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Arcadismo

O Arcadismo é uma escola literária surgida na Europa no século XVIII, razão por que também é
denominada como Setecentismo ou neoclassicismo. O nome "Arcadismo" é uma referência à
Arcádia, região bucólica do Peloponeso, na Grécia antiga, tida como ideal de inspiração poética.

A principal característica desta escola é a exaltação da natureza e de tudo o que lhe diz respeito. Por
essa razão muitos poetas do Arcadismo adotaram pseudônimos de pastores gregos ou latinos.
Caracteriza-se ainda pelo recurso a esquemas rítmicos mais graciosos.

Numa perspectiva mais ampla, expressa a crítica da burguesia aos abusos da nobreza e do clero
praticados no Antigo Regime.

Adicionalmente os burgueses cultuam o mito do homem natural em oposição ao homem


corrompido pela sociedade, conceito originalmente expresso por Jean-Jacques Rousseau, na figura
do “bom selvagem”.

Contexto histórico social


O século XVIII, também referido como “Século das Luzes”, representa uma fase de importantes
transformações no campo da cultura europeia. Na Inglaterra e na França forma-se uma burguesia
que passa a dominar economicamente o Estado, através de um intenso comércio ultramarino e da
multiplicação de estabelecimentos bancários, assenhoreando-se mesmo de uma parte da atividade
agrícola. Paralelamente, a antiga Nobreza arruína-se, e o Clero, com as suas intermináveis
polêmicas, traz o descrédito às questões teológicas. Em toda a Europa a influência do pensamento
Iluminista burguês se alastra.

Esse período de renovação cultural que se caracteriza, em linhas gerais, pela valorização da Ciência
e do espírito racionalista. O método experimental desenvolve-se; a análise crítica dos valores sociais
e religiosos aguça-se, provocando polêmicas; há uma grande confiança na capacidade do homem
em promover o progresso social (crença em que o bem-estar coletivo só pode advir da razão), e a
tendência de libertar o universo cultural da influência da religião acentua-se cada vez mais.

Na França, em 1751, começam a ser publicados os volumes da Enciclopédia, que reunia pensadores
como Voltaire, Diderot, D'Alembert, Montesquieu, Rousseau, e que pode ser considerada o símbolo
da nova postura intelectual. A segunda metade do século é marcada pela Revolução Industrial na
Grã-Bretanha, pelo aumento da urbanização de modo geral, e pela independência dos Estados
Unidos (1776). Esta, por sua vez, irá inspirar movimentos de revolta em muitas colônias da
América Latina como por exemplo a Inconfidência Mineira, no Brasil.

Na Itália essa influência assumiu feição particular. Conhecida como Arcadismo, inspirava-se na
lendária região da Grécia antiga. Segundo a lenda, a Arcádia era dominada pelo deus Pã e habitada
por pastores que, vivendo de modo simples e espontâneo, se divertiam cantando, fazendo disputas
poéticas e celebrando o amor e o prazer.

Os italianos, procurando imitar a lenda grega, criaram a "Arcádia" em 1690 - uma academia
literária que reunia os escritores com a finalidade de combater o Barroco e difundir os ideais
neoclássicos. Para serem coerentes com certos princípios, como simplicidade e igualdade, os cultos
literatos árcades usavam roupas e pseudônimos de pastores gregos e reuniam-se em parques e
jardins para gozar a vida natural.
Em Portugal e no Brasil, a experiência neoclássica na literatura deu-se em torno dos modelos do
Arcadismo italiano, com a fundação de academias literárias, simulação pastoral, ambiente
campestre, etc.

Características do Arcadismo
O Arcadismo constitui-se em uma forma de literatura mais simples, opondo-se aos exageros e
rebuscamentos do Barroco, expresso pela frase "Inutilia truncat" ("cortar o inútil"). Os temas
também são simples e comuns aos seres humanos, como o amor, a morte, o casamento, a solidão.
As situações mais freqüentes apresentam um pastor abandonado pela amada, triste e queixoso. É a
"Aurea mediocritas" ("mediocridade áurea"), que simboliza a valorização das coisas cotidianas,
focalizadas pela razão.

Os autores retornam aos modelos clássicos da Antiguidade greco-latina e aos renascentistas, razão
pela qual o movimento é também conhecido como neoclássico. Os seus autores acreditavam que a
Arte era uma cópia da natureza, refletida através da tradição clássica. Por isso a presença da
mitologia pagã, além do recurso a frases latinas.

Inspirados na frase do escritor latino Horácio "Fugere urbem" ("fugir da cidade"), e imbuídos da
teoria do "bom selvagem" de Jean-Jacques Rousseau, os autores árcades voltam-se para a natureza
em busca de uma vida simples, bucólica, pastoril, do "locus amoenus", do refúgio ameno em
oposição aos centros urbanos dominados pelo Antigo Regime, pelo Absolutismo monárquico.

Cumpre salientar que essa busca configurava apenas um estado de espírito, uma posição política e
ideológica, uma vez que esses autores viviam nos centros urbanos e, burgueses que eram, ali
mantinham os seus interesses econômicos. Por isso justifica falar-se em "fingimento poético" no
arcadismo fato que transparece no uso dos pseudônimos pastoris.

Além disso, diante da efemeridade da vida, defendem o "Carpe diem", pelo qual o pastor, ciente da
brevidade do tempo, convida a sua pastora a gozar o momento presente.

Quanto à forma, usavam muitas vezes sonetos com versos decassílabos, rima optativa e a tradição
da poesia épica.

Outras características importantes são:

 Valorização da vida no campo


 Crítica a vida nos centros urbanos
 Objetividade
 Idealização da mulher amada

O Arcadismo em Portugal
O clima de renovação atingiu também Portugal que, no começo do século XVIII, passava pelo
período final de sua reestruturação econômica, política e cultural.

Durante o reinado de João V de Portugal (1707-1750) percebe-se, no país, uma certa abertura
intelectual e política, como por exemplo a licença concedida à Congregação do Oratório para
ministrar ensino, até então privilégio da Companhia de Jesus.
Em 1746, Luís António Verney, inspirado nas idéias dos racionalistas franceses, publica as cartas
que compõem o seu "Verdadeiro Método de Estudar", obra em que critica o ensino tradicional e
propõe reformas que visam a colocar a cultura portuguesa a par com a do resto da Europa.

Caberá, entretanto, ao marquês de Pombal, ministro de José I de Portugal (1750-1777), concretizar


essas aspirações. Agindo com plena autonomia de poderes, o despotismo esclarecido de Pombal
operou verdadeira transformação nos rumos da cultura portuguesa:

 expulsou os jesuítas em 1759, o que enfraqueceu bastante a influência religiosa no campo


cultural;
 incentivou os estudos científicos;
 reformou o ensino e,
 apesar de manter um sistema de censura, afrouxou muito a repressão que era exercida pelo
Santo Ofício (a Inquisição).

Em Portugal, o Arcadismo iniciou-se oficialmente em 1756, com a fundação da “Arcádia Lusitana”,


entidade em que se reuniam intelectuais e artistas para discutirem Arte.

A “Arcádia Lusitana” tinha por lema a frase latina "Inutilia truncat" ("acabe-se com as
inutilidades"), que vai caracterizar todo o movimento no país. Visavam com isto erradicar os
exageros, o rebuscamento, e a extravagância preconizados pelo Barroco, retornando a uma literatura
simples.

Autores

 Manuel Maria Barbosa Du Bocage


 Antonio Diniz Cruz e Silva
 Correia Garção
 Marquesa de Alorna
 Francisco José Feire, o Cândido Lusitano

O Arcadismo no Brasil
No Brasil, vive-se o momento histórico da decadência do ciclo da mineração e da transferência do
centro político do Nordeste (Salvador, na Bahia) para o Rio de Janeiro.

Aqui o marco inaugural do Arcadismo deu-se em 1768 com a fundação da “Arcádia Ultramarina”,
em Vila Rica, e a publicação de “Obras Poéticas”, de Cláudio Manuel da Costa. Embora não chegue
a constituir um grupo nos moldes das arcádias europeias, constituem a primeira geração literária
brasileira.

Nesta colônia portuguesa, as ideias iluministas vieram ao encontro dos sentimentos e anseios
nativistas, com maior repercussão em Vila Rica, centro econômico mais importante à época, em
função da mineração. A figura do “bom selvagem” de Rousseau dará origem, na colônia, ao
chamado Nativismo. O acontecimento político mais importante será a Inconfidência Mineira,
tentativa mal-sucedida de libertar a província das Minas Gerais do domínio colonial português. A
politização do movimento apresentou-se através dos poetas árcades brasileiros, participantes da
Conjuração.
A chamada "Escola Setecentista" desenvolve-se até 1808 com a chegada da Família Real ao Rio de
Janeiro, que com suas medidas político-administrativas, permitiu a introdução do pensamento pré-
romântico no Brasil.

Entre as características do movimento no Brasil, destacam-se a introdução de paisagens tropicais,


como em Caramuru, valorização da história colonial, o início do nacionalismo e da luta pela
independência e a colocação da colônia como centro das atenções.

Autores

 Frei Santa Rita Durão (1722-1784), autor do poema épico Caramuru


 Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) Obras Poeticas e Villa Rica
 Basílio da Gama (1741-1795), autor do poema épico O Uraguai
 Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), autor de Marília de Dirceu e Cartas Chilenas
 Inácio José de Alvarenga Peixoto (1744-1793)
 Silva Alvarenga (1749-1814), autor de Glaura

Cláudio Manuel da Costa


Cláudio Manuel da Costa Mariana, (Minas Gerais)Vila do Ribeirão do Carmo, 5 de junho de 1729
— Ouro Preto, Vila Rica, 4 de julho de 1789) foi um jurista e poeta luso-brasileiro da época
colonial [1].

Destacou-se pela sua obra poética e pelo seu envolvimento na Inconfidência Mineira. Foi também
advogado de prestígio, fazendeiro abastado, cidadão ilustre, pensador de mente aberta e mecenas do
Aleijadinho[carece  de fontes?]. Estudou cânones em Coimbra e há quem acredite[quem?] que ele tenha
traduzido a obra de Adam Smith para o português[carece  de fontes?]. Outra dúvida que persiste é se foi ou
não membro dos Illuminati, sociedade secreta de cunho iluminista que surgiu na Baviera e
influenciou inúmeras revoluções.[carece  de fontes?]

Biografia
Filho de João Gonçalves da Costa, português, e Teresa Ribeira de Alvarenga, mineira, nasceu no
sítio da Vargem do Itacolomi, freguesia da vila do Ribeirão do Carmo, atual cidade de Mariana em
Minas Gerais.

Em 1749, aos vinte anos de idade, embarcou para Portugal, matriculando-se na Universidade de
Coimbra, onde obteve o Bacharelato em Cânones.

Entre 1753 e 1754, retornou ao Brasil, dedicando-se à advocacia em Vila Rica (atual Ouro Preto).
Jurista culto e renomado à época, ali exerceu o cargo de procurador da Coroa, desembargador, e,
por duas vezes, o de secretário do Governo. Por incumbência da Câmara de Ouro Preto elaborou a
"Carta Topográfica de Vila Rica e seu termo" (1758).

Por sua idade, boa lição clássica, fama de doutor e crédito de autor publicado, exerceu uma espécie
de magistério entre os seus confrades em musa, maiores e menores, uma vez que todos lhe liam as
suas obras e lhe escutavam os conselhos. Foi, assim, uma das principais figuras da Capitania.

Aos sessenta anos de idade foi envolvido na chamada Conjuração Mineira. Detido e, para alguns,
apavorado com as conseqüências da acusação de réu de inconfidência, morreu em circunstâncias
obscuras, em Vila Rica, no dia 4 de julho de 1789, quando teria cometido suicídio por enforcamento
na prisão.

Os registros da trajetória da vida de Cláudio revelam uma bem sucedida carreira no campo político,
literário e profissional. Foi secretário de governo, poeta admirado até em Portugal e advogado dos
principais negociantes da capitania no seu tempo. Acumulou ampla fortuna e sua casa em Vila Rica,
era uma das melhores vivendas da capital. Sólida e construção que ainda lá está a desafiar o tempo.

A memória de Cláudio Manuel da Costa, porém, não teve a mesma sorte. Até hoje paira sobre ele a
suspeita de ter sido um miserável covarde que traiu os amigos e se suicidou na prisão[carece  de fontes?].
Outros negam até a própria relevância da sua participação na inconfidência mineira, pintando-o
como um simples espectador privilegiado, amigo de Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto,
freqüentadores assíduos dos saraus que ele promovia.

Cláudio tentou, ele próprio, diminuir a relevância da sua participação na conspiração, mas estava
apenas tentando reduzir o peso da sua culpa diante dos juizes da devassa. Os clássicos da
historiografia da inconfidência mineira são unânimes em valorizar sua participação no movimento.
Parece que ele era meio descrente com as chances militares da conspiração. Mas não deixou de
influenciar no lado mais intelectualizado do movimento, especialmente no que diz respeito à
construção do edifício jurídico projetado para a república que pretendiam implantar em Minas
Gerais, no final do século XVIII.

De qualquer modo José Pedro Machado Coelho Torres, juiz nomeado para a Devassa de 1789 em
Minas Gerais, dele diz o seguinte: "O dr. Cláudio Manoel da Costa era o sujeito em casa de quem
se tratou de algumas coisas respeitantes à sublevação, uma das quais foi a respeito da bandeira e
algumas determinações do modo de se reger a República: o sócio vigário da vila de S. José é quem
declara nas perguntas formalmente"...(Anais da Biblioteca Nacional, 1º vol. pg. 384).

É patrono da Academia Brasileira de Letras.

Morte: assassinato ou suicídio?


O ponto mais crítico da biografia do poeta inconfidente vem a ser a suspeita do seu suicídio. Sua
morte está cercada de detalhes obscuros. Há mais de duzentos anos que o assunto suscita debates e
há argumentos de peso tanto a favor como contra a tese do suicídio. Os partidários da crença de que
Cláudio Manuel da Costa tenha se suicidado se baseiam no fato de que ele estava profundamente
deprimido na véspera da sua morte.

Isso está estampado no seu próprio depoimento, registrado na Devassa. Além disso, seu padre
confessor teria confirmando seu estado depressivo a um frade que trouxe o registro à luz. Os
partidários da tese de que Cláudio tenha sido assassinado, contestam tanto a autenticidade do
depoimento apensado aos autos da Devassa, quanto a honestidade do registro do frade.

Quem acredita na tese do assassinato se baseia em um argumento principal: o próprio laudo pericial
que concluiu pelo suicídio. Pelo laudo, o indigitado poeta teria se enforcado usando os cadarços do
calção, amarrados numa prateleira, contra a qual ele teria apertado o laço, forçando com um braço e
um joelho. Muitos acreditam ser impossível alguém conseguir se enforcar em tais circunstâncias.

O historiador Ivo Porto de Menezes relata que ao organizar antigos documentos relativos à Igreja
Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, em 1957 ou 1958, encontrou no livro de assentos
dos integrantes da Irmandade de São Miguel e Almas, a anotação da admissão de Cláudio Manuel e
à margem a observação de que havia "sufragado com 30 missas" a alma do falecido, e "pago tudo
pela fazenda real". De igual forma procedera a Irmandade de Santo Antônio, que lançou em seu
livro: "falecido em julho de 1789. E feitos os sufrágios." Relembra que havia à época proibição de
missas pelos suicidas.

Também Jarbas Sertório de Carvalho, em ensaio publicado na Revista do Instituto Histórico e


Geográfico de São Paulo, defende com boa documentação a tese do assassinato.

Há ainda quem acredite que o próprio governador, Visconde de Barbacena, esteve envolvido na
conspiração e Cláudio teria sido eliminado por estar disposto a revelar isso. Mas o fato é que
somente a tese do suicídio pôde se lastrear em documentos, ainda que duvidosos quanto a sua
honestidade e veracidade, como bem salientam os adeptos da tese de assassinato.

Ainda noutro ensaio "Inconfidência Mineira- As Várias faces", Júlio José Chiavenato lança um
dado que reforça a tese da farsa montada do "suicídio" de Cláudio Manuel da Costa. Na tarde do
mesmo dia em que o advogado é preso, são assassinados no sítio da Vargem a sua filha, o genro e
outros familiares, bem como alguns escravos e roubados todos os seus bens. O Visconde de
Barbacena só informou Lisboa da morte de Cláudio Manuel da Costa a 15 de julho, onze dias
depois de ter ocorrido e quando dera conhecimento a Lisboa do seu interrogatório a 11 de Julho,
sem nunca referir o facto. Se a morte do alferes (Tiradentes) não causaria embaraços em Lisboa a de
Cláudio e da sua família poderia causar, daí a necessidade da farsa ser montada.

Dez dias depois da sua morte, a população de Paris tomava a fortaleza da Bastilha, marcando o
início do fim da dinastia dos gloriosos Luíses de França. Começava a tomar corpo então, um projeto
político, sonhado pelo próprio Cláudio Manuel da Costa para seu país. Demoraria, no entanto, mais
trinta anos para que o Brasil se tornasse liberto de Portugal. Cem anos a mais seriam necessários
para a realização da segunda parte do sonho, a implantação do regime republicano no Brasil.

Obra
Glauceste Saturnino (ou Glauceste Satúrnio), pseudônimo do autor, faz parte da transição do
Barroco para o Arcadismo. Seus sonetos herdaram a tradição de Camões.

 Culto Métrico, 1749.


 Munúsculo Métrico,1751.
 Epicédio, 1753.
 Obras (sonetos, epicédios, romances, éclogas, epístolas, liras), 1768.
 O Parnaso Obsequioso, 1768
 Vila Rica, 1773.
 Poesias Manuscritas, 1779.

Fonte: A Poesia dos Inconfidentes, Obra completa de Cláudio Manuel da Costa - Editora Nova
Aguilar, Rio de Janeiro, 2002.

Representações na cultura
Cláudio Manuel da Costa já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado
por Emiliano Queiroz no filme "Tiradentes" (1999), Fernando Torres no filme "Os Inconfidentes"
(1972), na novela "Dez Vidas" (1969) e Carlos Vereza no filme "Aleijadinho - Paixão, Glória e
Suplício" (2003).
Características
Literatura simples, opondo-se aos exageros e rebuscamentos do Barroco. Os temas também são
simples e comuns aos seres humanos: amor, morte, casamento, solidão. As situações mais
freqüentes apresentam um pastor abandonado pela amada, triste e queixoso.

Volta aos modelos clássicos greco-latinos da Antigüidade e aos renascentistas. Acreditavam ser a
arte uma cópia da natureza, refletida através da tradição clássica. Por isso a presença da mitologia
pagã, exceto em Basílio da Gama e Santa Rita Durão, além de frases latinas.

carpe diem - pastor, ciente da passagem do tempo, convida a pastora a gozar o momento presente

locus amoenus - o lugar ameno, onde se encontra a paz para o amor

  "Apolo já fugiu do Céu brilhante, / Já foi Pastor de gado"  


  --Tomás Antônio Gonzaga

A vida simples, bucólica, pastoril, busca do locus amoenus (lugar ameno) era só um estado de
espírito, uma vez que todos os poetas árcades moravam na cidade. São comuns metamorfoses:
transformações de seres humanos em entes naturais (ex. conversão de pastor em rio na Fábula do
Ribeirão do Carmo, de CMC).

O fingimento poético justifica o uso de pseudônimos pastoris. Tomás Antônio Gonzaga era o poeta
Dirceu e Cláudio Manuel da Costa, o guardador de rebanhos Glauceste Satúrnio.

Quanto à forma, usavam muitas vezes sonetos com versos decassílabos, rima optativa e a tradição
da poesia épica.

Autores
Cláudio Manuel da Costa (1729-1789)

Introdutor do Arcadismo no Brasil. Em Lisboa, onde convive com as primeiras manifestações


árcades. Em 1768, lança o livro Obras e funda a Arcádia Ultramarina, marcos iniciais do Arcadismo
no Brasil. Poeta de transição, ainda muito preso ao Barroco, era grande amigo de Tomás Antônio
Gonzaga, como atesta a poesia deste. Seu pseudônimo era Glauceste Satúrnio e o de sua musa era
Nise.

Preso em 1789, é acusado de reunir os conjurados da Inconfidência Mineira. Após supostamente


delatar seus colegas, é encontrado morto na cela, um caso de suicídio até hoje nebuloso.

Estilo : geralmente sonetos, hipérbatos, antíteses e figuras sonoras.

Na citação a seguir, está presente um elogio ao campo, lugar idealizado pelos árcades.

"Quem deixa o trato pastoril, amado, / Pela ingrata civil correspondência, / Ou desconhece o rosto
da violência, / Ou do retiro da paz não tem provado."

Obras Principais : Poesias, Labirinto de Amor, 1753, Obras Poéticas, 1768, Vila Rica, 1839
CARACTERÍSTICAS DO ARCADISMO

O Arcadismo é um movimento de reação ao exagero barroco, que havia alcançado um ponto de saturação.
Racionalmente, influenciados pelas idéias iluministas francesas, os poetas buscam a retomada da
simplicidade e resgatam alguns princípios da Antiguidade, por considerarem ser este o período de maior
equilíbrio e pureza.
Há três princípios latinos básicos para a compreensão desse estilo de época:
a) Carpe diem (aproveita o dia): máxima proposta pelo poeta latino Horácio. Significa viver o presente,
aproveitando-o ao extremo, visto que o tempo passa rapidamente.
b) Inutilia truncat (cortar o inútil): desejo de retirar dos textos tudo o que for excessivo, exagerado ou
redundante.
c) Fugere urbem (fugir da cidade): princípios de valorização da natureza, vista como lugar de perfeição e
pureza, em oposição à cidade, onde tudo é conflito.
A partir destes três princípios fundamentais o Arcadismo, é possível compreender as demais características
do período:
1 – retomada da teoria aristotélica da arte como imitação da natureza, usando a razão. O poeta apreende o
sentido de perfeição expresso pela natureza e tenta reproduzi-lo ao escrever;
2 – respeito às teorias literárias dos antigos, utilizando as normas poéticas da Antiguidade;
3 – simplicidade na forma e no conteúdo dos poemas; versos curtos; ausência de rimas em alguns versos;
4 – bucolismo (exaltação da vida do campo, uso de cenários pastoris);
5 – presença da mitologia, num retorno aos valores clássicos;
6 – equilíbrio entre a razão e a fantasia, através de uma “disciplina literária” a ser estabelecida pelas
Arcádias e seguida por seus membros;
7 – uso de palavras simples, de fácil entendimento, sem serem vulgares;
8 – desejo de dar à literatura uma função social, de caráter didático e doutrinário. A literatura deve ser
acessível a todos;
9 – preocupação com a finalidade moral da literatura;
10 – desejo de mostrar uma realidade onde nada seja feio, idealizando-a.

O ARCADISMO EM PORTUGAL – BOCAGE

O Arcadismo português vai desde 1756 (fundação da Arcádia Lusitana) até 1825, data da publicação do
poema Camões, de Almeida Garrett, que marca o início do estilo de época seguinte – o Romantismo. O
principal autor do Arcadismo em Portugal é Bocage, que apresenta também uma fase mais próxima do
Romantismo.
Manuel Maria Barbosa du Bocage, de origem francesa pelo lado materno, nasce em Setúbal, 1765, e falece
em Lisboa, 1805. Muito cedo começa a escrever versos. Ingressa, em 1783, na Academia da Marinha, onde
mantém contato com poetas e boêmios da época. Fixou-se em Lisboa, em 1790, ano que marca o início de
sua atividade literária. Consegue renome, compondo uma elegia sobre a morte do filho do Marquês de
Marialba. Nos últimos meses de sua vida, reconcilia-se com a religião e escreve os célebres sonetos: Meu
ser evaporei na lida insana e Já Bocage não sou.
Deixou-nos uma vasta obra – Rimas (1791 – 1804). Bocage é considerado o maior e o melhor poeta árcade
da literatura portuguesa. Cultivou a poesia satírica, mas revelou-se um dos grandes sonetistas portugueses
em suas composições líricas. Bocage adotou o pseudônimo de Elmano Sadino. Note que Elmano é o próprio
nome Manuel, em forma de anagrama, e Sadino refere-se ao rio Sado, da cidade de Setúbal, onde nasceu o
poeta.
Soneto XXII
Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura;

Aqui, onde não geme, nem murmura


Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sobre o tosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.

Às lágrimas a penha enternecida


Um rio fecundou, donde manava
D’ânsia mortal a cópia derretida:

A natureza em ambos se mudava;


Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.

Esse é um dos cem sonetos que formam a primeira parte das Obras, publicadas em 1768, na
cidade de Coimbra. Para muitos críticos, a produção mais significativa de Cláudio Manuel está
de fato nessas composições, que se dividem em pelo menos três séries. A primeira descreve
as angústias amorosas e a morte do pastor Fido; os poemas da segunda série tratam do
dilema rústico-civilizado; e, ligado às duas séries anteriores, aparece a terceira com o tema da
"tristeza da mudança das coisas em relação aos estados de sentimento", conforme as palavras
de Antonio Candido. A composição acima, uma das mais perfeitas do livro, pertence sem
dúvida à primeira categoria.

No estudo da poesia arcádica, mesmo a realizada no Brasil, é imprescindível o conhecimento


de temas e formas legados pela Antiguidade. Cláudio Manuel da Costa, conquanto tivesse
nascido num país descoberto havia pouco mais de 200 anos, estudara em Coimbra, onde se
familiarizou com o gosto e a norma literária européia então em voga e, portanto, com os
argumentos e assuntos transmitidos pela tradição antiga. Em seus sonetos, são recorrentes os
temas do desterro, do carpe diem, do locus amoenus, entre outros que circulavam na
poesia neoclássica portuguesa. Contudo, como esperamos mostrar, as regras, motivos e
procedimentos fornecidos pela tradição européia sofrerão uma inflexão na poesia de Cláudio
Manuel da Costa, que exprimiu em sua obra o conflito típico do artista brasileiro,
freqüentemente dividido entre o modelo europeu e as solicitações da realidade colonial.

Como aliar a experiência nacional a uma forma importada dos países centrais, onde se verifica
um outro tipo de experiência histórica, constitui uma questão com a qual nossos intelectuais
desde pelo menos o século 18 têm de se haver.

No poema em questão, dispõem-se elementos para um quadro que poderia ser bucólico:
álamo, arvoredo, Zéfiro, pastor, natureza. No entanto eles não configuram de fato o "lugar
ameno" (locus amoenus), a tranqüilidade idílica, como vemos na poesia pastoril do poeta
latino Virgílio (70-19 a.C.) e na poesia pastoril praticada no século 18 europeu. Por sobre tais
elementos cai a sombra da melancolia do pastor Fido. Afinal, o álamo é sombrio, o arvoredo
é fúnebre, e não se ouve nenhum gemido de um suave zéfiro na escura noite. O ar está
parado, como que petrificado, talvez porque nele esteja sendo gestada a imagem do segredo,
conforme a expressão do poeta. Mas que segredo é esse? Para tentar responder a essa
pergunta, é necessário insistir na imagem do pastor melancólico. Em vez de tomar parte na
confraternização com a natureza, na sociabilidade amena entre os pastores, ele aparece
recuado e solitário:

Sentado sobre o tosco de um penedo


Chorava Fido a sua desventura.

O crítico literário Sérgio Alcides considera a posição de estar "sentado sobre o tosco de um
penedo" o avesso do estilo "sub tegmini fagi", isto é, do estilo que caracteriza a posição de
quem está "à sombra de uma faia", recostado a uma aprazível árvore. Essa imagem se tornou
modelar desde a abertura da Bucólica I, de Virgílio. Trata-se do paradigma da vida amena e
natural, que comunga com a natureza e se opõe ao artificialismo da vida urbana. No entanto o
pastor de Cláudio não está suavemente apoiado num tronco de faia; está sentado "sobre o
tosco de um penedo", isto é, sobre a superfície não lavrada, não polida de algo já por si
bastante duro, bastante rústico. Além disso, ele não está em recreio, mas antes lamenta as
suas desventuras e chora copiosamente.

Já é possível constatar algumas dissonâncias nesse soneto em relação ao que seria a


convenção da poesia arcádica européia: as imagens da escuridão e a melancolia. Esta tira o
pastor do convívio harmonioso com os homens e aquelas impedem a pintura de um quadro
realmente bucólico, pois este exigiria tons mais claros e suaves. Dois ideais prezados pelo
Arcadismo são, portanto, contrariados nesse poeta que era dos mais disciplinados e versados
nos preceitos metropolitanos: o campo como lugar de harmonia e felicidade e a visão
simplificada dos homens e das relações sociais. Ora, num soneto, (...) Em que apenas
distingue o próprio medo / Do feio assombro a hórrida figura(...), é justo dizer que a natureza
não é espaço de serenidade, mas de imagens horripilantes. Do mesmo modo, a presença
poderosa da melancolia indica precisamente o contrário de uma simplificação das relações
humanas. Para a alma melancólica o burburinho humano pode trazer um terrível desconforto.
Na verdade, as imagens sombrias do poema são projeções de um eu que não vê nem mesmo
na natureza conforto para seus flagelos. Não estamos, portanto, diante da harmonia com a
natureza e os homens tal como é estilizada em Virgílio e mesmo em tantos poetas europeus
contemporâneos de Cláudio. Estamos diante de um paradoxal pastor reflexivo, pois a
melancolia costuma se associar à reflexão pelo ensimesmamento continuado.

Por que é paradoxal a figura de um "pastor reflexivo"? Ora, porque a convenção pastoril servia
ao ideal de naturalidade, que pressupunha uma sociabilidade mais agradável entre os homens,
e a melancolia introduz uma nota dissonante, que impede a formação dessa feliz comunidade.
Os pastores de Cláudio não são muito sociáveis e afeitos ao trato com as pessoas, pois muitas
vezes se afastam das brincadeiras e das festas campestres e se isolam num canto, sentando-
se sobre um penedo, sobre uma pedra, e desfiando os seus infortúnios. Isso indica que as
relações humanas foram perturbadas.

Nessa poesia vemos um topos característico da literatura culta européia: a metamorfose. A


transformação de homens em plantas, minerais e animais, e vice-versa, era um lugar-comum
transmitido pela literatura greco-romana. Mas em Cláudio, assim como a figura do pastor
foge um tanto às normas estabelecidas no Arcadismo, assim também a metamorfose parece
adquirir uma feição singular. Vejamos as últimas estrofes do poema analisado:

Às lágrimas a penha enternecida


Um rio fecundou, donde manava
D'ânsia mortal a cópia derretida;

A natureza em ambos se mudava;


Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.

A pedra, comumente ligada à idéia de fixidez, de alicerce, daquilo que não se altera, é aqui, no
entanto, abalada. Enquanto Fido chora a sua desventura e tende para a petrificação, tal é a
dor que nele se desata, a rocha, comovida, tende a ganhar a mobilidade própria dos homens.
Fido se congela, e o mineral se derrete. Daí o poeta dizer: "A natureza em ambos se mudava".
O pastor se mineraliza, e a pedra se humaniza, numa manifestação do abalo que tomou conta
dos elementos da paisagem. Ocorre, portanto, metamorfose em mão dupla.

Ora, um pastor transmudado em mineral indica que o ideal arcádico de uma idade de ouro, na
qual se restabeleceria a convivência pacífica entre os homens, foi deixado de lado. Pois aqui se
regride a um estágio anterior ao humano, a um estágio anterior à sociabilidade.

No "Prólogo ao leitor" que antecede os sonetos de Cláudio, lemos:

Não permitiu o Céu, que alguns influxos, que devi às águas do Mondego, se prosperassem por
muito tempo: e destinado a buscar a pátria, que por espaço de cinco anos havia deixado, aqui
entre a grossaria dos seus gênios, que menos pudera eu fazer, que entregar-me ao ócio, e
sepultar-me na ignorância! Que menos, do que abandonar as fingidas ninfas destes rios, e no
centro deles adorar a preciosidade daqueles metais, que têm atraído a este clima os corações
de toda a Europa! Não são estas as venturosas praias da Arcádia, onde o som das águas
inspirava a harmonia dos versos. Turva e feia a corrente destes ribeiros, primeiro que arrebate
as idéias de um poeta, deixa ponderar a ambiciosa fadiga de minerar a terra que lhes tem
pervertido as cores.

Aqui está formulado claramente o drama do poeta, que teve de retornar à pátria e reafinar a
lira conforme a "grossaria dos seus gênios". Os rios daqui, turvos e feios, não são as
"venturosas praias de Portugal". A atividade da mineração, então sustentáculo da economia
em Minas Gerais, implicava por certo um arruinamento da paisagem. O Brasil, na condição de
colônia de Portugal, adquiria para a sensibilidade aguçadíssima de Cláudio Manuel da Costa o
ar de uma terra devastada, para a qual se encaminhavam levas de europeus, especialmente
portugueses, com a ambição de enriquecer o mais rápido possível. Isso mais o fato de que a
capitania de Minas Gerais tinha de repassar para a Metrópole a maior parte de sua riqueza na
forma de impostos indicavam ser a região mero lugar de passagem, enfeado como costumam
ser aqueles sítios voltados apenas para o lucro e nos quais a beleza é vista como inútil. Minas
Gerais era um pouco a Serra Pelada daquele período.

Se a convenção pastoril e o cenário campestre previstos na literatura culta da época pareciam,


num primeiro momento, apropriados para um lugar em que, ao contrário da Inglaterra, não
houvera revolução industrial, saíam ao mesmo tempo modificados na obra de Cláudio. Embora
em certo sentido estivéssemos muito mais próximos da natureza do que os europeus, que já a
idealizavam e colocavam como instância a que a sensibilidade refinada deveria aspirar, nossa
natureza era, por assim dizer, revirada e saqueada de uma maneira talvez mais visível, menos
acobertada, do que a natureza nos países em que houvera industrialização maciça.

A paisagem em Cláudio é muito mais tosca do que amena, e às vezes pode ganhar cores
mortiças, como no soneto que estamos analisando. Um soneto absolutamente sombrio, no
qual o tempo parece ter se congelado também, tal como o pastor Fido.

Por fim, qual será "a imagem do segredo"? O poema não configuraria, todo ele, essa imagem,
arrematada por uma espantosa metamorfose? Não é possível, neste espaço, responder a essa
questão de maneira satisfatória, pois haveria muito mais a dizer dessa magnífica composição,
em que a dicção clássica por vezes é crispada por procedimentos barrocos, como o hipérbato.
De todo modo, procuramos levantar ao menos alguns aspectos que nos ajudem a refletir sobre
o que constitui o segredo dessa grande poesia.

Claudio Manuel Da Costa


* Ribeirão do Carmo, (Mariana) MG. – 1789 d.C.
+ Vila Rica (Ouro Preto), MG. – 4 de Julho de 1789 d.C.

Ai Nise Amada…

Ai Nise amada! se este meu tormento,


se estes meus sentidíssimos gemidos
lá no teu peito, lá nos teus ouvidos
achar pudessem brando acolhimento;

como alegre em servir-te, como atento


meus votos tributara agradecidos!
Por séculos de males bem sofridos
trocara todo o meu contentamento.

Mas se na incontrastável pedra dura


de rigor há correspondência
para os doces afetos de ternura,

cesse de meus suspiros a veemência;


que é fazer mais soberba a formosura
adorar o rigor da resistência

Cláudio Manuel da Costa, advogado, magistrado e poeta.

É Patrono da Academia Brasileira de Letras - Cadeira nº8, por escolha do fundador Alberto de
Oliveira – Glauceste Saturnino (ou Glauceste Satúrnio), pseudônimo do autor, faz parte da transição
do Barroco para o Arcadismo. Seus sonetos herdaram a tradição de Camões.

Era filho de João Gonçalves da Costa, lavrador e minerador, no sítio da Vargem do Itacolomi , e de
Teresa Ribeiro de Alvarenga. Fez os primeiros estudos em Vila Rica; passou depois ao Rio de
Janeiro, onde cursou Filosofia no Colégio dos Jesuítas. Em 1749, aos vinte anos de idade, seguiu
para Lisboa e daí para Coimbra, em cuja Universidade se formou em Cânones, em 1753. Ali
publicou, em opúsculos, pelo menos três poemas, Munúsculo métrico, Labirinto de amor e o
Epicédio consagrado à memória de Frei Gaspar da Encarnação.

Entre 1753 e 54 recolheu ao Brasil, dando-se à advocacia em Vila Rica (hoje Ouro Preto), jurista
culto e renomado da época, ali exerceu o cargo de procurador da Coroa, desembargador, também
exerceu por duas vezes o importante cargo de secretário do Governo. Por incumbência da Câmara
de Ouro Preto elaborou “carta topográfica de Vila Rica e seu têrmo” em 1758.

Tornou-se conhecido principalmente pela sua obra poética e pelo seu envolvimento na
Inconfidência Mineira. Contudo, foi também advogado de prestígio, fazendeiro abastado, cidadão
ilustre, pensador de mente aberta e mecenas do Aleijadinho. Estudou cânones em Coimbra e há
quem acredite que ele tenha traduzido a obra de Adam Smith para o português, mas isso nunca foi
muito bem fundamentado.

Vida
Por sua idade, boa lição clássica, fama de douto e crédito de autor publicado, exerceu Cláudio da
Costa ali uma espécie de magistério entre os seus confrades em musa, maiores e menores, que todos
lhe liam as suas obras e lhe escutavam os conselhos, era uma das figuras principais da Capitania.
Aos sessenta anos foi comprometido na chamada Conjuração Mineira. Preso e, para alguns,
apavorado com as conseqüências da tremenda acusação de réu de inconfidência, morreu em
circunstâncias obscuras, em Vila Rica, no dia 4 de julho de 1789, quando teria se suicidado na
prisão.

Foi secretário de vários governadores, poeta admirado até em Portugal e advogado dos principais
negociantes no seu tempo. Acumulou ampla fortuna e sua casa em Vila Rica, era uma das melhores
da capital.
A memória de Cláudio Manuel da Costa, porém, não teve a mesma sorte. Até hoje paira sobre ele a
suspeita de ter sido um miserável covarde que traiu os amigos e se suicidou na prisão. Outros
negam até a própria relevância da sua participação na inconfidência mineira, pintando-o como um
simples expectador privilegiado, amigo de Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto,
freqüentadores assíduos dos saraus que ele promovia.

Cláudio tentou ele próprio, diminuir a relevância da sua participação na conspiração, mas estava
apenas tentando reduzir o peso da sua culpa diante dos juízes da devassa. Os clássicos da
historiografia da inconfidência mineira são unânimes em valorizar sua participação no movimento.
Parece que ele era meio descrente com as chances militares da conspiração. Mas não deixou de
influenciar no lado mais intelectualizado do movimento, especialmente no que diz respeito à
construção do edifico jurídico projetado para a república que pretendiam implantar em Minas
Gerais, no final do século XVIII.

De qualquer modo José Pedro Machado Coelho Torres, juiz nomeado para a Devassa de 1789 em
Minas Gerais, dele diz o seguinte: “O Dr. Cláudio Manoel da Costa era o sujeito em casa de quem
se tratou de algumas cousas respeitantes à sublevação, uma das quais foi a respeito da bandeira e
algumas determinações do modo de se reger a República: o sócio vigário da vila de S. José é quem
declara nas perguntas formalmente”

Morte
Assassinato ou suicídio?

O ponto mais crítico da biografia do poeta inconfidente vem a ser a suspeita do seu suicídio. Sua
morte está cercada de detalhes estranhos. Há mais de duzentos anos que o assunto suscita debates e
há argumentos de peso tanto a favor como contra a tese do suicídio. Os partidários da crença de que
Cláudio Manuel da Costa tenha se suicidado se baseiam no fato de que ele estava profundamente
deprimido na véspera da sua morte.

Isso está estampado no seu próprio depoimento, registrado na Devassa. Além disso, seu padre
confessor teria confirmando seu estado depressivo a um frade que trouxe o registro à luz. Os
partidários da tese de que Cláudio tenha sido assassinado, contestam tanto a autenticidade do
depoimento apensado aos autos da Devassa, quanto à honestidade do registro do frade.

Quem acredita na tese do assassinato se baseia em um argumento principal: o próprio laudo pericial
que concluiu pelo suicídio. Pelo laudo, o indigitado poeta teria se enforcado usando os cadarços do
calção, amarrados numa prateleira, contra a qual ele teria apertado o laço, forçando com um braço e
um joelho. Muitos acreditam ser impossível alguém conseguir se enforcar em tais circunstâncias.

O historiador Ivo Porto de Menezes relata que ao organizar antigos documentos relativos à Igreja
Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, em 1957 ou 1958, encontrou no livro de assentos
dos integrantes da Irmandade de São Miguel e Almas, a anotação da admissão de Cláudio Manuel e
à margem a observação de que havia “sufragado com 30 missas” a alma do falecido, e “pago tudo
pela fazenda real”. De igual forma procedera a Irmandade de Santo Antônio, que lançou em seu
livro: “falecido em julho de 1789. E feitos os sufrágios.” Relembra que havia à época proibição de
missas pelos suicidas.

Também Jarbas Sertório de Carvalho, em ensaio publicado na Revista do Instituto Histórico e


Geográfico de São Paulo, defende com boa documentação a tese do assassinato.

Há ainda quem acredite que o próprio governador, Visconde de Barbacena, esteve envolvido na
conspiração e Cláudio teria sido eliminado por estar disposto a revelar isso. Mas o fato é que
somente a tese do suicídio pôde se lastrear em documentos, ainda que duvidosos quanto a sua
honestidade e veracidade, como bem salientam os adeptos da tese de assassinato.

Assim, a própria História continua pendente quanto às verdadeiras circunstâncias da morte de


Cláudio Manuel da Costa e isso continua a ser o ponto mais marcante da sua biografia, não obstante
estar sua vida plena de passagens notáveis.

Dez dias depois da sua morte, a população de Paris tomava a fortaleza da Bastilha, marcando o
início do fim da dinastia dos gloriosos Luíses de França. Começava a tomar corpo então, um projeto
político, sonhado pelo próprio Cláudio Manuel da Costa para seu país. Demoraria, no entanto, mais
trinta anos para que o Brasil se tornasse liberto de Portugal. Cem anos a mais seriam necessários
para a realização da segunda parte do sonho, a implantação do regime republicano no Brasil.

Cláudio Manuel da Costa já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado
por Emiliano Queiroz no filme “Tiradentes” (1999), Fernando Torres no filme “Os Inconfidentes”
(1972) e na novela “Dez Vidas” (1969) e Carlos Vereza no filme “Aleijadinho – Paixão, Glória e
Suplício” (2003).

Obras
* Epicediu – Coimbra, 1753.
* Labirinto de amor, poema – Coimbra, 1753.
* Númerosos harmônicos – Coimbra, 1753.
* Obras Poéticas – Coimbra, 1768
* Vila Rica, 1773
* Soneto
* Entre o Velho e o Novo Mundo
* Poesias diversas – Revista Brazileira, Rio de Janeiro, 1895 (post.).
* Minusculo métrico, romance heróico – Coimbra 1751.
Poeta mineiro, estudou com os jesuítas em Mariana e formou-se em direito em Portugal. Sua
cultura humanística, sua sobriedade de caráter, sua formação literária e italiana, bem como seu
talento em versejar, compuseram, para Alfredo Bosi (História concisa da literatura brasileira,
2004, p. 61), o perfil do poeta árcade por excelência.
Sua obra se divide entre produções escritas na metrópole e composições produzidas na
colônia. Entre as primeiras, escritas em Coimbra entre 1751 e 1753, estão: Munúsculo Métrico,
Epicédio em Memória de Frei Gaspar da Encarnação, Labirinto de Amor, Culto Métrico e
Números Harmônicos.
Nestas obras, o poeta ainda demonstra estar sob influência do cultismo barroco,
característica que pode ser corroborada pela recorrência das metáforas, hipérboles e inversões
sintáticas (hipérbatos). Por outro lado, Cláudio Manuel da Costa condena esse tipo de poesia,
chamando a esses versos cultistas de “frase inchada”, como vemos nos versos transcritos abaixo:

“(...) a frase inchada,


Daquela que lá se usa entre essa gente
Que julga que diz muito e não diz
nada.”

            No prólogo de suas Obras Poéticas (1768), o escritor mineiro escusa-se de sua obra da
juventude em Portugal:
“... mas temendo (...) que me condenes o muito uso das metáforas, bastará, para te satisfazer, o
lembrar-te que a maior parte destas Obras foram compostas ou em Coimbra ou pouco depois,
nos meus primeiros anos; tempo em que Portugal apenas principiava a melhorar de gosto nas
belas letras. É infelicidade que haja de confessar que vejo e aprovo o melhor, mas sigo o
contrário na execução.”

            O “melhor” a que o poeta se refere é o Arcadismo (ou Neoclassicismo): o cenário bucólico,
a simplicidade. Nesta fase de contágio pelas ideias da Arcádia, Cláudio Manuel toma como cenário
de sua lírica o relevo acidentado de Minas Gerais. Os prados, rios, montes e vales, servem de palco
e de comparação para os conflitos amorosos do poeta. Devido a isso, o crítico Antônio Cândido fala
de uma poética que constantemente retorna à imagem da pedra, apontando Cláudio Manoel
como o poeta mineiro mais preso às emoções e aos valores da terra.
            No Brasil, publicou Obras Poéticas, em 1768. Neste livro reuniu toda a sua produção lírica
(sonetos, éclogas, epicédios, cantatas, entre outras). Também explorou, mas com menor êxito, a
poesia narrativa nas obras Fábula do Ribeirão do Carmo e Vila Rica, poema épico clássico
espelhado em Os Lusíadas. O motivo histórico deste foi a descoberta das minas e a fundação de
Vila Rica (atual Ouro Preto), e o herói central foi o governador Antônio de Albuquerque Coelho.
            Como poeta bucólico tomou para si o pseudônimo Glauceste Satúrnio e de suas muitas
musas a que mais aparece em seus versos é Nise. Destacou-se sobremaneira nos sonetos. Nestes,
encontra-se uma visão platônica do amor, com a musa sempre tratada como ideal distante ou
perdido. Para Bosi, isso se explica pelo conflito vivido na época entre a desnudada vida erótica dos
antigos e a retração exigida pela ética medieval e contrarreformista.
            A obra de Cláudio Manuel da Costa oscila, ainda, entre o amor à Colônia e o apego à
Metrópole, ora expressando profunda identidade com a natureza áspera, rochosa, de Minas, ora
lamentando seu afastamento de Portugal. Tal tensão e conflito de desejos podem ser notados nos
fragmentos selecionados de dois distintos sonetos transcritos abaixo:

“Competir não pretendo


“Destes penhascos fez a natureza Contigo, ó cristalino
O berço, em que nasci! Oh quem Tejo, que mansamente vais correndo:
cuidara Meu ingrato destino
Que entre penhas tão duras se criara Me nega a prateada majestade,
Uma alma terna, um peito sem dureza!” Que os muros banha da maior
cidade.”

Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa

Análise da obra

Epopéia escrita por Cláudio Manuel da Costa em 1773, inspirado pelo poema O Uraguai, de Basílio
da Gama. Poemeto épico-clássico, à maneira de Os Lusíadas, de Camões.

Atente aos comentários de Hélio Lopes, sobre o poema Vila Rica:

A estrutura labiríntica do Vila Rica se realiza quando Albuquerque inicia sua viagem pelo interior
de Minas, o herói está diante do desconhecido e tudo parece se opor à conclusão da sua jornada,
mas a medida que ele vai conhecendo os segredos da terra, que em suas ações diante dos conflitos
demonstra justiça e inteligência, o desconhecido vai se revelando e o herói acaba por encontra o
lugar ideal para fundar sua cidade.
Vimos a Terra, a Natureza e os Mitos criando o labirinto. O mesmo poema, no entanto, assim
construído, vem a desnortear também o leitor pela construção de várias narrativas que de súbito se
interrompem, depois mais adiante retomam o fio ou tomam outro aspecto como o do amor de
Garcia e Aurora para, encontrado o 'centro', desembocar no Canto, onde apenas se acaba vendo o
Itamonte, o Gênio da Terra e Albuquerque irmanados na alegria de conquistado o alvo. Esta
confusa estrutura, essencial, no entanto, à obra, foi e continua o motivo para considerar o Vila Rica
defeituoso, ininteligível e mal composto.

O poema tem um enredo que foge aos padrões clássicos exatamente por ter uma estrutura de
rapsódia, onde três principais focos narrativos se cruzam. Primeiro, o drama de Garcia, em segundo,
a missão pacificadora e organizadora de Albuquerque e o terceiro foco narrativo, a luta dos
revoltosos. Esse cruzamento de focos narrativos é que compõe o labirinto do poema. Observa Hélio
Lopes como a estrutura do poema parece confusa a uma leitura menos atenta do poema:

A construção literária de Vila Rica desnorteia. Os cortes violentos dos episódios, justificados no
desenrolar da ação, depois as retomadas do fio partido ocasionam natural perplexidade e causam no
leitor a imagem de um texto caótico. Os acontecimentos caminham entre paradas súbitas e
recuperam a linearidade sem aparente justificativa. Cria-se o desequilíbrio. A visível instabilidade
do texto deixa, evidentemente, o leitor por sua vez jogado de um a outro ponto.

A Associação entre mitologia helênica e aspectos da selva brasileira dá um tom de tentativa de


colocação da terra bárbara na esfera da tradição clássica, uma tentativa de valorização da terra, só
que segundo os padrões clássicos vigentes:

"Quando Cláudio exila para as serranias mineiras sanguinolentos filhos da terra, sacraliza
helenicamente o território onde os indígenas haviam já descoberto, nas pedras, a origem mítica
daquela parte do mundo: o menino de pedra junto à mãe, mas não iam além do que os olhos
pareciam mostrar."
(LOPES, Hélio. Introdução ao Poema Vila Rica. p.78- 79)

Outra figura criada por Cláudio Manuel da Costa é o Gênio da Terra, que a certa altura é nomeado
como Filiponte, Philos, do grego: amigo, Pons-tis, do latim: ponte. Seu nome é assim composto só
por elementos linguísticos greco-romanos. Não havendo no seu nome partícula de origem tupi, não
apresentará esse personagem nenhum aspecto dúbio quanto à sua posição no poema, é um ser que
trabalha pelo sucesso da expedição de Albuquerque. Efetivamente, é a figura que terá como função
unir os desbravadores com a terra selvagem. Gênio da concórdia que auxilia decisivamente o herói
Albuquerque na tarefa de conciliar os revoltosos e de encontrar o caminho procurado.

Outra figura mitológica e híbrida criada pelo autor é a ninfa Eulina, que primeiramente comparecera
no poema Fábula do Ribeirão do Carmo. Um aspecto identificador de sua hibridez é sua aparência,
ninfa, abandonada por Apolo, tem semelhança com o mito indígena da Mãe D'água, pois encanta
Garcia e o leva para o fundo dos rios onde esconde seus tesouros. É a sereia indígena Ipupiara,
nome aportuguesado depois para Iara.

"Ouve Garcia o canto, e não atina


De onde tanto prodígio, mas de Eulina
A delicada face está patente:
Fita os olhos, e vê desde a corrente
Lançar a mão à praia a Ninfa bela,
Toma uma areia de ouro, e já com ela
Pulveriza os cabelos: neste instante,
O sonho de Albuquerque o faz avante
Passar, os braços abre, a Ninfa chama;
Ela o vê, e não teme, e já se inflama
De amor por ele: aos braços o convida,
E abrindo o seio o rio, uma luzida
Urna de fino mármore os sepulta
Recebendo-os em si: ficou oculta
A maravilha a quantos o acompanham.
Em busca de Garcia já se entranham
Pelo matos mais densos; mas perdida
A esperança de achá-lo, e recolhida
Volta ao herói a esquadra aventureira."
(Vila Rica. Canto VII)

Essas criações mitológicas de Cláudio Manuel da Costa conferem ao poema algum brilhantismo
que tem passado despercebido à crítica. Se por um lado seus mitos são uma transposição do ideal
clássico sobre a terra bárbara, o que permite acusá-lo de submissão cultural aos modelos da
metrópole, ao colonizador, por outro também representam uma tentativa de colocação de nossa
literatura dentro do panorama da tradição épica através da criação de mitologia própria, mas
aparentada com a grega e com um enredo original e de caráter moderno, associado à figura de um
herói que não se destaca pelo poder bélico mas por sua capacidade administrativa.

Ora, para a época, só com essa hibridez mitológica poderia o autor aproximar do gosto árcade do
leitor europeu seu poema com sabor de "espremido licor nos fundos cobres"(Canto X)[4] ,
enobrecendo a terra brasileira com uma relação fraternal e cosmopolita com a mitologia greco-
romana. Não foi Lisboa fundada por Ulisses, nem é Adamastor um gigante de origem helênica?
Sendo nossas terras colonizadas e dominadas por Portugal seria justo que sua mitologia fosse
híbrida, fruto da associação dos povos que formaram nosso povo. As figuras mitológicas do autor
são personagens da selva, de estirpe nobre e que auxiliam, de um modo ou de outro, o herói na sua
tarefa, tendo este como principal obstáculo não o Itamonte, mas sim a desunião entre seus
compatriotas.

"Estamos, disse, em uns países novos,


Onde a polícia não tem ainda entrado,
Pode o rigor deixar desconcertado
O bom prelúdio desta grande empresa.
Convém que antes que os meios da aspereza
Se tente todo o esforço de brandura.
Não é destro cultor, o que procura
Decepar aquela árvore, que pode
Sanar, cortando um ramo, si lhe acode
Com sábia mão a reparar o dano;
Para se radicar do soberano
O conceito, que pede a autoridade,
Necessária se faz uma igualdade
De razão e discurso; quem duvida,
Que de um cego furor corre impelida
A fanática idéia desta gente?
Que a todos falta um condutor prudente
Que os dirija ao acerto? Quem ignora
Que um monstruoso corpo se devora
A si mesmo, e converte em seu estrago
O que pensa e medita? Ao brando afago
Talvez venha ceder: e quando abuse
Da brandura, e obstinados se recuse
A render ao meu Rei toda a obediência,
Então porei em prática a violência;
Farei que as armas e o valor contestem
O bárbaro atentado; e que detestem
A preço do seu sangue a torpe idéia.
Disse; e deixando a todos a alma cheia
De uma nobre esperança, já passava
A saber de Garcia, nem lhe dava
Notícia dele algum dos três Pereiras."
(Vila Rica, Canto VII)

A terra a ser desbravada guarda segredos que somente os mais venturosos têm condições de revelar,
de conhecer. No Vila Rica, o motivo histórico, a fundação da cidade, parece um mero pretexto para
o conhecimento da nova terra. Nesse sentido soam proféticas os versos finais do poema:

"Enfim serás cantada, Vila Rica,


Teu nome impresso nas memórias fica.
Terás a glória de ter dado o berço
A quem te faz girar pelo universo."
(Canto X, v.199-202)

Comparece ainda no poema um personagem mitológico legitimamente indígena, o Curupira, que


tem os pés virados pra trás. Apresentado pelo poeta como "deus destes tesouros", conforme nota 58
do poema. Este personagem falava aos desbravadores da expedição de Albuquerque que Itamonte
era figura monstruosa e horrível, buscava assim dissuadi-los de sua empreitada. Com a conquista do
Itamonte desfaz-se o encanto do Curupira. O personagem da mitologia indígena é um personagem a
tentar impedir o domínio e o conhecimento da terra por parte do herói.

"Já desde quando no projeto vinhas


De encontrar as preciosas esmeraldas,
Eu te esperava deste monte às faldas.
O Deus destes tesouros impedia
Até aqui descobrí-los, e fingia
Meu rosto aso homens tão escuro e feio
Por que infundisse em todos o receio."
(Vila Rica. Canto VIII, v.189-195)

O poema épico de Cláudio Manuel da Costa parece que apresenta uma matéria mítica que suplanta
à matéria da narrativa histórica e, de tal modo, que se não atentarmos para ela e ficarmos somente
avaliando esse poema em função de características como distância histórica do fato narrado,
importância do fato narrado, características do herói, ou ainda, se ficarmos a comparar a linguagem
da epopéia no autor com os seus versos da lírica, teremos que compactuar com a posição daqueles
críticos que consideram tal obra menor, de importância apenas documental.

Podemos também dizer que o poeta perdeu uma boa oportunidade de construir um poema épico
sobre os bandeirantes ao transformar o episódio de Borba Gato, p.ex.,em algo menor dentro da
estrutura do poema.

Vejamos os versos do episódio no Canto VI em que o poeta exalta os bandeirantes paulistas.


Notemos como o poeta, após enumerar os nomes dos bandeirantes, diz que se as ninfas do Tejo
exaltam a viagem de Vasco da Gama (referência indireta aos Lusíadas), o poeta diz que dos
paulistas honrará a fama, embora o Vila Rica não tenha se efetivado como um poema sobre as
Bandeiras. Parece que em algum momento da composição do poema o autor pensou em torná-lo
obra representativa, na literatura, das expedições bandeirantes, porém o poema apresenta como
herói Albuquerque, enviado da corte portuguesa, e não um aventureiro paulista em busca de
riquezas. Não é a corrida do ouro o seu mote, mas a fundação da cidade natal do poeta. Os
bandeirantes, no poema, preenchem o episódio de Borba Gato e participam auxiliando Albuquerque
na conquista das Minas.

"Levados de fervor, que o peito encerra


Vê os Paulistas, animosa gente,
Que ao Rei procuram o metal luzente
Co'as próprias mãos enriquecer o erário.
Arzão é este, é este, o temerário,
Que da Casca os sertões tentou primeiro:
Vê qual despreza o nobre aventureiro,
Os laços e as traições, que lhe prepara
Do cruento gentio a fome avara.

A exemplo de um contempla iguais a todos,


E distintos ao rei por vários modos
Vê os Pires, Camargos e Pedrosos,
Alvarengas, Godóis, Cabrais, Cardosos,
Lemos, Toledos, Paes, Guerras, Furtados,
E os outros, que primeiro assinalados
Se fizeram no arrojo das conquistas,
Ó grandes sempre, ó imortais Paulistas!
Embora vós, ninfas do Tejo, embora
Cante do Lusitano a voz sonora
Os claros feitos do seu grande Gama;
Dos meus Paulistas honrarei a fama.
Eles a fome e sede vão sofrendo,
Rotos e nus os corpos vem trazendo,
Na enfermidade a cura lhes falece,
E a miséria por tudo se conhece."
(Vila Rica, Canto VI)

Notemos como o poeta usa os pronomes pessoais "meus" e "seu" ao contrapor os bandeirantes
paulistas com Vascoda Gama. São versos como esses que confirmam explicitamente o sentimento
nativista que já se fazia sentir no imaginário do poeta.

Parece que existe um jogo nessa obra entre o real e o imaginário, de modo que as principais ações
são mediadas pelo mágico, haja visto entre tantos exemplos que podemos citar, como o momento
em que os revoltosos são assombrados por terríveis figuras na noite, ou a revelação de Filiponte na
gruta perante Albuquerque, ou ainda o episódio em que Eulina leva Garcia para o fundo das águas,
mas pretendo destacar nesse sentido o episódio em que Argasso mata Aurora. Julgando ver no lugar
de sua amada, que fora, aliás, motivo de disputa entre o índio e Garcia, uma fera, e estando em
caçada, flechando o animal visto, descobre após, tratar-se de sua amada. Não podemos deixar de
comparar esse episódio com o da morte de Lindóia em O Uraguai.

"Terifea a ocasião julga oportuna,


Põe os olhos no Céu, alta coluna
Levanta, e firma em terra; já sobre ela
se ergue e murmura e nota cada estrela
Com o dedo, depois desce e riscando
Muitas vezes em roda, vai tocando
A coluna, que treme e que se move:
Tolda-se em sombra o ar, troveja e chove:
E o tronco de entre a nuvem que o cobrira,
Sai figurando um tigre, que respira
Fogo e veneno pelos olhos; passa
Com ele ao monte, e o guia onde a caça
Se tenta e busca; aqui dormia Aurora;
Dormia; e junto aos pés branda e sonora
Fontesinha o repouso convidava;
O peito em grande parte debruçava
Sobre uma penha, e ao gesto brando e lindo
De encosto o mole braço está servindo,
Chega a Maga cruel, põe-lhe diante
A fera, que conduz, e ao mesmo instante
Se oculta em parte, onde o sucesso veja:
O cuidado de a ver, ou fosse a inveja
Aquele sítio encaminhava os passos
Do destemido Argasso; entre embaraços
De mal distintos ramos já descobre
O mosqueado tigre, ao braço nobre
O crê despojo, e de matá-lo espera,
Firme o pé desde longe aponta a fera,
E atrás puxando o braço a seta envia,
Que vai cravar no monstro a ponta fria.

Corre gritando, ó Césa, e vê passado


De Aurora o peito; em vão busca assombrado
O tigre, que não há: já desfalece
A pouco e pouco a bela: a mágoa cresce
No mísero homicida, clama e grita,
Atroa aos Céus, e contra os Céus se irrita,
Nem mais a vida, que estimara, preza;
Arroja o arco, e à infeliz beleza
Consagra de seu corpo o último resto."
(Vila Rica, Canto VI)

Nesse momento vemos como os segredos mágicos da terra são tais que apresentam mal fado até aos
nativos, desde que imprudentes. Argasso fora enganado pelo sentido da visão.

Tal engano de Argasso ocorre devido à magia da feiticeira Terifea, que assim procede atendendo ao
pedido da também pretendente ao amor de Argasso, Eulinda, que oferece à feiticeira duas crianças
para que a bruxa faça com estas um ritual de antropofagia que lhe apraz. Esse motivo parece ser de
uma lenda indígena que, como aponta Hélio Lopes inclusive, aparece em Macunaíma, de Mário de
Andrade. Nesse episódio vemos como a matéria mítica do poema fornece elementos que definem a
estrutura do poema. E de tal modo há no enredo um conjunto de mitos criados pelo poeta ou de
mitos retirados do fabulário nativo, que o poema parece mais uma épica em forma de rapsódia do
que o poema que apenas canta a fundação de uma cidade. Propositadamente ou
circunstancialmente, não vem muito ao caso, o poema de apresenta algumas características que
transgridem o modelo.
Como se deve analisar um poema  

Num comentário poético devem  tratar-se os seguintes pontos:

  Estrutura externa
  Estrutura interna
  Linguagem poética

Estrutura externa
     Geralmente, o poema apresenta-se em verso. O primeiro a fazer será a análise métrica do poema, com inclusão de
um comentário sobre todos os aspectos métricos: versos, pausas, acentos, rimas e estrofes. É preciso ter em conta
que alguns poemas não apresentam uma métrica tradicional, mas verso livre, o qual não responde a nenhum dos
aspectos métricos citados.
      No verso,  indica-se o  nome, classificação e origem, ( por exemplo: o verso alexandrino é um verso de arte maior,
composto por versos heptassílabos, de origem  medieval). As pausas finais são as que marcam  verdadeiramente o
verso, por isso se deve também fazer referência. Pode-se fazer ainda alusão aos ritmos presentes no poema. A rima é
outro aspecto formal importante, não esquecer de assinalar o tipo e o esquema rimático.
    Finalmente, comenta-se a estrofe. Na formulação tradicional são frequentes as composições de formas fixas:
sonetos, p.ex., mas desde o Modernismo que aparecem esquemas métricos sem esquema fixo, para permitir a  livre
criação ao poeta. 
 
Estrutura interna
    Na estrutura interna analisam-se as diversas partes em que podemos dividir o conteúdo do poema, adiantando, em
parte , o significado do poema. A estrutura interna, por vezes, está muito ligada à estrutura externa. Muitas vezes são
os recursos próprios da linguagem poética os facilitadores da divisão do poema, porém a sua delimitação é complexa
e necessita que se atenda a diversos aspectos que a seguir se apresentam.
 
Linguagem poética
    A análise da linguagem poética é a parte mais árdua da análise. Apresenta  múltiplas aberturas e os recursos são
muito variados, por isso se deve ir analisando os elementos atribuindo-lhes valores significativos. Apresentar uma
enumeração de elementos poéticos sem valor não tem grande interesse para o comentário do poema. Dizer que o
poema apresenta muitas metáforas, repetições, ou aliterações carece de interesse se não for acrescentado a
expressividade desses recursos. Outro aspecto a evitar é limitar-se a definir as figuras de estilo, (por exemplo: a
aliteração é a repetição de fonemas), isto não interessa para o comentário. 
Para realizar um bom comentário deve-se evitar as listas e explicações que não trazem nada sobre o texto, o
importante é procurar o seu valor poético no poema em análise.
Deve-se sempre referir o valor expressivo das figuras de estilo e o valor expressivo que apresentam  os materiais
linguísticos ( palavras). Estes dois aspectos são muito importantes e funcionam quase sempre no mesmo plano.
A seguir apresento alguns elementos que podem servir de guia em qualquer análise poética. Chamo atenção para o
facto destes elementos  poderem não aparecer todos em todos os poemas, e cada poema imporá a  ordem em que se
comentam estes materiais.

Fonologia.
    O principal recurso fonológico que apresenta o texto já foi abordado na estrutura externa, pois todos os elementos
métricos são fonológicos.
    A aliteração, muito presente em muitos poemas pode apresentar valores expressivos importantes conforme os sons
que se repetem.
Morfologia.
 A Língua oferece múltiplas possibilidades expressivas, apresento algumas mais significativas:
 O substantivo: os valores do substantivo radicam mais do seu significado do que do seu aspecto morfológico. Talvez
que o único aspecto morfológico que interessa mais é a presença de morfemas apreciativos- diminutivos,
aumentativos e depreciativos. Em todos eles são os valores afectivos que se sobrepõem aos verdadeiramente
denotativos. O poeta não aumenta ou diminui magnitudes, apenas manifesta a sua subjectividade face às realidades
que alude o substantivo.
O adjectivo: Deve ser tido em conta pois as suas possibilidades são muito variadas. Aumentam segundo a sua função e
frequência: desde o adjectivo com função de atributo aos adjectivos epítetos à volta do nome. A sua colocação face ao
nome também é muito variável: por exemplo os adjectivos valorativos normalmente antepõem-se enquanto os
objectivos se pospõem.
O verbo: Os valores modais, aspectais e temporais que o verbo oferece são muito usados por muitos poetas.
Determinantes e pronomes:  normalmente unem-se ao verbo para mostrar as pessoas gramaticais.
Sintaxe
     Os recursos sintácticos mais frequentes são: paralelismo, repetição, hipérbato, assíndeto e polissíndeto.
Semântica.
    A maior complexidade dos textos poéticos radica do predomínio dos valores conotativos frente aos denotativos.
Podem remeter para determinados temas constantes em cada poeta.
As figuras literárias presentes no plano semântico são numerosas.
   
Figuras de pensamento
Personificação/prosopopeia
antítese ( contraste de ideias)
Hipérbole
Tropos
 Metáfora
Sinestesia
Comparação
Metonímia
Sinédoque
 
Para saberes mais sobre as diversas figuras de estilo consulta este endereço.

 Aspectos a considerar quanto à feitura da análise textual

Comentar um texto é verificar o que o autor disse e como o transmitiu, relacionando ambos os conceitos; é observar
as conotações e os sentidos implícitos, interligando-os com as ideias explícitas; é um momento em que o leitor
estabelece afinidade com o texto que lê, expondo a sua sensibilidade estética, articulando aquilo que o autor disse, o
modo como o fez, com a sua subjectividade de quem analisa e comenta.

O texto deve ser uno e coerente, resultado da articulação de todos os aspectos a tratar, nos diferentes planos de
análise.

As citações devem aparecer entre aspas. Quando não for necessário  citar um verso completo ou uma frase completa
deve-se utilizar o sinal [...] no local em que se interrompe a transcrição. Quando se desejar citar mais do que um verso
e essa citação seguir exactamente a ordem do poema em análise, deverá separar-se os respectivos versos por meio da
utilização de uma barra oblíqua [/].

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