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Universidade Candido Mendes – UCAM

Marcio Araújo Valente

Resenha: A África até o Século XIX

Thornton, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico (1400-


1800). Parte 1- Os Africanos na África. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

Prof. Mestre Paulo Renato Lima

Trabalho apresentado ao
curso de História da África e do Negro no Brasil, oferecido pela
Universidade Candido Mendes - UCAM,
como requisito parcial para obtenção do grau
de especialista, sob a orientação do Prof.
Mestre Paulo Renato Lima

Rio de Janeiro
2019
RESENHA

THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico (1400-


1800). Parte 1- Os Africanos na África. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

John K. Thornton é professor de História da África e Diáspora Africana na Universidade


de Boston, Massachusetts (EUA), desde 2003. Doutorou-se em História da África pela
Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA) em 1979. É especialista em História
Pré-Colonial do Oeste da África Central e autor de quase cinquenta artigos e quatro livros.
Tem participado, como consultor, de várias exposições em museus, como a African
Voices no Instituto Smithsonian, a Against Human Dignity, no Museu Marítimo e a
exposição permanente "The Jamestown Settlement" aberta em abril de 2007, na cidade
de Jamestown, Virgínia.

A África e os africanos na formação do mundo atlântico (1400-1800) é um livro


de História da África e suas relações com os europeus através do comércio no Atlântico.
A proposta de Thornton e quebrar paradigmas, desconstruir a História da África que o
senso comum conhece, e apresentar a África não como passivo neste comércio, mas como
um dos protagonistas em pé de igualdade com a Europa.
Antes a História era estudada isoladamente, o autor propõe um estudo integrado
do continente africano, com as américas e Europa. Segundo o autor, este livro é uma
tentativa de resgatar essa pouco conhecida imigração de africanos para as américas e de
situa-lo no campo crescente da história do Atlântico. Esta obra procura tornar
compreensível diversas posições contraditórias acerca do tema, respondendo
questionamentos como: A África teria um desenvolvimento inferior que o da Europa, e
este desequilíbrio como causa do comércio de escravos? Africanos são parceiros ou
vítimas dos europeus?
Questionamentos estes que foram respondidos em duas partes. A primeira parte
do livro examina detalhadamente a natureza da interação entre África e Europa. A
segunda parte aborda o papel dos africanos que foram viver em outros locais do Atlântico
em suas novas sociedades.
Esta Resenha está delimitada justamente nesta primeira parte do livro intitulado
“Os Africanos na África”, onde podemos ver a atuação do africano em seu continente e
seu papel no comércio do Atlântico.
Em meados do século XV tem início as grandes navegações europeias,
acontecimento este, de extrema importância para a História da humanidade. Inicia-se uma
conexão de rotas comerciais integrando o chamado Velho Mundo com a África e as
Américas. Neste primeiro momento, o autor mostra a importância da criação do Mundo
Atlântico, associando a nova rota comercial europeia, ao já existente comércio africano.
Thornton descreve um comércio interno africano muito bem desenvolvido, incluindo
várias rotas fluviais, com monopólio de grandes reinos africanos. Este comércio já
integrava o interior da África com o mundo islâmico no Norte e Mediterrâneo. O que
podemos ver dentro deste contexto, é o europeu se inserindo em um comércio já existe
há séculos. Os africanos são comerciantes experientes, desmistificando a questão de
ingenuidade.
Os monarcas ibéricos foram os patrocinadores das Grandes Navegações, na
medida em que poderia levar a grandes lucros. Neste ponto de vista, a tecnologia era
desenvolvida, quando havia certeza do retorno de ganho com o aperfeiçoamento da
técnica. A circunavegação da África até as Indias era importante, porém era uma vigem
muito longa e dispendiosa. Uma visão mais “romântica” aponta como principal motivo
para as Navegações, além do espirito aventureiro, questões geopolíticas como a eterna
luta contra o mundo islâmico. O intuito era converter os africanos não islamizados e
formar uma aliança contra o Marrocos islâmico. A questão econômica ficaria em segundo
plano. Thornton aponta a teoria mais provável que teria motivado as Grandes Navegações
foi a expectativa de um caminho mais curto para as Minas de Ouro da África Ocidental,
conhecida fonte do metal para o comércio no Mediterrâneo. Uma explicação plausível
para a demora na conclusão da circunavegação da África, era justamente o
estabelecimento de novas rotas comerciais por todo o litoral africano. Ouro e escravos no
Senegal, pimenta no Benim, ouro em Gana, dentre muitos outros.
Acadêmicos apontam que a dominação marítima do europeu conferiu vantagens
comerciais e políticas sobres os povos da África e das Américas, contudo o que podemos
perceber é muito mais complexo do que possa parecer. Nas ilhas já conquistadas do
Atlântico (Canárias, Madeira dentre outras) a superioridade naval europeia prevaleceu,
porém o autor aponta vários exemplos de que no continente africano, apesar de algumas
conquistas litorâneas, as embarcações locais de grupos organizados eram muito eficazes
sobre os conquistadores. A superioridade naval europeia era apenas em alto mar. Com
isso o europeu não consegue penetrar no continente e conquistar efetivamente o local.
Com a costumeira relação de guerra, conquista e comércio abalada, os portugueses
optaram por uma relação mais pacifica e diplomática para com os monarcas africanos.
Chegavam a oferecer presentes a estes governantes, afim de poderem viajar pelo
continente sob a sua proteção.
Além do poderio naval africano ter dificultado os ataques, ele também permitiu
que os africanos comercializassem com os europeus segundo seus próprios termos,
coletando direitos aduaneiros e taxas como queriam. O comércio só era realizado com o
aval dos monarcas africanos, mas com os interesses garantidos e lucros para ambos os
lados, definitivamente não era um comércio desigual.
O europeu estava limitado ao litoral africano, com exceção de Angola, não houve
mais nenhuma importante conquista europeia na África até 1579. Neste ano ocorreria uma
grande guerra na região, porém sem uma conclusão precisa.
Pesquisadores como Rodney apontam que o comércio africano com o europeu foi
o primeiro e decisivo passo para o atraso da África. Esta relação seria desigual, tendo em
vista que os lucros do europeu seriam muito superiores aos dos africanos. Thourton
contesta esta teoria, afirmando que os africanos tiveram um papel muito ativo no
desenvolvimento comercial, e o fizeram por sua própria iniciativa. Ainda, o comércio no
Atlântico não era tão crucial para a economia africana, e por outro lado, seus produtos
tinham qualidade suficiente para competir com a Europa pré-industrial. Não há
embasamento lógico na comparação comercial entre europeus e africanos nos séculos
XVI e XVII com o comércio nos dias atuais. A Europa oferecia produtos manufaturados
que por sua vez já eram produzidos na África, diferenciando assim dos dias atuais. Hoje
a África importa produtos que não são produzidos no continente, o que causa uma certa
dependência. Dentro desta perspectiva, Thourton conclui que este comércio não surgiu
para suprir uma necessidade africana, seja por qualidade ou deficiência na produção de
manufaturados. Este comercio surgiu em grande parte para satisfazer os desejos africano,
alimentando o prestígio, modismo, gostos diferentes e a vontade de variar.
Portugal tentou limitar todo o comercio no Atlântico, monopolizando o tráfico e
cobrando impostos a outras nações ou particulares que circulavam pela costa da África.
Porém, o que podemos ver é que os governantes africanos se dispunham a ceder suas
próprias concessões privadas. O autor afirma que enquanto os Estados africanos
preservaram sua soberania, a Coroa portuguesa nunca conseguiu dominar completamente
o comércio. É importante salientar que os Estados africanos também tentaram
monopolizar este comércio, porém em alguns casos sem êxito. O autor afirma que a
soberania africana era tão fragmentada quanto a teórica soberania que os europeus
tentaram manter sobre o comércio.
Alguns pesquisadores apontam que o comércio de escravos entre África e Europa
teria contribuído decisivamente para a degradação do continente africano. Rodney
argumenta que o comércio de escravos provocou uma ruptura social, aumentando os
conflitos, expandindo o número de cativos na África, o que Paul Lovejoy chamou de “tese
da transformação”. Para Thourton, o impacto demográfico, embora importante, foi local
e difícil de se dissociar das lutas internas e do comércio de escravos no mercado
doméstico da África. O que podemos ver é que o europeu simplesmente entrou neste
mercado já existe, e os africanos responderam a esta demanda.
As concepções e visão de mundo entre africanos e europeus no século XVI e XVII
são bem divergentes. O europeu deste período podia medir sua riqueza através da
quantidade de terras que possuía. Já para o africano, de uma forma geral, não existia a
propriedade privada. Sua riqueza podia ser medida através da quantidade de pessoas que
estavam sob o seu domínio, sejam escravos ou pessoas da própria família. Ele possuía a
força de trabalho destas pessoas e o que estes produziam, isso geraria mais riqueza.
Para Rodney e Lovejoy com a “tese da transformação” defendem a ideia de que o
desenvolvimento do comércio de escravos no Atlântico, fomentou a escravidão, isso por
um fator externo, estranha a política econômica da África. Contrapondo esta teoria,
Thornton sugere que a expansão da escravidão pode ser vista como resultado do
crescimento econômico na África, estimulado pelas novas oportunidades comerciais com
a Europa.
Outro ponto a ser questionado por Thourton, é o fato de a escravidão ter fomentado
os conflitos internos africanos para obtenção de cativos. A questão é que estes conflitos
sempre existiram na África, seja por motivos políticos ou mesmo para obter escravos, que
como vimos era sinônimo de riqueza, mesmo antes da atuação europeia no continente. O
comércio de escravos já era bem instituído com o mundo islâmico bem antes do europeu.
John K. Thornton fundamenta toda a sua pesquisa em fontes primárias, examinou
uma vasta documentação para apresentar sua tese. O autor nos oferece uma infinidade de
fatos, inúmeros personagens, em um longo período para chegar a conclusões que diferem
de uma historiografia digamos mais tradicional.
A conclusão da pesquisa deste livro está baseada na ideia de que os africanos
foram participantes ativos no mundo Atlântico, tanto no comércio africano, inclusive no
comércio de escravos, quanto como escravos no Novo Mundo.
O comércio da Europa com a África não pode ser visto como algo destrutivo, pois
ele não privou em nada a produção de manufaturados africanos. Desta forma, não
havendo razão para que os africanos desejassem interromper o comércio, ou que o desejo
de continuar o comércio se baseasse na necessidade.
O tráfico Atlântico de escravos e a participação da África como um dos
protagonistas, tem profundas raízes nas sociedades tradicionais e sistemas legais
africanos. É notório que a instituição da escravidão era praticada em todo o continente,
captura, compra, venda e transporte de cativos eram circunstancias normais para as
sociedades áfricas. Thornton afirma que esta organização social preexistente foi, assim,
muito mais responsável do que qualquer força externa para o desenvolvimento do
comércio Atlântico de escravos.
A África e os africanos na formação do mundo atlântico (1400-1800), rompe com
conceitos que insistem em apresentar a África como um continente atrasado, com sua
população e monarcas subservientes aos europeus, justamente por isso que esta obra
torna-se de grande importância para o conhecimento mais próximo da realidade, com
africanos em plena igualdade em todos os sentido para com o europeu. Dentro deste
contexto, esta obra de John K. Thornton, contribui significativamente para a Lei 10639
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial
da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira",
sendo de suma importância para professores, alunos e pesquisadores sobre o tema.

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