You are on page 1of 4

Abordar textos com marcas próximas do DISCURSO LÍRICO

Quando os textos são predominantemente marcados pela primeira pessoa, diz-se que a subjec-
tividade e a função emotiva ou expressiva ganham relevo.
É necessário distinguir os textos referentes a uma primeira pessoa ficcionada (a personagem
criada) dos que têm no "eu" a marca de centralidade do sujeito de enunciação identificado
com o sujeito do enunciado e com o autor do texto. Neste último caso, são particularmente
evidentes as aproximações, ao nível das marcas da linguagem, face ao discurso lírico - aquele
que, retratado no âmbito literário, se configura no texto lírico e pela forma como Vítor
Manuel de Aguiar e Silva o apresenta:

"A poesia lírica não se enraíza no anseio ou na necessidade de descrever o real empírico, físico e social,
circunstante ao eu lírico, nem no desejo de representar sujeitos independentes deste mesmo eu ou de
contar uma acção em que se oponham o mundo e o homem ou os homens entre si. Enraíza-se, em con-
trapartida, na revelação e no aprofundamento do eu lírico - no modo lírico, o eu do autor textual man-
tém em geral uma relação de implicação com o eu do autor empírico mais relevante do que no modo
narrativo e no modo dramático -, tendendo sempre esta revelação a identificar-se com a revelação do
homem e do ser (...).
O mundo exterior, as coisas, os seres, a sociedade e os eventos históricos não constituem um domínio
alheio ao poeta lírico, nem este pode ser figurado como um introvertido total, miticamente insulado
numa integral pureza subjectiva (que seria uma patologia autista). O mundo exterior, todavia, não
representa para o eu lírico uma objectividade válida enquanto tal, pois constitui um elemento semân-
tico-pragmático do texto lírico somente enquanto se projecta na interioridade do poeta, enquanto se
transmuda, nas «galerias da alma» a que se refere Eugénio de Andrade, em revelação íntima e ao
mesmo tempo cósmica. O acontecimento exterior, quando está presente num texto lírico, permanece
sempre literalmente como um pretexto em relação à estrutura e ao significado desse texto: o episódio e
a circunstância exteriores podem funcionar como elementos impulsionadores e catalíticos da produ-
ção textual, mas a essencialidade do poema consistirá, graças à fulguração da palavra, na emoção, nas
vozes íntimas, na meditação, na ressonância mítica e simbólica, enfim, que tal episódio ou tal circuns-
tância suscitam na subjectividade do poeta."

In Teoria da Literatura, Almedina, 1984, págs. 583-4


Carlos Reis, por seu lado, acrescenta que

"... os textos líricos evidenciam uma tendência marcadamente subjectiva. Traduz-se essa ten-
dência, em primeira instância, na insistente presença de um eu que, em muitos textos líricos,
se expressa através da enunciação da primeira pessoa verbal: ..."

In O Conhecimento da Literatura — Introdução aos Estudos Literários,


Almedina, 1997, pág. 318

Pelo exposto, e convocando os conhecimentos implicados pela presença preponderante desse


"eu" no discurso, sistematizam-se algumas das marcas e das tipologias textuais reveladoras
do discurso da primeira pessoa:
Para melhor avaliar o eventual trabalho com textos caracterizados por marcas próximas dos
textos líricos, propõe-se um percurso orientado à base de instruções implicadas na aborda-
gem desta tipologia textual:

1. Procedi a uma primeira leitura, silenciosa, para me familiarizar com o texto.

2. Repeti a leitura para apreender o significado global, tendo


2.1. verificado se conhecia o sentido denotativo das palavras;
2.2. procurado, no dicionário, o significado das que me causaram dúvida;
2.3. relacionado palavras de acordo com um campo lexical/campo associativo;
2.4. construído relações lógicas entre palavras ou ideias-chave;
2.5. estabelecido pontos de aproximação/afastamento semântico ao longo do texto;
2.6. sublinhado os vocábulos cujo sentido parece ir além do denotativo;
2.7. procurado informação contextuai que me ajudasse a encontrar alguma intencio-
nalidade sugerida pela/na escrita do texto.

3. Verifiquei a presença/ausência de marcas explícitas associadas à primeira pessoa (deter-


minantes/ pronomes/ conjugações verbais/marcas de referência deíctica ou outras pistas de
subjectividade linguística).

4. Detectei a presença de um receptor no discurso,


4.1. destacando as marcas linguísticas da sua presença (determinantes/ pronomes/
conjugações verbais/ marcas de referência deíctica ou outras pistas orientadas para a
segunda pessoa):
4.2. procurando encontrar relações daquele com o emissor;
4.3. justificando a sua presença;
4.4. interpretando o valor semântico/expressivo dos termos que se lhe referem.

5. Encontrei referências a elementos da natureza/ambientais, tendo


5.1. atentado na carga semântica dos termos que concorrem para a sua caracterização;
5.2. identificado o papel que lhes é atribuído;
5.3. estabelecido relações com o emissor.

6. Identifiquei marcas da função da linguagem predominante no texto.


7. Relacionei os tempos/modos verbais com a funcionalidade e intencionalidade do emissor.

8. Segmentei o texto de acordo com um critério linguístico, atentando principalmente


8.1. na funcionalidade dos tempos/modos verbais;
8.2. nos articuladores utilizados;
8.3. na funcionalidade dos tipos e formas de frase;
8.4. na pontuação.

9. Encontrei outros elementos que contribuem significativamente para o texto, como:


9.1. a alteração da ordem sintáctica normal, relevando certos elementos na frase;
9.2. a maiusculização de certas palavras;
9.3. o predomínio de certas estruturas gramaticais ao longo do texto;
9.4. a utilização de recursos estilísticos;
9.5. os efeitos de sonoridade (aliterações, assonâncias, rima);
9.6. a sua disposição gráfica.

10. Identifiquei o tom caracterizador do texto/de segmentos textuais (cómico, irónico, paró-
dico, lírico, patético, polémico, trágico, neutro, ...)

11. Detectei a presença/ausência do título,


11.1. avaliando a sua adequação ao tema/assunto do texto, no caso da presença;
11.2. sugerindo-o, justificadamente, no caso de ausência.

12. Relacionei a mensagem com experiências do quotidiano, encontrando nela valores mais
universais.

You might also like