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A ATUAÇÃO DO STJ NO EXAME DO JUSTO VALOR

COMPENSATÓRIO DOS DANOS MORAIS - Como


adicionar objetividade a partir de duas propostas de
método

A ATUAÇÃO DO STJ NO EXAME DO JUSTO VALOR COMPENSATÓRIO DOS


DANOS MORAIS - COMO ADICIONAR OBJETIVIDADE A PARTIR DE DUAS
PROPOSTAS DE MÉTODO
Revista de Processo | vol. 206/2012 | p. 295 - 319 | Abr / 2012
Doutrinas Essenciais de Dano Moral | vol. 4/2015 | p. 641 - 665 | Jul / 2015
DTR\2012\44632

Fábio Luis Furrier


Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Superior do MPSP (2001). Foi
assessor e Chefe de Gabinete de Ministro do STJ. Assessor de Ministra do STF.

Área do Direito: Civil; Processual


Resumo: Este estudo acompanha o desenvolvimento da jurisprudência do STJ no exame
dos pedidos de revisão do valor compensatório dos danos morais, de forma a
demonstrar como as soluções hoje consolidadas foram desenvolvidas sobre bases
frágeis, permitindo uma alta dose de subjetivismo - e, consequentemente, um baixo
índice de previsibilidade - no julgamento de cada caso concreto. Propõe-se, ainda, dois
modelos de métodos para resolução dessas controvérsias, com o objetivo de acrescentar
objetividade e segurança às decisões do Tribunal.

Palavras-chave: Direito civil - Danos morais - Revisão do valor compensatório - STJ -


Recurso especial - Súmula 7 do STJ - Proporcionalidade e razoabilidade - Fragilidade dos
atuais critérios jurisprudenciais -Ausência de objetividade - Proposta de novos modelos
Abstract: This paper follows the development of the jurisprudence of the Brazilian
Superior Court of Justice (STJ) in examining appeals for review of the monetary
compensation amount for moral damages in order to demonstrate how today's
consolidated solutions were built on fragile grounds, allowing a high dose of subjectivity
- and thus a low level of predictability - in the judgement of each case. This article
proposes also two models of method for resolving these cases, in order to add objectivity
and certainty to decisions of the Court.

Keywords: Civil law - Moral damages - Review of monetary compensation amount -


Brazilian Superior Court of Justice (STJ) - Special appeal - Precedent 7 - Proportionality
and reasonableness - Fragility of current jurisprudential criteria - Lack of objectivity -
Proposal for new models
Recebido em: 05.03.2012 Aprovado em: 16.03.2012
Sumário:

- 1.DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA. ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA -


2.CRÍTICAS À JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. NECESSIDADE DE UMA NOVA
ABORDAGEM - 3.AS DISTORÇÕES PROVOCADAS PELA ATUAL JURISPRUDÊNCIA COMO
CAUSA DO EMPOBRECIMENTO DA DISCUSSÃO SOBRE DANOS MORAIS - 4.UMA
SEGUNDA PROPOSTA ALTERNATIVA: COMO, AO MENOS, APRIMORAR A
JURISPRUDÊNCIA ATUAL, EM BUSCA DE OBJETIVIDADE - 5.CONCLUSÕES -
6.BIBLIOGRAFIA

Recebido em: 05.03.2012 Aprovado em: 16.03.2012


1. DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA. ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

De acordo com uma antiga estória medieval, em 22.07.1209, à beira dos portões recém
conquistados de Béziers, localidade da atual França onde prosperava a heresia cátara,
teria sido inquirido Arnold Amaury, monge cisterciense comandante da cruzada formada
para eliminar os hereges daquela cidade, sobre como seria possível separar os infiéis dos
bons cristãos, no calor da invasão. A resposta se tornou célebre pela praticidade
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inversamente proporcional à sua justiça: “Caedite eos. Novit enim Dominus qui sunt
eius”, ou seja, “Matem todos. Deus saberá quem são os seus”. Mais tarde, em carta ao
Papa Inocêncio III, Amaury afirmou textualmente que cerca de 20 mil pessoas, incluindo
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jovens, mulheres, idosos e crianças, foram passados no fio das espadas naquele dia.

Assim, o monge Amaury entraria para a história ao demonstrar que o modo mais
eficiente de contornar a necessidade de um método objetivo para a resolução de um
problema é, simplesmente, ignorar que o problema existe. Ora, 803 anos depois, alguém
que analise a forma como o STJ aborda os pedidos de revisão de compensação por
danos morais poderia chegar exatamente à mesma conclusão, porque o Tribunal afirma
ter desenvolvido uma solução para esses casos, mas essa solução passa muito longe de
ser obtida a partir da aplicação de um método claramente delineado. E as
consequências, na prática, são as mesmas previstas pelo ilustre monge – “matam-se”
milhares de recursos especiais a partir da aplicação de um discurso padronizado, e só
Deus consegue distinguir quem ganhou o que merecia.
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Com efeito, a onipresente Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ - enunciado cujo sentido
preciso, por causa do uso reiteradamente indevido, tem se tornado tão fluido quanto o
conceito de liberdade do famoso poema de Cecília Meireles, algo que “não há ninguém
que explique e ninguém que não entenda” – tem feito as honras da espada dos cruzados
quando se trata de analisar, em recurso especial, o valor fixado pelas instâncias
ordinárias como compensação pelos danos morais. De forma muito resumida, parte-se
da premissa de que, nessas hipóteses, é necessário buscar uma correlação entre as
peculiaridades do caso e um valor que, de forma estimativa, compense aquela específica
agressão sofrida, conquanto inviável a transposição perfeita de medidas entre uma
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ofensa a um direito intangível (como a honra) e uma reparação de natureza pecuniária.
Essa correlação, por sua vez, deve ser traçada tanto em face de questões jurídicas
(existência de culpa concorrente, por exemplo) como, principalmente, a partir das
circunstâncias fáticas que delineiam o evento, o que leva a uma primeira conclusão no
sentido de que cada caso de danos morais é (ou deveria ser) um caso único.

Tal conclusão, por sua vez, gera dois desdobramentos diretos: (a) afasta a possibilidade
de que haja um tabelamento puro e simples das indenizações, atribuindo-se
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aprioristicamente a uma previsão abstrata A o valor fixo B; e (b) quando enfrentada a
questão da correlação entre dano e indenização no âmbito do recurso especial, surgiria
intransponível a dificuldade derivada da forte imbricação existente entre os fatos e o
resultado do julgamento, ficando claro que a alteração deste demandaria,
necessariamente, o reexame daqueles próprios elementos de prova – o que estaria
vedado pela citada Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ. Em outras palavras, para se
revisar o valor, seria necessário afirmar que o Tribunal a quo não procedeu a uma
correta avaliação das circunstâncias fáticas, o que seria inadequado porque a função
institucional do STJ é unificar a interpretação do direito e não funcionar como Tribunal
revisor propriamente dito.

O conceito principal é simples, portanto – não se alteram valores em recurso especial,


porque essa alteração dependeria de um reexame dos elementos fáticos que levaram à
sua fixação.

Ocorre que, na prática, a Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ não tem sido aplicada com
a uniformidade que seria de se esperar. Para desgosto dos que se dedicam ao problema,
são pouquíssimos os que explicam e menos ainda os que entendem os motivos que
levam à existência de processos que sobrevivem a uma degola supostamente indistinta,
pelo menos a partir do que seria esperado se a argumentação supracitada fosse
coerentemente aplicada.

É que o STJ, ao contrário do monge Amaury, não se dispôs a bancar integralmente o


preço dessa coerência, abrindo então uma alternativa para conhecer de certos casos que
têm as mesmas características daqueles que deixam de ser conhecidos, mas, ao mesmo
tempo, são considerados diferentes, como os porquinhos da fazenda de Orwell. É
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fundamental estabelecer esse ponto com firmeza; o atual estado da jurisprudência do


STJ, e, consequentemente, as perplexidades que dele decorrem são resultado de uma
escolha deliberada do Tribunal, realizada em um momento histórico definido. É preciso,
portanto, como ponto de partida, retomar o momento dessa escolha; não para julgála
em face das perplexidades verificadas no presente – o que resultaria em uma análise
certamente injusta, além de provavelmente deselegante – mas para compreender como
ela ocorreu.

Sem intenção de citar, rigorosamente, o precedente que inaugurou este ou aquele


entendimento, é possível traçar a evolução do Tribunal pela menção a um número
relativamente pequeno de paradigmas. Assim, por ordem cronológica, em 05.09.1995, a
4.ª Turma entendeu, no AgRg no Ag 61.912/BA, rel. Min. Barros Monteiro, que o
arbitramento dos danos morais seria “dependente dos fatos e circunstâncias das causas”
e, por isso, “a determinação dos prejuízos não é suscetível de avaliação pela instância
excepcional (Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ)”. Na fundamentação do acórdão, não
houve menção à possibilidade de, excepcionalmente, conhecer de algum recurso especial
sobre o tema, mesmo em face de uma discrepância gritante de valores; ao contrário, ali
se afirma de forma peremptória que “descabido é, com efeito, avaliar-se se justo ou
injusto o quantum da condenação imposta ao banco, pois que isto se encerra nos fatos e
circunstâncias da causa, em cuja apreciação as instâncias ordinárias são soberanas”. Em
20.05.1997, a 3.ª Turma seguiu pelo mesmo caminho, limitando-se a afirmar que a
matéria dizia respeito ao reexame de fatos e provas, sem qualquer ressalva (REsp
67.673/RJ, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

Dois meses antes, porém, em 11.03.1997, a 4.ª Turma já havia dado um passo
importante no REsp 74.532/RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao fixar desde
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logo, com base no art. 257 do RISTJ (LGL\1989\44), a indenização devida por danos
morais, após constatar a necessidade de reforma de acórdão proferido pelo TJRJ que
havia julgado improcedente o pedido. A rigor, a 4.ª Turma poderia ter optado por
remeter os autos novamente ao Tribunal de Justiça para que este estabelecesse o valor,
analisando as circunstâncias fáticas envolvidas na controvérsia; a fundamentação do
acórdão demonstra que a Turma preferiu a primeira alternativa, porque esta daria
“solução definitiva ao caso” e evitaria “inconvenientes e retardamento da solução
jurisdicional”. Dois, portanto, os argumentos utilizados: o primeiro, de natureza objetiva,
referiu-se à busca de presteza jurisdicional, duplamente mencionada nas expressões
“solução definitiva” e “retardamento”; e o segundo, bastante singelo e de difícil
apreensão, resumido à expressão “evitar inconvenientes”. Evidentemente, entre tais
“inconvenientes” não pode estar a delonga processual, mencionada separadamente por
duas vezes; qual seria, então, sua natureza? Talvez aqui se encontre a gênese de uma
ideia então ainda indistinta, mas que viria a tomar forma muito rapidamente nos dois
anos posteriores a esse acórdão, conforme se verá a seguir. Por enquanto, porém, há
um segundo ponto relevante nesse julgado que não pode ser desperdiçado: uma vez
estabelecida a possibilidade de resolução direta do conflito, com base no art. 257 do
RISTJ (LGL\1989\44) (não citado expressamente neste caso, mas mencionado no REsp
135.202/SP, 4.ª T., j. 19.05.1998, Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, em idênticas
circunstâncias), é interessante notar como o STJ passou a trabalhar a questão dos
critérios de definição do valor da indenização; a essa altura, o STJ consignou a tese de
que “o arbitramento em tela deve operar-se com moderação, proporcionalmente à culpa
concorrente estabelecida [era esta a hipótese do caso], ao nível socioeconômico dos
autores, a perspectiva de vida da menor vitimada, sua futura ajuda e, ainda, ao porte da
empresa recorrida”, texto-padrão que passaria a ter ampla divulgação nos anos
posteriores.

Atingido esse ponto, o avanço seguinte se tornou inevitável; e, em 16.09.1997 (REsp


53.321/RJ, 3.ª T., Min. Nilson Naves), o STJ, analisando a razoabilidade de uma
condenação imposta pelo TJRJ em 2.400 salários mínimos, decidiu reduzi-la,
consignando o relator, Min. Nilson Naves, que “por maiores que sejam as dificuldades, e
seja lá qual for o critério originariamente eleito, o certo é que, a meu ver, o valor da
indenização por dano moral não pode escapar ao controle do STJ. Urge que esta Casa, à
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qual foi constitucionalmente cometida tão relevantes missões, forneça disciplina e exerça
controle, de modo que o lesado, sem dúvida alguma, tenha reparação, mas de modo
também que o patrimônio do ofensor não seja duramente atingido. O certo é que o
enriquecimento não pode ser sem justa causa”. Em voto-vista, o Min. Menezes Direito
entendeu que “esta Corte tem o dever de examinar a questão posta no recurso quanto à
fixação do dano moral, tudo para evitar o cometimento de abuso. À medida que o
Tribunal se vê diante de uma fixação que foge a qualquer parâmetro e que violenta o
razoável, é evidente que a sua intervenção se faz necessária, até mesmo pela função
política que tem a Corte Superior, qual seja, a de estabelecer um padrão de
razoabilidade para a fixação do dano moral”. E foi assim, com a somatória da vontade de
“evitar inconvenientes” da 4.ª Turma, com a “função política” da 3.ª, que o STJ afrouxou
as correntes de um animal perigoso que, hoje, ameaça morder a mão do seu dono.

Em 14.12.1998, o consenso em torno da questão já parecia plenamente estabelecido, e


a 3.ª Turma, no AgRg no Ag 191.864/RJ, relatado pelo Min. Eduardo Ribeiro, aceitou a
ideia de que o STJ deveria controlar o valor da compensação, em situações excepcionais,
“quando se configure manifesta desproporção ou se demonstre dissídio”, embora da
ementa tenha constado, apenas, que “não se altera o quantum (…) quando não
demonstrado o enriquecimento sem causa da parte beneficiária”.

Mas o verdadeiro ponto de inflexão parece ter sido o REsp 269.407/RJ, 4.ª T., j.
28.11.2000. Há algo extraordinariamente incomum na repercussão obtida pelos votos
proferidos nesse caso, pois, como só muito raramente acontece, dois posicionamentos
proferidos em termos notadamente dúbios e altamente subjetivos acabaram se
perpetuando de forma massiva. Do voto vencido do Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira
(que dava provimento parcial ao recurso para reduzir a indenização), constou que:

“Certo é, no entanto, que a indenização, como se tem assinalado em diversas


oportunidades, deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação
venha a constituir-se em enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros,
devendo o arbitramento operar com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e
ao porte econômico das partes, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela
doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do
bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso. Ademais, deve
procurar desestimular o ofensor a repetir o ato”.

No voto vencedor do Min. Ruy Rosado de Aguiar, por sua vez, ficou registrado:

“Não conheço do recurso, porque, como tenho dito outras vezes, a intervenção do STJ
há de se dar quando há o abuso, o absurdo: indenizações de um milhão, de dois
milhões, de cinco milhões, como temos visto; não é o caso. Aqui, ficaríamos entre 500,
350, 200, 250, 100 reais a mais, 100 salários a menos. Não é, portanto, um caso de
abuso na fixação, é uma discrepância na avaliação. Temos de ponderar até que ponto o
STJ deve interferir na definição de um valor de dano moral, que é matéria de fato, para
fazer uma composição mais ou menos adequada. Não sendo abusiva ou iníqua a opção
do tribunal local, não se justificaria a intervenção deste Tribunal. Se não for assim,
teremos de enfrentar todas as avaliações de dano moral feitas no país, porque em todas
elas poderemos encontrar uma disparidade de 10%, 20%, e essa não é a nossa função”.

Destaque-se esse pequeno trecho ao final: “Se não for assim, teremos de enfrentar
todas as avaliações de dano moral feitas no país”; no contexto do voto, essa
(im)possibilidade – melhor seria “indesejabilidade” – é tomada como pressuposto para
que sejam aceitas com naturalidade eventuais “discrepâncias de avaliação”; e a ideia
como um todo é apresentada como se fosse algo tão óbvio que sequer necessitaria de
fundamentação, ou seja, como se fosse notório que o Tribunal, deliberadamente, não
deseja e nem precisa analisar todos os casos que lhe são apresentados. Com essa
consideração, o julgamento do REsp 269.407/RJ aparou todas as arestas deixadas pelos
precedentes anteriores, pois, ao mesmo tempo em que consolidou a válvula de escape
de que o Tribunal precisava para alterar certos valores, promoveu um retorno
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circunstanciado às origens, reforçando a possibilidade de apelo à Súmula 7


(MIX\2010\1261) do STJ, quando conveniente.

Em resumo, portanto, a abordagem que se consagrou a partir de então e que se tornou


um verdadeiro clássico instantâneo no âmbito do recurso especial afirma que, a princípio
, o valor das indenizações por danos morais não pode ser revista em face da Súmula 7
(MIX\2010\1261) do STJ, a menos que o montante seja demasiadamente discrepante
por excesso ou falta; o que equivale a dizer que apenas situações excepcionais merecem
atenção. Não se discute aquilo que o Min. Menezes Direito chamou de “função política”
quanto às escolhas do Tribunal, mas, em termos de coerência, voltando ao exemplo
histórico do começo do texto, seria curioso observar a reação daqueles soldados
envolvidos na invasão de Béziers se, mutatis mutandis, fosse-lhes informada, como
resposta à pergunta sobre como diferenciar os fiéis e os infiéis, uma sugestão
semelhante à desta jurisprudência, ou seja: que os vivos e sãos, grande maioria dos
habitantes da cidade, deveriam ser executados de forma sumária, sem que lhes fosse
dada nenhuma chance; mas, ao contrário, os poucos coitados que já fossem
encontrados praticamente mortos, por qualquer motivo alheio à invasão, deveriam
receber todos os esforços para serem salvos.

A partir desse ponto, a única certeza que o STJ fez questão de garantir é a de que os
mortos, realmente, permanecem mortos – porque a Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ
passou a ser contornada facilmente para a discussão de valores, mas jamais quando o
segundo grau de jurisdição, ao invés de errar na fixação do montante, acaba por se
equivocar em um ponto relativo ao próprio delineamento da responsabilidade civil, como
na definição da autoria do evento danoso. Quanto a esse tipo de equívoco – quiçá bem
mais grave – jamais se abriu exceção.
2. CRÍTICAS À JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. NECESSIDADE DE UMA NOVA
ABORDAGEM

Um amálgama dos dois trechos de votos proferidos no REsp 269.407/RJ, conforme


transcritos supra, transformou-se portanto na “regra de ouro” adotada por todos os
Ministros do STJ que lidam com o tema; uma pesquisa rápida na jurisprudência do
Tribunal demonstra que o modelo assim formado é reiteradamente repetido de relator
para relator, apenas com pequenas alterações pessoais de redação entre os gabinetes, e
muitas vezes com citação literal daqueles votos. Falta neste modelo, porém, apenas o
mais essencial, que é demonstrar como seria possível distinguir um caso em que teria
havido excesso ou falta “suportável” – ou seja, em que houve mera “discrepância de
avaliação” – de outro em que tal excesso ou falta é “insuportável”, senão a partir do
confronto, em cada hipótese, entre o montante da condenação e a análise daquelas
mesmas circunstâncias fáticas cujo reexame dir-se-ia vedado em face da Súmula 7
(MIX\2010\1261) do STJ, incidente na grande parte dos casos. Supondo-se que seja
virtualmente impossível prescindir dos condicionamentos fáticos nessas dadas condições,
obtém-se uma situação paradoxal, onde é possível negar seguimento a um recurso
especial porque o pedido formulado – qual seja, adequação do montante indenizatório ao
teor da ofensa – requer a análise de provas, ou então dar provimento ao mesmo recurso
especial porque as circunstâncias do caso – expressão que pode tranquilamente ser
tomada como sinônimo de “análise de provas”, no contexto do pedido – indicam a
necessidade de alteração do montante.

Não há que se estender muito na constatação de que tal proposta implica em


contradição quando propõe a existência de um juízo universal afirmativo (“todo recurso
especial que objetiva a revisão de danos morais é Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ”)
confrontado imediatamente por um juízo particular negativo (“alguns recursos especiais
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que objetivam a revisão de danos morais não são Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ”),
porque argumentos de lógica formal estão fora de moda no dia a dia dos tribunais.
Porém, na medida em que polemizar é sempre um meio eficaz de fomentar a discussão,
seria de se questionar se o STJ não exagera na modernidade quando adota uma postura
tão avant-garde a ponto de praticamente instaurar o julgamento quântico, onde os
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estados podem ser e não ser ao mesmo tempo, sem que um juízo negue o outro. Com
efeito, até que o Ministro relator decida por aplicar a primeira posição ou a segunda –
aparentemente a partir de um puro ato de vontade, por absoluta falta de especificação
de um critério melhor – e publique a decisão, a pretensão recursal pode ou não estar sob
óbice da Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ, o que é pitoresco para uma tese de física
avançada, mas certamente desagradável para qualquer recorrente que paga impostos
nada teóricos esperando em troca, ao menos, uma prestação jurisdicional minimamente
objetiva.

O STJ tem agido como o átomo quântico que decai e não decai ao mesmo tempo. A
jurisprudência do STJ é pródiga em exemplos de recursos especiais providos para
provocar uma alteração quase insignificante no valor original, e de recursos especiais
aos quais se negou seguimento, apesar de apresentarem distorções muito maiores.

É necessário, portanto, propor uma tentativa de sistematização que possa garantir, ao


menos, um acréscimo de objetividade ao julgamento desses recursos. A intenção do
presente trabalho se insere nessa perspectiva e, para tanto, sente-se a imperiosidade de
partir do princípio, questionando certas “zonas de conforto” que assumem foros de
verdade apenas em face de sua reiteração massiva.

O primeiro e fundamental questionamento se refere a perquirir o porquê da necessidade


de uma construção que, a rigor, prescinde de um método em troca da adoção de duas
válvulas de escape – a Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ e a “grande discrepância” – e
não se decide a respeito de nenhuma delas. Essa construção, conforme já analisado, é
totalmente artificial, e, em último caso, tem a única função de chancelar um ato de
vontade do relator do recurso, dadas as mesmíssimas circunstâncias que envolvem
todos os processos sobre o tema. A resposta mais direta é provavelmente a mais
perturbadora, já o demonstrara há oito séculos nosso monge Amaury, e significa que, na
verdade, a Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ não deveria sequer ser citada e muito
menos aplicada, porque não guarda qualquer relação com a real natureza da pretensão
veiculada nesses casos. Antes que a surpresa do leitor se transforme em indignação,
talvez haja tempo suficiente para explicar que, se a pretensão recursal se resume a
afirmar que determinado valor é discrepante como compensação para um dano moral
causado, não haveria nenhum “reexame” de provas se o STJ, partindo daquilo que o
acórdão recorrido estabeleceu como “a verdade dos fatos”, simplesmente se limitasse a
dizer que, com base em tal ou qual artigo da lei civil – notadamente, os arts. 186, 884 e
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944 do CC/2002 (LGL\2002\400) - aquela situação fática, definitivamente consolidada,
ficaria melhor equacionada se gerasse uma condenação de 10, 20 ou 30 mil reais. A
menção à Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ parece olvidar que seria possível discutir,
apenas, a pertinência entre os fatores do dano descrito pelas instâncias ordinárias e a
conclusão a que chegou o acórdão recorrido no tocante ao montante da condenação,
sem que seja necessário, obrigatoriamente, reescrever os detalhes que envolvem o
evento, a partir de uma releitura do acervo probatório. Revisão de fatos haveria, sem
dúvida, se o STJ tomasse como premissa um equívoco do Tribunal de Justiça em
qualificar a situação financeira do ofensor, considerando-o pessoa rica quando
cabalmente demonstrado tratar-se de homem humilde, e, apenas em face disso,
alterasse para menos o valor anteriormente fixado; nos demais casos – a imensa
maioria, diga-se – conquanto se parta já de um contexto fático definido, e sem que se
proceda a nenhuma alteração neste, efetivamente é indefensável a reverência que toda
a jurisprudência do STJ faz à Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ, especialmente por ser
notório que isso ocorre apenas quando, antecipadamente, já está resolvido que os
valores fixados pelas instâncias ordinárias serão mantidos.

Mesmo com toda a ressalva que merece o argumento de autoridade, especialmente


quando se refere ao estudo de legislação estrangeira, as bases teóricas da distinção aqui
proposta podem ser encontradas, por exemplo, em Larenz, quando este autor trata do
recurso de revista da lei alemã, cuja previsão se limita aos casos em que “‘uma norma
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jurídica não foi aplicada ou não foi correctamente aplicada’ (§ 550 ZPO)”. Sustenta o
autor que: “À questão de direito pertence, em particular, a qualificação do ocorrido com
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ajuda daqueles termos cujo conteúdo significativo no contexto dado resulta apenas do
ordenamento jurídico, especialmente com base numa coordenação tipológica, numa
‘ponderação’ de pontos de vista divergentes ou numa valoração jurídica nos quadros de
uma pauta carecida de concretização. Questão de facto é o que as partes disseram
aquando da celebração do contrato e o que a esse respeito uma e a outra pensaram; é
questão de direito saber com que significado deve cada uma das partes deixar que valha
a sua declaração, a questão da interpretação normativa das declarações de vontade. Se
A causou um acidente por ter patinado numa curva numa estrada molhada, a questão de
facto é o estado do pavimento e a velocidade com que A conduzia na curva; se o seu
modo de condução foi, nestas circunstâncias, ‘negligente’ é questão de direito”. Logo
adiante, acrescenta ainda, em trecho que parece guardar total pertinência com a crítica
formulada no presente trabalho: “Nalguns casos, porém, a questão de facto e a questão
de direito estão tão próximas entre si que não é possível, na prática, levar a cabo a sua
separação. Este é o caso, desde logo, quando uma situação de facto não pode ser de
todo em todo descrita de outro modo senão com aqueles termos que contêm já uma
valoração jurídica. Se alguém deu origem a um ‘ruído perturbador do repouso’, não se
tendo medido exactamente a intensidade, é difícil descrevê-lo de outro modo senão com
a indicação de que, de facto, o repouso foi perturbado de modo considerável. O juízo de
que o ruído foi ‘perturbador do repouso’ contém ao mesmo tempo a descrição do
acontecimento, tal como é necessária para a colocação da questão de facto, e a sua
apreciação jurídica, no sentido de uma valoração. É diferente de quando se mediu a
intensidade sonora e a questão a decidir é então, se uma tal intensidade sonora deve ser
considerada como ‘perturbadora do repouso’. Neste caso, a ocorrência está, já antes da
sua apreciação jurídica, exactamente determinada mediante conceitos físicos; a questão
de como se há de julgar isto, no sentido do critério legal do julgamento, (‘perturbador do
repouso’), é uma questão de direito”.

Salvo melhor juízo, a questão do valor dos danos morais tem como precedente remoto
uma questão que em si mesma já possui natureza fático-jurídica, que é a existência dos
danos morais, cujo juízo positivo impõe a análise de uma segunda camada de normas e
critérios jurídicos sobre o substrato predefinido da responsabilidade civil, para que se
defina um valor financeiro reparatório da agressão configurada. Desta segunda etapa,
participam novas e velhas questões de fato, que, uma vez fixadas, permitem a
incidência de outras normas jurídicas, e a definição de um valor. O cerne do presente
trabalho está em demonstrar que, uma vez estabelecida essa segunda rodada de
situações de fato, seu eventual exame para adequação da justiça da indenização ao caso
concreto, em recurso especial, não esbarra em revisão de provas; apenas parte destas
como dados consumados. É isso que faz o STJ, por exemplo, quando considera aplicável
o art. 257 do RISTJ (LGL\1989\44) e fixa diretamente a compensação, após reverter o
julgamento de improcedência do pedido de danos morais.

Para demonstrar que não há revisão obrigatória de provas, façamos referência aos
critérios comumente utilizados pela doutrina para o estabelecimento dos danos morais,
conforme citados pelo Min. Paulo de Tarso Sanseverino, em obra de grande valor sobre o
tema:

“a) a gravidade do fato em si e suas consequências para a vítima (dimensão do dano);

b) a intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente (culpabilidade do agente);

c) a eventual participação culposa do ofendido (culpa concorrente da vítima);

d) a condição econômica do ofensor;


9
e) as condições pessoais da vítima (posição política, social e econômica).”
10
Não é o caso, aqui, de discutir a pertinência precisa de cada um desses elementos;
seja porque outros existem (a jurisprudência do STJ, a nosso ver equivocadamente, tem
diminuído indenizações ao fundamento de que a ação demorou muitos anos a ser
ajuizada a partir do evento danoso, por exemplo), seja porque o ponto a ser
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A ATUAÇÃO DO STJ NO EXAME DO JUSTO VALOR
COMPENSATÓRIO DOS DANOS MORAIS - Como
adicionar objetividade a partir de duas propostas de
método

demonstrado se refere, tão somente, à inaplicabilidade da Súmula 7 (MIX\2010\1261)


do STJ. Sem que se perca o foco, portanto, examinemos tais fatores. De pronto, o item
(b), referente à intensidade do dolo ou grau de culpa, é eminentemente jurídico, e por
isso não poderia fundamentar a atração da citada súmula. O item (c), por sua vez, tem
um viés fático e jurídico, mas já se encontra obrigatoriamente examinado a contento no
passo antecedente, quando se concluiu pela existência dos danos morais; com efeito,
uma eventual pretensão de reexame dos fatos que levaram à conclusão pela culpa
concorrente não representa uma dificuldade apenas quanto à fixação do valor da
indenização devida em face do dano, mas principalmente quanto à própria
caracterização da responsabilidade civil, e por isso tal revisão é vedada; o problema é,
aqui, substancialmente mais complexo, sendo necessário separar, portanto, os efeitos da
culpa concorrente na caracterização da responsabilidade dos seus efeitos na
quantificação da indenização. Tomando-se o cuidado de proceder a tal distinção, parece
claro que, dadas as circunstâncias descritas pelo acórdão que reconheceu a culpa
concorrente, seria possível questionar sua repercussão no valor, sem provocar nenhum
reexame com isto; sobraria, apenas, uma questão jurídica a ser tratada. Os demais itens
(a), (d) e (e) são eminentemente fáticos e não possuem aquela característica
heterogênea delicada de que falava Larenz ao se referir à constatação do “ruído
perturbador do repouso” não oportunamente medido, ou mesmo dão ensejo a uma
ressalva semelhante à exigida pela culpa concorrente. Basta que estejam
suficientemente descritos no acórdão recorrido, que deve ter feito referência a eles no
momento de fundamentar a própria fixação da indenização que entendeu pertinente
(sem o que haverá possivelmente um problema processual de violação ao art. 535 do
CPC (LGL\1973\5), não da Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ), e que o STJ tome a
precaução de manter a mesma contextualização fornecida pelas instâncias originárias.

Hoje, portanto – e considerados todos os antecedentes que foram expostos – a Súmula


7 (MIX\2010\1261) do STJ parece ter a função de servir como um pretenso atalho: ao
invés de afirmar, simplesmente, que o valor fixado foi justo e não merece alteração (o
que corresponde ao mérito do pedido), a jurisprudência prefere fazer incidir um óbice
processual ao conhecimento do recurso, ainda que de forma equivocada.

Que a Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ é um argumento de ocasião também o


demonstra, com maior propriedade, a evocação da fórmula mágica da “grande
discrepância de valores” como justificativa para que seja realizada, apenas em certos
casos, a análise jurídica que seria viável em todos eles (quando não obstada,
logicamente, por algum outro óbice processual de admissibilidade do recurso). A Súmula
7 (MIX\2010\1261) do STJ, portanto, pode ser vista como uma acomodação destinada a
acelerar o trabalho do Tribunal, na medida em que seria mais eficiente (porque “menos
problemático”, no sentido de proporcionar menores questionamentos) dizer que
determinado tema não está apto a ser examinado, do que sustentar a correção da
decisão anterior quanto à adequação dos critérios de fixação da reparação ao dano
moral. Salvo melhor juízo, porém, sequer esse ganho de eficiência se verifica; não há
supressão real de etapas, porque a Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ, para bom
entendedor, é reflexo de um julgamento antecedente implícito; afinal, a premissa
escondida em toda decisão que aplica a Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ é,
justamente, a de que não há necessidade de alterar os valores, o que, em outras
palavras, significa dizer que a decisão é justa.

Essa escolha, criticável pelos desvios processuais e de mérito que incorpora, gera ainda
outras consequências colaterais que não são notadas à primeira vista, mas que são
extremamente severas, conforme será examinado nas partes seguintes deste artigo.

Propõe-se, portanto, que todo valor compensatório deve estar sob o crivo do STJ, em
qualquer recurso que atenda às demais regras de admissibilidade e supere outros óbices
do gênero. Cabe ao Tribunal, por dever de coerência – e se quiser continuar alterando
valores em certos casos que, de especiais, nada possuem – afirmar, sempre que não
houver necessidade de readequação, que a manutenção do acórdão é questão de justiça,
porque não se verifica qualquer violação a dispositivo de lei federal.
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A ATUAÇÃO DO STJ NO EXAME DO JUSTO VALOR
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método

3. AS DISTORÇÕES PROVOCADAS PELA ATUAL JURISPRUDÊNCIA COMO CAUSA DO


EMPOBRECIMENTO DA DISCUSSÃO SOBRE DANOS MORAIS

Tome-se, agora, como ponto de partida o recebimento, pelo STJ, de um recurso especial
em que o recorrente manifesta uma insatisfação quanto ao valor fixado pelas instâncias
ordinárias, sem que exista algum óbice intransponível ao conhecimento desse recurso.

Como são esses recursos? Invariavelmente, apenas uma interminável transcrição de


acórdãos cujo único atrativo é exemplificar casos nos quais um recurso especial
antecedente foi provido para alterar o valor antes fixado. Surpreende, sem dúvida,
constatar que, diante de um tema tão rico e, consequentemente, de um campo
vastíssimo de possibilidades argumentativas derivadas dessa complexidade, as razões
dos recursos especiais se vejam reduzidas a uma quase indigência teórica, limitados
apenas uma pequeníssima parcela daquilo que seria possível explorar no âmbito da
controvérsia. A experiência demonstra que são pouquíssimos os recursos que velam pela
contestação a determinado valor com base em considerações sobre a relevância do bem
jurídico ofendido, o grau de culpa dos envolvidos e outras questões similares; no geral, a
argumentação está resumida a uma fórmula repetitiva, que se satisfaz em afirmar que
um dia houve um caso onde o STJ entendeu ser coerente a fixação de tantos reais, em
desacordo com o posicionamento adotado pelo acórdão recorrido.

A seleção proposital do pior argumento possível só pode ser explicada pela influência de
uma distorção poderosa na estrutura do sistema. Essa distorção, salvo melhor juízo,
nada mais é do que um efeito colateral do erro de aplicação da Súmula 7
(MIX\2010\1261) do STJ. Sabe-se, conforme já demonstrado, que os recursos especiais
precisam superar uma barreira que, correta ou incorretamente, foi erguida pela
jurisprudência como uma verdadeira Linha Maginot, de dimensões imponentes como a
original, mas na prática tão contornável quanto – muito embora não se saiba ao certo
como, pois o próprio Tribunal nunca estipulou de forma clara e objetiva o que leva certo
processo de danos morais a ser considerado “especial” a ponto de ser provido, enquanto
outros processos idênticos são destinados à vala comum. Como consequência direta do
desconhecimento quase absoluto sobre o inimigo, recorre-se dramaticamente ao apelo
ao passado, que tem a seu favor tanto a vantagem da simplicidade estrutural quanto a
aposta implícita em um suposto dever de coerência do STJ aos seus próprios julgados,
muito embora, como já examinado, coerência e danos morais, na jurisprudência do STJ,
sejam opostos que não se atraem.

A formulação, obviamente, é deficiente porque não compreende totalmente a origem dos


problemas que enfrenta, na medida em que, conforme já examinado, a incoerência
principal não está na definição de dois valores diversos para hipóteses semelhantes, e
sim na abertura de uma válvula de escape à Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ que
abrange apenas uma parcela artificialmente selecionada de casos, dentro do enorme
universo amostral disponível. A incompreensão do problema leva à predileção dos
advogados por um argumento que, a rigor, nada tem a ver com justiça; e que, ainda
pior, fomenta ainda mais a injustiça: para quem recorre, não importa quantos casos
ontologicamente idênticos não estão sendo conhecidos no mesmo dia, desde que ao seu
caso também se abra uma exceção, como se abriu uma exceção anteriormente
àqueloutro paradigma transcrito.

O trabalho primordial do advogado, portanto, passa a ser a demonstração que o caso de


seu cliente é “igual” à exceção e “diferente” dos iguais, sem se preocupar se há sentido
nessa distinção; em outras palavras, a principal preocupação passa a ser com o
conhecimento do recurso e não com seu mérito propriamente dito. Com isso, todas as
nuances do caso concreto são perdidas; se na hipótese houve a fixação de um valor de
20 mil reais e o advogado encontra um precedente do STJ que, em situação parecida,
concedeu 100 mil reais, limitam-se as razões de recurso especial a pleitear o
conhecimento e provimento para que se fixe também neste caso o mesmo valor do
precedente, pedido que ignora todas as possibilidades intermediárias que poderiam ser
exploradas de forma muito mais convincente – e, certamente, com probabilidade
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método

infinitamente superior de sucesso – a partir de um exame das particularidades do caso


11
conforme descritas pelo acórdão recorrido.
4. UMA SEGUNDA PROPOSTA ALTERNATIVA: COMO, AO MENOS, APRIMORAR A
JURISPRUDÊNCIA ATUAL, EM BUSCA DE OBJETIVIDADE

Desde que nada mude em essência, seria possível, ao menos, alterar a forma e obter
algum proveito com isso? A última parte do trabalho se destina a propor uma alteração
sutil na abordagem dos recursos especiais relativos à fixação dos danos morais, o que
seria possível mesmo no contexto da jurisprudência atual, ou seja, sem que se supere a
aplicação randômica da Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ.

Tome-se, então, o argumento comparativo tradicional entre acórdãos, que se manterá


presente como principal alternativa enquanto os antecedentes que lhe dão sustentação
não forem equacionados da forma correta. Como seria possível melhorá-lo? As ideias a
seguir surgiram de uma simples tentativa de planificação de valores em uma tabela de
referência; basta uma providência simples desse tipo, de ordem quase braçal, para
verificar (mais uma vez) quão vacilante é a jurisprudência do STJ, e como são imensas
as necessidades de fundar as bases de alguma sistematização – ainda que limitada em
sua gênese pelos enormes problemas teóricos já analisados, e mesmo que tais
incongruências jamais sejam resolvidas.

Percebe-se, claramente, três grandes fatores que prejudicam a análise dos recursos
especiais, sob a ótica da comparação de valores entre acórdãos distintos.

O primeiro deles é o desprezo completo, dentro do processo de demonstração da


divergência, quanto a um cuidado básico quando se argumenta com valores, que é a
prévia correção monetária dos montantes fixados pelos paradigmas. Isso porque os
valores costumam ser tomados como parâmetro em termos nominais, o que representa
um verdadeiro contrassenso, especialmente quando não existe uma aproximação
temporal entre as datas do paradigma e do acórdão recorrido. Nos últimos cinco anos, a
simples aplicação do IGP-M indicou, em termos práticos, uma defasagem de cerca de um
terço do poder de compra da moeda; assim, se o paradigma aparenta ter concedido
valor muito menor a uma hipótese semelhante de danos morais, tal fato pode se dar,
simplesmente, porque foi prolatado há muito tempo. Por outro lado, se a irresignação se
destina a aumentar aquele valor, poderia haver grande utilidade em um acórdão que
apresente, à primeira vista, uma discrepância nominal à primeira vista discreta.

Na perspectiva do julgador, há, igualmente, uma séria distorção no critério, muitas


vezes adotado, de se procurar um parâmetro razoável apenas a partir do exame de
precedentes em casos análogos. Visivelmente, a adoção desse critério, sem que se
proceda à correção monetária dos valores, é capaz de provocar injustiça ainda maior no
caso concreto. Por isso, seria conveniente que o Tribunal, ao menos, selecionasse
apenas acórdãos dentre os mais recentes, para tentar minimizar o problema. Caso exista
intenção de se fazer uso de casos notórios, mas cuja análise ocorreu há mais tempo, há
que se tomar cuidado com a atualização, pois a própria utilidade do trabalho depende da
equiparação do poder de compra da moeda.

O segundo grave problema de (falta de) método diz respeito à ausência de atenção, na
citação dos precedentes, quanto às peculiaridades processuais que eventualmente foram
determinantes para a fixação daquele valor específico. Em muitos casos, nota-se que
valores comparativamente muito baixos não são abonados pelo STJ como justos em si, e
sim mantidos porque o recurso especial foi interposto pelo ofensor, que pretende ver
reduzido ainda mais um valor que já se encontra abaixo da média. E, inexistindo
possibilidade de aumentar a condenação sem recurso do interessado, o STJ incrementa
ainda mais a confusão ao se contentar em repetir o mantra segundo o qual não se
revisam valores que não são “irrisórios nem exagerados”, ao invés de afirmar,
peremptoriamente, que o valor é desproporcional, mas fica mantido em face da
proibição à reformatio in pejus. Trata-se de um segundo efeito colateral perverso da má
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método

influência da Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ, que faz com que acórdãos


verdadeiramente imprestáveis ao dissídio — na medida em que não representam uma
verdadeira valoração do STJ a respeito da justa compensação para uma determinada
violação moral — acabem servindo de argumento para a defesa de uma ampla escala de
valores, muitos deles nitidamente desmerecedores de crédito quando analisados na
perspectiva da importância do bem jurídico ofendido. Nesse ponto, portanto, a
insistência cega com a Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ acaba por ter efeito inverso
ao pretendido, sobrecarregando o trabalho do Tribunal ao alimentar divergências
artificiosas, na medida em que, uma vez publicado o acórdão, esse valor — que
certamente não teria sido mantido se a vítima tivesse, também, recorrido — passa a ser
citado sem a devida ressalva da particularidade processual que determinou sua
manutenção.

Por isso, seria importantíssimo descrever, para cada acórdão selecionado, (a) o valor
fixado pelo acórdão proferido pelo segundo grau de jurisdição, (b) quem dele recorreu e
(c) se houve ou não provimento no STJ. Com isso, seria possível descartar alguns
acórdãos extremamente discrepantes a partir de uma justificativa objetiva e segura. O
AgRg no REsp 493.641/SP, 3.ª T., de relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe
11.02.2011, mencionou o problema ao transcrever trechos de sua obra anteriormente
citada, segundo os quais “a análise de mais de 150 acórdãos da Corte Especial relativos
a julgamentos realizados nos últimos 10 anos, em que houve a apreciação da
indenização por prejuízos extrapatrimoniais ligados ao dano morte, denota que ainda
existem divergências no STJ acerca do que se pode considerar como um valor razoável
para essas indenizações”, mas “os recursos especiais providos, para alteração do
montante da indenização por dano extrapatrimonial, são aqueles que permitem
observar, com maior precisão, o valor que o STJ entende como razoável para essa
parcela indenizatória”.

Por fim, o terceiro ponto que desperta atenção é a constatação de que a perplexidade na
fixação dos danos morais decorre muitas vezes do fato de que, realmente, há
indenizações por morte em montante igual ou menor do que outras concedidas para
eventos que seriam menos graves, como — para usar de um exemplo que será mantido
durante toda a exposição — a lesão corporal que leva à perda de um dedo.

A questão a ser discutida, aqui, diz respeito à natureza do bem jurídico ofendido em
cada caso. Trata-se de analisar a premissa, muito utilizada na prática (conforme se
verifica pela argumentação geralmente desenvolvida nos recursos especiais), de que o
evento morte deveria ser estabelecido como o “padrão máximo” de indenização, a partir
do qual as demais indenizações se desdobrariam naturalmente, em parcelas inferiores.

Analisando o argumento, parece não haver dúvida de que ele decorre de uma percepção
do bem jurídico “vida” como o direito mais importante; assim, a violação a esse bem
deveria levar à maior indenização possível, acima de todas as demais violações a outros
bens jurídicos. Enquanto individualmente considerado, o conceito é, ao mesmo tempo,
de fácil compreensão e de difícil recusa; porém, sua aplicação aos casos de dano moral
não pode se dar de forma isolada, sem a percepção de outros fatores que influenciam a
equação. Aquela perplexidade tão decantada nas razões de recurso especial, quando um
dedo parece valer mais do que uma vida, é, geralmente, simples decorrência da
ausência de um prévio exame acerca da titularidade do direito moral perseguido em
juízo, pois esta distinção, quando previamente estabelecida, mostra-se suficiente para
provar a mera aparência de desnivelamento entre as reparações.

Em outras palavras, é necessário verificar que o autor de uma ação por danos morais
motivada por evento morte não é o titular do bem jurídico “vida” que foi ofendido. O
direito material violado perseguido em juízo se refere, nesses casos, à privação precoce
12
do convívio com um ente querido, por ato imputável a terceiro. É evidente que o bem
13
jurídico “vida”, nesse contexto, não pode ser mais tutelado em juízo por seu titular. Se
não se discute que a vida é o bem mais importante, há que se estabelecer,
paralelamente, quem é o titular desse direito violado, o que basta para verificar que o
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fundamento do pedido de danos morais, nessas hipóteses, não é a ofensa ao bem


jurídico “vida”, mas a privação do convívio.

A partir dessa constatação, há que se completar o arco iniciado na primeira parte deste
estudo, o que se dá pela retomada daqueles elementos estipulados pela jurisprudência
como vetores para a definição do justo valor indenizatório, aos quais se fez referência no
item 2 supra. No contexto da tutela ao bem jurídico ofendido, verifica-se que, mesmo
diante de todas as desnecessárias limitações impostas pelo equívoco da Súmula 7
(MIX\2010\1261) do STJ e da prevalência do espartano critério puramente comparativo
como fundamento das razões de recurso especial, seria possível, ainda, analisar a real
importância de certos fatores que doutrina e jurisprudência vêm indicando como
relevantes para a estipulação da compensação, como o padrão econômico da vítima e do
ofensor. Ora, se o dano a ser indenizado (no caso de morte) é a privação do convívio, há
pouca pertinência, com a devida vênia, na invocação das condições financeiras da vítima
e do ofensor como parâmetro para fixação dos danos morais sofridos por terceiro
completamente alheio às circunstâncias fáticas do evento danoso.

Por outro lado, retome-se o exemplo paradigma, de alguém que perde um dedo em
acidente. O autor da ação de danos morais será, nesse caso, uma das pessoas
diretamente envolvidas no evento e que, nessa condição, é o próprio titular do bem
jurídico “integridade física” que foi diretamente violado. Mas é ele também titular de
diversos outros direitos atingidos pelo evento, e os danos morais, na verdade, dizem
respeito tanto a estes quanto àquele. Só a partir de um exame, no caso concreto, da
ocorrência de violação a todos esses direitos, seria possível estabelecer o alcance de
uma reparação adequada. Aqui, portanto, aqueles critérios antes apontados pela
doutrina, relativamente às circunstâncias subjetivas dos envolvidos, passam a ter a
maior relevância. O trauma provocado pela perda de um dedo da mão de um músico é
de se supor muito maior do que o provocado em um advogado, porque o dano frustrará
totalmente o desenvolvimento de uma carreira planejada, ao passo que o advogado
ainda poderá exercer sua profissão. Podem os danos morais, porém, eventualmente ser
igualados, se provado que o advogado desenvolvia como atividade paralela algum tipo
de atividade manual que ficará prejudicada. Em resumo, portanto, as circunstâncias do
14
caso e as qualificações dos envolvidos tomam, aqui, posição central.

Portanto, embora seja um senso comum que a vida é mais importante do que a
integridade física, não há identidade de sujeitos quando se busca a reparação de tais
bens por ofensa moral. Em consequência, a importância dos vários critérios comumente
usados para o cálculo da indenização pode variar de forma intensa. Por isso, é equívoco
afirmar-se que um dedo não pode, jamais, valer mais do que uma vida. Na verdade, não
há comparação possível, e, se esta fosse realizada, seria entre um dedo e o convívio
com um ente querido, não entre um dedo e um defunto.

Essa necessidade de se estabelecer com precisão o titular do direito violado e o próprio


bem tutelado antes que se pretenda discutir o valor justo para a reparação foi levantada
pelo Min. Teori Albino Zavascki no julgamento do REsp 959.904/PR, 1.ª T., Min. Luiz
Fux, DJe 29.09.2009, em um caso que dizia respeito a pedido de indenização proposto
pelos filhos de perseguido político durante a ditadura. Nessa hipótese, o Ministro
reconheceu a prescrição da pretensão, porque “os autores pleiteiam, em nome próprio,
indenização por danos morais decorrentes da prisão do seu pai durante o regime militar
(1964) e a demanda foi ajuizada em 13.05.2002, cerca de 38 anos após a ocorrência do
evento danoso que constitui o fundamento do pedido”; a posição majoritária, porém,
deu provimento ao pedido de danos morais.

No REsp 1.044.416/RN, 2.ª T., DJe 16.09.2009, o Min. Mauro Campbell, ao analisar
hipótese de disparo de arma de fogo em quartel que causou tetraplegia em militar,
abordou tangencialmente o tema, nos seguintes termos: “Na hipótese dos autos,
diferentemente dos casos de morte, é à própria vítima do evento que se visa reparar. O
policial que passou, num instante, de jovem com 30 anos à época do evento, saudável,
forte, à pessoa portadora de necessidades especiais, sem poder mover suas pernas, mal
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método

podendo mover os braços e sem a capacidade para, sozinho, lidar até mesmo com sua
higiene pessoal. Nesta hipótese, toda a sua vida, da forma como a conhecera,
modificou-se, tornando-se limitada pela abrupta perda de grande parte de seus
movimentos, capacidade sexual e controle sobre as funções urinárias e intestinais. Sua
vida estará, tanto do ponto de vista subjetivo, como do ponto de vista objetivo,
irremediavelmente modificada. Da mesma forma, não é possível medir a dor dos
familiares próximos do recorrido, ao vê-lo naquela condição. Seus pais e irmãos, que
dele cuidarão todos os dias, também terão de aceitar essa nova condição. Para todos os
envolvidos, portanto, a situação é grave. Não creio que, numa hipótese como esta, seja
razoável reduzir a indenização fixada para os patamares usualmente praticados por esta
Corte para ilícitos dos quais decorre a morte da vítima. A possibilidade de pagamento do
quantum indenizatório somado à profunda gravidade da lesão, recomendam que, deste
caso, mantenha-se o valor fixado, qual seja, R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais)”
(destaques no original).

Há, também, um precedente da 3.ª Turma (REsp 1.011.437/RJ, Min. Nancy Andrighi,
DJe 05.08.2008), que reconheceu a possibilidade de indenizar a lesão corporal grave em
valores maiores dos que os ordinariamente concedidos em caso de morte, consignando
que “a dor decorrente da perda de um ente querido diferencia-se da dor sofrida pela
própria vítima de um acidente grave”.

Por fim, salvo melhor juízo, não haveria contradição entre o entendimento supra e
precedente da Corte Especial que reconhece a transmissibilidade do direito à indenização
por danos morais aos herdeiros do falecido (AgRg no EREsp 978.651/SP, Min. Felix
Fischer, DJe 10.02.2011), pois a situação, aqui, diz respeito ao dano moral sofrido em
vida, cujo direito à reparação é transmissível, assim como ocorre com qualquer direito
patrimonial.
5. CONCLUSÕES

Em conclusão, a elaboração deste trabalho indica que o objetivo a ser atingido — qual
seja, a previsibilidade dos valores de indenização por danos morais no STJ — é
providência que pode ser aprimorada por mais de um caminho. A possibilidade mais
traumática, e mais correta, exige a revisão completa da jurisprudência consolidada do
STJ, abolindo-se a aplicação da Súmula 7 (MIX\2010\1261) do STJ como apoio ao
julgamento da maioria dos casos; a possibilidade mais conservadora, mas não destituída
de utilidade, oferece algumas balizas de sistematização e uniformização de práticas
simples para a comparação entre acórdãos e, consequentemente, para a discussão dos
valores. Dentro dessa segunda perspectiva, cuja adoção certamente enfrentaria menores
resistências, sugere-se a seguinte abordagem: (a) localização de precedentes que
tenham base fática similar, desconsiderando-se o “padrão-morte” como parâmetro
absoluto para todos os casos; (b) descarte dos precedentes que tiveram a análise do
valor indenizatório prejudicada por questões processuais, notadamente pela proibição da
reformatio in pejus; e (c) atualização, para valores presentes, dos valores históricos
admitidos nos precedentes que superem os passos supra.
6. BIBLIOGRAFIA

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1 O’shea, Stephen. A heresia perfeita — A vida e a morte revolucionária dos cátaros da


Idade Média. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 107.

2 Textualmente: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso


especial”.

3 Não se ignora que muitos acórdãos e doutrinadores demonstram preferências entre as


expressões “compensação”, “reparação” e “indenização” (este último usado pelo art. 5.º,
X, da CF/1988 (LGL\1988\3)) ao se referirem à condenação imposta em face da violação
de um direito moral; especialmente porque a expressão “compensação” deixaria mais
claro que, na base do sistema, vigora o conceito de que é impossível, realmente,
equiparar um bem imaterial violado a um valor material pecuniário. Para os efeitos deste
trabalho, porém, basta estabelecer como premissa que a condenação ao pagamento
pecuniário em face de uma violação moral tem sentido reparatório do dano,
independentemente do termo que se prefira usar, de forma que as expressões serão
aplicadas indistintamente, ao longo do texto, como referentes a esse mesmo conceito
fundamental.

4 A adoção, como premissa, da impossibilidade de tarifação dos danos morais decorre de


entendimento formado a partir do julgamento de processos relacionados à antiga Lei de
Imprensa, que previa uma tabelação dos danos dessa ordem (art. 51 da Lei
5.250/1967). Essa tarifação foi reiteradamente afastada, gerando a edição da Súmula
281 (MIX\2010\1531) do STJ, segundo a qual “a indenização por dano moral não está
sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”. Conquanto esteja consolidado o
posicionamento dos Tribunais Superiores a respeito (salientando-se que o STF também
já afastou tarifação semelhante contida no Código Brasileiro de Aeronáutica a respeito da
hipótese de perda de bagagem em transporte internacional de passageiros — RE
172.720-9/RJ, Min. Marco Aurélio), há um movimento legislativo para a edição de uma
“lei do tabelamento”. A esse respeito: “Entre as várias tentativas de impor limites legais
à indenização dos danos morais, cite-se como exemplo o PL 150, de 18.03.1999, de
autoria do Senador Antonio Carlos Valadares. A referida proposta legislativa visava
proteger o ‘patrimônio moral’ da pessoa física, da pessoa jurídica e também dos entes
políticos, destacando a defesa da pátria, da bandeira e do hino nacionais. Visando
oferecer aos magistrados uma base mais sólida e atual para a valoração do dano moral,
o parlamentar mencionado propôs uma classificação para os danos morais em ofensa
leve, média, grave e gravíssima. Assim, postulava a limitação da ofensa leve em até
cinco mil e duzentos reais (R$ 5.200,00); para a ofensa média, previa um valor entre
cinco mil duzentos e um reais (R$ 5.201,00) e quarenta mil reais (R$ 40.000,00); a
ofensa grave oscilava entre quarenta mil e um reais (R$ 40.001,00) a cem mil reais (R$
100.000,00); finalmente, as ofensas gravíssimas seriam reparadas com valores acima de
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método

cem mil reais (R$ 100.000,00). Registre-se que, de acordo com o referido Projeto de Lei,
havia possibilidade de o juiz elevar ao triplo o valor de indenização em caso de
reincidência ou ‘indiferença do ofensor’” (Santana, Héctor Valverde. A fixação do valor da
indenização por dano moral. Revista de Informação Legislativa 175/21-40.

5 “Art. 257. No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o


recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do
recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.”

6 Para os saudosistas: “A qualidade e a quantidade do juízo variam independentemente,


e permitem quatro classes de juízo de importância para a teoria do raciocínio. São eles
assinalados por estas quatro vogais: A, E, I, O; A e I de Afirmo e E e O de Nego.
1) Juízos universais afirmativos (A): todos os S são P. Exemplo: Todos os brasileiros são
americanos.

2) Juízos universais negativos (E): nenhum S é P. Exemplo: Nenhum brasileiro é


europeu.

3) Juízos particulares afirmativos (I): alguns S são P. Por exemplo: Alguns brasileiros
são baianos.

4) Juízos particulares negativos (O): alguns S não são P. Por exemplo: Alguns homens
não são brasileiros. (…)

Relações entre os juízos. Juízos contraditórios são os que, referindo-se a uma situação
idêntica, um afirma e outro nega. São juízos contraditórios entre si o universal
afirmativo (A) e o particular negativo (O); e o universal negativo (E) e o particular
afirmativo (I), cuja relação contraditória é recíproca. ‘Todo S é P’ é contraditório de
‘alguns S não são P’, e reciprocamente” (Santos, Mário Ferreira dos. Lógica e dialética:
lógica, dialética, decadialética. São Paulo: Paulus, 2007. p. 51-52, destaques do
original).

7 O art. 944, parágrafo único, do CC/2002 (LGL\2002\400), segundo o qual: “Se houver
excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
equitativamente, a indenização”, é uma regra inovadora que, isoladamente, já mereceria
um trabalho autônomo para investigação de seu alcance e profundidade; no que diz
respeito aos danos morais, as relações possíveis são ainda mais complicadas,
justamente porque, como princípio, sequer existe a correlação tradicional entre dano e
reparação que é típica dos danos materiais. Em resumo — apenas para propor o
problema, dado que sua solução não é compatível com o objeto deste trabalho — como
reduzir equitativamente uma indenização que já é efetivamente fixada por equidade?
Haveria uma “equidade da equidade” nesses casos? Todas as variáveis são em tese
possíveis como resposta a esse problema, inclusive a própria negação da incidência
dessa regra aos danos morais, como afirmam — sem contudo desenvolver a ideia —
Judith Martins-Costa e Mariana Souza Pargendler, em relação ao caput do dispositivo
(segundo o qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”), porque “nesse caso
[de dano moral] o que cabe é uma ponderação axiológica, traduzida em valores
monetários” (Usos e abusos da função punitiva — Punitive damages e o direito brasileiro.
Revista do CEJ 28/15-32).

8 Todo os trechos entre aspas foram retirados de Larenz, Karl. Metodologia da ciência do
direito. 4. ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. p.
433-438.

9 Princípio da reparação integral: indenização no Código Civil (LGL\2002\400). São


Paulo: Saraiva, 2010. p. 283.

10 Embora não seja objeto deste trabalho discutir os critérios geralmente aceitos para o
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método

estabelecimento do primeiro valor indenizatório, há um, especialmente, que mereceria


exame mais acurado em uma oportunidade própria. Refiro-me à utilização de
considerações específicas a respeito da condição econômica da vítima, argumento
trazido de forma, s.m.j., desnecessária e impertinente a partir de uma falsa concepção
das relações existentes entre vedação ao enriquecimento ilícito e indenização por danos
morais. O entendimento subjacente a tal referência parece carregar implicitamente a
ideia de que as condições materiais da vítima são parâmetros de sua condição moral, a
ponto de distorcer a própria essência do instituto, pois este, como é sabido, pretende
indicar uma reparação para um bem que não tem tradução econômica direta. Nesse
sentido: “Finalmente, exclui-se dessa análise a capacidade econômica da vítima,
porquanto tal aspecto está vinculado tão somente à atividade desenvolvida pelo agente
ofensor. Apesar de opiniões contrárias, tem-se que a quantificação do dano moral pela
diferença de porte econômico da vítima seria conduzir a questão a ponto de torná-la
insustentável. Partindo-se de uma situação hipotética em que vítimas com marcantes
distinções econômicas sofressem um dano moral de idêntica natureza, como no caso do
atraso de um mesmo voo, a considerar o padrão econômico das vítimas como critério
específico para a fixação do dano moral, chegar-se-ia à conclusão de que o direito da
personalidade do ‘rico’ teria mais valor do que a do ‘não rico’, fato que atenta contra o
princípio da igualdade, inscrito no art. 5.º, caput, da CF/1988 (LGL\1988\3) (cf. Arruda,
1999, p. 57-58)” (Santana, Héctor Valverde. Op. cit.). É certo que atualmente vem
ocorrendo uma mutação ainda incompleta quanto ao centro de gravidade da
responsabilidade civil, que vem deixando de estar voltado primordialmente à ofensa (e,
consequentemente, ao ofensor) para se transferir ao ofendido; nesse sentido, Maria
Celina Bodin de Moraes (Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos
danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 29) salienta que: “Com o advento da
Constituição de 1988, fixou-se a prioridade à proteção da dignidade da pessoa humana
e, em matéria de responsabilidade civil, tornou-se plenamente justificada a mudança de
foco, que, em lugar da conduta (culposa ou dolosa) do agente, passou a enfatizar a
proteção à vítima de dano injusto”. Mas tal mudança, s.m.j., deveria vir em benefício da
vítima, e não em seu prejuízo como parece ocorrer com a aplicação desse argumento.
Com efeito, só em uma perspectiva que conceda mais valor ao ofensor do que ao
ofendido seria possível afirmar que uma compensação originada de dano moral poderia
ser causa de enriquecimento ilícito, quando destinada a pessoa que vive com limitadas
condições materiais.

11 Em sentido mais amplo, Maria Celina Bodin de Moraes reconhece problema


semelhante na fixação de danos morais em todas as instâncias judiciais, como
decorrência da jurisprudência aparentemente já consolidada que prescinde da prova do
dano moral para o reconhecimento de sua existência. Com efeito, sustenta a autora que
um dos efeitos colaterais da adoção do dano moral in re ipsa é “o entendimento
subjacente de que o dano moral sofrido pela vítima seria idêntico a qualquer evento
danoso semelhante sofrido por qualquer vítima, porque a medida, nesse caso, é,
unicamente, a da sensibilidade do juiz, que bem sabe, por fazer parte do gênero
humano, quanto mal lhe causaria um dano daquela mesma natureza. Agindo desta
forma, porém, ignora-se, em última análise, a individualidade daquela vítima, cujo dano,
evidentemente, é diferente do dano sofrido por qualquer outra vítima, por mais que os
eventos danosos sejam iguais, porque as condições pessoais de cada vítima diferem e,
justamente porque diferem, devem ser levadas em conta” (op. cit., p. 161).

12 Nesse sentido, exemplificativamente, Judith Martins-Costa afirma, ao tratar da


rubrica “dano por ricochete”, que este “é a consequência de um prejuízo direto que leva
uma primeira pessoa, mas vem a atingir uma segunda pessoa, que depende da primeira.
No mesmo exemplo antes aludido, o passageiro do transporte coletivo vem a falecer no
hospital em consequência dos ferimentos causados pelo acidente. Trata-se de um pai de
família, que sustenta, com o seu salário, os filhos. Estes têm um duplo dano:
extrapatrimonial e direto, pelo ‘prejuízo de afeição’ e patrimonial, este indireto, pois não
poderão mais contar com quem os sustentava” (Comentários ao novo Código Civil
(LGL\2002\400) — Do inadimplemento das obrigações — Arts. 389 a 420. Rio de
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método

Janeiro: Forense, 2003. vol. V, t. II, p. 354-355, destaque do original). Os danos morais
pela morte de ente querido, portanto, são diretos, porque titularizados por terceiro
alheio ao evento danoso.

13 A afirmação se refere à tutela ampla do direito pelo seu titular em nosso sistema
jurídico. Deve ser feita a ressalva, porém, de que há sistemas jurídicos que reconhecem
o dano pela perda da vida. Nesse sentido: “(…) o dano, em si e por si, não é nem
ressarcível nem irressarcível (nem ‘justo’, nem ‘injusto’). A decisão — ética, política e
filosófica, antes de jurídica — deverá ser tomada pela sociedade em que se dá o evento.
Assim é que há danos que são passíveis de indenização em determinados países e não o
são em outros, embora se trate de sistemas jurídicos da mesma família e muito
semelhantes entre si. É o que ocorre, por exemplo, com o chamado ‘dano morte’ ou
‘dano à perda da vida’, em relação ao qual não há, entre nós, qualquer compensação —
ao contrário do que ocorre, por exemplo, em Portugal” (Moraes, Maria Celina Bodin de.
Op. cit., p. 21-22).

14 Segundo Judith Martins-Costa (op. cit., p. 342-343), “em regra o dano estético é de
palmar constatação, mas o dano psíquico e o dano ao projeto de vida o são por
inferência: o juiz tem o dever de ponderar sobre o que ‘comumente acontece’; porém,
examinando todos os dados concretos, a singularidade da pessoa atingida, a vítima em
todas as suas circunstâncias”, acrescentando que caracteriza-se como atentado ao
projeto de vida “aqueles danos que impedem ou dificultam o livre desenvolvimento da
personalidade na carreira projetada, nos projetos que caracterizam cada pessoa na sua
singularidade, no seu próprio mundo — o de sua escolhas de vida” (grifos no original).
Por sua vez, Maria Celina Bodin de Moraes (op. cit., p. 310-311) sustenta que: “Cada
perda e cada dano deverão ser avaliados separadamente, valorizados em relação à
pessoa da vítima (pessoalmente, quase se poderia dizer), de modo que de nada servirá
produzir uma tabela, por assim dizer fixa, do que hoje se procura não chamar de ‘preço
da dor’. Claro está que, considerando todas as circunstâncias do caso concreto,
tampouco será possível afastar-se demais de algum valor médio, que será resultado da
repetição de valores atribuídos a casos semelhantes, controlados pela instância superior.
Esta perspectiva, também chamada de ‘abordagem consequencial’ da reparação do dano
moral, gera diversos efeitos no que se refere à valoração e à reparação dos danos à
pessoa humana. Assumir como centro da análise a consequência danosa, e não o fato ou
evento culposo, na reparação do dano moral, significa dar maior relevo aos bens
imateriais, distinguindo-os em diferentes ‘itens’ ou ‘situações’, o que permite,
considerando no máximo possível as singularidades da vítima, ressarcir com maior
justiça e mais adequadamente o que se sofreu (o que se perdeu) e contemplar as
atividades que se terá que deixar de realizar. Em outro exemplo, trazido também por
Perlingieri, considera-se especial o dano ao ouvido de um mergulhador que adora nadar,
mesmo que o faça amadoristicamente, ou para quem se dileta a ouvir música”.

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