uma nota palpitante é
a de que os mendigos desaparecerão.”43 Os planos de fundação
de uma delegacia especializada para a realização do programa
de combate à mendicância são aplaudidos pelo mesmo jornal
em editorial:
282
nos interessa acompanhar aqui é a maneira como o Ministério
do Trabalho constrói um discurso social, um discurso do poder,
que cria uma ordem no “mundo” do trabalho. A nosso ver, o
discurso do Ministério é um discurso totalitário e, enquanto
tal, ele “requer sua identificação com o poder e com aqueles
que o detêm no topo do Estado” (Lefort, 1974, p. 42). Um bom
exemplo desse tipo de discurso é este do ministro do trabalho,
Agamenon Magalhães:
283
transformações econômicas. (...) O Estado é força criadora, dinamismo,
ação que acompanha a vida social em todos os seus movimentos. (...)
a intervenção do Estado arrepia ainda os nervos de muita gente que
confunde liberdade com individualismo, cujos excessos geraram um
sistema de opressão econômica mais extenso e iníquo do que o trabalho
escravo. A liberdade não é do indivíduo e sim da personalidade, isto é,
do homem como ser social, com direito de trabalhar e produzir, den-
tro de certas condições econômicas. (...) Só o Estado, como força de
coordenação e comando, pode dirigir e orientar os povos, na solução
dos problemas de ordem coletiva.47
284
A própria organização interna do Ministério já é reveladora
do significado da adesão aos princípios corporativistas da racio-
nalidade técnico-científica. Dividido em órgãos, departamentos
e seções, o Ministério implantou um amplo quadro de funcio-
nários especializados, os quais dão suporte teórico e técnico às
decisões a serem implementadas, revestindo-as de uma aura de
cientificidade e neutralidade. Tais órgãos, como, por exemplo,
o Departamento Nacional do Trabalho (DNT) e o Conselho
Nacional do Trabalho (CNT), são por sua vez subdivididos, em
decorrência de suas funções específicas, em vários outros órgãos,
como é o caso das Caixas e dos Institutos de Aposentadoria e
Pensões, dos Departamentos Estaduais do Trabalho e das Juntas
de Conciliação e Julgamento.
A partir de sua organização interna, o Ministério vai submeter
também o conjunto da sociedade, no que se refere às relações
de trabalho, ao imperativo da organização e da racionalidade.
E quem melhor vai expressar esse ideal da organização e da ra-
cionalidade serão os técnicos do Ministério, que, neste lugar, a
partir de onde as relações sociais vão se organizar, detêm poder
e saber. A exteriorização desse saber anônimo e desse poder não
se dá apenas no discurso teórico da organização, mas sobretudo
na prática dos seus agentes, revelada nos pareceres técnicos, nos
anteprojetos de lei, nos estudos estatísticos, nas regulamentações
das leis, nos estudos técnicos especializados — que efetivamente
suportam e implementam uma política de trabalho.
O boletim do Ministério vai ser um veículo privilegiado na
divulgação desse saber e desse poder e por ele nos defrontamos
com os discursos do Presidente e do seu ministro do Trabalho e
com os do arsenal de técnicos do Ministério, composto de pro-
fissionais de diversas áreas, como: direito, sociologia, economia,
estatística, planejamento, nutrição, psicologia social, entre tantas
outras, cujo saber especializado vai informar e efetivar a regu-
lação do mundo do trabalho. Nos Estados, os Departamentos
Estaduais do Trabalho também mantêm publicações periódicas.
285
Os artigos publicados são de natureza teórico-doutrinária
e técnica. Os teórico-doutrinários versam sobre direito corpo-
rativo, teoria corporativa, intervenção do Estado, organização
sindical, justiça trabalhista, organização científica do trabalho.
Os técnicos abordam temas mais específicos, como a remunera-
ção do repouso obrigatório, a lei de nacionalização do trabalho,
a situação dos operários não sindicalizados, a obrigatoriedade
da carteira de trabalho, o direito à aposentadoria, os acidentes
de trabalho, a alimentação operária, as condições higiênicas
do trabalho, a utilização das máquinas, o problema da fadiga,
entre outros.
Num caso como no outro, como veremos a seguir, o poder
e a autoridade são afirmados com uma ênfase toda especial; a
perspectiva organicista da esfera social é confirmada; o saber
técnico é valorizado; os conflitos de classe permanecem negados.
A afirmação do poder é feita através da indicação reiterativa
das ações do Estado. Ela aparece vinculada à ideia de que o
Estado é quem cria as instâncias da vida pública. Assim, por
exemplo, é que se manifesta Agamenon Magalhães:
286
proferido na Ordem dos Advogados Brasileiros sobre a legislação
trabalhista, vai enfatizar as decisões do Governo Provisório:
287
O governo de então, tratando mais de política, não teve tempo para
estudar a situação aflitiva dos nossos irmãos.
O governo revolucionário que, antes de tudo, teve a seu favor o
apoio moral da opinião pública, logo que se instalou cuidou de regene-
rar os costumes políticos, decretando leis sábias e justas, notadamente
no que diz respeito às classes trabalhadoras. (...) O que se fez entretanto
foi apenas reivindicar para o trabalhador nacional certos direitos que
ele ainda não possuía (...).51
288
Aqui, é introduzida a questão do poder competente que torna
inquestionável o saber e o poder dos técnicos do Ministério no
campo do Direito. Em outro boletim,53 esse saber e esse poder
aparecem afirmados na “autoridade” das Comissões Mistas de
Conciliação e Julgamento. Essa “autoridade” é que dá à presi-
dência da comissão “um papel saliente” e decisivo na solução
dos conflitos. Uma demonstração desse “saber competente”
são os vários e longos pareceres de Oliveira Vianna no Boletim
do Ministério, acerca da interpretação, aplicabilidade e regula-
mentação das leis. O saber jurídico é sobremaneira valorizado,
e num artigo teórico sobre o projeto da Justiça do Trabalho
se afirma ser inadmissível “aquela absurda presunção de que
todos conhecem as leis”.54 Advogando a criação de um tribunal
especial para as questões trabalhistas, o articulista assevera: “E,
diferente o processo, deve ser diverso o tribunal. É necessário
levar aos litígios do trabalho a voz da consciência profissional,
a experiência prática do ofício.”
Nessa mesma linha de ênfase do saber técnico-profissional é
que a autoridade das Juntas de Conciliação e Julgamento é ga-
rantida, reiterando-se que ela “tem amplos poderes para decidir
os casos da sua competência, conciliatória ou coercitivamente”.55
Assim é que um funcionário da Inspetoria Regional de Minas
afirma que a Justiça do Trabalho a ser instalada no estado terá
“na sua presidência um bacharel em Direito, nomeado pelo
Presidente da República, de reconhecida idoneidade moral e
notáveis conhecimentos do moderno Direito social”.56
Dessa forma, o saber competente e específico é o que confere
poder às juntas e, enquanto tal, os contratos coletivos de traba-
lho, ou melhor, a convenção é deslocada da arena político-social
privada, de operários e patrões, para o âmbito público, enquan-
to uma questão meramente técnica e legal e, nessas condições
eminentemente jurídicas, são assentadas condições de trabalho,
salários, jornadas de trabalho, folgas e outras cláusulas — que
de políticas passam a ser consideradas “econômicas”.57 Esse
289
saber, enquanto elemento do poder que realiza o movimento de
socialização empreendido pelo Ministério do Trabalho, numa
característica do discurso totalitário, de acordo com Lefort (1974,
p. 41), “torna manifesta a origem da norma” que se localiza,
como quer esse autor, no “coração do aparelho do Estado”.
A autoridade atribuída ao saber competente é, por sua vez,
informada pela perspectiva organicista que ocupa posição de
destaque no pensamento dos teóricos e técnicos do Ministério
do Trabalho. Essa perspectiva, como já afirmamos, se apoia na
representação da sociedade como um organismo vivo e estru-
turado hierarquicamente, cabendo, portanto, a algumas partes
uma função mais nobre, como no caso do cérebro. Portanto, no
corpo social brasileiro, é “natural” que os técnicos ocupem uma
posição de destaque. E como a lógica que sustenta o pensamento
organicista é autoritária e binária, o saber sugere a sua oposição,
o “não saber”, o qual é condição do “outro”, ou seja, da massa
dos sem-poder.
Por outro lado, como o orgânico pressupõe a redução ao uno
e ao princípio da sociedade harmoniosa, o Estado e o Direito,
na mecânica social organicista, são definidos como organismos.
Assim,“o direito é um organismo, cuja finalidade é sustentar em
equilíbrio as forças da sociedade”.58 E é na pressuposição desse
mesmo equilíbrio orgânico que Oliveira Vianna vai sustentar a
sua argumentação contra a pluralidade sindical, em resposta a
uma consulta de Alceu de Amoroso Lima:
290
O “organismo social”, como o organismo natural, é uma
totalidade harmoniosa que tem de ser preservada da ação desa-
gregadora das classes e dos interesses individuais, como o corpo
humano deve ser preservado das enfermidades. A legislação
trabalhista, dentro dessa visão, possui um caráter preventivo.
Se a higiene médica é o que previne o contágio das doenças, é a
“higiene jurídica”, através das leis preventivas, que vai manter
a sociedade livre e afastada das epidemias sociais. O legislador
e o jurista são considerados médicos desse gigantesco corpo
humano, a sociedade. Ambos vão prevenir as doenças e curar
esse corpo com a lei.
Dessa comparação com a natureza é que a legislação social
aparece considerada como “solar”, por um técnico do Ministério:
291
A consecução da totalidade social, da organicidade do Estado,
demanda a negação das classes e da luta de classes, sendo esta a
tarefa do sindicato, entendido dentro do preceito corporativista
como uma agência do Estado:
292
(...) os três parâmetros no interior dos quais passa a definir-se a
cidadania. (...) O instrumento jurídico comprovante do contrato entre
o Estado e a cidadania regulada é a carteira profissional, que se torna,
em realidade, mais do que uma evidência trabalhista, uma certidão de
nascimento cívico (Santos, 1979, p. 76).
293
ser — como de fato é — uma das nações mais socializadas do
mundo”;72 que os trabalhadores cumprindo “as disposições legais
que regem a legislação do trabalho se encontram felizes, num
verdadeiro ambiente de paz e harmonia”;73 que o trabalhador
se sindicalizando “conseguirá sem dúvida — a melhoria de sua
situação, gozando ainda de outras vantagens e regalias que a lei
só aos sindicalizados oferece”.74
Ao elaborar essas representações, o discurso do Ministério —
discurso do poder — passa a enunciar uma ordem no mundo e
a denominar coisas como a paz social, a igualdade, a liberdade,
o trabalho. Ao fazê-lo, ele tenta fundir-se ao discurso social não
identificado com o poder. Veicula um saber tal como fosse origi-
nado da ordem natural das coisas, apagando a exterioridade da
regra. Sob essa perspectiva, o discurso do Ministério arriscou-se
a aparecer “como mentira generalizada, como discurso a serviço
do poder, simples máscara da oposição” (Lefort, 1974, p. 45).
Enquanto discurso do poder, a sua realidade em relação ao
trabalhador, através do instrumento da legislação trabalhista,
apoiada na armação corporativista, é a de torná-lo apto a viver
e trabalhar em empresas modernas, hierarquizadas e organizadas
racionalmente, sob o mito da eficiência, da competência, com as
vistas voltadas para o progresso. As estratégias implementadas
com vistas a esse objetivo nos vão permitir, no tópico seguinte,
visualizar o ponto de chegada desse ordenamento do mundo do
trabalho e recolher as reações dos comunistas e trabalhadores
perante esse projeto de socialização.
NOTAS
1
Hannah Arendt, em suas considerações sobre o trabalho, destaca-o enquanto
um atributo da condição humana, espaço da existência individual e coletiva e
fronteira entre homem e natureza. E o que torna o trabalho, segundo ela, parte
da condição humana é o fato de ser trazido para dentro do mundo dos homens
pelo esforço humano.
A ideia de trabalho em Hegel também envolve a ideia de esforço, embora
Hegel vá além de Hannah Arendt, se considerarmos que, para ele, de acordo
com reflexões de Romano (1981), o trabalho é acesso à consciência e, por
conseguinte, é comunhão com o Espírito universal, meio para o homem se
294
tornar livre. Isto se dá, todavia, através do esforço e da dor. O trabalho surge,
assim, como elemento formador do ser humano. Essa ideia, segundo Arendt e
Romano, é reafirmada por Marx na Ideologia alemã — com as noções de que
o trabalho criou o homem e de que é ele que o distingue dos animais. Arendt
considera que a afirmação de Marx expressa de forma radical a glorificação
do trabalho, empreendida na era moderna “como fonte de todos os valores”,
e Romano aventa a possibilidade de que a herança desse pensamento tenha
informado, pelo marxismo, a “propaganda religiosa do trabalho” nos regimes
comunistas.
Ambas as sugestões confirmam a presença do elogio do esforço na visão do
trabalho de Marx seja pela produtividade e pelo advento da abundância, de
um lado, seja pela construção da revolução e pela superação do reino da ne-
cessidade, de outro. Na superação do reino da necessidade e no advento do
reino da liberdade — apontada por Arendt (1983) como uma contradição do
pensamento de Marx, que vê o trabalho como criador do homem, necessidade
eterna, imposta pela natureza que, entretanto, será abolido do reino da liberdade
— talvez esteja a insinuação do esforço como algo penoso, portanto, eliminável
quando superada a necessidade.
Também Freud (1978a) vai realçar a condição do trabalho como elemento
de socialização do homem, uma vez que o submete ao princípio da realidade,
fornecendo-lhe “um lugar seguro (...) na comunidade humana” (p. 144), além
de possibilitar que para ele convirjam, de forma sublimada, impulsos libidinais
agressivos e eróticos, cuja contenção é exigência da civilização.
Na literatura psicanalítica, o pacto edípico, o pacto com o pai no momento da
resolução do complexo de Édipo, implica a aceitação da lei da cultura, ou a lei
do Pai, através da qual a criança se integra na sociedade familiar. Esse pacto
prepararia o caminho para o pacto da idade adulta, estruturado em torno do
trabalho (Pellegrino, 1983).
A afirmação de Freud de que “a atividade profissional constitui fonte de satisfação
especial” (p. 144) não o impede de afirmar que o trabalho, enquanto caminho
para a felicidade, não é bem aceito pelos homens, que trabalham apenas pela
imposição das necessidades, sentindo natural aversão ao trabalho.
Parece-nos que, embora Freud afirme que o trabalho proporciona prazer, o
fato de submeter os homens ao princípio de realidade significa essencialmente
renúncia ao princípio do prazer, implicando, portanto, a aceitação da disciplina
e a “dolorosa e laboriosa aquisição da competência enquanto trabalhador”
(Pellegrino, 1983, p. 08). Talvez esteja aqui a explicação para a existência da
“aversão natural” por ele apontada.
2
Aqui aproveitamos para chamar a atenção para o fato de que, ao admitirmos
que o Estado Novo se apropria da visão política que o Ocidente elaborou sobre
o trabalho, para impor sua visão corporativa, não estamos igualando, com os to-
talitarismos de direita e esquerda, os humanismos cristão, liberal e socialista aqui
representados pelos autores citados, enquanto fonte ilustrativa e emblemática
daquela visão. Tampouco pretendemos atribuir a esses pensadores a genealogia
de uma ideologia totalitária. Nosso intuito é o de destacar que a visão elaborada
culturalmente em diferentes registros é o que permite — em nome, portanto, de
um valor universal e de uma ética do trabalho difundida no Ocidente — que a
ideologia trabalhista dos anos de 1930 recorra à positividade do trabalho para
295
se legitimar e ao seu projeto de poder. Isto é feito sobretudo através do apelo
imaginário do trabalho como virtude, o qual, na realidade, vai suportar uma
estratégia pouco afeita às virtudes democráticas da res publica.
3
DISCURSO de Francisco Campos em romaria ao Cemitério São João Batista.
Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n.38, p. XVI, out.
1937.
4
MAGALHÃES, Agamenon. A intervenção do Estado. Boletim do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, n. 13, p. 118, set. 1935.
5
NA data do Trabalho. Correio Mineiro, Belo Horizonte, p. 1, 1 maio 1934.
6
Idem.
7
Idem.
8
CARVALHO, Daniel de. De outros tempos. (Memória). Rio de Janeiro, José
Olympio, 1961. p. 100-102. (O parlamentar foi o chefe da delegação brasi-
leira no congresso internacional da Cruz Vermelha, realizado em 1938 em
Londres, tendo antes cumprido programa de estudos de economia e finanças
e, principalmente, legislação social, em Berlim).
9
NA data do Trabalho, op. cit. p. 1.
10
MANIFESTO do presidente Vargas à Nação brasileira. Boletim do Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio, n.39, p. VI, nov. 1937.
11
DISCURSO do presidente Getúlio Vargas aos brasileiros. Boletim do Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 37, p. VII, set. 1937.
12
A noção de utilidade do trabalho, a nosso ver, se faz presente no imaginário
ocidental desde o mito trágico de Sísifo que, segundo Homero, viu-se condenado
a rolar uma enorme rocha até o cume de uma montanha, de onde, devido ao
seu peso, ela caía sempre que lá chegava, tornando seu trabalho ininterrupto.
O suplício estaria, segundo Camus ([s/d], p. 147-152), “em que o seu ser se
emprega em nada terminar”, daí reconhecê-lo como “o trabalhador inútil dos
infernos”. Todo o seu enorme esforço, “medido pelo espaço sem céu e pelo
tempo sem profundidade”, é improdutivo, nada cria e, portanto, é desesperado.
A leitura desse mito, feita às avessas, nos sugere que o trabalho é esforço penoso
recompensado pela sua utilidade.
13
MOTTA LIMA, Pedro. Livres, para opinar e decidir. A Manhã, Rio de Janeiro,
p. 3, 25 maio 1935.
14
DISCURSO do Dr. David Rabello (Chefe da ANL em MG). Folha de Minas,
Belo Horizonte, p. 2, 14 jul. 1935.
15
KONDER, Valério. Rumo ao campo, rumo à fome. A Manhã, Rio de Janeiro,
p. 6, 22 maio 1935.
16
Idem.
17
MOTTA LIMA, Pedro. A Leopoldina, coitadinha... A Manhã, Rio de Janeiro,
p. 3, 24 maio 1935.
18
DISCURSO do Dr. David Rabello. Folha de Minas, op. cit., p. 2.
19
A INFLUÊNCIA do africano na língua brasileira. A Manhã, Rio de Janeiro, 2
maio 1935.
296
20
INSTRUÇÕES aos comitês estaduais e municipais da ANL. Rio de Janeiro, 21
set. 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 2.
21
CONCENTREMOS todas as nossas forças na preparação e desencadeamento
das greves das Lutas Camponesa e Popular. Revista Proletária, Rio de Janeiro,
n. 5, p. 1-2, ago. 1935. Comitê Central do PCB. In: T.S.N. — Processo n. 1,
v. 3.
22
Idem.
23
Idem.
24
Idem.
25
Ver: MINAS GERAIS. Relatório da Secretaria do Interior. Chefia de Polícia.
1935. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1936. p. 16-17, 66-67.
26
VEIGA, José Borges da. Mentalidade operária. O Debate, Belo Horizonte, p. 6,
21 abr. 1934.
27
NEGROMONTE, Pe. Álvaro. É preciso agir. O Diário, Belo Horizonte, p. 4,
19 set. 1936.
28
NEGROMONTE, Pe. Álvaro. Numa posição dos operários. O Diário, Belo
Horizonte, p. 5, 12 fev. 1936.
29
MONTEIRO DE MELLO. A miragem do proletariado. O Debate, Belo Hori-
zonte, p. 2, 18 maio 1934. (Chefe da seção de imprensa da chefia nacional da
AIB).
30
SALGADO FILHO, Joaquim Pedro. A legislação social brasileira. Boletim do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 23, p. 72, jul. 1936.
31
Ver: O Debate, Belo Horizonte, p. 6-7, 23 mar. 1934.
32
Ver: Correio Mineiro, Belo Horizonte, p. 1, 1 maio 1934.
33
Idem.
34
O COMUNISMO e o operariado. Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 4, 24
jan. 1931. (extraído de O Estado de S. Paulo).
35
O EXÉRCITO e a disciplina. O Diário, Belo Horizonte, p. 4, 15 dez. 1935.
36
ESTADO DE MINAS. p. 1, 29 out. 1937.
37
BANDEIRA DE MELLO, Afonso. Identificação profissional. Revista Social-
-Trabalhista, Belo Horizonte, v. II, n. IX, p. 12, 1937.
38
DISCURSO de Agamenon Magalhães. Boletim do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, n. 33, p. 283, maio 1937.
39
DE CARVALHO, op. cit., p. 97.
40
MAGARINOS, José. O homem e a terra. Boletim do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, n. 15, p. 288, nov. 1935.
41
Idem.
42
REPRESSÃO à mendicância e encaminhamento de menores. O Diário, Belo
Horizonte, p. 3, 8 jun. 1937.
297
43
VÃO desaparecer os mendigos. O Diário, Belo Horizonte, p. 3, 4 jun. 1937.
44
MUITO bem! O Diário, Belo Horizonte, p. 2, 4 jun. 1937.
45
Ver: Munakata (1981), Vianna (1976), Gomes (1979).
46
DISCURSO do ministro Agamenon Magalhães na União dos Empregados do
Comércio do Rio de Janeiro, 30 out. 1937. Boletim do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, n. 39, p. 1, nov. 1937.
47
MAGALHÃES, Agamenon. A intervenção do Estado. Boletim do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, n. 13, p. 115-117, set. 1935.
48
MAGALHÃES, Agamenon. A tendência corporativa. Boletim do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, n. 25, set. 1936.
49
SALGADO FILHO, op. cit., p. 74-78.
50
AS EXIGÊNCIAS do Decreto n. 23.768. Revista Social-Trabalhista, Belo
Horizonte, v. 1, n. 11, p. 3-5, 1937.
51
LEI de Nacionalização do Trabalho. Revista Social-Trabalhista, Belo Horizonte,
v. 1, n.V, p. 3-5, 1937.
52
GALVÃO, Enéas. Juntas de conciliação e julgamento. Boletim do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, n. 84, p. 104, abr. 1935.
53
VASCONCELLOS, Nilo. Comissões mistas de conciliação. Boletim do Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 14, p. 68, out. 1935.
54
LOPES, Helvécio Xavier. O projeto de justiça do trabalho. Boletim do Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 29, p. 103, jan. 1937.
55
Idem.
56
FLEURY, Leopoldo. Justiça do trabalho. Revista Social-Trabalhista, Belo
Horizonte, v. I, n. III, p. 6-7, 1937.
57
Ver: CONVENÇÃO coletiva do trabalho. Revista Social-Trabalhista, Belo
Horizonte, v. II, n. VIII, p. 3-4, 1937. É interessante a entrevista publicada,
nesta revista, do parlamentar Daniel de Carvalho sobre a Justiça do Trabalho.
A entrevista, que é cheia de detalhes técnicos e jurídicos sobre o funcionamento
dessa justiça, é precedida de uma apresentação na qual se diz que o entrevistado
é perfeito conhecedor de legislação social brasileira e que possui “conhecimentos
sociológicos, jurídicos e financeiros”. Portanto, pode opinar. Ver também v. VI,
n. 5, p. 30-32, 1937.
58
FLEURY, op. cit.
59
VIANNA, Oliveira. Organização sindical. Boletim do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, n. 8, p. 115-116, abr. 1935.
60
FLEURY, op. cit.
61
DA CUNHA, Ovídio. Em torno do Direito Corporativo. Revista Social-
-Trabalhista, v. 2, n. VIII, p. 32-35, 1937.
62
MAGALHÃES, op. cit.
63
POPPE, Paulo. Sindicalismo. Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, n. 35, p. 104, jul. 1937.
298
64
Ibidem, p. 106.
65
Idem.
66
O conceito de “cidadania regulada” em Santos (1979) é o que lhe permite, na
análise da política econômico-social dos anos de 1930, fazer a passagem da
esfera da acumulação para a esfera da equidade. Muito embora não estejamos
sintonizados com a inserção teórica do seu conceito, acreditamos que ele traduz
muito bem as condições do advento da cidadania do trabalhador nesses anos.
67
SINDICATO de classe. Revista Social-Trabalhista, Belo Horizonte, v. I, n. III,
p. 3-4, 1937.
68
LOPES, op. cit., p. 105.
69
Ibidem, p. 104.
70
SALGADO FILHO, Joaquim Pedro. A legislação do trabalho. Boletim do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 26, p. 113, [s.d.].
71
Ibidem, p. 117.
72
CAIXAS de aposentadorias e pensões. Revista Social-Trabalhista, Belo Horizonte,
p. 3, jun. 1937. Número especial.
73
Idem.
74
SINDICALIZAÇÃO das classes operárias e patronais. Revista Social-Trabalhista,
Belo Horizonte, v. II, n. VII, p. 3-4, 1937.
299
A REGULAÇÃO DO TEMPO
301
O Ministério se encarrega de mostrar as vantagens dessa
organização, considerada
302
mais inteligência e coesão nas suas atividades, dentro e fora dos locais
de trabalho, (...) concluirá conscientemente que a organização científica
do trabalho (...) não é panaceia mas medicamento enérgico que sana,
em parte, muitos dos males de que habitualmente nos queixamos. Se
tolhe aparentemente a liberdade, só aparentemente, também dá a quem
a pratica a oportunidade de defesa e melhoria nos organismos. Ela
não proíbe, não força, não dogmatiza, contraindica apenas e recorre à
cooperação e à colaboração, aproveitando as circunstâncias.4
303
pelas teorias “científicas” de Taylor, Ford e Fayol. Os dois
primeiros voltados para a produtividade operária e o último,
para a administração empresarial. A autoridade científica,
tida como inquestionável, do fordismo e do taylorismo, é cor-
roborada por vários outros estudos — de psicologia social e
fisiologia — sobre a fadiga profissional, a duração do trabalho,
a monotonia, os fatores de aumento do rendimento operário
— de autores como Claparède, Abbe, Otto Lippmann, Hebert
Winkler, Yovanovitch, Dill Scott e outros. Entre os brasileiros, é
dado destaque a Afrânio Peixoto, que, com seu livro Ensinar a
ensinar, estudou a organização científica do trabalho no plano
pedagógico, designando-a como “taylorismo educativo”.
De onde vêm toda a reverência e o fascínio dos técnicos do
Ministério diante das teorias de Ford e Taylor? Como veremos,
através de suas próprias palavras, eles advêm da possibilidade
concreta, em termos de métodos e recursos, que essas teorias
oferecem para a disciplinarização e o adestramento dos traba-
lhadores. O fordismo e o taylorismo são a expressão mais bem
acabada, no plano fabril, do conceito de disciplina enquanto “um
tipo de poder” e uma modalidade do seu exercício que “comporta
todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimen-
tos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma “física” ou uma
“anatomia” do poder, uma tecnologia” (Foucault, 1983, p. 189).
Tanto em Taylor quanto em Ford,6 a questão da economia da
velocidade do movimento bem como da adaptação entre o movi-
mento e a máquina e o controle da qualidade do tempo ocupam
papel fundamental na racionalização do trabalho industrial, tal
como pensada por ambos. A cronometragem, medida do tempo,
introduzida por Taylor — e por ele dividida em quatro ações, a
saber: a análise dos movimentos elementares de um operário, a
eliminação dos movimentos supérfluos, a determinação do tempo
necessário para realizar cada um dos elementos considerados
necessários e o acordo de certa tolerância — é objeto de reflexão
dos técnicos do Ministério ao discutirem a organização racional
da atividade operária.
304
Relacionada com o estudo dos movimentos profissionais está a
cronometragem (estudo do tempo). Para tirar dela proveito real, na
organização do trabalho, será preciso reduzi-la a seus justos limites.
Antes de tudo selecionar os operários, para dar a cada um deles o
lugar que melhor corresponda à suas aptidões psicofísicas. Depois
da seleção estudar a ambiência material do operário, estudar o lugar
do trabalhador, as mesas, os bancos, as ferramentas. Só depois de
estudados sob esses diferentes aspectos é que o trabalho das fábricas
pode receber com proveito a cronometragem. Colocado nesses limites
o estudo do tempo prestará à organização do trabalho operário um
serviço indiscutível. Nossa experiência de alguns anos nos demonstra
que o estudo do tempo, assim concebido, isto é, precedido pelo estu-
do dos movimentos, da seleção, do estudo do lugar do trabalho etc.,
apresenta grande valor na organização do trabalho.7
305
higiene profissional, chegaremos a economizar uma grande parte das
forças hoje inutilmente perdidas.8
306
pode exigir mesmo esforço psíquico maior, mais considerável. (...) Outro
princípio relativo aos movimentos é o do trabalho ritmado, do trabalho
que se efetua segundo certo ritmo, apropriado ao gênero da tarefa que
o operário executa. O trabalho ritmado (...) pede menor dispêndio de
energia que o trabalho não ritmado. É de grande importância que os
movimentos não sejam interrompidos a cada instante. Ao contrário,
será preciso escolher movimentos que tenham seguimento, e que se en-
cadeiem com facilidade. Importa em criar, assim, uma espécie de cadeia
de movimentos, que não façam apelo à vontade, senão uma única vez,
no começo, e que funcione em seguida sem esforço, por assim dizer,
instintivamente ou inconscientemente.10
307
afastamento de “todo gesto nervoso e inútil”12 e o aumento do
rendimento máximo do trabalho.
A questão da maior produtividade operária ocupa um bom
espaço dentro dos artigos que tratam da organização científica
do trabalho publicados no boletim. A ela vêm associados a
divulgação de estudos sobre a fadiga (ergografia), as vantagens
do estabelecimento de limites psicológicos e fisiológicos do
trabalho e os tropeços da monotonia. As longas explicações
psicológicas e conceituais sobre a fadiga e a monotonia vêm
respaldar a tese de que a divisão científica das horas de trabalho
e de repouso aumenta em “proporções consideráveis” o rendi-
mento operário, e a conclusão de que esse rendimento “é mais
elevado com o dia de 8 horas do que com o dia de nove”.13 A
questão fundamental é a de o organismo trabalhar de modo
econômico, daí, por exemplo, a condenação das horas extras:
308
especializadas do fordismo a outras modalidades de atividades
produtivas.16
O estudo, do ponto de vista energético, das diversas posições e
movimentos do operário no trabalho não dispensam argumentos
técnicos sobre a instalação do lugar adequado ao trabalho do
operário. Afinal, trata-se de facilitar o esforço para se obter maior
rendimento. Assim é que se reclama de um esforço de atenção
dos empresários no sentido da melhor disposição dos utensílios
do trabalho, da adaptação do local de trabalho — de forma a
evitar as distrações — do cuidado com os barulhos inúteis na
oficina, do isolamento destas quanto às influências dispersivas do
exterior, do cuidado com a iluminação, temperatura, ventilação.17
Toda essa política de coerção do corpo, sustentada por
argumentos técnicos e científicos, acaba por esquadrinhá-lo e
enquadrá-lo do ponto de vista disciplinar. Contudo, esse enqua-
dramento não se realiza tão somente com a prescrição dos gestos,
a minúcia dos movimentos, o detalhe do ritmo, a precisão da
velocidade, a adaptação à ferramenta e com as várias lições do
fordismo e do taylorismo. Ele necessita também da disseminação
de um padrão de higiene sanitária e moral.
Não raro a questão da higiene sanitária vem associada, nos
discursos dos especialistas do Ministério do Trabalho, à produ-
tividade e à eugenia da raça.18 Nessas questões, salientam-se, por
exemplo, os temas da alimentação do trabalhador e da limitação
das horas de trabalho.
Colocada dentro de um contexto em que é realçado o fato de
que o homem operário no Brasil sofre as consequências da falta
de racionalização da indústria nacional — o que faz com que o
operário, por exemplo, disperse energias ao gastar horas para se
deslocar de sua casa até o trabalho —, a alimentação é apontada
como a questão que mais afeta o operário. Insuficiente, feita em
péssimas condições de higiene, preparada na véspera, estragando
nos dias quentes, digerida fria, ela é a causa da baixa produti-
vidade e deve ser atacada não por um princípio humanístico ou
político, mas por um princípio racional.
309
Como se poderá ter uma raça forte e com capacidade de produção
se, no presente, a vemos claramente se comprometer? Como se poderá
obter um manufaturado por um preço mais baixo se, à sua confecção,
que poderia ser feita por um homem, forem necessários três? Quando
formos mais aptos, na certa seremos mais prósperos. (...) Ora, é intui-
tivamente compreensível que pessoas assim alimentadas não podem
produzir o que de direito lhes competia realizar.19
310
adequada para um perfeito funcionamento, a qual, ao beneficiar
a raça, garante o futuro da sociedade do trabalho. Essa mesma
racionalidade acompanha a justificativa de Salgado Filho quanto
ao estabelecimento da jornada diária de oito horas de trabalho:
311
É por isso que, nas horas de trabalho, as torneiras de água comum
se acham fechadas, forçando o operário a beber exclusivamente água
filtrada; a limpeza da fábrica (...) é conservada com todo o asseio possí-
vel; as instalações sanitárias, mantidas perfeitamente limpas. A ordem, o
método, a disciplina fazem parte desse regime, porque evitam acidentes,
esforços inúteis e escusado esfalfamento. Considero também o regime de
oito horas de trabalho como o mais próprio. O rendimento do operário
nas horas suplementares é sensivelmente inferior ao rendimento médio
por hora, no horário de oito horas. Isto indica indisfarçavelmente que
o operário deve trabalhar apenas oito horas por dia a fim de que não
sobrevenha a estafa, a surmenage, com evidente prejuízo da saúde do
operário e do rendimento industrial.23
312
(...) não só por sua natural fraqueza e debilidade, como ainda
porque os trabalhos excessivos da mulher diminuem a natalidade e
enfraquecem a raça. Para as crianças, enfim, de um e outro sexo, até
certa idade, todo o trabalho industrial deve ser interdito e passada essa
idade deve o máximo crescer lentamente.24
313
enquanto saneamento e, neste, enquanto purificação sanitária
e moral.
A higiene sanitária e profilática visa, sobretudo nessa pers-
pectiva, à preservação da saúde do corpo do trabalhador, e para
tal devem ser combatidas as doenças que mais comumente, por
decorrência de condições insalubres, o atacam, tais como o
paludismo, o bócio endêmico, a morfeia, as úlceras, as vermi-
noses, o beribéri etc., que “são afiados cutelos que nos caem à
cabeça e nos abatem o coeficiente do progresso humano”. 26 A
higiene é entendida como fator do coeficiente de progresso, e a
doença e a sujeira são referenciais da sua medida e indicadores
de atraso, insuportáveis, para o especialista.
314
e a ordem do trabalhador são sinais da ordem e do progresso
do corpo social.
Entretanto, a ideia do saneamento em todas as modalidades
de viver do homem e dos seus vários estados sociais ultrapassa
a adoção de medidas de natureza médica, higiênica e de profi-
laxia sanitária e passa a demandar uma profilaxia social e um
saneamento, do tipo moral, da sociedade. Assim é que o mesmo
especialista mencionado considera tarefa do educador higiênico
a correção dos vícios, das toxicomanias, das “acelerações impul-
sivas do caráter”. O que se pretende com o saneamento social
é o completo desenvolvimento físico e moral do homem com o
fim de torná-lo “forte, sadio, inteligente e honesto”. Aqui, vão
inserir-se os apelos do articulista contra a origem dos vícios,
contra a busca de “sensações novas de prazeres extravagantes,
que se prendem às falsas delícias da euforística, tais como o ópio,
ou às alucinantes excitações da cocaína e do álcool”.28 As drogas
aparecem, assim, como uma ameaça à higiene e à civilização e
são figuradas como um “monstro sinistro” que leva à degradação
e à morte e como a “poeira da morte”, o “líquido da loucura” e
a “essência do entorpecimento”:
315
o meretrício. Nesse ponto, o especialista, como um “cruzado
moral”, investe com uma fúria santa contra aqueles que ferem
as regras do perfeito saneamento sanitário e moral, clamando
por providência das autoridades:
316
social que ameaçam destruir. Isso porque, na sociedade una, o
homem uno é aquele que é sadio; a doença, portanto, é o que o
ameaça de divisão e, como a ele, à sociedade. O impedimento à
sua reprodução, pela proibição do casamento, é o que garante o
seu desaparecimento em definitivo da cena social. Nesta, ficam
apenas os sadios, os normais, os trabalhadores. Com estes, a
sociedade mantém a integridade e a saúde do seu corpo, porque
os dejetos devem ser eliminados.
A ideia da homogeneização do espaço social, seja pela eugenia,
pela moral, pela produtividade, pela devoção amorosa à pátria,
pela obediência à autoridade ou pela eliminação das classes,
implica necessariamente a contrapartida da exclusão, e a recusa
da “variedade de modos de vida, de comportamentos, de crença,
de opinião” (Lefort, 1983, p. 82). Por pretender uma asfixiante
uniformização do social é que o discurso totalitário circunscreve
com tanta certeza, e de forma fixa, as fronteiras entre o legal e
o ilegal, o normal e o patológico, o útil e o inútil, a saúde e a
doença, o moral e o imoral, a limpeza e a sujeira, o civilizado
e o incivilizado, o trabalho e o ócio. E são essas fronteiras que
delimitam o ordenamento do mundo do trabalho, tal como
vimos acompanhando até aqui. Dentro dessa ordem, é preciso
enquadrar, regenerar, afastar, punir os ociosos, os indisciplina-
dos, os subversivos, os fracos, os improdutivos, os indolentes, os
inexperientes e os incompetentes. Dentro desse contexto, insere-
-se sempre o argumento da organização científica do trabalho.
O tema da prevenção dos acidentes do trabalho, nesse ponto,
nos permite perceber como, dentro dessa política de coerção
adotada como modelo pelo Ministério do Trabalho, se avança
na direção da definição de um padrão de seleção do trabalhador.
Aliás, a seleção do trabalhador é considerada, por Agamenon Ma-
galhães, o principal fator do rendimento operário. Segundo ele,
317
por outros métodos, se a seleção do operário não for anteriormente
preenchida.30
318
as questões apontadas são a da inadaptabilidade do estrangeiro
e o fato de que este trabalha por necessidade econômica fora da
sua profissão, portanto, sem habilitação. Isso faz com que ele seja
mais atingido pelos acidentes do que os trabalhadores nacionais.
Por isso, torna-se candidato em potencial a entrar para o índex
dos que devem ser excluídos, juntamente com os velhos e os
menores — ambos pela sua reduzida capacidade física, a qual
os torna presas mais fáceis do cansaço e, consequentemente,
dos acidentes. No que se refere aos menores, é considerado um
agravante dos índices de acidente a sua indisciplina, a coorde-
nação imperfeita dos seus movimentos e o seu fraco poder de
atenção. A esses se juntam todos aqueles que não tiveram uma
proveitosa aprendizagem que os dotasse de certa experiência.
Com que critérios a mais deve-se empreender a seleção do
trabalhador? O inspetor responde:
319
Como em todos os artigos técnico-científicos do Ministério,
os aspectos referentes ao trabalho e aos trabalhadores são aqui
abordados como se não se inserissem no interior das relações
de dominação. A culpa dos acidentes de trabalho é, portanto,
atribuída aos operários e isso é afirmado sem rodeios, mesmo
quando se acrescenta uma longa descrição das “causas externas”
dos acidentes, que são as que dizem respeito às condições de
trabalho, o que é suficiente para qualquer um perceber a real
participação das “causas externas” no conjunto dos acidentes
de trabalho. Nesse ponto, sucede-se uma profusão de imagens
descritivas que apontam a ronda constante da ameaça de aciden-
tes em torno dos operários: umidade, falta de ventilação, calor,
buraco, pregos, manchas de óleo e graxa no chão, peso excessivo
nas costas, escadas sem corrimão, plataformas sem grade, pés
descalços, ausência de iluminação, serviços monótonos, horas
excessivas de trabalho, poeiras químicas e tóxicas, mercadorias
infestadas e infectadas, entre outras.
Ainda assim, afirma-se que esses fatores correspondem a
apenas 20% das causas dos acidentes. Essa contradição se
mantém mesmo quando o inspetor conclui o seu diagnóstico
sobre a ocorrência dos acidentes, sugerindo medidas protetoras
para afastar as ameaças à vida dos trabalhadores. Da lista de
doze tópicos, dez dizem respeito às providências que deveriam
ser tomadas pelos patrões. As duas providências relativas aos
trabalhadores se referem à exclusão dos considerados fisica-
mente inaptos e com menor força produtiva. São elas: “limitar
a idade do trabalhador entre 20 anos no mínimo e 50 anos, no
máximo”, e
320
O exame do operário é reafirmado, em outro texto do mesmo
inspetor, como instrumento para “pesquisar as aptidões do ope-
rário para adaptá-lo convenientemente ao ofício mais racional”.35
Aqui, a força bruta para o trabalho duro e estafante aparece
designada com a respeitabilidade científica da palavra “racional”.
O objetivo de lidar com as relações de trabalho de forma
técnica — negando, dessa forma, as relações de dominação e a
divisão existente na sociedade — revela-se, a nosso ver, nesse tipo
de argumentação falaciosa de técnicos do Ministério do Trabalho,
presente em vários de seus artigos e pareceres.36
Um bom exemplo desse tipo de argumentação nos é fornecido
pelo relatório de um funcionário da Diretoria de Fomento da
Produção Mineral do Ministério da Agricultura, após inspeção
na Mina do Morro Velho em Minas Gerais, quanto às condições
higiênicas do trabalho ali existentes. O relatório contém erros
estatísticos grosseiros, omite dados, endossa os argumentos da
empresa e conclui que os acidentes ali ocorridos se devem “à
imprudência individual” dos operários; que as condições de
higiene da mina são boas; que a existência de núcleos de ope-
rários instalados em más condições se deve a que eles estão em
terrenos onde a Companhia não pode ter ação direta. O relator
afirma que a Companhia tomou as medidas necessárias para
facilitar aos operários a medida higiênica “tão salutar” do ba-
nho de arsênico, na seção onde este é manipulado, sendo que os
operários se recusam a aceitar a medida. Os dados estatísticos
apresentados não relacionam os acidentes aos locais de trabalho
(superfície e subsolo), só computam, ao final, os vitimados com
internação, omitindo os percentuais e o total de acidentes por
ano. Quanto às mortes por causas naturais, fazem um enorme
malabarismo para concluir que a ocorrência da tuberculose e
da pneumonia está ali reduzida ao mínimo. O parcialismo desse
relatório técnico e as inverdades acerca das reais condições de
trabalho dentro da mina são facilmente constatados com a leitura
do livro de Grossi (1981).
321
Com esses argumentos técnicos, tentam legitimar a ordem
da propriedade da forma como ela está estabelecida. Em nome
da racionalidade, criam uma estrutura de relações estabilizadas,
com o auxílio da organização e da divisão técnica e científica
do trabalho e, com ela, negam as oposições de classe, enquanto
reforçam as condições da dominação.
Diante da envergadura desse projeto de ordenamento do
mundo do trabalho levado a efeito pelo Ministério, através da
sua minuciosa política de organização do trabalho, resta saber
se a prática política operária confronta esse projeto — e se ex-
plicita as vivências dos operários sob a égide dessa nova política
de controle da classe.
Em primeiro lugar, é preciso que se diga que, desde a nova lei
de sindicalização, imposta pelo famoso Decreto-lei n. 19.770,
de 1931, os setores organizados da classe operária se indispõem
contra o Ministério do Trabalho pela sua ingerência na vida sin-
dical. Contra o controle sindical e a subordinação ao Ministério,
como bem mostra Munakata (1981), se manifestam as várias
correntes do movimento operário: anarquistas, comunistas,
trotskistas. A resistência à nova lei de sindicalização, empreen-
dida pelas lideranças do movimento operário, faz recrudescer a
ofensiva do Ministério, através da concessão de férias somente
aos trabalhadores sindicalizados e de obrigatoriedade da carteira
profissional para o gozo das férias, para a sindicalização e para a
apresentação de queixas às Juntas de Conciliação e Julgamento.
Essa indisposição com o Ministério é fator de incentivo a que
os trabalhadores continuem a lutar pela autonomia de suas
organizações e pelo cumprimento da legislação trabalhista. O
clima de desconfiança, entretanto, permanece e a descrença com
os propósitos da justiça social, manifestos pelo Estado e pelo
Ministério do Trabalho, também.
A questão social, tal como formulada pelo Estado nesses anos,
322
de limite às ações operárias, mas tira-lhes o poder de discipliná-las;
incorpora as discussões dos parlamentares, tirando-lhes a iniciativa de
propô-las (Paoli, 1989, p. 14).
323
Uma boa ilustração da ação do Ministério está no episódio da
demissão de 17 mineiros da Mina de Morro Velho,40 em Minas
Gerais, em 1936, relatado por Grossi (1981). Por ocasião da elei-
ção de representantes operários para o conselho administrativo
da Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAP), os associados do
sindicato independente dos trabalhadores da Morro Velho (Sin-
dicato de Baixo) derrotam a chapa organizada pela Companhia
por uma margem expressiva de votos. No dia seguinte, a empresa
denuncia como extremistas, sem a apresentação de uma prova
sequer, toda a diretoria do sindicato (13 membros e mais quatro
sócios fundadores) ao Ministério do Trabalho, e este acolhe a
denúncia patronal, autoriza a dispensa de todos e intervém no
sindicato. A mobilização da opinião pública, os apoios recebidos,
as provas levantadas sobre a inverdade das denúncias, a ação
legal impetrada contra o Ministério, enfim, toda a movimenta-
ção empreendida (por iniciativa do PCB) não foi suficiente para
conseguir a reintegração dos operários. A ação impetrada só é
resolvida em 1938, com uma solução de compromisso entre a
Companhia e os mineiros, pela qual estes foram indenizados
legalmente. Conforme afirma Grossi (1981), apenas um entre
os 17 operários demitidos pertencia aos quadros do PC. “Os 17
fundadores constituíam a liderança incipiente de uma classe que
se organizava em oposição à Morro Velho” (p. 118).
Episódios como esse só vieram reforçar a percepção do Mi-
nistério como interessado apenas no controle da classe operária
e insensível ao drama operário, tal como manifesta o texto
abaixo referente às condições de trabalho e vida dos mineiros
da Morro Velho:
324
nova inquisição! É onde os seres humanos apenas vivem um ano. É
onde a deslocação de ar desmorona enormes pedras e estas amassam
centenas de operários que, se não morrem todos, se inutilizam para
o trabalho. É na terra do ouro e da miséria onde os homens se des-
pedem diariamente de suas famílias, porque diariamente a morte está
a rondar os ex-cavadores da terra, como se fossem suas as barras de
ouro arrancadas à terra. É onde o ordenado não passa de 6$ para os
braços em cujas veias corre o sangue brasileiro — e onde predomina
o braço estrangeiro que se encarrega das ocupações menos perigosas,
e recebe ordenado mais compensador. É no domínio estrangeiro, é na
mina, onde os fortes se tornam fracos pelos esforços despendidos; é
onde os suplícios diários aqui se contam como lendas, onde os corpos
humanos, disformes, desfalecidos, fazem ronda ao cemitério, não sa-
bendo se entram nele ou se na mina, se preferem as galerias longas e
escaldantes ao morno dormir na terra!
É lá, é ali pertinho onde os viajantes vão admirar a mina, a sua po-
tência, a sua exuberância, que encerra muito ouro, mas que nós sabemos
que encerra muita miséria, deposita muitos corpos que sucumbiram
em suas entranhas, como se fossem vermes!
É Morro Velho — a atração dos viajantes, a citação do Estrangeiro
— é lá que morre o Ministério do Trabalho!41
325
Segundo Munakata (1981, p. 71), o exame das especificidades
de cada corporação está de acordo com o princípio corporativis-
ta e visa dissolver a unidade da classe operária como um todo
e evitar a emergência de conflitos particulares decorrentes das
especificidades de cada profissão.
Sobre a ação do Ministério, é revelador o episódio em que
a Associação Comercial de Minas Gerais solicita-lhe a prorro-
gação de prazo para execução da lei de acidentes no trabalho
e é informada pelo presidente da Federação das Indústrias de
Minas Gerais, procurando por um emissário do Ministro do
Trabalho, que, embora o governo não pretenda conceder a
prorrogação pleiteada, permite que a sua execução seja feita
sem os atropelos e rigores do seu regulamento, o que, segundo
o entendimento e as palavras da Associação Comercial, “(...)
equivale a uma prorrogação tácita”.42 Por isso, são comuns,
na cena política desses anos, movimentações — como a dos
operários em panificação da Capital mineira — com o objetivo
de pressionar o Ministério pela ampliação das leis trabalhistas,
ainda não estendidas até a sua corporação, apesar dos vários
encaminhamentos feitos nesse sentido. O presidente da “União
dos Operários Panificadores” afirma, em meio à movimentação
de sua categoria, já terem os trabalhadores recorrido à greve
geral, para satisfazer necessidades mais imediatas, e que o
acordo firmado perante a Justiça do Trabalho permanecia um
mês depois sem ser cumprido. O descumprimento do acordo
firmado estaria implicando em jornada de trabalho de 14 a 16
horas; no não pagamento do aumento de salários; em dispensas
sem causa previamente provada; no não pagamento de horas
extras; na não regulamentação das pensões; no rebaixamento
dos ordenados.43
Também parece-nos importante registrar o episódio envol-
vendo o Sindicato dos Garçons de Belo Horizonte, ocorrido
em 1936. Diante da irregularidade do contrato de locação dos
garçons, que os priva de todos os direitos trabalhistas (por uma
cláusula, falsa, que os considera “interessados nos negócios do
326
patrão”), o sindicato recorre ao Ministério do Trabalho. O que
se sucede, após a entrada do recurso, é ilustrativo do que se passa
nesses anos: prisão do presidente do sindicato e o desapareci-
mento do processo no Ministério, depois de protocolado, o que
adia sobremaneira a decisão do caso, que, ao final, acaba sendo
favorável aos garçons.44
Todas essas questões fazem do Ministério um alvo da amar-
ga ironia operária. Vejamos a carta deste operário a um jornal
belo-horizontino:
Talvez vos pareça que isto seja absurdo, mas eu vos explico:
nós, os operários, já temos tudo que precisamos. Já temos diárias
de oito horas de trabalho. Senão vejamos os nossos irmãos da roça
que trabalham de sol a sol. Temos a lei de acidentes no trabalho: o
operário que não puder pagar um advogado não recebe a respectiva
indenização; temos leis que mandam observar a mais rigorosa higiene
nas fábricas: existem aqui mesmo em nossa linda capital fábricas que
possuem capacidade para quarenta operários e lá trabalham cem às
vezes mais. Sem ventilação, sem luz natural nem artificial, sem instala-
ções sanitárias e que nem ao menos são varridas uma vez por semana.
Temos leis que regulam o trabalho dos menores nas indústrias, senão
haja vista algumas fábricas nas quais o maior número de operários são
menores e estes são obrigados a produzir tanto quanto um adulto e
perceber como menores; está em cogitação a lei de um ordenado mínimo
que julgamos será um presente de grego; temos hospitais confortáveis
onde nos recolhemos quando enfermos; estabelecimentos apropria-
dos para nos recolhermos na velhice ou na invalidez; temos vilas em
que cada um de nós pode morar com a família em uma casinha com
algum conforto, por um aluguel mínimo, temos medicamentos para
nós e nossas famílias por preços mínimos; víveres, vestuários, que vos
digo: acho que é vosso trabalho. Senão vejamos os salários e tudo mais
que seja de primeira necessidade, tudo por um preço mínimo, porque
mesmo, não se podia compreender que estando às vésperas do salário
mínimo não pudéssemos adquirir o que estivermos precisando por
327
preços que também não fossem mínimos; portanto já viu o meu caro
amigo que o operário tem direitos e regalias tais, que está se banhando
num “Mar de Rosas”.45
328
no Sétimo Congresso da Internacional Comunista de 1935, re-
alizado em Moscou, com esta recomendação de Dimitrov, então
secretário da Internacional:
329
Nos sindicatos não deveria de maneira alguma persistir o criminoso
hábito das cisões internas, com prejuízo para a massa sindicalizada. O
Sindicato (...) é a casa do trabalhador, onde deve haver harmonia de
qualquer maneira, onde deve haver união de qualquer maneira, porque
é da desunião interna dos sindicalizados de que se aproveitam os seus
exploradores. (...) O sindicato é de todos, é a única arma do trabalhador
para a sua defesa. Quando o sindicato se acha enfraquecido por lutas
internas não pode defender eficientemente o trabalhador.49
330
Aqui, já se faz presente a associação da luta pela unidade sin-
dical com as lutas revolucionárias. Seu resultado é a vinculação
da luta operária sindical à Aliança Nacional Libertadora e ao
projeto de um governo nacional-popular, o qual faz parte dos
planos da CSBU. Isso significa a inserção do movimento operá-
rio, sob a liderança comunista, numa luta mais ampla contra o
imperialismo, o latifúndio e o fascismo e o seu distanciamento
de lutas que expressem as vivências da classe em função do seu
cotidiano de miséria, das estratégias disciplinares acionadas na
fábrica, do seu enquadramento higiênico e das interdições morais
que lhe são reservadas. As questões ligadas à exploração operária
no dia a dia e à organização da produção são diluídas nessa luta
maior. Isso talvez tenha ocasionado uma menor visibilidade das
várias estratégias de dominação acionadas pelo Ministério do
Trabalho, impedindo a sua percepção, uma vez que se tornam
secundárias diante da premência da unificação e do objetivo de
instalação de um governo nacional-popular. Um documento do
bureau de uma fração sindical regional do PCB traz, em 1935,
a recomendação de que se deve “mostrar às massas como a luta
pelas reivindicações imediatas está intimamente ligada à luta
pelos direitos políticos, pelas liberdades democráticas e contra
o imperialismo”.51
A constituição de núcleos profissionais dentro da ANL só
reforça essa tendência de integração. A ANL, dessa forma, torna-
-se um escoadouro de reivindicações pelo estabelecimento de
um salário mínimo, pela instalação de caixas de aposentadoria
e pensões, pelo cumprimento da lei de férias e de acidentes no
trabalho, pela jornada de oito horas.52
Através da Aliança, o Partido sugere que os núcleos desta
331
os moradores conhecem. Portanto os núcleos da ANL devem encabeçar
estas lutas ganhando assim a simpatia desses moradores e trazendo-os
para a luta comum contra o imperialismo, o latifúndio e o integralismo
e em favor das liberdades democráticas para todos os brasileiros (...).53
332
Por outro lado, parece-nos, por tudo que acompanhamos da
atuação do PCB até aqui, que sua dificuldade de se contrapor
às sutilezas da ordem em construção está em que os comunistas
acabam por participar do seu vigamento. E isso acontece não
por uma percepção cognitiva deformada da realidade, mas por
várias razões. No que diz respeito à nova política de organiza-
ção do trabalho, acionada pelo Ministério, particularmente no
que ela implica — a eficiência da racionalização, o aumento
da produtividade e a organização científica do trabalho —,
torna-se difícil ao PC articular alguma resistência a esses
aspectos do projeto, quando na Rússia revolucionária o que
havia dado força aos bolcheviques na luta pela hegemonia da
condução da revolução
333
(...) o povo russo, mau trabalhador ou desacostumado a trabalhar,
passaria a ter disciplina e controle (tarefa dos sindicatos) e a garantia
das técnicas mais avançadas do capitalismo dirigindo suas aspirações
(Marson, 1987, p. B9).
334
histórico-social, onde os signos do pensar autoritário e conser-
vador marcam fortemente a sua tradição política, do positivismo
ao liberalismo republicano. Esse quadro é agravado, nos anos
de 1930, pela ascensão mundial de um ideário contrarrevolu-
cionário e pelo surgimento de lideranças e soluções políticas
totalitárias.
No caso específico do Partido Comunista, a “acepção míti-
ca” — para usarmos uma designação de Castoriadis (1982) —
presente na doutrina comunista, com a garantia de uma terra
prometida e de redenção radical, reforça a fé dos seus militantes
que se consideram portadores da verdade e, enquanto tais, atri-
buem ao seu líder, Prestes, o dom da “infinita infalibilidade” a
que se refere Arendt (1982, p. 468). Nesse sentido, a obediência
do Partido à revelação doutrinária e às diretrizes traçadas pela
Internacional Comunista faz com que ele se una a esta e forme,
no dizer de Astrogildo Pereira (1980), “um só corpo orgânico,
sólido e homogêneo, a vanguarda do proletariado nacional”.
Reforçava-se, assim, sobremaneira, os traços totalitários presen-
tes na face da sociedade brasileira dos anos de 1930.
NOTAS
1
PIMENTA, Joaquim. Conceito de economia social. Revista Social-Trabalhista,
Belo Horizonte, v. II, n. IX, p. 14-16, 1937.
2
Idem.
3
DIAS, Carlos. Organização científica do trabalho. Boletim do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, n. 30, p. 146, fev. 1937.
4
Ibidem, p. 145-146.
5
Idem.
6
Sobre o taylorismo e o fordismo, ver: Taylor (1970) e Palloix (1982).
7
DIAS, Carlos. Organização científica do trabalho. Boletim do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, n. 29, p. 138-139, jan. 1937.
8
Ibidem, p. 136-137.
9
Idem.
10
Ibidem, p. 137-138.
335
11
Ibidem, p. 139-140.
12
DIAS, Carlos. Organização científica do trabalho. Boletim do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, n. 30, p. 136, fev. 1937.
13
Ibidem, p. 137.
14
Idem.
15
Ibidem, p. 139.
16
Ibidem, p. 144-145.
17
Ver também: BUENO, Zei. O homem e a máquina. Boletim do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, n. 18, p. 117-125, fev. 1936.
18
A presença do tema da eugenia no contexto de fascistização dos anos de 1930
é magnificamente analisada por Lenharo (1985).
19
CARVALHO, Ladário de. A alimentação do operário. Boletim do Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 15, p. 88, nov. 1935.
20
Ibidem, p. 89.
21
SALGADO FILHO, Joaquim Pedro. A legislação do trabalho. Boletim do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, n. 6, p. 115, fev. 1935.
22
Um bom exemplo da defesa da questão higiênica feita por médicos sanitaristas
no início da década está no Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 7, 6 fev. 1931;
e p. 5, 10 nov. 1931.
23
Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 1, 24 jan. 1931.
24
Os problemas trabalhistas na apreciação de um sociólogo católico. Estado de
Minas, Belo Horizonte, p. 3, 27 maio 1931.
25
MAGARINOS, José. O homem. Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria
e Comércio, n. 12, p. 288-289, ago. 1935.
26
Ibidem, p. 290.
27
Ibidem, p. 291-292.
28
Ibidem, p. 294.
29
Ibidem, p. 295.
30
MAGALHÃES, Agamenon. Boletim do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, n. 33, p. 111, maio 1937.
31
BUENO, Zei. Prevenção dos acidentes do trabalho. Revista Social-Trabalhista,
Belo Horizonte, p. 25-29, dez. 1937. Número especial.
32
BUENO, Zei. O homem e a máquina. Boletim do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, n. 18, p. 119, fev. 1936. Da mulher se afirma que a sua
constituição física corresponde a 4/5 da do homem, e que a sua força muscular
é 50% menor.
33
BUENO, Zei. Revista Social-Trabalhista, Belo Horizonte, p. 26-29, dez. 1937.
Número especial.
34
Ibidem, p. 29.
336
35
BUENO, Zei. O homem e a máquina, p. 125.
36
Ver: TEIXEIRA, Carlos Martins. Mineração aurífera. Boletim do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, n. 18, p. 151-160, fev. 1936.
37
Exemplo desse fato são as prisões de líderes operários, ocorridas em Juiz de Fora
em março de 1934, atendendo a ordens expressas do Ministério do Trabalho.
Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 7 mar. 1934.
38
A ação do Ministério atinge os vários estados da federação e pode ser confirmada
através dos jornais da época. A título de exemplo indicamos: Estado de Minas,
Belo Horizonte, p. 4, 10 jan. 1936; p. 8, 3 abr. 1936; p. 1, 26 abr. 1936; p. 4,
9 abr. 1936; p. 1, 25 jun. 1936; p. 1, 27 out. 1937; p. 1, 29 out. 1937; p. 4, 7
jul. 1936; O Diário, Belo Horizonte, p. 8, 3 abr. 1936.
39
PERSEGUIÇÕES e violências na Rede Mineira de Viação. Estado de Minas,
Belo Horizonte, p. 4, 11 jul. 1937.
40
Ver: Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 4, 16 ago. 1936; p. 5, 29 jan. 1937;
p. 4, 10 ago. 1937; e Folha de Minas, Belo Horizonte, p. 12, 12 maio 1936.
41
SÓ acreditamos na eficiência do Ministério do Trabalho, quando ele conseguir
libertar os escravos da mina do Morro Velho! O Debate, Belo Horizonte, p. 6,
22 mar. 1934.
42
Ver: Atas da Associação Comercial de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 58, 28
maio 1935. (verso).
43
Ver: Estado de Minas, Belo Horizonte, p. 3, 26 set. 1935.
44
Ver: Diário da Tarde, Belo Horizonte, 21 out. 1936. In: T.S.N. — Processo n.
412.
45
QUINTÃO, Henrique Barreiras. Um “mar de rosas...” O Debate, Belo Horizonte,
p. 6, 31 mar. 1934. (Carta do vice-presidente do Sindicato dos Sapateiros de
Belo Horizonte).
46
A CLASSE OPERÁRIA. Rio de Janeiro, p. 4, 20 set. 1935. In: T.S.N. — Processo
n. 422.
47
O Congresso da Unidade Sindical de Minas Gerais, por exemplo, é realizado
em Belo Horizonte nos primeiros dias de novembro de 1935. A ele comparecem
sessenta organizações sindicais urbanas e rurais, representando duzentos mil
trabalhadores sindicalizados no estado. As teses apresentadas privilegiam os
temas referentes à luta por melhores salários, à organização sindical, ao cum-
primento das leis trabalhistas, ao seguro social.
48
INSTALOU-SE o Congresso da Unidade Sindical. Estado de Minas, Belo
Horizonte, p. 4, 5 nov. 1935.
49
A 2a Reunião do Congresso da Unidade Sindical. Folha de Minas, Belo Horizonte,
p. 9, 6 nov. 1935.
50
PROGRAMA de cursos para ativistas. Bureau de Agitação e Propaganda
Nacional do PCB, maio 1935. p. 10-11. In: T.S.N. — Processo n. 1.
51
A TODAS as frações sindicais. Bureau de fração sindical regional, 1935. In:
T.S.N. — Processo n. 1, v. 16. (Boletim).
337
52
De acordo com volantes endereçados às categorias profissionais, como: AOS
trabalhadores em Transporte. Rio de Janeiro, 1935. In: T.S.N. — Processo n.
1, v. 10; ALIANÇA Nacional Libertadora, Rio de Janeiro, 1935. In: T.S.N. —
Processo n. 1, v. 10. (Núcleo dos Serventuários da Justiça).
53
INSTRUÇÃO aos núcleos do Distrito Federal. Distrito Federal, 1935. In: T.S.N.
— Processo n. 1, v. 16. (Panfleto avulso).
54
CONFORME panfletos avulsos de núcleos suburbanos da ANL do Rio de
Janeiro, 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 1 e 16; Marítimo e portuário, Rio
de Janeiro, 29 jan. 1936. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 1; e A Manhã, Rio de
Janeiro, 15 maio 1935.
55
AO povo leopoldinense em particular e à população carioca em geral. Comissão
Suburbana da AL/Rio, 1935. In: T.S.N. — Processo n. 1, v. 1. (Panfleto avulso).
338
CONSIDERAÇÕES FINAIS
340
comunista seria não o contrário da realidade anticomunista
(sua simples inversão), mas o contrário do que esta aparenta
ser, ou seja, seria o desvendamento da mentira anticomunista,
a desmistificação.
Contudo, o que se verifica é que, ainda que os comunistas des-
vendem a mentira da sociedade indivisa, homogênea, harmônica,
é em cima do aceno do indiviso, do homogêneo, do harmônico
que eles contrapõem a nova realidade a ser construída. Nesse
sentido, parece-nos que ambos representam a inversão de si
mesmos, e a ideologia de cada um é a tentativa desesperada da
simulação da divisão.
Quanto a uma possível contrapartida vivencial e emocional
do cidadão comum — que viveu esses anos — a essa sedução do
todo, uno, homogêneo e indivisível, talvez seja necessário sair
do imaginário para responder.
Fica aqui uma possibilidade aberta aos leitores.
341
REFERÊNCIAS
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Armadas. Rio de Janeiro, jul. 1935.
A LUCTA. Belém, 9-16 nov. 1935.
O LIBERTADOR. Rio de Janeiro, 22 nov. 1935 e jan. 1936.
MARÍTIMO E PORTUÁRIO. Rio de Janeiro, 29 jan. 1936.
O PROGRESSO. Belo Horizonte, 1 maio 1937.
O DIÁRIO DA REVOLUÇÃO. Uberlândia, 7 nov. 1930.
VOZ DA UNIDADE. São Paulo, abr. 1983.
DOCUMENTOS DO PCB
CIRCULAÇÃO INTERNA
(circulares, planos de ação, manifestos, teses-instruções etc.)
CADERNOS do Comunista. Material de educação política traduzido e
editado pelo SN do PCB. Rio de Janeiro, abr. 1937.
CIRCULAR de Luiz Carlos Prestes, 1936.
353
CIRCULARES relativas à carta de Joaquim Barbosa.
CIRCULAR enviada pelo grupo fracionista a alguns locais com que tinham
ligação e entregues por estes ao C.R. de São Paulo, 1 nov. 1937.
354
CIRCULAR do CR de São Paulo a todos os membros do partido. São
Paulo, ago. 1938.
CIRCULAR de Roberto Sisson. A Aliança Nacional Libertadora, que
brevemente vai instalar o seu núcleo em Diamantina, expõe ao povo os
pontos básicos de seu programa.
CIRCULAR a todas as frações sindicais.
CIRCULAR. Lenine e a disciplina do Partido. A obra do Fracionismo
oportunista nas nossas fileiras.
DEPOIMENTO através de apontamentos e de experiência pessoal. A luta
contra a direita e a “esquerda” no Partido Comunista do Brasil.
MANIFESTO de Romain Rolland — Presidente do Comitê Mundial contra
a Guerra e o Fascismo. Paris, fev. 1937.
DECLARAÇÃO de Camargo ao Comitê Central do PCB, 7 nov. 1937.
DECLARAÇÕES ao Comitê Regional de São Paulo de Iara e Noé, nov.
1937.
O DOCUMENTO dos 15 out. 1937.
MANIFESTO dirigido ao povo e ao Exército pelo Cel. Felipe Moreira Lima.
TESE para ser discutida no plenário do presente Congresso de Unidade
Sindical, realizado sob a direção da Confederação Sindical Unitária do
Brasil. Belo Horizonte, 6 nov. 1935.
TESE apresentada por Gentil Noronha no Congresso de Unidade Sindical
de Minas Gerais, realizado de 4 a 7 de nov. 1935, Organização Sindical.
INSTRUÇÕES do Partido Comunista do Brasil.
INSTRUÇÕES para o trabalho sindical e preparação de greves na atual
situação de estado de sítio. Rio de Janeiro, 7 dez. 1935.
INSTRUÇÕES de Newton Freitas aos núcleos do Distrito Federal.
INSTRUÇÕES de Roberto Sisson para a organização de núcleos da ANL.
INSTRUÇÕES aos comitês estaduais e municipais da ANL. Rio de Janeiro.
BOLETIM interno. Região de Minas Gerais do Partido Comunista do
Brasil. Juiz de Fora, set. 1938.
TESES políticas. Conferência Regional de São Paulo do PCB.
TESES de organização. Conferências entre a Direção Central e a Regional.
355
CIRCULAÇÃO EXTERNA
(panfletos e boletins de propaganda da ANL)
AOS OPERÁRIOS, soldados e todas as camadas pobres da pequena bur-
guesia. CR do Norte de Minas do Partido Comunista do Brasil.
AO PROLETARIADO e ao povo em geral. Comitê Regional de São Paulo
do Partido Comunista do Brasil.
ARRANQUEMOS do cárcere os bravos libertadores vítimas do furor fas-
cista do bando de Getúlio mancomunado com o imperialismo, 5 ago. 1935.
A ALIANÇA Nacional ao povo brasileiro. Diretório da Aliança Nacional
Libertadora.
A INTELLIGENCE Service Britânica e o Governo de Vargas organizam o
assassinato de Luiz Carlos Prestes.
POVO do Brasil: alerta!
AO POVO de Paracatu.
MANIFESTO aos trabalhadores de Paracatu. 1 maio 1943.
QUEREM transformar o Brasil numa segunda Espanha. Bureau político
do CC do Partido Comunista do Brasil, mar. 1937.
AO CLERO, católicos, intelectuais, classes conservadoras e operários do
Brasil.
AS CAUSAS das coceiras anti-imperialistas do Integralismo, mar. 1937.
AOS CATÓLICOS e a-católicos de Uberlândia. Carta aberta a um sacer-
dote.
FORÇA Getúlio!
VAI-SE a primeira pomba despertada.
AO POVO em geral e aos trabalhadores em particular.
AOS OFICIAIS e sargentos do Exército. Comitê Militar da ANL pró-
-integridade das classes armadas.
AOS JURISTAS, professores de Direito, advogados, magistrados, escrivães,
solicitadores, escreventes, oficiais de justiça etc., etc.. Núcleo dos Serven-
tuários da Justiça da ANL.
LIBERTEMOS Harry Berger que sofre com sua companheira as piores
torturas na polícia central e no pátio da polícia especial. CR do Rio do PCB.
COMPANHEIROS e companheiras têxteis! Operários Aliancistas Têxteis.
AO POVO leopoldinense em particular e à população carioca em geral.
356
MILITARES! Reajamos contra as ordens absurdas de João Gomes.
MILITARES! Reajamos contra a fascistização do Exército Nacional.
AO EXÉRCITO e ao povo brasileiro. Um grupo de oficiais.
ENGAJAMENTO para todos. Comissão de Sargentos e Cabos.
ALIANÇA Nacional Libertadora ao povo.
ÀS MULHERES do Brasil. União Feminina do Brasil.
AOS TRABALHADORES em transportes.
CONTRA a lei monstro! Comitê Regional Fluminense do PCB.
TRABALHADORES em transportes (...) Chauffeurs em geral (...).
PROTESTEMOS! Comitê de Frente Única Popular contra o Imperialismo
e o Integralismo.
COMPANHEIRO ferroviário. Direção do Núcleo Nacional Ferroviário
da Central do Brasil.
TRABALHADORES em geral! Intelectuais pobres, pequenos comerciantes!
MOCIDADE brasileira! Comissão do D. Federal.
POR um 13 de maio de protesto contra a falsa libertação dos negros no
Brasil! Comitê Regional do D. Federal do PCB.
AO POVO do Brasil! Trabalhadores manuais e intelectuais! Massas popu-
lares do Brasil! Comitê Regional do Rio do PCB.
ALIANÇA Nacional Libertadora. Grande Comício popular no Estádio
Brasil.
A ALIANÇA Nacional Libertadora expõe ao povo os pontos básicos do
seu programa. Roberto Sisson.
ALIANÇA Nacional Libertadora. Núcleo dos Gráficos.
A ALIANÇA Nacional Libertadora ao povo brasileiro. Pela salvação
nacional! Rio de Janeiro, mar. 1935.
A ALIANÇA Nacional Libertadora ao povo brasileiro.
A ALIANÇA Nacional Libertadora e as reivindicações da população de
Madureira e adjacências.
POVO brasileiro. Bureau Político do Partido Comunista do Brasil.
AO POVO brasileiro e às classes armadas. Distrito Federal, out. 1936.
HARRY Berger, um grande lutador antifascista e antiguerreiro.
357
A TODOS os sindicatos ferroviários! Diretoria da Confederação Sindical
Unitária do Brasil.
AOS TRABALHADORES, trabalhadores soldados e marinheiros!
AO POVO de Pernambuco.
UNIÃO de todos os paulistas pela prosperidade, a democracia e a paz!
São Paulo, 2 maio 1938.
A ALIANÇA Nacional Libertadora expõe ao povo, mais uma vez, os pontos
básicos de seu programa. Diretório Provisório Regional de Minas Gerais.
MANIFESTO Programa da União Feminina do Brasil.
CARTA de Joaquim Barbosa à CCE do Partido seguida dos comentários
de José Oiticica. Rio de Janeiro: Publicações do Grupo Braço e Cérebro,
1928 (Cisão do Partido Comunista).
CARTA dirigida à Zona do triângulo e Nordeste pelo grupo fracionista,
12 out. 1937.
CARTA de Luiz Carlos Prestes aos jovens de todo o Brasil.
DOCUMENTOS DA AIB
BRASIL ameaçado.
LITERATURA integralista.
BRASILEIRO, leia e medite. Rio de Janeiro, 5 dez. 1937.
MANUSCRITOS
ATA
ATAS da Associação Comercial de Minas Gerais. 1935-1937.
DOCUMENTOS DO PCB
CIRCULAÇÃO INTERNA (cartas — bilhetes)
CARTA de Camargo a seu irmão, rompendo com o grupo fracionista e
desmascarando-o. Rio de Janeiro, 7 nov. 1937.
358
CARTA de João Batista Barreto Leite Filho a Luiz Carlos Prestes, 26 out.
1935.