You are on page 1of 1

O GLOBO ● O PAÍS ● PÁGINA 3 - Edição: 13/02/2011 - Impresso: 12/02/2011 — 18: 30 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

Domingo, 13 de fevereiro de 2011 • 2ª edição O GLOBO 3

O PA Í S

A conta que sobrou para Dilma


Estudo mostra que gastos aumentaram R$ 282 bi no governo Lula; 78,4% no segundo mandato

Editoria de Arte
Regina Alvarez e Patrícia Duarte
BRASÍLIA
A HERANÇA
O
quadro fiscal preocupante, que exigirá
um aperto inédito de R$ 50 bilhões nos
gastos públicos este ano, é parte da he- EVOLUÇÃO DOS GASTOS NO 2º MANDATO DO GOVERNO LULA
rança deixada para a presidente Dilma
Valores deflacionados pelo IPCA a preços de dezembro de 2010
Rousseff pelo antecessor e mentor Luiz Inácio
Lula da Silva. A farra de gastos no segundo man- 2005 2010 DIFERENÇA
dato de Lula tem um preço, que já começou a ser DESPESA TOTAL R$ 452,9 bilhões R$ 673,8 bilhões R$ 220,9 bilhões
pago pelo atual governo. A herança inclui infla-
ção e taxa de juros em alta, uma carga tributária
SÓ PESSOAL R$ 118,912 bi R$ 170,715 bi R$ 51,8 bilhões
abusiva, um Orçamento engessado por despesas
permanentes com pessoal, benefícios previden-
SÓ BENEFÍCIOS
ciários e a impossibilidade de ampliar os inves- R$ 187,912 bi R$ 261,265 bi R$ 73,3 bilhões
timentos. Estudo do economista Fernando Mon- PREVIDENCIÁRIOS
tero, da Convenção Corretora, mostra que os
gastos cresceram R$ 282 bilhões no governo an-
terior (descontada a inflação): 78,4% desse au-
mento ocorreu no segundo mandato.
Só entre 2006 e 2010, as despesas do gover-
no federal aumentaram R$ 221 bilhões, o que INDICADORES QUE PIORARAM
INDICA
evidencia a guinada na política fiscal acentua-
da nos dois últimos anos de mandato, quando
EVOLUÇÃO DE PESSOAL
PESS E ENCARGOS SOCIAIS (% do PIB) INFLAÇÃO MEDIDA PELO IPCA (% do PIB)
a crise global ofereceu ao governo uma justi-
ficativa para ampliar os gastos. 5,11 5,09 Expectativa
9,3 do mercado
— O aumento da carga tributária, combina-
do com o crescimento do PIB ( Produto Inter-
7,6
no Bruto) e a redução do superávit primário 4,66 5,7 5,9 5,91 5,66
4,51 4,54 4,56 4,31
deram ao governo Lula um poder enorme pa- 4,5
4,39 4,38 3,1
ra gastar — observa Montero.
Especialistas apontam a situação das contas
públicas e os elevados gastos herdados do go- 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
verno anterior como o maior problema econô-
mico de Dilma neste início de mandato. EVOLUÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA (% do PIB) SUPERÁVIT PRIMÁRIO A meta era de 3,1%,
O cenário desfavorável na área fiscal in- e o governo teve que
(economia para pagamento de juros da dívida como proporção do PIB) descontar os
fluencia negativamente outras variáveis, co- 34,41 34,4 investimentos do PAC
33,95 33,58 3,72% 3,79%
mo inflação e os juros —, embora, no caso dos 33,35 3,42% para fechar a conta
33,38 3,27% 3,20% 3,31%
preços, fatores externos também exerçam for-
te pressão, como a alta das commodities no 32,31 2,78%
78%
mercado internacional. 32,01 A meta era de 2,5%, e o governo 2,
2,03%
2,03
31,50 teve que descontar os investimentos
Alcides Leite, especialista em contas públicas do PAC para fechar a conta
e professor da Trevisan, frisa que o aumento dos
gastos correntes nos últimos anos, acima da ex- 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
pansão do PIB, impediu uma expansão mais ro- *Projeção do economista Amir Khair
busta dos investimentos. E lembra que uma ofer- DÍVIDA LÍQUIDA DO SALDO
ta maior de bens e serviços poderia minimizar a JUROS BÁSICOS (evolução da Taxa Selic) SETOR PÚBLICO COMERCIAL
pressão inflacionária. Sem os investimentos, o 26,50% Maior patamar R$ 1,476 (diferença entre exportações
país sente os efeitos no bolso, com preços maio- do governo Lula trilhão e importações, em US$)
res, já que a demanda continua bastante aque- R$ 1,120 (40,35%
25% Projeção média R$ 892,292 trilhão 46,4
cida pela melhora de renda da população. do mercado do PIB) bilhões
17,75% 18% bilhões (47,27%
— É preciso sobrar mais dinheiro para inves- (60,38% do PIB)
timentos. E tem de começar pelo ajuste fiscal 13,75% do PIB)
16,50% 16,50% 12,50% 20,2
(corte nos gastos de custeio) — recomenda. 10,25% 13,1
17,25% bilhões 9,57
11,25% bilhões
Inflação voltou a 8,75% 8,75%
bilhões

preocupar em 2010 DEZ JAN FEV DEZ JAN DEZ JAN DEZ JAN DEZ JAN DEZ JAN DEZ JAN SET DEZ JAN ABR JUN JUL JAN DEZ
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
2002
DEZEMBRO
2006
DEZEMBRO
2010
DEZEMBRO
2002 2006 2010 2011
Estimativa

● O corte de R$ 50 bilhões anunciado semana


passada pelo governo é um primeiro passo,
na visão do especialista, desde que os inves-
timentos sejam preservados.
INDICADORES QUE MELHORARAM
INDICAD
A curva de inflação no segundo mandato de
Lula esteve sempre em alta, mas começou a preo- EVOLUÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO (valores nominais) CRESCIMENTO ECONÔMICO
ÔMICO - PIB
cupar em 2010, quando fechou em 5,91%, bem
R$ 510 7,3%*
acima do centro da meta fixada pelo governo R$ 465 5,71% 6,09%
(4,5%). Entre as razões dessa escalada está o R$ 415 5,16%
aquecimento da economia, turbinada pelo au- R$ 380
R$ 350 4,5%*
mento dos gastos do governo no ano eleitoral. R$ 300 3,16% 3,96%
Para 2011, a previsão é de inflação de 5,66%. R$ 240 R$ 260
1,15%
Por isso, o Banco Central voltou a elevar a taxa -0,64%
básica de juros em janeiro, após cinco meses, 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
para 11,25% ao ano. E deve continuar puxando
a Selic para cima, até que a inflação esteja sob EMPREGO COM CARTEIRA ASSINADA EXPANSÃO DO CRÉDITO
controle. O processo encarece as linhas de cré- 50,0
dito, inibindo o consumo, com reflexos sobre o 24,6 Relação com o PIB (%) 46,6 (-)
2.524.678 44,4 (1,704)
crescimento da economia. (0,418) R$ trilhão
(1,414)
Leite acha que o governo Lula teve um bom 40,5
35,2 (1,227)
comportamento na área fiscal até a crise interna- 1.617.392 1.452.204
cional de 2008 e 2009, quando as contas se de- 1.523.276 30,9 (0,936)
terioraram. De 2003 a 2008, o superávit primário 28,3 (0,733)
24,6 25,7 (0,607)
(economia feita pelo setor público para pagamen- 1.253.981 1.228.686 (0,418) (0,499)
to de juros) praticamente dobrou, chegando a R$ 995.110
645.433
101,696 bilhões e as metas foram cumpridas.
Em 2009, a meta não foi alcançada, mas os es- 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011*
pecialistas aceitam a justificativa do governo, *Estimativa só feita em percentual
que adotou medidas anticíclicas para enfrentar a FONTES: Dados do Tesouro Nacional consolidados pelo economista Fernando Montero/Convenção Corretora), Banco Central, Receita Federal, ministérios do Trabalho e do Desenvolvimento e IBGE
crise internacional, como a isenção de Imposto

Os números azuis do legado lulista


sobre Produtos Industrializados de automóveis.
Em 2010, o governo se valeu de truques e ar-
tifícios para turbinar as receitas, abrindo espaço
para a ampliação dos gastos do Orçamento. Na
capitalização da Petrobras, fez uma manobra
contábil que garantiu ao caixa um reforço de R$
32 bilhões. Ainda assim, não conseguiu cumprir
Acesso ao crédito e aumento da renda estão entre as conquistas do ex-presidente
a meta de superávit primário pela segunda vez
consecutiva. Economizou o equivalente a 2,78% ● BRASÍLIA. Se, pelo lado fiscal, a presidente mento bem mais baratas. Dilma também está trabalhando com
do PIB, quando precisava chegar a 3,1%. Dilma Rousseff ainda deve viver alguns pe- O acesso ao crédito foi impulsionado tam- uma economia com crescimento robusto, o
Dilma herdou uma carga tributária recorde, sadelos, a herança deixada pelo seu com- bém porque, ao longo dos últimos anos, a taxa que é bom para continuar gerando mais
equivalente a 34,4% do PIB, e, no primeiro ano de panheiro de partido e ex-presidente Luiz de desemprego do país foi perdendo força. Em emprego e renda. Logo no início do gover-
mandato, não terá como promover qualquer ti- Inácio Lula da Silva em outras esferas é janeiro de 2003, quando assumiu, Lula lidava no Lula, a expansão do PIB foi um pouco
po de desoneração, como planejava. O aperto bem-vinda. Quando se olha para taxas de com um índice de 11,2% e o reduziu para 9,3%, acima de 1% e, ao longo dos anos seguintes,
fiscal, imposto pelo crescimento excessivo dos emprego e renda, acesso ao crédito e até o quatro anos depois. O grande movimento acon- foi mantendo uma trajetória de alta. A ex-
gastos correntes no governo anterior, impede próprio crescimento econômico, os resul- teceu em seu segundo mandato, fechando de- ceção ficou para 2009, ano marcado por
Dilma de qualquer ação para melhorar o sistema tados são animadores. zembro passado com o menor patamar da His- uma forte crise internacional. Em 2010, es-
tributário do país e a vida das empresas. O mercado de crédito na Era Lula (2003/2010) tória: 5,3%, segundo dados do IBGE, levando em pecialistas e governo acreditam que a ati-
— Baixar imposto é exercício fácil, mas o go- mais do que quintuplicou, ultrapassando a bar- conta seis regiões metropolitanas. vidade tenha crescido mais de 7% e, para
verno precisa fechar as contas. Por isso, não po- reira de R$ 1 trilhão e chegando próximo a 50% este ano, há avaliações que vão até 5% —
de abrir mão de arrecadação. Só quando houver do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens Renda média do brasileiro patamar considerado alto se comparado
redução de gastos, poderá se desenhar uma re- e serviços produzidos no país). Um dos princi- teve crescimento de 22,2% com o resto do mundo, na casa de 3%. (Pa-
forma tributária — diz o tributarista Ilan Gorin. pais motivos para esse salto foi a criação do cré- Nesse período, a renda média real do bra- trícia Duarte e Regina Alvarez) ■
dito consignado, com desconto em folha de pa- sileiro — já descontada a inflação do período
O GLOBO NA INTERNET gamento, que abriu caminho para que muitas —- passou de R$ 1,293 mil mensais, em janeiro O GLOBO NA INTERNET
a Especial relembra os oito anos do PT no poder
oglobo.com.br/pais
pessoas — aposentados e pensionistas em pri-
meiro lugar —- pudessem ter linhas de financia-
de 2003, para R$ 1,580 mil no fim de 2010. O
crescimento registrado foi de 22,20%.
a Leia o caderno especial sobre a ’Era Lula’
oglobo.com.br/pais

You might also like