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Autor : Carlos Augusto A Correa

Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília

Noções da imunologia do câncer

Introdução
O câncer é um dos problemas mais comuns e intensos da
medicina clínica. As estatísticas mostram que o câncer
provoca mais de 20% das mortes e, nos países desenvolvidos, é
responsável por mais de 10% do custo total da assistência
médica.
O câncer não é uma doença única, mas sim um nome
empregado para uma grande variedade de tumores malignos que
se formam pelo mesmo processo básico de crescimento
descontrolado. A proliferação celular resulta numa
( neoplasia ou tumor) que invade os tecidos vizinhos ( daí o
nome câncer, que significa caranguejo) e também pode enviar
metástases para locais mais distantes. O crescimento é
autônomo, cada vez mais maligno e, se não tratado,
invariavelmente é fatal. Dessa forma, o câncer apresenta
mecanismos para romper a defesa imunológica após iniciação do
processo de multiplicação desordenada.

Mecanismo de evasão do sistema imune


Embora os tumores malignos possam expressar antígenos
protéicos reconhecidos como estranhos pelo hospedeiro do
tumor e embora a imunovigilância possa limitar o crescimento
expansivo de alguns tumores, infelizmente deve ficar claro
que o sistema imune não impede a freqüente ocorrência de
cânceres humanos letais. Um foco importante, então, é
compreender os modos pelos quais as células tumorais podem
evadir-se da resposta imune, para poder intervir na
imunogenicidade dos tumores. O processo de evasão muitas
vezes chamado de escape tumoral, pode resultar de diversos
mecanismos:
1.A expressão da classe I do CPH pode ser sub-regulada
nas células tumorais, de modo que não possam formar
complexos de peptídeos antigênicos tumorais processados e
moléculas do CPH necessárias para o reconhecimento de CTL.
2. Como a maioria das células tumorais humanas não
espressa moléculas da classe II do CPH, não pode ativar
diretamente linfócitos T CD4+ tumor-específicos. A atividade
antitumoral dos CTL é em parte dependente de sinais
fornecidos pelos linfócitos T auxiliares. Se as CAA ( APC)
profissionais não infiltrarem adequadamente estes tumores,
captarem e apresentarem antígenos tumorais e ativarem
linfócitos T auxiliares, então não ocorrerá diferenciação
antitumoral máxima dos CTL.
3. Mesmo em caso nos quais os tumores expressem
complexos peptídeo-CPH reconhecidos pelos linfócitos T dos
hospedeiros, uma falta de co-estimuladores nas células
tumorais pode comprometer a ativação dos linfócitos T. A
maioria dos tumores é derivada de tecidos que não expressam
co-estimuladores que fornecem segundos sinais para a ativação
dos linfócitos T auxiliares. Além disso, a ativação dos CTL
pode requerer co-estimulação pelas moléculas da superfície
celular, como B7, que estejam faltando nas células tumorais.
A apresentação de antígenos celular tumoral aos linfócitos T
na ausência de co-estimuladores pode induzir tolerância
periférica ( anergia clonal) em linfócitos T tumor-
específicos.
4. Os produtos tumorais podem suprimir respostas imunes
antitumorais. Um exemplo de produto tumoral imunossupressivo
é o fator transformador de crescimento beta ( FTC-β , TGF-
β ) , secretado em grandes quantidades por muitos tumores e
que inibe uma ampla variedade de funções dos linfócitos e
macrófagos.
5. Um hospedeiro pode ser tolerante a alguns antígenos
tumorais devido à exposição neonatal a tais antígenos ou
porque a célula tumoral pode apresentar seus antígenos ao
sistema imune de forma tolerogênica. Tem sido demonstrada a
tolerância induzida neonatalmente para tumores causados pelo
vírus tumoral mamário murino. Este vírus causa tumores de
mama em camundongos adultos que tenham adquirido a infecção
viral durante a vida neonatal pelo aleitamento. Embora estes
tumores não sejam vistos como estranhos nestes camundongos e
não estimulem uma resposta imune ( devido à tolerância
neonatal ), são altamente imunogênicos quando transplantados
para camundongos adultos singênicos livres de vírus. Mais um
exemplo da relação entre tolerância induzida neonatalmente a
antigenos tumorais codificados por vírus é visto em
camundongos transgênicos SV40.
6. A imunidade antitumoral pode resultar na seleção de
células tumorais mutantes que já expressam complexos
imunogênicos peptídeo-CPH. Isto poderia ocorrer em
decorrência de mutações ou deleções nos genes que codificam
antígenos tumorais, especialmente se os produtos protéicos de
tais genes não forem críticos para o fenótipo maligno do
tumor. Alternativamente, a imunosseleção pode favorecer o
crescimento de células tumorais com mutações ou deleções nos
genes do CPH cujos produtos forem necessários para
apresentar peptídeos antigênicos.
7. A perda de expressão de superfície dos antígenos
tumorais em decorrência de ligação a anticorpo, chamada
modulação antigênica, leva à resistência adquirida contra
mecanismos efetores imunes. A modulação antigênica deve-se à
endocitose ou a “ecdise” dos complexos antígeno-anticorpo. Se
a modulação antigênica for causada por um anticorpo
antitumoral que não fixa complemento, poderá proteger as
células tumorais de outros anticorpos ativadores de
complemento. A modulação antigênica talvez seja mais
relevante como problema que complica as tentativas de
imunoterapia passiva com anticorpos antitumorais.
8. A cinética de crescimento tumoral pode permitir o
estabelecimento de tumores imunologicamente resistentes antes
de se desenvolver uma resposta imune efetiva. Este fenômeno,
chamado “penetração furtiva”, foi experimentalmente modelado
por estudos de transplantes. O transplante de pequeno número
de células tumorais pode levar ao estabelecimento de tumores
letais ( isto é, falta de rejeição ), enquanto tumores
maiores do mesmo tumor são rejeitados. Uma suposta razão para
esta aparente contradição é que pequenas doses de antígenos
tumorais não são suficientemente estimulatórias para o
sistema imune e, no momento em que muitas células tumorais
crescerem no receptor do transplante, poderão ter ocorrido
mutações dos genes do antígeno tumoral, as quais reduzem a
chance de reconhecimento imune.
9. Postulava-se, no passado, que os antígenos soltos dos
tumores e os complexos de anticorpos com antígenos tumorais
solúveis atuassem como fatores bloqueadores que interferem
com as respostas imunes aos tumores. Os mecanismos de ação
dos fatores bloqueadores permanecem obscuros, mas poderiam
envolver o bloqueio funcional dos receptores Fcγ das
células NK ou indução de “ células supressoras” que
subregulam especificamentea função dos linfócitos T
auxiliares antígeno-específico no tumor.
10. Os antígenos da superfície celular do tumor podem
estar escondidos do sistema imune por moléculas do
glicocálice, inclusive mucopolissacarídeos contendo ácido
siálico. Este processo chamado mascaramento antigênico e pode
ser uma conseqüência do fato de que as células tumorais
costumam expressar mais destas moléculas do glicocálice do
que as células normais. Semelhantemente, alguns tumores podem
se defender do sistema imune ativando o sistema de
coagulação, assim se investindo como “casulo de fibrina”.
Mecanismos efetores na imunidade antitumoral
O desafio para os imunologistas de tumores é determinar
quais destes mecanismos efetores são importantes nas
respostas imunes protetoras aos tumores.

LINFÓCITOS T
Os CTL proporcionam imunidade antitumoral in vivo. Na
verdade, a rejeição de tumores transplantados mediada por CTL
é o único exemplo estabelecido de imunidade antitumoral in
vivo. Nestes casos, as células efetoras são predominantemente
CTL CD8+, fenotípica e funcionalmente idênticos aos CTL
responsáveis pela morte de células infectadas por vírus ou
alogênicas. Os CTL podem desempenhar uma função de vigilância
por reconhecerem e matarem células potencialmente malignas
que expressem peptídeos derivados de proteínas celulares
mutantes e são apresentados associadamente a moléculas da
classe I do CPH. A importância dessa forma de imunovigilância
para tumores de origem não-viral é incerta, já que tais
tumores não são mais freqüentes em animais ou pessoas com
deficiência de linfócitos T em pacientes com supressão da
imunidade devido a drogas terapêuticas ou infecçaõ pelo VIH.
Por outro lado, os CTL tumor-específicos podem ser isolados
de animais e homens com tumores já estabelecidos. Por
exemplo, os linfócitos do sangue periférico de pacientes com
carcinomas e melanomas avançados contêm CTL que podem lisar
tumores explantados dos mesmos pacientes. Além disso, células
mononucleares derivadas do infiltrado inflamatório em tumores
sólidos humanos, os chamados linfócitos infiltrantes de
tumores ( TIL - Tumor-Infiltrating Lymphocytes), também
incluem CTL com a capacidade de lisar o tumor dos quais foram
isolados. Embora estas respostas possam não ser efetivas em
erradicar a maioria dos tumores por si mesmos, a
intensificação das respostas dos CTL pode ser alvo para a
terapia antitumoral em futuro próximo. A vigilância mediada
por CTL contra células infectadas pelo vírus oncogênicos
provavelmente ocorre naturalmente, como é sugerido pelo fato
de que os tumores associados a infecções virais ocorrem mais
freqüentemente em pacientes imunosuprimidos.
Embora os linfócitos T auxiliares CD4+em geral não sejam
citotóxicos para os tumores, eles podem desempenhar um papel
nas respostas antitumorais fornecendo citocinas para o
desenvolvimento de CTL efetivos. Ademais, os linfócitos T
auxiliares ativados por antígenos tumorais podem secretar
fator de necrose tumoral ( FNT) e interferon- γ ( IFN-γ )
que podem aumentar a expressão de moléculas da classe I do
CPH nas células tumorais aumentando sua sensibilidade à lise
pelos CTL. Uma minoria de tumores que expressam moléculas da
classe II do CPH podem ativar diretamente os linfócitos T
auxiliares CD4 + tumor-específicos. Mais comumente, as
células apresentadoras de antígeno ( CAA) profissionais que
expressem a classe II processam e apresentam proteínsa
interiorizadas derivadas de células tumorais que morrem ou
que são fagocitadas. Os linfócitos T CD4+ de indivíduos
portadores de tumores são específicos para produtos de
oncogenes, como a proteína ras mutada, mas ainda não foi
efetuada uma análise minunciosa de outros antígenos que os
linfócitos T auxiliares tumor-específicos podem reconhecer.

Células Citotóxicas Naturais (CN-NK)


As células NK podem ser efetoras de respostas imunes
naturais e adquiridas contra tumores. Usam os mesmos
mecanismos litícos que os CTL para matar células, mas não
expressam receptores antigênicos dos linfócitos T e matam
alvos de maneira não restrita ao CPH. As células CN podem
lisar células infectadas por vírus e certas linhagens de
células tumorais, especialmente de tumores hematopoiéticos in
vitro. De fato, a lise de tais linhagens serve como bioteste
principal para a atividade das CN. Parece haver um grau de
especificidade para a morte pelas CN, já que muitas células
infectadas por vírus ou células tumorais, e a maioria das
células normais não são suscetíveis à lise por CN in vitro. A
base desta especificidade ainda não foi compreendida.
Ademais, as células CN podem Ter como alvo células revestidas
por anticorpos porque expressam receptores Fc de baixa
afinidade (Fcγ RIII ou CD16) para moléculas de IgG. As
citocinas, inclusive os interferons, o FNT, a interleucina-2
( IL-2 ) e a interleucina-12 aumentam a capacidade tumoricida
das células CN. Portanto, seu papel na imunidade antitumoral
pode depender da estimulação concomitantemente dos linfócitos
T e macrófafos que produzem estas citocinas. Há um grande
interesse no papel das células CN ativadas por IL-2 na morte
dos tumores. Estas células citotóxicas ativadas por
linfocinas ( LAK) , são derivadas in vitro por cultura de
´celulas do sangue periférico ou TIL de pacientes com tumor,
napresença de altas doses de IL-2. As células CN exibem uma
capacidade acentuadamente altas e inespecífica de lisar
outras células, inclusive células tumorais .
Sugere-se um papel para as células CN na imunidade
tumoral in vivo por várias evidências indiretas. Por
exemplo, a incidência de tumores em diferentes raças de
camundongos consagüíneos ou em camundongos de idades
diferentes correlaciona-se inversamente com a capacidade
funcional das células CN nestes camundongos. O interessante é
que os camundongos nus com deficiência de linfócitos T têm
número normal ou elevado de células CN e não têm uma alta
incidência de tumores espontâneos. As células CN nos
infiltrados celulares associados aos tumores humanos sólidos,
antes da expansão in vitro com IL-2.

MACRÓFAGOS
Os macrófagos são potencialmente importantes mediadores
celulares de imunidade antitumoral. Seu papel é ingerido em
grande parte pela demonstração de que macrófagos ativados
podem preferencialmente lisar células tumorais, e não células
normais, in vitro. Como as células CN, os macrófagos
expressam receptores Fcγ e podem ter como alvos células
tumorais revestidas com anticorpo. Provavelmente os diversos
mecanismos de morte pelos macrófagos de células-alvo dos
tumores são essencialmente os mesmos que os mecanismos de
morte de microorganismos infecciosos pelos macrófagos. Estes
mecanismos incluem a liberação de enzimas lisossômicas,
metabólitos de oxigênio reativo e, em camundongos, óxido
nítrico.
Os macrófagos ativados também secretam a citocina fator
de necrose tumoral (FNT), que, como o nome implica, foi o
primeiro agente caracterizado que pode matar tumores, mas não
células normais. As várias ações do FNT, há evidências
convicentes de que um componente importante da morte de
tumores mediada por macrófagos deve-se à secreção de FNT. Por
exemplo, as células tumorais selecionadas in vitro para
resistência para à morte por macrófagos. A morte por ambos os
mecanismos é lenta (24 a 48 horas), pode ser intensificada
pelos inibidores da síntese de proteínas ou RNA e envolve
fragmentação do DNA nuclear, e não lise osmótica.
O FNT mata os tumores pelo menos por dois mecanismos
diferentes. Primeiramente, a ligação do FNT a receptores de
superfície celular de alta afinidade é diretamente tóxica
para células tumorais. A toxicidade pode ser resultado da
produção de radicais livres. As células normais respondem ao
FNT sintetizando superóxido dismutase, uma enzima que
participa da inativação de radicais livres. Ao contrário,
muitas células tumorais deixam de produzir superóxido
dismutase em resposta ao FNT. Desta forma, parte da
explicação da morte seletiva de células tumorais pelo FNT
pode ser a perda de superóxido dismutase nestas células, o
qual serve para proteger as células normais. Os efeitos
tóxicos diretos do FNT podem também envolver a ruptura das
proteínas do citoesqueleto ou interferência com a formação de
gap junctions. Em segundo lugar, o FNT pode causar necrose
tumoral por mobilizar várias respostas do hospedeiro in vivo.
De fato, até as células tumorais que não possuem receptores
de FNT podem ser erradicadas em camundongos por tratamento
com FNT. Uma observação fundamental é que o FNT erradica
seletivamente tumores vascularizados e é muito menos efetivo
em matar implantes avasculares. Histologicamente, a resposta
ao FNT atue seletivamente sobre os vasos tumorais, produzindo
uma reação semelhante à de Schwartzman, causando trombose de
vasos e necrose isquêmica dos tumores. Os vasos tumorais já
podem estar “iniciados” para desencadear a resposta de
Schwartzman, uma vez que encontrem o FNT. Alguns fatores
angiogênicos derivados do tumor, como o fator de crescimento
endotelial vascular, potencializam as respostas das células
endoteliais ao FNT.

ANTICORPOS
Embora os linfócitos T provavelmente sejam mais
importantes que os anticorpos em mediar respostas imunes
antitumorais efetivas, os hospedeiros portadores de timores
de fato produzem anticorpos contra antígenos tumorais. Os
antígenos que estimulam estas respostas imunes são
previsivelmente limitados a moléculas que não induziram
tolerância. Em alguns casos, estas respostas com anticorpos
são específicas para antígenos virais. Por exemplo, os
pacientes com linfomas associados ao EBV têm anticorpos no
soro contra antígenos virais codificados pelo EBV expressos
na superfície de suas células tumorais. Em outros casos, os
pacientes com câncer produzem anticorpos contra seus próprios
tumores, os quais podem ser usados para “tipagem autóloga” in
vitro para identificar os antígenos tumorais. Nestes casos,
os antígenos reconhecidos estão quase sempre presentes também
nos tecidos nos tecidos normais. Não existe evidência de um
papel protetor de tais respostas humorais contra o
desenvolvimento ou crescimento de tumor. Hibridomas têm sido
preparados com linfócitos B de pacientes com tumores que
produzem anticorpos monoclonais reativos com antígenos com
antígenos dos tumores dos pacientes. Novamente, estes
anticorpos não são específicos para antígenos expressos
exclusivamente em células tumorais. O potencial para
destruição de células tumorais mediada por anticorpos tem
sido em grande parte demonstrado in vitro e é atribuível a
ativação do complemento ou citotoxidade mediada por células e
dependente de anticorpos, na qual macrófagos portadores de
receptor Fc ou células NK mediam a morte. Permanecemos sem
saber se estes mecanismos Ig-dependentes de morte do tumor
desempenham ou não algum papel in vivo.
Bibliografia
1. Alberts B, Bray D, Lewis J, Raff M, Roberts K, Watson JD.
“Biologia Molecular da Célula”. Terceira edição. Editora
Artes Médicas.1997. Capítulo 24 – Câncer , 1255- 1291

2. Abbas AK, Lichtman AH, Pober JS. “Imunologia Celular e


Molecular”. Editora Revinter,1998. Capítulo 18 – Imunidade
contra tumores, 377-398

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