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Posso sentir isso se “escuto” bem meus pés. Posso sentir, com os meus pés
plantado na terra, a que ponto estou. E da terra me será comunicado um
sentimento de tranquilidade, um sentimento de que eu faço parte dela, que eu
não estou sem raízes.
O equilíbrio do corpo, o equilíbrio do nosso psiquismo, o equilíbrio de nossa vida espiritual depende
deste enraizamento. E se as raízes são sadias, toda a árvore é sadia.
Algumas vezes somos jardineiros, muito atentos à flor e ao fruto, mas esquecemos as raízes,
esquecemos os pés. É por aí que devemos começar os nossos cuidados.
Um texto da Bíblia relata que Jacó, após ter lutado com o Anjo, antes de ter
reencontrado a nova dimensão do ser, ele manca. E os antigos diziam que se
uma pessoa caminha mancando e a olhamos de uma determinada distancia,
pode parecer que ela dance em vez de mancar.
Portanto, lembremo-nos que é preciso transformar a nossa vida que coxeia em
uma vida que dança, através da compreensão e da aceitação.
Na mitologia grega, Hermes, filho de Zeus e Haia, era o mensageiro dos deuses e
tinha os pés alados.
Este símbolo é muito importante porque faz referência a um caminho de
transformação. Assim, passamos do nosso pé ferido, torcido e distendido para o
pé alado.
Nas diferentes práticas de ioga temos a purificação dos pés na água salgada;
pelos pés podem escorrer nossas fadigas e tensões.
Em muitas tradições espirituais (como no Evangelho), o Mestre lava os pés dos
seus discípulos. De um ponto de vista simbólico, “lavar os pés” de alguém é
devolver-lhe sua capacidade de sentir-se enraizado, é recolocá-lo de pé.
Quando Jesus está aos pés dos seus discípulos, não é apenas por um gesto de humildade, mas sobretudo,
um gesto de cura e de amor. Porque não se pode amar alguém e olhá-lo de cima. E também não se trata
de olhá-lo de baixo para cima, sendo-lhe submisso.
Trata-se de colocar-se a seus pés para ajudá-lo a reerguer-se.
Podemos recordar outro texto do Evangelho quando Maria Madalena lava os pés
de Jesus.
O texto é importante porque o próprio Jesus, como homem que era, foi naquele
momento reconhecido em sua dimensão de ser humano. É bom registrar que o
gesto de “lavar os pés” de seus discípulos, Ele aprendeu de uma mulher.
Porque o “lava-pés” dos Apóstolos, na Última Ceia, vem depois do episódio em
que Maria Madalena lava os pés de Jesus com suas lágrimas e os enxuga com
seus cabelos.
Há uma ligação profunda entre os cabelos e os pés. Do mesmo modo que nossos pés são nossas raízes
na terra, os cabelos são nossas raízes no céu.
Os cabelos são como antenas que às vezes nos permitem captar mensagens. E quando os cabelos e os
pés estão juntos, quando a cabeça e os pés estão juntos, simbolizam um momento de conjunção, uma
união de opostos, uma integração entre o céu e a terra.
Os pés tem a forma de uma semente. Temos em nosso corpo três estruturas
em forma de semente: os pés, os rins e as orelhas. E existe uma conexão
entre eles.
Os pés escutam a terra e nos enraízam na matéria. Os rins estão à escuta da
nossas mensagens interiores – a Bíblia diz que Deus sonda os rins e o coração
(Apoc. 2,23). Os rins são um grande filtro que retira do sangue muitas impurezas
e existem em nosso corpo coisas difíceis de serem assimiladas e filtradas.
Quanto às orelhas, elas estão lá para aprender a escutar os dizeres, as
informações, as mensagens que brotam ao nosso redor.
Existem ainda muitos símbolos sobre os pés.
Na África, o pé é o ponto de apoio do corpo no mundo. É um símbolo de poder. Os “bambaras” dizem
que o pé é o primeiro sinal de que o embrião e o corpo brotam. O pé é o começo do corpo assim como a
cabeça é o final. Se os pés, começo do corpo, são esquecidos ou maltratados, também a cabeça
funcionará mal. Por outro lado, os pés são, também, o final do corpo porque o movimento começa e
termina pelos pés. Os “bambaras” dizem que se temos bons pés, temos bons olhos e nesta sabedoria
africana nos é lembrado que a cabeça nada é sem os pés. Ser inteligente é estar em contato não somente
com as idéias mas estar em contato com a realidade material.
Segundo a tradição oriental, quanto mais baixo estiver o corpo, mais feliz fica a
mente. O Ocidente deseja que as pessoas pensem no céu, e alonguem a cabeça
no ar para fazê-la olhar para cima e ver as nuvens.
O Oriente sabe que a melhor maneira de chegar ao céu é pisar solidamente na
terra.
Ao encontrar-se com a mãe-terra a pessoa é impulsionada para as experiências transcendentais.
Quanto mais proximidade e intimidade com a terra, mais profunda é a experiência espiritual.
Na Índia, quando as pessoas se levantam, sua primeira oração é juntar as mãos e pedir perdão à Mãe
Terra por pisá-la. Que não haja ofensa no contato necessário, mas intimidade.
Em casa, as pessoas sempre andam descalças. O pé nú acaricia a terra que pisa, agradecendo o apoio e
mostrando sua confiança. Cada passo deve ser uma oração e cada caminhar é um rosário de contas que
marcam os caminhos da vida com a fé do caminhante.
Dá força e inspiração sentir-se junto à terra, apalpar sua firmeza, medir sua imensidade.
É o altar cósmico sobre o qual celebra-se diariamente a liturgia da vida.
Não há uma “Terra Santa”, há uma maneira santa de caminhar sobre a terra. É a nossa maneira de
caminhar sobre a terra que a torna sagrada.