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Do Pré-artesanato ao Design
1
Lina Bo Bardi. Do Pré-artesanato ao Design
Resumo
Conseqüência de uma busca para o entendimento da arte e, mais especificamente, do projeto de
produtos no Brasil; este trabalho encontrou na experiência da produção da arquiteta Lina Bo
Bardi (1914-1992) um caminho possível para uma resposta. Tendo vindo da Itália para o Brasil
em 1946 a arquiteta utilizou seu olhar estrangeiro para interpretar a arte popular do sertão da
Bahia como uma metodologia antropológica e, tendo absorvido estas informações as
transformou em exposições, arquiteturas e produtos que são uma das tantas possibilidades para
o entendimento da história do produto no Brasil.
Abstract
The research is the consequence of seeking for the understanding of art and design in Brazil.
This work met (found) in the experience and the creations of the architect Lina Bo Bardi, a
possible way to an answer. Coming from Italy to Brazil in 1946, the architect used her foreign look
to analyze the popular art of Bahia’s “sertão” (north-east of Brazil) with an anthropologic method
and, having absorbed the information she transformed it in exhibitions, architecture and products,
which are one of the possibilities to understand the evolution (story) of the design product in
Brazil.
2
Lina Bo Bardi. Do Pré-artesanato ao Design
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como foco apresentar a produção de objetos e mobiliário de Lina Bo
Bardi juntamente com uma pesquisa feita por ela sobre arte popular brasileira do
nordeste, que influenciou diretamente seus projetos. Todo o material cuidadosamente
coletado foi dividido em três grandes períodos
O primeiro tem início com sua transferência da Itália para São Paulo onde seus projetos
ainda apresentam traços sob influência da cultura européia.
O segundo, mais significativo para sua produção, são seus seis anos vivendo na Bahia
(1958 à 1964) dedicados à pesquisa da arte quase “antropológica” brasileira, entre
outros empenhos.
O terceiro e último período dedica-se ao regresso da arquiteta a São Paulo e sua luta
por mostrar ao mundo a arte que encontrou no nordeste; na tentativa de abrir os olhos
dos que estavam embebidos no capitalismo e no consumo; para que voltem a buscar
sua essência.
Deixando claro sua impressão: “Bahia (…) a população mantém uma pureza interior
maior diante da arte e da Cultura. Há, realmente, uma curiosidade mais genuína por
essas atividades humanas. O Rio e São Paulo são grandes metrópoles, em grande
parte indiferentes a cultura, suas populações são distraídas, digamos assim, por outros
problemas que lhes parecem mais prementes: problemas políticos, problemas de bem
estar material, (…)”1
CAPITULO 1
SÃO PAULO INSTIGANDO
Lina, junto ao marido Pietro Maria Bardi, veio ao Brasil em 1946 e encontrou o país em
um contexto de transição. As eleições para Presidente que aconteceram em 1945,
deram a vitória a Dutra após vários anos de Getúlio Vargas no poder, fora aprovada a
nova Constituição e o Brasil se tornara uma Republica Federativa.2
Estas alterações mostraram aos recém-chegados um país cheio de possibilidades. Um
país que estava em processo de formação e, por isso, disponível a mudanças e sedento
por inovações e evoluções.
São Paulo, cidade em que se estabeleceram, mesmo não sendo a capital, era um
reflexo das mudanças políticas nacionais, por ser o polo financeiro e industrial do país.
As artes começavam a tomar corpo, especialmente com a colaboração de visionários
como o amigo do casal Assis Chateaubriand que se preocupou em proporcionar uma
estrutura para as artes, a estudiosos como Sérgio Milliet3 e suas Bienais de Arte de São
1
RIBEIRO, Leo Gibson. Entrevista ao Jornal do Brasil in Avant-Garde na Bahia p 233
2
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. Capítulo 5. A experiência democrática (1945-1964)
3
Sérgio Milliet (1898-1966) é um personagem importante para a história da arte em São Paulo. Nasceu em São Paulo e
estudou artes e jornalismo na Suiça. Retorna ao Brasil e colabora como coordenador e curador na I, III e IV Bienais de
Arte de São Paulo. Participa ativamente das comemorações do IV Centenário de São Paulo e escreve sobre arte para
diversos veículos. Informações retiradas do livro Sérgio Milliet, crítico de arte de Lisbeth Rebollo Gonçalves.
3
Paulo e diversos artistas como Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Portinari, entre outros,
engajados em seus projetos nacionalistas e que se tornariam ícones do movimento
Modernista brasileiro.
Lina, aos poucos, conhece toda esta produção artística e, provavelmente, a utiliza como
base ou estopim para sua constante busca, que será detalhada ao longo dos capítulos,
pela arte originária brasileira nas manifestações regionais mais simples.
Com 32 anos e uma bagagem cultural de origem tão antiga e sólida dada pela formação
escolar italiana, ela chega a São Paulo. Após anos sentindo-se “sufocada” pelo sistema
político italiano ela finalmente respira. Vê no povo uma ingenuidade e felicidade que o
italiano já não tinha mais. O crítico italiano Bruno Zevi escreve a este respeito a
seguinte frase: “Lina seguia a miragem de uma mudança sociocultural que não lhe
parecia realizável no clima político italiano”4
O Brasil se mostrou um país novo, que ainda não tinha buscado suas bases culturais e
dava espaço para criar, o que, para ela, significava avaliar as possibilidades criativas
originais e poder se movimentar com mais liberdade em suas obras.
Nos primeiros anos vivendo na metrópole, associou-se com o também italiano Giancarlo
Palanti na criação do Studio Palma, onde projetaram móveis e interiores. Juntos
transcreveram um olhar dedicado aos costumes, origens e clima brasileiros nos objetos
de sentar, usar e nas arquiteturas.
Em 1951 projeta e constrói a bela Casa de Vidro no então longínquo bairro do Morumbi,
que será a residência dos Bardi. Uma casa modernista em todos os seus aspectos:
pilotis, lages planas, grandes aberturas e uma integração com a natureza à sua volta. A
casa encontra-se, até hoje, em um terreno de sete mil metros quadrados de mata
densa. A arquiteta construiu poucas residências e a Casa de Vidro é a única
modernista.
Esta primeira fase paulista se encerra quando Lina transfere-se para Salvador em 1958
para lecionar, aproximando-se finalmente das bases culturais brasileiras mais originais.
Ela nota, então, que sua busca não estava em São Paulo porque a metrópole gerava
uma arte e um artesanato influenciado pela imigração e divulgação do conhecimento,
4
Zevi, Bruno. Arte sí, ma Povera. L’ espresso. 10 Maggio 1992
5
No Instituto Lina Bo e P. M. Bardi encontra-se, em seus arquivos, diversas fotos e fitas das filmagens do Masp que
foram transmitidas pela TV Tupi
4
transformando o produto final; era necessário buscar uma origem menos deformada
pelo entorno e sua ida para o nordeste lhe abriria esta nova possibilidades de
pesquisas.6
O PRIMEIRO MASP
O Museu de Arte de São Paulo, conforme já descrito, foi instalado na rua Sete de Abril,
em dois andares do edifício dos Diários Associados, até ter sua sede definitiva,
projetada por Lina, na Avenida Paulista. Este primeiro foi inaugurado em 1949 e o
segundo em 1968.8
Para estes projetos Lina desenvolve alguns objetos que se tornam referenciais em sua
produção. Como o espaço expositivo beneficiava-se de estruturas flexíveis. Lina coloca
as obras sobre fundo neutro, em um totem criado por ela, em vidro com uma base
cúbica em cimento.9 Esta peça expositiva será utilizada posteriormente no Masp da Av.
Paulista e no Sesc Fábrica da Pompéia.
O STUDIO PALMA
6
Esta busca é exaustivamente colocada em um livro que ela escreve em 1980: Tempos de Grossura o Design no
Impasse
7
BARDI, Lina Bo. Função Social dos Museus.Habitat numero 1.
8
BARDI, Lina Bo. Função Social dos Museus.Habitat numero 1.
9
Idem
10
SANTOS, Maria Cecília Loschiavo. O Móvel Moderno no Brasil. 1995 p 95
11
Artigo no acervo do Instituto Lina Bo e P. M. Bardi sem data.
12
alguns documentos citam 1948, enquanto outros 1947. Se optou por 48 por ser a data apresentada na Habitat numero
1, que era publicada sob os olhos atentos de Lina
13
Habitat numero 1. Artigo de provável autoria de Lina. Moveis Novos, p 53
5
influências indígenas, africanas, sertanejas,.. o uso do couro, do sisal, fibras e tecidos
naturais.
Nota-se que o Palma não era o único a buscar novos caminhos para o mobiliário
brasileiro, mas foi de grande influência. A base do processo criativo, para eles, era
buscar uma coerência dentro dos padrões estabelecidos pela natureza e pelas
questões humanas. Leis que segundo um escrito de Lina, são essenciais para não se
cair no gratuito, fácil e inútil.14
A rede era, para o Palma, um dos objetos mais completos. “Nos navios gaiola que
navegam os rios do norte do país, as redes são ao mesmo momento o leito e a
poltrona. A aderência ao corpo e o seu movimento fazem dela um perfeito objeto de
repouso”.15
Mesmo tendo funcionado por apenas dois anos, os novos móveis criaram um “caso de
consciência” nos outros fabricantes que eram, até então, passivos repetidores de
modelos postergados e se satisfaziam em olhar revistas e interpretar o que viam sem
ter o devido conhecimento, criando o que Lina chamou de “moderno superficial”.16
Lina projetou, para esta casa, uma série de móveis que, aparentemente, não foram
reproduzidos.
São móveis criados em um período muito próximo aos móveis desenvolvidos pelo
Studio Palma. O Palma data de 1948 e a Casa de 1951. Mesmo com esta proximidade,
notam-se diferenças entre as mobílias. Em toda a produção do Studio Palma, o uso da
madeira é muito frequente, enquanto a maioria da mobília da Casa de Vidro foi
projetada com estrutura em tubo ou barra de ferro azul, com exceção da poltrona Bola,
das maçanetas e da mesa de jantar feitas em ferro, mas de uma forma diversa.
A residência dos Bardi é uma elegante casa horizontal elevada do solo, delineada pela
lage e pelo piso, com enormes janelas que percorrem a frente e as laterais da casa
como um pano de vidro que a protege e a integra com o jardim. É elevada por esbeltos
pilotis pintados de um cinza azulado que se confundem com as árvores, mostrando
somente um paralelepípedo que flutua entre as copas. As áreas de convívio comum são
delimitadas por panos de vidro, enquanto as íntimas são protegidas por paredes de
alvenaria no interior da casca transparente.
14
Revista Habitat número 5 (Out/Dez 1951). Desenho Industrial p 62 (artigo sem autor definido)
15
Descrição da importância da rede na Habitat 1, p 53
16
Definição dada no artigo Moveis Modernos na Habitat No 1, p 53
6
Ao entrar na sala, entre diversos móveis, saltam aos olhos duas belas e grandes mesas
de centro de Lina, com estrutura de ferro azul e tampos em pedra produzidos por Enrico
Galassi. Uma das mesas tem a sua volta quatro poltronas mais baixas que as medidas
utilizadas na época. Feitas com sua estrutura azul a mostra, onde se apóiam os seus
estofados utilizando-se de quatro tiras de tecidos verticais no encosto e assento. A outra
mesa é completada com quatro poltronas Bola de estrutura de ferro preta, encosto e
assento feitos em uma peça única de couro e duas bolas douradas no local dos braços
que servem de apoio para quem se levanta.
Ao lado da sala, no escritório de Pietro Maria Bardi, uma elegante luminária feita a partir
de um galho sai por detrás de uma mesa. Com uma base em concreto e o refletor
colocado na outra extremidade, esta peça merece uma atenção especial pois foge à
linguagem do resto da produção de Lina, pelo fato de utilizar o galho da forma como ele
cai da árvore.
Outro objeto na casa projetado por ela, mas levemente diferente dos demais, é a mesa
de jantar cuja estrutura do pé é de ferro azul não tubular e cabos de aço, criando um
sistema mais complexo do que ela normalmente fazia para apoiar um grande tampo
redondo em mármore.
Todos estes projetos, até hoje, não foram apresentados ao público. Ficaram dentro do
Instituto Lina Bo e P M Bardi para o deleite dos visitantes, o que é bastante limitado
para uma coleção de móveis inovadores para os parâmetros brasileiros. A poltrona Bola
assemelha-se à poltrona estilo rede do Palma, enquanto todos os móveis tubulares
azuis aproximam-se das poltronas de Le Corbusier e Charlotte Perriard ou de Marcel
Breuer, dado o uso do metal como estrutura portante aplicado de forma simples,
resolvendo o móvel de forma funcional e elegante.
17
Sutis Substancias da Arquitetura, de Olivia de Oliveira, no capítulo sobre a Casa de Vidro, p 67
7
Fotos: Roberta Cosulich
Os tampos das duas mesas de centro executados pelo artista Enrico Galassi. O da
esquerda, com trabalhos em mármore, com uma pequena miniatura do Polochon,
personagem criado por Lina para a peça Ubu Rei. A mesa da direita é um mosaico de
pastilhas de vidro.
Luminária feita com um grande galho, Poltrona bola projetada para a residência,
provávelmente encontrado no jardim da diferente da linha de móveis Palma pelo
casa, com base em cimento e um simples uso do ferro e do couro. Particularmente
suporte para a Lâmpada. Se encontra no instigante são a cor dourada das bolas
escritório de P. M. Bardi. que servem para se apoiar ao levantar.
8
Conjunto de mesa de centro e poltronas em estrutura de ferro tubular azul. As poltronas
são mais baixas que o padrão da época e construídas com um sistema simples e
elegante de estruturação. São dois tubos vergados com dois pontos de solda. Mesmo
sistema da poltrona bola.
O uso das tiras de apoio era bastante comum no Studio Palma, mas sem o uso do
estofado.
Quarto de Lina com cama e móvel de cabeceira projetados por ela, utilizando a mesma
linguagem do mobiliário da sala em tubo azul. O pé da mesa tem o mesmo sistema de
apoio de uma das mesas de canto do Studio Palma.
Mesa de jantar com estutura em ferro azul Maçaneta das portas da Casa de Vidro
não tubular sistema de travamento com projetadas por Lina e executadas
cabos de aço. Conjunto muito mais especialmente para a residência
complexo de todos os outros móveis de
Lina.
9
Foto: Roberta Cosulich
CAPITULO 2
A PESQUISA NO NORDESTE
“Eu não entendo nada disso tudo. Para mim a arte popular não
existe. O povo faz por necessidade coisas que tem relação com
18
a vida”.
Lina Bo Bardi
Dezesseis anos após sua estada no Nordeste Lina escreve um pequeno livro, mas
muito denso, intitulado Tempos de Grossura: O design no impasse, onde ela relata a
sua experiência no Nordeste de 1958 a 1964, suas críticas e posturas. Nele se encontra
a seguinte frase
Demonstrando que ela encontrou no Nordeste uma arte mais pura, menos influenciada
pelos interesses econômicos e por culturas externas, e olhou para ela com os mesmos
olhos de um antropólogo para os índios.
Foi com intensa força buscar a base da arte brasileira, mesmo que sua amostragem se
limitasse a uma entre tantas artes populares do Brasil. Era a expressão do verdadeiro
ser humano, não influenciado pela urbanização nem pelo capitalismo gerado pelo
consumo dos turistas.
Em um artigo na revista Habitat n. 5, “uma garrafa de barro e uma concha feita com
casca de côco são analisados e definidos como objetos feios; que não há nada de
bonito neles, mas são modernos porque se pode sentir, em sua simplificação repleta de
18
GUEDES, Joaquim. Frase dita por Lina em Simposio sobre Arte Popular no Rio de Janeiro, no livro/catálogo Lina Bo
Bardi Architetto, p 15
19
BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura: o Design no Impasse p 48
10
emotividade aquela comunicação súbita e implícita das coisas que trazem ainda em si
a marca da natureza, que possuem ainda uma ‘verdade’ ”.20
Sua busca, em seu primeiro período na Bahia, fez parte de todo um movimento que foi
sonhado e transformado em realidade pelo então reitor da Universidade da Bahia,
Edgar dos Santos. Personagem “estrategicamente centrado na dimensão cultural da
vida social”22. Ele consegue promover, como já foi citado anteriormente, uma revolução
cultural com a ajuda de professores/colaboradores que constroem uma vanguarda com
base na antropologia, nas nossas origens. Mostrando que a questão artística é somente
uma das faces do problema social.
Este período e Lina foram citado pelo antropólogo e político Darcy Ribeiro em uma
entrevista em 1995. Ele comenta que “viu o velho Edgar Santos, reitor luminoso que fez
um reitorado na Bahia trazendo a cultura européia, a cultura erudita mais avançada
para a Bahia. Teve coragem de levar para a Bahia também a mulher mais admirável
que andou por São Paulo, Lina Bo Bardi. Lina que é gênio. Hoje o mundo está
descobrindo Lina.”23
Na mesma entrevista diz: “ vi do ambiente criado por Edgar e Lina surgirem Glauber,
Caetano, Gal.” Referindo-se ao cineasta Glauber Rocha e aos músicos Caetano Veloso
e Gal Costa e deixando clara a importância do Avant-Garde na Bahia
20
Habitat No 5. Artigo: Dois Objetos, de autoria provável de Lina p 64
21
BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura: o design no impasse. p 25
22
RISÉRIO, Antonio. Avant-Garde na Bahia. p 78
23
RIBEIRO, Darcy. Entrevista para a TV Cultura, programa Roda Viva, em
17 de Abril de 1995.
24
Nota prévia do livro de António Risério, Avant-garde na Bahia, escrita por Marcelo Carvalho Ferraz
11
Ao notar que o Avant-garde carregava em seus ombros a mesma, ou quase,
importância artística da Semana de 22, António Risério descreve o nome do reitor como
algo a ser gravado em cores vivas e frisa que era mais do que um reitor, pois tinha um
projeto grandioso não somente para a Bahia, com dimensão cultural e social, plantando
tudo isso no solo da Universidade com disposição de “tocador de obra”, gerando uma
plataforma de lançamento de signos.25
Muitos sustentam, com razão, que seria impossível imaginar a atual cultura brasileira
sem o movimento baiano. O cantor e compositor Caetano Veloso, que viveu a
Universidade de Edgar Santos, descreve aquele período de sua vida como o de um
deslumbramento pelo fato de a cidade estar tão presente na vida da Universidade.
Frisando também que o ocorrido na Bahia naqueles anos é ainda pouco estudado, mas
determinante para a história recente da cultura brasileira.26
O PRÉ - ARTESANATO
Lina Bo Bardi
Lina, com sua sensibilidade apurada olhava para o artesanato não como é vista a
cultura popular pelos brasileiros, que lhe atribuem um tom inferior, mas como uma
verdadeira cultura, sem menosprezá-la. Olha para o artesanato como alternativa para
um design, que use como base nossa riqueza antropológica para criar modelos próprios
e não europeus.
A partir de sua estada no Nordeste começa uma titânica busca, pesquisa e coleção de
objetos artesanais para montar diversas mostras sobre o povo brasileiro e sua
civilização. Lina deixa clara a amplitude de sua busca quando escreve que:”(…) Não era
só na Bahia, pelo menos nós do Museu de Arte Moderna. Eu me ocupei de todo o
polígono da seca”28.
25
RISERIO, Antonio. Avant-garde na Bahia. São Paulo, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi p 74
26
idem. Apresentação p 9
27
BARDI, Lina Bo. Pequenos cacos, fiapos e restos de civilizações. A Tarde Cultural. Salvador Bahia 23 de Outubro
1993 (texto original de 1980)
28
BARDI, Lina Bo. Depoimento para o livro Arte na Bahia de Marcelo Ferraz. Novembro 1990
12
No Nordeste, por exemplo, o couro é, provavelmente, o material mais utilizado no
cotidiano. A tradicional roupa de couro do vaqueiro nordestino, se observada com
cuidado, mostra que surgiu dos recursos naturais do meio e se torna uma das mais
belas manifestações da arte popular, pelo seu feitio e significado.
O traje surgiu apenas como uma proteção contra o clima e as plantas da caatinga, que
para sobreviverem a seca, desenvolveram uma grande resistência contra o calor e os
espinhos.
As vestimentas em couro iam desde o chapéu, que era símbolo de status, até as
botinas, incluindo perneiras, coletes, e luvas. O chapéu merece uma atenção por ter
nele, o status do vaqueiro que o usa. Seu formato e seus detalhes diziam se o vaqueiro
tinha posses ou quanto valente era.29
Dentre a pesquisa de Lina os ex-votos tiveram uma grande presença. Ela colecionou
alguns e fotografou vários. São cabeças feitas em madeira e, em casos raros, corpos
inteiros. “ São ‘milagres’ do Sertão nordestino, modelados secularmente em barro ou
esculpidos em madeira, expressão da fé pela graça recebida de um santo. Faz-se a
promessa, o voto. Atendido o pedido, cumpre-se a obrigação de dar testemunho do
‘milagre’, o ex-voto, que pode assumir infinitas modalidades.”30
São peças simples, feitas de troncos de árvores, sem acabamento, mas muito
expressivas.31
Em suma, Lina expressa com clareza seus ideais em seus textos e a importância que
vê em sua busca. Em um texto escrito em 1980 ela encerra afirmando que: “Com
certeza a apresentação de alguns objetos de ‘sobrevivência desesperada’ pode fazer
sorrir o economista e o planejador que se especializa. Mas é da observação atenta de
pequenos cacos, fiapos, pequenas lascas, pequenos restos que é possível reconstituir,
nos milênios, a história das civilizações”.33
29
Habitat 12. Roupas do vaqueiro Nordestino. Jul/ Set 1953
30
FROTA, Lélia Coelho. Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro. Sec XX, p 180
31
Habitat 1. Ex-votos do Nordeste, p 72. Texto sem autor.
32
Habitat 2. Cerâmica do Nordeste, p72. Texto sem autor.
33
BARDI, Lina Bo. Pequenos cacos, fiapos e restos de civilizações. A Tarde Cultural. Salvador Bahia 23 de Outubro
1993 (texto original de 1980)
13
O DESIGN E A VANGUARDA BAIANA
A vanguarda baiana, coordenada por Edgar Santos, acontece justamente para fugir
desses novos e internacionais valores e olhar para as produções locais, antropológicas.
Lina, que compartilhava intensamente os princípios com o reitor, cultiva, em sua
produção e pesquisa, modelos não europeus; em um local que oferecia condições para
este avanço cultural.
Para poder absorver sem filtros, ou minimizando-os, Lina vive sua experiência e
cotidiano com o mesmo olhar e da mesma forma que viveram os portugueses
apresentados por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. Os lusos, quando
não tinham batatas comiam mandioca, quando não tinham camas dormiam nas redes,
conforme aprenderam com os índios34. Da mesma forma, Lina absorveu os costumes
locais e aprendeu com eles, ao invés de impor os seus.
O artesanato do Nordeste é muito mais rudimentar do que Lina imaginava, por isso o
classifica como pré-artesanato e explica que é a forma raivosamente positiva que os
homens que não querem ser “demitidos” reclamam seu direito de vida.
Para Lina o artesanato popular era uma forma de agremiação, de encontro social por
um motivo comum a todos, que era o trabalho gerando uma defesa mutua.36
BAHIA NO IBIRAPUERA
34
Conceito retirado de Sergio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, p 47
35
BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura: o design no impasse p 12
36
Idem
37
Frase do catálogo da mostra Bahia no Ibirapuera. 1959. p 2
14
mostra era composta por mais de quatro mil obras de 46 países. A grande maioria
abstratos, mas com Van Gogh e Portinari como figurativos, segundo os críticos da
época.40
Menotti del Picchia, da Academia Brasileira de Letras, escreveu para o jornal A Gazeta
que: “Van Gogh e Portinari com a exposição interessantíssima da Bahia são os focos de
atração máxima da mostra nacional”41
A Bahia no Ibirapuera foi organizada por Lina Bo Bardi juntamente com o diretor da
escola de teatro da Universidade da Bahia, Martim Gonçalves, com o apoio do reitor da
mesma instituição Edgar dos Santos e o então presidente do MASP, Cicillo Matarazzo.
Foi promovido pelo Loide Aéreo, pelo Departamento de Turismo da Prefeitura de
Salvador e pelos Diários Associados de Chateaubriand.42
38
O Parque do Ibirapuera, projetado por Oscar Niemeyer, foi inaugurado em 1953 em homenagem ao IV Centenário da
Cidade de São Paulo. Juntamente com a inauguração aconteceu a II Bienal de Artes. Informações no livro IV Centenário
da Cidade de São Paulo de Silvio Luiz Lofego.
39
Arturo Profili era italiano, galerista e imigrou para o Brasil, em São Paulo, onde abriu a Galeria Sistina
40
Jornal Folha da Manhã, São Paulo, 08 de Novembro de 1959
41
Jornal a Gazeta, sem data
42
Informações dadas pelo Jornal Folha da Manhã de 8 de Novembro de 1959
43
Conforme descreve o catálogo da mostra
15
homens escravos. Seu mistério é superficial e turístico, sua
realidade não é simples e fácil.”44
O que movia Lina a lutar pelo artesanato, transportá-lo e apresentá-lo de forma tão
brilhante e cuidadosa não era a intenção de conservação e estagnação das obras, mas
encontrar nelas uma revolução. Buscava uma alternativa brasileira para o campo do
design.
Buscava mostrar à artistas e críticos uma belíssima arte brasileira sem interferências
externas. Uma arte repleta de força e significado, ao invés de olharem para a Europa
em busca de inspirações e referências.
Esta mesma mostra, às vezes reduzida em seu tamanho, foi exposta em diversos locais
e sempre gerou conflitos e debates, especialmente por ser sempre acompanhada de
sua curadora de raciocínio rápido e língua feroz, lutando em sua defesa.
A exposição que inaugura o Unhão em 1963 foi coordenada por Lina com o titulo de
Nordeste, mas segundo ela o correto teria sido chamá-la de Civilização do Nordeste,
com a intenção de enfatizar o aspecto prático da cultura. É a vida dos homens em todos
os momentos, das colheres, às armas, às roupas, às redes…
Objetos de uma beleza e rigor que somente a presença constante da realidade pode
oferecer.46
Em uma entrevista dada em 1963 sobre o Solar ela afirmou:”Nos anos 60 fizemos –
digo fizemos porque nessa época Glauber (Glauber Rocha, cineasta) estava comigo
além de uma turma muito importante – na Bahia, o conjunto do Unhão, em Salvador, já
tombado diante de sua importância histórica.”47
44
Artigo de Marco Antonio para o jornal Última Hora, São Paulo, 23 de Setembro de 1959
45
GALLO, Antonella. Lina Bo Bardi Architetto. P 141
46
Conceito no livro Lina Bo Bardi coordenado por Marcelo Ferraz, p159
47
INTERVIEW No 63 Agosto 1983. P 24 a 26. Entrevista com Carlos Roque.
16
Todos os objetos foram apresentados de forma muito simples, em estantes feitas com
tábuas de madeira sem acabamentos primorosos ou refinados, utilizando encaixes
simples, que lembram as caixas utilizadas para o transporte de laranjas. Em todas as
mostras de Lina sobre o Nordeste, até este momento, os suportes para as obras são
simples tábuas de madeira encaixada ou com poucos pregos e parafusos.
Este período funcionou como uma fissura dentro do processo evolutivo da arte
brasileira. Muitas sementes que tinham sido plantadas com muito trabalho por Lina e
por muitos outros não encontraram solo para crescerem e sumiram.
CAPITULO 3
Ao retornar a São Paulo, por causa dos militares, Lina continua sua luta em defesa do
artesanato brasileiro como caminho para a descoberta de uma arte própria, mas neste
momento ela permite, aos poucos, a entrada do design. Nas diversas mostras que
organizou no Sesc esta mudança é nítida, pois conforme mudam as exposições ela
insere objetos industrializados; sinais de uma evolução.
Para Lina, entender a diferença entre estes dois mundos e entender a arte popular pelo
seu valor intrínseco significa ver um Brasil independente, desvencilhado dos
“importados”, sem complexo de inferioridade ou medo do seu próprio produto.
48
RISÉRIO, António. Avant garde na Bahia, p 73
49
BARDI, Lina. Tempos de Grossura o Design no Impasse, p 33
50
BARDI, Lina. Tempos de Grossura, O design no Impasse, p 26
51
Idem, no texto: Um balanço 16 anos depois. p 11
17
Abraçada a esta visão dramática está a opinião de Lina sobre a cidade de São Paulo,
criando, desta forma, um conjunto muito negativo de fatores que a fizeram escrever
muito nos anos que seguiram (de 1964 à 1992) e criticar o que era feito.
Em uma entrevista para o jornal italiano Il Corriere della Sera, quando questionada
sobre a cidade de São Paulo, ela disse: “ Vejo São Paulo como a maior porcaria
existente. É uma cidade que pode ser comparada ao Principato de Mônaco, é
totalmente distinta do resto do Brasil. Cresceu espontaneamente, mas não tem nada a
ver com o Brasil”.52
Como a resposta à esta visão negativa e, extremamente frustrada pela ação dos
militares Lina segue estes anos apresentando projetos arquitetônicos repletos de
simbologias, como o Sesc Pompéia, e projetos de mobiliários muito mais simples e
essenciais do que ele criou até 1958, como a cadeira Frei Egidio e a Girafinha.
A mesma mostra apresentada no Solar do Unhão em 1963 foi para Roma em 1965 sob
convite do Itamarati, mas quando tudo estava pronto, na Galeria de Arte Moderna de
Roma veio uma “ordem superior” por telegrama mandando cancelar a inauguração e a
mostra.
O SESC
Lina não projetou somente o espaço e seus acabamentos, mas toda a mobília utilizada.
As poltronas, sofás e mesas do espaço de convívio, as mesas e cadeiras da biblioteca,
os “caixotinhos” para as crianças brincarem e estudarem, o teatro e a mobília do
refeitório.
52 o
NICOLÓ, Tino e PROIETTIS, Gianni. Un’ Adorabile Eccentricitá. Entrevista para o jornal Il Corriere della Sera. De 1 de
Setembro de 1986.
53
ZEVI, Bruno. L’ Arte dei Poveri fá Paura ai Generali. L’ Espresso, Roma, 14 de Março 1965
54
BARDI, Lina Bo. O Bloco Esportivo. Casa Vogue No 6, Nov-Dez 1986. p 134 à 141
18
São objetos que “conversam” com o espaço pela sua simplicidade, sobriedade e
simbologia. São duros e secos, como o artesanato que viu no Nordeste, mas sem cor,
com detalhes que os tornam geniais e distintos. São exatamente como descreveu Ruth
Verde Zein:”Na Fábrica da Pompéia, com sua aparente secura formal, não falta nunca
elaboração e recriação”.55
MOBILIÁRIO DO SESC
O SESC, a Fábrica da Pompéia é um dos projetos mais emocionais de Lina. Utiliza toda
a sua geometria, mas é repleto de simbologias. Não seria exagero dizer que ele soma
toda a experiência da arquiteta formado, que veio ao Brasil, que viveu no Nordeste e
que voltou à São Paulo e acumulou seus sentimentos neste projeto.
Respeitando a arquitetura, o mobiliário é simples e responde perfeitamente as
necessidades do usuário. Feito em madeira maciça tem um impacto visual muito forte e
com linhas sóbrias que lembram a dureza que ela lia nos objetos do Nordeste. Pesados
e maciços, não são muito “móveis”, se parecem mais com arquiteturas.
Um dos projetos mais inovadores de Lina é o “caixotinho”. Esta pequena caixa cortada
na diagonal com uma de suas superfícies rebaixadas criando um sistema extremamente
simples e eficiente para crianças utilizarem como mesas e poltronas. Todas as partes
tem rodinhas, facilitando o transporte e a montagem. A criança é livre para participar da
disposição e utilizá-la sozinha ou com um grupo de amigos para jogar, desenhar, ler.
Objeto de um desenho carregado de força e extremamente duro.
55
ZEIN, Ruth Verde. Fabrica da Pompéia, para ver e aprender. Revista Projeto No 92 Outubro 1986 p 44 à 55
56
Referência tirada à partir de fotos do projeto Cananéia no Instituto Lina Bo e P. M. Bardi
19
O mobiliário do Sesc inaugura uma nova fase na produção da arquiteta. Se comparados
à produção do Studio Palma (1951) ou aos móveis do primeiro Masp da rua 7 de Abril
(1947), nota-se uma mudança significativa no peso visual da peça e no não
acabamento dos pés. As primeiras mobílias eram leves, em sua maioria com estrutura
em madeira, mas com o afinamento dos pés ao encostarem no piso, um cuidado com
os encostos de braço, o uso de couro, tecido e fibras. A mobília do Sesc, em contra
partida, é firmemente colada ao piso, com toda sua pesada estrutura apoiando-se. Ao
olhar se nota somente a madeira. Em poucos momentos se vê a lona do estofado das
poltronas e o couro dos encostos. É a madeira maciça que predomina. Aparentemente
é a evolução das estruturas criadas para as mostras do Solar do Unhão e de Roma ou,
igualmente, da escada do Solar do Unhão.
São objetos únicos pois não se tinha, naquele período, nada nesta linguagem. Os
demais designers, como Sergio Rodrigues ou Tenreiro utilizavam madeira, mas de uma
forma completamente diversa.
Esta linha dura que começa com o Sesc continuará até o último projeto de Lina,
sofrendo leves mudanças.
AS EXPOSIÇÕES NO SESC
As cinco exposições organizadas por Lina no SESC têm como item comum um leque de
18 anos do retorno de Lina do Nordeste. Com este período que a distancia de sua luta
em busca de uma arte brasileira ela finalmente “permite” a entrada de novos objetos em
suas exposições.
Nestes primeiros cinco anos da década de oitenta serão apresentadas cinco mostras.
As primeiras três, em 1982, trataram de design de forma direta. As outras duas, em
1984 e 1985, apresentaram o design de forma indireta, através de cenografias que
apresentam os animais e a arquitetura; argumentos importantes para o processo
criativo de Lina e, por isso, escolhidos.
Gilberto Freyre interpreta a importância dos objetos com o mesmo olhar de Lina,
reforçando sua importância. Em um discurso de 1926 escreve:
57
FREYRE, Gilberto. Antecipações, p31
20
O design é cuidadosamente apresentado e discutido em O Design no Brasil: História e
Realidade, Mil Brinquedos para a Criança Brasileira e O Belo e o Direito ao Feio. Em
todas se notará a presença da indústria que estava em crescimento e apresentava seus
produtos, juntamente com produções manuais que nunca se extinguiram no Brasil.
A grande vaca Mecânica foi idealizada por Lina em 1988 com o auxílio do arquiteto
Marcelo Suzuki, um dos seus assistentes, que detalhou este ousado objeto que servia
para unir, em seu ventre, uma amostragem do artesanato brasileiro.
Muito trabalho foi dedicado ao projeto deste enorme objeto. No Instituto Lina Bo e P M
Bardi podem ser encontrados muitos desenhos e croquis de estudo. É um dos poucos
objetos realmente detalhados e com desenhos técnicos.
A vaca foi pensada toda em metal, com grandes rodas para seu transporte e, em seu
corpo irregular, abririam-se portas verticais e horizontais das quais sairiam prateleiras,
ou se avistaria seu interior. Nestes espaços Lina colocaria uma amostragem dos objetos
que pesquisou no Nordeste; luminárias de latas de manteiga, objetos em barro, ex-
votos em madeira, etc. Como se a Vaca sintetizasse o nordeste em seu interior. Ela,
juntamente com a cabra, são animais muito importantes para o sertão; dão o leite, a
carne e o couro.
Infelizmente Lina nunca viu seu projeto acabado, tendo sido executado somente em
2003/2004 para a mostra em Veneza em sua homenagem, durante a Bienal de
Arquitetura de Veneza.
Para a recuperação do centro histórico de Salvador, que incluía o Teatro Castro Alves
Lina “contraria a visão acadêmica do restauro tradicional, que pensa somente nos
monumentos e não nos homens”.59 E reforma o espaço transformando o edifício de dois
andares em um teatro plano, sem platéia definida.
O amplo espaço conta com uma belíssima escada em concreto solta em torno de uma
coluna, inspirada nas belas estruturas do arquiteto italiano Pier Luigi Nervi, e a de uma
antiga cadeira das igrejas italianas que existem na Casa de Vidro dos Bardi.
58
Trecho no livro Lina Bo Bardi, de Marcelo ferraz, na página 304
59
BARDI, Lina Bo. no livro Lina Bo Bardi, coordenado por Marcelo Ferraz na página 276
21
Lina vê no projeto “o teatro tem cadeira de madeira maciça Frei Egidio, que responde
perfeitamente às necessidades de mobilidade do teatro. Feita com tábuas de madeira
maciça dobrável, com mesmo sistema que sai nas praças, nas ruas, que invade a
cidade, cadeiras e móveis que saem das casas; gente, homens, mulheres, crianças,
todo um povo,(…)”.60
O restaurante deste novo espaço recebeu em seu centro uma grande mesa oval para
que todos sentassem nela e pudessem ficar próximos para rir e conversar com, ao
redor, a cadeira Girafinha que, com o passar dos anos, se tornará, juntamente com a
poltrona Bardi’s Bowl de 1951, um dos símbolos de seu trabalho. É o produto mais
recente de toda sua produção e espelha seu amadurecimento. Tem a geometria limpa e
os encaixes simples de toda a mobília do Sesc Pompéia, mas adquiriu leveza e
elegância. Um assento redondo, três pés retos dos quais um se torna apoio para o
pequeno encosto. É a simplificação máxima de um objeto de sentar.
CONCLUSÃO
A arquiteta Lina Bo Bardi, nos seus 35 anos de produção, de 1947, quando chega ao
Brasil, a 1992 quando falece, apresenta um fio condutor composto de sensibilidade e
competência em suas obras. Desde sua primeira cadeira no estúdio Bo e Pagani em
Milão até a Grande Vaca Mecânica de 1988, um não conformismo acompanhou seu
raciocínio deixando cair o véu do pré-conceito criado pela cultura e pelos costumes.
Em todo o seu percurso como designer nenhum objeto foi criado gratuitamente. Todos
tem sua história e motivo para existirem.
A produção que antecedeu ao período nordestino, que foi do Studio Palma, do Masp da
rua 7 de Abril e da Casa de Vidro se parecem e respondem aquilo que Lina e Pietro
tinham se dispostos a fazer: Gerar móveis modernos que funcionassem e fossem
produzidos em série.
Até 1958 Lina desenvolveu uma vasta produção de objetos e mobiliário. Com sua ida ao
Nordeste encerra esta sua atividade projetual, utilizando-a somente quando requisitado
em alguns poucos projetos cenográficos e de arquitetura, dedicando-se quase que
exclusivamente à sua pesquisa sobre a arte popular.
Lina retoma seus projetos após seis anos no Nordeste, mas com o olhar decididamente
alterado: endurecido. Ela não se permite mais os detalhes anteriormente utilizados. Os
móveis desenvolvidos para o Sesc Pompéia são exemplos de que o traço não é mais o
60
BARDI, Lina Bo. no livro Lina Bo Bardi, coordenado por Marcelo Ferraz na página 276
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mesmo. São objetos de uma simplicidade de desenho única e de uma sizudez visual
muito forte. Os objetos criados depois de 1964 tem aquele “soco no estômago” a que se
referia Lina quando falava da arte popular do Nordeste.
Esta pesquisa entende reunir em um único documento todos estes objetos para trazer à
luz um futuro debate.
Bibliografia
Livros:
BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura: o design no impasse. Ed. Instituto Lina Bo e P. M. Bardi,
São Paulo, 1994
a
FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. Ed. Usp. São Paulo. 2001. 1 edição
FERRAZ, Marcelo de Carvalho. Org. Lina Bo Bardi. Ed Charta e Instituto Lina Bo e P. M. Bardi,
Milão, 1994
FROTA, Lélia Coelho. Pequeno dicionário da Arte do Povo Brasileiro. Sec XX. Ed Aeroplano,
São Paulo, 2005
GALLO, Antonella. Lina Bo Bardi Architetto. Ed DPA Marsilio. Veneza, Itália, 2004
HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. Ed Cia das Letras, São Paulo, 1995, 26°
Edição
LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da Cidade de São Paulo. Ed Anna Blume, São Paulo 2004.
1° Ed.
OLIVEIRA, Olivia de. Sutis Substâncias da Arquitetura. Ed GG e RG, São Paulo, 2006
RISÉRIO, António. Avant-Gard na Bahia. Ed Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, São Paulo, 1995
SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. O Móvel Moderno no Brasil. Ed USP, São Paulo, 1995
Catálogos:
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Periódicos:
Video:
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