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1) Gostaria que o senhor contasse um pouco da história da Edusp.

Datas e publicações mais


importantes?

Podemos dizer que a Edusp tem, fundamentalmente, dois marcos em sua história. O primeiro, é a
própria fundação da editora, uma iniciativa de professores e da Reitoria com o objetivo de a
Universidade de São Paulo participar do processo de circulação de idéias e interferir no processo
pedagógico por meio do livro. Isso ocorreu em 1962.
O segundo marco é o ano de 1989, com a chegada do professor João Alexandre Barbosa, então
professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, à presidência da editora. A
partir de então, há uma guinada na história da Edusp. É importante explicar esta mudança.
De 1962 até 1989, a editora trabalhava apenas em um sistema específico de co-edição, ou seja,
parcerias com outras editoras. Essa parceria foi importante, na medida em que possibilitou a
chegada às livrarias de clássicos sobre a interpretação do Brasil e do mundo. Mas essa parceria tinha
uma particularidade que não atendia aos interesses da editora: todos os direitos autorais dos livros
publicados naquele período ficavam exclusivamente nas mãos das empresas co-editoras. A Edusp
funcionava apenas como uma espécie de fomentadora da atividade editorial, comprando parte das
tiragens e garantindo, portanto, a viabilidade de edição de títulos importantes. O resultado disso é
que, em 1989, aos 27 anos, a editora da Universidade de São Paulo ainda não tinha um catálogo
próprio – que é o que define o caráter, a personalidade de uma editora e lhe garante existência. Outro
efeito é que nós não temos direito de reeditar qualquer um dos títulos lançados em co-edição
naquele período.
O professor João Alexandre Barbosa determinou o ponto de mudança: criou-se um projeto editorial
para a Edusp, que indicou o rumo bem-sucedido que trilhamos ainda hoje e que transformou a
editora em modelo de casa editorial no Brasil.
A determinação de uma política editorial teve muitos desdobramentos. Significa que a editora
passou a decidir quais livros e assuntos queria ver presentes no debate cultural brasileiro. Essa é a
verdadeira função de um editor. Além disso, passamos a publicar os trabalhos provenientes da
academia, papel fundamental de uma editora universitária, mas que não era cumprido antes.
Hoje, a Edusp conta com XXXX títulos de inegável valor cultural e inúmeros prêmios.

2) Qual é a importância das editoras universitárias para o mercado editorial brasileiro atualmente?
Qual é a participação que elas tem no mercado? E a Edusp?

O papel das editoras universitárias é, em primeiro lugar, dar espaço à produção acadêmica de
qualidade. É preencher uma lacuna no mercado, publicando aquelas obras que despertam interesse
em parte da sociedade, mas que jamais se tornarão best sellers e que, portanto, provocam menor ou
nenhum interesse nas editoras comerciais. Ao mesmo tempo, nossa função é trazer obras que
possam colaborar no próprio desenvolvimento da universidade, da circulação de idéias, que possam
aprimorar o próprio ensino universitário.
Acredito que a participação das editoras universitárias no mercado é grande: como as editoras
comerciais, nós estamos nas livrarias para atender os leitores. Outro ponto importante: a qualidade
do livro que a Edusp produz hoje é igual e muitas vezes superior à do mercado. Entre as editoras
universitárias, diga-se, a Edusp teve papel fundamental na inovação editorial e do processo de
produção do livro. Isso foi pensado, fez parte do projeto editorial da Edusp.
No plano gráfico, por exemplo, eu tive inteira liberdade para aplicar a nossos livros os melhores
conceitos da editoração e produzir o livro da melhor maneira: corpo e entrelinha generosas, que
convidassem o leitor à leitura etc. Algumas de nossas capas são feitas por parceria entre capistas e
artistas plásticos.
Outro ponto relevante: simultaneamente a esse processo de profissionalização da editora, demos
espaço a alunos do curso de Editoração da Escola de Comunicação e Artes da USP, da qual sou
professor. Eles tinham talento, mas poucas oportunidades no mercado. Nós demos, e continuamos a
dar, chances a eles. A Edusp, portanto, serviu de escola a profissionais e, sem dúvida, também ao
mercado, já que a editora se tornou paradigma de qualidade para outras editoras – universitárias e
comerciais.
Por fim, acredito que o bom livro – de bom conteúdo e forma – sempre tem lugar. Só é preciso
torná-lo disponível.

3) A todo tempo divulga-se que o brasileiro lê pouco e as obras que lê são de pouca profundidade.
Isso é verdade? Como se explica o crescimento das editoras universitárias cujo foco está voltado
para publicação de teses e estudos?

O número de editoras universitárias aumentou porque cresceu o número de alunos nas universidades
brasileiras e o próprio número de instituições – fundamentalmente as particulares. O número de
editoras universitárias não aumentou significativamente, mas sim a quantidade de títulos. Ainda
assim, é verdade que algumas editoras novas chegaram ao mercado e são bem-sucedidas.
Sim, o brasileiro lê pouco, menos do que gostaríamos. Mas isso não pode ser creditado à ausência
do livro. Os livros são publicados, estão aí. O problema, é claro, tem fundo econômico. Em
comparação a outros países, o livro brasileiro é dos mais baratos, mas para o poder aquisitivo do
nosso povo ainda é caro. Mas, é evidente, há o problema do hábito.

4) Como é escolhido o catálogo de uma editora universitária? O processo é similar ao da comercial?


Vocês possuem uma agenda anual? Podem recusar a edição de material?

Edusp tem uma política editorial claríssima, e a escolha de seus títulos obedece a essa política. Essa
diretriz é definida pelo Conselho Editorial, composto por nove membros escolhidos pelo Reitor da
USP e pelo Conselho Universitário.
A prioridade é a publicação de obras acadêmicas de nossos professores, mas há espaço para bons
trabalhos de outras universidades. A idéia que inspira esta editora é a de que os professores devem
alimentá-la, apontando questões e assuntos que devem ser discutidos e demandas que devem ser
supridas na universidade.
Não publicamos livros de ficção, poesia e literatura infantil. A única exceção são as obras
consideradas clássicas. Nós as publicamos, mas sempre acompanhadas de um estudo crítico.
Exemplo disso, entre inúmeros outros, é nossa edição de “A Odisséia”, de Homero, com (desculpe-
me a redundância) a clássica tradução de Odorico Mendes e notas do professor Antônio Medina, da
USP.
O trâmite para a escolha de um título é simples e claro: o interessado apresenta a obra que deseja ver
publicada; esta obra é encaminhada a um parecerista, um especialista da área, que vai emitir seu
parecer, dizendo se acha a obra boa, sua publicação oportuna, e se a indica para lançamento; em
seguida, a Comissão Editorial avalia o parecer e, soberanamente, decide ou não pela publicação.
Ainda que haja aprovação, mudanças podem ser sugeridas.
Há, sim, um cronograma de publicações, programada com antecedência de até um ano.
5) Qual é o perfil da maioria dos livros editados? Os originais são teses de alunos da USP. Aceita-se
também outras universidades?

Acredito que as respostas anteriores atendem a esta.

6) A que o senhor atribui o crescimento das editoras universitárias? Foi resultado da união em torno
da Abeu? Por que essa "explosão" foi recente?

Acredito que a Abeu tem tido um papel importante ao reunir as editoras universitárias. Mas é
fundamental destacar o papel da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. A Imprensa foi o
principal incentivador do crescimento das universitárias públicas paulistas, fundamentalmente de
duas formas: primeiro, ela abriu seu parque gráfico para aquelas universidades, realizando co-
edições; depois, ela passou a financiar os grandes espaços que essas editoras vêm ocupando nas
Bienais – que é uma forma importantíssima de ampliar os contatos entre o público e o livro.
Desta forma, a Imprensa Oficial foi pegando gosto por ajudar a produzir e divulgar o livro – papel
crucial no Brasil. E eles continuam apostando nessa ação, patrocinando outras feiras e eventos
ligados ao livro por todo o interior de São Paulo.

7) Está próximo o dia em que cada editora universitária ganhará autonomia para caminhar sem estar
atrelada a outras do segmento?

A Edusp nasceu e cresceu completamente desvinculada de outras editoras do segmento universitário.


A Abeu tem um papel importante, como já disse, ao reunir interesses e objetivos. Mas deve ficar
claro que a existência e o amadurecimento da Edusp, bem como de outras universitárias, é anterior a
esse processo.

8) Além disso, precisaria abordar a polêmica gerada com as editoras comerciais, já que algumas
acreditam que as universitárias deixam de cumprir seu papel para se tornarem concorrentes nas
livrarias. Até que ponto essa crítica é verdadeira? Quais são os tipos de incentivos governamentais
que as editoras universitárias recebem? A carga tributária é a mesma?

Há muita desinformação e confusão sobre esta questão, provocada por certa incompreensão da parte
de alguns poucos editores. É bom que se esclareça.
Em primeiro lugar, é necessário não confundir editora universitária de uma universidade pública
com editora universitária de universidade privada – que tem outra lógica de funcionamento, outra
abordagem editorial e comercial.
Segundo: se a crítica de que as universitárias “deixaram de cumprir seu papel” –abandonando livros
comercialmente difíceis para disputar mercado com as comerciais – é dirigida à Edusp, ela é
desinformada. Provamos isso.
Olhe para nosso catálogo e veja: ele vem sendo construído fundamentalmente por obras surgidas no
interior da universidade e que, com alta freqüência, dificilmente interessam aos objetivos das
editoras comerciais.
Alguns exemplos:
- Qual editora assumiria a produção e tradução da nossa rica e gigantesca História da América
Latina, publicada originalmente pela Oxford, em 10 recheados volumes?
- Quem faria uma coleção nos moldes da nossa “Coleção Acadêmica”? Destinada ao ensino superior
das áreas de Ciências Exatas e Biológicas, ela foi inteiramente concebida e produzida pela Edusp.
Criou-se um projeto que recebeu sugestões de professores da universidade para que eles indicassem
as obra de que os estudantes careciam. A coleção é um sucesso absoluto, tem mais de 50 títulos
lançados, recebeu prêmios e alcançou seu objetivo maior: cair nas mãos dos estudantes. Sabemos
disso porque a coleção tem venda constante, o que revela sua perenidade.
- Repito a pergunta para nossa “Coleção Didática”. Assim como a anterior, esta foi planejada e
realizada na Edusp, com a intenção de atender ao ensino médio, nas áreas de história, geografia,
literatura. É outro sucesso. O volume sobre História do Brasil, por exemplo, de quase 700 páginas,
está na 10ª edição. Esta coleção tornou-se referência à produção de livros didáticos de editoras
comerciais.
- Mais um: quem se curvaria à tarefa de publicar o já clássico estudo literário e biográfico de
Dostoiévski, escrito pelo ensaísta americano Joseph Frank? São cinco volumes, cerca de 2 mil
páginas vertidas do inglês. A edição deverá chegar ao fim em 2004, depois de cerca de oito anos de
muito trabalho. Trata-se de um best seller? Certamente não.
Posso citar outros exemplo, como a coleção Polícia e Sociedade, dedicada à reflexão do papel da
Polícia em uma sociedade democrática – tema candente no nosso país nos dias de hoje.

Agora, pergunto: são livros comercialmente “fáceis”? E quanto ao trabalho de produção, as editoras
comerciais se dedicariam facilmente a eles?

Acredito que, entre outras centenas de obras, esses são exemplo de que a editora universitária
pública brasileira – falo aqui em nome da Edusp – vem cumprindo suas funções originais: publicar e
fazer circular obras de origem ou referência acadêmica, relevância cultural e possibilidades
comerciais reduzidas.
Se nossos livros ombreiam com obras das editoras comerciais nas prateleiras das livrarias – e isso,
muitas vezes, é verdade – esse é um sinal de que nossa função social está sendo cumprida. Ou seja,
o serviço público desempenhado pela editora é eficiente: escolher obras de inegável valor cultural e
pequeno ou nenhum potencial comercial, dar-lhes a melhor produção possível do ponto de vista
editorial e nos esforçar para que essas obras cheguem ao maior número possível de leitores.
O tipo de crítica que você cita é, na verdade, uma crítica que visa a punir o serviço público
justamente quando ele alcança seu maior objetivo: atender, com alta qualidade, o cidadão. Por que,
então, cobramos eficiência do serviço público e não a reconhecemos quando ela existe?
A Edusp, portanto, vem cumprindo sua função social. O que alguns desejam é que a editora
universitária volte a produzir pelo sistema de co-edição descrito em resposta à sua primeira pergunta
(cf.), pelo qual a editora não guardava qualquer direito sobre as obras.
Esse procedimento não interessa à Edusp. A editora não abrirá mão de ela mesma escolher seus
títulos (com base nos critérios claros e objetivos mencionados) e de enriquecer seu acervo. Afinal,
como já disse, é o acervo que define o caráter, a personalidade de uma editora e lhe confere sentido e
existência.
Gostaria de acrescentar que a renda industrial da Edusp, proveniente da venda de nossos livros, é
integralmente reinvestida na produção de novas obras, no livro, e não em qualquer outro bem.

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