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A Crónica de costumes em Os Maias, de Eça de Queirós

1. O episódio do Jantar do Hotel Central (cap. VI, pp. 156-176)

a) Móbil: organizado por Ega para homenagear Jacob Cohen, o Director do Banco
Nacional, de cuja mulher era amante, funcionando, ainda, como o primeiro
contacto de Carlos com a sociedade lisboeta.

b) Espaço social: participam nele personagens representativas da alta burguesia


lisboeta e da aristocracia, em que se incluem Jacob Cohen, Carlos da Maia, João
da Ega, Craft, assim como Dâmaso Salcede e Tomás de Alencar, estereótipo do
poeta ultra-romântico.

c) Questões debatidas:

c.1. a questão literária: o episódio oferece a paródia de um debate literário, a que


oficiam Ega e Tomás de Alencar, representantes, respectivamente, do Ultra-
romantismo e do Naturalismo, posições extremadas que o narrador tacitamente
recusa nos comentários que atribui a Carlos e a Craft.
O debate é suscitado por um «fait divers», o drama fadista que termina numa
violenta sarrabulhada, como refere Cohen, e que atesta a degradação moral passível
de fornecer tema a um romance naturalista.

◘ Alencar: estereótipo do poeta ultra-romântico, facto implicado na sua descrição


física (p. 159), cujas contradições interpreta.

Traços representativos:

.- aparência lúgubre e pose langorosa e teatral, sugerida pelo emprego da hipálage


(«românticos bigodes») e pelo valor estilístico do advérbio «inspiradamente»,
características que o tornam emblema da estética que defende: o romantismo
hipersentimental e soturno, no qual se perfila a imagem de um Portugal
culturalmente estagnado e enquistado numa literatura sentimental e demissionária;

- crítico acérrimo do Naturalismo, o «excremento», a que se refere


depreciativamente, refugiando-se, para o combater, numa moralidade convencional
e hipócrita e nos ideais do romantismo político - «a república de génios, assente na
fraternidade e na justiça».

◘ João da Ega: perfilha, quase caricaturalmente, uma adopção a-crítica do ideário


naturalista, advogando o entendimento da arte como «a monografia de um tipo, de
um vício, de uma paixão, como se se tratasse de um caso patológico», no que se lê a
extremização das pretensões científicas desta corrente literária.

◘ Craft e Carlos da Maia: o primeiro revela uma posição esteticista, repudiando a


crueldade e o cientismo excessivo do naturalismo, no que é apoiado por Carlos, que
não admite a confusão entre arte e ciência e, portanto, a redução da primeira a um
mero terreno de aplicação de teses científicas.

c.1.1. a crítica literária e os seus cânones: Alencar revela dois vícios da crítica
literária de conotações académicas: a mera preocupação com questões formais e a
obsessão com o plágio. Esgotados os argumentos, segue-se o ataque pessoal, a
injúria e a verdadeira cena de pugilato entre este e Ega, que, como Craft bem
observa, faz parte dos hábitos da crítica em Portugal.

c. 2 . as finanças nacionais:

◘ constatação da ruína financeira do país, dependente dos empréstimos do


estrangeiro;

◘ evidência do calculismo cínico de Cohen, que, sendo responsável pela situação,


enquanto Director do Banco Nacional, afirma alegremente que o país vai direitinho
para a bancarrota. Este torna-se, assim, o representante da alta finança e das elites
dirigentes, que primam pela falta de visão histórica e de inteligência.

c.3. a história e a política:

◘ crítica à política externa e ao modo como eram administradas as colónias


(pp.166/167);

◘ denúncia da inépcia e incompetência do «crasso pessoal do constitucionalismo»,


isto é, da classe política dirigente;

◘ constatação da abulia e do imobilismo colectivo, da descaracterização e


aviltamento do país, burocrata, néscio, degradado e postiço, emblematizado na
Capital, facto que leva Ega a sustentar a ideia de que a invasão espanhola seria a
única terapia passível de desencadear regeneração nacional (p. 168-169).

Síntese: em última análise, o que sobressai é a vacuidade do debate ideológico


face aos imperativos mundanos, e a incapacidade de se sustentar uma discussão
civilizada, facto que se insinua na referência ao modo como a correcção e o requinte
do ambiente se degrada, tomando este um «ar de taverna», à medida que a desejável
elevação da discussão e dos comportamentos se perde.
A Crónica de costumes em Os Maias, de Eça de Queirós

2. O episódio das corridas no hipódromo (cap. X, pp. 312-341)

Denunciando implicitamente o provincianismo do país, revelado na


impossibilidade de sustentar uma atitude cultural indisfarçavelmente forçada, as
corridas de cavalos, fora dos hábitos nacionais, como sugere Afonso da Maia, para
quem as touradas constituem o genuíno «sport» nacional e uma escola de carácter e
coragem (vd. pp. 308-309), representam um esforço desesperado de cosmopolitismo na
Lisboa da Regeneração, cujos resultados são, no entanto, paradoxais, o que se
evidencia, desde logo, na caracterização do espaço físico e social.

◘ Caracterização do espaço físico:

Na captação do cenário físico (p.314), testemunhamos, de imediato, indícios da


frustração do projecto de concretização, em solo nacional, de um evento com o requinte
civilizacional que a sua edição nas grandes capitais europeias recobria, sobressaindo,
neste contexto, a nota de improvisação e o desmazelo da composição do espaço
destinado a acolhê-lo, bem patente nos passos seguintes, como no momento em que se
descreve o bufete, cuja sujidade inspira repugnância (vd. p. 321):

«Para além, dos dois lados da tribuna real forrada de um baetão vermelho de mesas
de repartição, erguiam-se as duas tribunas públicas, com o feito de traves mal
pregadas como palanques de arraial. A da esquerda, vazia, por pintar, mostrava à luz
as fendas do tabuado. Na da direita, besuntada por fora de azul-claro, havia uma fila
de senhoras quase todas de escuro encostadas ao rebordo. […]»

De relevar, neste âmbito, é também a activação de um conjunto de


procedimentos estilísticos característicos da prosa queirosiana, intrinsecamente
associados à captação impressionista da paisagem, bem como à descrição crítica
e avaliativa do espaço humano, designadamente:

a) o emprego da sinestesia e da adjectivação analítica, com valor


cromático, ou disposta em séries binárias ou ternárias;
b) o recurso à comparação e à metáfora;
c) o emprego de certas formas verbais, dotadas de grande capacidade
expressiva, como «vermelhejavam» ou «negrejavam»;
d) a presença da derivação imprópria - «o faiscar de um vidro de
lanterna»; «o azul das bandeirolas»;
e) o emprego do advérbio - «pasmava languidamente»- e do
diminutivo, geralmente com valor irónico;
f) a inclusão de estrangeirsimos, em particular, de galicismos e
anglicismos, com vista a captar o sociolecto das personagens e a
recriar, sob o ponto de vista linguístico, a descaracterização
cultural do país, reduzido à imitação servil do estrangeiro.

Do mesmo modo que a pouca dignidade e requinte do cenário evidenciam a


inadequação das corridas à realidade nacional, também as atitudes colectivas
sublinham, por seu turno, o desconforto das classes sociais dominantes diante de um
acontecimento mundano e cosmopolita.

◘ Caracterização do espaço social (pp. 315- 316): participam nas corridas a alta
burguesia e os burocratas do Estado, a aristocracia e o próprio Rei. Contudo, é flagrante
a percepção de que envergam sinais de um chique que não integra os seus hábitos de
sociabilidade e que não conseguem interpretar satisfatoriamente. Este facto revela-se,
sobretudo, no contraste entre a indumentária e a atitude das senhoras, que usavam
«vestidos sérios de missa», e a ocasião festiva em que tomam parte, com o recato
próprio de quem assiste a uma procissão do Senhor dos Passos. Também a sua lassidão
e carência de vitalidade física, sublimada na metáfora «é um canteirinho de camélias
meladas», parece sugerir a apatia que se vai apossando de todos e que impõe o tédio,
como expressão do desinteresse pelo próprio evento, como nota dominante, referida,
por exemplo, nas páginas 322 e 337.

Mas a incompatibilidade entre esta manifestação cultural e a mentalidade


nacional (vd. pp.315;323; 326) espelha-se, particularmente, na eclosão de desordens
que comprometem a civilidade do evento e no remate grotesco das corridas (vd. pp.
340-341), factos que desvelam «a linha postiça de civilização e atitude forçada de
decoro» (vd. p. 324-325).

Síntese: As corridas propiciam, de novo, uma visão panorâmica sobre a alta sociedade
lisboeta, perspectivada novamente por Carlos, em acrescido contacto com esse
universo social dominado pela monotonia e pela improvisação. No cenário que, em
princípio, devia ostentar a exuberância e o colorido normais num acontecimento
mundano como as corridas de cavalos, destaca-se a impressão dominante de um
provincianismo indesmentível, também evidente no desacordo entre o traje e a ocasião.
E isto é tanto mais significativo quanto é certo que o clima humano respirado no
hipódromo era, também ele, dominando por uma carência de vitalidade e motivação
evidentes. Para além destas características de conjunto patenteadas pelo cenário físico
e humano das corridas, verifica-se um desinteresse geral pelo próprio fenómeno
desportivo que elas constituem. Mas o acontecimento mais significativo ocorre quando
uma desordem estala mesmo junto à tribuna real, que põe a nu […] a contradição
entre o ser e o parecer, a inadequação da atmosfera cosmopolita e mundana das
corridas ao universo social português.1

1
Cf. REIS, Carlos, Introdução ao estudo de «Os Maias», Coimbra, Almedina, 1995, pp. 69-70.
A crónica de costumes em Os Maias, de Eça de Queirós

3. O jantar em casa dos Condes de Gouvarinho (cap. XII, pp. 388-402)

◘ Temas abordados:

- a educação das mulheres;


- a situação das colónias e o conceito de «progresso»;
- o deslumbramento provinciano pelo estrangeiro, o que sublinha o isolacionismo cultural da
classe política dirigente.

◘ Espaço social: a classe política e os altos funcionários do Estado, representados pelo Conde
de Gouvarinho e por Sousa Neto, constituem-se como alvos principais da crítica demolidora que
no seio do episódio tem lugar e que resulta na constatação da visceral incultura, ignorância e
provincianismo dos mais altos dignatários do Estado, encarregues de governar o país.
A radical dispersão dos temas, aliada a pormenores grotescos como as falhas de
memória de Gouvarinho, incapaz de concluir um raciocínio, como de decifrar o alcance das
ironias de Ega, esbanjando, com ar grave, banalidades, ou a mediocridade de Sousa Neto
revelam bem a carência de visão histórica desta classe, a sua incapacidade cultural, facto que,
impedindo-a de argumentar e sustentar uma discussão inteligente, se revela nos juízos
formulados sobre:

- a educação das mulheres, vinculada aos moldes tradicionais do romantismo sentimental e


arreigada aos valores da maternidade;
- a importância histórica das colónias portuguesas, que acusa a inexistência de uma consciência
crítica relativamente à falência da realidade nacional;
- a crença idolátrica no progresso.

Mas esta debilidade cultural projecta-se retumbantemente quer no desconhecimento


objectivo de Proudhon e, implicitamente, no alheamento pacóvio e conservador destas figuras
relativamente às grandes questões filosóficas que agitavam a Europa, quer na imbecilidade
confessa e na curiosidade mórbida de Sousa Neto relativamente ao «estrangeiro», ilustrada nas
inúmeras questões que coloca a Carlos sobre a Inglaterra.

Em síntese, como sugere Carlos Reis, «a contradição entre o ser e o parecer» constitui a
nota dominante do episódio, traduzindo, igualmente, a essência de Gouvarinho, «personagem
representativa da alta política e do poder instituído. Estamos perante o governante
periodicamente responsável, de acordo com as oscilações do rotativismo partidário, pelo destino
do país. Atravessando episodicamente o vasto universo da crónica social de Os Maias, é quase
sempre retratado de forma irónica: no teatro de São Carlos, pronunciando banalidades muito
acima dos homens; em sua casa, apertando as mãos muitas vezes, com calor, ao amante de sua
mulher, amante a quem chama o seu querido Maia, ou, nas corridas, abraçando-o ternamente
pela cintura; em sociedade, proclamando, de modo magistral, que ser prendada significa, para
uma mulher, mergulhar no idealismo medíocre, ou que a civilização das colónias portuguesas se
completaria com teatros líricos; finalmente, protestando surdamente contra o inofensivo lirismo
social. Em Gouvarinho, encontramos assim expressas as limitações fundamentais dos
políticos do constitucionalismo regenerador: a retórica oca, as escassas e medíocres
referências culturais, […] a imodéstia obtusa. Politicamente incompetente, o que nele
sobressai é a sua incapacidade de análise política e a sua mediocridade mental.»2 Do
mesmo modo, em Sousa Neto, típico burocrata, reconhecem-se a ignorância e a mediocridade,
mas também a verborreia e vaidade dos oficiais do Ministério de Instrução Pública.

A crónica de costumes em Os Maias, de Eça de Queirós


2
Idem, p. 61.
4. A crítica à degradação do jornalismo sob a Regeneração, no âmbito dos
episódios dos jornais «A Corneta do Diabo» e «A Tarde» (cap. XV, pp. 538-543 e
571-579).

Em ambos os episódios, focalizados por Ega, avultam duas figuras


representativas dos vícios do jornalismo nacional: Palma Cavalão e Neves, directores
dos jornais A Corneta do Diabo e A Tarde, respectivamente.
O primeiro constitui um pasquim sensacionalista, que corporiza o materialismo e
a venalidade de um certo tipo de imprensa, especializada na publicação de escândalos
encomendados. A degradação ética implicada nesta atitude espelha-se flagrantemente na
composição e descrição física de Palma Cavalão (p.540), personagem sórdida e
repugnante, conotando a imoralidade e a corrupção – já antes o víramos em Sintra, ao
lado de Eusebiozinho, acompanhado de prostitutas espanholas.
Por seu lado, no episódio do jornal A Tarde, é essencialmente a parcialidade e o
sectarismo ideológico e partidário da imprensa coeva o facto que merece maior relevo,
dado que Neves, o seu director e também deputado, recusa, a princípio, publicar a
humilhante carta de retractação de Dâmaso, pelo facto de o tomar como um
correligionário (vd. p. 572), acedendo, depois, em conceder-lhe honras de primeira
página, ao sabê-lo causador de dano para o «partido». Mas na primazia reconhecida a
um mero «fait divers» sobre um assunto da ordem política do dia, a «reforma das
pautas», lê-se, também, a denúncia da demissão ideológica do jornalismo regenerador e
a sua subordinação ao gosto deformado de um público rendido aos acidentes
insignificantes e domésticos do «High life» e à notícia sensacionalista, facto que Ega
sublinha, no âmbito de uma radiografia tão certeira quanto acutilante:

«Não, nas revistas críticas: ou então nos jornais – que fossem jornais, não
papeluchos volantes, tendo em cima uma cataplasma de política em estilo mazorro
ou em estilo fadista, um romance mal traduzido do francês por baixo e o resto cheio
com anos, despachos, parte de polícia e lotaria da Misericórdia […] (p.575)».

«Nós somos incompetentes. Nós estamos bestializados pela notícia do


senhor conselheiro que chegou, ou do senhor conselheiro que partiu, pelos High Life,
pela amabilidade dos donos da casa, pelo artigo de fundo em descompostura e calão,
por toda esta prosa chula em que nos atolamos… Nós não sabemos, não podemos já
falar de uma obra de arte ou de uma obra de história, deste belo livro de versos ou
deste belo livro de viagens. Não temos nem frases nem ideias. Não somos talvez
cretinos – mas estamos cretinizados […] (vd. pp. 576-577).»

O servilismo da classe jornalística, destituída de quaisquer imperativos críticos


ou interventivos, surge, portanto, nestes termos, como o reflexo da mediocridade e
passividade cultural do país, caracterizado como uma «choldra» e afundado numa lógica
materialista iniludível - «No tempo da Regeneração e dos Históricos, a política era o
progresso, a viação, a liberdade, o palavrório… Nós mudámos tudo isso. Hoje é o facto
positivo – o dinheiro, o dinheiro! o bago! a massa! A rica massinha da nossa alma,
menino! O divino dinheiro!» (vd. p.579)-, a mesma que permite e garante a
prosperidade de uma classe política culturalmente retrógrada e impreparada, o que se
manifesta na alusão aos lamentáveis triunfos parlamentares de Gouvarinho, reveladores
do vazio ideológico dos governantes nacionais.

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5. O sarau literário no Teatro da Trindade

a) Motivação: espectáculo de beneficiência para homenagear as vítimas das inundações no


Ribatejo.
b) Espaço social: participam no evento, descrito como a «festa da Inteligência» ou «sport da
Eloquência», a alta burguesia e a aristocracia nacional - «… a gente do Grémio, da Casa
Havanesa, das Secretarias» -, bem como os representantes da classe política – o Conde de
Gouvarinho, Sousa Neto, entre outros.

c) Aspectos da crítica de costumes desenvolvidos no episódio:

c1. a oratória, emblematizada em Rufino.

Rufino – um deputado, um bacharel, um inspirado. Caracterizado, na página 584, como um


«ratão de pêra grande», é especialista no gorjeio e um justo representante do gosto nacional pelo
«palavreado mavioso».
O seu discurso, repleto dos clichés do lirismo sentimental e provinciano que interpreta,
recriados, no texto, através do discurso indirecto livre, caracteriza-se pela presença de uma
retórica sentimental, desacompanhada de qualquer vigor ou profundidade intelectual, revelando-
se nele a mesma incapacidade de leitura da realidade envolvente que atinge outras personagens,
entre as quais Gouvarinho.
Personifica o intelectual burocrata e demissionário, o que se manifesta no seu
discurso bajulatório, facto notado, inclusivamente, por Alencar (p. 591).
Através dele, denuncia-se não só o imobilismo do tempo cultural português, como a
deformação do gosto do público, que goza, até ao desfalecimento, as imagens simplistas e
estereotipadas com que o gratifica (vd. pp. 589-591; 603).
Claro suporte da denúncia do provincianismo do gosto literário nacional é também a
intervenção de Alencar, que, sob o título «A Democracia», articulando a vertente melodramática
e sentimental do ultra-romantismo com a «severa ideia social da poesia», encarna a vertente do
romantismo social em que se refugiara para combater o naturalismo. Destaca-se, no contexto da
página 607, a recuperação de estilemas previamente empregues na sua caracterização – o «olho
cavo», a «grenha inspirada», a «aparência sombria», o «olhar encovado e lento» - e que reforçam
a artificialidade dos seus gestos, a sua atitude teatral e declamatória, bem como, sob o ponto de
vista temático, a proposta da República como panaceia social, alicerçada no humanitarismo e na
fraternidade.
Reagindo, a princípio, com suspeição, face à proposta revolucionária contida nos versos
do poeta, o público logo a ignora e cede ao lirismo cantante dos versos (vd. pp. 610-611).

c2. a incultura e ignorância do público que participa no evento, manifestada em aspectos


como:

♦ o desinteresse pelo evento literário, evidente na canseira que às senhoras desperta a ideia de
uma noite toda de «poesia e literatura» (p.595), e pelo debate ideológico (vd. p. 604);
♦ o desconhecimento da música de Beethoven, cuja «Sonata Patética» é equivocamente
designada de «Sonata Pateta»;
♦ o desinteresse ruidoso com que os presentes agraciam a actuação de Cruges, músico de talento,
que o país ignora. É notório o desrespeito pela sua figura e pela música que interpreta, de tal
modo que a progressiva desordem que se vai instalando o faz tocar as «notas em debandada» e é
com alívio que o público assiste ao fim da sua actuação;
♦ a lassidão, a monotonia e a sonolência que se vão apossando do público e o fazem debandar,
quando Prata, outro dos oradores do serão, se dispõe a falar sobre «o estado agrícola da província
do Minho» (vd. pp. 599, 601 e 605);

c3. o atropelo dos valores morais, uma vez que o sarau é também o microcosmo onde se
projecta a imoralidade da sociedade contemporânea, em que esposos e amantes se
cumprimentam cortesmente, no âmbito daquilo que Ega, ironicamente, designa de «bonito
mundo» (vd. p. 604);

c4. o provincianismo e a falta de requinte na organização do espaço (vd. pp. 601: « […] Um
cartão em grossas letras … anuncia um “intervalo de dez minutos” como num circo.»)

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