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de Anderson_Aguiar

O VAZIO CO NT O DA
VIDA

Copyright© 2001 Anderson de Aguiar de Oliveira


Contos para refletir num canto
MSN: anderson.direito@gmail.com

VIDA IDOLATRADA PELO SANGUE DO INFERNO

Existem vidas vazias, existem pessoas vazias e ainda,


pessoas vazias com vidas vazias. A essas cabe uma vida
hipócrita na qual existe apenas uma esperança: Que os
escaravelhos e vermes não deixem pedaços seus ao urubu!

VIDA VAZIA

Olho no relógio, faz três horas e cinco meses que minha


vida deixou de existir, não morri, mas todas lembranças e
um possível futuro desapareceram subitamente, se perdi a
memória? Não sei, para mim, apenas sumi!
Olhou no relógio, são 4 horas da tarde, percebe-se
aflição no sujeito que olhara as horas segundos antes de
retirar o revolver da gaveta e disparar um tiro em seu
próprio braço. Loucura que seria incompreensível se não
fosse o fato de que cinco meses antes... Bem, vamos ao que
aconteceu:

O QUE ACONTECEU

Pátria amada, idolatrada e o coitado é brasileiro, tem


apenas 7 anos de idade e já conhece o preconceito racial de
perto, mas também, mora num lugar onde só tem brancos e
não quer ser considerado diferente, assim, das duas uma, ou
ele é reverenciado como um ser superior e adorado por
todos ao seu redor, ou maltratado e desprezado por todos,
tido como ser inferior, certamente, olhando aquele preto
horroroso, desprezível e sujo, a segunda opção recai sobre a
tola e fraca mente daquele pedaço de carvão.
Falam em lei áurea na escola, mas sou o único sempre
de castigo, falam que libertaram e deram vida justa a raça
negra, mas por que devo esperar aqueles brancos
lancharem no refeitório para depois eu ir? Será que sou
alguma doença contagiosa e não posso me misturar, nem
sequer chegar perto? Odeio toda a raça branca e mais ainda
a repugnante raça negra que tanto me humilha pertencer.
Sinto que sou o veneno de minha própria vida, porém, este
veneno acaba com a vida e não com meu corpo e minhas
dores, sou simplesmente, uma fruta podre presa aos galhos
que nunca foi alimentada, não me cabe o direito nem de cair
no chão para decompor.
“Morte” é o carinhoso apelido dado ao urubu ignorante
que persiste em habitar o mundo dos brancos, é muita
ousadia desse ex-escravo ir a escola, mais que isso, querer
viver e falar como um branco, mas nada que a vida não cure
com alguns tapas atrás da orelha e pancadas na cabeça.
Morre infeliz!
Sou sempre agredido, meu professor, meus colegas, sei
que sou o motivo para eles não gostarem de mim, minha
cor, meu sangue são diferentes dos deles, mas como posso
mudar isso? Devo me matar para amenizar o ódio dos que
tanto amo, pois não os odeio, odeio nossas raças,
certamente seria igual se não fosse tão diferente.
Agora esse negro vacilou! Na minha sala de aula o preto
sujo levantou-se sem minha permissão e disse que tinha
uma carta para mim, como se eu houvera lhe ensinado a
escrever algum dia, que desrespeito!
Fruto de tanto ódio, semente do preconceito e raiz da
intolerância, minha cor condena-me a viver no abismo da
infelicidade, se não posso chorar como um ser humano,
branco ou negro, tanto faz, se Deus deu-me vida e pediu
para servir à somente ele, se todas as possibilidades de
tentar ser igual à vocês fracassaram, aceito minha posição,
não sou mais ser humano, mas apenas negro, como ser
humano, obedeci à vocês em tudo e ainda, vos amei, por
mais que façam coisas contra mim, pela minha cor, vos amo
e sempre amarei.
Antes de ler essa carta, havia, por me desrespeitar,
batido tanto naquele negro imundo, que ele morreu, a
felicidade assombrava os olhares da classe que brilhavam,
enfim, o preto havia morrido. O corpo dele estava rodeado
de urubus e demorei o tempo de ler a carta para perceber.
Não tirei a vida de um negro medíocre e sim de um
menino que queria viver, junto com essa criança, morreu
minha alma vazia, minha mente vazia e meu coração vazio,
nunca vivi e não mais viverei, se esta é minha sina, é porque
eu o fiz, enxerguei a vida com os olhos e não com o
coração.

AÍ ENTÃO

Castigou-se durante cinco meses até decidir-se dar um


tiro no braço que matou a criança, demorou mais um minuto
e então, colocou uma bala em sua cabeça, assim, encerrou
uma vida que nem começou, pois se conseguiu tanto ódio
por quem o amava, se viveu exclusivamente para acabar
com a vida alheia, se a simples existência do Morte trazia
consigo o desprezo do seu professor, é porque a vida dessa
pessoa era vazia demais para existir e sumiu, enquanto ao
Morte, logo que percebeu o quanto o preconceito esvazia a
vida, tentou completar vossas vidas com amor, mas o
mataram!
Foi-se uma vez uma criança negra que cometeu o
inescrupuloso crime de tentar viver!

FIM
Você entendeu o texto? Responda as três questões abaixo.

1) Assinale a alternativa correta: com base no texto “O vazio conto da vida”, pode-se
afirmar que:

a) O autor do texto é racista.


b) Preto sujo, urubu e fruta podre são características apontadas exclusivamente ao
personagem “Morte”.
c) O personagem “Morte” não tinha amigos.
d) Ainda existe, hoje em dia, muito preconceito racial em nossas escolas.
e) O personagem “Morte” morreu, mas o “professor” não.

2) Neste conto, as palavras “urubu” (linha 30) e “urubus” (linha 52) foram citadas com o
objetivo de fazer alusão ao animal urubu, no entanto, podemos afirmar que, embora essas
duas palavras façam referência ao mesmo animal, a analogia empregada em cada uma
não foi a mesma da outra? Justifique a tua resposta.

3) Morte, apelido do “antagonista” deste conto, morreu. Qual o sentido da palavra morte
no texto? E na tua opinião, por que o personagem recebeu este apelido?

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