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O Funcionalismo de Günther Jakobs

O modelo funcional radical, sistêmico ou estratégico nada mais é do que uma construção dogmática que busca
explicação aos fins a que se destina o direito penal. Este deve desempenhar uma função útil à sociedade e, nessa
medida, o direito se revela como instrumento para atender às expectativas criadas e mantidas pelas pessoas.

Günther Jakobs se baseia na teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann, a fim de distinguir referidas expectativas.

Afirma Jakobs que as pessoas agem comunicativamente segundo um rol de competências (são centros de imputações e
obrigações), gerando expectativas nas demais pessoas com as quais interagem.

Os comportamentos humanos, por sua vez, podem se seguir conforme o esperado e, portanto, diz-se que o cidadão
“cumpriu com o seu papel social”, ou podem ir de encontro ao que é reputado ideal. Quando isto ocorre, diz-se que
houve uma desfunção da pessoa, uma defraudação de expectativas, o que legitima a intervenção de um subsistema – o
direito –, a fim de manter a estabilidade na norma.

Desta premissa decorre o fundamento extremado normativista de Jakobs: a busca pela mantença do que a norma
ordena, de forma incondicional, isto é, a obediência irrestrita à norma. E para que este mister se torne viável, Jakobs
propõe a funcionalização dos conceitos da teoria do delito, ou seja, introduz um sentido axiológico às premissas
sistemáticas de cunho positivista, exaltadas pela dogmática finalista, até então reinante.

Com efeito, o funcionalismo representa uma verdadeira reação ao ontologicismo lógico do finalismo. Este é criticado por
fundar-se tão-somente na lógica e, conseqüentemente, em conceitos que pré-existem ao direito penal, de forma que a
articulação desses conceitos, tal qual uma operação matemática, leva a determinado resultado, tido por jurídico. Vê-se
que a exigência sistemática dessa teoria é primordial.

Mencionado tecnicismo jurídico é repudiado pelo funcionalismo, já que desprovido de valor social. De fato, a construção
do sistema jurídico-penal não deve estar adstrita a dados meramente ontológicos, tais como a ação, a causalidade,
enfim, estruturas lógico-objetivas, mas sim orientar-se aos fins do direito penal.

Prima-se, portanto, pela construção teleológica de conceitos, pela materialização dos elementos do delito, sempre
considerando qual é a função desempenhada quando exercido o “ius puniendi” estatal.

Referida idéia de densificação dos elementos valorativos é comum à doutrina funcionalista, tomada aqui como gênero.
Impende-nos, contudo, para fins didáticos, apontar as divergências existentes no entendimento das duas vertentes mais
expressivas do funcionalismo na atualidade: o teleológico ou racional de Claus Roxin, bem como o sistêmico ou radical
de Günther Jakobs, cerne do presente estudo.

Ambas teorias partem da premissa de que o direito possui uma ideologia, isto é, cumpre uma missão social. Uma vez
descumprida esta, é necessário que o próprio ordenamento preveja meios pelos quais a normalidade, a ordem social se
restabeleça. Vejamos quais são estes meios.

Claus Roxin considerada a necessidade de valorar todos os elementos do crime, segundo um critério amparado na
política criminal.

Assim, a tipicidade deve ser compreendida como corolário garantidor do princípio da reserva legal; a antijuridicidade, por
sua vez, como necessária à resolução de conflitos sociais; por fim, a culpabilidade indicará quando a autor de um
comportamento ilícito merece ou não ser apenado por razões de prevenção geral e especial.

Esse último aspecto, especificamente, a finalidade de aplicação da pena, recebeu importância peculiar. Ora, se o delito
se caracteriza como conjunto de pressupostos da pena, devem tais pressupostos ser construídos e valorados tendo em
vista as conseqüências do apenamento.

Nessa análise, Roxin considera primordial se perquirir acerca do bem jurídico lesado ou ameaçado de lesão. A pena
deve orientar-se principiologicamente, excluindo de sua fundamentação tudo o que não corresponde à função de
garantia dos cidadãos – idéia que representa o fundamento político do princípio da legalidade e se coaduna ao princípio
da intervenção mínima.

Portanto, para Roxin o bem jurídico é referência normativa. Tal consideração implica em rejeitar o emprego de toda
norma incriminadora que não corresponda à proteção de um bem jurídico que seja indispensável ao desenvolvimento
social do indivíduo.
Jakobs, por sua vez, aduz que direito penal não deve ter como premissa o bem jurídico lesado ou posto em perigo,
senão o descumprimento da norma que regula as relações sociais.

Vê-se que Jakobs rechaçou o ontologicismo de uma forma mais radical, ao justificar o sistema penal de um modo
totalmente axiológico. O critério sistêmico de apreciação do delito proposto é puramente normativo.

Jakobs afirma que o direito penal se presta a aplicar as normas que o consubstanciam. Não questiona o conteúdo destas
ou a legitimidade de sua elaboração. Pressupõe que estas normas enunciam o comportamento tido como padrão pela
sociedade (correspondências às expectativas sociais).

Daí infere-se o apego e a preocupação com a vigência da norma. O delito, por sua vez, viola a estabilidade normativa, a
medida em que vai ao encontro do previsto no tipo e de encontro ao previsto na norma.

Considera-se, destarte, que tão-somente a imposição de uma pena fará com que se reafirme a vigência da norma
violada.

A medida em que a norma penal motiva a confiança da sociedade no sentido de sua confirmação – eficácia –, o seu
descumprimento ensejará a atuação do “ius puniendi”.

A funcionalidade da teoria em apreço reside no fato de que não importa o bem jurídico violado pela conduta incriminada.
O crime sempre se traduzirá em lesão da própria norma, o que legitima, por si só, a intervenção penal.

Desta feita, se o direito garante um grau indispensável de direcionamento dos comportamentos e de estabilização das
expectativas, seu mister independe do conteúdo específico das normas.

Tal entendimento, entretanto, afigura-se compatível com qualquer orientação político criminal, já que a norma é
despicienda de justificativa. Vislumbra-se plenamente possível, portanto, a aplicação dessa teoria como fundamento de
Estados totalitários, despóticos, uma vez a norma não perde a capacidade de se auto justificar. Por essa razão, a teoria
funcional sistêmica é alvo de diversas críticas doutrinárias.

Diante de todo o exposto, podemos concluir que o funcionalismo é um modelo dogmático ainda em evolução. De fato,
não é função do direito a simples descrição da realidade, mas sim a realização de valores. Todavia, a admissão desse
mister e a sua realização devem ser consentâneas a um Estado Social e Democrático de Direito, posto que apenas este
legitima a atuação do direito penal em atendimento às expectativas sociais.

Karina Jemengovac
Aluna do Curso FMB

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